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MARKETING INVISÍVEL:

O DISCURSO SEDUTOR COM RÓTULO DE NÃO PERSUASIVO

HELLEN PATRÍCIA MORAIS FONSECA

Univás – Universidade do Vale do Sapucaí


Av. Pref. Tuany Toledo, 470 – 37550-000 – Pouso Alegre – MG – Brasil

hellenmorais@yahoo.com.br, hellenmoraisfonseca@hotmail.com

Resumo. Bombardeado por milhares de mensagens diariamente, o


consumidor está cansado da publicidade convencional. A confiança em
pessoas nas quais acredita ou com quem se identifica vem sendo explorada
pelo Marketing Invisível. Mais sutis que o Merchandising e com jeito de
situações do cotidiano, as ações do Marketing Invisível têm maior poder de
convencimento sobre o público que pretendem atingir. É ao não perceber
que o fato vivenciado é cuidadosamente arquitetado, sobretudo com um
propósito mercadológico, que o consumidor o aceita como verdade, de
modo a desejar possuir o bem que o gerou, no caso, o produto do anúncio
disfarçado.
Palavras-Chave. Marketing Invisível. Publicidade. Consumidor.
Abstract. Bombarded by millions of messagens every day, the customer is
sick of the traditional advertising. The confidence in people they believe in
or they identify with is being explored by the Invisible Marketing. Subtler
than Merchandising and similar to everyday facts, the Invisible Marketing
acts are more powerful when convincing the target audience they intend to
reach. It’s because people don’t notice the fact they witness is carefully
produced, especially with a marketing purpose, that the customer accepts
the facts as the truth, so the audience target wishes to have the good that
generated the facts, in this case, the product in the disguised advertisement.
Keywords. Invisible Marketing. Advertising. Customer.

1. O funcionamento do Marketing Invisível

O Marketing se embasa em pesquisas, inclusive de comportamento do público,


para traçar suas estratégias. Entretanto, não é raro termos acesso a informações sobre
campanhas de Marketing e Comunicação que superaram as metas ou que foram mal
sucedidas, já que o comportamento do consumidor é modificado a cada novo estímulo.
Também é preciso considerar que as pessoas estão expostas a milhares de mensagens
publicitárias diariamente, inclusive em locais onde elas acreditavam ter privacidade, a
exemplo dos banheiros de bares e restaurantes, o que colabora com o aumento da
intolerância dos indivíduos à publicidade e, até mesmo, com a queda na credibilidade
dos anúncios pelos consumidores.

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Anais do Enelin 2011. Disponível em: www.cienciasdalinguagem.net/enelin
Assim, o Marketing Invisível, uma das modalidades do chamado Marketing de
Guerrilha, surge como uma estratégia que em nada se parece com os anúncios formais,
assinados pelas marcas. Essa modalidade de Marketing faz uso, principalmente, de
celebridades, jornalistas ou pessoas comuns contratadas para falar bem de um produto,
um serviço ou uma marca por meio de blogs, redes sociais ou entrevistas. Também há
celebridades contratadas para expor a escolha por um produto, assim como faz o
consumidor comum.

A eficácia da estratégia está atrelada, então, ao engano e o funcionamento do


discurso de quem endossa um produto, seja uma pessoa comum ou famosa, é o mesmo
do discurso publicitário: divulgar e enaltecer o produto anunciado, incitar impulsos e
persuadir os indivíduos a consumir tal produto para sanar o desejo despertado Mezan
(2002). Tal discurso é atrelado a uma promessa, já que há uma espécie de promessa
implícita em todo anúncio (Ibid.). Não importa se o discurso retórico é disfarçado ou
não, pois “Toda promessa deve ser enganosa, ou pelo menos exagerada [...]” (Bauman,
2007, p. 108, grifo do autor). Isso ocorre porque o funcionamento do Marketing
Invisível segue o mesmo caminho da publicidade, não se acredita nela, mas permite-se
que esteja por perto, assim como faz a criança mesmo após descobrir que Papai Noel
não existe (Baudrillard, 2002). A relação entre a criança e os pais (co-responsáveis por
preservar a figura do Papai Noel viva na mente do filho) é de interesse mútuo e
semelhante à do consumidor com a publicidade (Ibid.).

2. Case National Geographic

Em 2005, cinco mil envelopes com fotos de uma expedição do navegador Amyr
Klink, fotos estas com anotações feitas a mão e o número do telefone de Klink, foram
deixadas em táxis, shopping centers, cafeterias e outros locais da capital paulista. Cada
pessoa que encontrou um dos envelopes e telefonou para Amyr Klink para devolver as
fotos, ouviu uma gravação feita na caixa postal do navegador em que ele justificava sua
ausência devido à edição do documentário “O continente gelado” - sobre sua expedição
à Antártica realizada anos antes - o qual seria exibido no canal National Geographic a
partir de 6 de março de 2005.

Certamente, apesar da decepção, quem tentou devolver as fotografias sem obter


sucesso, as guardou como relíquias, as mostrou a amigos e/ou parentes e explicou o
motivo de não ter conseguido fazer a devolução, gerando o chamado Buzz Marketing, o
tradicional boca-a-boca, forma gratuita e eficaz de divulgação de informações.

A ampla divulgação do que havia por trás da suposta perda de fotografias por
Amyr Klink poderia levar à perda da credibilidade do canal National Geographic e
poderia também manchar o nome do navegador. Mas o caso não teve repercussão da
opinião pública, de modo que a emissora e o navegador ficaram resguardados, assim
como acontece com quem contrata um ghost writer.

Para o funcionamento adequado da estratégia, podemos considerar o que


Foucault (2002) chamou de „a morte do autor‟, já que, para o filósofo francês, a autoria
não é origem mas resultado, efeito do discurso. Foucault considera importante para a
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Anais do Enelin 2011. Disponível em: www.cienciasdalinguagem.net/enelin
autoria o lugar de onde se fala, isto é, a posição do enunciador em um contexto. O
apagamento do autor – morte do autor – ocorre, então, a partir da construção da função-
autor, ou seja, embora o sujeito acredite ser a origem de seu discurso, ele, na verdade,
faz parte do que diz e seu dizer tem origem em outros dizeres. Assim, o sujeito é
construído pelo discurso, o qual determina o que, como e quando dizer, o que Foucault
chama de arquivo (Ibid.).

Dessa forma, embora estejamos na era da fotografia digital, naquele ano a


revelação do filme fotográfico ainda era a forma necessária para a grande maioria da
população brasileira ter acesso às imagens retratadas. Ao se atribuir fotografias
reveladas, com anotações no verso, o nome e o telefone de Amyr Klink, criou-se, na
mente daqueles que encontraram os envelopes, a necessidade de entregá-las ao
navegador.

Dessa forma, Amyr Klink é considerado o autor do „discurso‟ pois, ao assumir a


autoria das fotos e da perda do envelope, ocupou a função-autor. Sem a crença nestes
fatos por parte das pessoas que encontraram o envelope supostamente perdido, assim
como a consequente reação de parte delas, o Marketing Invisível não teria funcionado.

É importante ressaltar que o planejamento da estratégia precisa trabalhar com


fatos críveis, a fim que o público não desconfie da farsa. Ainda assim, há o risco de uma
ação de Marketing Invisível falhar, isto porque não temos controle sobre o que é
enunciado nem sobre o modo como a mensagem é recebida pelo interlocutor. Segundo
Pechêux (1997), temos dois esquecimentos: o primeiro diz respeito à autoria daquilo
que dizemos, ou melhor, temos a ilusão de que somos a origem do que enunciamos. O
segundo, que é importante para esta análise, diz respeito ao controle ilusório do que
enunciamos, ou seja, acreditamos que o que enunciamos tem um único significado e que
nossos interlocutores entendem exatamente o que desejamos que elas entendam sobre
aquilo que enunciamos. Assim, pensamos ter o controle do resultado do que
enunciamos, embora nem sempre seja possível prever e, muito menos, controlar os
resultados.

3. Case Tetra Prisma

Foi com a pretensão de colocar uma nova embalagem da Tetra Pak perto do
público que pratica esportes na capital paulista que, em 2005, uma empresa de
comunicação especializada em Marketing de Guerrilha decidiu associar a embalagem a
tendências da época. A embalagem - em forma de prisma, daí o nome Tetra Prisma – é
do tipo “on the go”, isto é, embalagem que permite o consumo dos produtos que
embalam nos deslocamentos entre a residência e a escola, por exemplo. Assim, foi
formado um time de basquete de rua, esporte que chegava ao Brasil e era mais
conhecido como Streetball. O recrutamento de jogadores foi feito por meio de notas na
imprensa, que surgiram após o envio de releases pelo fabricante a veículos de
comunicação com declarações de Eduardo Eisler, diretor de Desenvolvimento de
Negócios da Tetra Pak, detentora da marca Tetra Prisma, a exemplo de "A formação de
um time de streetball traduz o posicionamento de nossa nova embalagem Tetra
Prisma®. Trata-se de um esporte inovador, democrático, que se pode jogar em qualquer
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Anais do Enelin 2011. Disponível em: www.cienciasdalinguagem.net/enelin
lugar, a qualquer momento. O mesmo vale para a Tetra Prisma, nossa embalagem 'drink
and go', que acompanha a vida ativa dos jovens em todos os lugares e momentos".

Os treinos foram realizados em parques públicos, clubes, universidades e,


principalmente, no Parque do Ibirapuera. Mas foi a divulgação espontânea dos fatos que
deu visibilidade à campanha. Como as partidas do Streetball dão destaque à habilidade
dos jogadores com a bola, mais do que às cestas e ao placar, os jogos atraíram muitos
curiosos, como era esperado, e geraram mídia espontânea, além de postagens de vídeos
na internet e amigos no Orkut.

Como parte do planejamento, os jogadores participavam dos jogos com


uniformes com a marca Tetra Prisma, além de oferecem suco e água de coco a quem os
assistia, tudo em embalagens Tetra Prisma. Assistir às partidas e acessar o site do time
foram essenciais para estimular o público a ter contato com o produto alvo da campanha
da Tetra Pak. Resultado: a página da internet criada durante a campanha
(www.streetballbrasil.com.br - atualmente inativa) recebia 1.500 visitantes diariamente
e os vídeos disponíveis no site eram copiados 10 mil vezes a cada semana.

Entre os filmes copiados e divulgados por internautas no YouTube, há um cujo


título é Tetra Prisma Streetball no Jornal Nacional, o qual apresenta uma reportagem
exibida no Jornal Nacional, segundo a qual o time de Streetball é considerado uma das
formas de combater a violência na Vila Brasilândia, no Rio (TETRA, [2007]). Em
nenhum momento, é citada a marca Tetra Pak nem a nova embalagem fabricada pela
empresa. Contudo, o Streetball é divulgado em horário nobre gratuitamente na emissora
com a melhor audiência do país.

Outro vídeo copiado por um internauta e postado em sua página no YouTube


tem como título “Basquete de rua no Altas Horas”, programa da Rede Globo exibido
nas madrugadas de sábado para domingo. O título não traz o nome Tetra Prisma e a
descrição menciona apenas “Entrevista”. O apresentador Serginho Groisman não trata
da marca ao anunciar a reportagem (BASQUETE, [2007]):

Você sabe o que é streetball?/ Não./ Então nós vamos ver agora uma matéria
sobre streetball em São Paulo./ Vamu [sic] lá!/

A reportagem apresenta o esporte e cumpre o que foi anunciado pelo


apresentador global: informar o público jovem a respeito do Streetball. Os entrevistados
são jogadores do time. Eles fazem uso de uma linguagem bastante informal, compatível
com a faixa etária e o perfil psicográfico do público-alvo do Tetra Prisma, como nos
recortes apresentados a seguir:

Jogador 1:
O Streetball permite violar umas regras que o basquete tradicional não
permite./ Aqui no Streetball, a gente acaba jogando mais solto, né [sic],
porque tem uma música, a gente brinca, a gente se diverte./ Já no basquete, é
uma coisa mais séria, a gente tem que, tipo, esse negócio na cabeça que tem
que fazer cesta, de ganhar./ No Streetball não./

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Anais do Enelin 2011. Disponível em: www.cienciasdalinguagem.net/enelin
Jogador 2:
É isso que tá [sic] funcionanu [sic] como atrativo pra que muitos e muitos
moleques hoje tarem [sic] entrando no basquete a partir do streetball/ e daí
em diante sim conhecer o que é basquetebol./

Ao não apresentar um discurso institucional e sim um discurso considerado


espontâneo, o qual, provavelmente, foi delineado pelos responsáveis pelo Marketing de
Tetra Prisma mas que o filme legitima como sendo de autoria dos próprios jogadores de
Streetball, o vídeo aproxima o espectador desse público. Dessa forma, o que é
enunciado pelos jogadores é considerado verdade e é passível de assimilação pelo
público-alvo da campanha de Tetra Prisma sem resistência, como é previsto pelo
Marketing Invisível.

4. Conclusão

Considerando que a publicidade é essencial no ciclo produtivo do capitalismo


contemporâneo, pois auxilia a circulação de mercadorias e contribui com as decisões do
consumidor, o qual acredita fazer sozinho suas escolhas (Mezan, 2002), mas ciente de
que a tolerância do consumidor em relação à publicidade é cada vez menor, o Marketing
Invisível aparece como uma solução para que, mesmo de forma não explícita, as
funções da publicidade sejam exercidas: produtos sejam divulgados, desejos sejam
estimulados e o público seja persuadido a consumir.

Ao possuir o objeto desejado, o consumidor assume-se como cidadão,


apropriando-se coletivamente dos bens materiais e simbólicos (Canclini, 2005). O
reconhecimento e a aceitação social dependem cada vez mais do consumo ou daquilo
que se possua ou seja capaz de possuir (Ibid.). Dessa forma, o Marketing Invisível
trabalha a favor do funcionamento psíquico do consumidor e, consequemente, em prol
do capitalismo e da manutenção da ordem econômica.

Referências

AÇÃO da agência Espalhe é uma das 11 sacadas criativas do ano. (2005). Disponível
em: <http://www.blogdeguerrilha.com.br/invisivel-off-line/acao-da-agencia-espalhe-e-
uma-das-11-sacadas-criativas-do-ano/>. Acesso em: 2 jul. 2011.

BASQUETE de rua no Altas Horas. [2007]. Disponível em:


<http://www.youtube.com/watch?v=VNgHtYsDn-Y&feature=player_embedded>.
Acesso em: 2 jul. 2011.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. São Paulo: Jorge Zahar, 2007.

BAUDRILLARD, Jean. Significação da Publicidade. In: COSTA LIMA, Luiz. Teoria


da Cultura de Massa. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

5
Anais do Enelin 2011. Disponível em: www.cienciasdalinguagem.net/enelin
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e Cidadãos: Conflitos multiculturais da
globalização. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

FOUCAULT, Michel. O que é um autor? 4. ed. Lisboa: Passagens, 2002.

MEZAN, Renato. Sonhos induzidos: a eficácia psíquica da Publicidade. In: ______.


Interfaces da Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

PÊCHEUX, Michel. A análise automática do discurso. In: GADET, Françoise; TAK,


Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: Uma introdução à obra de
Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

TETRA Prisma Streetball no Jornal Nacional. [2007]. Disponível em:


<http://www.youtube.com/watch?v=7LtIth8kOlA>. Acesso em 2 jul. 2011.

6
Anais do Enelin 2011. Disponível em: www.cienciasdalinguagem.net/enelin

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