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Linguística II

Sandra Eleutério Campos Martins

Giovanni de Paula Oliveira


© 2017 by Universidade de Uberaba

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Agência Experimental Portfólio

Edição
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central UNIUBE

Martins, Sandra Eleutério Campos.


M366l Linguística II / Sandra Eleutério Campos Martins, Giovanni de Paula Oliveira.
– Uberaba : Universidade de Uberaba, 2017.
172 p. : il.

ISBN 978-85-7777-658-0

1. Linguística. 2. Coesão (Linguística). 3. Língua. I. Oliveira, Giovanni de


Paula. II. Universidade de Uberaba. Programa de Educação a Distância. III.
Título.
CDD 410
Sobre os autores
Giovanni de Paula Oliveira

Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia (2009).


Graduado em Letras (Português­‑Inglês) pela Universidade de Uberaba
– Uniube (2005). Integra o Grupo de Pesquisa em Sociolinguística
(Gepsocio) da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Professor de
Língua Portuguesa e Literatura da Educação Básica. Atua principalmente
nas áreas de Sociolinguística (variação e sintaxe em uma perspectiva
intra e interlinguística) e de Literatura Brasileira.

Sandra Eleutério Campos Martins

Doutorado e mestrado em Estudos Linguísticos pela Universidade


Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em Linguística Aplicada por
está universidade. Licenciada em Letras pela Universidade de Uberaba
– Uniube. Professora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Sumário
Apresentação.............................................................................................................. VII

Capítulo 1 O dinamismo das línguas – a variação e a mudança


linguística.............................................................................. 1
1.1 Considerações iniciais...............................................................................................2
1.2 Por que as línguas mudam?......................................................................................4
1.3 Por que há diferenças linguísticas em regiões diferentes de um mesmo país?....10
1.4 Relevância das variáveis linguísticas e não linguísticas.........................................18
1.5 As variáveis linguísticas...........................................................................................19
1.5.1 Variáveis fonológicas.....................................................................................19
1.5.2 Variáveis sintáticas.........................................................................................20
1.5.3 Variáveis morfossintáticas..............................................................................23
1.5.4 Variáveis semânticas.....................................................................................24
1.6 As variáveis não linguísticas....................................................................................25
1.6.1 A variável faixa etária.....................................................................................25
1.6.2 A variável escolaridade..................................................................................26
1.6.3 A variável classe social..................................................................................26
1.7 A questão do preconceito linguístico e a Sociolinguística na escola......................26

Capítulo 2 A tessitura dos textos orais e escritos: processos de


referenciação....................................................................... 37
2.1 O que é a coesão textual?...................................................................................... 39
2.2 Conceituando o fenômeno da referenciação......................................................... 41
2.3 Tipos de referenciação........................................................................................... 42
2.3.1 A dêixis.......................................................................................................... 44
2.3.2 A anáfora....................................................................................................... 46
2.4 Mecanismos linguísticos de construção da referência........................................... 52
2.4.1 Dêiticos.......................................................................................................... 52
2.4.2. Anafóricos..................................................................................................... 55
2.5 A referência na fala e na escrita............................................................................. 64

Capítulo 3 A tessitura dos textos orais e escritos: processos de


coesão sequencial............................................................... 79
3.1 Conceituando coesão sequencial............................................................................81
3.2 Tipos de sequenciação............................................................................................82
3.2.1 Sequenciação parafrástica............................................................................83
3.2.2 Sequenciação frástica – conceito e procedimentos de manutenção
temática..........................................................................................................90
3.2.3 Sequenciação por conexão interfrástica – relações lógico‑semanticas
e discursivas...................................................................................................93

Capítulo 4 A constituição linguística dos textos orais e escritos:


processos e mecanismos da interação pela linguagem... 119
4.1 Os operadores argumentativos............................................................................ 124
4.2 Marcadores de pressuposição............................................................................. 137
4.3 Indicadores modais ou modalizadores................................................................. 140
4.4 Indicadores atitudinais.......................................................................................... 145
4.5 Correlação entre os tempos verbais..................................................................... 146
4.6 Índices de polifonia............................................................................................... 152
Apresentação

Prezado(a) aluno(a).

Este é o livro da disciplina Linguística II. Ele aborda três aspectos


importantes dos estudos linguísticos. O primeiro assunto tem a ver com
a natureza dinâmica das línguas: trata-se do estudo da variação e da
mudança linguística. Em seguida, em dois capítulos, pretende-se que
você compreenda os modos de organização dos textos orais e escritos,
se não todos, pelos menos os principais, que serão denominados aqui
processos de coesão textual. E, por fim, o livro focaliza o texto como
unidade de comunicação, procurando mostrar de que forma ele se
relaciona com o contexto sócio-histórico e cultural.

No capítulo 1, “O dinamismo das línguas – a variação e a mudança


linguística”, você entrará em contato com um aspecto muito importante
para a sua futura atividade de educador: a questão da variação
linguística. A variação linguística é um fenômeno que acontece com as
línguas, em razão de elas não serem um sistema fechado e imutável
e essas variações podem ser de caráter local, temporal ou social,
decorrendo daí os chamados tipos de variação. De um modo geral,
existe um único idioma oficial, mas a língua pode apresentar diversos
falares, que são as variações. O português falado no Nordeste do
Brasil pode ser diferente do português falado no Sul do país. Essas
variações não são erros. Se consideramos as variações como erros,
incorremos no chamado preconceito linguístico. O preconceito linguístico
é uma forma de segregação linguística e acontece na medida em que
consideramos uma manifestação linguística, uma variedade linguística
superior a outras manifestações de uma mesma língua. Uma variedade
linguística pode ter um maior prestígio social, mas isso não significa
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que ela é superior às demais manifestações, sobretudo se estamos


pensando naquelas manifestações linguísticas de classes sociais ou
regiões menos favorecidas. Na verdade, essas diferenças são um fator
de enriquecimento do patrimônio cultural de um país e, como tais, devem
ser compreendidas e valorizadas e não vistas como erros e desvios.

As variações linguísticas têm a ver com o grau de complexidade de uma


sociedade: quanto mais complexa uma sociedade, maior será o número
de grupos sociais que ela apresenta. Esses grupos têm diferentes hábitos
linguísticos e diferentes graus de escolarização. Alguns desses grupos
têm acesso à educação formal, enquanto outros não têm contato com
a norma culta da língua. Além disso, a língua varia de acordo com as
situações de uso: um mesmo grupo social pode se comunicar de maneira
diferente, originando diferentes adequações linguísticas: numa entrevista
de emprego você se comporta de uma forma diferente do modo como se
comunica com os amigos numa situação informal.

Nos capítulos 2 e 3, você estudará os processos e os elementos que


fazem a coesão textual. A questão da coesão textual tem a ver com a
forma como redigimos um texto. Se redigimos um texto de forma prolixa,
com muitas repetições, dificultamos a sua leitura e compreensão. Faltou
a ele coesão textual. Um texto bem escrito é um texto coeso e sucinto, ou
seja, um texto livre de termos desnecessários e até mesmo de repetições.
A língua dispõe de diversos recursos coesivos, os quais criam vínculos
entre as palavras, entre as orações e entre diferentes partes de um texto,
contribuindo para a coerência interna e para a progressão temática e
textual. Esses recursos estabelecem dois tipos de coesão no texto: a
coesão referencial e a coesão sequencial.

O capítulo 2 – “A tessitura dos textos orais e escritos: processos de


referenciação” – é dedicado ao primeiro desses recursos coesivos, a
chamada coesão referencial. A coesão referencial é responsável por criar
um sistema de relações entre as palavras e expressões dentro de um
texto, permitindo que o leitor identifique os termos aos quais se referem.
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Dentre os processos de referenciação, você estudará os que se dão por


meio da anáfora e da catáfora. As anáforas se prestam ao resgate dos
termos que foram previamente explicitados em um texto, enquanto as
catáforas dizem respeito a uma referência feita sobre aquilo que ainda
será exposto no texto. Resultam daí dois movimentos, respectivamente,
regressivo e progressivo.

“A tessitura dos textos orais e escritos: processos de coesão sequencial”


é o nome do capítulo 3. Nele, você irá estudar o outro recurso coesivo,
que é a coesão sequencial. A coesão sequencial é responsável por
criar as condições para a progressão textual. De um modo geral,
as flexões de tempo e de modo dos verbos e as conjunções são os
mecanismos responsáveis pela coesão sequencial nos textos. Através
da coesão sequencial o autor do texto procura garantir uma boa
articulação entre as ideias, informações e argumentos no interior do
texto e obviamente também a coerência textual. Na medida em que a
pessoa vai aprofundando o estudo desses dois elementos presentes no
processo de referenciação, eles passam a ser facilmente percebidos
nos textos que ela redigir, mas também em outras situações discursivas,
como na comunicação oral. Além disso, a percepção desses aspectos
concernentes à coesão textual ajuda a fazer um uso correto dos
elementos que garantem a construção de um texto sem erros, constituído
por ideias claras e por uma sequenciação lógica.

Antes de abordarmos o assunto do nosso próximo capítulo e até como


forma de prepará-lo(a) para o que ali será visto, vamos retomar, a modo
de exemplo, a questão da variedade linguística.

Naquele início de conversa, procuramos mostrar a você que, neste livro,


esta questão seria abordada a partir da compreensão de que a língua
está em constante evolução e fizêmo-lo(a) ver que todas as variedades
existentes em nossa sociedade pertencem à nossa língua e que, embora
a língua padrão possua maior prestígio social, as demais variedades
possuem, como a variedade culta, a mesma expressividade e a mesma
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comunicabilidade, ou seja, a norma culta passa a ser vista como uma


variante, uma possibilidade a mais de uso e não como o único uso
linguisticamente correto. Em razão disso, evitamos utilizar explicações
simplistas que se preocupam com o “certo” e o “errado”, o “aceitável” e o
“inaceitável”, assim como não tem sentido falar-se hoje em língua mais
rica que outra. Ora – e é para isto que queremos chamar sua atenção –,
ao abordar este fenômeno da variação linguística, nós tivemos que lançar
mão de noções que não são linguísticas, como, por exemplo, a noção de
historicidade da língua, que faz com que ela evolua, a noção de contexto
social e seus correlatos (sociedade, prestígio social), ou seja, tivemos
que adotar uma perspectiva interacionista ou sociointeracionista, mais
condizente com a complexidade da linguagem.

Qualquer mudança de perspectiva implica, obviamente, uma reorientação


no modo de se estudar a linguagem e, portanto, do seu ensino. Hoje, em
vez das longas descrições gramaticais e do estudo das terminologias e
regras – que acabam privilegiando a morfologia ou a sintaxe da língua -,
o que se preconiza no estudo e no ensino da linguagem é a observação
do uso da língua em situações concretas de interação. É dessa
abordagem que vamos falar no quarto e último capítulo deste livro,
intitulado “A constituição linguística dos textos orais e escritos: processos
e mecanismos da interação pela linguagem”, de modo a evidenciar que
esta pode ser uma excelente perspectiva a se adotar no processo de
ensino-aprendizagem da(s) língua(s).

Você verá que, neste capítulo, a linguagem será vista como uma forma
de interação social que se estabelece entre indivíduos socialmente
organizados e inseridos numa situação concreta de comunicação. Nessa
perspectiva, a concepção interacionista da linguagem contrapõe-se às
visões conservadoras da língua, que a consideram como um objeto
autônomo, sem história e sem interferência do social. Assim, em oposição
às concepções tradicionais, a linguagem é considerada como um lugar
de interação humana, como o lugar de constituição de relações sociais.
Em decorrência dessa mudança no modo de ver a linguagem, alguns
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aspectos, antes ignorados pelos estudiosos, passam a fazer parte da


reflexão linguística, tais como o sujeito da linguagem, as condições de
produção do discurso, o social, as relações de sentido estabelecidas
entre os interlocutores, o dialógico, a argumentação, a intenção, a
ideologia, a historicidade da linguagem, entre outros.

O que se espera do estudo deste capítulo, bem como dos outros três,
é que você, enquanto professor, possa compreender de que forma
esses conhecimentos podem influenciar em sua prática pedagógica.
No que respeita especificamente, ao último capítulo, se for perguntado,
certamente saberá dizer que, nessa nova perspectiva, a prática
pedagógica não pode ser feita de forma descontextualizada, com vistas
ao domínio da norma culta, mas que, ao contrário, deve oportunizar ao
aluno o domínio das habilidades de uso da língua em situações concretas
de interação, de forma a entender e produzir textos e a perceber as
diferenças entre uma forma de expressão e outra. Não se abdica da
descrição da língua, mas ela é feita em momentos contextualizados,
contribuindo para a melhoria da produção de textos dos alunos, para a
sua adequação aos objetivos pretendidos junto aos interlocutores.

Bons estudos!
Capítulo
O dinamismo das
línguas – a variação e a
1
mudança linguística

Giovanni de Paula Oliveira

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Você já deve ter percebido que, quando conhecemos alguém,


às vezes basta conversarmos menos de um minuto com essa
pessoa para logo percebermos se ela é da região geográfica em
que vivemos ou não. E, mesmo na região em que vivemos, é
possível identificar a classe social de alguém, ou até o seu grau
de escolaridade, apenas pela sua maneira de falar. E essas
diferenças não param por aí! Quando ouvimos um falante nativo
da língua inglesa, é possível identificarmos se esse falante é
britânico, norte-americano, australiano ou canadense, ou se o
espanhol falado por alguém é europeu ou hispano-americano. Mas
você sabe por que somos capazes de identificar essas diferenças?
É exatamente isso que estudaremos neste capítulo. Nele, você
conhecerá os principais conceitos da Sociolinguística, que é a área
da Linguística que se ocupa do estudo da variação e da mudança
linguística, fenômenos que ocorrem em todas as línguas.
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Objetivos
Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• refletir sobre a diversidade linguística inerente a toda e


qualquer língua;
• estabelecer a diferença entre variável, variação e mudança
linguística;
• perceber a necessidade de se usar diferentes formas
variáveis em diferentes situações de comunicação;
• compreender a importância das reflexões sobre variação
linguística na sala de aula da escola básica.

Esquema
1.1 Considerações iniciais
1.2 Por que as línguas mudam?
1.3 Por que há diferenças linguísticas em regiões diferentes de
um mesmo país?
1.4 Relevância das variáveis linguísticas e não linguísticas.
1.5 As variáveis linguísticas.
1.6 As variáveis não linguísticas.
1.7 A questão do preconceito linguístico e a Sociolinguística na
escola.

1.1 Considerações iniciais


Antes de iniciarmos o nosso estudo, gostaríamos de propor um pequeno
exercício de reflexão a partir do fragmento de texto a seguir:
Tem vários bairros aqui que o esgoto corre a céu aberto,
porque… o pior bairro chama Vila do Lago, então tem o
Vila do Lago 1 e o Vila do Lago 2, então é péssimo, e ói,
são ruim demais, é lá perto do aeroporto, e a violência
lá é os pior da cidade… agora tem um bairro tamém
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que fica perto do centro da cidade que lá é o pior da


cidade… então lá, se você quisé entrá com esse táxi
agora não vai conseguir entrá, e se conseguir acho que
de lá nóis não sai (OLIVEIRA, 2009).
Você notou algo diferente nesse trecho? Releia­‑o e anote o que você
percebeu de diferente.

O fragmento que reproduzimos acima pode parecer estranho à primeira


vista, e você sabe por quê? O estranhamento é causado por se tratar de
um trecho de transcrição de uma entrevista, isto é, um trecho transcrito
da fala de um indivíduo (falante da língua portuguesa do Brasil). Entre
outras coisas, há dois elementos nesse texto que merecem destaque, de
acordo com os objetivos de nosso estudo. Um deles é o trecho que diz "a
violência lá é os pior da cidade" e "de lá nóis não sai". Se consultarmos
a Gramática Normativa em busca de uma explicação, verificaremos que,
na verdade, as duas frases estão erradas porque há um problema de
concordância. Nesse caso, para estarem corretas, as frases deveriam ser
algo como "a violência lá é a pior da cidade" e "de lá, nós não saímos".
O outro elemento interessante no texto é a forma de algumas palavras
como "tamém" e "quisé entrá", que, segundo as regras, têm como forma
correta "também" e "quiser entrar".

Diariamente deparamos com situações que exigem o uso de uma forma


diferenciada da língua que falamos, e todas as formas que fogem ao que
é imposto pela norma culta não são bem­‑vistas pela própria sociedade.
Você já presenciou alguma situação em que uma pessoa foi criticada
porque pronunciou de forma diferente determinada palavra? Ou porque
conjugou um verbo de maneira diferente da que está nas normas da
gramática? Pois bem, situações como essas estão presentes no dia a
dia mais do que imaginamos ou percebemos. Há maneiras de falar que
são consideradas de prestígio na sociedade, em detrimento de outras,
que são consideradas erradas, feias, e por isso os falantes que as usam
são estigmatizados socialmente.
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Para que você possa aprofundar seus conhecimentos sobre as questões


que envolvem os fenômenos de variação e mudança linguística,
retomaremos dois grandes pontos que em diversas épocas permearam
as reflexões em relação à variação e a mudança linguística:

 or que as línguas mudam?


• P
• Por que há diferenças linguísticas em regiões diferentes de um
mesmo país?

Essas duas questões serão desenvolvidas ao longo de nosso estudo.

1.2 Por que as línguas mudam?

Ao estudar a Linguística do período clássico, que compreende Grécia e


Roma, você deve se lembrar de que uma das perguntas que os gregos
fizeram foi "por que as línguas mudam?". Por trás dessa pergunta simples
está um fato muito importante, que é a consciência de que desde a
Antiguidade o homem já havia deparado com diferenças em sua própria
língua, e, ainda que o ser humano daquela época não conseguisse
explicá­‑las, essa percepção das diferenças acabou levando o homem a
buscar meios para investigar tais fenômenos.

Já nos séculos XIII e XIV, por exemplo, Dante Alighieri, além de ser um
importante poeta italiano, realizou importantes estudos comparativistas,
os quais estão descritos em sua obra De vulgari eloquentia (1304­‑06).
Segundo Robins (2004, p. 133), "Dante tinha profundo conhecimento das
diferenças dialetais existentes dentro de cada área linguística. Em alguns
capítulos de sua obra, faz pormenorizado e bem documentado estudo
dos dialetos italianos". Lyons (1987) afirma que a consciência de que a
mudança linguística existia era consenso entre diversos estudiosos do
passado, no entanto, não havia ainda a ideia de que a mudança linguística
constituía um fato universal, comum a todas as línguas, ideia que se
desenvolveria posteriormente, a partir do movimento neogramático.
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SAIBA MAIS

Dante Alighieri foi um importante poeta italiano. Nascido em 1265, Dante foi
o autor do poema épico A divina comédia, que representou um marco da
língua italiana, em uma época em que apenas os textos escritos em latim
eram valorizados.

No século XX, os linguistas Uriel Weinreich, William Labov e Marvin


Herzog escreveram uma importante obra, chamada Fundamentos
empíricos para uma teoria da mudança linguística, que foi
apresentada primeiro em um simpósio no Texas, no ano de 1966, e
publicada em 1968. Essa obra trouxe grandes contribuições à teoria da
mudança linguística, tanto que foi reeditada várias vezes e em diversos
idiomas, incluindo a língua portuguesa.

A primeira evidência de que as línguas passam por Neogramáticos


mudanças ao longo do tempo se deu no campo
Grupo de linguistas
da evolução dos fonemas, tanto que a teoria dos que, no século XIX,
tentava estabelecer
neogramáticos foi fundamentada a partir da regras universais
para a evolução dos
mudança fonética, chegando a estabelecer leis sons das línguas.
universais que regulavam essa mudança.
No entanto, já na Grécia antiga era possível identificar traços de variação
linguística. Para que você tenha uma ideia, a língua grega antiga podia
ser dividida em vários dialetos, como:

• Grego jônico – falado na Grécia continental e a forma utilizada por


Homero na Ilíada e na Odisseia;
• Grego ático – falado na região Ática, onde fica a cidade de Atenas;
• Grego eólico – falado na Grécia central e na ilha de Lesbos;
• Grego dórico – falado principalmente nas regiões de Creta e Rodes.
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SAIBA MAIS

Homero viveu entre os séculos 8 e 9 a.C. e é considerado o maior poeta da


Grécia antiga. A ele é atribuída a autoria da Ilíada e da Odisseia, as duas
mais grandiosas epopeias (poemas épicos) da Antiguidade.

Lesbos é uma ilha grega situada no lado nordeste do mar Egeu, onde
nasceu a poetisa Safo, cujos poemas faziam referência ao amor entre
ela e outras mulheres. Daí o termo “lésbica” para designar uma mulher
homossexual.

O grego ático era considerado a variante padrão do grego antigo, a forma


de prestígio, tanto que até hoje, quando alguém decide aprender grego
clássico, é a variante ática a ensinada nos cursos de grego. Para que
você compreenda a existência de variação nas línguas, vejamos alguns
exemplos no grego clássico.

EXEMPLIFICANDO!

• No grego ático, o substantivo “jovem” tinha a forma νεανιας (neanías),


enquanto no grego jônico a mesma palavra era pronunciada νεηνιης
(neeníes);
• No grego ático, a palavra “família” era pronunciada γενη (géne),
enquanto no jônico a pronúncia era γενεα (génea);
• No grego ático, o número quatro era chamado de τετταρες (téttares), e
no jônico era chamado de τεσσαρες (téssares);
• No ático, a palavra “cavalo” tinha a forma ‘ιππος (híppos), e no jônico
tinha a forma ικκος (íkkos).
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Weinreich, Labov e Herzog (2006) propuseram os princípios empíricos


para a teoria da mudança linguística, que seriam cinco fatores que
desencadeiam o processo de mudança nas línguas:

1. fatores condicionantes;
2. transição;
3. encaixamento;
4. avaliação;
5. implementação.

Os fatores condicionantes são os elementos, ou conjuntos de


elementos, que "impulsionam" a mudança linguística em determinada
direção, e não em outra. Como exemplo, podemos citar o sistema de
acento na passagem do latim ao português. No latim, havia apenas
palavras paroxítonas e proparoxítonas, não havia palavras oxítonas. No
processo de constituição da língua portuguesa, o contato com várias
línguas fez com que o português também tivesse palavras oxítonas.

O segundo princípio, o da transição, pode ser entendido como a


mudança de um estado de língua para outro por meio de sucessão de
geração após geração. Há situações em que a transição ocorre. Uma
delas é quando há duas formas existentes na língua, como acontece
com o uso das preposições "para" e "a" com verbos de movimento.
Nesse tipo de situação, uma sentença com o verbo "ir" poderá ser
realizada como "ir para o cinema" ou "ir ao cinema". Mas no processo
de mudança pelo qual a língua portuguesa falada no Brasil passa
atualmente há o aumento do uso da preposição "para" e a diminuição
do uso de "a". Ao mesmo tempo, o uso de "em" em sentenças do tipo
"ir no cinema" estão cada vez mais frequentes, ainda que esse uso
não tenha sido aceito pelas gramáticas.
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Outra situação em que há a transição é quando uma forma se torna


obsoleta e acaba sendo substituída por outra mais atual. Para que você
compreenda melhor, lembre­‑se da expressão "vossa mercê", atualmente
substituída por "você".

PESQUISANDO NA WEB

Você encontrará um texto de Carlos Drummond de Andrade, intitulado


Antigamente, rico de exemplos de transição entrando no site:

<http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond07.htm>.

Drummond faz um jogo de palavras que apresenta ao leitor várias


expressões antigas perdidas ao longo do tempo, isto é, formas como
“completar primaveras” e “levar tábua”, que se tornaram obsoletas, sendo
substituídas por formas mais atuais como “fazer anos” e “levar fora”, em um
processo de transição.

O terceiro princípio é denominado encaixamento. Weinreich, Labov e


Herzog (2006, p. 123) afirmam que a mudança raramente afeta o sistema
inteiro. Isso quer dizer que a transição de um estado de língua para outro
é composto por diversos traços de mudança que vão se "encaixando" no
sistema da língua de forma gradual, e esse encaixamento, por sua vez,
está relacionado a diversos fatores sociais, como idade, sexo, região
geográfica, entre outros.

Um exemplo interessante é a redução do paradigma de certos verbos


do português brasileiro, próprio de situações informais de fala. Tal
fenômeno ocorreu também com a língua inglesa, do período arcaico
para o período moderno. No inglês arcaico, o paradigma das conjugações
verbais obedecia a uma estrutura que conferia desinências distintas para
cada uma das pessoas e tempos, semelhante à estrutura das línguas
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românicas. Com o passar do tempo, o paradigma sofreu um processo de


mudança no sentido de regularizar todas as pessoas e tempos, e hoje é
composto de apenas algumas regras como o "s" da terceira pessoa do
singular do tempo presente. Observe, na Tabela 1, a seguir, um exemplo
com o verbo to love (amar).

Tabela 1: Exemplo de redução de paradigma verbal em inglês

Inglês arcaico Inglês moderno


ic lufie I love
du lufast you love
he lufað he/she/it loves
wē lufiað we love
hīo lufiaþ they love

O português falado hoje no Brasil, em várias situações, possui um


paradigma de conjugação verbal semelhante ao inglês moderno,
decorrente de um processo de mudança em progresso. A norma
culta da língua conserva o paradigma, mas as variações não padrão
tendem a simplificá­‑la, ocasionando um fenômeno semelhante ao que
demonstramos acima, com o inglês. Veja na Tabela 2, a seguir, um
exemplo com o verbo amar.

Tabela 2: Exemplo de redução de paradigma verbal em português

Português culto Português coloquial


eu amo eu amo
tu amas tu ama
ele/ela ama
ele/ela ama
você ama
nós amamos nós ama
vós amais ­‑
eles/elas amam eles/elas ama
10 UNIUBE

O quarto princípio é chamado de princípio da avaliação, e refere­‑se à


maneira pela qual a mudança de um traço da língua é recebida pelos
falantes de uma comunidade de fala. No processo de transição de
um estado de língua para outro, há o encaixamento de determinado
item na estrutura linguística e os falantes, por sua vez, avaliarão esse
encaixamento quanto ao seu valor social, decidindo qual norma do meio
social será ocupada pela mudança.

EXPLICANDO MELHOR

Quando uma nova forma linguística é introduzida no sistema da língua, a


própria comunidade decide se essa forma inovadora irá integrar a norma
culta ou se irá integrar o conjunto de formas estigmatizadas socialmente. Por
exemplo: o fenômeno do apagamento do plural na concordância nominal
em sentenças como “João lavou as roda do carro” somente será aceito para
integrar a norma culta quando for aceito pela classe dominante, que dita o
que deve ou não fazer parte da norma culta.

O último princípio é chamado de princípio da implementação, e diz


respeito à maneira como determinada mudança será "espalhada" pela
comunidade de fala. Para que haja mudança linguística, antes de tudo
é necessário que haja um processo de variação, já que toda mudança
pressupõe variação. Assim, para que você possa compreender melhor
o princípio da implementação, é necessário compreender o que é um
fenômeno de variação linguística e como ele ocorre nas línguas.

1.3 Por que há diferenças linguísticas em regiões diferentes


de um mesmo país?

Na seção anterior, vimos que, desde a Antiguidade, o homem já havia


percebido que as línguas mudam com o tempo, e que havia diferenças
mesmo entre comunidades que falavam a mesma língua. Vimos também
UNIUBE 11

que, na década de 1960, Weinreich, Labov e Herzog foram os primeiros


estudiosos a elaborar as primeiras teorias sobre mudança linguística.
Mas havia ainda a necessidade de explicar o fenômeno da variação, pois,
como já foi abordado, toda mudança pressupõe variação.

Diante de questões como "por que há diferenças linguísticas entre


comunidades que falam a mesma língua?" e "quais fatores desencadeiam
o fenômeno de variação linguística?" é que, ainda na década de 1960,
William Labov, orientando de Uriel Weinreich, desenvolveu pesquisas que
contribuíram imensamente para a emergência do que hoje denominamos
Sociolinguística quantitativa ou laboviana.

A proposta de Labov toma como ponto de partida o estudo da língua


em seu contexto social, com o objetivo de verificar quais são os fatores
exteriores à língua que interferem em determinado elemento linguístico,
no sentido de impulsionar o falante no caminho da variação e da mudança
linguística. Labov adota a ideia da heterogeneidade linguística, isto é,
uma língua não é estática, parada no tempo. Pelo contrário, está sempre
em processo de variação e/ou mudança.

Mollica e Braga (2003, p. 12) comentam que uma língua está sujeita a
pressões tanto no sentido de variação e mudança quanto no sentido
da unidade. Isto é, se por um lado há um sistema que precisa de certa
unidade estrutural para funcionar corretamente, por outro há forças
externas à língua que a "empurram" no sentido da variação e da mudança
linguística.

EXPLICANDO MELHOR

Imagine a seguinte situação: na fala característica do Rio de Janeiro,


ocorre o que chamamos em fonologia de palatalização do [s], isto é, a
pronúncia do [s] é semelhante ao [x] em festa e vespa (algo como “fexta”, e
“vexpa”). Esse fenômeno difere do falar de São Paulo, que pronuncia “festa”
12 UNIUBE

e não “fexta”. Se por um lado há fatores sociais nessas duas regiões que
provocam esse tipo de fenômeno no Rio de Janeiro, empurrando a língua no
sentido da variação, por outro lado o próprio sistema da língua portuguesa
obriga os falantes a não usarem formas inaceitáveis. Nesse sentido, se um
único indivíduo começar a pronunciar a palavra “faca” como “michlt”, esta
continuaria sendo uma forma inaceitável na língua portuguesa, porque não
é compreendida por nenhum de seus falantes.

Essa ideia pode ser vista como um dos fundamentos da proposta de


Labov em relação a uma ciência que considera o sistema linguístico no
contexto social. Assim, uma comunidade de fala, segundo Labov (1972),
é definida como um grupo de falantes que partilham as mesmas normas
linguísticas. Nessa perspectiva, variantes condicionadas por diferenças
de faixa etária ou de classe social podem vir a constituir comunidades
de fala um tanto diferentes, embora uma única variável possa não ser
suficiente para distinguir uma comunidade de fala da outra.

Nesse caso, podemos afirmar que no Estado de Minas Gerais temos


diversas comunidades de fala: Triângulo Mineiro, Zona da Mata, Vale do
Rio Doce, Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas, e assim por diante.
No Norte de Minas podemos encontrar fenômenos como a troca do [v]
pelo [r], o que faz a realização de "estava" ser algo como "estarra". Na
Zona da Mata Mineira, devido à sua proximidade com o Rio de Janeiro,
é comum encontrarmos cidades em que a pronúncia do [s] em palavras
como "festa" e "vespa" se aproximem do falar carioca, cuja pronúncia é
algo como "fexta" e "vexpa".

O trabalho que Labov empreendeu nas pesquisas sociolinguísticas pode


ser dividido em três grandes estudos. O primeiro deles data de 1963 e foi
realizado em uma ilha da região do Estado de Massachusetts, conhecida
como Martha’s Vineyard, cuja variável observada foi a pronúncia da vogal
UNIUBE 13

que constituía o núcleo dos ditongos [ay] e [aw]. Assim, palavras inglesas
como light e house, cuja pronúncia é algo como "lait" e "rrauz", eram
pronunciadas pelos falantes viniardenses como "leit" e "rreuz".

O mais intrigante na investigação de Labov em Martha’s Vineyard era o


fato de os falantes mais velhos apresentarem o fenômeno, os falantes
com idade média não apresentarem o fenômeno, e os falantes mais
jovens voltarem a apresentar o fenômeno. A grande questão era "por que
a variação entre os ditongos [ay] e [aw] ocorre com os mais jovens, se a
tendência seria seu desaparecimento?".

Sabe­‑se que a pronúncia dos nativos de Martha’s Vineyard era diferente


do restante dos Estados Unidos, e, sendo assim, diferente da pronúncia
de prestígio do inglês norte­‑americano.

É certo que o mero conhecimento da probabilidade de uma língua sofrer


variação e mudança não seria suficiente para explicar o motivo de tal
ocorrência na ilha. Nem seria suficiente que tal explicação fosse buscada
no interior do sistema da língua. Era preciso, sim, que Labov fosse em
busca de fatores sociais, externos ao sistema linguístico, que realmente
explicassem o motivo pelo qual os jovens apresentavam maior índice de
variação dos ditongos [ay] e [aw]. Foi a partir desse problema que Labov
pesquisou a história da ilha e sua formação antropológica.

A ilha de Martha’s Vineyard apresentava uma população em torno de 6


mil habitantes. Esse número subia para mais de 40 mil quando chegava o
verão, nos meses de junho e julho, época em que os turistas "invadiam" a
ilha em busca de descanso. Apesar disso, Martha’s Vineyard apresentava
um dos maiores índices de desemprego dos Estados Unidos. Talvez
possa parecer incoerente falarmos em desemprego em um lugar turístico
tão procurado como aquele. No entanto, vale dizer que o verão era o
único período do ano em que os turistas procuravam a ilha. Fora dele,
14 UNIUBE

os habitantes dependiam quase que unicamente da pesca, que já era


escassa. Vejamos um trecho do relato de Labov (1972, p. 46­‑47) sobre
a ilha:
Para entender Martha’s Vineyard, é preciso, antes de
tudo, reconhecer que se trata de um belíssimo lugar, um
lugar onde dá vontade de morar. Mas não é um lugar
fácil para se ganhar o tipo de vida que combina com o
modelo de sucesso da sociedade americana moderna.
O Censo de 1960 mostra que se trata do município
mais pobre de Massachusetts: tem a média de renda
mais baixa, o mais alto número de pessoas pobres e
o menor número de pessoas ricas. Tem o mais alto
índice de desemprego: 8,3%, contra 4,2% de todo o
estado, e também tem o mais alto índice de emprego
temporário. Alguém poderia pensar que a vida na ilha,
mesmo assim, é mais fácil: talvez o custo de vida seja
baixo. Nada poderia estar mais distante da realidade:
o alto preço do transporte (ferryboat) vem se sobrepor
ao já elevado custo da maioria dos bens de consumo.
Por isso, existem ali mais mulheres casadas com filhos
pequenos que trabalham do que em qualquer outro
município. […] Não existe indústria alguma em Martha’s
Vineyard. A ilha atingiu seu ápice na fase áurea da
indústria baleeira; por algum tempo, a pesca comercial
nas águas locais sustentou a economia, mas a fartura
de peixes já não é a mesma de antes.

Ao conversar com os habitantes da ilha, Labov descobriu que os jovens


que apresentavam a variação nos ditongos [ay] e [aw] eram justamente
aqueles filhos de pescadores que não aceitavam de bom grado a invasão
dos turistas durante o verão, enquanto os jovens que pronunciavam os
ditongos tal qual a variante de prestígio norte­‑americana eram aqueles
que sonhavam um dia poder deixar a ilha e tentar uma vida melhor nas
grandes metrópoles.

Labov, então, chegou à conclusão de que a crescente pronúncia


dos ditongos [ay] e [aw] como [ey] e [ew] constituía uma reação da
população jovem aos visitantes, que não pertenciam à ilha. Era como
se os falantes jovens quisessem dizer aos turistas "meu inglês é
diferente do seu porque eu pertenço a esta terra e você não pertence".
UNIUBE 15

Vejamos um trecho do depoimento de um jovem da ilha, que foi


reproduzido em Labov (1972, p. 49).
Vocês que vêm para cá, para Martha’s Vineyard, não
entendem os costumes das velhas famílias da ilha
[…] costumes e tradições estritamente marítimos […]
e aquilo que nos interessa. O resto da América, essa
parte do outro lado aqui da água que pertence a vocês
e com que nós não temos nada a ver, se esqueceu
completamente […]
Acho até que nós usamos um tipo de língua inglesa
totalmente diferente […] pensamos diferente aqui na ilha
[…] é quase uma língua separada dentro da língua inglesa.

Assim, conforme afirma Tarallo (1986, p.14), "atitudes linguísticas são


as armas usadas pelos residentes para demarcar seu espaço, sua
identidade cultural, seu perfil de comunidade, de grupo social separado".

Outra importante pesquisa realizada por Labov diz respeito às variantes do


[r] pós­‑vocálico na fala de Nova Iorque. A pesquisa ocorreu em três grandes
lojas, que representavam, de certo modo, as classes sociais nova­‑iorquinas.
A Saks era frequentada por pessoas das classes mais altas, a Marcy’s por
pessoas da classe média, enquanto a Saint Klein por pessoas de classes
mais baixas.

O [r] pós­‑vocálico pode ser pronunciado ou não pronunciado. Enquanto


no inglês britânico a forma não pronunciada – chamada por Labov
de (r­‑0) – constitui a variante de prestígio, nos Estados Unidos, ela
constitui a variante estigmatizada, pois a variante de prestígio é a forma
pronunciada, chamada por Labov de (r­‑1).

No português do Brasil há um fenômeno parecido. Falantes da região


nordeste pronunciam o [r] de "porta" de forma parecida com o [r] da
palavra "rosa", ao passo que em algumas regiões dos estados de Goiás,
Minas Gerais e São Paulo, o [r] é pronunciado de forma retroflexa, isto é,
parecido com o [r] da palavra horse no inglês americano.
16 UNIUBE

A metodologia utilizada por Labov na pesquisa com o [r] em Nova Iorque


consistiu em perguntar aos funcionários da Saks, da Marcy’s e da Saint
Klein como encontrar determinado produto, de forma que a resposta
pudesse normalmente ser fourth floor. A partir dos dados obtidos, Labov
chegou aos seguintes resultados: o (r­‑1) teve 62% de ocorrências na
Saks, 51% na Marcy’s e apenas 20% na S. Klein.

De posse dos resultados, era preciso que se chegasse a uma conclusão


sobre fatores sociais que pudessem condicionar a frequência de
realização do [r] pronunciado e não pronunciado. Investigando o quadro
de funcionários das três lojas, Labov observou que fatores como raça
poderiam constituir­‑se em variáveis independentes, isto é, fatores
sociais que podem favorecer a variação linguística. De fato, dos 62% de
informantes da Saks que pronunciavam o [r], apenas 3% eram negros,
em oposição à Saint Klein, que apresentou 25% de informantes negros
realizando o (r­‑1), de um total de 20% de ocorrências. Na Marcy’s, por
sua vez, dos 51% dos informantes que realizaram o (r­‑1), 14% eram
negros. Dessa maneira, Labov (1972, p. 75) afirmou que:
A porcentagem mais alta de vendedores negros nas
lojas de menor prestígio é coerente com o padrão
geral de estratificação social, já que, normalmente, aos
trabalhadores negros são atribuídos empregos menos
prestigiados.

O terceiro trabalho de Labov foi uma pesquisa


Harlem
realizada com jovens negros do Harlem, os quais
Bairro da cidade possuíam grandes dificuldades de aprendizagem
de Nova Iorque,
conhecido pela de leitura na escola. Vale dizer que a língua desses
grande influência de
afrodescendentes. jovens era uma variante falada exclusivamente
pelos negros, uma espécie de subsistema distinto
do inglês, chamado por Labov de BEV (Black English Vernacular). Labov
observou que, na verdade, o fracasso escolar era fruto do conflito cultural
enfrentado pelos jovens, os quais eram rejeitados pela própria escola
exatamente por falarem uma variante que apresentava formas bem
diferentes do inglês padrão, e que eram estigmatizadas socialmente.
UNIUBE 17

Podemos, então, traçar alguns pontos principais a partir das pesquisas


de William Labov, que demonstrou a relevância das variáveis sociais:
no trabalho em Martha’s Vineyard, Labov deixa claro que a não
aceitação de pessoas estranhas à ilha desencadeou uma pressão
nos jovens viniardenses no sentido de impulsionar a língua para a
variação fonológica. Já no trabalho com o [r] em Nova Iorque, Labov
propôs a relevância dos fatores socioeconômicos e também do grau de
escolaridade como condicionadores de certas variantes. No trabalho
com os adolescentes negros do Harlem, temos a influência da variante
de prestígio interferindo no aprendizado dos jovens negros, falantes
de uma variante não padrão, a qual era estigmatizada pela sociedade,
considerada "errada" pelos falantes do inglês padrão.

Assim, a importância de Labov reside no fato de buscar, nas várias


instâncias sociais, elementos relevantes que interferem sensivelmente
nas questões linguísticas. Foi, portanto, graças ao trabalho de Weinreich,
Labov e Herzog (1968), sobre mudança linguística, e também ao trabalho
de Labov (1972), sobre a variação linguística, que a sociolinguística pôde
se desenvolver no século XX.

Vamos ver se você entendeu o que falamos até aqui?

RELEMBRANDO

Antes de continuarmos nosso estudo, deve ficar claro para você os seguintes
pontos:
• desde a Antiguidade, o homem já havia percebido que as línguas sofrem
mudança, e que há variação em diferentes regiões que falam a mesma
língua;
• variação linguística são as diferenças existentes entre o falar de regiões
diferentes, de mesma língua. Por exemplo, a língua oficial do Brasil é
o português, mas há diferenças entre o português falado na Bahia e o
18 UNIUBE

falado no Rio Grande do Sul, assim como o português falado no Brasil


e o de Portugal;
• mudança linguística é quando um fenômeno de variação atinge um
índice tão alto que a antiga forma vai enfraquecendo até desaparecer.
Por exemplo: no português arcaico, havia a forma de tratamento
“vosmecê”. Quando a forma “você” surgiu, tratava­‑se de um fenômeno
de variação. Quando “você” tomou conta de toda a língua portuguesa,
e a antiga forma “vosmecê” desapareceu, então não temos mais um
fenômeno de variação, mas sim de um processo de mudança concluído;
• a Sociolinguística é a área da Linguística que estuda os fenômenos de
variação e mudança linguística;
• embora a consciência da existência da variação e da mudança linguística
exista desde a Antiguidade, a Sociolinguística pôde se desenvolver
somente em meados do século XX, a partir das pesquisas de Uriel
Weinreich, William Labov e Marvin Herzog, em 1968, e a partir das
pesquisas de William Labov, em 1972.

1.4 Relevância das variáveis linguísticas e não linguísticas

Antes de abordarmos as variáveis linguísticas e não linguísticas é preciso


que você compreenda dois conceitos importantes da Sociolinguística:
variante e variável.

Chamamos de "variável" qualquer elemento que é passível de variação,


e de "variante" cada um dos diferentes aspectos que caracterizam o
falar de determinada variável. Não entendeu? Então vamos exemplificar!

EXEMPLIFICANDO!

Sobre a variável: no português brasileiro, há inúmeros elementos que


podemos chamar de variáveis, tanto linguísticos como não linguísticos.
UNIUBE 19

• linguísticos: concordância nominal, concordância verbal, sujeito nulo


(oculto), pronúncia de vogais, uso de preposições, conjugação de
verbos, e assim por diante.

• não linguísticos: faixa etária, escolaridade, classe social, sexo,


orientação sexual, raça, religião, e assim por diante.

Tomando como exemplo a "concordância", podemos dizer que a


concordância nominal é uma variável linguística porque é um elemento
da língua portuguesa que poderá sofrer variação. Sendo assim, podemos
afirmar que, dentro da variável "concordância nominal" há, basicamente,
duas variantes no português brasileiro: a existência de marcação de
plural [os meninos bonitos] e a não existência de marcação de plural [os
menino_ bonito_ ].

1.5 As variáveis linguísticas

Variáveis linguísticas são todas aquelas que ocorrem na estrutura de uma


língua, e são, basicamente, divididas em quatro:

1.5.1 Variáveis fonológicas

Quando a pronúncia de determinado fonema, em certas palavras, sofre


variação, dizemos que a pronúncia resultante é uma variante fonológica.
Vamos tomar como exemplo o [r], já mencionado anteriormente. No
português do Brasil, o [r] é uma variável porque é capaz de sofrer
variação. Sendo assim, o [r] pós­‑vocálico, em palavras como "porta" e
"carne", poderá ser pronunciado de forma velar como o [r] de "carroça"
na variante do Norte de Minas Gerais, ou de forma vibrante como o [r] de
"carinho" na variante do Rio Grande do Sul, ou ainda de forma retroflexa
como o [r] da palavra horse do inglês falado nos Estados Unidos.
20 UNIUBE

Outro exemplo de variável fonológica é a pronúncia das consoantes [d]


e [t] no português brasileiro. Há duas variantes na pronúncia dessas
consoantes. Uma delas ocorre em grande parte do Brasil, incluindo Minas
Gerais, Goiás e Rio de Janeiro, em que palavras como "dia" e "tia" são
pronunciadas como [dchia] e [tchia], semelhante à palavra "tchau". A
outra variante é característica de algumas regiões do Nordeste e da
cidade de São Paulo, em que o [t] da palavra "tia" é pronunciado como
o [t] da palavra "tábua", e o [d] da palavra "dia" é pronunciado como o
[d] de "doce".

1.5.2 Variáveis sintáticas

No processo de variação linguística, as variáveis sintáticas dizem respeito


à organização dos elementos que compõem as sentenças da língua. Há
dois fenômenos interessantes de variação sintática que iremos citar aqui,
para que você perceba o quanto as línguas são dinâmicas. O primeiro
deles diz respeito ao que chamamos em linguística de "sujeito nulo".

O sujeito nulo nada mais é do que aquilo que as gramáticas tradicionais


chamam de "sujeito oculto" ou "sujeito implícito". Vejamos os exemplos,
a seguir:

a) Maria obteve boas notas no exame, por isso ela conseguiu ocupar o
cargo.
b) Maria obteve boas notas no exame, por isso Ø conseguiu ocupar o
cargo.

Você conseguiu perceber que na sentença (b) o sujeito da segunda


oração está implícito, ou, como dizemos na linguística, está nulo?
Qualquer falante da língua portuguesa, em circunstâncias normais, não
terá qualquer dificuldade em compreender que a falta do pronome "ela"
na sentença (b) não impede que o verbo "conseguir" se refira à Maria,
UNIUBE 21

sujeito da oração principal. O mesmo fenômeno pode ser visto no diálogo


a seguir:

– Mãe, Ø posso ver televisão?

– Você já fez a tarefa de casa?

– Eu não fiz ainda!

– Então Ø não pode ver televisão…

No diálogo entre mãe e filho que acabamos de ver, na primeira sentença


houve a omissão do pronome "eu", e na última sentença houve a omissão
do pronome "você". Já na segunda e na terceira sentenças os sujeitos
dos verbos foram preenchidos.

Isso significa afirmar que o sujeito constitui uma variável, cujas variantes
são o preenchimento do sujeito, chamado de "forma plena", e o não
preenchimento do sujeito, chamado de "forma nula". No português
arcaico, quase não se usava a forma plena do sujeito, porque as
desinências verbais davam conta de possibilitar que os falantes
compreendessem a qual pessoa estava­‑se fazendo referência. Assim,
se alguém dizia "comeu muito", era possível identificar que quem comeu
muito foi ou ele ou ela. Porém, no atual estágio do português brasileiro,
cada vez mais, os falantes sentem necessidade de preencher o sujeito,
porque a sentença "comeu muito" poderá se referir tanto a ele/ela quanto
a eles/elas e a você/vocês ou, ainda, tu, no caso de algumas variantes
das regiões Norte, como o Maranhão, e Sul, como é o caso do Paraná.

Temos, então, as seguintes possibilidades, conforme a Tabela 3, a seguir:


22 UNIUBE

Tabela 3: Variantes de fala na conjugação do verbo comer

ele
ela
eles
elas comeu muito
tu
você
vocês

IMPORTANTE!

É bom que fique claro que estamos tratando aqui de situações de fala, e não
da forma escrita da língua. As diferenças entre fala e escrita você estudará
mais adiante.

A necessidade de preencher o sujeito se deve, principalmente,


pela redução do paradigma verbal, fenômeno que já mencionamos
anteriormente.

O segundo fenômeno que ocorre com as variáveis sintáticas é o que


chamamos de "topicalização", que ocorre com muita frequência na
fala quando os falantes desejam dar ênfase a determinada elemento.
Vejamos alguns exemplos:

a) A Maria, ela não vai mais viajar.

b) A tia da Marcinha, ela esteve muito ocupada ultimamente.

c) O Pedro, marido da Maria, ele não quis pagar a dívida.

É claro que as sentenças que elencamos acima são reconhecidas


pelas gramáticas tradicionais como formas "erradas", que deveriam ser
UNIUBE 23

substituídas por formas "corretas", algo como "Maria não irá mais viajar",
"A tia de Marcinha esteve muito ocupada ultimamente" e "Pedro, marido
de Maria, não quis pagar a dívida". No entanto, o fenômeno existe, e
qualquer falante nativo da língua portuguesa não terá dificuldade em
entender qualquer uma das sentenças topicalizadas.

1.5.3 Variáveis morfossintáticas

As variáveis morfossintáticas estão relacionadas à estrutura morfológica


das palavras, e sua ocorrência poderá afetar fortemente a sintaxe da
língua. É o que vimos antes, quando falamos das variáveis sintáticas,
abordando a questão do sujeito nulo, decorrente da redução do
paradigma verbal.

EXPLICANDO MELHOR

A redução do paradigma verbal é um fenômeno de variação morfossintática,


mas que afetou a sintaxe da língua portuguesa, provocando a perda do
sujeito nulo, que é um fenômeno de variação sintática.

Outro exemplo de variável morfossintática são as terminações "ar",


"er", "ir" e "or", indicativas de infinitivo nos verbos portugueses. No
português brasileiro atual, uma das formas variantes é o apagamento
do [r] final dessas terminações (morfemas) indicativas de infinitivo,
fazendo que formas verbais como "cantar", "comer", "partir" e "pôr" sejam
pronunciadas como "cantáØ", "comêØ", "partiØ" e "pôØ".

As concordâncias nominal e verbal, já mencionadas anteriormente,


também constituem variáveis morfossintáticas, na medida em que
possuem diversas variantes, como o apagamento da marca de plural em
frases como "as menina inteligente" ou o apagamento da concordância
verbal em orações como "os homens vai trabalhar".
24 UNIUBE

1.5.4 Variáveis semânticas

Lembra­‑se de que, no início do capítulo, falamos da importância das


pesquisas de William Labov à constituição da Sociolinguística? Tanto
na pesquisa em Martha’s Vineyard, quanto no [r] em Nova Iorque e
no trabalho com os jovens negros do Harlem, Labov se deteve nas
variáveis fonológicas. Quando, porém, pesquisadores de diversas
partes do mundo começaram a considerar variáveis de outros tipos,
como a morfossintática, uma nova dimensão começou a surgir dentro
da Sociolinguística, que é a questão do significado.

Na década de 1970, Labov havia definido as variantes linguísticas como


"formas diferentes de se dizer a mesma coisa". Mas, ao fazer essa
afirmação, Labov tomou como referência as próprias pesquisas com
variáveis fonológicas. Posteriormente, uma de suas discípulas, Beatriz
Lavandera, começou a questionar tais conceitos, porque há situações
em que duas ou mais variantes de uma forma variável não podem ser
definidas como formas diferentes de se dizer a mesma coisa, já que,
ao optar por uma ou outra variante, o falante acaba criando efeitos de
sentido um pouco diferentes. No entanto, esses fenômenos não deixam
de ser considerados variantes linguísticas.

Um bom exemplo de variável semântica é o uso de "nós" e "a gente"


para designar a primeira pessoa do plural no português brasileiro. Outro
exemplo de variável semântica é o uso dos pronomes possessivos "seu/
sua" e "dele/dela" em sentenças como as que apresentamos a seguir:

a) A câmera fotográfica não funciona porque sua lente trincou.

b) A câmera fotográfica não funciona porque a lente dela trincou.

c) Paulo levou sua roupa no alfaiate.

d) Paulo levou a roupa dele no alfaiate.


UNIUBE 25

Há situações em que a variante se torna necessária ao falante com


o objetivo de desfazer uma ambiguidade. Nesse caso, enquanto a
variação entre seu/sua e dele/dela nas sentenças (a) e (b) parecem não
representar problema algum, o mesmo não ocorre com as sentenças (c)
e (d), em que a sentença (d) foi necessária para desfazer a ambiguidade
gerada em (c), já que não fica claro se o pronome "sua" se refere à roupa
de Paulo ou à roupa da pessoa com quem se fala.

SAIBA MAIS

Outro tipo de variável semântica encontra­‑se no nível lexical como uso de


determinadas palavras em diferentes regiões para designar a mesma coisa.
É o que ocorre, por exemplo, com as palavras “mandioca”, no Sudeste e no
Sul, e “macaxeira”, no Nordeste e no Norte, ambas usadas para designar
a mesma coisa.

1.6 As variáveis não linguísticas

Também chamado de variáveis extralinguísticas, esse tipo de variável


nada mais é do que os fatores sociais que favorecem o surgimento de
uma variante linguística. Vamos falar um pouco de cada uma dessas
variáveis.

1.6.1 A variável faixa etária

Desde o trabalho de Labov em Martha’s Vineyard, a faixa etária tem se


mostrado uma importante variável em diversas pesquisas. O fato é que,
geralmente, os falantes mais velhos de uma comunidade possuem a
tendência de preservar as formas mais antigas da língua, enquanto os
falantes mais jovens tendem a aceitar formas mais atuais.
26 UNIUBE

1.6.2 A variável escolaridade

A escolaridade dos falantes é considerada uma importante variável,


na medida em que a escola tende a contribuir para a preservação da
variante culta da língua. Sendo assim, a tendência geral é de que, quanto
maior o grau de escolaridade, mais próximo da norma culta estão os
falantes.

1.6.3 A variável classe social

Como demonstrou a pesquisa de Labov nas lojas de departamento de


Nova Iorque, a classe social é também uma importante variável. Nesse
sentido, a tendência geral é de os falantes pertencentes a classes sociais
mais favorecidas terem maior acesso a boas escolas e à cultura formal, o
que aproxima esses falantes da variante de prestígio da língua, enquanto
falantes de classes menos favorecidas apresentam maior acesso a
formas da língua que são estigmatizadas socialmente.

1.7 A questão do preconceito linguístico e a Sociolinguística


na escola

Leia a citação a seguir:


Uma variedade linguística vale o que valem na
sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo
do poder e da autoridade que eles têm nas relações
econômicas e sociais. (GNERRE, 1998, p. 6).

A citação acima toca em um ponto muito delicado: a discriminação do


indivíduo que, por algum motivo, não usa a variante de prestígio da língua,
mas sim a variante estigmatizada socialmente. E isso não é exclusivo da
sociedade moderna: já na Antiguidade havia discriminação em relação à
maneira de falar a língua. Como já foi mencionado no início do capítulo,
na Grécia antiga, por exemplo, o dialeto ático era considerado a variante
UNIUBE 27

de prestígio, o modelo da língua grega, enquanto os demais dialetos


eram considerados comuns, simples, não cultos.

No processo de constituição da língua, quem decide o que será


considerado culto ou não culto é a classe dominante, aquela que detém
o poder e a autoridade nas relações econômicas e sociais. Quando o que
está em jogo é a relação entre povos conquistadores e conquistados, a
situação se complica ainda mais, porque geralmente o conquistador é
quem impõe ao conquistado aquilo que deverá ser o correto. Embora
o Brasil seja um país oficialmente independente desde 1822, o senso
comum ainda carrega a ideia de que o português europeu, falado em
Portugal, é a única forma realmente correta da língua portuguesa. Fato
semelhante ocorre na relação entre inglês americano e inglês britânico, e
o espanhol europeu em relação ao espanhol falado na Hispanoamérica.

Quando uma pessoa é discriminada porque pertence a uma raça que


representa a minoria na sociedade, dizemos que houve preconceito
racial. Se essa discriminação envolve crença religiosa, dizemos que
houve preconceito religioso. Quando uma pessoa é discriminada
porque sente atração por alguém do mesmo sexo, trata­‑se de um
preconceito por conta da orientação sexual. Nessa mesma linha,
quando alguém é discriminado ou criticado pela maneira como usa
a língua materna, em relação à língua falada pela classe dominante,
dizemos que esse alguém foi vítima de preconceito linguístico. Mas
você sabe por que existe esse tipo de preconceito? Você sabe qual
deve ser a postura do professor de língua materna em relação a esse
preconceito na sala de aula?

Uma das causas do preconceito linguístico é a ideia que os falantes


possuem do que deve ser usado ou não ao lidar com a língua materna.
Mas essa ideia está condicionada pela noção de certo e errado, o que
representa um equívoco. Durante muitos séculos, a gramática tradicional
28 UNIUBE

teve a função de estabelecer as regras da variante padrão das línguas,


mas essa variante, por questões políticas e sociais já mencionadas aqui,
tornou a variante culta a única que deve ser aceita, o ponto de referência
da língua. E tudo aquilo que difere dessa forma culta é considerado erro.
A postura do professor ao lidar com alunos muitas vezes falantes de
diversas variantes linguísticas deve ser a substituição da noção de certo
e errado pela noção de adequado e inadequado.

EXEMPLIFICANDO!

No dia a dia, para cada ocasião, há um tipo de vestimenta adequado, não


é verdade? Por exemplo: ninguém, em sã consciência, irá a um casamento
tradicional usando biquíni ou maiô. Assim como ninguém, em circunstâncias
normais, irá caminhar na areia da praia de salto alto tipo agulha.

No uso da língua materna no dia a dia, ocorre algo semelhante: se estamos


em uma conversa informal com nossos amigos ou familiares, é estranho
usarmos uma variante formal da língua, algo como “prezado amigo,
poderíeis fazer­‑me o obséquio de passar­‑me a manteiga?”. Já em uma
situação formal, como uma reunião, em que está presente a alta cúpula de
uma empresa, não devemos usar formas como “e aí, véi, tá ligado?”.

Os exemplos citados tocam em um ponto importante de nosso estudo,


que é o papel da escola no desenvolvimento humano. Quando o aluno
chega à escola, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, ele traz de
casa uma variante linguística que na maioria das vezes é distante da
variante de prestígio, isto é, a norma culta. A função da escola, portanto,
não é dizer ao aluno que a forma como ele fala é errada e que ele deve
aprender a certa.
UNIUBE 29

Pelo contrário, o papel da escola é mostrar a esse aluno que tanto a


variante que ele trouxe de casa quanto a variante culta estão certas.
Mas cada uma delas será adequada em determinadas situações de
comunicação, isto é, quando a ocasião exigir uma variante formal, então
deve­‑se usar a norma culta. Quando a ocasião exigir uma variante
informal, então pode­‑se usar a variante aprendida em casa.

Quando os estudos em Sociolinguística começaram a abordar a questão


do preconceito linguístico e o papel do professor diante das variações
linguísticas, houve rumores de que a "moda" então seria aceitar "qualquer
coisa" que o aluno escrevesse ou falasse, e que a partir daquele dia o
professor deveria "jogar a gramática fora", porque não servia mais para
nada. Esse tipo de postura, porém, se mostra bastante equivocada. Não
se trata de aceitar tudo o que o aluno fala ou escreve, até porque, se
fosse assim, não haveria mais a necessidade de aulas de língua materna
na escola.

Quando o aluno diz ou escreve algo que foge à norma culta, o papel do
professor é mostrar a ele, sem, contudo, puni­‑lo, que o que ele disse ou
escreveu é adequado em determinadas situações de comunicação, e
não em outras. Vejamos um exemplo: suponhamos que na sala de aula,
em determinado momento, a professora anuncie aos alunos que irá olhar
quem fez a tarefa de casa. De repente, um aluno diz a frase a seguir:
Professora, não deu pra mim fazer a tarefa.

E agora? Qual deve ser a atitude da professora diante da


sentença proferida pelo aluno? Reflita e anote o que você faria.

Se você escreveu que a professora deveria dizer ao aluno que o correto


é “não deu pra EU fazer a tarefa”, então você ainda não compreendeu
aonde queremos chegar. Atitudes como essa provocam críticas na sala
de aula, pois os outros colegas tendem a criticar, discriminar o colega que
disse algo que não está de acordo com a variante culta do português.
30 UNIUBE

No entanto, a sentença “não deu pra mim fazer” está correta porque é
inteligível, qualquer falante nativo do português é capaz de entendê­
‑la. Ela só estaria errada se o aluno dissesse algo inaceitável na língua
portuguesa, algo como “tarefa eu de fazer deu o casa”, porque não faria
sentido a nenhum falante que a ouvisse. Em uma situação como essa,
a melhor atitude a ser tomada pela professora seria tentar responder ao
aluno usando uma sentença semelhante, algo como o diálogo a seguir:

– Pessoal, agora irei olhar as tarefas de casa.


– Professora, não deu pra mim fazer a tarefa.
– Então traga­‑a amanhã para EU olhar.

Esse tipo de atitude é mais sensata porque o professor acaba mostrando


ao aluno como é a variante culta sem, contudo, expô­‑lo às críticas do
restante da turma. Mas não paramos por aqui: depois o professor deve
chamar o aluno em particular e explicar a ele que “não deu pra mim
fazer” é uma frase adequada em situações informais de fala, mas que em
situações formais deve­‑se usar “não deu pra eu fazer”. E assim deve ser
feito na sala de aula em relação a qualquer situação em que os alunos
dizem ou escrevem algo que não está de acordo com a variante culta
da língua. Portanto, caro(a) aluno(a), não é preciso o professor “jogar a
gramática fora”, nem “aceitar tudo de bom grado”. Ele deve, sim, deixar
claro aos alunos que todas as línguas sofrem variação, e que não se
deve discriminar alguém por conta da maneira como esse alguém fala.
Mas o professor deve também explicar aos alunos que, na escola, eles
aprenderão a variante culta da língua para poderem utilizá­‑la quando uma
situação formal de comunicação se fizer presente.

O preconceito linguístico existe, e há muitas situações em que ele é


alimentado pela própria sociedade. Leia o texto a seguir, cujo autor é
desconhecido:
UNIUBE 31

EXEMPLIFICANDO!

Causo mineiro
Sapassado, era sessetembro, taveu na cuzinha tomando uma pincumel e
cuzinhando um kidicarne com mastumate pra fazer uma macarronada com
galinhassada.

Quascaí de susto quandoví um barui vinde dendoforno, parecenum


tidiguerra. A receita mandopô midipipoca denda galinha prassá. O forno
isquentô, o mistorô e o fiofó da galinha ispludiu!

Nossinhora! Fiquei branco quinein um lidileite. Foi um trem doidimais!


Quascaí dendapia! Fiquei sensabê doncovim, proncovô, oncotô.
Oiprocevê quelocura!

Grazadeus ninguém simaxucô!

Fonte: Autor desconhecido. Disponível em: <http://demogidascruzes.edunet.sp.gov.


br/LP/Causo.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2009.

Textos como esse, em vez de contribuírem para a reflexão crítica sobre


a língua, acabam incentivando o preconceito linguístico. Há, inclusive,
restaurantes mineiros que reproduzem o texto anterior e o distribuem aos
clientes, como se o falar mineiro fosse, realmente, dessa forma. E mais:
frequentemente as pessoas associam o falar caipira ao falar mineiro,
o que não é verdade. A variante chamada de caipira, no português
brasileiro, é uma variante falada em algumas regiões de Minas Gerais,
São Paulo e Goiás. Uma das características mais marcantes da variante
caipira é a pronúncia do [r] retroflexo (aquele [r] da palavra horse no
inglês americano) em palavras como "porta" e "carne". Mas há outras
variantes no português brasileiro que usam a pronúncia retroflexa do [r],
e que não são caipiras.
32 UNIUBE

Outra questão em relação ao texto anterior é a forma como as palavras


estão escritas, como é o caso de "sapassado" e "taveu". Se você prestar
atenção, verá que, em nenhuma língua, os falantes pronunciam cada
palavra separadamente. Pelo contrário, ligam uma palavra na outra e
nenhum nativo da língua tem dificuldades para entender o que o outro
fala. Tente pegar um diálogo escrito em inglês, francês, italiano, alemão,
ou outra língua qualquer, e ouça o mesmo diálogo para ver como as
palavras são agrupadas na sentença. Por isso, textos como esse do
Causo Mineiro, se não forem trabalhados corretamente pela escola, irão
contribuir para a manutenção do preconceito linguístico.

O linguista Marcos Bagno (2006), autor do livro Preconceito linguístico:


o que é, como se faz, aborda de forma muito clara a questão do
preconceito linguístico, inclusive dividindo­‑o em mitos, isto é, crenças
que as pessoas em geral possuem em relação à língua portuguesa e às
formas de prestígio.

Quando Bagno publicou a primeira edição do Preconceito linguístico,


houve várias críticas no sentido de que ele defendia o abandono da
gramática, crítica semelhante à que abordamos anteriormente. Caso
queira aprofundar­‑se nesse assunto, leia esse livro atentando­‑se para o
fato de Bagno ter como objetivo as causas do preconceito linguístico, os
mitos existentes no senso comum que envolvem a língua portuguesa,
a ideia equivocada de que "brasileiro não sabe português", ou de que
"português é muito difícil", entre outras questões. Ora, a ideia de que
o brasileiro não sabe português vem de outra ideia equivocada de que
só em Portugal é que se fala o bom português. Se fosse assim, então
os norte­‑americanos, os canadenses, os australianos e os indianos,
entre outros, também não saberiam inglês, pois o único lugar
onde se falaria o bom inglês seria na Inglaterra! E mais: o único lugar
onde se falaria bem o espanhol seria na Espanha, e nenhum país da
Hispanoamérica saberia falar espanhol.
UNIUBE 33

Sobre o senso comum considerar que "português é muito difícil", Bagno


explica que isso é um mito, porque todas as línguas apresentam um
grau de complexidade que exige muito do aprendiz. Se português fosse
assim tão difícil como dizem, não haveria no mundo tantos falantes de
português. Se o português é muito difícil, o que sobra então para línguas
como o latim e o grego clássico?

Essas e outras questões, que compõem o que Bagno chama de


"mitologia do preconceito linguístico", são muito bem abordadas em sua
obra Preconceito linguístico, citada antes.

PONTO-CHAVE

Ao ler a obra indicada anteriormente, não se esqueça de ter em mente o


que dissemos sobre o fato de o autor NÃO pregar que a gramática deva ser
jogada fora. O objetivo é apenas mostrar o que é o preconceito linguístico
e por que ele é gerado no meio social, quais as suas relações com as
questões políticas das classes dominantes, que decidem sobre a cultura e
a sociedade.

Resumo

• A Sociolinguística é a área da Linguística que se ocupa do estudo


da variação e da mudança linguística, fenômenos que ocorrem em
todas as línguas.
• A partir das pesquisas de Weinreich, Labov e Herzog, em 1968, e das
pesquisas de Labov, em 1972, foi possível perceber a relevância das
variáveis sociais nos fenômenos de variação e mudança linguística.
• O preconceito linguístico existe devido à noção de certo e errado na
língua em oposição às regras impostas pela gramática normativa.
• A noção de certo/errado deve ser substituída por adequado/
inadequado.
34 UNIUBE

• O preconceito linguístico ocorre quando uma variante da língua é


estigmatizada socialmente.
• A função da escola é ensinar ao aluno que para cada situação de
comunicação há uma variante adequada.
• Quando o aluno diz algo que foge à norma culta, o professor deve
explicar a ele que, em situações informais, o que ele disse está
adequado, mas em situações formais há variantes mais adequadas.

Atividades

A seguir, leia os fragmentos (1) e (2) retirados do texto "Nóis mudemo",


de Fidêncio Bogo, para responder às atividades 1 e 2.

(1)

As aulas tinham começado numa segunda­‑feira. Escola de periferia,


classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida,
quase um rapaz.

– Por que você faltou esses dias todos?

– É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda. – Risadinhas


da turma.

– Não se diz "nóis mudemo", menino! A gente deve dizer: nós mudamos,
tá?

–Tá, fessora!

No recreio, as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis
mudemo! No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.

– Pai, não vô mais pra escola!

– Oxente! Módi quê?


UNIUBE 35

(2)

Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós muda-
mos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos… Superusada, mal usada,
abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e
sapato da língua materna – a língua que a criança aprendeu com seus pais
e irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular
e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas
de regrinhas estúpidas para aquela idade.

Atividade 1

Depois de ler o fragmento (1) do texto "Nóis mudemo", diga qual deveria
ser a atitude da professora em relação ao aluno, o qual chegou à
escola conhecendo apenas uma variante da língua portuguesa, que era
estigmatizada socialmente. Fundamente sua resposta a partir do texto
da unidade.

Atividade 2

O fragmento (2) do texto "Nóis mudemo" narra determinado momento


em que a professora se arrepende da atitude que tinha com seus alunos
quando feriam a norma culta. A partir do que foi estudado na unidade, e
da obra Preconceito linguístico, de Marcos Bagno, você concorda com
a professora quando ela afirma que tem raiva da gramática, pois é uma
guilhotina dentro da escola?
36 UNIUBE

Referências

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se


faz. 47. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006. 186 p.

BORTONI­‑RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a


sociolinguística na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. 108 p.

GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. 4.


ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 115 p.

LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia:


University of Philadelphia Press, 1972.

____ . Padrões sociolinguísticos. Trad. Marcos Bagno, Maria Marta Pereira


Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. 392 p.

LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Trad. Marilda


W. Averbug e Clarice S. Souza. Rio de Janeiro: LTC, 1987. 322 p.

MOLLICA, M.C.; BRAGA, M.L. (Orgs.) Introdução à Sociolinguística:


o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003. 200 p.

OLIVEIRA, Giovanni de Paula. A variação das preposições "para" e "a" na


fala de Uberaba e Montes Claros. 140 f. Dissertação de Mestrado (Mestrado
em Linguística) – Instituto de Letras e Linguística. Uberlândia, 2009.

ROBINS, R.H. Pequena história da Linguística. Trad. de Luiz Martins


Monteiro. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2004. 203 p.

TARALLO, Fernando. A pesquisa Sociolinguística.


2. ed. São Paulo: Ática, 1986. 96 p.

WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos


empíricos para uma teoria da mudança Linguística. Trad.
Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. 152 p.
Capítulo
A tessitura dos
textos orais e escritos:
2
processos de
referenciação
Sandra Eleutério Campos Martins

Introdução

Na primeira etapa do nosso curso, vimos o conceito de texto,


que são as manifestações linguísticas produzidas por indivíduos
concretos em situações concretas e sob determinadas condições
de produção. Isto é, trata-se das sequências linguísticas que
produzimos quando nos comunicamos com algum de nossos
semelhantes, os seres humanos, em qualquer situação da nossa
vida prática do dia a dia. Estudamos também que, para que uma
sequência linguística seja um texto, é preciso que cumpra a sua
função sociocomunicativa, pois o que as pessoas têm para dizer
umas às outras não são palavras nem frases isoladas, mas textos.
Para que esses textos sejam produzidos e compreendidos, uma
série de fatores tem papel determinante. Esses fatores dizem
respeito às intenções de quem produz o texto, ao que chamamos
de intencionalidade; ao contexto sociocultural em que se insere o
texto, ou à situacionalidade; à expectativa do recebedor de que
o texto seja coerente e importante, à aceitabilidade; ao número
de ocorrências de determinadas informações de um texto que
são esperadas ou não, conhecidas ou não ou à informatividade;
e, finalmente, ao que diz respeito aos fatores que fazem a
utilização de um texto dependente do conhecimento de outros,
38 UNIUBE

à intertextualidade, conforme já estudamos no último livro da


etapa 1. Além disso, é necessário que o texto constitua uma
unidade semântica, ou seja, deve ser um todo que faça sentido
e se caracterize por ser uma unidade formal e material cujos
constituintes linguísticos devem se mostrar de tal modo integrado,
permitindo que ele seja percebido como um todo coeso. Assim,
um texto será bem compreendido se atender a todos esses
aspectos que têm a ver com seu funcionamento como uma ação
informacional, comunicativa e semântico‑conceitual, de que
depende sua coerência; e formal, que diz respeito à sua coesão.
Esse conjunto de características que fazem que um texto seja um
texto, e não apenas uma sequência de frases, recebe o nome de
textualidade.

Nesse momento, para que possamos dispor desse conhecimento


para elaborar nossos próprios textos e, principalmente, para
podermos exercer nossa profissão docente de modo que
contribua mais efetivamente com a competência de escrita de
nossos alunos, vamos proceder um estudo detalhado de um
desses aspectos que consideramos um dos mais importantes: os
processos e elementos de coesão textual.

Objetivos

Ao final do estudo proposto neste capítulo, você deverá ser capaz de:

• identificar os processos de organização dos textos, a partir da


abordagem da Linguística Textual;
• explicar o fenômeno da coesão textual;
• identificar os mecanismos e elementos linguísticos da coesão
referencial.
UNIUBE 39

Esquema
2.1 O que é a coesão textual?
2.2 Conceituando o fenômeno da referenciação
2.3 Tipos de referenciação
2.3.1 A dêixis
2.3.2 A anáfora
2.4 Mecanismos linguísticos de construção da referência
2.4.1 Dêiticos
2.4.2 Anafóricos
2.5 A referência na fala e na escrita

2.1 O que é a coesão textual?

O conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de


sequencialização que asseguram ou tornam recuperável uma ligação
linguística significativa entre os elementos que aparecem na superfície
textual.

EXPLICANDO MELHOR

Processos de sequencialização
Mecanismos e/ou elementos que asseguram (ou tornam recuperável) uma
ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície
textual, “ligando” as ideias novas às outras, fazendo o texto progredir.

Superficie textual
Sequência linguística linear, na qual os elementos da língua encontram-se
interrelacionados, formando um enunciado que possui sentido completo.
40 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

Afirma-se que a violência no país tem diminuído. Entretanto dados recentes


mostram o Brasil como um dos países mais violentos do mundo, levando-se
em conta o risco de morte por homicídio.

Neste trecho, podemos observar que os elementos “entretanto” e “o


Brasil” realizam o que chamamos de ligações linguísticas. “Entretanto”
relaciona “dados recentes mostram o Brasil como um dos países mais
violentos do mundo, levando‑se em conta o risco de morte por homicídio”
e “afirma‑se que a violência no país tem diminuído”, por meio de uma
conexão lógico‑semântica de oposição (se a violência diminuiu, o país
não deveria ser apontado como um dos mais violentos do mundo,
certo?). Já a expressão “o Brasil” refere‑se a “o país”, relacionando as
duas afirmações à mesma nação.

Assim, podemos dizer que a coesão textual é o conjunto de relações de


sentido que se estabelecem entre os enunciados e compõem o texto,
fazendo que a interpretação de um elemento qualquer seja dependente
da de outro(s). Pode ser obtida por meio de elementos gramaticais e de
elementos lexicais.

Os principais processos de coesão textual são a referência ou coesão


referencial e a sequenciação ou coesão sequencial.

Vamos dar início ao nosso trabalho com o estudo sobre a coesão


referencial.
UNIUBE 41

2.2 Conceituando o fenômeno da referenciação

De um ponto de vista mais amplo, a palavra referência pode ser


empregada com muitos sentidos diferentes. Segundo Ferreira (1986),
“referência é o ato ou efeito de referir, de contar, de relatar; é aquilo a que
se refere, conta ou relata; é uma alusão, uma menção, uma insinuação;
é a relação que existe entre certas coisas; ou, ainda, é o conceito,
informação ou imagem mental que o signo transmite ao seu usuário,
fazendo a mediação entre o signo e referente”.

São elementos de referência os itens da língua que não podem ser


interpretados semanticamente por si mesmos, mas remetem a outros
itens do discurso necessários à sua interpretação.

EXEMPLIFICANDO!

Gosto muito de ir àquela pizzaria na Praça Central. Lá se fazem pizzas


deliciosas.

Dessa forma, pode-se perceber que a referência não está pronta


de antemão, relacionada a um determinado significante, mas ela é
construída e reconstruída à medida que o sujeito se apropria desse
significante, segundo suas necessidades específicas, numa situação
única de interação pela linguagem.

EXPLICANDO MELHOR

O elemento da língua portuguesa “Lá” pode referir-se a qualquer lugar, não


apenas à “pizzaria”. O seu referente será diferente, em cada situação de
comunicação distinta em que for empregado.
42 UNIUBE

Conforme já apontamos, agora falando mais especificamente, Koch


(1989) e Halliday e Hassan (1976) afirmam que a referência é o
mecanismo pelo qual se relacionam itens da língua que não podem ser
interpretados pelo seu sentido próprio, mas apenas em relação a outros
elementos do discurso. Aos primeiros dão o nome de pressuponentes e
aos últimos, de pressupostos.

EXPLICANDO MELHOR

Antonio Fagundes faz parte do elenco da nova novela das sete. O ator
parece estar adorando o seu personagem na trama.

Nesse exemplo, podemos observar o emprego da expressão “o ator”.


Essa expressão pode ter qualquer pessoa do sexo masculino cuja
profissão é ator como referente. Portanto, esse elemento não pode
ser interpretado pelo seu sentido próprio, mas apenas em relação a
outro elemento do discurso, no caso, “Antonio Fagundes”. Por meio
de elementos como esse, vão-se conectando novas ideias às outras,
fazendo o texto progredir. Nesse exemplo, por meio da expressão “o ator”
conectou-se à sequência “Antonio Fagundes faz parte do elenco da nova
novela das sete” a informação de que ele “parece estar adorando o seu
personagem na trama”. Ficou claro?

2.3 Tipos de referenciação

Para Koch (1989) e Halliday e Hassan (1976), a referência pode ser


textual ou endofórica, quando o referente se acha expresso no próprio
texto, e situacional ou exofórica, quando a remissão é feita a algum
elemento da situação de comunicação, ou seja, quando o referente não
está presente no texto. A referência endofórica pode realizar-se de duas
formas: se o referente precede (isto é, vem antes) o item coesivo, tem-se
UNIUBE 43

a anáfora; se vem depois dele, tem-se a catáfora. Observe o diagrama


(Figura 1) e os exemplos.

Figura 1: Diagrama – referência situacional e textual.

EXEMPLIFICANDO!

1. Você não teria nada a perder, caso se inscrevesse para concorrer.

(Exofórica: o referente está fora do texto, na situação de comunicação;


trata-se da pessoa com quem se fala.)

2. Márcia e Helena são excelentes médicas. Elas se formaram na escola


de Medicina da Unicamp.

(Endofórica: elas refere-se a Márcia e Helena.)

3. Tudo estava como pedimos: as bebidas, as comidas, a decoração


e a música.

(O referente de Tudo vem depois dele na superfície do texto.)

4. Vinícius viajou de férias sozinho pela primeira vez. Seus pais estão
apreensivos.

(O referente de seus vem antes dele na superfície do texto.)


44 UNIUBE

Para Halliday e Hassan (1976), a referência pode ser, ainda, pessoal,


realizada por meio de pronomes pessoais e possessivos; demonstrativa,
feita por meio de pronomes demonstrativos e advérbios indicativos de
lugar; e comparativa, efetuada por via indireta, por meio de identidades e
similaridades. Mas isso será retomado mais adiante, com mais detalhes
e exemplos, para que você entenda bem, combinado? Vejamos, agora,
a referência exofórica e a endofórica mais detalhadamente.

2.3.1 A dêixis

Você já ouviu falar de “dêixis”? Não? Então está na hora de


aprender, pois se trata de um termo técnico importante do
conhecimento de leitura e produção de textos!

Para Monteiro (1994), o termo “dêixis”, etmologicamente falando, carrega


a noção de indicar ou apontar. Assim, “dêixis” diz respeito às relações entre
a estrutura das línguas e os contextos em que os elementos pertencentes
à dêixis (os dêiticos) são empregados, sendo, dessa forma, colocados
como um aspecto do processo da enunciação, pois o vocábulo dêitico
toma da situação de enunciação em que está sendo empregado, sempre,
algum elemento de seu significado. Sendo assim, para que um dêitico
seja interpretado é preciso olhar “para fora” do texto, para a situação de
comunicação em que os usuários da língua utilizam esse elemento.

EXPLICANDO MELHOR

Enunciação
A enunciação é o momento no qual o discurso é recebido/enviado/
materializado, não importando que forma ele tenha. Mas ela depende de
um elemento fundamental para existir, que é o enunciado. O enunciado é,
muitas vezes, o eixo do discurso, pois é a ideia central e pode ter muitas
formas. Muitas vezes ele apresenta uma ideia complexa, em outras é apenas
uma palavra, ou pode ser as duas coisas: uma palavra que expõe uma ideia
complexa.
UNIUBE 45

A dêixis se constrói, então, nas situações concretas de enunciação,


uma vez que a função básica dos elementos dêiticos é a de relacionar
o enunciado à enunciação. Por outro lado, o papel da referência não
tem nenhuma relação com a função dos dêiticos, porque os elementos
linguísticos responsáveis pela construção da referência não descrevem
por si próprios uma relação entre o enunciado (aquilo que se diz) e a
enunciação (a situação concreta em que aquele enunciado está sendo
proferido), mas relacionam “entidades” num mesmo universo textual,
como já demonstrado no exemplo 2, em que “elas” refere-se ou retoma
“Márcia e Helena”.

Dessa forma, como o dêitico aponta para a situação concreta de


comunicação, verifica-se, que o referente do dêitico mudará sempre que
a situação mudar, mas não o seu significado dêitico, que é constante
e reside na indicação precisa das relações com as circunstâncias do
ato discursivo. Por exemplo, “eu” é sempre aquele que enuncia, numa
situação, entretanto, a referência muda de uma situação para outra,
em que pessoas diferentes se enunciam como “eu”. Ficou claro? Não?
Preste atenção: se numa determinada situação em que conversamos
eu e você eu digo “Hoje, eu não estou bem”, o “eu” refere-se a mim,
Sandra. Mas quando você responde “Eu também não”, o “eu” refere-se
a você. Mas “eu” continua significando a pessoa que “fala”. Esclareceu?
Observe como Ilari e Geraldi (1990) explicam essa peculiaridade da
interpretação dos dêiticos, permitindo distinguir sentido e referência.
Numa oração como “Hoje, eu não posso sair com você, pois estou
ocupado”, o pronome “eu” tem por sentido um roteiro que consiste em
identificar o falante; “você” tem por sentido um roteiro de identificar com
quem se fala e “agora”, por sua vez, tem por sentido um roteiro que
consiste em identificar o momento da fala, mas a referência muda, pois
em cada situação de comunicação distinta mudam os interlocutores e
o tempo. Assim, segundo os autores, o sentido dos dêiticos é um certo
“roteiro para encontrar referentes” que devem ser buscados na situação.
46 UNIUBE

SINTETIZANDO...

A função básica dos dêiticos é, então, a identificação do referente. Portanto,


eles sempre remetem a uma fonte que lhes preenche o significado, a
qual se localiza na situação em que o enunciado é proferido, isto é, nas
circunstâncias discursivas.

2.3.2 A anáfora

Entretanto, essa fonte pode se localizar no próprio discurso, no enunciado


ou texto, conforme dito anteriormente e, nesse caso, teremos a anáfora.
Segundo Monteiro (1994), a anáfora transfere as noções essencialmente
dêiticas, ou seja, o papel de apontar para a situação de comunicação,
para a dimensão do contexto do enunciado (o próprio texto) e, então,
“opera’’ a reinterpretação da localização (existência) em termos do que
pode ser chamado de localização no universo textual. O referente passa,
assim, a ser identificável por meio de um termo antecedente, que o
introduz ou o identifica, no próprio texto.

Verifica-se, então, que a referência pode ser dêitica ou anafórica e que,


conforme afirma Monteiro, a diferença entre elas reside na fonte da
informação (a dêixis remete para a situação concreta de enunciação, e a
anáfora, para o interior do contexto linguístico) e no tipo de relação com o
referente (na dêixis ele é indicado de modo direto e, na anáfora, opera-se
por meio de uma substituição, e o referente é designado precisamente por
outro sintagma nominal). Vejamos, então, neste momento, a construção
da anáfora de modo mais detalhado.

A anáfora pode ser definida como a relação existente entre termos que
retomam o mesmo referente. Esse processo não se limita, portanto, ao
uso de pronomes, com função substitutiva, mas reside no emprego de
dois vocábulos ou sintagmas com identidade referencial. Entretanto, o
UNIUBE 47

termo substituto não traduz o mesmo significado do antecedente, pois,


ao operar uma substituição, pode-se retomar o referente, salientando
apenas uma ou algumas de suas características, dependendo da
intenção do falante.

EXEMPLIFICANDO!

Luiz Inácio Lula da Silva vai viajar outra vez. O presidente tem saído muito
do país ultimamente.

A expressão “O presidente” salienta apenas algumas características


de Luiz Inácio Lula da Silva, no que se refere à posição que ocupa no
cenário político nacional, mas nada do que diz respeito à sua dimensão
familiar, afetiva, dentre outras. Quem designa Lula por “O presidente”
tem uma intenção ao fazê-lo, que poderia ser, por exemplo, chamar a
atenção dos brasileiros para o fato de um chefe de nação ausentar-se
tanto do país.

Segundo Koch (1989), a anáfora, processo em que um componente


da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo
textual que o precede, constitui-se em um dos mecanismos daquilo a
que chama de “coesão referencial’’. Ao primeiro componente denomina
“forma referencial ou remissiva”; ao segundo, “elemento de referência”
ou “referente textual”, cuja noção é bastante ampla, podendo ser
representado por um nome, um sintagma, um fragmento de oração ou,
ainda, todo o enunciado. Observe com atenção.

EXPLICANDO MELHOR

Forma referencial ou remissiva


Trata-se do elemento anafórico, ou seja, uma forma linguística que retoma
uma entidade já mencionada do texto (o referente). Pode ser de dois tipos:
48 UNIUBE

as formas remissivas não referenciais e as formas remissivas referenciais.


As formas remissivas não referenciais fornecem ao leitor/ouvinte apenas
instrução de conexão, tais como a concordância de gênero e número,
enquanto as formas remissivas referenciais, além de fornecerem instruções
de conexão, contêm também instruções de sentido.

EXEMPLIFICANDO!

Pedro mora em Uberaba. O garoto estuda na melhor escola da cidade.


(“Pedro” está representado por um sintagma nominal.)

O aluno agrediu fisicamente a professora, mas ninguém o advertiu por


isso. (“Agrediu fisicamente a diretora” é um fragmento de oração que está
representado por “isso”.)

Quando a forma remissiva precede o elemento de referência, tem-se a


catáfora. Veja.

EXEMPLIFICANDO!

Tudo começou no começo do verão: as desavenças, as discussões e as


agressões verbais. (“As desavenças, as discussões e as agressões
verbais” precede “tudo”, termo do qual é o referente. Temos, portanto, uma
catáfora.)

Para a autora, o referente se constrói no desenrolar do texto, modificando-


se a cada novo nome que se lhe dê ou a cada nova ocorrência de traços
que lhe vão sendo agregados, à medida que o texto se desenvolve. Isso
pode ser ilustrado pelo exemplo que mencionamos anteriormente de “Luiz
Inácio Lula da Silva” ser retomado apenas por “o Presidente”, lembra-se?
Se precisar, volte ao exemplo e confira a explicação novamente.
UNIUBE 49

Kallmeyer et al. (HALLIDAY e HASSAN, 1976) propõem a “Teoria da


referência mediatizada’’ para caracterizar a função mediadora exercida
pela forma remissiva quando da remissão a outros elementos linguísticos
do texto, como se pode observar no exemplo a seguir.

EXEMPLIFICANDO!

A meia do atacante está encardida e furada. A do goleiro é novinha em


folha.

Nesse exemplo, podemos observar que não há correferencialidade


entre o sintagma nominal “a meia do atacante” e a forma remissiva “a do
goleiro”, a qual, neste caso, “extrai” do grupo nominal o seu elemento de
referência, que, no caso, trata-se do termo “meia” apenas, descartando
o restante.

EXPLICANDO MELHOR

Correferencialidade
Quando uma forma remissiva retoma um referente, estabelecendo uma
relação de conexão e/ou sentido. Ex: O carro de João é vermelho, mas o
meu não é. (Não há correferencialidade entre o carro de “João” e “o meu”,
pois o meu carro não é o carro de João, mas trata-se de um carro, embora
não seja o mesmo.)

Para Oakhill e Garnham (1992), a anáfora se subdivide em dois tipos


básicos: a anáfora superficial, que pode ser compreendida com facilidade,
e a anáfora profunda, que exige do interlocutor um espaço cognitivo
maior para ser interpretada.
50 UNIUBE

Em uma relação anafórica superficial, mais simples que a outra, o


interlocutor consegue identificar o referente por meio de pistas linguísticas
explícitas e óbvias fornecidas pelo texto, como no exemplo que se segue.

EXEMPLIFICANDO!

O filho deu o livro de presente para a mãe, porque ela queria muito lê‑lo.

Nesse caso, o pronome ela faz remissão à mãe e “-lo” a livro, que se
tornam referentes fáceis de serem identificados por meio do gênero
(feminino e masculino) do pronome, do número (singular) e da
proximidade na sequência linguística.

Por outro lado, tem-se as relações anafóricas profundas, nas quais o


interlocutor utiliza-se de recursos linguísticos e não linguísticos para
identificar o referente. Preste atenção!

EXEMPLIFICANDO!

Maria vai casar. Ele é médico.

Nesse enunciado, o interlocutor precisa recorrer a outros fatores,


tais como o conhecimento partilhado, conhecimento de mundo e de
inferências para identificar que o referente de ele é o rapaz com quem
Maria vai se casar.

Além disso, Monteiro salienta que há muitas sutilezas na formalização


e no reconhecimento de uma relação anafórica, mas que o ponto
nevrálgico reside nas associações da referência com os elementos
UNIUBE 51

que devem instaurar a coesão do texto, para que a informação tenha


coerência. Às vezes, é difícil precisar quando e de que modo dois termos
são correferenciais e, por isso, o fenômeno tem que ser explicado por
uma teoria da relação entre texto e contexto, sempre em função dos
dados referenciais que são introduzidos no discurso. Isso quer dizer que
a referência é construída no próprio texto, na medida em que o texto é
produzido e que o referente só pode ser identificado nesse texto.

De qualquer maneira, para Monteiro (1994), tanto a dêixis quanto a


anáfora são processos relevantes para a obtenção da coerência (sentido)
e coesão do texto, eliminando redundâncias e reduzindo a possibilidade
de ambiguidades, uma vez que, pelo uso dos elementos indiciais, os
interlocutores se orientam quanto aos esquemas correlacionais em que
os termos linguísticos estão envolvidos. Compare os enunciados.

EXEMPLIFICANDO!

1. Fernando Haddad, Ministro da Educação, participou da reunião ministerial


com Lula no Palácio do Planalto, na qual ele voltou a pedir unidade no
governo.

2. Fernando Haddad, Ministro da Educação, participou da reunião ministerial


com Lula no Palácio do Planalto, na qual o presidente voltou a pedir unidade
no governo.

Veja que, no primeiro caso, temos uma ambiguidade e consequente


falta de coerência, porque nem os elementos presentes no texto nem o
nosso conhecimento de mundo são suficientes para definir a quem se
refere o pronome ele: Lula ou Fernando Haddad. A simples substituição
do pronome pelo sintagma nominal “o presidente” foi suficiente para
desfazer a ambiguidade e tornar o enunciado coerente. Viu só como os
52 UNIUBE

processos de referenciação são importantes para a construção de textos


coesos e coerentes? Vejamos, então, cada um dessas duas classes de
elementos por meio das quais a referenciação é construída nos textos.

2.4 Mecanismos linguísticos de construção da referência

2.4.1 Dêiticos

Segundo Benveniste (1988), os pronomes de primeira e de segunda


pessoa são, por excelência, vocábulos dêiticos, pois situam‑se na
dimensão pragmática da linguagem e funcionam como indicadores dos
participantes de um ato de fala: “eu” se define em termos de elocução
e se identifica pelo discurso que o contém; “tu” só existe em relação ao
“eu” que o designa. Leia a tirinha a seguir.

Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Nessa tirinha, que constitui uma situação de comunicação autêntica,


temos os dêiticos “eu” e “você”, que só podem ser definidos “olhando‑se”
para fora dos enunciados com os quais as duas amigas se comunicam:
uma, que enuncia no primeiro quadrinho, se designa por “eu” e, no
segundo quadrinho, passa a ser “você”, tendo em vista que a outra é
quem enuncia. Ficou claro? Câmara Júnior (1970, p. 107-114) afirma que
UNIUBE 53

a função básica dos pronomes pessoais é indicar a noção de pessoa do


discurso, constituindo o eixo falante‑ouvinte (eu e tu / nós e vós), que
abrange, ainda, os seres que ficam fora desse eixo (ele/eles). Quanto
aos demonstrativos e artigos, Câmara Júnior também os classifica como
demonstrativos, apontando que o seu papel é “essencialmente dêitico,
isto é, indicador no espaço”.

Conforme Lyons (1987, p. 163), não existem distinções sintáticas ou


semânticas muito estritas entre estas três classes. Segundo ele, o
artigo definido, tanto quanto os pronomes pessoais, é, na realidade, um
demonstrativo enfraquecido e, para justificar o seu ponto de vista, lembra
que no passado todas essas formas se correlacionavam, e observa
que muitas línguas possuem demonstrativos, mas carecem de artigos
definidos e/ou pronomes pessoais de terceira pessoa e, ainda, que nas
línguas românicas, estes foram derivados dos demonstrativos.

Rodrigues (1978) caracteriza o subsistema dos demonstrativos, do ponto


de vista morfológico, considerando
[…] quatro bases ou temas, distribuídas segundo a
natureza da indicação: 1. /éste/ indicação ostensiva de
proximidade do falante; 2. /ése/ indicação ostensiva de
proximidade ao ouvinte; 3. /akéle/ indicação ostensiva
de afastamento dos interlocutores; 4. /éle/ /o/ indicação
contextual.

Castilho (1993, p. 191), a partir desse trabalho de Rodrigues, afirma que


a essas quatro bases está associada a “natureza da indicação” e, assim,
argumenta que
[…] os pronomes pessoais ele e o, o artigo definido
o, os pronomes demonstrativos o, este, esse,
aquele, isto, isso, aquilo compartilham propriedades
sintático‑semânticas comuns tais que podem ser
ordenados numa classe única, à qual denomina
mostrativos.
54 UNIUBE

Ainda segundo Castilho (1993, p. 121-122), por esse rótulo, ele pretende
“enfatizar as propriedades semânticas básicas dessas classes: a de
retomar conteúdos e a de indicar a posição espacial, temporal ou textual
ocupada pelo referente”. Assim, afirma que “os demonstrativos e os
artigos são classes definidas pelo seu ‘papel fórico’ (termo que utiliza
no lugar de referência, dada à ambivalência que o termo tem assinalado
nos textos atuais) e “pelo seu papel dêitico na linguagem”.

EXPLICANDO MELHOR

Papel fórico
Trata-se da função das formas remissivas de retomar um referente já
expresso (anáfora) ou de referir-se a um referente introduzido depois dela
na superfície textual (catáfora).

Papel dêitico
Trata-se da função de mostrar ou de apontar para fora do universo textual,
ou seja, para a situação concreta de enunciação. Os pronomes de primeira
e de segunda pessoa são, por excelência, vocábulos dêiticos, pois situam-se
na dimensão pragmática da linguagem e funcionam como indicadores dos
participantes de um ato de fala: “eu” é o locutor e “tu” é o seu interlocutor.

EXEMPLIFICANDO!

Esse caderno que está em suas mãos é meu. (Papel dêitico.)

Pedro e Tiago são irmãos, mas esse gosta de estudar, aquele, não. (Papel
fórico ou anafórico.)
UNIUBE 55

Comparando esses exemplos, verificamos que, no primeiro caso, temos


o demonstrativo esse com função de dêitico, enquanto que, no segundo,
a sua função é anafórica. Halliday e Hassan (1976) distinguem três tipos
de referência:

1. “uma referência pessoal, que retoma a situação da fala através da


categoria de pessoa” (pronomes pessoais e possessivos);

2. “uma referência demonstrativa, que retoma entidades mencionadas no


discurso, localizando‑as no espaço e no tempo” (artigos, demonstrativos,
advérbios de lugar e de tempo);

3. “uma referência comparativa, que retoma entidades, promovendo uma


comparação implícita entre elas” (assim, como, tal).

A dêixis é, pois, um processo amplo, uma vez que não designa uma
classe de palavras, mas vários elementos da língua, pertencentes
tradicionalmente a classes diferentes, que desempenham a função de
mostrar, tais como os pronomes, os advérbios demonstrativos de lugar
e de tempo, o tempo verbal, certos adjetivos, dentre outros.

2.4.2. Anafóricos

A língua também dispõe de inúmeros recursos


anafóricos, tais como a repetição pura e simples Baixa
densidade
do mesmo vocábulo, a sinonímia, a hiponímia, a sêmica
topicalização, o apagamento, a pronominalização,
Trata‑se de
que evitam redundâncias desnecessárias, tornan- elementos
linguísticos que
do o texto mais polido. fornecem pouca
instrução de sentido,
isto é, têm sentido
De acordo com Fávero (1991), a coesão referen- indeterminado e
podem referir‑se a
cial anafórica pode ser obtida por substituição, que vários referentes
ocorre quando um componente é retomado por diferentes de acordo
com o contexto.
uma pro‑forma, ou seja, por um elemento gramati-
cal, de baixa densidade sêmica, que representa
56 UNIUBE

uma certa categoria da língua, como os pronomes, alguns advérbios,


dentre outros, trazendo as marcas (de gênero, de número etc.) daquilo
que substitui; ou por reiteração, em que ocorre uma repetição, no texto,
de expressões cujo referente é o mesmo.

Para Fávero, os elementos anafóricos, na substituição, são as


pro‑formas, que a autora classifica em pronominais, verbais, adverbiais
e numerais, as quais exercem função de pro‑sintagma, pro‑constituinte
ou pro‑oração. Segundo ela, as pro‑formas pronominais limitam‑se
aos pronomes de 3a pessoa, e as pró-formas verbais, em português,
restringem-se aos verbos “ser” e “fazer”. Além disso, Fávero diz que
pode ocorrer, ainda, a substituição por zero – a elipse – de entidades já
introduzidas no texto. Observe atentamente os exemplos a seguir.

EXPLICANDO MELHOR

Pró‑formas
Trata-se de elementos linguísticos de baixa densidade sêmica e que, por
isso, fornecem pouca instrução de sentido, isto é, têm sentido indeterminado
e podem, assim, referir-se a vários referentes diferentes, de acordo com o
contexto.

Pró‑sintagma
É uma pró-forma que retoma um sintagma. Ex: Pedro é um menino alegre,
e João também o é.

Pró‑constituinte
É uma pró-forma que retoma um constituinte frasal. Ex: A professora
distribuiu as provas rapidamente e os alunos a resolveram do mesmo modo.

Pró‑oração
É uma pró-forma que retoma uma oração inteira. Ex: Empresto-lhe meu
barco, mas é porque sei que você é responsável.
UNIUBE 57

EXEMPLIFICANDO!

1. Comprei um vestido novo. Ele é verde. (Pró-forma pronominal.)


2. Eu caminho todos os dias pela manhã. Mamãe faz o mesmo. (Pró-forma
verbal.)
3. Augusto esperou a raiva da noiva passar, pois (Ø) a conhece bem. (Elipse
– “... pois Augusto a conhece bem”.)

Na reiteração, que também acontece pelo mecanismo da substituição,


os elementos anafóricos podem ser a repetição do mesmo item
lexical; palavras ou expressões sinônimas, embora não haja sinonímia
verdadeira; os hiperônimos, que ocorrem quando entre o primeiro e o
segundo elemento há uma relação de todo-parte ou classe-elemento; os
hipônimos, os quais caracterizam-se pela relação de parte-todo ou de
elemento-classe entre o primeiro e o segundo elemento; as expressões
nominais definidas, em que ocorre a retomada de um mesmo fenômeno
ou entidade por formas diversas; e, finalmente, os nomes genéricos,
como “gente”, “pessoa”, “coisa” e “negócio”.

EXEMPLIFICANDO!

1. O fogo destruiu tudo. O edifício estava destruído. Do edifício não sobrou


nada. (Repetição do mesmo item lexical.)
2. O menino gritava de dor. Era visível que o garoto estava sofrendo.
(Sinônimos.)
3. Ganhei vários eletrodomésticos de presente de casamento, mas a
batedeira foi o que mais gostei. (Hiperônimo.)
4. Aécio Neves esteve ontem em Uberaba. O governador de Minas
inaugurou o novo fórum. (Expressão nominal definida.)
5. Vi um vulto atrás do carro estacionado em frente à escola. A pessoa me
parecia familiar. (Nome genérico.)
58 UNIUBE

Koch (1989) distingue dois tipos de elementos anafóricos, aos quais


chama de formas remissivas: formas remissivas não referenciais e formas
remissivas referenciais. As formas remissivas não referenciais fornecem
ao leitor/ouvinte apenas instrução de conexão, tais como a concordância
de gênero e número, enquanto as formas remissivas referenciais, além de
fornecerem instruções de conexão, contêm também instruções de sentido.

Segundo a autora, as formas remissivas não referenciais podem ser


livres ou presas. As presas são aquelas que exercem a função de artigos:
os artigos definidos (o, a, os, as), os pronomes adjetivos, demonstrativos
(este, esse, aquele, tal), possessivos (meu, teu, seu, nosso, vosso, dele),
indefinidos (algum, todo, outro, vários, diversos etc.), interrogativos (que?,
qual?), relativo (cujo) e os numerais cardinais e ordinais.

EXEMPLIFICANDO!

O aluno entrou na sala e avisou que o seu trabalho estava pronto. (“Seu”
acompanha “trabalho” – função de artigo – e refere-se a “o aluno”.)

Ganhamos uma cachorrinha cujo pelo é marrom. (“Cujo” acompanha


“pelo” – função de artigo – e refere-se a “cachorrinha” – pelo da
cachorrinha.)

Em relação aos artigos definidos e indefinidos, é importante mencionar as


funções que podem exercer, ao serem empregados num texto, uma vez que,
tratando-se da referência, constituem os elementos da língua portuguesa
característicos para introduzir e/ou retomar entidades do discurso.

Geralmente, o artigo indefinido um refere-se a um substantivo qualquer de


maneira vaga, enquanto o artigo definido o individualiza um substantivo
de maneira definida e precisa, uma vez que esse substantivo já deve ter
sido apresentado previamente ao leitor, no próprio texto em que aparece,
UNIUBE 59

passando, dessa forma, a ser conhecido. Segundo a autora, o artigo


definido pode ser usado com seres que não tenham sido apresentados
previamente no próprio texto, desde que já sejam conhecidos do leitor,
em função de seu próprio conhecimento prévio. Veja:

EXEMPLIFICANDO!

O Sol é o centro do sistema solar. (Não é preciso introduzir o termo “Sol”


com o artigo indefinido, pois todos partilhamos do conhecimento de sua
existência.)

Segundo Rocha Lima (1972), os artigos definidos indicam conhecimento


do leitor/ouvinte com relação ao objeto de referência e o indefinido,
desconhecimento.

Assim, o definido serve para indicar que se trata de um ser claramente


determinado entre outros da mesma espécie – que o leitor/ouvinte já
sabe quem é pelas circunstâncias que cercam a enunciação da frase; o
indefinido serve para mencionar um ser entre outros da mesma espécie,
que não se individualiza.

Celso Cunha (1976) também concorda com essa função dos artigos,
pois, para ele, a presença do artigo definido é sinal de notoriedade,
de conhecimento prévio, por parte dos interlocutores, do ser ou objeto
mencionado, enquanto o artigo indefinido indica falta de notoriedade, é
índice de desconhecimento individualizado por parte dos interlocutores
do ser ou objeto mencionado. Para esse autor, na medida em que se
emprega o artigo definido em vez do indefinido e, ainda, utiliza-se o
demonstrativo pelo indefinido, a determinação do substantivo vai se
tornando cada vez mais precisa.
60 UNIUBE

Marcuschi (1998) chama de definitivização o papel exercido pelos artigos


no discurso. Para ele, o artigo indefinido tem a função de introduzir
identidades novas, além de ser empregado com um uso genérico e
coletivo (“...um homem no sótão...”), um uso existencial (“Era um autor...”)
e, ainda, um uso distributivo (“Era um autor... que passava...”), enquanto
o artigo definido introduz apenas identidades de algum modo previamente
mencionadas ou conhecidas e retoma identidades já mencionadas no
discurso.

EXEMPLIFICANDO!

Depois de algum tempo, aproximou-se de nós um desconhecido vestindo


uma roupa estranha. O desconhecido perguntou se conhecíamos a Rua
do Ouvidor.

um desconhecido = introduz a entidade no discurso (ainda não é


conhecido);
o desconhecido = retoma o desconhecido que já fora apresentado ao leitor.

Além das formas remissivas não referenciais presas, Koch distingue as


formas remissivas não referenciais livres, as quais não acompanham
um nome dentro de um grupo nominal, como as presas, mas são
empregadas para fazer remissão a outro componente do universo textual
e, por isso, são genericamente denominados pela autora de “pronomes”
ou “pró-formas”. Essas formas, então, em vez de acompanharem nomes,
fazendo referência a outros, substituem os termos.

São os pronomes pessoais de 3a pessoa (ele, ela, eles, elas), os


pronomes substantivos demonstrativos (este, esse, aquele, tal, o
mesmo), possessivos ((o) meu, (o) teu, (o) seu, (o) nosso, (o) vosso, (o)
dele), indefinidos (tudo, todos, nenhum, vários, cada um, cada qual etc.),
UNIUBE 61

interrogativos (que?, qual?, quanto?) e relativos (que, o qual, quem) os


numerais cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários, os advérbios
pronominais (lá, aí, aqui, onde), algumas expressões adverbiais (acima,
abaixo, a seguir, assim, desse modo etc.), além das formas verbais
remissivas ou pró-formas verbais (fazer o mesmo, fazê-lo, fazer isto,
fazer assim etc.). Preste atenção nos exemplos que se seguem.

EXEMPLIFICANDO!

1. Minhas irmãs estão viajando. Elas só voltarão no final do mês. (Pronome


de 3a pessoa.)

2. Preciso de alguns alunos para ajudarem na pesquisa. Dois procederão ao


levantamento do corpus e três farão uma resenha da literatura pertinente. O
primeiro que se apresentar como voluntário será o coordenador. (Numerais.)

3. O professor de História não deixa que os alunos emprestem seus livros.


Cada um deve usar o seu. (Possessivo.)

4. Em qualquer clube há regras. Algumas são regras comuns a qualquer


instituição social, outras são específicas da função de um clube.
(Indefinidos.)

5. Carla e Antônia têm uma escola. Esta se responsabiliza pelas funções


pedagógicas, aquela, pelas administrativas. (Demonstrativos.)

6. Vamos conhecer melhor o país em que vivemos. Quantos e quais são


os estados brasileiros? (Interrogativos.)

7. Cerca de mil pessoas foram ao show de Madonna, dentre as quais se


destacavam políticos, jornalistas e artistas célebres. (Relativo.)

8. Perto do parque há um pequeno restaurante. Lá se reúnem muitos jovens


ao entardecer. (Advérbio.)
62 UNIUBE

Koch (1989) distingue, ainda, as formas remissivas referenciais, as quais,


além de trazerem instrução de conexão, fornecem indicações ao nível da
referência, tais como as expressões ou grupos nominais definidos
(grupos nominais introduzidos por artigo definido, que exercem função
remissiva); nominalizações (nomes deverbais); expressões quase
sinônimas; nomes genéricos; hiperônimos ou indicadores de classe;
formas referenciais com lexema idêntico ao núcleo do SN antecedente,
com ou sem mudança de determinante; formas referenciais cujo lexema
fornece instruções de sentido que representam uma categorização das
instruções de sentido de partes ascendentes do texto; formas referenciais
em que as instruções de sentido do lexema constituem uma classificação
de partes anteriores do texto, no nível metalinguístico. Vejamos os
exemplos a seguir.

EXPLICANDO MELHOR

Nomes deverbais
Nomes derivados de verbos.
Exemplo: O cachorrinho correu até o carro. Na corrida, derrubou a vovó.

EXEMPLIFICANDO!

1. Um homem caminhava pela rua deserta: esfarrapado, cabisbaixo,


faminto, abandonado à própria sorte. A pobre criatura parecia nem notar
a chuva fina que caía... (Grupo nominal introduzido pelo artigo definido que
exerce função remissiva.)

2. A criança passou correndo perto da mesa. Na corrida, derrubou dois


copos e três pratos. (Nominalizações: formas nominalizadas – nomes
deverbais –, por meio das quais se remete ao verbo da oração anterior.)

3. A porta se abriu e apareceu uma menina. A garotinha tinha olhos azuis


e longos cabelos dourados. (Expressões sinônimas.)
UNIUBE 63

4. As pessoas que estavam na rua ouviram o ruído de um motor. Todas


olharam para a direita e viram a coisa se aproximar. (Nome genérico.)

5. Vimos o pálio da enfermeira aproximar-se. Alguns minutos depois, o


veículo estacionava diante do hospital municipal. (Hiperônimo ou indicador
de classe.)

Reparem como as forma remissivas referenciais, ao serem empregadas


num processo de referenciação, trazem certas instruções de sentido que
realizam uma espécie de categorização de outros elementos do texto.
Isso pode ser ilustrado pelo exemplo 1, em que a expressão “A pobre
criatura”, ao referir-se a “um homem”, o inscreve num certa categoria de
seres humanos. Entendeu?

Além das formas remissivas, Koch (1989), tal como Fávero (1991), aponta
a elipse como recurso anafórico, argumentando que, em português, ela
tem frequentemente valor referencial.

EXEMPLIFICANDO!

A atitude dos alunos foi nobre. (Ø) Pediram ao diretor que perdoasse o
colega agressor.

Como você deve ter percebido neste estudo, apesar de termos


mencionado as contribuições de inúmeros outros estudiosos da
área, optou-se pela classificação de Koch, por ser mais abrangente e
detalhada, abarcando um número maior de possibilidades em relação
ao emprego dos elementos da língua com função anafórica. No texto
básico, dessa autora, você terá uma exemplificação bem mais farta de
todos os mecanismos e elementos de coesão referencial mencionados
neste capítulo.
64 UNIUBE

Vamos, agora, passar a estudar a construção da referência nos textos


orais e escritos. Preparado?

2.5 A referência na fala e na escrita

Ainda são muito poucos os estudos sobre as diferenças entre os


processos de referenciação na fala e na escrita, mesmo que esse tema
seja relevante, pois, além da referenciação ser um aspecto crucial
nas atividades de compreensão de textos, a fala e a escrita utilizam
estratégias preferenciais diferenciadas para a organização da referência.

Numa perspectiva macro, a referência é um mecanismo de construção


e progressão textual que, como tal, ainda não foi plenamente estudada.
Entretanto, alguns trabalhos já apontam alguns princípios gerais
seguidos em textos orais e escritos que revelam aspectos diferenciais
na construção e no desenvolvimento dos referentes em textos nessas
duas modalidades de uso da língua.

Segundo Marcuschi (1998), a progressão referencial, considerada


como uma questão de relações anafóricas em sentido amplo, refere‑se
à introdução, identificação, preservação, continuidade e retomada de
referentes textuais, correspondendo às estratégias de designação de
referentes e constituindo o que se pode chamar de cadeia referencial.
Assim, todos os casos de progressão referencial baseiam‑se em algum
tipo de referenciação, não importando se são os mesmos elementos que
recorrem ou não.

Marcuschi e Koch (1998) levantam diversas estratégias de progressão


referencial, dentre as quais pode‑se mencionar a estratégia
pronominal com função anafórica, mas sem o antecedente explícito na
contextualidade, a qual é mais comum na fala, e a estratégia nominal,
ou seja, o uso de nomes com funções anafóricas, com a presença ou
UNIUBE 65

ausência do antecedente referencial explícito, que é mais própria da


escrita.

De acordo com Marcuschi (1998), no contexto do discurso, todos os


referentes são evolutivos, pois sempre haverá uma mudança, ou seja,
os referentes modificam-se, mesmo nos casos em que se repete algo na
trajetória da memória discursiva, como no exemplo a seguir.

EXEMPLIFICANDO!

De malas prontas para o Brasil, onde participará do Fórum Econômico


Mundial, em São Paulo, o presidente uruguaio, Júlio Maria Sanguinetti,
que parece ter uma bola de cristal para prever o futuro das relações do
Mercosul, assiste de camarote à queda de braços entre seus amigos Carlos
Menem e Fernando Henrique Cardoso. Diverte-se comparando os dados
da economia de seu pequeno país de três milhões de habitantes com
os brutamontes que tem em suas fronteiras. Nesta entrevista exclusiva
concedida no Palácio da Liberdad, ele comenta os problemas entre
argentinos e brasileiros e manda um recado: “Já estamos prontos. Vocês
que se acertem”. (MARCUSCHI, 1998, p. 4).

Verifica-se que os elementos em negrito, apesar de terem uma relação


de contiguidade entre si, não revelam uma retomada linear, uma vez que
alguns referentes modificam-se, à medida que vão sendo construídos no
discurso por meio de uma alternância de formas de referência.

Essa alternância, como apontara Possenti (1988), permite apresentar


um indivíduo segundo suas diversas facetas, isto é, ele é constituído de
maneiras diferentes, no mesmo texto, com vistas a permitir inferências
avaliadoras tanto sobre ele quanto sobre o próprio sujeito do discurso.
Mas não se trata, simplesmente, de dizer a mesma coisa de maneiras
diferentes.
66 UNIUBE

Por exemplo, “o presidente uruguaio, Júlio Maria Sanguinetti” revela que


“seu pequeno país” é o Uruguai e “os brutamontes” que este “pequeno
país” tem em “suas fronteiras” referem-se ao Brasil e à Argentina,
designação constituída discursivamente, e não entidade extramental.
Da mesma forma, “estamos prontos” refere os uruguaios, não designados
explicitamente, e “vocês”, os dois presidentes, e não os argentinos e os
brasileiros. Interessante, não?

Os referentes podem ser introduzidos num texto por designação, por uma
atividade de nominalização explícita; alguns podem ser inferidos por
relações entre os elementos já introduzidos, por meio de processos de
associação ou outros, aos quais se dá o nome de inferenciação; e, ainda,
outros podem ser o resultado de uma alusão referencial, em que a
referenciação é construída no processamento de informações variadas,
sem que haja a necessidade de identificação de elementos discretos
especificáveis, como no caso de “brutamontes”, no exemplo anterior.
Esse processo é chamado de construção referencial, uma vez que são
construídos discursivamente classes ou conjuntos de fenômenos. Como
exemplo da inferenciação, podemos mencionar o trecho a seguir.

EXPLICANDO MELHOR

Alusão referencial
Ocorre quando a referenciação é construída no processamento de
informações variadas, sem que haja a necessidade de identificação de
elementos discretos especificáveis.

Esse processo é chamado de construção, uma vez que são construídos


discursivamente classes ou conjuntos de fenômenos. Ex.: No passado houve
grandes conflitos entre a extinta União Soviética e os Estados Unidos, pois
os dois brutamontes eram as grandes potências no momento.
UNIUBE 67

EXEMPLIFICANDO!

“(...) o norte, principalmente no Amazonas e no Pará... a influência indígena


sobre a alimentação é muito grande... eles comem muitas coisas, todas
assim...” (MARCUSCHI, 1998, p. 16).

Temos, aqui, o uso do pronome “eles” numa situação em que o referente


não está cotextualmente explicitado. A progressão referencial, nesse
caso, dá-se num processo em que informações partilhadas pelos
interlocutores são adicionadas e entram em relação com os elementos
que estão na superfície do texto, construindo o sentido.

A designação apresenta características de retomada correferencial,


ou seja, constitui uma remissão que retoma o referente como sendo o
mesmo já introduzido, geralmente, por meio da retomada por repetição,
sinônimos ou designações alternativas para o mesmo referente.
A inferenciação pode ser uma remissão, mas nunca em sentido
correferencial, enquanto, na construção referencial, há uma referenciação
induzida e sugerida discursivamente, sem remissão pontualizada,
retomada ou correferenciação.

Isso implica uma noção ampla de anáfora como estratégia de


referenciação que acontece numa relação entre fenômenos
textuais‑discursivos, com os mais diversos tipos de configurações.

Essas relações ocorrem de maneira distinta na fala e na escrita. Algumas


são próprias ou mais comuns na modalidade oral e outras, na modalidade
escrita.

A partir de um estudo de textos orais e escritos, Marcuschi verificou


que, em tratando‑se de correferenciações, geralmente a fala utiliza
mais a repetição, enquanto, na escrita, os processos de referenciação
68 UNIUBE

frequentemente se dão por variação lexical, mesmo que com grande


variação dos itens referidores e, apesar de não ser um mecanismo muito
adequado, a pronominalização. Entretanto, há pequenas variações em
relação às estratégias utilizadas, de acordo com o tipo de texto escrito.

Por exemplo, em textos jornalísticos em geral utiliza‑se mais a retomada


implícita de antecedente por sinonímia, paráfrase, associação ou
metonímia. Essa estratégia é rara na fala.

Nos textos jornalísticos breves, como as notícias, também se utiliza com


muita frequência a retomada explícita de antecedente por repetição de
item lexical e por pronome. Por outro lado, numa notícia escrita, quando
se quer produzir um efeito de sentido, como a ironia, ou em piadas e
outros textos irônicos, utilizam‑se a retomada por metonímia e a remissão
e retomada implícita de antecedente não pontualizado.

Em textos jurídicos escritos, de estilo altamente formal, quase não há


repetição, nem pronominalização ou qualquer outro tipo de estratégia
em que referentes não introduzidos previamente sejam sugeridos para
construção referencial, mas há um predomínio completo da retomada
por repetição, sinônimos ou designações alternativas para o mesmo
referente, em virtude de operarem com o suposto de explicitude completa.
Entretanto, não usam apenas sinônimos, mas outras construções, com
vistas a retomar referentes designativamente.

Em outros tipos de textos formais, em que há a necessidade de expressão


precisa, tais como receitas de alimentos, bulas de remédios e manuais
de instrução de uso e de montagem de aparelhos, a referenciação se
processa com base na repetição lexical e, às vezes, há a ocorrência de
elipses, mas em espaços relativamente próximos ou contíguos.
UNIUBE 69

Dessa forma, observa‑se que, nos textos escritos mais formais ou que
exigem a identificação de fatos, as estratégias de retomada explícita de
antecedente por repetição de item lexical (estratégia 1) e por pronome
(estratégia 2), além da retomada implícita de antecedente por sinonímia,
paráfrase, associação ou metonímia (estratégia 3), são muito utilizadas
nos processos de referenciação e construção de referentes, enquanto
em textos escritos que visam a efeitos de sentido e operam com atos
de fala e forças ilocucionárias, tais como as piadas e os textos irônicos,
as estratégias (3) e a repetição lexical (4) são mais comuns. Embora a
estratégia (2), que se refere à retomada anafórica de antecedente por
pronome, ocorra muito frequentemente na escrita, não se constitui como
a preferida ou a mais adequada a essa modalidade, sendo mais comum
na fala.]

Segundo Possenti (1988), nos textos escritos produzidos para crianças,


a repetição é a estratégia coesiva mais utilizada. De acordo com esse
autor, isso ocorre porque o procedimento a ser utilizado depende da
imagem que o locutor faz de seu interlocutor. Caso essa imagem seja
positiva, no que se refere à capacidade de interpretação do discurso,
usar‑se‑a um elemento anafórico mais complexo; caso seja negativa,
mais comumente uma repetição, que se supõe mais “fácil”.

No caso das crianças, os autores utilizam-se muito da repetição porque


querem ser “claros”, querem que as crianças entendam o discurso, o que
revela que, de um modo geral, eles têm uma imagem da criança como
se ela fosse um pequeno idiota, imagem esta da qual têm dificuldade de
se desvencilhar. Além da linguagem, as temáticas da literatura infantil
reforçam esta ideia, conforme pode-se observar no texto a seguir, em
que algumas repetições poderiam ter sido substituídas por anafóricos ou
elipses, sem prejuízo da clareza.
70 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

Era uma vez um homem que tinha uma galinha. Era uma galinha como as
outras. Um dia, a galinha botou um ovo de ouro. (...) E a mulher começou a
tratar bem da galinha. Todos os dias a mulher dava mingau para a galinha.
(...) E a galinha todos os dias botava um ovo de ouro (ROCHA apud
POSSENTI, 1988).

Na fala, segundo observa Marcuschi (1998), são outras as estratégias


preferenciais de referenciação. Há uma incidência muito grande de
repetições lexicais para retomadas explícitas do referente. Entretanto,
percebe-se que muitas dessas repetições não revelam uma simples
retomada, mas uma reorientação referencial, com a construção de
novas referenciações. Porém, a diferença maior em relação à escrita é
que a fala ocupa-se muito mais acentuadamente de uma organização
colaborativa com envolvimento interpessoal relacionado ao contexto
discursivo e à relação direta com a referenciação situada, ou seja, não
há propriamente a retomada dos mesmos referentes, mas remissão a um
contexto mais amplo.

No entanto, a especificidade da progressão referencial na fala reside na


estratégia, em que não há retomada nem remissão a alguma entidade
representada por algum item antecedente específico, mas há uma simples
indução referencial, fundada em aspectos difusos da cotextualidade ou
em processos cognitivos supondo partilhamento entre os participantes,
de acordo com o que afirma esse mesmo autor, conforme pode-se
observar, a seguir, na transição de uma fala:
UNIUBE 71

EXEMPLIFICANDO!

Eu gosto mais de laranja... eu gosto de qualquer tipo de fruta... mas como


muita laranja.../.../ essas frutas assim que são mais conhecidas aqui no
Rio... porque engraçado que... quando a gente viaja... a gente observa que
as frutas de outros estados são totalmente diferentes... coisas até bastante
deco/ desconhecidas... com nomes... (NURC-RJ, DID, Inq. 328 linhas.
63-102 apud MARCUSCHI, 1998, p. 14).

Pode-se verificar que, nesse caso, o referente de “a gente”, “todos nós,


na condição de viajantes”, não está explicitamente designado no texto,
mas contextualmente indicado, isto é, pode ser facilmente inferido a partir
do conhecimento partilhado e de alguns elementos do texto, tais como
“aqui”, “viaja” e “outros estados”, os quais revelam que o “eu” faz parte
do grupo de pessoas (da gente) que moram no Rio.

Às vezes, verifica-se que, na fala, pode haver uma confusão de referentes


quando os interlocutores têm em mente orientações discursivas
diferentes, conforme você poderá observar no exemplo a seguir, que
constitui um fragmento de um diálogo, em que as expressões casa e
criança não têm sempre a mesma designação referencial e, ao longo da
conversa, referem-se a entidades diferentes, o que leva a mal entendidos.

EXEMPLIFICANDO!

“I: você gosta de crianças?


S: gosto bastante.
I: qual a idade das crianças?
S: ah:... seis me::is
um ano
72 UNIUBE

dois ano
até deiz ano/ depende da criança.
se ela for muito boazinha comigo eu gosto dela
I: e neta casa?
S: bom nessa qui eu gosto BAStante da casa...
gosto dela
minha patroa é muito boa...
não tenho o quê dize dela
I: e das crianças?
S: gosto realmente também
I: quais as idades?
S: essa aui éh: se::is ano... só tem uma
I: uma?
S: só sim senhora.”
(MARCUSCHI, 1998, p. 16)

Assim, pode-se concluir que a fala e a escrita têm preferência por


estratégias diferentes para realizar os processos de referenciação. Na
escrita, os referentes são distribuídos numa sequência mais linear e de
maneira mais controlada, enquanto na fala, os referentes têm de ser,
muito frequentemente, inferidos a partir do conhecimento partilhado.
Isso se deve justamente às diferentes naturezas das duas modalidades,
que se distinguem na organização textual e, consequentemente, nos
processos de construção da referência.

Resumo

Neste capítulo, estudamos o conceito de coesão textual, que diz respeito


a todos os processos de sequencialização que asseguram ou tornam
recuperável uma ligação linguística significativa entre os elementos que
aparecem na superfície textual.
UNIUBE 73

Dentre os mecanismos de construção da coesão de um texto, temos a


referenciação.

São elementos de referência os itens da língua que não podem ser


interpretados semanticamente por si mesmos, mas remetem a outros
itens do discurso necessários à sua interpretação.

A referenciação pode se realizar por meio dos dêiticos, cuja função


básica é a de relacionar o enunciado à enunciação, isto é, apontar para
a situação de enunciação em que está sendo empregado. Por outro lado,
pela anáfora relacionam-se “entidades” num mesmo universo textual, ou
seja, a anáfora pode ser definida como a relação existente entre termos
que retomam o mesmo referente num universo textual.

Vimos também como se processa a referenciação na fala e na escrita,


as quais possuem estratégias e recursos próprios para a construção
desse processo de remissões e retomadas num texto. Para a sua
formação, trata-se de um conteúdo imprescindível, pois uma das maiores
dificuldades dos aprendizes da modalidade escrita da língua portuguesa
é produzir textos coesos. De posse desse conhecimento, você poderá
intervir no processo de aprendizagem de seus alunos de maneira muito
mais eficaz e segura.

AGORA É A SUA VEZ

Depois de ler cuidadosamente este capítulo, faça as atividades a seguir, para


empregar os conhecimentos construídos a partir do seu estudo. Capriche!
74 UNIUBE

Atividades

Atividade 1

Observe o texto a seguir. Ele tem alguns termos intencionalmente


repetidos.

Reescreva‑o, substituindo esses termos por outros elementos da língua,


de modo a torná‑lo de maior qualidade, do ponto de vista da coesão
referencial.
No último verão, minha família e eu fomos passar as
férias em Arrail D’Ajuda. Arraial D’Ajuda fica no litoral da
Bahia. Em Arraial D’Ajuda, minha família e eu ficamos
hospedados num condomínio, em frente ao “Eco Park”.
O “Eco Park” é um parque aquático sensacional! As
praias de Arraial D’Ajuda são muito lindas.
No último final de semana que minha família e eu
ficamos em Arrail D’Ajuda, minha família e eu fomos
andar de parapente. Parapente é um tipo de asa‑delta.
Mas nem todos da minha família tiveram coragem de
andar de parapente. Apenas os mais novos da minha
família enfrentaram o desafio de andar de parapente.
Mas o mais emocionante foi a minha sobrinha de doze
anos, a Lorena. Lorena estava toda empolgada. Lorena
dizia que ela não tinha medo. Lorena dizia que ela era
corajosa. Lorena dizia que ela faria viravoltas e outras
coisas mais no ar... Mas, depois que Lorena já estava
lá em cima, Lorena começou a ficar com medo, mas
Lorena não demonstrou.
Lorena começou a inventar desculpas. Lorena disse
que estava com dor de barriga. Lorena disse que estava
muito apertada. Lorena precisava ir ao banheiro. Minha
família e eu perguntamos se ela estava era com medo e
perdendo a coragem e minha família e eu começamos a
pressionar Lorena para pular no parapente.
Então, Lorena começou a passar mal mesmo! A
pressão de Lorena caiu. Lorena ficou gelada e Lorena
quase desmaiou. Então, Lorena desistiu de pular e
Lorena voltou para a praia.
Ufa! Que sufoco Lorena passou!
UNIUBE 75

Atividade 2

Leia atentamente o texto a seguir e extraia dele todos os elementos de


coesão referencial, apontando o seu referente e indicando o mecanismo
de coesão que se realiza por meio desse item.

Aqui, não!
Newton Luiz Mamede

O caipira estava impressionado com as cenas de “exorcismo” a que


assistira na cidade, pela televisão, na casa de um parente que morava
numa favela. Numa noite em que perdera o sono, foi para a sala e ligou
o televisor, para ver se algum programa, talvez um filme, fizesse‑o
dormir. Coitado! De madrugada, alguns canais já fechados, o primeiro
que deu imagem estava apresentando, exatamente, uma daquelas
farsas horripilantes em que um bufo, autointitulado “exorcista”, estava
“expulsando” o demônio de um otário, talvez outro diabo pobre ou pobre
diabo favelado, pago especialmente para representar um possesso do
demônio diante das câmeras.

Quem já viu alguns desses programas sabe que eles são degradantes
espetáculos de mau gosto, autênticas palhaçadas, doloridos
sopapos na cara e na inteligência das pessoas normais. Mocinhas
subnutridas ou rapazes com aparência de marginais são as moradas
preferidas do capeta, para atrair mais telespectadores. Alguns desses
“endemoninhados” são até bons atores. Com um pouco de trato,
poderiam seguir carreira na arte de representar. Esbugalham os olhos,
incham as caras, babam e uivam como loucos, rolam no chão como
cobras e saltam como macacos, e, invariavelmente, engrossam a voz e
vomitam palavras pastosas e fantasmagóricas.

Nessa hora, surge o poder espiritual do exorcista, que expulsa o satanás


e encerra mais um programa especializado em iludir e enganar público
76 UNIUBE

ignorante. Pois o tal caboclinho desta história, naquela noite, viu uma
dessas sessões e aí é que perdeu o sono de vez. Amanhecendo o dia,
contou aos parentes o que vira e, para seu espanto, ficou sabendo que
“isso existe mesmo”... Ficou em dúvida, não acreditou nem desacreditou.
Confiava em Deus, tinha fé, aprendera um pouco de religião, mas não
sabia dessas coisas. Todavia, não convinha abusar.

Anos depois, ele foi à cidade, viu uma igreja aberta e entrou, para rezar
um pouquinho. Lá na frente, perto do altar, uma aglomeração de fiéis.
“Uai, o que é aquilo?”, ele pensou. E foi verificar. Era uma sessão de
exorcismo. O capiau esfriou. Nunca imaginara que iria assistir àquilo, de
verdade. Ressabiado e curioso, chegou mais perto e prestava atenção.
De repente, já se dando por vencido, o capeta disse ao exorcista que só
sairia do corpo daquele infeliz se entrasse no corpo de outro. O padre,
então, perguntou‑lhe em quem ele queria incorporar‑se. O possesso
levantou‑se, rosnou, percorreu com os olhos os circunstantes e viu o
caipirinha suado e amedrontado. E informou, apontando‑o: “Quero entrar
no traseiro desse sujeito!”.

Pra quê! O caboclo desembestou numa corrida louca para o fundo da


igreja, tirou a tampa da pia batismal, arriou as calças, soltou o traseiro nu
dentro da água sagrada e insultou o diabo:

– Agora, pode “vim”! Quero vê ocê entrá aqui!

Elemento de coesão Referente Mecanismo

1- Ø (assistira) O caipira Elipse

2- Ø (perdera) O caipira Elipse

3- Ø (ligou) O caipira Elipse

4- “-o” O caipira Substituição por pronome

(...)
UNIUBE 77

Referências

BENVENISTE, E. A natureza dos pronomes. In: BENVENISTE. Problemas


de Linguística geral. 2. ed. Campinas: Pontes/Ed. da Unicamp, 1988.

CÂMARA JÚNIOR, J. M. Estrutura da Língua Portuguesa. São Paulo: Vozes, 1970.

CASTILHO, A. Os demonstrativos no português. In: CASTILHO (Org.) Gramática do


português falado. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. v. 3.

CUNHA, C. Gramática do português contemporâneo.


Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1976.

FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.

FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio da língua


portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

HALLIDAY, M. A. K.; HASSAN, R. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976.

ILARI, R. A Linguística e o ensino da língua portuguesa.


4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. 4. ed. São Paulo: Ática, 1990.

KOCH, I. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1989.

LYONS, J. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de


Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A., 1987.

MARCUSCHI, L. A. Aspectos da progressão referencial na fala


e na escrita no português brasileiro. (mimeo.), 1998.

MARCUSCHI, L. A.; KOCH, I. V. Progressão referencial na


língua falada. In: Gramática do Português Falado. Campinas:
Gráfica e Editora da Unicamp (no prelo), 1998. v. 9.
78 UNIUBE

MONTEIRO, J. L. Pronomes pessoais: subsídios para uma gramática


do português do Brasil. Fortaleza: Edições UFC, 1994.

OAKHILL, J.; GARNHAM, A. Linguistic Prescriptions


and Anaphoric Reality. Text 12(2), 1992.

POSSENTI, S. Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

ROCHA LIMA, C. H. Gramática normativa da língua


portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

RODRIGUES, A. D. Os demonstrativos em português: descrição morfológica


sincrônica e superficial. Campinas: Estudos Linguísticos 1, 1978.
Capítulo
A tessitura dos textos
orais e escritos:
3
processos de coesão
sequencial
Sandra Eleutério Campos Martins

Introdução

Considerando que já discutimos o conceito de coesão textual, que


diz respeito aos processos de sequencialização – que asseguram
ou tornam recuperável uma ligação linguística significativa entre
os elementos que ocorrem na superfície textual – e estudamos
detalhadamente um de seus processos – a coesão referencial –,
seus mecanismos e elementos, vamos dar continuidade ao nosso
trabalho, abordando a coesão sequencial.

RELEMBRANDO

Segundo Weinrich (1973), o texto é uma “estrutura determinativa”


cujas partes são interdependentes, sendo cada uma necessária para
a compreensão das demais.

Isso quer dizer que as partes do texto devem estar de tal modo
relacionadas que formem um todo indivisível, já que uma não
pode ser compreendida sem as outras. Assim, num texto, tudo se
encontra relacionado, pois um enunciado se subordina a outros
na proporção que, além de não ser possível compreendê-lo por si
mesmo, ele auxilia na compreensão dos demais. Dizemos então
que há, em qualquer texto, uma interdependência de sentido,
80 UNIUBE

ou semântica, e/ou uma interdependência pragmática. Portanto,


a coesão sequencial diz respeito aos diversos mecanismos de
sequenciação existentes na língua, ou seja, aos procedimentos
linguísticos que estabelecem diversos tipos de relações
semânticas ou pragmáticas entre os segmentos do texto, fazendo
caminhar o fluxo da informação.

Para começo de conversa, devemos apontar que essa


sequenciação pode se realizar por meio de caminhos distintos:

a) a sequenciação parafrástica, que ocorre com procedimentos


de recorrência de termos, de estruturas sintáticas, de conteúdo
semântico (paráfrase), de recursos fonológicos segmentais ou
suprassegmentais e de tempo e aspecto verbal;
b) a sequenciação frástica se faz compreender por intermédio de
procedimentos de manutenção temática e de progressão temática
(tema e rema);
c) a sequenciação por conexão ou conexão interfrástica, em que
se pode distinguir os conectores do tipo lógico (apontam a relação
que o locutor estabelece entre o conteúdo de duas proposições,
resultantes de um ato de fala único) e os do tipo discursivo
(responsáveis pela estruturação de enunciados, por meio de
encadeamentos sucessivos, sendo cada enunciado resultante de
um ato de fala diferente).

Portanto, neste capítulo, estudaremos mais detalhadamente a


coesão sequencial.
UNIUBE 81

Objetivos
Ao final do estudo proposto neste capítulo, você deverá ser capaz de:

• identificar os processos de organização dos textos, a partir


da abordagem da Linguística Textual, no que se refere à
sequenciação;
• explicar o fenômeno da sequenciação;
• reconhecer os mecanismos e elementos linguísticos da
coesão sequencial.

Esquema

3.1 Conceituando coesão sequencial


3.2 Tipos de sequenciação
3.2.1 Sequenciação parafrástica
3.2.2 Sequenciação frástica – conceito e procedimentos de
manutenção temática
3.2.3 Sequenciação por conexão interfrástica – relações lógico-
semânticas e discursivas

3.1 Conceituando coesão sequencial

A coesão sequencial constitui o conjunto de procedimentos linguísticos


por meio dos quais se estabelecem, entre segmentos do texto
(enunciados, partes de enunciados, parágrafos e mesmo sequências
maiores), diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas, na
medida em que fazem o texto progredir.
82 UNIUBE

IMPORTANTE!

Diferente da coesão referencial, não há remissão a outro elemento do


universo textual ou da situação de comunicação, mas se trata da maneira
pela qual as ideias e informações que constituem o texto vão se conectando
umas às outras.

Essa progressão do texto pode se realizar por meio de elementos


recorrentes – sequenciação parafrástica – ou mesmo sem esses
elementos – sequenciação frástica –, as quais estudaremos
detalhadamente mais adiante.

Parece difícil, mas não é. Portanto, preste bastante atenção! Vamos


começar a estudar separadamente os tipos de sequenciação.

3.2 Tipos de sequenciação

Conforme já vimos na introdução, a sequenciação pode ocorrer por meio


de caminhos distintos. Numa visão mais ampla, temos dois tipos. Quando
o procedimento ocorre com a presença de elementos de recorrência,
temos a sequenciação parafrástica. Veja:

Sequenciação parafrástica “Rematização parafrástica”


(com procedimentos de (de paraphrázo, parafrasear,
recorrência estrita) alterar o sentido, comentar)

Mas se o encadeamento realizar‑se sem a presença desses elementos


de recorrência, teremos a sequenciação interfrástica. Confira no esquema
a seguir:
UNIUBE 83

Sequenciação interfrástica “Rematização interfrástica”


(sem procedimentos de (de phrázo, “informar,
recorrência estrita) emitir sinais verbais, fazer
compreender”)

Mas, além dessa distinção, podemos ainda mencionar a sequenciação


frástica, que diz respeito ao modo como se faz o texto progredir. Vejamos,
então, cada uma separadamente.

3.2.1 Sequenciação parafrástica

A sequenciação parafrástica ocorre quando, na construção do texto,


utilizamos procedimentos de recorrência de termos, de estruturas
(paralelismo sintático), de conteúdos semânticos, de recursos fonológicos
segmentais ou suprasegmentais, de tempo e aspecto verbal. Esse tipo
de procedimento coesivo distingue-se da reiteração (coesão lexical)
porque, nessa última, a função do elemento coesivo é mostrar que
a informação já é conhecida e mantida, enquanto na recorrencial a
função do mecanismo coesivo é apontar que a informação progride.
Assim, a coesão recorrencial, apesar da retomada de estruturas, itens
ou sentenças, consiste em apresentar ou fazer progredir a informação
textual. Vejamos mais detalhadamente esses procedimentos de
recorrência por meio dos quais realiza-se a sequenciação parafrástica.

a) Recorrência de termos

Trata-se da repetição do mesmo item lexical.

EXEMPLIFICANDO!

1. Só quem faz um chocolate tão gostoso pode fazer um biscoito tão tão
tão delicioso. (IstoÉ, 21 abr. 1999, Biscoitos Suíços)
2. Vermelhos Especiais de Koleston. Cores mais quentes que duram,
duram, duram. (Claudia, set. 2001, Koleston)
84 UNIUBE

No primeiro exemplo, um texto publicitário dos Biscoitos Suíços da São


Luiz, a repetição do termo “tão” intensifica o adjetivo “delicioso”, ou seja, a
quantidade aumentada da forma assemelha-se à quantidade aumentada
de significado de forma. O biscoito não é apenas delicioso, mas “tão tão
tão delicioso”. No segundo, há a repetição do verbo “durar”, cujo efeito
semântico produzido é o da continuação, do aumento da extensão de
tempo. A repetição do verbo dá ao leitor a noção de durabilidade. Dizer
“as cores duram” não tem a mesma força argumentativa de “as cores
duram, duram, duram”. Nesses dois casos, a coesão é parafrástica.

b) Recorrência de estruturas ou paralelismo sintático

Trata-se da repetição da mesma estrutura por meio da qual se faz a


progressão do texto. Observe.

EXEMPLIFICANDO!

1. Não existe outra pessoa igual a você.


Não existe outro espaço igual a esse.
Muito menos outra oportunidade igual a essa.
(Veja, 31 out. 2001, Gávea Village – apartamentos)
2. Eu tenho pressa.
Eu tenho dúvidas.
Eu tenho medo.
Eu tenho câncer.
Nós podemos ajudá-lo.
(Veja, 01 mar. 2000, Oncologia Einstein)

Nos dois exemplos, tanto na propaganda da Patrimóvel (Imobiliária)


referente aos apartamentos do Condomínio Gávea Village, como na do
Hospital e Centro de Oncologia Einstein, temos a coesão parafrástica.
No primeiro caso, o publicitário utiliza a coesão recorrencial por meio do
UNIUBE 85

paralelismo estrutural, isto é, da repetição da mesma estrutura; o mesmo


acontece, no segundo exemplo, em que a utilização do paralelismo
estrutural leva à progressão dos significados veiculados pelo texto,
atingindo o clímax quando é revelado o motivo da pressa, das dúvidas e
do medo: “Eu tenho câncer”.

c) Recorrência de conteúdos semânticos – paráfrase

Na paráfrase, tem-se um mesmo conteúdo semântico apresentado sob


formas estruturais diferentes, ou seja, o mesmo conteúdo veiculado por
meio de palavras e construções linguísticas distintas. Cada língua possui
uma série de expressões linguísticas introdutoras de paráfrases, tais
como: isto é, ou seja, quer dizer, ou melhor, em outras palavras, em
síntese, em resumo etc. Preste atenção no exemplo.

EXEMPLIFICANDO!

Para aprender é preciso concentração, isto é, estar atento às explicações,


proceder às leituras solicitadas e realizar as atividades propostas com
dedicação.

A função da recorrência de termos e do paralelismo consiste na reutilização


de estruturas com diferentes conteúdos. O mesmo ocorre com a paráfrase,
pois esse recurso atua como articulador entre informações antigas e
novas, incorporando uma característica que a distingue da repetição, a
criatividade, o que proporciona a coesão do texto.

d) Recorrência de recursos fonológicos segmentais e/ou suprasseg-


mentais

O ritmo e os recursos de motivação sonora constituem recursos


fonológicos possíveis de estabelecer a coesão textual. O ritmo, como
86 UNIUBE

elemento coesivo na organização do texto, relaciona-se à duração


das sílabas que, por um lado, liga-se à posição das pausas, acentos e
entoação, e, por outro, à mudança do tempo. Dessa forma, o ritmo deve
ser entendido como uma sucessão de movimentos indissociáveis da
rede complexa de significantes que compõem o texto. Por isso, tanto
o ritmo como os recursos de motivação sonora, para o texto poético,
são importantes, uma vez que esse tipo de texto apresenta uma maior
sonoridade ou musicalidade, que atravessa a construção textual.

Observe, por exemplo, esses versos do poema “Trem de ferro” de Manuel


Bandeira, a seguir.

EXEMPLIFICANDO!

(...)
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Café com pão
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(BANDEIRA, 1977, p. 236)
UNIUBE 87

Nesse poema, percebe-se uma recorrência de termos em “Muita força


/ Muita força / Muita força”, em que é possível verificar não haver uma
identidade de sentido em cada uma das ocorrências da expressão “muita
força”, uma vez que o significado de cada uma não é exatamente igual.
Podemos observar que, a cada ocorrência, o termo expressa o aumento
gradativo da velocidade do trem.

Há também a recorrência de estruturas ou paralelismo sintático em


“Passa ponte / Passa poste / Passa pato / Passa boi / Passa boiada /
Passa galho...”, utilizando‑se da mesma forma sintática preenchida com
palavras diferentes.

Observa‑se, ainda, a presença de um ritmo, de rimas (daqui / Ouricuri)


e de aliterações (“Virgem Maria que foi isto maquinista?” – repetição da
letra “i”), sugerindo o som do apito do trem. Trata‑se também de coesão
parafrástica.

Observe:

Oô..
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pato
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
(BANDEIRA, 1977, p. 236)
88 UNIUBE

e) Recorrência de tempo e aspecto verbal

Temos também, na coesão parafrástica, a recorrência de tempo e


aspecto verbal.

A propósito, você sabe o que é aspecto verbal? Não? Então está


na hora de aprender!

SAIBA MAIS

Aspecto verbal é uma noção que diz respeito à oposição entre ação acabada
e inacabada ou contínua, na expressão dos tempos verbais.

Vejamos alguns exemplos.

EXEMPLIFICANDO!

1. Pedro estuda em São Paulo.


2. Pedro estudou em São Paulo.
3. Pedro estudava em São Paulo.
4. Quando cessou o fornecimento de energia elétrica, Pedro já estudara.

No primeiro caso, temos uma ação não concluída, ainda em curso; no


segundo, uma ação concluída no passado; no terceiro, uma ação não
concluída, isto é, ainda em curso no passado; e, por fim, ação concluída,
terminada no passado, anterior a outra também concluída no passado.
Veja como a recorrência do tempo e aspecto verbal colaboram com a
construção da coesão de um texto.

Segundo Weinrich (apud KOCK, 2001), o sistema temporal de uma


determinada língua – expresso nos verbos – possui três características
UNIUBE 89

constitutivas: a atitude comunicativa (comentar e narrar) a perspectiva


(tempos prospectivos, para o futuro, e retrospectivos, para o passado)
e o relevo, que divide um texto em primeiro e segundo plano, dando
instruções ao leitor/ouvinte a respeito da informação principal e da
que é secundária. Assim, a recorrência de tempo verbal tem função
coesiva, apontando ao leitor/ouvinte que um determinado texto é um
comentário ou um relato, de perspectiva prospectiva, retrospectiva ou
sem perspectiva, e qual a sua informação principal e a secundária.
Observe.

EXEMPLIFICANDO!

Chapeuzinho Vermelho era uma linda garotinha que morava com sua mãe
na cidade. Ela gostava muito de sua avó, que morava na floresta e onde ela
costumava ir todos os dias, levando uma grande cesta cheia de guloseimas.

Um dia, ao entrar na floresta em direção à casa da vovó, percebeu que


estava sendo seguida.

(...)

No primeiro parágrafo, temos a recorrência do pretérito imperfeito do


indicativo, por meio do qual se apresenta a ambientação da história
(onde, quando e com quem se desenrola a história) e, assim, constitui o
segundo plano do relato.

Ao se passar, no segundo parágrafo, a usar o pretérito perfeito do


indicativo, assinala-se a mudança de perspectiva, passando-se ao
primeiro plano do relato, ou seja, à ação propriamente dita.

Agora, passemos ao estudo da sequenciação frástica.


90 UNIUBE

3.2.2 Sequenciação frástica – conceito e procedimentos de


manutenção temática

A sequenciação frástica, por sua vez, diz respeito aos sucessivos


encadeamentos que asseguram a manutenção e a progressão temática
do texto e que, assinalados por uma série de marcas linguísticas – por
meio das quais se estabelecem, entre os enunciados que compõem o
texto, determinados tipos de relação (coesão interfrástica) –, garantem
a articulação entre as partes do texto e a ordenação das sequências
textuais. Inicialmente, vamos estudar os procedimentos de manutenção
e progressão temática de um texto. Assim, a manutenção do tema
de um texto é frequentemente assegurada pelo emprego de termos
pertencentes a um mesmo campo lexical. Observe o enunciado.

Campo lexical: grupos de elementos linguísticos que constituem um


frame ou esquema cognitivo relacionado a determinado campo do
conhecimento, de tal forma que todos esses elementos podem ser
interpretados dentro desse frame.

Por exemplo, o esquema de “escola” (sala de aula, reprovação,


recuperação, avaliação, dentre outros).

EXEMPLIFICANDO!

À hora do almoço, dirigimo-nos à cozinha, onde a mesa já estava posta.


Sentamos cada um no seu lugar de costume, pegamos os nossos pratos e
talhares e começamos a servir o delicioso assado de carneiro, ricamente
servido numa travessa de prata.

Em relação à progressão temática, na sequenciação do texto, assume


vital importância o modo como ela se realiza. Do ponto de vista funcional,
um texto organiza-se a partir de blocos comunicativos. O tema constitui o
UNIUBE 91

tópico, aquilo que é dado, conhecido, e o rema, o comentário, aquilo que


se acrescenta ao tema, fazendo o texto progredir. Observe:

Alguns estudiosos da década de 1970, ao final do século XX, a partir de


suas concepções de progressão temática, propuseram um “esqueleto”
da estrutura textual, que pode ser de cinco tipos:

Quando o rema de um enunciado


1. Progressão passa a tema do enunciado seguinte.
temática linear O rema deste é tema do seguinte,
e assim sucessivamente.

EXEMPLIFICANDO!

João e Maria é um conto infantil. Os contos infantis são narrativas curtas.


Essas narrativas sempre têm muitos elementos fantasiosos. Um deles é o
fato de os animais falarem.

2. Progressão Quando a um mesmo tema são


temática com um acrescentadas, em cada enunciado,
tema constante novas informações remáticas.
92 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

O dinossauro é um animal pré‑histórico. Ele tem o corpo coberto por


uma pele muito grossa. Esse animal foi extinto há milhões de anos.

3. Progressão Quando, de um “hipertema”, se derivam


temática com temas parciais.
tema variado.

EXEMPLIFICANDO!

O Brasil é o maior país da América do Sul. A região Norte é


ocupada pela bacia Amazônica e pelo Planalto das Guianas. A região
Nordeste caracteriza-se, em grande parte, pelo clima semiárido. As
regiões Sul e Sudeste são altamente industrializadas.

4. Progressão temática
por desenvolvimento Desenvolvimento das partes de um rema
de partes de um rema superordenado.
subdividido

EXEMPLIFICANDO!

Vamos estudar agora as partes da casa. A sala é o lugar em que se recebe


as visitas. A cozinha é onde se providencia a nossa alimentação. Os
banheiros são destinados à nossa higiene pessoal. Os quartos são os
cômodos em que descansamos.
UNIUBE 93

Quando há omissão de um
5. Progressão segmento intermediário da cadeia
com salto temático de progressão temática, deduzível
facilmente do contexto.

EXEMPLIFICANDO!

Todo conto infantil tem elementos fantasiosos. Um deles são as bruxas


e fadas. (...) Próprias do imaginário infantil, as bruxas são sempre más e as
fadas, muito boas.

Portanto, verificamos que a estrutura textual pode ser organizada de


cinco maneiras diferentes e, cada qual à sua maneira, contribui para a
construção da coesão do texto.

Passaremos, a partir de agora, a analisar os mecanismos e elementos


da coesão por encadeamento ou interfrástica.

3.2.3 Sequenciação por conexão interfrástica – relações lógico


‑semânticas e discursivas

Os mecanismos do processo de encadeamento permitem estabelecer


relações semânticas e/ou discursivas entre orações, enunciados ou
sequências maiores do texto. Esses mecanismos diferenciam-se dos de
recorrência por não ocorrer retomada do item lexical, mas se realizando
por meio de justaposição ou conexão.

No caso da justaposição, temos o encadeamento com ou sem o uso de


partículas sequenciadoras. A justaposição sem partículas obriga o leitor
a construir a coerência do texto, estabelecendo mentalmente as relações
semânticas ou discursivas. Nesses casos, o lugar da partícula é marcado
94 UNIUBE

por sinais de pontuação, na escrita, e pelas pausas, na fala. Observe o


enunciado transcrito de uma placa, fixada ao lado de um terreno, onde
há um grande matagal, na cidade de Uberaba.

EXEMPLIFICANDO!

Cuidado! Tarado nas imediações!

Nesse enunciado, temos um encadeamento por justaposição, sem


partícula, assinalado pelo ponto final e, no caso do enunciado ser
proferido, pela pausa.

Nesse caso, é preciso que o leitor estabeleça mentalmente a relação de


sentido entre as duas frases, para que ela se torne compreensível. Assim,
no lugar do ponto final, poderíamos acrescentar o conectivo “porque”,
pois há entre a primeira e a segunda oração uma relação de explicação:
Tome cuidado, porque há um tarado nas imediações!

Quanto ao encadeamento por justaposição com partículas, o que ocorre


é um sequenciamento coesivo entre porções menores ou maiores do
texto. Essas partículas ou sinais de articulação operam, portanto, em
diversos níveis hierarquizados:

• metanível ou nível dos enunciados metacomunicativos, em


que as partículas funcionam como sinais demarcatórios e/ou
sumarizadores de partes ou sequências textuais (por consequência,
em virtude do exposto, dessa maneira, em resumo, essa posição,
dentre outros).
UNIUBE 95

EXEMPLIFICANDO!

1. (...) A hipótese acima aventada faz previsões que só poderão ser


verificadas à medida que o tempo passar.

2. (...) Fazendo um balanço do que se discutiu até o momento, observa-


se que as opiniões estão divididas e ainda não há consenso.

• marcadores de situação ou ordenação no tempo e/ou espaço,


que podem funcionar, por exemplo, como demarcadores de
episódios na narrativa (ordenadores temporais), de segmentos de
uma descrição (ordenadores espaciais) ou como indicadores de
ordenação textual.

EXEMPLIFICANDO!

1. (...) Muitos anos depois, a mãe reencontrou a filha desaparecida que


há muito procurava.

2. (...) Mais além, do lado direito, havia um enorme castelo medieval, com
toda a sua imponência.

• marcadores conversacionais de variados tipos, especialmente os


que assinalam introdução, mudança ou quebra do tópico, descritos
para o português por Marcuschi, (1986):

EXEMPLIFICANDO!

1. Você tem razão, o novo professor de Química é muito bom! Mas voltando
ao assunto, quando é que você vai me ensinar a matéria nova, que eu não
entendi bem?
2. Ontem houve uma reunião geral dos alunos ingressantes com o reitor
da Universidade. Fazendo um parênteses: você viu quanta garota bonita?
96 UNIUBE

O encadeamento pode realizar-se também, como já afirmamos, por


conexão, que se realiza a partir da relação que os enunciados têm em
relação aos outros na construção textual, em que não só se compreende
o enunciado por si mesmo, mas este auxilia na compreensão do texto
como um todo. Nesse caso, ocorre uma interdependência semântica,
que pode ser vista por meio dos operadores do tipo lógico, operadores
discursivos e das pausas (como no caso dos dizeres do cartaz,
mencionado anteriormente: “Cuidado! Tarado nas imediações!”).

3.2.3.1 Relações lógico‑semânticas

Os operadores do tipo lógico têm por função estabelecer uma relação


lógico-semântica entre duas proposições e podem se estabelecer de
diferentes formas. Vejamos cada uma delas separadamente.

a) Relação de condicionalidade

Essa relação se expressa pela conexão de duas orações, uma introduzida


pelo conector se ou outro com o mesmo valor (oração antecedente) e
outra por então, que normalmente vem implícita (oração consequente).
O que se afirma nesse tipo de relação é que, sendo o antecedente
verdadeiro, o consequente também o será.

EXEMPLIFICANDO!

1. Se tirarmos o gelo do freezer, (então) ele se derreterá.


2. Caso não chova, (então) iremos ao clube.

b) Relação de causalidade

Quando há conexão de duas orações, uma das quais encerra a causa que
acarreta a consequência contida na outra, temos a relação de causalidade.
Essa relação pode ser expressa sob diversas formas estruturais.
UNIUBE 97

EXEMPLIFICANDO!

a. O atleta passou mal porque se esforçou demais.

consequência causa

b. O atleta se esforçou tanto que passou mal.

causa consequência

c. O atleta se esforçou demais; então (por isso) passou mal.

causa consequência

d. Como tivesse se esforçado demais, o atleta passou mal.

(Por ter se esforçado demais)

causa consequência

c) Relação de mediação

Exprime-se por meio de duas proposições, numa das quais se explicita(m)


o(s) meio(s) para atingir um fim expresso na outra.

EXEMPLIFICANDO!

O rapaz estudou o ano inteiro para conquistar a vaga que queria na


universidade pública.
98 UNIUBE

d) Relação de disjunção

A relação de disjunção pode ser tanto de tipo lógico quanto de tipo


discursivo (que será apresentada mais adiante), e é veiculada através
do conectivo ou. Entretanto esse conectivo é ambíguo em língua natural,
correspondendo ora à forma latina aut, com valor exclusivo (isto é, um ou
outro, mas não ambos), ora à forma vel, com valor inclusivo (ou seja,
um ou outro, talvez ambos). Veja os exemplos.

EXEMPLIFICANDO!

1. Você vai viajar no feriado de carnaval ou vai ficar em casa mesmo?


(Exclusivo.)

2. Todos os atletas deveriam usar crachás ou trajar a camiseta do evento.


(Inclusivo: e/ou.)

e) Relação de temporalidade

Trata-se de uma relação por meio da qual, através da conexão de duas


orações, localizam-se no tempo ações, eventos, estados de coisas do
“mundo real” ou a ordem em que se teve percepção ou conhecimento
deles, relacionando-os uns aos outros. A relação de temporalidade pode
ser de vários tipos. Vejamos cada um deles.

1. Tempo simultâneo (exato, pontual)


UNIUBE 99

EXEMPLIFICANDO!

Quando

Mal

Nem bem
o jogo teve início, parte da arquibancada ruiu.
Assim que

Logo que

No momento em que

2. Tempo anterior ou tempo posterior

EXEMPLIFICANDO!

1. Antes que o namorado lhe enganasse outra vez, Márcia terminou sua
relação com ele.

2. Depois que o namorado a enganou, Márcia preferiu romper com ele.

3. Tempo contínuo ou progressivo

EXEMPLIFICANDO!

1. Enquanto a mãe lavava a louça, as duas filhas lavavam a casa.


2. À medida que a chuva aumentava, a inundação deixava mais pessoas
desabrigadas.
100 UNIUBE

f) Relação de conformidade

Temos a relação de conformidade quando a conexão de duas orações


mostra a conformidade do conteúdo de uma com algo que se afirma na
outra.

EXEMPLIFICANDO!

1. Os jogadores agiram conforme o técnico lhes havia determinado.

2. Segundo o pessoal da previsão do tempo avisou, o frio chegou cedo


este ano.

g) Relação de modo

Relação por meio da qual se expressa, numa das orações, o modo como
se realizou a ação ou o evento contido na outra.

EXEMPLIFICANDO!

1. Sem dizer uma palavra, o jovem ouvia as reprimendas do diretor do


colégio.

2. Como se quisesse apaziguar a discussão, o marido conversou longa


e calmamente com a esposa.

3.2.3.2 Relações discursivas ou argumentativas

A estruturação de enunciados em textos, por meio de encadeamentos


sucessivos, sendo cada enunciado resultante de um ato de fala distinto,
realiza-se por meio dos encadeadores do discurso. Neste caso, o que
se produz são dois (ou mais) enunciados distintos, encadeando-se o
UNIUBE 101

segundo sobre o primeiro, que é tomado como tema. Esses enunciados


poderiam ser apresentados sob forma de dois períodos ou até proferidos
por locutores diferentes justamente por serem enunciados distintos, ao
contrário do que ocorre nas relações do tipo lógico. Por isso, esses
encadeamentos podem ocorrer entre orações de um mesmo período,
entre dois ou mais períodos e, também, entre parágrafos de um texto:
daí a designação desses conectores, operadores ou encadeadores de
discurso.

Mas o mais importante nesse tipo de relação é que os operadores do


discurso, ao introduzirem um enunciado, determinam-lhe a orientação
argumentativa. Por essa razão, são também chamados operadores
argumentativos, e as relações que estabelecem, relações pragmáticas,
retóricas ou argumentativas. Vamos estudar essas relações e verificar o
quanto é importante o estudo desse conteúdo para a aprendizagem da
produção de um texto argumentativo.

a) Relação de conjunção

Realiza-se por meio de operadores como e, também, não só... mas


também, tanto... como, além de, além disso, ainda, nem (= e não),
quando conectam enunciados que constituem argumentos para uma
mesma conclusão, isto é, que defendem um mesmo ponto de vista.
Observe:

EXEMPLIFICANDO!

a. Maria é mesmo a melhor filha do casal. É educada e tem muita


responsabilidade com seus estudos. Além disso, ajuda a mãe nas tarefas
domésticas. Ressalte-se, ainda, que faz todo o serviço de banco para o pai.

b. O nosso encontro de ontem foi um fracasso. Não chegamos a nenhuma


conclusão importante, nem (= e não) decidimos o que fazer.
102 UNIUBE

b) Relação de disjunção

Constitui uma disjunção de enunciados que possuem orientações discursivas


diferentes, resultantes de dois atos de fala distintos, em que o segundo
procura provocar o leitor/ouvinte para levá-lo a modificar sua opinião ou,
simplesmente, aceitar a opinião expressa no primeiro. Veja o exemplo.

EXEMPLIFICANDO!

Vamos à liquidação de verão do Shopping Uberaba, ou você vai querer ficar


de fora dessa oportunidade?

c) Relação de contrajunção

Por meio dessa relação se contrapõem enunciados de orientações


argumentativas diferentes, isto é, que defendem pontos de vista
diferentes, prevalecendo a do enunciado introduzido pelo operador mas
qualquer outro que possua a mesma função (porém, contudo, todavia
etc.). Observe.

EXEMPLIFICANDO!

Os dois irmãos estudaram todos os dias do ano, horas a fio, mas não foram
aprovados no concurso para o Ministério Público Federal.

IMPORTANTE!

Quando se utiliza o operador embora ou outro com a mesma função


(ainda que, apesar de (que) etc.), prevalece a orientação argumentativa
do enunciado não introduzido pelo operador. Preste atenção:

Embora os dois irmãos tivessem estudado todos os dias do ano, horas a


fio, não foram aprovados no concurso para o Ministério Público Federal.
UNIUBE 103

Se compararmos os dois últimos exemplos, verificaremos que, no


primeiro caso, há mais força e, por isso, prevalece o argumento introdu-
zido pelo operador mas (mas não foram aprovados no concurso para
o Ministério Público Federal), enquanto, no outro exemplo, prevalece o
enunciado não introduzido pelo operador embora (não foram aprovados
no concurso para o Ministério Público Federal).

Segundo Ducrot (1987), os operadores do grupo do mas (mas, porém,


todavia, contudo, entretanto, no entanto) podem exprimir movimento
psicológico entre crenças, opiniões, emoções, desejos, ainda que
implícitos, quando orientados em sentidos contrários, como no enunciado
a seguir.

EXEMPLIFICANDO!

As mocinhas já estavam se arrumando para a grande festa, mas a chuva


continuava forte.

d) Relação de explicação ou justificativa

Ocorre quando se encadeia, sobre um determinado ato de fala, outro ato


que justifica ou explica o primeiro.

EXEMPLIFICANDO!

1. Deve ter chovido a noite inteira, pois as ruas estão muito molhadas.
(Explicação.)

2. Não feche a porta, que está muito quente. (Justificativa.)


104 UNIUBE

e) Relação de comprovação

Ocorre quando, através de um novo ato de fala, acrescenta-se uma


possível comprovação da asserção apresentada no primeiro.

EXEMPLIFICANDO!

Vi sua irmã caminhando na Avenida da Saudade ontem, tanto que ela


estava de roupa amarela.

f) Relação de conclusão

Estabelece-se essa relação por meio de operadores como tanto, logo,


por conseguinte, pois etc., introduzindo-se um enunciado de valor
conclusivo em relação a dois (ou mais) atos de fala anteriores que
contêm as premissas, uma das quais, geralmente, permanece implícita,
por tratar-se de algo que é voz geral, de consenso em dada cultura, ou,
então, verdade universalmente aceita.

EXEMPLIFICANDO!

1. Os fotógrafos contratados não são especialistas. Logo, o álbum não


poderia ter ficado melhor.

2. A sua vizinha é uma mulher fofoqueira. Portanto, não lhe dê ouvidos.

g) Relação de comparação

A relação de comparação expressa-se por meio dos operadores


(tanto, tal)... como (quanto), mais... (do) que, menos.... (do) que,
estabelecendo entre um termo comparante e um termo comparado
uma relação de inferioridade, superioridade ou igualdade. A relação
UNIUBE 105

comparativa, como demonstra Vogt (1980), possui caráter eminentemente


argumentativo, uma vez que a comparação se faz tendo em vista dada
conclusão a favor ou contra a qual se pretende argumentar.

Assim, se a uma pergunta como: “Devemos chamar Carla para redigir a


carta ao prefeito?” se obtivesse como resposta:

a. “Marta é tão competente quanto Carla.”

a argumentação seria desfavorável a Carla (embora não se negue a sua


competência) e favorável a Marta. Entretanto, se a resposta fosse:

b. “Carla é tão competente quanto Marta.”

haveria inversão da orientação argumentativa, agora favorável a Carla.


Seria o mesmo que dizer: “Apoio, vamos chamar a Carla”.

Dessa forma, podemos observar que, do ponto de vista argumentativo,


não há “igualdade” entre Pedro e João e que, embora o tema e o rema
desse enunciado sejam perfeitamente permutáveis do ponto de vista
sintático, não o são do ponto de vista argumentativo.

h) Relação de generalização/extensão

Trata-se de uma relação em que o segundo enunciado exprime uma


generalização do fato contido no primeiro (a,b), ou uma amplificação da
ideia nele expressa (c). Veja os exemplos.

EXEMPLIFICANDO!

1. Pedro chegou na hora. Aliás (Também/É verdade que), ele é muito


pontual.
2. Pat está de novo com carro zero. Bem (Aliás/Mas), é o que acontece com
todo mundo que trabalha muito.
106 UNIUBE

i) Relação de especificação/exemplificação

Ocorre quando o segundo enunciado particulariza e/ou exemplifica uma


declaração de ordem mais geral apresentada no primeiro. É quase o
oposto da relação de generalização/extensão. Veja os enunciados a
seguir.

EXEMPLIFICANDO!

1. Pedro é muito pontual, por exemplo, ele nunca chega atrasado às


reuniões da firma.

2. Pat trabalha muito e tem conseguido tudo o que quer, como o carro zero
que comprou.

j) Relação de contraste

Numa relação como essa, o segundo enunciado apresenta uma


declaração que contrasta com a do primeiro, produzindo um efeito
retórico.

EXEMPLIFICANDO!

1. Você se veste muito bem, mas este vestido está horrível!

2. Os ricos estudiosos vão conquistando os espaços na sociedade, ao


passo que os preguiçosos vão ficando cada vez mais à margem dela.

k) Relação de correção/redefinição

Trata-se de uma relação em que, por meio de um segundo enunciado,


se corrige, suspende ou redefine o conteúdo do primeiro; atenua-se ou
UNIUBE 107

reforça-se o comprometimento com a verdade do que nele foi veiculado;


ou, ainda, se questiona a própria legitimidade de sua enunciação. Preste
atenção aos exemplos a seguir.

EXEMPLIFICANDO!

1. Irei à reunião na escola do meu filho. Isto é, tentarei ir.

2. Certamente vou à festa na sua casa, ou não serei convidada?

Além dessas, temos também a pausa, conforme já mencionamos.


A pausa surge como mecanismo de coesão sequencial porque, na
escrita, o uso dos sinais de pontuação podem substituir os conectores
frásicos e, dessa forma, assinalar relações diferentes que podem ser
explicitadas. Veja como isso ocorre de fato.

EXEMPLIFICANDO!

Perigo: tarado! Não se aproxime.

Perigo: tarado, portanto, não se aproxime. (Relação de conclusão.)

Interessante esse conteúdo, não? Pois é! É nossa função trabalhar


o emprego desses elementos com nossos alunos, na escola, ao
exercermos a nossa profissão docente, para que eles aprendam não só a
empregá‑los na produção de seus textos, mas saibam também perceber
os efeitos de sentido produzidos pela sua utilização nos textos dos outros.
108 UNIUBE

Resumo

A coesão sequencial constitui o conjunto de procedimentos linguísticos por


meio dos quais se estabelecem, entre segmentos do texto, diversos tipos de
relações semânticas e/ou pragmáticas, à medida que se faz o texto progredir.

Essa sequenciação pode ocorrer por meio de caminhos distintos: a


sequenciação parafrástica, com procedimentos de recorrência de
termos, de estruturas (paralelismo sintático), de conteúdos semânticos,
de recursos fonológicos segmentais ou suprassegmentais, de tempo e
aspecto verbal; a sequenciação interfrástica (sem recorrência, mas com
elementos de ligação) e a sequenciação frástica, que diz respeito ao
modo como se faz o texto progredir.

Na sequenciação interfrástica, temos os mecanismos do processo de


encadeamento que permitem estabelecer relações semânticas e/ou
discursivas entre orações, enunciados ou sequências maiores do texto.

Esses mecanismos diferenciam‑se dos de recorrência por não ocorrer


retomada do item lexical, mas se realizando por meio de justaposição
ou conexão.

Na justaposição, temos o encadeamento com ou sem o uso de partículas


sequenciadoras. A justaposição sem partículas obriga o leitor a construir a
coerência do texto, estabelecendo mentalmente as relações semânticas
ou discursivas. A conexão realiza‑se a partir da relação que os
enunciados têm em relação aos outros na construção textual, que podem
ser lógico‑semânticas ou discursivas. Essa é uma visão que amplia a
da gramática normativa, no que se refere ao emprego das conjunções e
os demais elementos da língua que exercem a função de qualquer uma
delas, no encadeamento das ideias e informações num texto. Trata‑se
de um conhecimento imprescindível a quem se propõe a ensinar a
produzir textos, na escola ou fora dela.
UNIUBE 109

Atividades

Atividade 1

Observe os fragmentos de textos a seguir. Faça uma análise desses


trechos, a partir dos mecanismos de sequenciação parafrástica,
explicitando de que forma a coesão do texto é obtida.

Texto 1

Violões que choram...


Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.
(...)
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.
Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho
Almas que se abismaram no mistério.

Fonte: Cruz e Sousa. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/


download/texto/bv000074.pdf>.
110 UNIUBE

Texto 2

Ode triunfal (fragmento)


À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r‑r‑r‑r‑r‑r‑r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde‑me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

(...)

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!


Outra vez a obsessão movimentada dos ônibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os
comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando‑se das docas.
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!
Eh‑la grandes desastres de comboios!
Eh‑la desabamentos de galerias de minas!
Eh‑la naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
UNIUBE 111

Eh‑la‑ho revoluções aqui, ali, acolá,


Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!
Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.
Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos brocas, máquinas rotativas!
Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia‑sem‑fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da arvore‑fabrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia‑ho‑o‑o!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho‑me.
Engatam‑me em todos os comboios.
Icam‑me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia‑ho! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!
112 UNIUBE

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!


Eia e hurrah por mim‑tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo! Hup‑la!
Hup‑la, hup‑la, hup‑la‑ho, hup‑la!
He‑la! He‑ho! H‑o‑o‑o‑o!
Z‑z‑z‑z‑z‑z‑z‑z‑z‑z‑z‑z!
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!

Fonte: Pessoa. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/


texto/jp000011.pdf>.

Atividade 2

Leia atentamente o texto a seguir e, depois, proceda à análise das


relações lógico‑semânticas e/ou discursivas estabelecidas pelos
conectivos sublinhados.

“Aluno” ou “estudante”?
Newton Luís Mamede

Tenho evitado a prerrogativa da função de Ombudsman para, neste


espaço, “dar aulas” de Língua Portuguesa ou de outras disciplinas que
leciono. A única exceção que abri foi, recentemente, a respeito do uso
indevido, errado, impróprio da forma campi como plural da palavra latina
campus, usada em português. Plural errado, mas “exigido” por muitos,
principalmente aqui em nossa Universidade.

Agora, a coisa piorou! No início deste ano, fui procurado, por alguns
professores, para explicar a etimologia da palavra aluno, já que um dos
conteúdos que leciono, dentro das disciplinas de Língua Portuguesa, é,
numa denominação genérica e bastante conhecida, gramática histórica.
E, em denominação mais sofisticada, filologia românica. Conteúdo que
trata, dentre outros, da origem da língua portuguesa, em especial das
UNIUBE 113

palavras de origem latina. Então, pesquisei e apresentei aos solicitantes


a origem da palavra em questão, bem como, evidentemente, seus
significados. Passados dois meses, enquanto eu estava ministrando
uma aula exatamente de filologia românica, para o curso de Letras,
os alunos me perguntaram o mesmo: a origem da palavra aluno.
Expliquei, rapidamente, mas o suficiente para eles compreenderem, e
fui surpreendido com o seguinte absurdo: alguns professores, na Uniube,
estão ensinando outro significado para a palavra, e “mandando” trocá‑la
por estudante. Isso porque, segundo esse absurdo, a palavra aluno
significa: “não luz “, ou “sem luz”...

Aí, sim: quanta “falta de luz”!... Fiquei surpreso, tomei a explicar (agora,
com mais detalhes) a etimologia da palavra, apresentei aos alunos
dicionários de língua portuguesa e de língua latina, teci comentários sobre
o absurdo que lhes fora ensinado. E parei por aí. Já no fim do primeiro
semestre, fiquei sabendo que a heresia (empregar o termo estudante,
em lugar de aluno, devido ao significado acima citado) estava ganhando
campo, na Uniube, tendo sido “ensinada” e “exigida” até em algumas
reuniões ou sessões de estudos, por alguns diretores e professores.
Isso começou a me preocupar, ou a me assombrar, mas deixei passar.

Mas... Hoje, exatamente hoje (14 de agosto – dia em que estou


escrevendo este pronunciamento), enquanto eu procedia à revisão de
um texto de divulgação de evento da própria Uniube, notei, surpreso,
que, onde estava escrito aluno, essa palavra estava riscada e, sobre ela,
a lápis, a correção para estudante. Ao perguntar o porquê da correção,
fui informado de que, “na Uniube, não é para usar a palavra aluno, mas,
sim, estudante”... Então, fiz um rápido recuo de memória e lembrei‑me
do que meus alunos me haviam falado, no semestre passado, sobre o
significado absurdo “não luz”, ou “sem luz”, que lhes fora, levianamente,
ensinado. E, desastradamente, disseminado na Uniube.
114 UNIUBE

Pois bem! Agora, preciso pronunciar‑me como Ombudsman, mesmo


que seja sobre um conteúdo que leciono. Não se trata de falta de ética,
mas, sim, do cumprimento de um dever de ofício, de uma obrigação:
criticar a empresa, a instituição, a Universidade, quando ela pratica
um desvio, um erro, um prejuízo. Desvio, erro, prejuízo que atingem o
cliente, que enganam o cliente e o público, que comprometem o nome
e a honra da Universidade, nome e honra pelos quais ela deve zelar. E,
se o Ombudsman vê esse desvio, erro, prejuízo, e não se manifesta,
e não mostra o correto, então ele passa a ser omisso, irresponsável,
quase criminoso. Coisa que ele não é, que ele não pode ser. Pois vamos
ao caso. Como não se trata, aqui, de um tratado de filologia, nem de
uma aula, vamos apenas à explicação simples e rápida da etimologia
e dos significados da palavra aluno. A palavra já existe em latim (muito
antes de Cristo...): alumnus, alumni, substantivo masculino da segunda
declinação. 1. Sentido próprio: criança de peito. Sentido empregado
por Cícero, na obra Verrinas. 2. Daí, sentido figurado: discípulo. Sentido
empregado também por Cícero, na obra De finibus. – Fonte: FARIA,
Ernesto. Dicionário Escolar Latino Português. MEC, 1962.

Prosseguindo, O substantivo alumnus, por sua vez, deriva do verbo alere


(alo, ‑is, alui, altum ou alitum, alere. Informações citadas para quem
sabe consultar verbo em dicionário latino). Significados do verbo alere:
1. Alimentar, nutrir (sentido próprio e figurado). (Cícero: obra De Natura
Deorum). 2. Daí: fazer crescer, desenvolver, animar, fomentar (sentido
próprio e figurado). (Cícero: obra Catilinárias). – Fonte: a mesma acima
citada.

Passemos, agora, à etimologia e aos significados apresentados por outra


fonte (HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro, Objetiva, 2001) – (Transcrição literal): ETIM lat. alumnus, i
‘criança de peito, lactente, menino, aluno, discípulo’, der. do v. alere ‘fazer
aumentar, crescer, desenvolver, nutrir, alimentar, criar, sustentar, produzir,
UNIUBE 115

fortalecer etc.’ E então? Como pode alguém inventar que aluno é uma
palavra formada pelo prefixo a‑, que significa negação, e pelo elemento
lun‑, adulteração de lumen, luminis (em latim: luz)? Isso é até “bonito”,
como invenção engenhosa... Mas é puro engodo, mentira, leviandade!
Já pensaram se todo a‑ inicial de palavras em português for o prefixo a‑
com o sentido de negação? O que significaria, então, a palavra amarelo?
E abacaxi? E azul? E abacate?... (Para esta, poderia até ser “inventada”
uma etimologia pornográfica: abacate significaria “não prostituta”, ou,
pior, “sem puta”..., se se entender descaradamente que o a‑ inicial é
prefixo com o sentido de negação, e o elemento bacate é deturpação,
ou adulteração de bacante, mulher adepta do deus do vinho, Baco, de
onde se originaram bacante, bacanal...). Não é uma bela invenção?...
Um criminoso ensinamento?

Para terminar. Quem acompanha o que escrevo no jornal Revelação


pode testemunhar a série de artigos em que insisto na responsabilidade
e seriedade com que os estudos universitários devem ser praticados,
dentro de uma atitude de espírito científico, de apego apenas à verdade,
ao certo. Principalmente, insisto na confiança que a universidade deve
inspirar naquilo que ela ensina, já que ela é sede da ciência.
Recentemente, questionamos a confiança abalada: como confiar?,
em que confiar?, em quem confiar?, até que ponto a universidade é
confiável? E o que está acontecendo com a nossa querida Uniube, no
caso aqui exposto. Nossa Universidade não pode carregar a má fama de
ser o berço de um ensinamento leviano, falso, fundado no erro. Pior: a
responsável pela disseminação e propagação desse erro. Sei que não é
oficial, que não emanou da Reitoria, mas já está acontecendo a “norma”
de não usar a palavra aluno, na Uniube, porque ela é uma ofensa ao
aluno, porque ela significa “sem luz”... Que vergonha! E, particularmente,
não quero sentir vergonha de trabalhar, ou de ter trabalhado numa
universidade que ensina e pratica, deliberadamente, erros, inverdades,
ensinamentos suspeitos... (Este assunto merece continuação).
116 UNIUBE

Atividade 3

Reescreva cada grupo de orações abaixo, reunindo‑as em um só período.


Empregue os conectivos adequados, em cada caso, fazendo as
alterações necessárias:

1. Os colegas não perguntavam por mim. Os colegas deram por minha


falta.
2. O garoto não estava bem. Chorava. Gemia baixinho.
3. Havia muito serviço ainda na cozinha. De raiva, ninguém trabalhava.
Não falava.
4. Façam silêncio. Há gente doente.
5. Ele é seu pai. Respeite‑lhe a vontade pelo menos desta vez.
6. Tenho dormido tarde todos os dias. Tenho acordado muito cedo.
7. Li. Reli seu texto. Não entendi.
8. A noite estava muito escura. Os bombeiros não viam nada.
9. As condições de trabalho eram adequadas. O salário era muito bom.
10. Não fique preocupado. Tudo dará certo.
11. A caminhada é muito longa. Vamos partir bem cedo.
12. Ele não veio hoje. Ele não justificou a falta.
13. Os dias já eram quentes. A água do mar ainda estava muito fria. As
praias permaneciam desertas.
14. O seu trabalho de tradução estava quase no fim. Você já estava
bastante prático. Com o tempo adquirira vocabulário suficiente.
15. Aquele garoto vive mentindo. Não merece credibilidade.
16. As pessoas não se mexiam. Não falavam.
17. O cavalo estava cansado. Ele arfava muito.
18. Meus alunos não me atendiam. Eu os repreendi severamente.
19. Nevava muito. Fomos ao baile de formatura.
20. As freiras entraram no convento. Perceberam o roubo.
UNIUBE 117

Referências

BANDEIRA, M. Manuel Bandeira: Poesia Completa e


Prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1977.

BANDEIRA, M. Trem de Ferro. In: ____. Libertinagem e Estrela


da Manhã. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 2004.

CRUZ E SOUSA. Faróis. In: Poesia completa. MUZART, Zahidé


(Org.) Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura/Fundação
Banco do Brasil, 1993. Disponível em: <http://www.dominiopublico.
gov.br/download/texto/bv000074.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2010.

DUCROT, O. O Dizer e o Dito. Campinas, São Paulo: Pontes, 1987.

KOCH, I. V. A coesão textual. 14. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. 4. ed. São Paulo: Ática, 1986.

PESSOA, Fernando. Ode triunfal. In: ____. Poemas de Álvaro


de Campos. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/jp000011.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2010.

VOGT, C. Linguagem, pragmática e ideologia. São Paulo: Hucitec, 1980.

WEINRICH, H. Tempus. Besprochene und erzählte Welt. Kohlhammer,


Stuttgart, trad. Francesa Le Temps, Paris: Seuil, 1973.
Capítulo
A constituição linguística
dos textos orais e escritos:
4
processos e mecanismos da
interação pela linguagem
Sandra Eleutério Campos Martins

Introdução

Como você já deve ter percebido, compreendemos a comunicação


como um ato social que representa um contexto por meio de
referências comuns aos interlocutores. O discurso daquele
que fala/escreve representa uma posição socialmente definida,
amparada pela referência da voz do outro, presente no processo
de comunicação. O discurso do sujeito que ouve define uma
significação para o discurso do locutor, conforme as marcas de
sua própria posição social e da referência do outro. Em outras
palavras, falamos a partir da posição que ocupamos no mundo, de
quem somos. Veja o que pensa Bakhtin (2003) a respeito:
Os outros, para os quais meu pensamento
se torna, pela primeira vez, um pensamento
real (e com isso, real para mim), não são
ouvintes passivos, mas participantes ativos da
comunicação verbal. Logo de início, o locutor
espera deles uma resposta, uma compreensão
responsiva ativa. Todo enunciado se elabora
como que para ir de encontro dessa resposta
(BAKHTIN, 2003, p. 320).

Para Bange (apud KOCH, 2001, p. 66), um ato de linguagem não é


apenas um ato de dizer e de querer, mas, sobretudo, essencialmente
um ato social pelo qual os membros de uma comunidade “interagem”,
ou seja, agem uns sobre os outros por meio da linguagem.
120 UNIUBE

Discurso
É a linguagem posta em ação, a língua assumida pelo
falante. Realizar uma atividade discursiva significa interagir
pela linguagem: dizer alguma coisa a alguém, de uma
determinada forma, num determinado contexto histórico
e em determinadas circunstâncias de interlocução. Isso
significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não
são aleatórias, ainda que possam ser inconscientes, mas
decorrentes das condições em que o discurso é realizado.
Quer dizer: quando um sujeito interage verbalmente com
outro, o discurso se organiza a partir das finalidades e
intenções do locutor, dos conhecimentos que acredita que
o interlocutor possua sobre o assunto, do que supõe serem
suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias, da
relação de afinidade e do grau de familiaridade que têm,
da posição social e hierárquica que ocupam. Isso tudo
determina as escolhas do gênero no qual o discurso se
realizará, dos procedimentos de estruturação e da seleção
de recursos linguísticos. Em geral, é durante o processo
de produção que as escolhas são feitas, nem sempre (e
nem todas) de maneira consciente. O discurso, quando
produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos
(BRASIL, 1998, p. 20-21).

Segundo Koch, a língua é interação social. Tem objetivo, estabelece


relações e procura atuar sobre o outro. O processo de linguagem é
um jogo social dinâmico, com características argumentativas entre
interlocutores e com regras estabelecidas de acordo com a interação
dos participantes. Ela afirma que “a par daquilo que efetivamente
é dito, há o modo como o que se diz é dito: a enunciação deixa no
enunciado marcas que indicam (“mostram”) a que título o enunciado
é proferido”. (KOCH, 2001, p. 14).
UNIUBE 121

Assim, podemos verificar que é pela atividade verbal que se


estabelece uma relação de interação entre o locutor e o interlocutor.
Estabelece-se um contrato de comunicação, pressupondo-se
determinadas regras para uma troca de enunciados, baseadas
no objetivo ou intenção do locutor, no interesse do interlocutor
pela enunciação proposta, em um universo cognitivo comum e
em um gênero de discurso adequado. A relação mais elementar
de interação pela linguagem é o diálogo, por meio do qual locutor
e interlocutor se propõem a jogar um jogo face a face, trocando
posições, produzindo enunciações, corrigindo-as, alterando-as, ou
seja, interagindo um em relação ao outro pela linguagem.

EXPLICANDO MELHOR

Gêneros do discurso
Para Bakhtin (2003), a maneira como o ser humano se utiliza de sua
língua leva sempre em conta as especificações de cada situação de
comunicação, que se realiza em uma determinada esfera da atividade
humana, resultando em enunciados linguisticamente diferentes,
próprios dessa esfera, a que o autor chama de gêneros do discurso.

A ausência de um interlocutor real, face a face, não atrapalha o


processo de interação pela linguagem, pois, nos casos em que a
relação face a face não é possível, como, por exemplo, no caso
das situações de comunicação realizadas entre os jornalistas e o
público, em que o gênero de texto adotado é escrito, estabelece-se
uma relação entre três participantes: o locutor, que fala ou escreve,
o interlocutor ideal, aquele para quem o locutor produz o discurso, e
o interlocutor real, o público que ouve ou lê o jornal. Assim, pode-se
perceber que toda enunciação produzida por um locutor pressupõe
um interlocutor para recebê-la e, compreendendo-a, produzir sua
própria enunciação em forma de resposta, estabelecendo uma ação
comunicativa entre coenunciadores.
122 UNIUBE

Toda enunciação, mesmo produzida sem a


presença de um destinatário, é de fato, marcada
por uma interatividade constitutiva (fala‑se
também dialogismo). É uma troca, explícita
ou implícita, com outros enunciadores, virtuais
ou reais, e supõe sempre a presença de uma
outra instância de enunciação à qual se dirige
o enunciador e com relação à qual constrói seu
próprio discurso. (MAINGUENEAU, 2001, p. 54).

Segundo Ascombre Ducrot (1988) e colaboradores (apud KOCH,


2001, p. 29), para quem a argumentatividade está inscrita na
própria língua,
[…] quando interagimos através da linguagem
(quando nos propomos a jogar o “jogo”), temos
sempre objetivos, fins a serem atingidos; há
relações que desejamos estabelecer, efeitos
que pretendemos causar, comportamentos que
queremos ver desencadeados, isto é, preten-
demos atuar sobre o(s) outro(s) de determinada
maneira, obter dele(s) determinadas reações
(verbais ou não verbais). É por isso que se pode
afirmar que o uso da linguagem é essencial-
mente argumentativo: pretendemos orientar
os enunciados que produzimos no sentido de
determinadas conclusões (com exclusão de
outras).

Na Teoria da Enunciação, o foco é o modo como se diz o que é


dito. As condições de produção do enunciado como tempo, lugar,
papéis representados pelos interlocutores, imagens recíprocas,
objetivos visados na interlocução (KOCH, 2001), são fatores
que constituem o sentido da enunciação, estabelecendo uma
relação entre linguagem e ação. A autora afirma que a língua é
um “lugar de interação” e que os sujeitos (locutor e interlocutor)
são peças essenciais na construção dos sentidos, pois se apoiam
nas possíveis intenções, conscientes ou não, dos sujeitos no
momento da interação. O caráter argumentativo da linguagem
como interação social pode ser percebido pela existência de
marcas ou elementos
UNIUBE 123

linguísticos que estabelecem a relação de comunicação entre os


interlocutores. Essas marcas representam estratégias (conscientes
ou não) do autor em estabelecer uma relação (definida pelo tipo
de marca) com o leitor para a construção de um sentido comum
em um texto. Para que o leitor possa construir o sentido pela
argumentação do autor, essas marcas devem ser comuns, fazer
parte de um mesmo universo cognitivo e referencial, para que
exista uma cumplicidade entre autor e leitor. O pre‑conhecimento
estabelece uma relação de sentido entre o texto e o leitor,
permitindo que ele possa construir o sentido pelo conhecimento
de mundo, contexto social e político, referências e pré‑conceitos.
Para que um sentido comum entre autor e leitor se estabeleça, é
preciso que o texto ative esses elementos criando uma interação
autor/texto/leitor. Como afirma Fávero (1997):
O texto contém mais do que o sentido das
expressões na superfície textual, pois deve
incorporar conhecimento e experiência cotidia-
na, atitudes e intenções, isto é, fatores não
linguísticos. Deste modo, um texto não é em
si coerente ou incoerente; ele o é para um
leitor/elocutário numa determinada situação.
(FÁVERO,1997, p. 70).

Vamos, então, estudar separadamente cada um desses


mecanismos de que a língua dispõe para indicar a orientação
argumentativa e/ou concretizar o processo de interação pela
linguagem que, de acordo com Koch, como já mencionamos, são
marcas linguísticas da enunciação ou da argumentação, dentre os
quais incluem‑se os operadores argumentativos, os marcadores
de pressuposição, os indicadores modais ou modalizadores, os
indicadores atitudinais, os tempos verbais, os índices de polifonia,
dentre outros.
124 UNIUBE

Objetivos
Ao final do estudo proposto neste capítulo, você deverá ser capaz de:

• reconhecer o texto como unidade de comunicação e sua


relação com o contexto sócio‑histórico e cultural;
• explicar a relação entre a produção dos enunciados, os atos
da fala e o contexto da enunciação;
• conceber a linguagem como processo de persuasão e de
reflexo da ideologia de uma sociedade;
• identificar os recursos argumentativos presentes no nível
linguístico e constitutivo do sentido do texto;
• relacionar os recursos argumentativos com a interação autor/
texto/leitor, com base nas teorias estudadas.

Esquema

4.1 Os operadores argumentativos


4.2 Marcadores de pressuposição
4.3 Indicadores modais ou modalizadores
4.4 Indicadores atitudinais
4.5 Correlação entre os tempos verbais
4.6 Índices de polifonia

4.1 Os operadores argumentativos

A argumentação faz parte da linguagem na medida em que desejamos,


quando falamos ou escrevemos, persuadir nosso interlocutor. Algumas
palavras são responsáveis pela sinalização da argumentação:
os operadores argumentativos. A presença desses operadores
UNIUBE 125

argumentativos em um texto cria coerência e apresenta pistas para


a construção do sentido pelo leitor, mostrando a força argumentativa
dos enunciados e a direção para a qual apontam, isto é, que ponto de
vista pretendem defender. Pelo processo de interação, o leitor passa a
participar do texto como interlocutor do processo de comunicação. O
usuário da língua deve se conscientizar do valor argumentativo dessas
marcas para que as perceba no discurso do outro e as utilize com eficácia
no seu próprio discurso.

A expressão operadores argumentativos foi criada por O. Ducrot, que


foi também quem elaborou a teoria da Semântica Argumentativa (ou
Semântica da Enunciação). Seu objetivo era de se ter uma designação
para certos elementos da gramática de uma língua que têm por função
indicar (“mostrar”) a força argumentativa dos enunciados e a direção
(sentido) para a qual apontam.

Para explicar como funcionam esses operadores, Ducrot utiliza as noções


de escala argumentativa e classe argumentativa. Vamos entender do
que se trata. Uma classe argumentativa é constituída de um conjunto
de enunciados que podem igualmente servir de argumento para uma
mesma conclusão, ou seja, um grupo de enunciados que, na mesma
medida, poderiam defender uma determinada posição. Vamos combinar
que a essa posição daremos o nome de P. Vejamos alguns exemplos,
para esclarecer um pouco mais.

EXEMPLIFICANDO!

Maria é mesmo a melhor filha do casal. É educada e tem muita


responsabilidade com seus estudos. Além disso, ajuda a mãe nas tarefas
domésticas. Ressalte-se, ainda, que faz todo o serviço de banco para o pai.
126 UNIUBE

(1) Maria é a melhor filha do casal. (Posição P.)

arg. 1 – é educada
classe
arg. 2 – tem muita responsabilidade com seus estudos
argumentativa arg. 3 – ajuda a mãe nas tarefas domésticas etc.
(Todos os argumentos têm a mesma força para levar o
alocutário a concluir P.)

Mas, em vez de classe argumentativa, teremos uma escala argumentativa


se dois ou mais enunciados de uma classe se apresentam em gradação
de força crescente no sentido de uma mesma conclusão ou posição.
Veja a diferença.

(2) O show de Madona foi um sucesso. (Posição P.)

arg. 1 – compareceram personalidades do mundo artístico


arg. 2 – compareceram pessoas influentes nos meios políticos
arg. 3 – compareceu o Presidente da República (Argumento mais forte).

Nesse caso, os argumentos têm diferença de força argumentativa, pois


o Presidente da República é a pessoa mais importante e que menos
comparce a eventos desse tipo; em segundo lugar, vem as pessoas
influentes no meio político e, por último, as personalidades do mundo
artístico, que geralmente vão a shows. Geralmente se usa o seguinte
esquema, para representar graficamente a escala argumentativa:

P: O show de Madonna foi um sucesso:

(arg. + forte) a” – compareceu o Presidente da República

a’ – compareceram pessoas influentes nos meios políticos

a – compareceram personalidades do mundo artístico


UNIUBE 127

Por outro lado, teremos a inversão dos elementos da escala se a mesma


conclusão/posição for negada. Confira!

P: O show de Madonna não teve sucesso:

(arg. + forte) a” – não compareceram personalidades do mundo artístico

a’ – não compareceram pessoas influentes nos meios


políticos

a – não compareceu o Presidente da República

Depois da explicação sobre o conceito de operador argumentativo e de


argumento e da distinção entre escala e classe argumentativa, vamos,
neste momento, passar a tratar dos diferentes tipos de operadores
argumentativos. Mãos à obra!

a) Operadores cuja função é assinalar o argumento mais forte de uma


escala orientada no sentido de determinada conclusão: até, mesmo, até
mesmo, inclusive.

No exemplo anterior, diríamos normalmente: “O show de Madonna foi um


sucesso: compareceram personalidades do mundo artístico, pessoas
influentes nos meios políticos e até (mesmo, até mesmo, inclusive) o
Presidente da República”.

Se houver uma negação, inverteriam-se os argumentos da escala e o


mais forte viria introduzido por nem mesmo. Veja.

EXEMPLIFICANDO!

O show da Madonna não teve sucesso: o Presidente não compareceu, nem


pessoas influentes nos meios políticos e nem mesmo personalidades do
mundo artístico.
128 UNIUBE

b) Operadores que introduzem um argumento de modo que deixa


subentendida a existência de uma escala com outros argumentos mais
fortes: ao menos, pelo menos, no mínimo. Observe.

EXEMPLIFICANDO!

A professora novata era muito ambiciosa. Queria ser no mínimo diretora


de escola.

Esquematizando, teríamos:

P: A professora novata era muito ambiciosa:

a” – ?

a’ – ?

a – diretora da escola.

c) Há também peradores que somam argumentos a favor de uma


mesma posição (isto é, argumentos que fazem parte de uma mesma
classe argumentativa): e, também, ainda, nem (= e não), não só...
mas também, tanto... como, além de..., além disso..., a par de... etc.
Retomando o nosso exemplo, teríamos o esquema a seguir.

P: Maria é mesmo a melhor filha do casal.

É educada tem muita ajuda a mãe nas faz todo o


responsabilidade tarefas domésticas serviço de
com seus estudos banco para o pai.

arg.1 arg.2 arg.3 arg.4


UNIUBE 129

O texto poderia ser redigido de várias maneiras diferentes. Veja:

• Maria é mesmo a melhor filha do casal. É educada e tem muita


responsabilidade com seus estudos. Além disso, ajuda a mãe nas
tarefas domésticas. Ressalte‑se, ainda, que faz todo o serviço de
banco para o pai.
• Maria é mesmo a melhor filha do casal. Não só é educada, mas
também tem muita responsabilidade com seus estudos, ajuda a
mãe nas tarefas domésticas e faz todo o serviço de banco para o
pai.
• Maria é mesmo a melhor filha do casal. Tanto é educada como tem
muita responsabilidade com seus estudos, ajuda a mãe nas tarefas
domésticas e, além disso, faz todo o serviço de banco para o pai.
• Maria é mesmo a melhor filha do casal. Além de ser educada e ter
muita responsabilidade com seus estudos, ajuda a mãe nas tarefas
domésticas e também/ainda faz todo o serviço de banco para o pai.

Segundo Koch (2001), na língua portuguesa, há ainda um operador, que


soma um argumento a mais a um conjunto de argumentos já enunciados,
mas o faz de maneira diferente, pois ele é apresentado como se fosse
desnecesssário, como se se tratasse simplesmente de algo a mais,
mas, na verdade, um argumento decisivo é introduzido por meio dele,
dando‑se uma espécie de “golpe final”, resumindo ou coroando os demais
argumentos. Esse operador é o aliás.

Observe como poderia ficar o texto acima com o acréscimo de mais um


argumento por meio do aliás:

EXEMPLIFICANDO!

Maria é mesmo a melhor filha do casal. É educada e tem muita responsabi-


lidade com seus estudos, ajuda a mãe nas tarefas domésticas e faz todo o
serviço de banco para o pai. Aliás, é o braço direito da família.
130 UNIUBE

d) Operadores que introduzem uma conclusão relativa a argumentos


apresentados em enunciados anteriores: portanto, logo, por
conseguinte, pois, em decorrência, consequentemente, dentre
outros.

EXEMPLIFICANDO!

A Polícia Civil de Minas Gerais informou nesta sexta-feira que Marcos


Antunes Trigueiro, de 32 anos, preso nesta sexta-feira pelo estupro e
assassinato de mulheres em Contagem, na Grande Belo Horizonte,
confessou as cinco mortes atribuídas a ele.

Além da confissão, a perícia já possuía provas suficientes para condená-lo.


Portanto (logo, por conseguinte...) o serial killer ficará na prisão até o seu
julgamento.

e) Argumentos alternativos que levam a conclusões diferentes ou opostas


são introduzidos pelos operadores ou, ou então, quer... quer, seja...
seja etc.

EXEMPLIFICANDO!

Vá logo à concessionária Toyota mais próxima de você, para buscar a sua


Hilux 2010. Ou você vai ficar de fora dessa?

f) Os operadores mais que, menos que, tão... como etc. estabelecem


relações de comparação entre elementos, com vistas a uma determinada
posição:
UNIUBE 131

EXEMPLIFICANDO!

• Peça ao motorista que a ajude a trocar a mesa de lugar.


• O jardineiro é tão forte quanto o motorista.

Observe que, mesmo que se trate, gramaticalmente falando, de um


comparativo de igualdade, do ponto de vista argumentativo o enunciado
é favorável ao jardineiro e desfavorável ao motorista, ou seja, prevalece
a opção pelo jardineiro.

g) Temos, ainda, na língua portuguesa, operadores que introduzem uma


justificativa ou explicação em relação ao enunciado anterior: porque,
que, já que, pois etc.

EXEMPLIFICANDO!

Não encostem nas paredes que a tinta ainda está molhada!

A tinta ainda estar molhada justifica o pedido de que não se encoste nas
paredes.

h) Os elementos mas (porém, contudo, todavia, no entanto etc.)


embora (ainda que, posto que, apesar de (que) etc.) constituem
operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões
contrárias.

Segundo Ducrot (1987), o MAS constitui o “operador argumentativo por


excelência” e o esquema de seu funcionamento e de seus similares
(porém, todavia, contudo, entretanto, dentre outros) é assim: o locutor
introduz em seu discurso um argumento possível para uma posição 1;
132 UNIUBE

logo em seguida, opõe-lhe um argumento decisivo para a conclusão


contrária não 1. Ducrot exemplifica esse esquema de argumentação
utilizando-se da metáfora da balança, em que o locutor coloca no prato X
um argumento (ou conjunto de argumentos) ao qual não adere, ou seja,
que pode ser atribuído ao interlocutor, a terceiros, a um determinado
grupo social ou ao saber comum de determinada cultura; em seguida,
coloca no prato Y um argumento (ou conjunto de argumentos) contrário,
com o qual concorda, fazendo a balança pender-se para esse lado.
Observe o esquema de Ducrot.

Fonte: Adaptado de Ducrot (1987).

EXEMPLIFICANDO!

A performance do casal alemão na patinação artística não foi ruim, mas os


chineses Xue Shen e Hongbo Zhao foram quase perfeitos e mereceram
ganhar a medalha de ouro.
UNIUBE 133

P – O casal alemão ~ P – O casal alemão

merecia ganhar não merecia ganhar

MAS

a: a performance do b: os chinese foram


casal alemão não foi quase perfeitos
ruim

Veja, agora, esse mesmo enunciado com o operador embora, em vez


de mas.

EXEMPLIFICANDO!

Embora a performance do casal alemão na patinação artística não tenha


sido ruim, os chineses Xue Shen e Hongbo Zhao foram quase perfeitos e
mereceram ganhar a medalha de ouro.

EMBORA

P – O casal alemão ~ P – O casal alemão

merecia ganhar não merecia ganhar

a: a performance do b: os chinese foram


casal alemão não foi quase perfeitos
ruim
134 UNIUBE

Tratando-se do significado, os operadores do grupo do MAS e os


do grupo do EMBORA têm funcionamento parecido, pois opõem
argumentos enunciados de perspectivas diferentes e que, portanto,
orientam para posições contrárias. Mas são diferentes no que se refere
à estratégia argumentativa que o locutor usa, uma vez que, no caso do
MAS, ele emprega, de acordo com Guimarães (2002), a “estratégia do
suspense”, ou seja, primeiro faz vir à mente do interlocutor a posição
R, para depois introduzir o argumento (ou conjunto de argumentos) que
irá levar à posição não P; ao contrário, quando emprega o EMBORA, o
locutor utiliza a “estratégia de antecipação”, isto é, anuncia, previamente,
que o argumento introduzido pelo EMBORA não vai prevalecer.

Mas a lista de operadores de que a língua portuguesa dispõe não para


por aqui. Vejamos os demais.

i) Operadores cuja função é introduzir no enunciado conteúdos


pressupostos: já, ainda, agora etc.

EXEMPLIFICANDO!

1. A filha do meu chefe estuda no melhor colégio da cidade.


2. A filha do meu chefe ainda estuda no melhor colégio da cidade.
3. A filha do meu chefe já não estuda no melhor colégio da cidade.
4. A filha do meu chefe agora estuda no melhor colégio da cidade.

No exemplo 1, temos apenas o conteúdo posto : “A filha do meu chefe


estuda no melhor colégio da cidade”. No exemplo 2, temos o conteúdo
posto, “A filha do meu chefe estuda no melhor colégio da cidade”, mas
também um conteúdo pressuposto: “A filha do meu chefe já estudava no
melhor colégio da cidade antes”. No 3, além do conteúdo posto “A filha
do meu chefe não estuda no melhor colégio da cidade”, temos também
o pressuposto: “A filha do meu chefe estudava no melhor colégio da
UNIUBE 135

cidade”. Por fim, no exemplo 4, temos o conteúdo pressuposto: “A filha


do meu chefe estuda no melhor colégio da cidade”, além do posto: “A
filha do meu chefe não estudava no melhor colégio da cidade”. Essa
diferença se deve, assim, ao emprego dos operadores ainda, já e agora
nos exemplos 2, 3 e 4, respectivamente. Interessante, não? Você já havia
prestado atenção nisso? Pois é! Mas vamos adiante!

j) Interessante também são os operadores que se distribuem em


escalas opostas, ou seja, um deles funciona numa escala orientada
para a afirmação total e o outro, numa escala orientada para a negação
total. Pode ser que, em alguns casos, esses operadores sejam
morfologicamente relacionados, como um pouco e pouco. Observe:

EXEMPLIFICANDO!

Será que a festa vai ser boa?

1. Os organizadores se empenharam um pouco.


2. Os organizadores se empenharam pouco.

Se fôssemos representar isso graficamente em escalas, teríamos:

SE EMPENHARAM NÃO SE EMPENHARAM

se empenharam muitíssimo se empenharam pouquíssimo


se empenharam bastante se empenharam muito pouco
se empenharam um pouco se empenharam pouco
136 UNIUBE

Nesse caso, podemos verificar que a utilização de certos operadores


obedece a regras combinatórias, ou seja, eles não figuram nos mesmos
contextos argumentativos. Isso também ocorre com quase e apenas
(só, somente). Veja.

EXEMPLIFICANDO!

Posição P: A escola não deveria ser tão rígida com os alunos.

Arg. 1: A maioria já respeita as regras: QUASE 90%.


Arg. 2: São poucos, mesmo atualmente, os que respeitam as regras:
APENAS 10%.

Nesse caso, podemos observar que o operador QUASE volta-se para


a afirmação da totalidade, e, portanto, se combina com a maioria; ao
passo que o operador APENAS aponta para a negação da totalidade, o
que possibilita o seu encadeamento com poucos.

Além desses que aqui expusemos, ainda há outros tipos de operadores


argumentativos que fazem parte da gramática da língua. Entretanto,
esses elementos não têm recebido o tratamento que deveriam por
parte do livro e de outros materiais didáticos nas aulas de língua
portuguesa, sob o pretexto de pertencerem às classes gramaticais
invariáveis (advérbios, preposições, conjunções, locuções adverbiais,
prepositivas, conjuntivas) e, por isso, não mereçem destaque. Mas essas
“palavrinhas” (tradicionalmente descritas como “meros elementos de
relação, destituídas de qualquer conteúdo semântico”) são as únicas
responsáveis, em grande parte, pela força argumentativa de nossos
textos.

Passemos, agora, a tratar dos marcadores de pressuposição.


UNIUBE 137

Mas você já ouviu falar nisso? Marcadores de pressuposição?


Claro que sim, pois há um grupo de operadores cuja função
básica é a de marcar conteúdos pressupostos, não é mesmo?
Então vai ser fácil! Vamos proceder ao estudo dos outros
marcadores de pressuposição.

4.2 Marcadores de pressuposição

Os marcadores de pressuposição são os elementos linguísticos que,


quando presentes no enunciado, introduzem nele outros conteúdos
semânticos, os quais só existem com a presença deles. A esses
conteúdos adicionais, que ficam à margem da discussão, dá-se o nome
de pressupostos. Aos elementos linguísticos que os introduzem,
chamamos, então, marcadores de pressuposição. Vamos ver quais
são esses elementos.

a) O primeiro grupo de elementos que funcionam como marcadores de


pressuposição são os verbos que indicam mudança ou permanência
de estado, como ficar, começar a, passar a, deixar de, continuar,
permanecer, tornar‑se, dentre outros. Veja.

EXEMPLIFICANDO!

1. Depois de muito tempo, meu irmão deixou de participar de “rachas”.


2. Ainda hoje meu irmão continua participando de “rachas”.

No primeiro caso, temos o conteúdo pressuposto “meu irmão participava


de ‘rachas’ ” e o conteúdo posto “meu irmão não participa de ‘rachas’ ”.
Assim, o marcador de pressuposição é o elemento “deixou”. No segundo
exemplo, temos o conteúdo pressuposto “meu irmão participava de
‘rachas’ ” e o conteúdo posto “meu irmão participa de ‘rachas’ ”. Assim, o
marcador de pressuposição é o elemento “continua”,
138 UNIUBE

b) O segundo grupo é o dos verbos denominados factivos, que são


aqueles complementados pela enunciação de um fato (fato que, no caso,
é pressuposto). Geralmente, são verbos de estado psicológico, tais como
lamentar, lastimar, sentir, saber etc. Observe.

EXEMPLIFICANDO!

1. Sinto que você tenha perdido o seu pai.


2. Lamentamos não trabalhar com cartão de crédito.

No primeiro caso, temos o conteúdo pressuposto “você perdeu seu pai”


e o conteúdo posto “eu sinto isso”. Assim, o marcador de pressuposição
é o elemento “sinto”. No segundo exemplo, temos o conteúdo
pressuposto “não trabalhamos com cartão de crédito” e o conteúdo posto
“Lamentamos isso”. Assim, o marcador de pressuposição é o elemento
“lamentamos”. Entretanto, no exemplo 2, temos uma amostra de um
fenômeno interessante: trata-se de uma manobra argumentativa muito
comum na nossa cultura, que consiste em apresentar como se fosse
pressuposto justamente aquilo que se está querendo veicular como
informação nova. É muito comum nos depararmos, em estabelecimentos
comerciais, bares, dentre outros, com avisos desse tipo. Nesse sentido,
podemos, ainda, citar o que também acontece quando fazemos
algum tipo de solicitação a uma instituição e recebemos a resposta:
“Lamentamos não poder atender à sua solicitação”. Dessa forma, o
fato de não trabalhar com cartão de crédito ou não poder atender a
uma solicitação, que se dá linguisticamente como pressuposto, está,
justamente, sendo anunciado, isto é, constitui a informação principal.
Constitui, geralmente, uma forma de “atenuação”, ou seja, um recurso
para veicular de maneira cortês uma informação que não atende aos
interesses do interlocutor.
UNIUBE 139

c) Certos conectores circunstanciais, especialmente quando a oração


por eles introduzida vem anteposta: desde que, antes que, depois que,
visto que etc., constituem também marcadores de pressuposição. Preste
atenção ao exemplo.

EXEMPLIFICANDO!

1. Desde que começou a namorar, Mirela nem liga mais para as amigas.
2. Visto que você já entendeu esse conteúdo, vamos passar para o próximo.

Aqui, temos, no primeiro exemplo, o conteúdo pressuposto “Mirela


começou a namorar” e, no segundo, “Você entendeu o conteúdo”,
inseridos no enunciado por desde que e visto que, respectivamente.

Além dos casos da pressuposição assinalada linguisticamente pelos


marcadores aqui apontados, há ainda aqueles que não se apresentam
com algum tipo de marca linguística, sendo comumente classificados
como subentendidos ou, simplesmente, como inferências. Confira!

EXEMPLIFICANDO!

A diretora da Fundação Cultural da cidade comprou um belíssimo colar de


esmeraldas e brilhantes.

Nesse caso, o que está subentendido?

Que a diretora da Fundação Cultural da cidade é rica. Para inferir


essa informação, é preciso que o interlocutor tenha um determinado
conhecimento de mundo (um colar de esmeraldas e brilhantes é uma
peça caríssima), para fazer essa inferência. Trata-se, então, de uma
pressuposição não marcada linguisticamente, o que normalmente
chamamos de subentendido.
140 UNIUBE

Além disso, podemos perceber outras informações implícitas:

a. A diretora da Fundação Cultural da cidade tem um colar de esmeraldas


e brilhantes.
b. A diretora da Fundação Cultural da cidade possuía dinheiro suficiente
para pagar por um colar de esmeraldas e brilhantes.

Nesses casos, temos a pressuposição linguisticamente marcada, pois o


verbo comprar implica não ter e passar a ter. Portanto, passar a ter um
colar de esmeraldas e brilhantes e ter tido o dinheiro sufiente para
o seu pagamento são conteúdos pressupostos pelo verbo comprar.

Então, num único exemplo, temos informações pressupostas e


subentendidas (inferidas).

Você pensa que já terminamos com os mecanismos de interação pela


linguagem? A resposta é não. Agora, vamos estudar os indicadores
modais ou modalizadores, importantes recursos da comunicação.

4.3 Indicadores modais ou modalizadores

Outra categoria de elementos linguísticos por meio dos quais se realiza


a interação são os modalizadores, os quais determinam o modo como
aquilo que se diz é dito. Também de acordo com Koch, os indicadores
modais ou índices de modalidade apresentam, na construção do
sentido do enunciado, a intenção do dito pelo modo que se diz. A
modalização constitui a marca dada pelo sujeito a seu enunciado, ou
seja, os modalizadores são meios pelos quais um falante manifesta o
modo com que ele considera o seu próprio enunciado. Por exemplo, ao
se empregar advérbios como talvez ou provavelmente, o falante não
assume totalmente o que diz, eximindo-se de qualquer responsabilidade.
Muitos são os elementos da língua que funcionam como modalizadores.
UNIUBE 141

Os mais comuns são as expressões cristalizadas, do tipo:

• “é + adjetivo”;
• advérbios ou locuções adverbiais, como talvez, provavelmente,
certamente etc.;
• verbos auxiliares modais, tais como poder, dever etc.;
• construções de auxiliar + infinitivo. Por exemplo, deverão apresentar,
terão de esperar etc.;
• orações modalizadoras (tenho a certeza de que..., não há dúvida
de que... etc.).

EXEMPLIFICANDO!

1. É possível que amanhã faça sol. (“É + adjetivo”.)

2. Certamente o seu filho será aprovado no vestibular desta vez! (Advérbios


ou locuções adverbiais.)

3. Os preços devem permanecer estáveis. (Verbos auxiliares modais.)

4. No primeiro dia de aula, os alunos terão de apresentar a carteirinha de


estudante, ao chegarem à escola. (Construções de auxiliar + infinitivo.)

5. Tenho a certeza de que esse casamento dará certo. (Orações modaliza-


doras.)

Nesses exemplos, podemos observar que os elementos destacados


conferem aos enunciados em que foram empregados a marca de como
o falante os vê: no primeiro caso, como uma possibilidade; no segundo
e terceiro, como algo quase certo; no quarto, como uma obrigação, e
no quinto, com otimismo, como algo que considera praticamente certo
também.
142 UNIUBE

Dessa forma, é importante observarmos que é preciso que se busque as


intenções, em alguns casos escondidas, contidas no interior do discurso,
principalmente porque é preciso que o interlocutor consiga identificar os
objetivos pretendidos pelo locutor, para que um ato de fala seja capaz de
realizar a intenção de comunicação desse locutor. Se isso não ocorrer, o
ato de fala ficará sem efeito.

Mas é importante dizer que só a Teoria da Argumentação nem sempre é


suficiente para explicar o(s) efeito(s) de sentido decorrente(s) do emprego
de certos elementos linguísticos nos textos e, por isso, buscamos
ajuda também na Teoria da Modalização. Castilho e Castilho (1992)
propõem uma classificação para as modalidades epistêmicas, deônticas
e os julgamentos de valor, os quais são agrupados em três tipos de
modalização:

a) Modalização epistêmica: “expressa uma avaliação sobre o valor de


verdade e as condições de verdade da proposição”, e compreende três
subclasses:

• Os asseverativos – “indicam que o falante considera verdadeiro o


conteúdo de X”. Há dois tipos de modalizadores asseverativos:
• Asseverativos afirmativos: realmente, evidentemente, natural-
mente, efetivamente, claro, certo, lógico, sem dúvida, mesmo,
entre outros.

EXEMPLIFICANDO!

Realmente, a professora não disse isso! Você entendeu mal.

• Asseverativos negativos: de jeito nenhum, de forma alguma.


UNIUBE 143

EXEMPLIFICANDO!

Não concordo com essa atitude de jeito nenhum.

• Os quase asseverativos – servem para indicar que o falante


considera o conteúdo do seu enunciado como quase certo. São
os elementos talvez, assim, possivelmente, provavelmente,
eventualmente, dentre outros.

EXEMPLIFICANDO!

Possivelmente as notas finais do semestre já estarão disponíveis na


internet.

• Os delimitadores – “estabelecem o limite dos quais se deve encarar


o conteúdo de X”, dentre os quais podemos mencionar: quase, um
tipo de, uma espécie de, geograficamente, biologicamente etc.

EXEMPLIFICANDO!

Economicamente, o Brasil ainda é um país de terceiro mundo.

b) Modalização deôntica: essa modalização indica que o falante


considera o conteúdo proposicional como algo que deve ocorrer de forma
obrigatória e se expressa por meio de elementos como obrigatoriamente
e necessariamente.
144 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

Passa-se necessariamente por Pará de Minas quando se vai de Uberaba


a Belo Horizonte.

c) Modalização afetiva: exclui as considerações de caráter deôntico


ou epistêmico, verbalizando as reações emotivas do falante diante do
conteúdo das proposições. Há dois tipos de modalizadores afetivos:

• subjetivos: “expressam uma predicação dupla, a do falante em face


de X e a da própria proposição”, como em felizmente, infelizmente,
curiosamente, espantosamente, surpreendentemente.

EXEMPLIFICANDO!

Felizmente, já havíamos voltado para casa quando a ponte caiu, deixando


isolados todos que estavam na cidade onde passamos as férias.

• intersubjetivos: “expressam uma predicação simples que o falante


assume em face de seu interlocutor, a propósito do conteúdo da
proposição, como em sinceramente, estranhamente, francamente,
lamentavelmente.

EXEMPLIFICANDO!

Lamentavelmente, não houve sobreviventes no acidente com o avião da


TAM em Congonhas.

Verifica-se que em todos esses exemplos, ao conteúdo proposicional


foi acrescentada a indicação da modalidade sob a qual ele deve ser
interpretado. Além disso, podemos perceber também que uma mesma
modalidade pode ser expressa por intermédio de recursos de diferentes
UNIUBE 145

tipos e que um mesmo indicador modal pode exprimir modalidades


diferentes, como é o caso dos verbos dever e poder. Observe os
exemplos a seguir.

EXEMPLIFICANDO!

1. Os alunos devem apresentar a carteirinha de estudante, ao entrarem na


escola. (Obrigatoriedade.)

2. Meu filho deve retornar do Rio de Janeiro amanhã cedo. (Possibilidade.)

3. Os alunos do Ensino Fundamental podem vir de bermuda para a escola,


na é poca do calor. (É facultativo.)

4. O resultado do concurso pode sair nas próximas horas. (É possível.)

Você deve ter percebido que a modalização constitui uma estratégia


de o falante gerenciar aquilo que diz, em vários aspectos. Assim, a
modalização pode evitar uma série de problemas na comunicação. Mas
vamos continuar o nosso estudo. O nosso próximo passo será conhecer
os indicadores atitudinais.

4.4 Indicadores atitudinais

Além dos modalizadores, existe também um outro conjunto de


elementos na língua portuguesa, que interferem na interação humana:
são os indicadores de atitude ou estado psicológico com que o locutor
se representa diante dos enunciados que produz. São exemplos
de indicadores atitudinais felizmente/infelizmente, é com prazer,
pesarosamente, francamente, dentre outros. Observe.
146 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

1. Infelizmente, não poderei comparecer à reunião de amanhã.

2. É com prazer que recebemos você nesta empresa.

3. Francamente, esse seu vestido está muito curto!

Esses elementos indicam a atitude do falante diante do que ele diz.


No primeiro caso, vemos que o falante sente não poder ir à reunião;
no segundo, expressa o seu contentamento em receber a pessoa na
empresa; e, no último, manifesta a sua opinião sobre a inadequação de
um vestido exageradamente curto.

Essa atitude subjetiva do locutor diante de seu enunciado pode traduzir-se


também numa avaliação ou valoração dos fatos, estados ou qualidades
atribuídas a um determinado referente, por meio de expressões adjetivas
e formas intensificadoras. Observe os exemplos.

EXEMPLIFICANDO!

1. O candidato foi extremamente feliz na escolha do tema de prova oral.

2. No seu último mandato, o diretor da escola em que leciono realizou um


excelente trabalho em relação à evasão.

4.5 Correlação entre os tempos verbais

A correlação verbal constitui uma espécie de coerência que deve haver


entre as formas verbais utilizadas em uma frase ou sequência de frases.
Ou seja, é preciso que haja articulação temporal entre os verbos, que
eles se correspondam, de maneira que expressem as ideias sem prejuízo
UNIUBE 147

de sentido. Tempos e modos verbais devem, portanto, combinar entre si.


Veja os exemplos.

EXEMPLIFICANDO!

1. Se eu tivesse saído mais cedo de casa, não perderia o voo.

2. Se você fizer o que estou pedindo, ficarei bem mais tranquila.

No primeiro exemplo, o verbo ter está no pretérito imperfeito do subjuntivo.


Se o subjuntivo expressa dúvida, incerteza, possibilidade, eventualidade,
o verbo da outra frase deve necessariamente ser empregado no futuro
do pretérito (perderia), uma vez que esse tempo expressa também uma
afirmação condicionada, isto é, que depende de algo, ao se referir a
fatos que não se realizaram e que, provavelmente, não se realizarão.
No segundo caso, o emprego do futuro do subjuntivo assinala uma
possibilidade a ser concluída em relação a um fato no futuro, uma ação
vindoura, mas condicional a outra ação também futura, a qual, então, deve
ser empregada no futuro do presente (Ficarei bem mais tranquila – isso é
certo – se você fizer o que pedi). Veja como ficariam essas duas frases,
sem a correlação adequada, o que implicaria prejuízo da coerência:

1. Se eu tivesse saído mais cedo de casa, não perderei o voo.


2. Se você faz o que estou pedindo, ficarei bem mais tranquila.

Correlações entre os tempos verbais da língua portuguesa:

a. presente do indicativo + presente do subjuntivo: Solicito que


você compareça à sala do diretor imediatamente.
b. pretérito perfeito do indicativo + pretérito imperfeito do
subjuntivo: Solicitei que você comparecesse à sala do diretor
imediatamente.
148 UNIUBE

c. presente do indicativo + pretérito perfeito composto do


subjuntivo: Espero que você tenha comparecido à sala do diretor.
d. pretérito imperfeito do indicativo + mais‑que‑perfeito composto
do subjuntivo: Gostaria que você tivesse comparecido à sala do
diretor.
e. futuro do subjuntivo + futuro do presente do indicativo: Se
você comparecer à sala do diretor, ficarei bem mais tranquila.
f. pretérito imperfeito do subjuntivo + futuro do pretérito do
indicativo: Se você comparecesse à sala do diretor, eu ficaria
bem mais tranquila.
g. pretérito mais‑que‑perfeito composto do subjuntivo + futuro do
pretérito composto do indicativo: Se você tivesse comparecido
à sala do diretor, eu teria ficado bem mais tranquila.
h. futuro do subjuntivo + futuro do presente do indicativo: Quando
você comparecer à sala do diretor, eu ficarei tranquila.
i. futuro do subjuntivo + futuro do presente composto do
indicativo: Quando você comparecer à sala do diretor, eu já terei
ficado mais tranquila.

Dessa forma, vemos que os verbos constituem importantes recursos para


ação entre locutores nos atos de linguagem. De acordo com a teoria de
Weinrich (apud KOCH, 2001, p. 54), os tempos verbais determinam, por
meio do modo e da conjugação, características da atitude comunicativa
do locutor como relato ou comentário. O uso dos tempos do mundo
comentado torna um texto explicitamente opinativo, crítico, argumentativo.

A atitude comunicativa, pelos tempos dos verbos, estabelece possibili-


dades para construção do sentido do texto. No relato, a força argumen-
tativa é diluída pelo discurso indireto e ausência do tempo presente,
exceto na metáfora temporal, em que um tempo de um mundo é usado
em outro mundo. Quando se emprega um tempo do mundo narrado
em um mundo comentado, indica-se um compromisso menor, distan-
UNIUBE 149

ciamento ou irrealidade, cortesia etc.; já no caso de um tempo do mundo


comentado em um mundo narrado, denota maior atenção ou comprome-
timento com aquilo que se diz. Observe.

EXPLICANDO MELHOR

Mundo narrado
Quando o falante narra o mundo, ele se utiliza dos elementos da linguagem
que fazem que a mensagem seja compreendida como um relato, quais
sejam os tempos verbais do modo indicativo: o pretérito perfeito simples,
o pretérito imperfeito, o pretérito mais-que-perfeito, o futuro do pretérito
e as locuções verbais que têm a mesma função desses tempos. Esses
elementos instauram um locutor narrador e levam o seu interlocutor a tornar-
se um simples ouvinte, que acaba por adotar uma atitude passiva, de puro
relaxamento.

Mundo comentado
Todas as vezes que a manifestação linguística não constituir um relato,
empregam-se os elementos do mundo comentado, os quais, quando
empregados, apontam que o locutor está em tensão, uma vez que trata
de assuntos que o afetam diretamente, além de advertirem o ouvinte de
que ele tem de reagir, dar uma resposta, seja ela verbal ou não verbal.
São elementos próprios do desse mundo o presente, o pretérito perfeito
composto, o futuro do presente simples e composto, além das locuções que
também exercem a mesma função desses tempos.

EXEMPLIFICANDO!

O reitor da Universidade estaria disposto a fazer concessões, para evitar


maiores conflitos.
150 UNIUBE

No comentário, o autor assume o eu do texto, estabelecendo uma


interlocução com o tu e apresentando um discurso direto. Além disso,
segundo Koch, no mundo comentado, o locutor compromete-se com
aquilo que enuncia, o que estabelece uma tensão entre os locutores.
Já no mundo narrado, a atitude do locutor é menos tensa e, então, ele
se distancia de seu discurso e não se compromete em relação ao que é
dito, ou seja, simplesmente relata fatos, sem interferir diretamente. Para
Weinrich (1968), o presente, o futuro do presente, o pretérito perfeito
composto e todas as locuções verbais formadas por esses tempos
pertencem ao mundo comentado, enquanto os pretéritos imperfeito,
mais-que-perfeito e perfeito, o futuro do pretérito e todas as locuções
verbais que eles formam fazem parte do mundo narrado.

Para esclarecermos ainda mais o funcionamento dos tempos verbais,


vamos recorrer à Teoria dos Atos de Fala, postulada por J. L. Austin
(1962) e Searle (1969), filósofos da Escola Analítica de Oxford. Essa teoria
reflete “os diversos tipos de ações humanas que se realizam através da
linguagem” (KOCH, 2001), na qual Austin distingue três tipos de atos de
fala: locucionários, ilocucionários e perlocucionários. Segundo Koch (op. cit.),

• os atos locucionários consistem na emissão de um conjunto de


sons, organizados de acordo com as regras da língua e o ato de
pronunciá-los;
• o ato ilocucionário atribui a esse conjunto – conteúdo ou proposição
– uma determinada força (de pergunta, de asserção, de ordem, de
promessa, dentre outros); a ação ilocucional é feita ao se dizer o que
se diz. Dessa forma, dizer “declaro aberta a sessão” é abrir a sessão.
Em outras palavras é o valor de que se reveste um enunciado.
• os atos perlocucionários serão aqueles destinados a exercerem
efeitos sobre o interlocutor, como, por exemplo, o de persuadir,
assustar, incitar, agradar etc., efeitos que podem realizar-se ou não,
haja vista que somente a entonação, expressões fisionômicas e
as condições gerais em que o enunciado é produzido permitirão
detectar a verdadeira força do ato produzido.
UNIUBE 151

EXPLICANDO MELHOR

Proposição

Uma proposição (ou asserção) é a afirmação de que algo é verdadeiro ou


falso. Usamos frases para exprimir proposições. Mas nem toda a frase é
proposição: ordens, perguntas, conselhos só em casos especiais contêm
proposições. Apenas a linguagem em sua função informativa pode ser
proposicional.

Para Austin, o ato locutório é o conjunto do ato de produzir sons, produzir


vocábulos com certas construções usando uma entonação, e dar uma
dada referência. Essa ação apresentaria, então, uma significação. Já
no ato perlocutório, a fala é instrumento, implica a produção de algum
efeito, que é consequência da significação do enunciado, mas que nem
sempre será o mesmo, pois o perlocucional não é convencional. E o
ato ilocucional, para o autor, consiste em fazer alguma coisa quando
se diz alguma coisa. Não consiste no ato de dizer algo, pois isso seria
o locucional, mas do ato que se realiza ao se dizer algo. O ilocucional
é convencional e sua atividade seria o conjunto de atos cumpridos
convencionalmente pelo exercício da fala, incluindo aí a afirmação.
Assim, o ato locucionário é a produção do sentido que se opõe à força
do ato ilocucionário; esses dois se distinguem do ato perlocucionário, que
é a produção de um efeito sobre o interlocutor. Para finalizar, resta-nos
dizer do ato locutório, o qual constitui o pronunciamento, o ilocutório é o
que revela a intenção de quem diz, a força de emissão, e o perlocutório
é o efeito da produção do referido ato.
152 UNIUBE

4.6 Índices de polifonia

No processo de interação pela linguagem, Koch (2001) distingue, ainda,


outra categoria. Trata-se dos índices de polifonia, os quais são as
vozes que se encontram no texto além da do autor. Podem expressar
concordância ou discordância e serem explícitas ou implícitas. Também
a ironia pode introduzir pontos de vista discordantes do enunciado
verbal. Existem várias formas linguísticas que funcionam como índices
de polifonia num texto. Vejamos algumas delas, a seguir.

1. Alguns operadores argumentativos, como “ao contrário” ou “pelo


contrário”.

EXEMPLIFICANDO!

Meu marido não é sem educação. Pelo contrário, trata a todos com
deferência e cortesia.

Nesse caso, o emprego do operador “pelo contrário” instaura no texto


uma outra voz que teria dito que meu marido não teria educação.

2. Alguns marcadores de pressuposição, como “continua”, que indica que


o interlocutor partilha dessa informação.

EXEMPLIFICANDO!

Marília continua trabalhando nesta empresa.


UNIUBE 153

“Continua” marca um conteúdo pressuposto “Marília já trabalhava aqui”,


além do conteúdo posto “Marília trabalha aqui neste momento”. O
emprego de “continua” aponta que esse fato constitui um conhecimento
partilhado com mais alguém.

3. O emprego do futuro do pretérito como metáfora temporal, em que o


locutor atribui o que diz a outro (O diretor estaria obrigando os alunos a
ficarem de castigo de joelhos em cima de grãos de milho), conforme já
estudamos.

4. O uso de aspas e o uso do discurso indireto livre, que assinalam a


presença do outro no texto. Nesse caso, é possível manter distância do
que se diz, atribuindo-o a outra pessoa.

Além desses, também a intertextualidade, a ironia e o discurso indireto


livre marcam a presença de outra voz no texto, caracterizando o
fenômeno da polifonia.

Resumo

Neste texto, você estudou com maior profundidade e em mais detalhes


os mecanismos e elementos de construção da interação pela linguagem.
Dentre eles, temos os operadores argumentativos, que são elementos
da língua, explícitos na própria estrutura gramatical da frase cuja
finalidade é a de indicar a argumentatividade dos enunciados. Introduzem
variados tipos de argumentos. As palavras que têm função de operadores
argumentativos são os conectivos, os advérbios, dentre outros.

Além desses, estudamos também os marcadores de pressuposição em


que se insere um conteúdo implícito no enunciado; os indicadores modais
ou modalizadores traduzem o ponto de vista do enunciador sobre o que
ele diz; os indicadores atitudinais expõem, de certo modo, a emoção
154 UNIUBE

do locutor no ato da fala; vimos, ainda, a correlação entre os tempos


verbais na argumentação, abordando inclusive a metáfora temporal e,
por fim, estudamos os índices de polifonia, os quais constituem as vozes
que se encontram no texto além da do autor. Como se pode perceber,
esse conteúdo é importantíssimo e deve constar no plano de ensino do
professor de língua portuguesa, para que seus alunos possam ter acesso
a esses elementos tão importantes para a construção de argumentação.

AGORA É A SUA VEZ

Depois de ler cuidadosamente todo o capítulo, proceda à realização das


atividades a seguir.

Atividades

Atividade 1

Observe o trecho, a seguir, de Vidas secas, de Graciliano Ramos, e


responda o que se pede.
O soldado magrinho, enfezadinho, tremia. E Fabiano
tinha vontade de levantar o facão de novo. Tinha
vontade, mas os músculos afrouxavam. Realmente
não quisera matar um cristão: procedera como quando,
a montar bravo, evitava galhos e espinhos. Ignorava
os movimentos que fazia na sela. Alguma coisa o
empurrava para a direita ou para a esquerda. Era essa
coisa que ia partindo a cabeça do amarelo. Se ele tivesse
demorado um minuto, Fabiano seria um cabra valente.
Não demorara. A certeza do perigo surgira – e ele estava
indeciso, de olho arregalado, respirando com dificuldade,
um espanto verdadeiro no rosto barbudo coberto de suor,
o cabo do facão mal seguro entre os dois dedos úmidos.
Tinha medo e repetia que estava em perigo, mas isso
lhe pareceu tão absurdo que se pôs a rir. Medo daquilo?
Nunca vira uma pessoa tremer assim. Cachorro. Ele não
era dunga na cidade? Não pisava os pés dos matutos,
na feira? Não botava gente na cadeia? Sem vergonha,
mofino. (RAMOS, 1971, p. 144‑145)
UNIUBE 155

a) Aponte as diferentes vozes presentes no texto (polifonia).


b) Qual o recurso utilizado para tal?
c) Por que o autor se utilizou desse procedimento?

Atividade 2

Leia atentamente o fragmento, a seguir:


A cidade de São Paulo, embora encontre‑se nos
patamares mais elevados de desenvolvimento
econômico do país, assistiu, na última década,
juntamente com o Estado, à deterioração de alguns
indicadores de qualidade vida. O recente relatório
sobre o índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM), realizado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud), parece sugerir que o
antigo modelo de metrópole industrial, que marcou a
ascensão da “locomotiva” paulista, tem sido atingido
pela mudança nos parâmetros econômicos ocorrida não
apenas internamente mas também em escala global.
(Folha de S.Paulo, 5 out. 2003)

Observe o conectivo “embora”, no trecho “A cidade de São Paulo, embora


encontre‑se nos patamares mais elevados de desenvolvimento
econômico do país, assistiu, na última década, juntamente com o Estado,
à deterioração de alguns indicadores de qualidade vida”.

a) Nesse trecho, há duas afirmações usadas na construção da


argumentação do autor, cada uma constituindo, então, um argumento.
Quais são elas?
b) Qual o argumento que prevalece?
c) Reescreva o trecho, trocando o conectivo “embora” por “entretanto”,
sem alterar a direção argumentativa do texto. Faça as alterações
necessárias.
156 UNIUBE

Atividade 3

Leia o texto a seguir e responda às questões.

A “importância do título”
Newton Luís Mamede

Stanislaw Ponte Preta, grande humorista brasileiro das décadas de 50 e


60 do século passado, escreveu uma crônica sob o mesmo título acima
e chamava a atenção para o fato de haver tanta gente “pendurada” em
agiotas que, ao ler esse título, sentia um sobressalto e pensava que o
termo importância se referisse a “valor monetário”, e título fosse qualquer
documento que comprovasse a “prisão” do devedor ao agiota, ou seja,
“nota promissória” ou qualquer outra “ameaça” ao devedor. A expressão
usada pelo autor se referia à importância do título de uma obra literária.
Aqui, também, faço a mesma ressalva e explico que importância do título
não significa valor registrado em nota promissória, ou valor do cheque.

O título aqui considerado é o de pós‑graduação, principalmente stricto


sensu, que qualifica professores universitários. E importância é o valor
que um título desse assume para a qualificação de uma universidade,
tanto o valor legal, perante o Ministério da Educação, quanto o de status,
perante a sociedade.

Sabe‑se que não é necessário que todos os professores de uma


universidade sejam mestres ou doutores. Mas também é necessário
que haja um percentual mínimo de docentes com esses títulos, condição
sem a qual uma universidade fica irregular e ameaçada. Foi isso que
levou a Universidade de Uberaba a promover uma reforma em seu
quadro docente, nos últimos cinco anos, com a elevação do contingente
de mestres e doutores, e com a promoção e o incentivo de cursos de
pós‑graduação para os docentes que deles necessitam. E, assim, nossa
Instituição atende às exigências legais.
UNIUBE 157

Um aspecto, porém, que precisa ser muito bem considerado e


questionado, e que pode parecer uma contradição a essas exigências
legais, é este: não é a titulação pós‑graduada que garante a competência
de um professor. Competência em todos os sentidos: de conteúdo, de
espírito científico, de didática e de interação com o aluno.

Se o governo exige um percentual de professores com os títulos de


mestre e de doutor, para uma universidade, é porque esses títulos
devem significar elevada qualificação para o ensino, para o exercício do
magistério. Mais ainda: esses títulos devem ser coerentes com elevado
saber e elevada competência dos professores, em todos os sentidos
mencionados anteriormente. Isto é, professores de qualificação elevada
(mestres e doutores) devem ter alta competência para ensinar, para
ministrar aulas aos alunos dos cursos de graduação. Se são dotados de
elevado saber, o ensino que eles praticam deve, também, ser de elevada
qualidade. E os alunos, por sua vez, tendo recebido ensino de alta
qualidade, também terão essa qualidade elevada em sua aprendizagem.
E a universidade que os abriga será, então, de elevado conceito.

Ora, é verdade que isso não acontece cabalmente. Muitos mestres e


doutores procuram essa ascensão de títulos apenas para se distanciarem
das salas de aula e para se dedicarem à pesquisa. E óbvio que uma
universidade não é só ensino, muito menos só ensino de graduação.
A pesquisa é a grande marca de uma universidade, conforme venho
afirmando insistentemente. Mas doutores e mestres que promovem a
elevada qualidade do ensino são aqueles que ensinam, ou seja, os que
ministram aulas aos alunos dos cursos de graduação. (Estou empregando
o termo ensino em sentido tradicional, embora não seja muito adequado aos
modernos propósitos pedagógicos.)

E mais: uma pós‑graduação em mestrado e doutorado não é um passe


de mágica. Não significa que, ao receber a titulação oficial, o titulado
passe a ser um “deus da sabedoria” completamente apto a lecionar.
158 UNIUBE

A importância do título é de caráter sobretudo legal e oficial. Essa


“importância” não opera a transformação imediata do cidadão em um
professor altamente qualificado, intelectual, científica e didaticamente.
Ser professor de fato, em competência integral e coerente, não depende
apenas de cursos e de títulos de pós‑graduação. Não é a enumeração
desses títulos em currículos e em capas de livros ou de apostilas que
confere “importância” e real competência a um professor. Títulos não são
a essência de um profissional do magistério, de um educador.

A exigência de títulos de pós‑graduação somente faz sentido se esses


títulos chegarem às salas de aula. Se eles significarem, de fato, formação
integral de professores‑educadores. Aí, sim, os títulos terão real importância.

a) No final do segundo parágrafo, o autor usa um operador


argumentativo que estabelece uma relação de comparação entre
elementos, objetivando uma determinada conclusão. Identifique‑o
e explique que conclusão ele almeja.
b) No terceiro parágrafo, o autor fala dos títulos de mestre e doutor de
que a universidade precisa. Ele usa um indicador modal. Aponte‑o
e explique por que ele foi utilizado.
c) Nesse mesmo parágrafo, o autor utiliza dois outros operadores
argumentativos. Identifique‑os e diga qual a sua função.
d) No quarto parágrafo, há a utilização de um outro índice de
modalidade. Qual é esse índice e que modalização ele introduz no
enunciado?
e) No quinto parágrafo, há a ocorrência do operador argumentativo
“porque”. Qual a sua função no trecho?
f) Nesse mesmo parágrafo, há um operador que soma argumentos a
favor de uma mesma conclusão. Identifique‑o.
g) Ainda nesse parágrafo, temos o emprego do índice de modalidade
“devem”. Qual a sua função?
h) No sexto parágrafo, temos a ocorrência de dois operadores:
“apenas” e “embora”. Qual a função, em cada caso?
UNIUBE 159

i) No sétimo parágrafo há um marcador de pressuposição. Qual é esse


marcador e o que ele deixa pressuposto?
j) No oitavo parágrafo parágrafo, usa‑se o operador argumentativo
“somente”. Diga por que ele foi empregado.

Referências

AUSTIN, J. L. How to do things with words. Oxford: Oxford University Press, 1962.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares


Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CASTILHO, A. T.; CASTILHO, C. M. M. Advérbios modalizadores.


In: ILARI, R. (Org.) Gramática do português falado, vol. II:
níveis de análise linguística. Campinas: Unicamp, 1992.

Ducrot, Oswald. O dizer e o dito. Rev. e trad. Eduardo


Guimarães. Campinas: Pontes, 1987.

FÁVERO, Leonor Lopes. A coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1997.

GUIMARÃES, E. Semântica do acontecimento: um estudo


enunciativo da designação. Campinas: Pontes, 2002.

KOCH, Ingedore Vilaça. A interação pela linguagem. São Paulo:


Contexto, 2001. MAIN GUENEAU, Dominique. Elementos de Linguística
para o texto literário. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. São Paulo: Martins 1971.

SEARLE, John R. Speech acts: an essay in the philosophy of


language. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.

WEINRICH, Harald. Estructura y función de los tiempos


en el lenguaje. Madrid: Gredos, 1968.

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