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SOLIDARIEDADES
HORIZONTAIS EM
TERRITÓRIOS POPULARES
Jorge Luiz Barbosa, Lino Teixeira, Aruan Braga e Bira Carvalho*
6ª Edição I 02
Foto: Rosilene Moglioti Foto: Francisco Cesar
6ª Edição I 03
Foto: Bira Carvalho Foto: Bira Carvalho
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Como podemos entrever a partir Opera-se, com efeito, um proces-
de um breve desencadeamento so de segregação e expulsão da
histórico, as próprias dinâmicas população residente no centro
socioespaciais que contribuem do Rio. A transformação urbana
para conformar as atuais rela- ocorrida no governo Pereira
ções desiguais entre centro e Passos é outro momento crucial
periferia – seja na escala do terri- neste processo de formação da
tório, da sociedade ou do corpo cidade.
– estão ancoradas no estado co-
lonial e no sistema escravocrata.
E como procuraremos delinear,
apresentam íntima relação com Os ideais higienistas
a ocorrência de doenças, epi- do prefeito conduzi-
demias e outras formas de vio- ram esta grande re-
lência exercida sobre esses os forma urbana que
territórios populares e popula- implementou o “bo-
ções empobrecidas. ta-abaixo”, demolin-
Desde o primeiro momento de do praças, morros,
tomada e invasão do território in-
cortiços e traçando
dígena, a proliferação de doen-
ças disseminadas a partir de
novas vias de circu-
corpos brancos, verdadeiras co- lação na zona cen-
lônias de bactérias e enfermida- tral.
des desconhecidas pelos povos
indígenas originários, promovem É possível identificar aqui um con-
uma verdadeira guerra biológi- junto de elementos que remon-
ca de grandes proporções. tam à própria origem das favelas
Porém, a cidade segue crescen- e expressam as lógicas que pas-
do, inicialmente a partir da saram a orientar as políticas públi-
Região Central, e se consolida cas pautadas pela elite carioca.
justamente a partir do processo A este evento, que pode ser en-
de exploração e escravização carado como um marco funda-
cujas marcas se encontram dor do processo de formação das
ainda hoje expressas nas desi- favelas, seguiu-se um conjunto de
gualdades cariocas. crises sanitárias ao longo do
Já no século XIX, com a chega- século. Elas apresentaram repeti-
da corte portuguesa, a cidade damente as características pre-
amplia seu número de habitan- sentes também na atual pande-
tes e inflaciona os preços das mia da Covid19, a saber: impac-
moradias como capital do impé- tos majoritários sobre as popula-
rio. ções periféricas e empobrecidas.
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Ancorados em estudos anterio-
res do próprio Observatório de
A febre amarela, a varí- Favela e outras organizações da
ola, a peste bubônica, sociedade civil carioca, perce-
a gripe espanhola, o bemos que a ocorrência de epi-
sarampo e hoje o Coro- demias urbanas ao longo do
navírus remontam, cro- século XX, e mesmo antes, du-
rante o período colonial, é um
nologicamente, epide-
elemento preponderante na for-
mias e pandemias que
mação das favelas e nas lógicas
assolaram as cidades
de estigmatização destas popu-
de forma desigual e re- lações.
forçaram a segregação Se por um lado estas crises sani-
socioespacial das regi- tárias, por vezes utilizadas para
ões urbanizadas do um projeto político orientado
país. para o genocídio da população
Portanto, observamos ao longo pobre residente de favelas e pe-
dos séculos como a sucessão de riferias, reforçam as relações de
conduções equivocadas pelo desigualdade nas cidades,
poder público na cidade do Rio também podemos verificar um
de Janeiro contribui para confor- contra movimento. Nesses mo-
mar não só uma rede de equipa- mentos emergem formas de mo-
mentos e políticas públicas inefi- bilização e luta extremamente
cientes e precarizadas até os potentes a partir da atuação co-
dias atuais, mas também, e prin- letiva das populações de favela.
cipalmente, integram um longo Os laços de solidariedade,
processo de formação desigual formas de auto organização e in-
do espaço urbano em que as ventividade presentes nas fave-
epidemias urbanas desempe- las e periferias são marcas consti-
nham um papel central. tutivas destes espaços. Promo-
vem novas sociabilidades e
formas de ocupação do espaço
orientadas para a convivência e
É justamente a partir para a sobrevivência e se
desta série de epidemias tornam, diante da falta de políti-
que buscamos ilustrar cas públicas comprometidas, ins-
como os moradores de trumentos centrais para a manu-
favelas não apenas tive- tenção da vida. Não por acaso,
ram negados seu direito desses momentos agudos emer-
à cidade de forma gem grupos, lideranças e agen-
plena, mas revela, so- das cujas vozes e ações se junta-
bretudo, como vêm ram na busca por superar as de-
sendo objeto de políticas sigualdades emergenciais e es-
genocidas e urbicidas. truturais.
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A SOLIDARIEDADE EMERGE COM POTÊNCIA DE AFIRMAÇÃO
DA VIDA EM RESPOSTA À COVID19
Assim como ocorreu em outros momentos, é justamente na situação
devastadora da vida de pessoas já vulneráveis pela espoliação
urbana que emergem e se multiplicam mobilizações solidárias.
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No quadro de ações solidárias implementadas podemos destacar
linhas principais de incidências significativas em territórios populares:
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Esse aprender como outro com o E, mesmo com as limitações ma-
sentir junto e o atuar conjunta- teriais que se fazem presentes,
mente favoreceu reconhecimen- incluindo o volume de doações
tos múltiplos, mobilizou afetos e face ao crescimento do número
disparou iniciativas comuns entre de famílias com necessidades
os sujeitos em seus territórios de urgentes após quatro meses de
existência. impactos disparados pela pan-
demia do coronavirus, não po-
demos reduzir ou desconsiderar
Novas formas organi- a força do território que emerge
zativas ganharam ex- como solidariedades horizontes,
pressão para reunir rei- sobretudo entre os próprios mo-
vindicações e proposi- radores de favelas e periferias.
ções em agendas de Tudo nos indica que o cenário
representatividade po- da pandemia continuará grave
lítica comunitária. e possivelmente devastador co-
locando os territórios populares
É desse movimento que surgem na encruzilhada da economia
Comitês de Defesa, Gabinetes de política de hierarquização do
Crise, Frentes Comunitárias em fa- valor da vida.
velas, conjuntos habitacionais e Como alertou Judith Bluter, o
loteamentos. São modos de auto- vírus por si só não discrimina,
-organização a construir visibilida- mas nós, humanos, certamente o
de das demandas urgentes com- fazemos, formados e animados
binadas às exigências de direitos como somos pelos poderes entrela-
dos territórios populares. çados do nacionalismo, racismo,
xenofobia e capitalismo.
Se as distinções corpóreo-territo-
riais de direitos impõem condi-
Trata-se, ao nosso ver, ções trágicas à pandemia é pre-
de uma possibilidade ciso mobilizar resistências e exis-
aberta de reconfigura- tências capazes de afrontar o
ção da atividade polí- destino socialmente imposto. É
tica dos subalterniza- nessa perspectiva que as experi-
dos e de enunciação ências em curso em favelas e
de um projeto popular periferias não devem ser enten-
de cidade em meio a didas como um caminho que
maior crise urbana de cada comunidade encontra ou
nossa história recente. deve encontrar diante do
“abandono do Estado e/ou dos
desafios emergentes da catás-
trofe do coronavírus”.
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Foto: Francisco Cesar
6ª Edição I 10
Acreditamos que estamos em um movi-
mento com a potência de colocar em
questão a sociedade e a cidade em
suas contradições mais profundas, so-
bretudo ao trazer os sujeitos e territórios
invisibilizados na cena política de bana-
lização genocida da vida.
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6ª Edição
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