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MODELAGEM DE NÍVEIS FREÁTICOS EM ÁREA DE RECARGA DO

SISTEMA AQUÍFERO GUARANI SOB DIFERENTES USOS DO SOLO

Rodrigo L. Manzione1; Francisco F. N. Marcuzzo2 & Edson Wendland3

Resumo – O Sistema Aqüífero Guarani (SAG) é uma das mais importantes reservas de água
subterrânea do mundo, cobrindo uma grande porção da parte sul do continente sul-americano. O
monitoramento de lençóis freáticos é um elemento chave na gestão e planejamento das águas
subterrâneas. O objetivo desse trabalho foi entender o comportamento do lençol freático sob
diferentes usos do solo (citros e cana-de-açúcar) e as interações desses cultivos com solo e clima,
afetando a recarga do aquifero. Foi aplicado o chamado modelo PIRFICT, um tipo especial de
modelo de transferência de ruído, na modelagem de dados de monitoramento de níveis freáticos em
uma bacia em área de recarga do SAG em Brotas (SP). O modelo PIRFICT usa séries temporais de
observações de alturas de lençol freático e de precipitação e evapotranspiração potencial para
descrever a relação dinâmica entre os níveis freáticos e o déficit/excedente de precipitação. Os
parâmetros do modelo são interpretados fisicamente e possibilitam a compreender como os
diferentes usos do solo interagem com as alturas do lençol e com a recarga. Os resultados
demonstram diferenças entre os cultivos, principalmente quanto aos parâmetros do modelo. As
calibrações do modelo descreveram o comportamento das águas subterrâneas na bacia, sendo fiéis
às observações.

Abstract – Guarani Aquifer System (GAS) is one of the most important groundwater reservoirs in
the world, covering a big portion of the southern part of the South American continent. Monitoring
water table depths is a key element on groundwater management and planning. The aim of this work
was to understand water table behavior under different agricultural crops (citrus and sugarcane) and
the interactions of these crops with soil and climate affecting aquifer recharge. We applied the so-
called PIRFICT-model (Predefined Impulse Response Function In Continuous Time), a special type
of transfer function-noise model, to model water table monitoring data from a watershed in a
Guarani Aquifer System recharge area in Brotas, São Paulo, Brazil. The PIRFICT-model uses time
series of observed water table depths and series of precipitation and potential evapotranspiration to

1
UNESP/Ourinhos – Av. Vitalina Marcusso, 1500 CEP: 19906-206 Ourinhos (SP) Fone: 14 33025716 manzione@ourinhos.unesp.br
2
CPRM – Serviço Geológico do Brasil, Ministério de Minas e Energia. Rua 148, 485 CEP: 74170-110 Goiânia (GO) fmarcuzzo@go.cprm.gov.br
3
EESC/USP – Depto. de Hidráulica e Saneamento. Av. Trabalhador Sãocarlense, 400 CP 359 CEP: 13566-590 São Carlos (SP) ew@sc.usp.br

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describe the dynamic relationship between phreatic levels and precipitation surplus/deficit. The
parameters of the model are interpreted physically and possible interpretation of how different land
uses interacts with water table depths and interfere in the recharge. The results showed differences
between cultivations, most in the model parameters. The model calibrations described water table
behavior in the basin, being accurate with observations.

Palavras-Chave – Monitoramento, séries temporais, modelo PIRFICT.

1 - INTRODUÇÃO

O Sistema Aquifero Guarani (SAG) é um aqüífero transfronteiriço que cobre 1,2 milhões de
km² nos territórios argentino, brasileiro, paraguaio e uruguaio. Devido à importância social e
econômica do aqüífero para esses países, o uso coordenado dessas reservas se faz necessário.
Durante a última década, os quatro países concentraram esforços para investigar essa reserva e
entender seus mecanismos de recarga e descarga, buscando um uso sustentável e uma exploração
eficiente das águas subterrâneas (OAS/GEF, 2001). Uma das premissas básicas para uma gestão
eficaz dos recursos hídricos é através de estudos hidrogeológicos. A implementação de um sistema
de monitoramento (Wendland et al., 2007), que permita a aquisição de informação detalhada das
condições e do comportamento do SAG em locais específicos é um pré-requisito para um gestão
eficiente desse aqüífero.
Nas regiões sul e sudeste do Brasil, estima-se que cerca de 10 milhões de pessoas estejam
habitando os domínios do SAG (Rocha, 1997). Grande parte dessa população é dependente
exclusivamente de suas águas. Tanto a população quando os sistemas agrícolas implantados nessas
regiões não respeitam os padrões sazonais da recarga, utilizando as águas do SAG continuamente.
Os sistemas agrícolas também possuem necessidades hídricas distintas, em função da fisiologia ou
morfologia das plantas, exercendo diferentes influências sobre a dinâmica dos aqüíferos e a recarga
direta. O monitoramento do lençol freático fornece importantes informações para otimizar e
balancear os interesses econômicos e ecológicos (Von Asmuth e Knotters, 2004). A exploração
intensiva das águas subterrâneas pode causar rebaixamentos sistemáticos no lençol freático, com
muitos aspectos negativos. Essas mudanças podem afetar não somente o balance hídrico e o
ecossistema, mas também colocar em risco populações cujo abastecimento é dependente das águas
subterrâneas.

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A caracterização dos recursos hídricos subterrâneos é importante para estimar o risco
associado à níveis d’água extremos, monitorar o comportamento desses níveis em função do uso do
solo, intervenções antrópicas e mudanças climáticas, e para desenvolver estratégias na gestão das
águas. Para subsidiar a gestão das reservas subterrâneas em áreas de afloramento é necessário
monitorar os recursos hídricos, modelar os processos hidrológicos e simular os efeitos de políticas
públicas, como extração e bombeamento. Também se fazem importantes informações sobre as bases
físicas dos fenômenos em questão, mas a incerteza sobre as predições de modelos devem ser
consideradas. Em hidrologia, existem diversas maneiras de se modelar a dinâmica do lençol
freático. A análise de séries temporais é um método estocástico empírico para modelar dados de
monitoramento de piezômetros, sem a complexidade de modelos físico-mecanísticos. Nesse tipo de
análise, muitos autores se referem a modelos de transferência de ruído para descrever a relação
dinâmica entre variáveis de entrada climatológicas e alturas de lençol freático (Box e Jenkins, 1976;
Hipel e McLeod, 1994; Tankersley e Graham, 1994; Van Geer e Zuur, 1997; Yi e Lee, 2003; Von
Asmuth e Knotters, 2004; Von Asmuth et al., 2008). O componente estocástico desse tipo de
modelo permite quantificar a incerteza associada às predições.
O objetivo desse estudo foi entender o comportamento do lençol freático sobre dois
diferentes usos do solo (citros e cana-de-açúcar) em uma bacia hidrográfica localizada em área de
recarga do Sistema Aquifero Guarani, e as interações entre solo, planta e atmosfera que interferem
nos mecanismos de recarga do aqüífero. A bacia do Ribeirão da Onça foi escolhida para o estudo
uma vez que apresenta características representativas de áreas de afloramento do SAG. A área está
localizada na poção central do Estado de São Paulo. Essa área de afloramento tem elevada
importância devido à alta taxa de exploração e a sua vulnerabilidade natural. Essas supostas áreas de
recarga, estratégicas para a sustentabilidade do aquifero, tem ganhado atenção de diversos autores,
procurando entender o processo e quantificar a recarga na região (Giampá e Souza, 1982; Contin
Neto, 1987; Mattos, 1987; Corrêa, 1995; Cunha, 2003; Gomes, 2008).

2 - MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 - Área de estudo


A Bacia do Ribeirão da Onça localiza-se na região do Município de Brotas, no centro-norte
do Estado de São Paulo, entre os paralelos 22º10’ e 22º15’de latitude sul e entre os meridianos
47º55’e 48º00’ de longitude oeste (Figura 1). O Ribeirão da Onça é um dos formadores do Rio
Jacaré-Guaçu, afluente do Rio Tietê pela margem direita.

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Figura 1. Localização da Bacia do Ribeirão da Onça, Brotas-SP e distribuição dos poços.

A região pertence à área de afloramento do Aqüífero Guarani e é de extrema importância por


apresentar características representativas típicas da região de afloramento do SAG no Estado de São
Paulo e devido a sua alta representatividade como possível área de recarga do sistema. Uma
característica importante desta bacia é situar-se quase inteiramente em uma região de afloramento
da Formação Botucatu, podendo fornecer elementos de interesse para o aprofundamento dos
conhecimentos sobre o comportamento do SAG. Quanto à descrição litológica, a bacia do Ribeirão
da Onça apresenta arenitos castanhos claros, de fino a muito grosseiro, mal selecionado, friável,
com níveis de cascalho, originários da Formação Botucatu. Os solos provenientes desse arenito
desagregado apresentam composição homogênea, não havendo presença de argilas com exceção da
região próxima ao exutório da bacia. Na Formação Pirambóia, mais profunda, o arenito apresenta
coloração cinza acastanhado, de muito fino a grosseiro, mal selecionado, pouco argiloso. A partir de
150 metros já são encontrados diabásios na forma de soleiras. As regiões de afloramento são
estratégicas para a sustentação do Aqüífero e têm merecido atenção de diversos trabalhos (Giampá e
Souza, 1982; Contin Neto, 1987; Mattos, 1987; Corrêa, 1995; Cunha, 2003; Barreto, 2006;
Wendland et al., 2007; Gomes, 2008) no sentido de entender e avaliar como a recarga ocorre.

2.2 - Dados disponíveis

Os níveis freáticos são observados em 23 poços distribuídos ao longo da bacia com uma
freqüência quinzenal (Figura 1). Os poços estão localizados em regiões de diferentes ocupações do
solo na bacia (eucalipto, cana-de-açúcar, pastagens e citros), permitindo observar as variações dos

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níveis freáticos sob diferentes exigências hídricas. O monitoramento dos níveis freáticos teve inicio
em 2004 compondo uma série histórica contínua até 2009. A uma distância de 1,5 km da bacia de
monitoramento (Barreto, 2006) encontra-se a Estação Climatológica do Centro de Recursos
Hídricos e Ecologia Aplicada (CRHEA) da Universidade de São Paulo (USP) onde são registradas
séries de precipitação e obtidos os dados climatológicos para a estimativa da evapotranspiração,
utilizadas como variáveis explicativas no modelo de oscilação dos níveis freáticos. Os dados
climáticos disponíveis na Estação Climatológica formam uma série temporal com início em 1974. A
evapotranspiração potencial foi calculada pelo método de Penman-Monteith (Monteith, 1965):

 D
 ∆(R n + G) + 0,0864ρ a c p 
1 ra
ETP =   (mm.dia −1 ) (1)
λ r 
∆ + γ(1 + d )
 ra 

em que λ (2,5 MJ.kg-1) é o calor latente de evaporação da água, ∆ (kPa.K-1) é o gradiente da curva
de saturação de vapor d’água em função da temperatura do ar, Rn (MJ.m-2.dia-1) é o saldo de
radiação, G (MJ.m-2.dia-1) é o fluxo vertical de calor no solo (normalmente adota-se o valor zero), ρa
(kg.m-3) é a densidade do ar, cp (1004 J.kg-1.K-1) é o calor específico do ar, D (kPa) é o déficit de
pressão de vapor d’água, γ (kPa.K-1) é a constante psicrométrica, ra (s.m-1) é a resistência
aerodinâmica, rd (s.m-1) é a resistência do dossel da planta e 0,0864 é o fator de conversão de (J.s-1)
para (MJ.dia-1).
Para esse estudo foram selecionados os poços 14 e 15, localizados próximos ao exutório da
bacia piloto de monitoramento. Estes poços estão sob o mesmo domínio geológico, tipo de solo,
profundidade do poço, diferindo apenas quanto ao uso a que são submetidos: poço 14 em área de
cultivo de citros e poço 15 em área sob cultivo de cana-de-açúcar (Figura 1). Esses poços
encontram-se a uma distancia de 600 metros de distancia um do outro e possuem uma diferença de
cota altimétrica de 8 metros. As séries de evapotranspiração potencial calculadas foram corrigidas
em função da vegetação predominante sobre os poços analisados, utilizando-se para isso o
coeficiente cultura (Kc).

2.3 - Modelagem dos dados proposta


2.3.1 - Modelos de séries temporais regionalizados

Informações sobre a dinâmica de níveis freáticos são importantes para balancear os interesses
econômicos e ecológicos quanto ao uso do solo e da água (Von Asmuth e Knotters, 2004). Em

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hidrologia, a dinâmica do lençol freático tem sido explicada de diversas formas. No campo das
análises de séries temporais, modelos de função de transferência de ruído (transfer-function noise
models-TFN) têm sido aplicados para descrever a relação dinâmica entre a precipitação excedente e
os níveis freáticos (Box e Jenkins, 1976; Hipel e McLeod, 1994; Tankersley e Graham, 1994; Van
Geer e Zuur, 1997; Yi e Lee, 2003). O sistema transforma séries de observações de entrada
(variáveis explicativas) em séries de saída (variável de resposta, no caso níveis freáticos), conforme
a Figura 2.

Figura 2. Representação esquemática de um modelo de função de transferência de ruído.

A relação dinâmica entre a precipitação e os níveis freáticos pode também ser descrita por
modelos físico-mecanísticos de fluxo. Entretanto, modelos muito menos complexos como os
modelos de função de transferência de ruído geralmente obtêm predições tão acuradas quanto
modelos físico-mecanísticos (Knotters e Bierkens, 2001). Os parâmetros do modelo de séries
temporais podem ser regionalizados usando informações auxiliares relacionadas às bases físicas do
processo (Knotters e Bierkens, 2000; Knotters e Bierkens, 2001). Assim, as variações do nível
freático são descritas assumindo que diferenças espaciais na dinâmica da superfície livre são
determinadas pela variação espacial das propriedades do sistema, enquanto sua variabilidade
temporal é dada pela dinâmica das variáveis de entrada no sistema.

2.3.2 - O modelo PIRFICT


O comportamento de um sistema linear de entrada e saída pode ser completamente
caracterizado por sua função de impulso e resposta (IR) (Ziemer et al., 1998; Von Asmuth et al.,

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2002). O modelo PIRFICT (Predefined Impulse Response Function In Continuous Time) é uma
alternativa a modelos de função de transferência de ruído em intervalos de tempo discretos
apresentada por Von Asmuth et al. (2002). No modelo PIRFICT o pulso de entrada é transformado
em uma série de saída por uma função de transferência em tempo contínuo. Os coeficientes dessa
função não dependem da freqüência de observação. Assumindo-se linearidade no sistema, uma série
de níveis freáticos é uma transformação de uma série de precipitação excedente, descontando a
evapotranspiração potencial. Essa transformação é completamente governada pela função IR. Para o
caso de um sistema linear simples, sem perturbações, que é influenciado somente pela precipitação
excedente, o modelo TFN a seguir (escrito como uma convolução integral) pode ser usado para
descrever a relação entre níveis freáticos e a precipitação excedente (Von Asmuth et al., 2002):

h(t ) = h* (t ) + d + r (t ) (2)

t
h* (t ) = ∫ p(τ )θ (t − τ )∂τ (3)
−∞

t
r (t ) = ∫ φ (t − τ )∂W (τ ) (4)
−∞

em que h(t) é o nível freático observado no instante t [T]; h*(t) é o nível freático predito no instante
t creditado ao excedente de precipitação relativo a d [L]; d é o nível de h*(t) sem a influência da
precipitação ou, em outras palavras, o nível da drenagem local, relativo à superfície do solo [L]; r(t)
é a série dos resíduos [L]; p(t) é a intensidade do excedente de precipitação no instante t [L/T];
θ(t) é a função de transferência de impulso/resposta (IR) [-]; φ (t ) é a função IR do ruído [-]; e W(t) é
um processo de ruído branco contínuo (Wiener) [L], com propriedades E{dW(t)}=0,
E[{dW(t)}2]=dt, E[dW(t1)dW(t2)]=0, t1 ≠ t2.
O nível da drenagem local d é obtido a partir dos dados como se segue:

N N N

∑ h(ti )
i =0
∑ h* (ti )
i =0
∑ r (t )
i =0
i
d= − − (5)
N N N

em que N é o número de observações de nível freático.


A área e forma da função IR dependem muito das condições hidrologicas in situ. θ(t) é uma
função de distribuição Pearson tipo III (PIII df, Abramowitz e Stegun, 1965). A opção por esse tipo

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de função dá-se por sua natureza flexível, ajustando-se a uma grande gama de respostas
hidrológicas. Assumindo-se linearidade, a componente determinística da dinâmica do nível freático
é completamente descrita pelos momentos da função IR. Nesse caso, os parâmetros podem ser
definidos segundo Von Asmuth et al. (2002):

a n t n−1e − at
θ (t ) = A (6)
Γ ( n)

φ (t ) = 2ασ r2 e −αt (7)

em que A, a, n, são os parâmetros da curva ajustada, Γ(n) é a função Gamma, α controla a taxa de
decaimento de φ (t ) e σ r2 é a variância dos resíduos.
A função PIII df assume formas variando gradualmente de curva exponencial à uma
gaussiana, conforme os valores de seus parâmetros (Figura 3). As equações 6 e 7 e seus parâmetros
apresentam sentido físico como descrito em Von Asmuth e Knotters (2004).

Figura 3. Exemplo das formas que uma função de distribuição Pearson tipo III pode assumir
(n = [0,5; 1,0; 1,3; 1,7; 2,3], A = n x100, a = 0,01).

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O parâmetro A é relacionado com a resistência à drenagem (a área da função IR é igual à razão
entre nível freático e a recarga média). O parâmetro a é determinado pelo coeficiente de
armazenamento do solo (porosidade) e n pelo tempo de convecção e dispersão da percolação através
da zona não saturada. As bases físicas são explicadas por funções de transferência de uma série de
reservatórios lineares (Nash, 1958). O parâmetro n demonstra o número de reservatórios e a é igual
ao inverso do coeficiente de reservatório normalmente usado. Como explicam Knotters e Bierkens
(2000), um simples reservatório linear (PIII df com n=1) é igual a um simples modelo físico de
coluna de solo unidimensional, descartando o fluxo lateral e a influência da zona não-saturada. Von
Asmuth e Knotters (2004) chamam atenção para cuidados ao interpretar esses parâmetros da PIII df
quanto a seu sentido físico no processo, uma vez que suas bases são empíricas.
O modelo PIRFICT é capaz de lidar com qualquer freqüência de dados por ser contínuo no
tempo. Além disso, o modelo PIRFICT oferece uma vantagem adicional ao calibrar modelos TFN
em séries irregulares, comparado a modelos autoregressivos combinados ao filtro de Kalman
(Knotters e Bierkens, 2001), já que o formato da função de transferência não é restrito a um formato
exponencial (Von Asmuth e Bierkens, 2005).
Originalmente formulado para descrever a variação dos níveis freáticos nos diques
holandeses, o modelo PIRFICT demonstrou grande potencial de aplicação à realidade brasileira
através dos estudos de Manzione (2007). A flexibilidade da função de impulso e resposta que
estabelece a relação entre as variáveis climáticas e os níveis freáticos (Pearson III df) permite ao
modelo ajustar-se a diferentes sistemas hidrológicos, como nos cerrados brasileiros.

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

O modelo PIRFICT foi ajustado para os poços de monitoramento 14 e 15. Os resultados da


calibração foram resumidos na Tabela 1.

Tabela 1. Estatísticas e parâmetros dos modelos ajustados para os poços 14 e 15.


Poço EVP RMSE RMSI A a n
14 80,31 0,405 0,257 898,4 (100) 0,010 (0,002) 1,42 (0,280)
15 78,86 0,329 0,160 1944,0 (390) 0,004 (0,001) 0,55 (0,210)
EVP=percentual da variância explicada pelo modelo; RMSE=raiz do erro quadrático médio; RMSI=raiz das inovações quadráticas médias;
A=resistência à drenagem (metros); a=coeficiente de armazenamento no solo (1/dias); n=tempo de convecção e dispersão (dias). Valores entre
parênteses são desvios.

Os resultados demonstram um bom ajuste para ambos os poços. O poço 14 apresentou um


valor percentuais da variância explicada (EVP) pelo modelo superior ao poço 15 em virtude de um

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melhor ajuste do modelo aos dados observados, conforme pode ser visto na Figura 4. Apesar das
diferenças entre os valores de EVP entre os poços, os valores da Raiz do Erro Quadrático Médio
(RMSE) em ambos os casos são baixos, menores que 0,50 metros, o que ratifica um bom ajuste do
modelo PIRFICT ao conjunto de dados. Erros dessa magnitude podem ocorrer em campo ao se
utilizar equipamentos de sondagem para medição dos níveis. O mesmo se aplica aos valores da Raiz
das Inovações Quadráticas Médias (RMSI), que mostra o erro relativo às inovações, ou seja, quanto
o modelo erra em um instante t em relação a t-1 (Von Asmuth e Bierkens, 2005).

Figura 4. Comparação entre os dados observados (x) e calibrados (-) pelo modelo PIRFICT
para os poços 14 e 15 e a precipitação.

Apesar dos poços estarem em profundidades diferentes, a Figura 4 demonstra que os níveis
freáticos têm um comportamento semelhante ao longo dos cinco anos de monitoramento. As
funções de impulso e resposta que determinam a relação dinâmica entre as variáveis de entrada no
modelo e os níveis freáticos, para cada poço calibrado, são exibidas na Figura 5.

Figura 5. Funções de impulso e resposta calibradas para os poços 4 e 5 (linhas sólidas) e seus
respectivos intervalos de confiança (linhas claras).

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O Poço 14 apresenta uma resposta mais rápida às entradas no sistema. Em outras palavras,
os níveis freáticos oscilam mais rapidamente em relação à precipitação e a evapotranspiração.
Apesar da proximidade entre os poços, as diferenças entre as cotas altimétricas podem condicionar
as diferenças entre os níveis observados em virtude do relevo. Entretanto, o manejo da água pelos
dois sistemas agrícolas é feito de maneira distinta. No caso do citros, é feita a suplementação hídrica
através de irrigação por gotejamento. Apesar dos volumes aplicados serem muito baixos, devido à
elevada frequencia e execução de forma localizada, a resposta do aqüífero é mais rápida em relação
à área de cana-de-açúcar. Isso pode ser efeito do perfil de molhamento do solo, que uma vez estando
úmido favorece a movimentação da água no solo, atingindo mais rapidamente a zona saturada. Já no
caso da cana-de-açúcar a precipitação encontra uma zona não saturada mais seca, demorando mais
para impulsionar os níveis. Os parâmetros A, a e n do modelo (Tabela 1) revelam que o poço 15
apresenta uma maior resistência a drenagem (A) em função da sua menor porosidade (a) e tempo de
convecção (n). Vale salientar que para afirmações mais precisas a esse respeito são necessários
ensaios sobre a condutividade hidráulica do solo nestes locais para validar os modelos.

4 - CONCLUSÕES

O modelo PIRFICT mostrou-se eficaz na modelagem de séries temporais de níveis freáticos


em função das séries observadas e das séries exógenas de precipitação e evapotranspiração
potencial.
As funções de impulso e resposta calculadas caracterizaram a dinâmica do sistema aqüífero
quanto aos diferentes usos do solo a que a bacia vem sendo submetida.
O método demonstra potencial para modelagem de níveis em áreas de recarga do Sistema
Aqüífero Guarani, assim como aplicações em outros domínios aqüíferos livres, capturando
diferentes respostas em função do uso do solo.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à FAPESP (Processo #2009/05204-8) e ao CNPq - Brasil (Processo
#152033/2008-4) pelos auxílios financeiros que viabilizaram o desenvolvimento deste trabalho.

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