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A linguagem verbal e o contexto,

volume 1

Irene de Lima Freitas

Walleska Bernardino Silva

Giovanni de Paula Oliveira

Isabel Freitas Cunha

Sandra Eleutério Campos Martins

Stela Maria Queiroz Dias


© 2018 by Universidade de Uberaba

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser


reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico
ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de
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da Universidade de Uberaba.

Universidade de Uberaba

Reitor
Marcelo Palmério

Pró-Reitor de Educação a Distância


Fernando César Marra e Silva

Coordenação de Graduação a Distância


Sílvia Denise dos Santos Bisinotto

Editoração e Arte
Produção de Materiais Didáticos-Uniube

Projeto da capa
Agência Experimental Portfólio

Edição
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central Uniube

L647 A linguagem verbal e o contexto, volume 1 / Irene de Lima Freitas ... [et al.]. –
Uberaba : Universidade de Uberaba, 2018.
304 p. : il.
Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7777-773-0

1. Linguística. 2. Línguas. 3. Linguagem. I. Freitas, Irene de Lima. II. Universidade


de Uberaba. Programa de Educação a Distância. III. Título.

CDD 410
Sobre os autores

Giovanni de Paula Oliveira

Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia (2009).


Graduado em Letras (Português­‑Inglês) pela Universidade de Ube-
raba – Uniube (2005). Integra o Grupo de Pesquisa em Sociolinguística
(Gepsocio) da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Professor de
Língua Portuguesa e Literatura da Educação Básica. Preceptor do curso
de Letras (Português­‑Inglês) dos polos de Uberaba e Uberlândia. Atua
principalmente nas áreas de Sociolinguística (variação e sintaxe em uma
perspectiva intra e interlinguística) e de Literatura Brasileira.

Irene de Lima Freitas

Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU.


Especialista em Língua Portuguesa e em Didática do Magistério de
3º grau. Graduada em Letras (Português­‑Francês) e em Pedagogia –
­Habilitação em Orientação educacional, supervisão e inspeção escolar.
Professora de Língua Portuguesa e Literatura das últimas séries dos ensi-
nos Fundamental e Médio. Professora de Linguística e Língua Portuguesa
e membro da equipe de elaboração de provas de Língua Portuguesa e
dos processos seletivos da Universidade de Uberaba – Uniube.
IV UNIUBE

Isabel Freitas Cunha

Mestre e especialista em Linguística pela Universidade Federal de


Uberlândia – UFU. Licenciada em Letras (Português­‑Inglês) pela Univer-
sidade de Uberaba – Uniube. É membro da equipe de EAD­‑Produção e
professora de Linguística, Língua Portuguesa e Inglês Instrumental na
Universidade de Uberaba – Uniube.

Sandra Eleutério Campos Martins

Mestre em Linguística e especialista em Linguística Aplicada pela Uni-


versidade Federal de Uberlândia – UFU. Licenciada em Letras pela
Universidade de Uberaba – Uniube. Professora de Língua Portuguesa na
Educação Básica da rede pública do Estado de Minas Gerais e professora
do curso de Letras da Universidade de Uberaba – Uniube.

Stela Maria Queiroz Dias

Especialista em Linguística e em Língua Portuguesa pela Universidade


Federal de Uberlândia – UFU. Licenciada em Letras (Português­‑Inglês)
pela Universidade de Uberaba – Uniube. Membro da equipe de EAD­
‑Produção e professora de Linguagem Jurídica no curso de Direito da
Universidade de Uberaba – Uniube.

Walleska Bernardino Silva

Mestre e especialista em Linguística pela Universidade Federal de Uber-


lândia – UFU –, na área de concentração em Linguística Textual. Profes-
sora do ensino fundamental da Escola de Educação Básica da UFU.
Sumário

Apresentação.......................................................................................XI

Capítulo 1 Funções do professor de Língua Portuguesa, hoje............ 1


1.1 Considerações iniciais............................................................................. 4
1.2 Conceitos de língua e linguagem............................................................ 5
1.3 Linguagem verbal e linguagem não verbal.............................................. 7
1.4 Ciência da linguagem............................................................................ 13
1.5 Objeto de estudo da Linguística............................................................ 14
1.6 Linguística sincrônica e Linguística diacrônica...................................... 14
1.7 Linguística teórica e Linguística aplicada.............................................. 15
1.8 Microlinguística e Macrolinguística........................................................ 16
1.8.1 Microlinguística............................................................................. 17
1.8.2 Macrolinguística............................................................................ 19

Capítulo 2 Concepções de linguagem e o ensino


de língua materna............................................................. 45
2.1 Considerações iniciais........................................................................... 47
2.2 Linguagem como expressão do pensamento........................................ 50
2.3 Linguagem como instrumento de comunicação.................................... 51
2.4 Linguagem como processo de ação e interação................................... 52

Capítulo 3 O dinamismo das línguas – a variação


e a mudança linguística.................................................... 59
3.1 Considerações iniciais........................................................................... 60
3.2 Por que as línguas mudam?.................................................................. 62
3.3 Por que há diferenças linguísticas em regiões diferentes
dentro de um mesmo país?................................................................... 70
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3.4 Relevância das variáveis linguísticas e não linguísticas....................... 78
3.5 As variáveis linguísticas......................................................................... 79
3.5.1 Variáveis fonológicas.................................................................... 80
3.5.2 Variáveis sintáticas........................................................................ 80
3.5.3 Variáveis morfossintáticas............................................................. 84
3.5.4 Variáveis semânticas.................................................................... 85
3.6 As variáveis não linguísticas.................................................................. 86
3.6.1 A variável faixa etária.................................................................... 87
3.6.2 A variável escolaridade................................................................. 87
3.6.3 A variável classe social................................................................. 87
3.7 A questão do preconceito linguístico e a Sociolinguística na escola..... 88

Capítulo 4 Texto, contexto e intertexto............................................. 101


4.1 Conceito de texto................................................................................. 103
4.2 Texto verbal e texto não verbal............................................................ 104
4.3 Contexto.............................................................................................. 107
4.4 Intertexto – intertextualidade............................................................... 109
4.4.1 Alusão..........................................................................................110
4.4.2 Citação.........................................................................................111
4.4.3 Paródia ........................................................................................112
4.4.4 Paráfrase ....................................................................................113
4.4.5 Apropriação..................................................................................115
4.5 Coesão e coerência..............................................................................117
4.5.1 Coesão ........................................................................................117
4.5.2 Coerência ....................................................................................118

Capítulo 5 Fatores de textualidade: a coerência............................. 123


5.1 Considerações iniciais......................................................................... 125
5.2 Níveis de coerência............................................................................. 127
5.2.1 Coerência semântica.................................................................. 127
5.2.2 Coerência sintática..................................................................... 128
5.2.3 Coerência estilística.................................................................... 129
5.2.4 Coerência pragmática................................................................. 130
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5.3 Fatores de coerência........................................................................... 131
5.3.1 Conhecimentos linguísticos........................................................ 131
5.3.2 Conhecimento de mundo............................................................ 132
5.3.3 Conhecimento partilhado............................................................ 134
5.3.4 Inferências.................................................................................. 135
5.3.5 Fatores de contextualização ou pragmáticos............................. 135
5.3.6 Situacionalidade.......................................................................... 136
5.3.7 Informatividade........................................................................... 137
5.3.8 Focalização................................................................................. 137
5.3.9 Intertextualidade......................................................................... 138
5.3.10 Intencionalidade e aceitabilidade.............................................. 138
5.3.11 Consistência e relevância......................................................... 139

Capítulo 6 Componentes do mundo textual:


coesão, coerência e intertextualidade............................ 143
6.1 Considerações iniciais......................................................................... 146
6.2 Noção de texto..................................................................................... 147
6.3 O contexto situacional......................................................................... 153
6.3.1 Trajetória da consideração do contexto nas
análises linguísticas................................................................... 155
6.3.2 O contexto e o cotexto................................................................ 157
6.4 O dialogismo da e na linguagem: constituição
dos sujeitos nos textos........................................................................ 160
6.5 Intertextualidade: o dialogismo entre textos........................................ 162
6.6 A coesão textual................................................................................... 169
6.7 A coerência textual............................................................................... 182

Capítulo 7 Tipos de textos............................................................... 193


7.1 Entre pessoas, lugares, situações e palavras: um reencontro
com a descrição e a narração............................................................. 195
7.2 O texto descritivo................................................................................. 197
7.2.1 Descrição de pessoa ................................................................. 199
7.2.2 Descrição de objetos.................................................................. 202
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7.2.3 Descrição de ambiente interno................................................... 203
7.2.4 Descrição de ambiente externo ou paisagem ............................ 204
7.2.5 Descrição de cena ..................................................................... 205
7.2.6 Descrição de relatórios .............................................................. 206
7.3 O texto narrativo.................................................................................. 206
7.3.1 Estrutura de um texto narrativo................................................... 208
7.3.2 Elementos da narrativa............................................................... 209
7.4 O texto dissertativo.............................................................................. 220
7.4.1 Características do texto dissertativo........................................... 223
7.4.2 A exposição e a argumentação no texto dissertativo.................. 224
7.4.3 Elementos para uma argumentação........................................... 226
7.4.4 Estrutura do texto dissertativo.................................................... 227
7.4.5 Características do texto dissertativo........................................... 228
7.5 O texto injuntivo................................................................................... 230

Capítulo 8 Práticas de leitura e produção de diferentes


tipos de texto.................................................................. 243
8.1 Uma parada para repensar a leitura ................................................... 245
8.2 Noção de gênero textual...................................................................... 250
8.3 Noção de esfera comunicativa............................................................ 256
8.4 Noção de tipo de texto......................................................................... 259
8.4.1 Sequência narrativa.................................................................... 263
8.4.2 Sequência descritiva................................................................... 266
8.4.3 Sequência expositiva/explicativa/dissertativa............................. 272
8.4.4 Sequência injuntiva..................................................................... 276
8.4.5 Sequência argumentativa........................................................... 279
8.4.6 Sequência dialogal...................................................................... 282
8.5 Estatuto dialógico das sequências...................................................... 284
Apresentação

Caro(a) aluno(a),

Como um dos recursos disponibilizados para a sua formação de


professor­‑educador pela Universidade de Uberaba (Uniube), curso
de Licenciatura em Letras, chega às suas mãos o primeiro livro­‑texto da
unidade temática A linguagem verbal e o contexto, volume 1. Este
volume tem como objetivo maior apresentar­‑lhe, em um primeiro mo-
mento, um esboço do que verá durante o curso no que diz respeito à
língua portuguesa. Isso será feito no Capítulo 1, "Funções do professor
de Língua Portuguesa, hoje".

No Capítulo 2, "Concepções de linguagem e o ensino de língua ma-


terna", os primeiros conceitos de linguagem serão expostos no intuito de
prepará­‑lo(a) a fazer escolhas pedagógicas no desempenho da função
apresentada no capítulo anterior.

Em consequência dos conceitos vistos neste capítulo, você sentirá a


necessidade de conhecer, em sua futura atividade de educador, o que
verá no Capítulo 3: "O dinamismo das línguas – a variação e a mudança
linguística". Isso porque você compreenderá a importância das reflexões
sobre a variação linguística na sala de aula da escola básica.
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No Capítulo 4, "Texto, contexto e intertexto", você se aprofundará em


importantes conceitos com que irá lidar no seu dia a dia.

É evidente a preocupação de seu curso em apresentar-lhe os conceitos


linguísticos expostos neste livro de modo a dar-lhe uma visão que se
amplie a cada capítulo de maneira ordenada e enriquecedora. Esse em-
penho pode então ser identificado no Capítulo 5: "Fatores de textualidade:
a coerência". E para que você não fique só com a teoria, o Capítulo 6,
"Componentes do mundo textual: coesão, coerência e intertextualidade",
prima pela aplicação aos mais diferentes textos que circulam em nosso
meio social.

Dando continuidade aos estudos sobre o texto, você entrará em contato,


nos dois capítulos finais, com: "Tipos de texto" (Capítulo 7) e "Práticas de
leitura e produção de diferentes tipos de texto" (Capítulo 8), elaborados
por mestras nos assunto.

Perceba os critérios de utilidade e de prazer que usamos para escolher os


temas desse seu primeiro livro­‑texto. Saiba mais: tudo isso entremeado
de muitos exemplos atuais em uma linguagem clara e objetiva, para que
você sinta gosto em utilizar esse material. Que você tenha o mesmo
entusiasmo que tivemos em montar esse livro-texto.

Aproveite!

Equipe pedagógica do curso de licenciatura em Letras


Funções do
Capítulo
professor de Língua
1
Portuguesa, hoje

Isabel Freitas Cunha / Stela Maria Queiroz Dias

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Neste capítulo, você terá uma visão geral dos conteúdos a se-
rem aprofundados nas três unidades temáticas que compõem
este curso:

• a linguagem verbal e o contexto;


• os modos de organização dos textos orais e escritos;
• estudos semântico­‑discursivos da língua portuguesa.

Começamos com os conceitos de língua e linguagem que, em-


bora usemos indiscriminadamente em nossa fala, são termos
que apresentam diferença. Outra diferença que você perceberá
é a da linguagem verbal e não verbal: linguagens que estão
intimamente presentes na nossa vida e que podem (e devem)
ser exploradas em sala de aula.

A ciência linguística lhe será apresentada em linhas gerais, com


seus três pares de dicotomias: Linguística sincrônica versus
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diacrônica; Linguística teórica versus aplicada; Macrolinguística


versus Microlinguística.

Nesta exposição, procuramos fazê­‑lo(a) perceber a importância


desses estudos para o desempenho do seu futuro papel de
educador no ensino básico brasileiro, tanto de língua materna
como de outra língua. Esses conteúdos foram elaborados por
especialistas, mestres e doutores em cada área e tiveram o
acompanhamento dos professores e gestora do curso, no intuito
de que sejam claros e objetivos e que estejam conectados com
a realidade da educação brasileira.

O presente capítulo pretende mostrar a evolução dos estudos lin-


guísticos desde a Antiguidade até a caracterização da Linguística
como ciência e a contribuição dos teóricos para a compreensão
desse objeto de estudo dinâmico, indomável e extremamente
rico que é a língua.

Ao compreender o esboço que lhe trazemos neste capítulo,


você terá a visão da Linguística como ciência – suas partes,
a conexão entre elas, seus limites não tão rígidos por tocarem
outras ciências, sua rica intertextualidade. E ao conhecer suas
teorias, perceberá que elas facilitam sobremaneira o trabalho do
educador no sentido de atrair o educando a se perceber como
sujeito que se firma como cidadão cada vez que usa adequa-
damente a língua.

Com isso, almejamos tornar agradável e produtivo o seu curso,


além de fazer com que o desempenho de seu futuro papel de
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educador seja gratificante por se apoiar no conhecimento sólido


do seu instrumento de trabalho – a língua e, por consequência,
a linguagem!

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• distinguir algumas das áreas em que se divide a ciência


linguística;
• inferir a utilidade dos conceitos vistos nessas diferentes
áreas no seu futuro papel de educador;
• relacionar os estudos que serão propostos ao longo do
curso às funções do professor de Língua Portuguesa,
hoje;
• avaliar o atual papel do professor de Língua Portuguesa
da escola básica.

Esquema

• Conceitos: língua e linguagem.


• Linguagem: verbal e não verbal.
• Ciência da linguagem: Linguística – objeto de estudo: a
língua.
• Dicotomias: Linguística sincrônica versus diacrônica.
• Linguística teórica versus aplicada.
• Microlinguística versus Macrolinguística.
• Microlinguística: Fonética e fonologia.
• Sintaxe e morfologia.
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• Semântica.
• Macrolinguística: Sociologia.
• Pragmática.
• Análise da conversação.
• Análise do discurso.
• Neurolinguística.
• Linguística textual.
• Estilística.
• Linguística histórica.

1.1 Considerações iniciais

Caro(a) aluno(a),

Seja bem­‑vindo(a) ao curso de Letras nessa desafiadora modalidade de


ensino a distância.

A proposta do curso é levar até você o embasamento teórico que deverá


orientar sua prática pedagógica no processo educativo dos alunos con-
siderados usuários da língua portuguesa.

Para auxiliá­‑lo na percepção/compreensão das funções de um professor de


Língua Portuguesa e/ou língua estrangeira, tomaremos conhecimento de
uma ciência cujo objeto de estudo é a linguagem e a língua – a Linguística.

Embora os estudos sobre a linguagem tenham­‑se originado em tempos


bastante remotos – desde a Antiguidade grega e até mesmo antes dela,
com os hindus – o termo "Linguística" e seu caráter científico são muito
recentes; datam do século XIX.
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1.2 Conceitos de língua e linguagem

A Linguística nos traz os dois conceitos­‑base do seu campo de estudo:


o de língua e o de linguagem.


Seriam esses dois conceitos distintos ou apenas variações de um mesmo?

O que você conhece sobre eles?

Saiba que nesse curso é muito importante que essas definições estejam
claras para você, pois elas serão a base das concepções orientadoras da
sua prática pedagógica, ou seja, a metodologia que você usará para o
ensino da língua portuguesa, assim como o de uma língua estrangeira.

Para Marcuschi (apud XAVIER; CORTEZ, 2005, p. 132­‑133):

A linguagem seria uma faculdade mental, própria da


espécie humana, que permite a atividade simbólica
e a ação intersubjetiva. Isto é o que eu entendo: a
linguagem como uma faculdade da espécie humana.
A língua, por sua vez, seria uma das formas de se
organizar, efetivar, concretizar essa faculdade hu-
mana, assumindo histórica, social e culturalmente uma
determinada maneira de ser. Aí se chamaria língua
portuguesa, francesa, espanhola, inglesa e assim
por diante. Então, a linguagem seria uma faculdade
humana e a língua uma das formas assumidas por
essas faculdades no seu exercício cotidiano do ponto
de vista social e histórico.

A partir dessa citação, percebemos que a linguagem é algo mais amplo,


que surgiu pela necessidade de o ser humano se comunicar com o seu
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semelhante, lançando mão de símbolos para isso; assim, foram desen-


volvidas as linguagens sonora, pictórica, verbal, entre outros.

Já a língua é formada por um conjunto de elementos que ser inter­


‑relacionam em diversos níveis: fonológico, morfológico e sintático. Esses
níveis só se concretizam quando os seres humanos usam a língua em
suas práticas sociais.

Ora, se o ser humano necessita da língua para se comunicar:

O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para


a participação social efetiva, pois é por meio dela que
o homem se comunica, tem acesso à informação, ex-
pressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói
visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao
ensiná­‑la, a escola tem a responsabilidade de garantir
a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísti-
cos, necessários para o exercício da cidadania, direito
inalienável de todos (BRASIL, 1997, p. 15).

Com isso, vai­‑se delineando para você a sua função como professor junto
à sociedade de que faz parte. Mas ainda há vários conceitos de que pre-
cisa inteirar­‑se ao longo do curso para perceber a sua futura função.

Outra característica do seu curso é que nele a "linguagem é entendida


como processo discursivo sócio­‑histórico e interacional" (UNIUBE, 2006,
p. 8). Você vai ver cada um desses aspectos durante o curso; por ora
saiba que isso significa que a linguagem é vista como lugar de ação e
interação dos falantes de um grupo social. E as relações que aí aconte-
cem são de natureza social e se desenvolvem com o passar do tempo,
historicamente.
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1.3 Linguagem verbal e linguagem não verbal

Você sabe que a ação e a interação entre falantes pode acontecer em


forma de conversas, produção, leitura, compreensão e interpretação de
textos escritos ou falados, certo? E aí, você se pergunta:

• E os textos que são compostos apenas de imagens?

• E os que misturam imagens com palavras escritas/faladas?

• Seriam os textos que misturam imagens com palavras escritas ou


faladas entendidas dentro do conceito de linguagem que veremos?

Excelente reflexão e questionamento! Provavelmente, você já dever ter


ouvido o bordão "uma imagem vale mais que mil palavras". Vamos tomar
como exemplo um quadro muito conhecido de Portinari, Criança morta,
da série Retirantes.

  agora é a sua vez! 

Para ver a obra de Portinari, acesse: <http://www.masp.art.br/exposicoes/2006/


portinari/port8.jpg>. Pare, observe, sinta e analise a imagem em seus detalhes
de formas e cores.

A interação com esse texto­‑imagem só poderá acontecer se o leitor for


capaz de decifrar a mensagem que ele transmite.

A princípio, pelo primeiro olhar, o leitor fará a leitura da linguagem não


verbal que mostra um grupo de pessoas que pode ser uma família
chorando pela perda de um de seus componentes que parece ser uma
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criança. São estranhamente magros, esquálidos, descalços e choram


grossas lágrimas. Além disso, as cores utilizadas pelo pintor são escu-
ras, densas.

O leitor atento completará essa primeira leitura com seu conhecimento


mais aprofundado dessa linguagem ao atentar que se trata de um
quadro do pintor brasileiro Cândido Portinari, da série Retirantes, que
retrata o Nordeste brasileiro sob o ângulo de sua característica mais
dolorosa, a seca.

Nessa tela, Portinari mostra o sofrimento e a tristeza do povo brasileiro


utilizando, para isso, as cores terra (marrom), cinza, azul, preto, branco,
ocre, verde, rosa, amarelo e vermelho, pintadas em fortes pinceladas.

Portinari traduz o drama e a tristeza ao máximo em sua obra, ilustrando


personagens reais, de aparência deplorável, raquíticos e que passam a
ideia da dor da fome e da sujeira. Além disso, partes do corpo de todos
se encontram à mostra, sem pele, apenas com ossos e músculos fracos.
Apresentam­‑se mal vestidos e com roupas rasgadas. O céu é mostrado
em cinza escuro, sem nuvens, relatando a secura do nordeste. No chão
há apenas pedrinhas, sem nenhuma vegetação.

Os ombros curvados dos pais descrevem uma dor maior que a da fome
provocada pela seca: a dor da perda da filha. O único do grupo que não
chora é a criança menor que, no entanto, traz uma tristeza infinita no
olhar seco. O rosto da filha morta é feio e deformado.

Por esse exemplo, queremos trazer­‑lhe um dos tipos de linguagem com o


qual trabalhará com seus futuros alunos: a linguagem não verbal. Quando
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utilizamos a imagem impressa ou em movimento, estamos lançando


mão da linguagem não verbal, cujo código pode ser a própria imagem,
o desenho, a dança, os sons, os gestos, as expressões fisionômicas,
as cores…

Você percebeu a riqueza e a profundidade a que se pode chegar na leitura


da linguagem não verbal de um texto­‑imagem? E o quanto ela pode ser
interessante e prazerosa se você desafiar seu aluno leitor a buscar as
características desse texto e, a partir delas, construir sentidos?

Nesse curso você verá também que, quando usamos a palavra falada
ou escrita, estamos utilizando a linguagem verbal em que o código é a
própria palavra.

Observe um convite de casamento (Figura 1):

Figura 1: Convite de casamento.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
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Nele, você fica sabendo que está sendo convidado para o casamento dos
noivos Ângela e Cássio, suas filiações, os endereços, a data e o local da
cerimônia. Tudo isso só foi possível porque você conhece o código da
linguagem verbal que está sendo usado: a língua portuguesa.

É importante lembrar que aqui a linguagem verbal se apresenta sob duas


modalidades: a escrita e a oral. A primeira pode materializar­‑se nas pala-
vras escritas no papel, na tela de um computador, nas faixas, cartazes,
pichações, banners, entre outros incontáveis veículos. Já a linguagem
oral se materializa em conversas ao telefone, face a face, em palestras,
em aulas, pela Internet com o uso da webcam, ou seja, com o auxílio da
palavra falada. Entre a linguagem oral e a escrita há muitas diferenças,
mas não uma oposição rígida.

Observe as placas de túmulos na Figura 2, a seguir. Quantas linguagens


você percebe nelas?

Figura 2: Placas de túmulos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
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As placas, ao trazerem nomes e datas antecedidas por uma estrela e


uma cruz, representando as datas de nascimento e morte dos referidos
nomes, portam dois tipos de linguagens: a verbal e a não verbal.

Assim como o exemplo anterior, há textos que usam as imagens e os


sons acompanhados das palavras. As mensagens publicitárias são ricos
exemplos dessa relação entre as duas linguagens.


Pense e responda:

Qual tipo de linguagem, atualmente, é mais valorizado pela sociedade?

Quais os meios que você utiliza para se comunicar no seu dia a dia?

Para saber a resposta da primeira questão, observemos as linguagens


à nossa volta. A sociedade contemporânea valoriza muito o visual.
Observe a sua cidade, perceba a linguagem não verbal espalhada nela.
São belas imagens em outdoors, em placas luminosas, em TVs ou telões
ligados nos barzinhos (aí inclui­‑se os sons), nas vitrines, nos cartazes
de cinema. Nosso impulso é responder que a linguagem não verbal é a
mais valorizada pela sociedade.

Antes disso, porém, observe agora o posto de gasolina em que abastece


seu carro com as placas de preços dos combustíveis ou com o aviso
se aceitam ou não cartões de crédito; note também que os ônibus têm
a indicação do destino escrito de modo bem visível, as ruas de sua
cidade têm placas com o nome escrito; o orelhão tem as instruções de
12 UNIUBE

uso escritas em uma pequena placa, o seu celular recebe mensagens


quando o número para o qual está ligando "está desligado ou fora de
área"; quando você faz transações no caixa eletrônico do seu banco,
as mensagens luminosas que o orientam as etapas da transação estão
escritas com palavras, em linguagem verbal. E mesmo os exemplos
levantados anteriormente das linguagens não verbais, muitos deles têm
a imagem acompanhada de palavras escritas ou faladas.

E aí percebemos que fica difícil responder aquela pergunta; temos a


impressão de que, em nossa sociedade, na sociedade ocidental, a lingua-
gem verbal faz parte de nosso cotidiano com a mesma proporcionalidade
que a não verbal.

Perceba que seu curso se propõe levar você ao:


[…] estudo da relação que a língua portuguesa man-
tém com o contexto cultural, […] numa perspectiva
que considera a linguagem como interação humana
e compreender a relação entre a linguagem verbal e
não verbal […] (UNIUBE, 2006, p. 8).

E assim orientado(a), esperamos que você possa também orientar seu


futuro aluno a perceber­‑se como sujeito que está envolvido e interagindo
nessas diferentes situações e suportes de comunicação, e dominando
os diferentes usos da linguagem.

Guiados por esse princípio, exporemos, ao longo do livro, vários capí-


tulos que se propõem a habilitá­‑lo a desenvolver, entre outras, a com-
petência de
[…] agir como mediador dos conhecimentos a serem
construídos pela criança, pelo adolescente, pelo jo-
vem e/ou por eles apropriados, levando em conta os
referenciais curriculares e os conteúdos referentes ao
Ensino Fundamental e Médio, de acordo com os Parâ-
UNIUBE  13

metros Curriculares Nacionais – PCNs – e os recursos


tecnológicos disponíveis como meio de promoção do
desenvolvimento humano (UNIUBE, 2006, p. 8).

  parada para reflexão! 

Antes de continuar, faça uma reflexão:

Como você imagina que deve ser sua ação como mediador dos conhecimen-
tos a serem construídos pelos seus educandos?

1.4 Ciência da linguagem

Para se tornar esse mediador que você e seu curso almejam é necessário
que você adquira uma visão mais abrangente da ciência da linguagem
que já lhe foi apresentada – a Linguística.

Saiba que, de acordo com o que nos orienta Weedwood (2002), a ciên-
cia Linguística é relativamente nova. Como já dissemos, ela nasceu no
século XIX. O que se tinha antes dela, nessa área do conhecimento,
eram os estudos dos gramáticos gregos e romanos da Antiguidade clás-
sica, os estudiosos do Renascimento e bem próximos ao nascimento
da Linguística, havia os pesquisadores das gramáticas prescritivas do
século XVIII.

Como você deve já ter desconfiado, esses estudiosos dedicaram­‑se


por muito tempo aos estudos gramaticais, comparando diversas línguas
com o grego e depois com o latim. Mas o curioso é que tais estudos
se restringiam apenas a prescrever regras para a maneira correta de
se falar/escrever a língua ou então se esforçavam para descobrir o
14 UNIUBE

percurso histórico das línguas, sua origem (filologia). Mas muito do


que produziram nessa época até hoje é encontrado na gramática tra-
dicional e na filologia. Seus trabalhos foram abrindo caminhos para o
estabelecimento da Linguística que, hoje, pesquisa e estuda todos os
fenômenos da linguagem, incluindo aqui os estudos gramaticais tradi-
cionais e a filologia.

Você faz ideia do que estudaremos em Linguística?

1.5 Objeto de estudo da Linguística

Primeiro, queremos informá­‑lo que o campo da Linguística pode ser


dividido em três pares de oposição. Tal divisão se faz para permitir ao
estudante uma visão abrangente do seu extenso campo de estudo.

Ainda orientados por Weedwood (2002, p. 10), percebemos os três pares


de dicotomias:

(1)  Linguística sincrônica versus diacrônica;

(2)  Linguística teórica versus aplicada;

(3) Microlinguística versus Macrolinguística.

1.6 Linguística sincrônica e Linguística diacrônica

Saiba que, nos estudos sincrônicos de uma língua, o pesquisador des-


taca os fatos dessa língua dentro de determinado intervalo de tempo.
Quando você, neste curso, estuda fatos da língua portuguesa, hoje,
a linguagem verbal, o contexto atual e os modos de organização dos
UNIUBE  15

textos orais e escritos está fazendo um estudo sincrônico da língua.


Mas, quando se debruçar sobre a história da Linguística desde a An-
tiguidade grega até as teorias linguísticas do século XX você estará
fazendo um estudo diacrônico da língua portuguesa. No seu curso de
Letras, você terá a oportunidade de verificar uma pequena parte desse
estudo quando, na Etapa II, encontrar o capítulo que trata da formação
histórica e a visão panorâmica da história da língua portuguesa. Será
bastante interessante!

  agora é a sua vez! 

Faça uma reflexão com o exemplo que lhe demos e, com suas palavras,
defina a Linguística diacrônica.

Nos estudos linguísticos atuais, essas duas visões são consideradas


muito próximas, quase sem essa dicotomia. Um professor de Língua
Portuguesa, de posse desse embasamento, terá mais facilidade em lidar,
junto ao aluno, com alguns aspectos da língua que só são compreendidos
quando se tem a visão histórica da língua.

1.7 Linguística teórica e Linguística aplicada

Tendo compreendido esse primeiro enfoque da Linguística, procure


construir uma ideia da abordagem da nossa segunda dicotomia: teórica
versus aplicada. Quais definições você imagina de cada uma?

Agora, compare a sua noção com a definição que a linguista Weedwood


(2002, p. 11, grifo nosso) nos oferece:
16 UNIUBE

O objetivo da Linguística teórica é a construção de


uma teoria geral da estrutura da língua ou de um ar-
cabouço teórico geral para a descrição das línguas. O
objetivo da Linguística aplicada é, como diz o próprio
nome, a aplicação das descobertas e técnicas do
estudo científico da língua para fins práticos, espe-
cialmente a elaboração de métodos aperfeiçoados
de ensino da língua.

  saiba mais 

Arcabouço

Traços gerais, esboço (FERREIRA, 1986, p. 157).

1.8 Microlinguística e Macrolinguística

A terceira e última dicotomia – Microlinguística versus Macrolinguística –,


pelo próprio nome, já nos oferece uma primeira informação dos seus
campos de estudo: a Microlinguística preocupar­‑se­‑á com os objetivos
mais específicos, mais restritos do estudo da língua, ao passo que a
Macrolinguística abrangerá os estudos que apresentam uma visão mais
ampliada desses objetivos.

Observe atentamente o esquema na Figura 3, a seguir (WEEDWOOD, 2002,


p. 11), que lhe dará uma boa noção da divisão que analisaremos agora.
UNIUBE  17

Linguística
do texto

Pragmática

Psicolinguística Fonética
Fonologia
Sintaxe
Morfologia
Sociolinguística Lexicologia
Semântica Análise da
conversação

Análise do discurso
Linguística
histórica

Neurolinguística

Figura 3: Esquema.
Fonte: Adaptado de Weedwood (2002, p. 11).

1.8.1 Microlinguística

Em outras palavras, a Microlinguística analisa as línguas em si próprias,


conforme percebemos nos estudos de fonética, fonologia, sintaxe, mor-
fologia, lexicologia e semântica. Cremos que muitas dessas áreas não
lhe são desconhecidas, não é?

1.8.1.1 Fonética e Fonologia

A fonética e a fonologia estudam o aspecto fônico da língua. Durante


algum tempo, no século XIX, a fonética foi confundida com a fonologia.
Para a fonética, a unidade básica de estudo é o som, independente de sua
função na comunicação. Já para a fonologia, conforme esclarece Bechara
18 UNIUBE

(2006, p. 53), "a unidade básica não é o som, mas o fonema", visto como
unidade acústica que desempenha uma função na comunicação.

Pelo exemplo de Bechara (2006, p. 53, adaptado pelos autores) vê­‑se


como é distinto o campo de estudo dos dois enfoques:

Assim, em tinta, a fonética, levando em conta a pro-


núncia do carioca, distingue dois sons diferentes de
"t", enquanto a fonologia considera funcionalmente um
só "t", pois, apesar de articulado diferentemente nas
várias realizações, o falante se considera diante de
uma mesma palavra: tinta.

1.8.1.2 Sintaxe e morfologia

Por seu turno, a sintaxe e a morfologia se distinguem, pois a primeira


enfoca as regras pelas quais se organizam e são constituídas as frases,
ao passo que a segunda descreve as regras que regem a estrutura interna
das palavras, suas formas, suas flexões, sua formação ou derivação.

Quando você estudar, neste curso, a estrutura do período simples e do


período composto, as situações de concordância, regência e colocações pro-
nominais, estará estudando a sintaxe. E ao pesquisar a forma de uma
palavra, seus afixos, como se dá a flexão em gênero, número, grau entre
outros aspectos, você estará no campo da morfologia.

1.8.1.3 Lexicologia

Essa parte da Linguística é também de muita utilidade para o futuro pro-


fessor de língua. Nela, estuda­‑se o vocábulo, buscando o seu significado,
sua constituição morfológica e as variações em função de suas flexões.
Essa ciência classifica os vocábulos de acordo com sua forma ou sentido,
UNIUBE  19

relacionando­‑os a outros vocábulos da mesma língua ou comparando­‑os


com os de outra língua, em perspectiva sincrônica ou diacrônica.

Você percebeu que é esse ramo da Linguística que orienta o lexicógrafo


(dicionarista) na confecção dos dicionários?

1.8.1.4 Semântica

Por fim, a semântica estuda o significado das palavras, individualmente,


aplicadas a um contexto e sob a influência de outras palavras. Nesse
enfoque, você verá os conceitos de polissemia, homonímia, sinonímia,
antonímia, paronímia.

Ao se deparar com uma palavra – "verde", por exemplo – e perceber que


ela pode significar tanto uma cor como o estágio de maturação de uma
fruta, você pode se perguntar se ela é uma palavra com dois significa-
dos ou duas palavras com significados diferentes. Você estará, nesse
momento, diante da escolha de conceitos de polissemia ou homonímia,
respectivamente.

1.8.2 Macrolinguística

Para avançarmos em nosso estudo, passemos à observação das ciências


que compõem a Macrolinguística. Note que, por suas denominações, já
podemos inferir alguns aspectos. A Macrolinguística irá se preocupar com:

• a função social da língua;

• a função estética da língua;


20 UNIUBE

• a função literária da língua;

• a função comunicativa da língua;

• o processo de aquisição da língua pela criança.

Como você pode perceber, esse ramo da Linguística irá atentar­‑se para
aspectos mais amplos da linguagem (WEEDWOOD, 2002). E aqui você
vai encontrar as teorias da Sociolinguística, da Pragmática, da Psicolin-
guística, da Análise do Discurso, da Linguística Histórica, da Análise da
Conversação, da Neurolinguística, da Linguística do Texto, entre outras.


Você percebe a importância desses estudos para o exercício da sua função
de professor?

Veja, a seguir, o que vem a ser cada um dos ramos supracitados.

1.8.2.1 Sociolinguística

Aqui também seu curso tornar­‑se­‑á bastante interessante: a função social


da língua será visitada por meio da Sociolinguística.

Antes de prosseguir, pense um pouco. Quando se diz "função social


da língua" o que lhe parece ser esta expressão? Já a usou em alguma
situação? Em que contexto?

Observe um livro de Direito. O Código Penal, ou o Código de Processo


Civil são bons exemplos. Folheie­‑o e observe a línguagem usada em
UNIUBE  21

seus textos. Você perceberá a presença de vários verbos no imperativo


e de termos normativos como "é proibido", "é permitido", "é obrigatório",
"deve", "não deve", "pode" etc.

Então, você percebe que a função social da linguagem jurídica é permitir


ao Direito "regular condutas que podem comprometer os interesses fun-
damentais e primários do homem: a vida, sua família, sua propriedade,
sua integridade física. As suas necessidades biológicas e psicológicas."
(GRIZZUTI, 2006).

De posse dessa informação, você será levado a perceber que há uma "va-
riação entre os fenômenos linguísticos e os fenômenos sociais" (­DUBOIS
et al., 1998). Isto é, ainda na visão de Dubois (1998), a Sociolinguística
lhe destacará as "condições sociais da comunicação". Veja, por exem-
plo, a fala de um médico com seu paciente, com um colega e com seus
familiares na intimidade do ambiente doméstico. Caracterizam­‑se aqui
três grupos sociais e as variantes usadas pelo falante médico em cada
uma das três, cada uma com uma função social.

Depois desse estudo, você estará apto(a) a reconhecer a variante do seu


aluno e a orientá­‑lo sobre a variante adotada pela instância escolar e a
perceber a necessidade de respeitar e valorizar a variedade linguística
cultural que compõe uma sala de aula.

1.8.2.2 Pragmática

A Pragmática, a Análise da Conversação e a Análise do Discurso estão


atreladas à função comunicativa da língua. A primeira irá levar seu aluno
a desenvolver a competência pragmática, ou seja, a capacidade de
22 UNIUBE

­compreender a "intenção" do locutor de um texto. Quando nos referimos


a intenção, compreendemo­‑la como Paul Grice (1982): "a linguagem é o
instrumento para o locutor comunicar ao seu destinatário suas intenções
e é nessas intenções que está embutido o sentido".

1.8.2.3 Análise da conversação

Ainda no enfoque do aspecto comunicativo, veja sobre o que versa a


Análise da Conversação. Você sabia que há interessantes estudos sobre
esse tipo de interação, a conversação? Eles demonstram que, mesmo com
toda a improvisação que há nessas trocas comunicativas, há uma série de
regras que sustentam o funcionamento de uma conversa entre emissor(es)
e receptor(es). A linguista e professora francesa Kerbrat­‑Orecchioni (2006,
p. 8) tem importantes pesquisas nessa área. Ela afirma que

Para que haja troca comunicativa, não basta que dois


falantes (ou mais) falem alternadamente; é ainda pre-
ciso que eles se falem, ou seja, que estejam, ambos,
"engajados" na troca e que deem sinais desse engaja-
mento mútuo, recorrendo a diversos procedimentos de
validação interlocutória. Os cumprimentos, apresen-
tações e outros rituais "confirmativos" desempenham,
nesse sentido, um papel evidente. Mas a validação
interlocutória se efetua, sobretudo, por outros meios
mais discretos e, no entanto, fundamentais.

Perceba alguns meios pelos quais, em uma interação entre emissor e


receptor de uma conversa, essa interlocução torna­‑se válida tanto para
um como para outro interactante:

O emissor

Ele deve indicar que está falando com alguém


pela orientação do corpo, pela direção do olhar ou pela
produção de formas de tratamento; ele deve também
UNIUBE  23

prestar atenção aos tipos de "captadores" (tais como


"hein", "né", "sabe", "você vê", digamos", "vou te dizer",
"nem te conto" etc.), e eventualmente "corrigir" falhas
da escuta ou problemas de compreensão, por meio
de um aumento da intensidade vocal, das retomadas
ou das reformulações: qualificamos, geralmente de
fáticos esses diversos procedimentos, dos quais se
vale o falante para se assegurar da escuta de seu
destinatário (KERBRAT­‑ORECCHIONI, 2006, p. 8­‑9).

Já para o outro interlocutor, o receptor, há a necessidade da observação


de regras que permitam a continuidade da troca:

O receptor

Ele também deve produzir alguns sinais que visam


confirmar ao falante que está, de fato, "ligado" no cir-
cuito comunicativo. Esses reguladores (ou sinais de
escuta) têm realizações diversas: não verbais (olhar
e meneio de cabeça, mas também, dependendo da
ocasião, franzimento de sobrancelhas, sorrisinho,
ligeira mudança de postura), vocais ("humm" e outras
vocalizações), ou verbais ("sim", "certo"), ou retomadas
na forma de eco. Eles têm também significações varia-
das ("estou te acompanhando", "temos um problema
de comunicação" etc.), mas, em todo caso, a produção
regular desses sinais de escuta é indispensável para
o bom funcionamento da troca: experiências provaram
que sua ausência acarreta importantes perturbações no
comportamento do falante (KERBRAT­‑ORECCHIONI,
2006, p. 9).

Imagine, futuro professor, a importância desse embasamento teórico


auxiliando­‑o no desempenho de sua atividade numa situação, por
exemplo, em que deva orientar seu aluno na representação de uma
conversa para um grupo de assistentes.
24 UNIUBE

Se você se interessar em ampliar os conhecimentos sobre o assunto,


consulte nas referências ao final deste capítulo a obra pesquisada da
linguista Kerbat­‑Orecchioni (2006).

Você deve ter notado que as pesquisas caminham no sentido de destacar


o aspecto da língua em funcionamento ou de estudá­‑la como um fato
social, e mais ainda, como um processo de interação verbal entre sujeitos
historicamente situados (em um tempo e em um espaço).

1.8.2.4 Análise do discurso

Ora, se a linguagem é um processo de interação social, conforme refle-


tiu o linguista russo Mikhail Bakhtin (1995), então ela trará em seu bojo
uma característica dessa interação que é o dialogismo, cruzamento das
diferentes vozes desses sujeitos situados historicamente.

E, consequentemente, nesse espaço dialógico, você será levado a perce-


ber que essas vozes carregam consigo uma ideologia. Ou seja, quando
se manifestam, essas vozes buscam ocupar o seu lugar em um grupo
ou classe social de determinada formação social, acreditando exercer a
sua livre vontade.

Essas vozes (interlocutores) situadas histórica e socialmente manifestar­


‑se­‑ão em instâncias denominadas discursos e você tomará conheci-
mento de uma nova ciência linguística: a Análise do Discurso.
UNIUBE  25

  parada para reflexão! 

Diante de tanta informação e termos novos, cremos ser necessário que você
saiba um pouco mais sobre um dos objetos de estudo dessa disciplina, o qual
será tratado a seguir: o discurso.

Qual a sua definição para a palavra discurso?

O discurso, segundo o professor Fernandes (2005, p. 20),

[…] não é a língua, nem texto, nem a fala, mas neces-


sita de elementos linguísticos para ter uma existência
material. Com isso, dizemos que discurso implica uma
exterioridade à língua, encontra­‑se no [ambiente] so-
cial e envolve questões de natureza não estritamente
linguística. Referimo­‑nos a aspectos sociais e ideo-
lógicos impregnados nas palavras quando elas são
pronunciadas.

Analisar o discurso, então, significa interpretar os sujeitos falando e pro-


duzindo diferentes sentidos, já que no discurso "os sentidos das palavras
não são fixos, não são imanentes, conforme atestam os dicionários"
(FERNANDES, 2005, p. 22). Cada sujeito, nessa interação verbal, fala
de um lugar social e ideológico, produzindo diferentes sentidos para os
seus discursos.

Quando falamos do caráter histórico e social do discurso, queremos dizer


que você, quando da análise de um texto com o seu aluno, deverá fazê­
‑lo perceber a exterioridade que envolve todo discurso materializado no
texto. Exterioridade essa percebida pela presença de outras "vozes" nas
produções textuais escritas ou faladas (discursos) do seu aluno como
26 UNIUBE

as vozes da família, da escola, da religião, da mídia entre outras e que


fazem parte da vida dele.

Em outras palavras, a Análise do Discurso, que será vista no âmbito dos


estudos semântico­‑discursivos da língua portuguesa, irá ensiná­‑lo(a) a
levar seu aluno a fazer uma leitura crítica dos textos, percebendo toda
uma construção ideológica que a embasa. Aqui, os textos das mídias
poderão ser um proveitoso material de pesquisa.

Você também deverá fazer leitura crítica dos textos de seus alunos.
Qual a ideologia que você percebe nesses textos de crianças do En-
sino Fundamental listados pelos autores Aranha e Martins (1986,
p. 89­‑90)?

Texto 1 – (excerto): Lúcia trabalha conosco há muitos


anos. Faz parte da família […]. Lúcia sabe que vovó
Lica e Beto gostam dela. Por isso, Lúcia é uma preta
feliz.

Texto 2 – (excerto): Mãe […] É acolhedora, tranquila,


segura, presa firmemente ao solo. Mãe é repouso e
sossego. Quando a gente está cansada, ou triste, ou
desiludida, ou desanimada, ela nos reconforta.

Texto 3 – (excerto): O operário mostra suas mãos


cheias de calos: durante toda a vida tocaram a terra,
os fogos, os metais. Estão vazias de riquezas, estão
negras, estão cansadas, pesadas. Diz o Senhor: Que
beleza! Assim são as mãos dos santos.

Vejamos como Aranha e Martins (1986, p. 42) analisam os textos desses


alunos à luz da Análise do Discurso:

[…] a realidade mostrada à criança é estereotipada,


idealizada e, portanto, deformadora. […] Esses textos
mostram a sociedade como una e harmônica, cada
pessoa cumprindo seu papel como se fosse um destino
UNIUBE  27

a que não se pode fugir e ao qual se devem confor-


mar (alegremente, de preferência). A impressão que
se tem é que a riqueza e a pobreza fazem parte da
natureza das coisas, e não são resultado da ação dos
homens. Resta aos pobres, a paciência e aos ricos, a
generosidade.

Também a família é apresentada sem conflitos, com


papéis bem marcados: o pai tem a função de prove-
dor, a mãe é a "rainha do lar"; a criança é atenciosa e
obediente […] a empregada, geralmente preta, é feliz
por ser "quase alguém da família". Mundo sem precon-
ceito, este, em que as raças se irmanam […]

Cremos que você pode estar alegando que alguns aspectos ideológicos
que os autores levantaram, já não sejam mais tão marcantes nos dias
de hoje. Isso é natural; lembra­‑se do que dissemos do caráter histórico e
social do discurso? Discursos não são fixos. Eles mudam como mudam
a história, a sociedade, a política, a ideologia… E você vai precisar dos
conceitos de outras disciplinas – História, Sociologia, Psicologia, Psica-
nálise – para auxiliar seu aluno a analisar as condições de produção de
cada discurso avaliado. E então? Conseguiu perceber o quanto o ensino
da leitura, com o auxílio dessa teoria, pode ser prazeroso e rico?

1.8.2.5 Neurolinguística

Por falar em ensino da leitura, a Macrolinguística engloba outro ramo


que tem como objeto de estudo um aspecto importante nessa aprendiza-
gem: a Neurolinguística. Ela preocupa­‑se com a elaboração cerebral da
linguagem, ou seja, interessa a ela os mecanismos do cérebro humano
que permitem a compreensão e a produção da língua.
28 UNIUBE

Embora não trataremos dessa ciência em seu curso, cremos importante


que você conheça algo sobre ela, pois, apesar de relativamente nova,
devido a sua interdisciplinaridade, já conquistou espaço e interesse de
importantes estudiosos.

A seguir elencamos, em linhas gerais, o que tem caracterizado o campo


de interesses da Neurolinguística (MORATO apud MUSSALIM; BENTES,
2001):

1.  estudo do processamento normal e patológico da


linguagem a partir de construtos e modelos elabo-
rados no campo da Linguística, da Neuropsicologia,
da Psicolinguística, da Psicologia Cognitiva. A este
item vincula­‑se ainda o interesse por temas neuro­
linguísticos tradicionais como neuropsicofisiologia
da linguagem, semiologia das chamadas patologias de
linguagem etc.;

2.  estudo da repercussão dos estados patológicos no


funcionamento da linguagem, bem como das relações
entre o normal e o patológico nas práticas linguístico­
‑discursivas;

3.  estudo de processos de significação (verbal e não


verbal) levados em conta por sujeitos com afasia, de-
mência, surdez etc.;

4.  discussão de aspectos teórico­‑metodológicos re-


lacionados aos procedimentos avaliativos e condutas
terapêuticas destinadas ao contexto das patologias
de linguagem;

5.  estudo dos processos que inscrevem linguagem e


cognição em um quadro relacional.

Como pudemos perceber, o estudo da Neurolinguística é essencial para


melhor compreender o funcionamento da língua e de sua produção.
UNIUBE  29

1.8.2.6 Linguística textual

Na década de 1960 começa a despontar na Europa um novo enfoque nos


estudos linguísticos, criando um novo ramo da Linguística que direcionará
suas pesquisas para a unidade "texto": a Linguística textual.

Esses estudos surgiram pelo fato de as gramáticas não conseguirem


explicar muitos dos fenômenos que ocorriam nas frases. Há colocações
das palavras em determinadas ordens em uma frase que a gramática não
consegue classificar, assim como certas alterações que a entoação pode
provocar nas categorizações das frases. Existem certas relações entre
sentenças não ligadas por conjunções que a gramática não abrange, a
menos que se considere como unidade de estudo algo maior que a frase:
o texto. E que se considere, ainda, esse texto inserido em um contexto
situacional para que faça sentido.

A Linguística do texto ou Linguística textual, entre diversas concepções de


texto que traz em seu bojo, considera um texto como "a forma específica
da manifestação da linguagem" (FÁVERO; KOCH, 1994). Esse assunto,
além de interessante, é de grande valia para o professor de língua. Com
base nisso, você fará estudos sobre gêneros textuais, processos de re-
ferenciação, de inferenciação e de acesso ao conhecimento prévio. Em
linhas gerais, cada item assim se estruturará:

[...] gêneros textuais: você entrará em contato com


essa expressão, referindo­‑se aos textos materializados
que encontramos em nossa vida diária e que apresen-
tam características sócio­‑comunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composi-
ção característica.
30 UNIUBE

Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: te-


lefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal,
romance, bilhete, reportagem jornalística, aula ex-
positiva, reunião de condomínio, notícia jornalística,
horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de
compras, cardápio de restaurante, instruções de uso,
outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso,
piada, conversação espontânea, conferência, carta
eletrônica, bate­‑papo por computador, aulas virtuais
e assim por diante.

[...] processos de referenciação: nesse momento, você


será convidado a perceber que, no interior dos textos
orais ou escritos, existem estratégias usadas para fazer
com que eles progridam, tragam novas informações,
mantendo­‑se coesos. E, entre essas técnicas, existem
duas bastante importantes: a primeira é a referenciação,
ou seja, as diversas maneiras de referir­‑se às coisas do
mundo, ao que já foi dito, imprimindo assim, ao texto, uma
sequencialidade. Aqui, veremos como esses referentes
são introduzidos, conduzidos, retomados, apontados e
identificados no texto. E, mais ainda, perceberemos que
a referencialidade caminha junto à segunda técnica – a
organização do texto em tópicos, que são os assuntos
tratados ao longo desse texto e também contribui para
sua progressão. Saiba que muitas das dificuldades de
nossos alunos do Ensino Fundamental e Médio nascem
da sua dificuldade em perceberem tais mecanismos nos
textos que leem e construí­‑los nos textos que produzem
(MARCUSCHI, 2002).

Veja, nos exemplos a seguir, como será interessante essa parte de seu
estudo. Observe como os interlocutores dos textos construíram a refe-
renciação:

  exemplificando! 

Não há nenhuma dúvida de que estar exposto ao cigarro alheio mata. O debate
sobre isso, do ponto de vista científico, acabou. Não existe mais.
UNIUBE  31

Responda: o pronome isso faz referência a que parte do texto? Está


explícito, não é?

A parte retomada pelo isso é – estar exposto ao cigarro alheio mata.

Agora, analise outro exemplo:

  exemplificando! 

O casal discutia acaloradamente. Observando­‑o à distância, dir­‑se­‑ia que ele


discordava (KOCH; MARCUSCHI, 1998, p. 9).

Os pronomes o e ele fazem referência a que neste modelo? Qual o pro-


cesso de referenciação que o autor escolheu para construir seu texto:
os dois pronomes têm o mesmo referente – casal?

Dois linguistas famosos, Koch e Marcuschi (1998, p. 9), trazem as


respostas:

Alguns dirão que não, sendo que o primeiro pronome –


o – refere "o casal" e o segundo – ele – refere o "o
homem", já que se trata (supostamente) de um casal
composto de um homem e uma mulher. No entanto,
é posição igualmente correta responder que ambos
os pronomes referem "ao homem", pois ele seria o
referente observado que discordava.

Neste exemplo, percebemos que o processo de referenciação tem natu-


reza cognitiva e não lança mão de um antecedente explícito no interior
do texto.
32 UNIUBE

• processos de inferenciação: Você já se percebeu fazendo uma infe-


rência? Ou já notou esse processo na pessoa que o escuta, em uma
conversa? Se sim, defina inferência.

Veja se a sua definição confere com a linguista brasileira Koch (1997,


p. 29­‑30) para quem

[…] as inferências constituem estratégias cognitivas


por meio das quais o ouvinte ou leitor, partindo da
informação veiculada pelo texto e levando em conta
o contexto (em sentido amplo), constrói novas repre-
sentações mentais e/ou estabelece uma ponte entre
segmentos textuais, ou entre informação explícita e
informação não explicitada no texto.

Essa estratégia de preencher o "vazio" deixado pelas informações veicu-


ladas pelo texto oral ou escrito acontece quando a referência a um objeto
não é feita por formas linguísticas que o designe. Nesse caso, o leitor
ou ouvinte se vê obrigado a fazer a interpretação da referência por meio
da inferência. Estudiosos concordam que em toda e qualquer atividade
referencial há certa presença de inferência (SILVA, 2006).

Considere as várias inferências que o leitor da frase a seguir deve fazer para
que ela tenha sentido: "Meu filho, a tia Sofia virá para o Natal". Uma delas é
que tia Sofia deve residir em outro local que não o dos interlocutores desse
enunciado. Outra inferência possível é que a data natalina esteja próxima.

Mesmo diante de vários tipos de inferências que são classificadas pelos


linguistas, percebe­‑se que, para interpretar o que lemos ou ouvimos,
fazemos conexões buscando a relação que se nos faça lógica entre as
ideias contidas no texto (no enunciado do nosso exemplo). Aqui se faz
necessário o nosso conhecimento de mundo para preencher o "vazio"
deixado pelo enunciado.
UNIUBE  33

• processos de acesso ao conhecimento prévio: você já deve ter no-


tado que apenas o conhecimento linguístico não basta para calcular o
sentido de um texto, não é? Nisso, os linguistas brasileiros Koch e Tra-
vaglia (1997, p. 60­‑61) concordam com você. E acrescentam que:

[…] o estabelecimento do sentido de um texto depende


em grande parte do conhecimento de mundo dos
seus usuários, porque é só este conhecimento que
vai permitir a realização de processos cruciais para a
compreensão do texto que se lê ou que se ouve.

Os processos a que os autores acima se referem começam com a cons-


trução de um mundo textual tanto pelo receptor como pelo emissor do
texto. Ou seja, a representação do mundo por intermédio do texto, a ser
feita tanto pelo produtor do texto quanto pelo leitor, perpassa os conhe-
cimentos de mundo dos dois interlocutores, os interesses e objetivos do
produtor e do receptor/interpretador.

Esse conhecimento teórico é muito importante para você, futuro profes-


sor de língua, que deverá estar atento ao conhecimento de mundo que
seus alunos trazem para a sala de aula, para que possa escolher desde
o vocabulário a usar com eles até os textos a serem trabalhados.

Imagine a dificuldade de alunos de uma região em que é difícil o acesso


ao computador e o seu professor lhes traz um interessante texto so-
bre Second Life, como o que temos no exemplo a seguir, extraído da
Wikipédia.
34 UNIUBE

  exemplificando! 

O Second Life (também abreviado por SL) é um ambiente virtual e


tridimensional que simula em alguns aspectos a vida real e social
do ser humano. Foi criado em 1999 e desenvolvido em 2003 e é
mantido pela empresa Linden Lab. Dependendo do tipo de uso,
pode ser encarado como um jogo, um mero simulador, um comér-
cio virtual ou uma rede social. O nome "Second life" significa em
inglês "segunda vida", que pode ser interpretado como uma "vida
paralela", uma segunda vida além da vida "principal", "real". (Dis-
ponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Second_Life>. Acesso em:
14. dez. 2009).

Voltemos aos processos de acesso ao conhecimento prévio ou de


mundo, com o segundo processo que é o de "relacionar os elementos
do texto (frases, partes do texto), aparentemente sem relação, através
de inferências" (KOCH; TRAVAGLIA, 1997). Esse é outro aspecto a que
você deve estar atento quando expuser seus alunos a textos. Muitas das
dificuldades de interpretação deles provêm da incapacidade de fazer a
inferência solicitada em alguma parte do texto por não portarem o co-
nhecimento prévio necessário.

O terceiro processo que ajuda na interpretação de um texto, no interior


do conhecimento que o aluno já possui, diz respeito à habilidade de es-
tabelecer ou não a continuidade de sentido do texto que lê ou ouve por
meio do "conhecimento ativado pelas expressões do texto na forma de
conceitos e modelos cognitivos" (KOCH; TRAVAGLIA, 1997).

Note esse processo acontecendo na interpretação do texto a seguir.


"Joãozinho foi convidado a jantar na casa da namorada. A mesa era
farta, saladas, massas, camarões e peixes assados. Os crustáceos
davam água na boca, eram grandes e rosados." Se o seu futuro aluno
UNIUBE  35

desconhece o conceito de crustáceos, ser­‑lhe­‑á difícil perceber a qual dos


itens os adjetivos se referem. Para a compreensão do texto, também foi
necessária a ativação do modelo cognitivo que lhe dê a ideia do cenário
de um jantar: convidados, família da namorada, Joãozinho, sentados em
torno de uma mesa com os alimentos dispostos em vasilhames sobre a
mesa. Os convidados se servem ou podem ser servidos…

Há, ainda, um último processo que você deve estar familiarizado e levar
ao conhecimento do seu aluno para fazer parte de seu repertório ne-
cessário à interpretação e compreensão de um texto: é o processo da
construção da macroestrutura. Acredito que, pelo seu conhecimento
de mundo, quando depara com um texto que inicia por "Era uma vez um
rei de um país muito distante…" você sabe tratar­‑se de uma história ou
conto de fadas. Ou, quando vê um texto em versos que se distribuem
em quadras ou estrofes, sabe tratar­‑se de poesia.

O conhecimento dessas estruturas globais características de cada texto


(macroestruturas) é fundamental tanto para quem produz quanto para
quem interpreta (lê ou ouve) o texto.

Caro(a) aluno(a), você deve ter observado, pois o alertamos no início


do capítulo, que estamos sempre nos referindo ao ato de ler ou ouvir
os textos que lhe expomos para estudo, certo? Isso porque os estudos
linguísticos que o seu curso lhe oferecerá consideram a relação entre
a oralidade e a escrita – duas modalidades distintas do uso da língua –
como atividades interativas e complementares no contexto das práticas
sociais, mas que não são suficientemente opostas para serem caracte-
rizadas como dicotômicas ou como dois sistemas linguísticos.
36 UNIUBE

  parada para reflexão! 

Depois de vermos, em linhas gerais, a área de estudo da Linguística do texto,


reflita sobre os interessantes conceitos aprendidos e responda:

• Todo esse estudo estará inserido em qual das funções da língua estudadas
pela macrolinguística: social, estética, literária ou comunicativa?

Esperamos que sua reflexão o(a) tenha levado a perceber que, ao en-
fatizar a produção/compreensão/interpretação de textos, a Linguística
textual destaca, entre outras coisas, a função comunicativa da língua.

1.8.2.7 Estilística

Análise gramatical versus análise estilística versus análise literária

Acreditamos que, se lhe fosse solicitado, nessa altura dos estudos, que
fizesse uma análise gramatical de um enunciado, você certamente daria
conta dessa incumbência. Mas, e se no propósito de levá­‑lo a perceber
a função estética da língua, fosse­‑lhe dada a tarefa de fazer a análise
estilística desse enunciado? Já estudou ou leu algo a esse respeito? Não
estamos falando de uma análise, que, inclusive, é outra função da língua:
a literária. Lembra­‑se de quando elencamos anteriormente as cinco fun-
ções da língua com as quais a Macrolinguística se preocuparia?

Retornando à nossa pergunta, tenha certeza de que, durante o seu per-


curso profissional, na execução de sua tarefa junto a seus alunos, você
precisará desse conhecimento teórico para esclarecê­‑lo, por exemplo,
numa situação em que depare com a frase: "A lua está, hoje, clarinha" e
tenha de fazer a análise do grau do adjetivo "clara" na frase.
UNIUBE  37

Pela análise gramatical, você analisará que trata­‑se de um adjetivo no


seu grau diminutivo (sufixo: "inha" – como em casinha, menininha…).

No entanto, essa classificação poderá lhe causar certa estranheza, pois


no contexto situacional da frase, não cabe a ideia de diminutivo. E é nesse
momento que a análise estilística entrará o auxiliando a explicar ao seu
curioso aluno que "essa é uma particularidade do sistema expressivo da
língua portuguesa, usada para uma eficácia estética de transmitir a ideia
superlativa de claridade, excesso de luz" (BECHARA, 2006).

Aqui, faz­‑se necessária uma distinção importante: a da diferença en-


tre análise estilística e análise literária. Como nos esclarece Bechara
(2006, p. 61),

[…] mesmo trabalhando num mesmo trecho, ambas


têm preocupações diferentes e utilizam também ferra-
mentas diversas. Em que pese a autoridade de nossos
programas oficiais para o ensino de língua portuguesa,
o que deve ser primordialmente, objeto da tarefa do
professor de língua é a análise estilística (ainda que
elementar, como reza a letra desse mesmo programa)
e não a análise literária, que é de alçada do professor
de Literatura. Ensinando­‑se a língua portuguesa, nada
mais natural do que, num texto literário ou não, res-
saltar o sistema expressivo e sua eficácia estética no
idioma e nas particularidades idiomáticas de um autor
literário ou de um simples falante.

E o emérito professor e filólogo arremata que, para Traços estilísticos


a Estilística, interessa o levantamento e o estudo
Conjunto de
dos traços estilísticos tanto da língua oral como particularidades do
sistema expressivo
para a eficácia estética
da escrita, do falante comum como do literato, pois
do idioma (BECHARA,
2006, p. 616).
de um mendigo iletrado ao mais culto falante, todos
têm esses traços em sua linguagem.
38 UNIUBE

Para perceber a função literária da língua, você será levado consi-


derar que:

[…] o texto literário tem uma dimensão estética, ou


seja, valoriza a forma em vez do conteúdo, tem uma
dimensão plurissignificativa e de intenso dinamismo,
possibilita a criação de novas relações de sentido, com
predomínio da função poética. É, portanto, um espaço
relevante de reflexão sobre a realidade, envolvendo um
processo de recriação lúdica dessa realidade (SITE
DO ESCRITOR, 2009).

Esses conceitos conferem a distinção necessária entre a função estética


da língua e a função literária, cujo conhecimento será necessário ao
professor de Língua Portuguesa.

Para que todo esse embasamento teórico chegasse até você, foram feitas
muitas pesquisas e análises; teorias foram aceitas, depois abandonadas
e substituídas por outras.

1.8.2.8 Linguística histórica

Na Linguística histórica, você verá o interessante caminho histórico


percorrido pelos estudos e pesquisas linguísticas para se chegar até a
complexidade dos estudos que acabamos de lhe mostrar. Haverá tre-
chos nesse caminho que o farão sorrir da aparente "infantilidade" das
preocupações dos pesquisadores, como no caso de um gramático latino
que, nos primeiros séculos da era cristã, argumentava que a palavra
"ira" (raiva) deveria ser do gênero masculino por ser mais "própria" aos
homens e não às mulheres… Mas não se iluda, todos esses esforços
foram importantes para a compreensão da linguagem na amplitude que
UNIUBE  39

você conhecerá nesse curso e muitas teorias formuladas nessa época


embasam abordagens atuais.


Desses dois campos da Linguística (Macrolinguística e Microlinguística), qual
você imagina tenha constituído o campo de estudo mais antigo e tradicional
da língua?

Se você destacou a Microlinguística, acertou, pois basta observar que


os nomes substantivo, adjetivo, verbo, pretérito, antônimo, pronome,
preposição, são terminologias criadas pelos gregos e romanos na Anti-
guidade.

1.9 Conclusão

Neste capítulo, pudemos ter uma visão ampla do que você verá no seu
curso de Letras, no ramo da Linguística e que será estudado em duas
grandes áreas: a Micro e a Macrolinguística. Tal estudo lhe trará uma com-
preensão maior da língua materna, facilitando o seu trabalho docente.

Resumo

Caro(a) aluno(a),

Com essas rápidas pinceladas sobre a Linguística histórica pretendemos


encerrar este capítulo. Você verá na segunda etapa deste curso, com
40 UNIUBE

maior amplitude, o profícuo trabalho desses gramáticos da Antiguidade.


Foi por meio do esforço deles que, hoje, neste capítulo, chegamos a
conceitos tão claros como o de língua e linguagem. E desses princípios,
a Linguística, num crescendum, destaca outros aspectos da linguagem,
que pode se apresentar no aspecto verbal e não verbal, sendo que o
segundo causa fascínio na criança na fase pré­‑silábica. Você percebeu
que a extensa e dinâmica área de atuação da Linguística pode ser dividida
em três pares de oposições para melhor situar o aluno nesse assunto.
Com esse estudo, percebeu onde se ajusta os campos da gramática,
da sintaxe, da morfologia, da semântica, entre outras "matérias" vistas
nos ensinos Fundamental e Médio. Acreditamos que alguns enfoques
da Linguística são novidade para você, como a interessante Análise da
conversação e os novos conceitos trazidos pela Análise do Discurso. O
termo neurolinguística não lhe soará estranho, assim como a Linguís-
tica do texto, que nos próximos capítulos dará maior aporte teórico para
aumentar sua competência quando for trabalhar a língua por meio dos
textos. E, assim, fechamos o círculo sobre a área que delimitamos para
estudarmos neste capítulo. A partir dele, esses conceitos serão amplia-
dos e contextualizados. Sugerimos que não deixe de fazer as leituras
obrigatórias nem as que lhe são sugeridas. O prazer de fazer bem feita
nossa prática educativa não tem preço e está apoiado em uma base
sólida de conhecimento.

Sucesso.
UNIUBE  41

Atividades

Após a leitura do capítulo e após ter discutido e esclarecido suas dúvidas com
o preceptor, resolva os estudo dirigido proposto nas atividades a seguir.

Atividade 1

Releia as definições dos objetivos da Linguística teórica e da aplicada.


Reflita sobre o que você aprendeu neste capítulo sobre as suas fun-
ções como futuro professor de língua e, em um texto claro e conciso,
responda:

Para o professor de língua portuguesa, de língua inglesa, de língua


espanhola, entre outras, o que se faz mais necessário: as informações
oferecidas pela Linguística teórica ou a experiência didática oferecida
pela Linguística aplicada, decorrente da aplicação das descobertas e das
técnicas do estudo científico da língua?

Atividade 2

Você deve ter observado que, quando falamos, não nos preocupamos
em fazer a distinção entre os conceitos língua e linguagem. Empregamos
tanto um quanto outro termo, às vezes, em uma mesma situação. Mas,
para os linguistas, cada uma tem um significado distinto. Explique o que
você entendeu de cada um.

Atividade 3

Baseando­‑se nas informações gerais que lhe passamos sobre a Neurolin-


guística e sobre os conceitos de linguagem e língua, reflita e responda:

O objeto de estudo/pesquisa dessa ciência é a língua ou a linguagem?


Justifique sua resposta.
42 UNIUBE

Atividade 4

Em todo o capítulo destacamos a necessidade de o ser humano ter o


domínio da língua, tanto oral quanto escrita, e a responsabilidade da
escola de transmitir os saberes linguísticos aos seus aprendizes.

Qual a utilidade para o indivíduo, na vida real, do domínio da língua se


todos, independentemente da escola, são capazes de se comunicarem
uns com os outros?

Referências

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Filosofia. São Paulo: Moderna, 1986. Cap. 7, p. 69­‑93.

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BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro:


Lucerna, 2006.

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Nacionais: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília,
1997. 144p. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.
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DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1998. 653 p.

FÁVERO, L. L.; KOCH, I. G. V. Linguística textual: Introdução. 3. ed. São Paulo:


Cortez Editora, 1994.

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FERREIRA, A. B. de H. Aurélio: novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. revista
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GRICE, Paul. Lógica e conversação. In: Fundamentos metodológicos da


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GRIZZUTI, Gustavo Félix. A função social da linguagem jurídica através dos


tempos. 2006. Disponível em: <http://www.ucm.es/info/especulo/numero33/lejuridi.
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KERBRAT­‑ORECCHIONI, Catherine. Análise da conversação. Princípios e


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KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

____ ; TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. São Paulo: Cortez Editora, 1997.

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LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Trad. Marilda W. Averbug


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44 UNIUBE
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WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da Linguística. Trad. Marcos Bagno. São


Paulo: Parábola, 2002.
Concepções de
Capítulo linguagem e o
2 ensino de língua
materna
Irene de Lima Freitas / Sandra Eleutério Campos Martins

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Neste capítulo estudaremos as abordagens linguísticas que


tratam das três concepções de linguagem, as quais funcionam
como diretrizes da prática pedagógica do professor de língua
materna.

Você terá a oportunidade de conhecer e de comparar as pers-


pectivas de cada uma dessas concepções. A primeira teoriza
que a linguagem é a maneira de o homem expressar o mundo
sob sua visão e o seu pensamento. A segunda é aquela que vê
a linguagem como instrumento de comunicação. E a terceira é a
que considera a linguagem como um processo de interação entre
interlocutores em determinado contexto social e histórico.

Os conceitos aqui descritos e analisados servirão de alicerce na


edificação do conhecimento necessário para que você, futuro
professor de língua portuguesa, reconheça que o domínio da
língua é um dos fatores de cidadania e de inclusão social, e
46 UNIUBE

também para que possa refletir sobre qual dessas concepções


deverá nortear sua prática docente. Ter consciência desses as-
pectos é o ponto­‑chave para cativar o aluno que, muitas vezes,
não percebe a necessidade de estudar a sua própria língua, já
que acredita dominá­‑la de modo suficiente.

Assim, em consonância com a unidade temática da linguagem


verbal e o contexto, este capítulo pretende auxiliá­‑lo na prática
profissional, a fim de que você se identifique como um professor
educador comprometido com o desenvolvimento humano em
todas as suas dimensões e que amplie a compreensão do fenô-
meno da linguagem como um processo discursivo, interacional
e sócio­‑histórico.

Além disso, a compreensão dessas teorias servirá de base para


os assuntos que serão desenvolvidos nos próximos capítulos,
tendo em vista que todas as abordagens do curso estão rela-
cionadas aos estudos da linguagem.

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• distinguir os diferentes modos de se conceber a lingua-


gem;
• explicar por que a cada concepção de linguagem corres-
ponde uma prática de ensino e um "conteúdo de ensino"
diferente;
UNIUBE  47

• explicitar relações existentes entre as concepções de


linguagem e as práticas de ensino.

Esquema
Concepções de
linguagem

Linguagem como Linguagem como Linguagem como


expressão do instrumento de processo de ação
pensamento comunicação e interação

-Pensamento lógico -Transmissão de informações Linguagem: atividade


-Estudo gramatical -Emissor/receptor discursiva
normativo/tradicional -Língua: sistema -Contexto
-Estudo gramatical -Interlocutores: sujeitos
normal/tradicional de ação
-Interação comunicativa:
produção de efeitos de
sentido entre interlocutores

 2.1 Considerações iniciais

Você já observou que o ser humano relaciona­‑se tanto com a natureza


quanto com seus semelhantes por meio de símbolos que constituem
sistemas arbitrários de representação? Por que são arbitrários? Porque
são criações da própria humanidade que determina o que cada símbolo
irá significar em cada um desses sistemas. Em Linguística, os sistemas
arbitrários são a não existência de relação entre a forma e o significado
de um termo, uma vez que o conceito veiculado por uma palavra não
tem nenhuma relação de necessidade com a sequência sonora ou com a
grafia dessa palavra, isto é, não há nenhuma razão para que determinada
forma (palavra) corresponda um determinado significado.
48 UNIUBE

A linguagem é a capacidade humana de articular esses significados co-


letivos e compartilhá­‑los. É, ainda, uma herança social que envolve os
indivíduos e faz com que as estruturas mentais, emocionais e perceptivas
sejam reguladas por seu simbolismo.

A linguagem nasceu por força das práticas sociais e não é capaz de


existir no vazio e seu grande objetivo é a interação, a comunicação de
um sujeito com outro, dentro de um espaço social, pois, é pela linguagem
que as pessoas se comunicam, têm acesso à informação, expressam
e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo e
produzem cultura. Por isso, o domínio da linguagem, como atividade
discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, que constitui um sistema
simbólico utilizado por uma comunidade linguística, constituem condi-
ções de plena participação social.

  explicando melhor 

Prática social: refere­‑se à produção discursiva em determinado contexto


sociocultural e político (com seus valores, ideologias, relações de poder) que
dá forma e características específicas ao discurso.

Interação verbal: toda e qualquer comunicação que se realiza pela lingua-


gem, tanto as que acontecem na presença (física) como na ausência do
interlocutor. É considerada interação tanto uma conversação presencial, ou
virtual, quanto uma conferência ou uma produção escrita, pois todas são
dirigidas a alguém.

Cultura: conjunto de criações humanas de uma sociedade, seus usos, cos-


tumes, conhecimentos, suas crenças, leis, artes, dentre outros.

Sistema simbólico (código; sistema de sinais; sistema de signos): con-


junto de sinais, signos ou símbolos que, por convenção prévia, destina­‑se a
UNIUBE  49

representar e transmitir informação entre interlocutores (ex.: palavras, sons,


desenhos, sinais de trânsito, gestos etc.).

Qual seria, então, a instância social em que os indivíduos teriam acesso


a esses saberes? A resposta é a escola, cuja função e responsabilidade é
contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos conhecimentos lin-
guísticos necessários para o exercício da cidadania. Mas esses saberes
estão contemplados nos currículos das escolas? A prática pedagógica dos
educadores envolvidos no processo de ensino­‑aprendizagem de língua
materna tem oportunizado a aprendizagem desses conhecimentos?

A resposta é negativa. Os saberes linguísticos – necessários à plena


participação social – cujo domínio é exigido nas diversas situações de
comunicação humana, infelizmente não têm sido ensinados na maioria
das escolas.

Aqui cabe, então, outra pergunta: por quê? E a resposta é imediata:


justamente porque nem todos concebem a linguagem como forma ou
processo de interação humana. Muitos a concebem como expressão
do pensamento e outros, ainda, como instrumento de comunicação. Em
consequência disso, há interferências – originárias de cada uma dessas
concepções da linguagem – no processo de ensino­‑aprendizagem de
língua materna.


Como se caracteriza, então, cada prática pedagógica determinada por cada
uma dessas maneiras de compreender o fenômeno da linguagem? A adoção
50 UNIUBE

de uma ou outra concepção de linguagem determina apenas outra metodo-


logia, ou, constrói também um "novo conteúdo" de ensino? Quais as conse­
quências de se adotar uma ou outra concepção de linguagem para o processo
de formação integral das crianças e dos jovens brasileiros?

Essas são algumas das questões que se colocam hoje, para todos nós,
educadores. Tentar respondê­‑las é um desafio que devemos enfrentar.

Ao longo da História, a linguagem tem sido concebida de diferentes


formas, as quais relacionam­‑se a diferentes formas de ensino da língua
materna, como veremos a seguir.

2.2 Linguagem como expressão do pensamento

A mais antiga das concepções de linguagem é aquela que diz que a


esta expressa o mundo e o pensamento do homem. Dessa forma, o
homem representa, para si próprio, o mundo por meio da linguagem e,
como consequência, a linguagem reflete o seu pensamento e o seu co-
nhecimento de mundo. De acordo com esse entendimento, a expressão
exterior depende apenas do pensamento da pessoa e de sua capaci-
dade de organizá­‑lo de maneira lógica. Por isso, acredita­‑se que o ato
de pensar de forma lógica, que resulta na lógica da linguagem, deve
ser construído por regras que se situam dentro do domínio do estudo
gramatical normativo ou tradicional, o qual defende que saber língua é
saber teoria gramatical. Em decorrência disso, quem fala ou escreve bem,
seguindo e dominando as normas que compõem a gramática da língua,
é um indivíduo que organiza o seu pensamento de maneira lógica. Se o
UNIUBE  51

ensino de língua materna estiver voltado para essa concepção, haverá


preocupação apenas com a teoria gramatical, isto é, com classificações
e regras em atividades que não exigem do aluno quase nenhum tipo de
reflexão. Assim, não levará o falante ao uso eficiente da língua.

  explicando melhor 

Estudo gramatical normativo: Baseado na distinção de níveis de língua: a


norma culta define­‑se como língua de prestígio a ser imitada; a norma popu-
lar, como errada, inferior. Assim, prescrevem­‑se normas da "boa" língua e do
"bom uso" da língua, estabelecendo­o que é certo e o que é errado (estudo
prescritivo).

2.3 Linguagem como instrumento de comunicação

Outra concepção da linguagem é aquela que a encara como instrumento


de comunicação, e a língua, como um sistema de signos – como um
código, por meio do qual um emissor comunica diferentes mensagens
a um receptor. Dessa forma, a função principal da linguagem segundo
essa concepção é a transmissão de informações,
Elementos
e seus estudos ficam restritos ao processo interno extralinguísticos
de organização do código, que privilegia, então, a
Fatores que
não pertencem
forma, o aspecto material da língua e as relações
propriamente às
normas gramaticais,
que constituem o seu sistema total, em detrimento mas ao uso destas
na produção e
do conteúdo, da significação e dos elementos compreensão dos
enunciados. Esses
extralinguísticos que constituem as situações fatores dizem respeito
ao sujeito enunciador
de comunicação. Em outras palavras, se o ensino e ao contexto da
situação.
de língua estiver voltado para essa concepção,
52 UNIUBE

preocupar­‑se­‑á com a língua enquanto sistema – como as palavras


são formadas, como se relacionam entre si – desconsiderando­‑se que
no processo de comunicação humana um sujeito o faz tendo em mente
vários aspectos, tais como: finalidades e intenções; suposições do co-
nhecimento que seu interlocutor possa ter sobre
Enunciado o assunto; grau de familiaridade e relação de afi-
Designa toda nidade que possuem; posição social e hierárquica
sequência acabada
de palavras de uma que possuem, dentre outros aspectos que são
língua emitida por um
ou vários falantes. determinantes na constituição dos enunciados.

2.4 Linguagem como processo de ação e interação

Como já foi dito, o domínio da linguagem e o domínio da língua consti-


tuem condições de plena participação social, para que se estabeleça,
de fato, o processo de interação entre os falantes de uma comunidade
linguística. Não há como conceber a linguagem senão como a realiza-
Contexto ção de uma atividade discursiva, em que alguém

Refere­‑se à situação diz alguma coisa a outrem, de determinada forma,


comunicativa cultural,
sociopolítica e em determinado contexto sócio­‑histórico e em
histórica que faz com
que a interlocução determinadas circunstâncias de interlocução.
tenha determinado
sentido em Essas circunstâncias referem­‑se às finalidades
determinado momento.
e intenções do locutor; aos conhecimentos que
Interlocução
acredita que seu receptor possua sobre o assunto;
Comunicação ao que supõe serem suas opiniões e convicções;
entre falantes que
interagem em
à relação de afinidade e grau de familiaridade que
dada situação de
comunicação humana.
têm; e da posição social e hierárquica que ocupam.
UNIUBE  53

Tudo isso é que define as escolhas do gênero Gênero

em que o discurso se realizará, as estratégias de Formas relativamente


estáveis de
estrutura e a seleção de recursos linguísticos que enunciados,
disponíveis na cultura,
serão utilizados. caracterizados pelo
conteúdo, estilo,
construção; "famílias"
Entendendo­‑se, então, a linguagem como interação de textos que
compartilham algumas
humana, coloca­‑se no centro da reflexão o sujeito características
comuns. Os gêneros
da linguagem, as condições de produção do dis- são historicamente
determinados.
curso, o ambiente social e histórico, as relações de
sentido estabelecidas entre os interlocutores, a argumentação, a intenção,
ou seja, lugares que os protagonistas do discurso ocupam nos processos
discursivos. As relações entre esses lugares estão representadas por ima-
gens que o locutor atribui a si próprio e ao outro, além da imagem que cada
um faz de seu próprio lugar e do lugar do outro. Com isso, a linguagem
se faz pela interação comunicativa mediada pela produção de efeitos de
sentido entre interlocutores, em dada situação e em um contexto sócio­
‑histórico e ideológico, sendo os interlocutores sujeitos que ocupam um
lugar nesse contexto. Nesse sentido, a norma culta é vista apenas como
uma das variantes de nossa língua, uma possibilidade a mais de uso e não
exclusivamente como o único uso correto do ponto de vista linguístico e
nem a única linguagem representante de uma cultura. Instaura­‑se, então,
um processo de ensino­‑aprendizagem que considera a relação dialógica e
polifônica em contextos não imunes às variações e diferenças existentes
nas situações concretas de uso da língua. Ou seja, ensina­‑se a norma
culta como uma das possibilidades de uso da língua, em situações da vida
social cotidiana que a exijam, como também se reafirma a existência de
outras normas, de outras variedades linguísticas que podem e devem ser
utilizadas, dependendo da situação de comunicação. Assim, o ensino da
54 UNIUBE

língua materna parte sempre do contexto de produção do discurso, das


intenções do locutor, de quem é seu interlocutor, de quando e por que se
quer falar ou escrever algo a alguém, pois tudo isso é que vai definir quais
elementos do código e de que maneira eles serão utilizados na leitura e
na produção de gêneros textuais veiculados na sociedade.

  explicando melhor 

Condições de produção do discurso: são os lugares que os protagonistas


do discurso ocupam nos processos discursivos. As relações entre esses lu-
gares estão representadas por imagens que o locutor atribui a si e ao outro e
à imagem que cada um faz de seu próprio lugar e do lugar do outro.

Efeitos de sentido: são as palavras, expressões, proposições que mudam


de sentido conforme as posições sustentadas por aqueles que as empregam,
isto é, de acordo com a ideologia que veiculam.

Norma culta: variedade da língua usada pelas pessoas ditas "escolariza-


das". É a norma de prestígio que tem como referência o modelo dos grandes
escritores e literatos.

Dialogismo e polifonia: diz respeito à pluralidade de vozes (de enunciadores


diversos) consoantes ou dissoantes, que se entrecruzam no discurso.

Competência Para melhor conhecer as relações entre as diferen-


discursiva
tes concepções de linguagem e a prática pedagógica
Capacidade de produzir
discursos – orais ou
é preciso sempre elucidar algumas das questões
escritos – adequados
às situações de
referentes ao fracasso escolar, em relação à apren-
interlocução,
considerando todos dizagem da leitura e da escrita e apontar algumas su-
os aspectos e
decisões envolvidas gestões de atividades que podem ser propostas aos
nesse processo (ex.:
convencer, fazer rir, alunos, a fim de modificar o quadro de desempenho
informar etc.).
destes, em relação à sua competência discursiva.
UNIUBE  55

Resumo

Neste capítulo estudamos as três concepções de linguagem que cos-


tumam nortear a prática pedagógica do professor de língua materna,
para que você, futuro professor, a partir deste estudo, possa identificar
a concepção que deverá ser o fio condutor de suas atividades profissio-
nais no preparo de aulas, na elaboração de exercícios e na avaliação do
desempenho de seus alunos.

Atividades

Depois de ter lido o capítulo, discutido e esclarecido suas dúvidas com


o preceptor, responda as atividades a seguir.

Atividade 1

Leia os enunciados A e B e identifique a concepção de linguagem subja-


cente:

A)  Separe as orações subordinadas dos períodos a seguir e classifique­‑as:

I) Parece que a situação melhorou.


II) Daremos o prêmio a quem o merecer.
III) Só desejo uma coisa: que vivam felizes.
IV) Os animais que se alimentam de carne chamam­‑se carnívoros.
V) Os jogadores dirigiram­‑se ao estádio, onde a multidão os esperava.
VI) Valério, que nasceu rico, acabou na miséria.
VII) Por mais que gritasse não me ouviram.
VIII) Fazia tanto frio que meus dedos estavam endurecidos.
56 UNIUBE

IX) Enquanto foi rico, todos os procuravam.


X) Aproximei­‑me dele, a fim de que me ouvisse melhor.

Concepção de linguagem:___________________________________

B)  Complete as lacunas das palavras a seguir com s, ss, ç ou c:

a) Dan___a; Ân____ia; Ma___iço.


b) Discu___ao; Ma___arico; Preten___ioso.
c) ___ebo; carro___el; Ascen___ao.
d) Pê___ego; Descan___ar; Suí___o.
e) Pa___oca; Hortên___ia; So___ego.
f) Remor___o; Mi___angas; Esca___o.
g) Far___a; Mu___ulmano; Igua___u.
h) Obse___ão; A___afrâo; Exce___ão.

Concepção de linguagem: ___________________________________

Referências

FERNANDES, Nohad Mouhanna. Concepções de linguagem e o ensino/aprendizagem


de língua portuguesa. Revista Interletras: Revista Transdisciplinar de Letras,
Educação e Cultura da Unigram­‑MG, 2004. v. 1, n. 1. Disponível em: <http://www.
interletras.com.br/ inter_estudos/concepções.html>. Acesso em: fev. 2006.

GERALDI, J. W. (Org.). As concepções de linguagem. In: O texto na sala de aula.


São Paulo: Ática, 1997.

KOCH, I. V. As diferentes concepções de linguagem. In: A interação pela


linguagem. São Paulo: Contexto, 1992. p. 912.
UNIUBE  57
MORATO, Edwiges Maria. O interacionismo no campo linguístico. In: MUSSALIM,
Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à Linguística. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2005. v. 3.

TRAVAGLIA, L. C. Concepções de linguagem. In: Gramática e interação. São


Paulo: Cortez, 1996. p. 2.123.
O dinamismo das
Capítulo línguas – a variação
3 e a mudança
linguística
Giovanni de Paula Oliveira

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Você já deve ter percebido que, quando conhecemos alguém, às


vezes basta conversarmos menos de um minuto com essa pessoa
para logo percebermos se ela é da região geográfica em que vive-
mos ou não. E, mesmo na região em que vivemos, é possível iden-
tificar a classe social de alguém, ou até o seu grau de escolaridade,
apenas pela sua maneira de falar. E essas diferenças não param
por aí! Quando ouvimos um falante nativo da língua inglesa, é pos-
sível identificarmos se esse falante é britânico, norte­‑americano,
australiano ou canadense, ou se o espanhol falado por alguém é
europeu ou hispano­‑americano. Mas você sabe por que somos
capazes de identificar essas diferenças? É exatamente isso que
estudaremos neste capítulo. Nele, você conhecerá os principais
conceitos da Sociolinguística, que é a área da Linguística que se
ocupa do estudo da variação e da mudança linguística, fenômenos
que ocorrem em todas as línguas.
60 UNIUBE

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• refletir sobre a diversidade linguística inerente a toda e


qualquer língua;
• estabelecer a diferença entre variável, variação e mu-
dança linguística;
• perceber a necessidade de se usar diferentes formas
variáveis em diferentes situações de comunicação;
• compreender a importância das reflexões sobre variação
linguística na sala de aula da escola básica.

Esquema

• Por que as línguas mudam?


• Por que há diferenças linguísticas em regiões diferentes
de um mesmo país?
• Relevância das variáveis linguísticas e não linguísticas.
• As variáveis linguísticas.
• As variáveis não linguísticas.
• A questão do preconceito linguístico e a Sociolinguística
na escola.

 3.1 Considerações iniciais

Antes de iniciarmos o nosso estudo, gostaríamos de propor um pequeno


exercício de reflexão a partir do fragmento de texto a seguir:
UNIUBE  61

Tem vários bairros aqui que o esgoto corre a céu


aberto, porque… o pior bairro chama Vila do Lago,
então tem o Vila do Lago 1 e o Vila do Lago 2, então é
péssimo, e ói, são ruim demais, é lá perto do aeroporto,
e a violência lá é os pior da cidade… agora tem um
bairro tamém que fica perto do centro da cidade que lá
é o pior da cidade… então lá, se você quisé entrá com
esse táxi agora não vai conseguir entrá, e se conseguir
acho que de lá nóis não sai (OLIVEIRA, 2009).

Você notou algo diferente nesse trecho? Releia­‑o e anote o que você
percebeu de diferente.

O fragmento que reproduzimos acima pode parecer estranho à primeira


vista, e você sabe por quê? O estranhamento é causado por se tratar de
um trecho de transcrição de uma entrevista, isto é, um trecho transcrito
da fala de um indivíduo (falante da língua portuguesa do Brasil). Entre
outras coisas, há dois elementos nesse texto que merecem destaque, de
acordo com os objetivos de nosso estudo. Um deles é o trecho que diz "a
violência lá é os pior da cidade" e "de lá nóis não sai". Se consultarmos
a Gramática Normativa em busca de uma explicação, verificaremos que,
na verdade, as duas frases estão erradas porque há um problema de
concordância. Nesse caso, para estarem corretas, as frases deveriam ser
algo como "a violência lá é a pior da cidade" e "de lá, nós não saímos".
O outro elemento interessante no texto é a forma de algumas palavras
como "tamém" e "quisé entrá", que, segundo as regras, têm como forma
correta "também" e "quiser entrar".

Diariamente deparamos com situações que exigem o uso de uma forma


diferenciada da língua que falamos, e todas as formas que fogem ao que
é imposto pela norma culta não são bem­‑vistas pela própria sociedade.
Você já presenciou alguma situação em que uma pessoa foi criticada
62 UNIUBE

porque pronunciou de forma diferente determinada palavra? Ou porque


conjugou um verbo de maneira diferente da que está nas normas da
gramática? Pois bem, situações como essas estão presentes no dia a
dia mais do que imaginamos ou percebemos. Há maneiras de falar que
são consideradas de prestígio na sociedade, em detrimento de outras,
que são consideradas erradas, feias, e por isso os falantes que as usam
são estigmatizados socialmente.

Para que você possa aprofundar seus conhecimentos sobre as questões


que envolvem os fenômenos de variação e mudança linguística, reto-
maremos dois grandes pontos que em diversas épocas permearam as
reflexões em relação à variação e a mudança linguística:

 or que as línguas mudam?


1. P

 or que há diferenças linguísticas em regiões diferentes de um mesmo


2. P
país?

Essas duas questões serão desenvolvidas ao longo de nosso estudo.

3.2 Por que as línguas mudam?

Ao estudar a Linguística do período clássico, que compreende Grécia e


Roma, você deve se lembrar de que uma das perguntas que os gregos
fizeram foi "por que as línguas mudam?". Por trás dessa pergunta sim-
ples está um fato muito importante, que é a consciência de que desde
a Antiguidade o homem já havia deparado com diferenças em sua pró-
pria língua, e, ainda que o ser humano daquela época não conseguisse
UNIUBE  63

explicá­‑las, essa percepção das diferenças acabou levando o homem a


buscar meios para investigar tais fenômenos.

Já nos séculos XIII e XIV, por exemplo, Dante Alighieri, além de ser um
importante poeta italiano, realizou importantes estudos comparativistas,
os quais estão descritos em sua obra De vulgari eloquentia (1304­‑06).
Segundo Robins (2004, p. 133), "Dante tinha profundo conhecimento das
diferenças dialetais existentes dentro de cada área linguística. Em alguns
capítulos de sua obra, faz pormenorizado e bem documentado estudo
dos dialetos italianos". Lyons (1987) afirma que a consciência de que a
mudança linguística existia era consenso entre diversos estudiosos do
passado, no entanto, não havia ainda a ideia de que a mudança linguís-
tica constituía um fato universal, comum a todas as línguas, ideia que se
desenvolveria posteriormente, a partir do movimento neogramático.

  saiba mais 

Dante Alighieri foi um importante poeta italiano. Nascido em 1265, Dante foi
o autor do poema épico A divina comédia, que representou um marco da
língua italiana, em uma época em que apenas os textos escritos em latim
eram valorizados.

No século XX, os linguistas Uriel Weinreich, William Labov e Marvin


Herzog escreveram uma importante obra, chamada Fundamentos em-
píricos para uma teoria da mudança linguística, que foi apresentada
primeiro em um simpósio no Texas, no ano de 1966, e publicada em 1968.
Essa obra trouxe grandes contribuições à teoria da mudança linguística,
tanto que foi reeditada várias vezes e em diversos idiomas, incluindo a
língua portuguesa.
64 UNIUBE

Neogramáticos A primeira evidência de que as línguas passam por

Grupo de linguistas
mudanças ao longo do tempo se deu no campo da
que, no século XIX,
tentava estabelecer
evolução dos fonemas, tanto que a teoria dos neo-
regras universais para
a evolução dos sons
gramáticos foi fundamentada a partir da mudança
das línguas.
fonética, chegando a estabelecer leis universais
que regulavam essa mudança.

No entanto, já na Grécia antiga era possível identificar traços de variação


linguística. Para que você tenha uma ideia, a língua grega antiga podia
ser dividida em vários dialetos, como:

• Grego jônico – falado na Grécia continental e a forma utilizada por


Homero na Ilíada e na Odisseia;

• Grego ático – falado na região Ática, onde fica a cidade de Atenas;

• Grego eólico – falado na Grécia central e na ilha de Lesbos;

• Grego dórico – falado principalmente nas regiões de Creta e Rodes.

  saiba mais 

Homero viveu entre os séculos 8 e 9 a.C. e é considerado o maior poeta da


Grécia antiga. A ele é atribuída a autoria da Ilíada e da Odisseia, as duas
mais grandiosas epopeias (poemas épicos) da Antiguidade.

Lesbos é uma ilha grega situada no lado nordeste do mar Egeu, onde nasceu
a poetisa Safo, cujos poemas faziam referência ao amor entre ela e outras
mulheres. Daí o termo "lésbica" para designar uma mulher homossexual.
UNIUBE  65

O grego ático era considerado a variante padrão do grego antigo, a forma


de prestígio, tanto que até hoje, quando alguém decide aprender grego
clássico, é a variante ática a ensinada nos cursos de grego. Para que
você compreenda a existência de variação nas línguas, vejamos alguns
exemplos no grego clássico.

  exemplificando! 

• No grego ático, o substantivo "jovem" tinha a forma νεανιας (neanías), enquanto


no grego jônico a mesma palavra era pronunciada νεηνιης (neeníes);

• No grego ático, a palavra "família" era pronunciada γενη (géne), enquanto


no jônico a pronúncia era γενεα (génea);

• No grego ático, o número quatro era chamado de τετταρες (téttares), e no


jônico era chamado de τεσσαρες (téssares);

• No ático, a palavra "cavalo" tinha a forma ‘ιππος (híppos), e no jônico tinha


a forma ικκος (íkkos).

Weinreich, Labov e Herzog (2006) propuseram os princípios empíricos


para a teoria da mudança linguística, que seriam cinco fatores que
desencadeiam o processo de mudança nas línguas:

1. fatores condicionantes;

2. transição;

3. encaixamento;

4. avaliação;

5. implementação.
66 UNIUBE

Os fatores condicionantes são os elementos, ou conjuntos de elemen-


tos, que "impulsionam" a mudança linguística em determinada direção,
e não em outra. Como exemplo, podemos citar o sistema de acento na
passagem do latim ao português. No latim, havia apenas palavras paro-
xítonas e proparoxítonas, não havia palavras oxítonas. No processo de
constituição da língua portuguesa, o contato com várias línguas fez com
que o português também tivesse palavras oxítonas.

O segundo princípio, o da transição, pode ser entendido como a mu-


dança de um estado de língua para outro por meio de sucessão de
geração após geração. Há situações em que a transição ocorre. Uma
delas é quando há duas formas existentes na língua, como acontece com
o uso das preposições "para" e "a" com verbos de movimento. Nesse
tipo de situação, uma sentença com o verbo "ir" poderá ser realizada
como "ir para o cinema" ou "ir ao cinema". Mas no processo de mudança
pelo qual a língua portuguesa falada no Brasil passa atualmente há o
aumento do uso da preposição "para" e a diminuição do uso de "a". Ao
mesmo tempo, o uso de "em" em sentenças do tipo "ir no cinema" estão
cada vez mais frequentes, ainda que esse uso não tenha sido aceito
pelas gramáticas.

Outra situação em que há a transição é quando uma forma se torna


obsoleta e acaba sendo substituída por outra mais atual. Para que você
compreenda melhor, lembre­‑se da expressão "vossa mercê", atualmente
substituída por "você".
UNIUBE  67

  pesquisando na web 

Você encontrará um texto de Carlos Drummond de Andrade, intitulado Anti-


gamente, rico de exemplos de transição entrando no site:

<http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond07.htm>.

Drummond faz um jogo de palavras que apresenta ao leitor várias expres-


sões antigas perdidas ao longo do tempo, isto é, formas como "completar
primaveras" e "levar tábua", que se tornaram obsoletas, sendo substituídas
por formas mais atuais como "fazer anos" e "levar fora", em um processo de
transição.

O terceiro princípio é denominado encaixamento. Weinreich, Labov e


Herzog (2006, p. 123) afirmam que a mudança raramente afeta o sistema
inteiro. Isso quer dizer que a transição de um estado de língua para outro
é composto por diversos traços de mudança que vão se "encaixando" no
sistema da língua de forma gradual, e esse encaixamento, por sua vez,
está relacionado a diversos fatores sociais, como idade, sexo, região
geográfica, entre outros.

Um exemplo interessante é a redução do paradigma de certos verbos do


português brasileiro, próprio de situações informais de fala. Tal fenômeno
ocorreu também com a língua inglesa, do período arcaico para o período
moderno. No inglês arcaico, o paradigma das conjugações verbais obe-
decia a uma estrutura que conferia desinências distintas para cada uma
das pessoas e tempos, semelhante à estrutura das línguas românicas.
Com o passar do tempo, o paradigma sofreu um processo de mudança
no sentido de regularizar todas as pessoas e tempos, e hoje é composto
de apenas algumas regras como o "s" da terceira pessoa do singular
68 UNIUBE

do tempo presente. Observe, na Tabela 1, a seguir, um exemplo com o


verbo to love (amar).

Tabela 1: Exemplo de redução de paradigma verbal em inglês.

Inglês arcaico Inglês moderno


ic lufie I love
du lufast you love
he lufað he/she/it loves
wē lufiað we love
hīo lufiaþ they love

O português falado hoje no Brasil, em várias situações, possui um


paradigma de conjugação verbal semelhante ao inglês moderno, de-
corrente de um processo de mudança em progresso. A norma culta da
língua conserva o paradigma, mas as variações não padrão tendem a
simplificá­‑la, ocasionando um fenômeno semelhante ao que demonstra-
mos acima, com o inglês. Veja na Tabela 2, a seguir, um exemplo com
o verbo amar.

Tabela 2: Exemplo de redução de paradigma verbal em português.

Português culto Português coloquial


eu amo eu amo
tu amas tu ama
ele/ela ama
ele/ela ama
você ama
nós amamos nós ama
vós amais ­‑
eles/elas amam eles/elas ama
UNIUBE  69

O quarto princípio é chamado de princípio da avaliação, e refere­‑se à


maneira pela qual a mudança de um traço da língua é recebida pelos
falantes de uma comunidade de fala. No processo de transição de um
estado de língua para outro, há o encaixamento de determinado item na
estrutura linguística e os falantes, por sua vez, avaliarão esse encaixa-
mento quanto ao seu valor social, decidindo qual norma do meio social
será ocupada pela mudança.

  explicando melhor 

Quando uma nova forma linguística é introduzida no sistema da língua, a


própria comunidade decide se essa forma inovadora irá integrar a norma
culta ou se irá integrar o conjunto de formas estigmatizadas socialmente.
Por exemplo: o fenômeno do apagamento do plural na concordância nominal
em sentenças como "João lavou as roda do carro" somente será aceito para
integrar a norma culta quando for aceito pela classe dominante, que dita o
que deve ou não fazer parte da norma culta.

O último princípio é chamado de princípio da implementação, e diz


respeito à maneira como determinada mudança será "espalhada" pela
comunidade de fala. Para que haja mudança linguística, antes de tudo
é necessário que haja um processo de variação, já que toda mudança
pressupõe variação. Assim, para que você possa compreender melhor
o princípio da implementação, é necessário compreender o que é um
fenômeno de variação linguística e como ele ocorre nas línguas.
70 UNIUBE

3.3 Por que há diferenças linguísticas em regiões


diferentes de um mesmo país?

Na seção anterior, vimos que desde a Antiguidade o homem já havia


percebido que as línguas mudam com o tempo, e que havia diferenças
mesmo entre comunidades que falavam a mesma língua. Vimos também
que na década de 1960 Weinreich, Labov e Herzog foram os primeiros
estudiosos a elaborar as primeiras teorias sobre mudança linguística.
Mas havia ainda a necessidade de explicar o fenômeno da variação,
pois, como já foi abordado, toda mudança pressupõe variação.

Diante de questões como "por que há diferenças linguísticas entre co-


munidades que falam a mesma língua?" e "quais fatores desencadeiam
o fenômeno de variação linguística?" é que, ainda na década de 1960,
William Labov, orientando de Uriel Weinreich, desenvolveu pesquisas que
contribuíram imensamente para a emergência do que hoje denominamos
Sociolinguística quantitativa ou laboviana.

A proposta de Labov toma como ponto de partida o estudo da língua em


seu contexto social, com o objetivo de verificar quais são os fatores ex-
teriores à língua que interferem em determinado elemento linguístico, no
sentido de impulsionar o falante no caminho da variação e da mudança
linguística. Labov adota a ideia da heterogeneidade linguística, isto é,
uma língua não é estática, parada no tempo. Pelo contrário, está sempre
em processo de variação e/ou mudança.

Mollica e Braga (2003, p. 12) comentam que uma língua está sujeita a
pressões tanto no sentido de variação e mudança quanto no sentido
da unidade. Isto é, se por um lado há um sistema que precisa de certa
UNIUBE  71

unidade estrutural para funcionar corretamente, por outro há forças ex-


ternas à língua que a "empurram" no sentido da variação e da mudança
linguística.

  explicando melhor 

Imagine a seguinte situação: na fala característica do Rio de Janeiro, ocorre o


que chamamos em fonologia de palatalização do [s], isto é, a pronúncia do
[s] é semelhante ao [x] em festa e vespa (algo como "fexta", e "vexpa"). Esse
fenômeno difere do falar de São Paulo, que pronuncia "festa" e não "fexta". Se
por um lado há fatores sociais nessas duas regiões que provocam esse tipo
de fenômeno no Rio de Janeiro, empurrando a língua no sentido da variação,
por outro lado o próprio sistema da língua portuguesa obriga os falantes a não
usarem formas inaceitáveis. Nesse sentido, se um único indivíduo começar a
pronunciar a palavra "faca" como "michlt", esta continuaria sendo uma forma
inaceitável na língua portuguesa, porque não é compreendida por nenhum
de seus falantes.

Essa ideia pode ser vista como um dos fundamentos da proposta de


Labov em relação a uma ciência que considera o sistema linguístico no
contexto social. Assim, uma comunidade de fala, segundo Labov (1972),
é definida como um grupo de falantes que partilham as mesmas normas
linguísticas. Nessa perspectiva, variantes condicionadas por diferenças
de faixa etária ou de classe social podem vir a constituir comunidades
de fala um tanto diferentes, embora uma única variável possa não ser
suficiente para distinguir uma comunidade de fala da outra.

Nesse caso, podemos afirmar que no Estado de Minas Gerais temos


diversas comunidades de fala: Triângulo Mineiro, Zona da Mata, Vale do
72 UNIUBE

Rio Doce, Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas, e assim por diante.


No Norte de Minas podemos encontrar fenômenos como a troca do [v]
pelo [r], o que faz a realização de "estava" ser algo como "estarra". Na
Zona da Mata Mineira, devido à sua proximidade com o Rio de Janeiro,
é comum encontrarmos cidades em que a pronúncia do [s] em palavras
como "festa" e "vespa" se aproximem do falar carioca, cuja pronúncia é
algo como "fexta" e "vexpa".

O trabalho que Labov empreendeu nas pesquisas sociolinguísticas pode


ser dividido em três grandes estudos. O primeiro deles data de 1963 e
foi realizado em uma ilha da região do Estado de Massachusetts, conhe-
cida como Martha’s Vineyard, cuja variável observada foi a pronúncia da
vogal que constituía o núcleo dos ditongos [ay] e [aw]. Assim, palavras
inglesas como light e house, cuja pronúncia é algo como "lait" e "rrauz",
eram pronunciadas pelos falantes viniardenses como "leit" e "rreuz".

O mais intrigante na investigação de Labov em Martha’s Vineyard era o


fato de os falantes mais velhos apresentarem o fenômeno, os falantes
com idade média não apresentarem o fenômeno, e os falantes mais jo-
vens voltarem a apresentar o fenômeno. A grande questão era "por que
a variação entre os ditongos [ay] e [aw] ocorre com os mais jovens, se
a tendência seria seu desaparecimento?".

Sabe­‑se que a pronúncia dos nativos de Martha’s Vineyard era diferente


do restante dos Estados Unidos, e, sendo assim, diferente da pronúncia
de prestígio do inglês norte­‑americano.

É certo que o mero conhecimento da probabilidade de uma língua sofrer


variação e mudança não seria suficiente para explicar o motivo de tal
UNIUBE  73

ocorrência na ilha. Nem seria suficiente que tal explicação fosse buscada
no interior do sistema da língua. Era preciso, sim, que Labov fosse em
busca de fatores sociais, externos ao sistema linguístico, que realmente
explicassem o motivo pelo qual os jovens apresentavam maior índice de
variação dos ditongos [ay] e [aw]. Foi a partir desse problema que Labov
pesquisou a história da ilha e sua formação antropológica.

A ilha de Martha’s Vineyard apresentava uma população em torno de 6


mil habitantes. Esse número subia para mais de 40 mil quando chegava
o verão, nos meses de junho e julho, época em que os turistas "invadiam"
a ilha em busca de descanso. Apesar disso, Martha’s Vineyard apre-
sentava um dos maiores índices de desemprego dos Estados Unidos.
Talvez possa parecer incoerente falarmos em desemprego em um lugar
turístico tão procurado como aquele. No entanto, vale dizer que o verão
era o único período do ano em que os turistas procuravam a ilha. Fora
dele, os habitantes dependiam quase que unicamente da pesca, que
já era escassa. Vejamos um trecho do relato de Labov (1972, p. 46­‑47)
sobre a ilha:

Para entender Martha’s Vineyard, é preciso, antes de


tudo, reconhecer que se trata de um belíssimo lugar,
um lugar onde dá vontade de morar. Mas não é um
lugar fácil para se ganhar o tipo de vida que combina
com o modelo de sucesso da sociedade americana
moderna. O Censo de 1960 mostra que se trata do
município mais pobre de Massachusetts: tem a média
de renda mais baixa, o mais alto número de pessoas
pobres e o menor número de pessoas ricas. Tem o
mais alto índice de desemprego: 8,3%, contra 4,2%
de todo o estado, e também tem o mais alto índice de
emprego temporário. Alguém poderia pensar que a
vida na ilha, mesmo assim, é mais fácil: talvez o custo
de vida seja baixo. Nada poderia estar mais distante da
realidade: o alto preço do transporte (ferryboat) vem se
sobrepor ao já elevado custo da maioria dos bens de
74 UNIUBE

consumo. Por isso, existem ali mais mulheres casadas


com filhos pequenos que trabalham do que em qual-
quer outro município. […] Não existe indústria alguma
em Martha’s Vineyard. A ilha atingiu seu ápice na fase
áurea da indústria baleeira; por algum tempo, a pesca
comercial nas águas locais sustentou a economia, mas
a fartura de peixes já não é a mesma de antes.

Ao conversar com os habitantes da ilha, Labov descobriu que os jovens


que apresentavam a variação nos ditongos [ay] e [aw] eram justamente
aqueles filhos de pescadores que não aceitavam de bom grado a invasão
dos turistas durante o verão, enquanto os jovens que pronunciavam os
ditongos tal qual a variante de prestígio norte­‑americana eram aqueles
que sonhavam um dia poder deixar a ilha e tentar uma vida melhor nas
grandes metrópoles.

Labov, então, chegou à conclusão de que a crescente pronúncia dos


ditongos [ay] e [aw] como [ey] e [ew] constituía uma reação da popu-
lação jovem aos visitantes, que não pertenciam à ilha. Era como se os
falantes jovens quisessem dizer aos turistas "meu inglês é diferente
do seu porque eu pertenço a esta terra e você não pertence". Vejamos
um trecho do depoimento de um jovem da ilha, que foi reproduzido em
Labov (1972, p. 49).

Vocês que vêm para cá, para Martha’s Vineyard, não


entendem os costumes das velhas famílias da ilha
[…] costumes e tradições estritamente marítimos […]
e aquilo que nos interessa. O resto da América, essa
parte do outro lado aqui da água que pertence a vocês
e com que nós não temos nada a ver, se esqueceu
completamente […]

Acho até que nós usamos um tipo de língua inglesa


totalmente diferente […] pensamos diferente aqui na
ilha […] é quase uma língua separada dentro da língua
inglesa.
UNIUBE  75

Assim, conforme afirma Tarallo (1986, p.14), "atitudes linguísticas são as


armas usadas pelos residentes para demarcar seu espaço, sua identi-
dade cultural, seu perfil de comunidade, de grupo social separado".

Outra importante pesquisa realizada por Labov diz respeito às variantes


do [r] pós­‑vocálico na fala de Nova Iorque. A pesquisa ocorreu em três
grandes lojas, que representavam, de certo modo, as classes sociais
nova­‑iorquinas. A Saks era frequentada por pessoas das classes mais
altas, a Marcy’s por pessoas da classe média, enquanto a Saint Klein
por pessoas de classes mais baixas.

O [r] pós­‑vocálico pode ser pronunciado ou não pronunciado. Enquanto


no inglês britânico a forma não pronunciada – chamada por Labov de
(r­‑0) – constitui a variante de prestígio, nos Estados Unidos, ela constitui
a variante estigmatizada, pois a variante de prestígio é a forma pronun-
ciada, chamada por Labov de (r­‑1).

No português do Brasil há um fenômeno parecido. Falantes da região


nordeste pronunciam o [r] de "porta" de forma parecida com o [r] da pa-
lavra "rosa", ao passo que em algumas regiões dos estados de Goiás,
Minas Gerais e São Paulo, o [r] é pronunciado de forma retroflexa, isto
é, parecido com o [r] da palavra horse no inglês americano.

A metodologia utilizada por Labov na pesquisa com o [r] em Nova Iorque


consistiu em perguntar aos funcionários da Saks, da Marcy’s e da Saint
Klein como encontrar determinado produto, de forma que a resposta
pudesse normalmente ser fourth floor. A partir dos dados obtidos, Labov
chegou aos seguintes resultados: o (r­‑1) teve 62% de ocorrências na
Saks, 51% na Marcy’s e apenas 20% na S. Klein.
76 UNIUBE

De posse dos resultados, era preciso que se chegasse a uma conclusão


sobre fatores sociais que pudessem condicionar a frequência de reali-
zação do [r] pronunciado e não pronunciado. Investigando o quadro de
funcionários das três lojas, Labov observou que fatores como raça pode-
riam constituir­‑se em variáveis independentes, isto é, fatores sociais que
podem favorecer a variação linguística. De fato, dos 62% de informantes
da Saks que pronunciavam o [r], apenas 3% eram negros, em oposição
à Saint Klein, que apresentou 25% de informantes negros realizando o
(r­‑1), de um total de 20% de ocorrências. Na Marcy’s, por sua vez, dos
51% dos informantes que realizaram o (r­‑1), 14% eram negros. Dessa
maneira, Labov (1972, p. 75) afirmou que:

A porcentagem mais alta de vendedores negros nas


lojas de menor prestígio é coerente com o padrão ge-
ral de estratificação social, já que, normalmente, aos
trabalhadores negros são atribuídos empregos menos
prestigiados.

Harlem O terceiro trabalho de Labov foi uma pesquisa

Bairro da cidade
realizada com jovens negros do Harlem, os quais
de Nova Iorque,
conhecido pela possuíam grandes dificuldades de aprendizagem
grande influência de
afrodescendentes. de leitura na escola. Vale dizer que a língua desses
jovens era uma variante falada exclusivamente
pelos negros, uma espécie de subsistema distinto do inglês, chamado
por Labov de BEV (Black English Vernacular). Labov observou que, na
verdade, o fracasso escolar era fruto do conflito cultural enfrentado pe-
los jovens, os quais eram rejeitados pela própria escola exatamente por
falarem uma variante que apresentava formas bem diferentes do inglês
padrão, e que eram estigmatizadas socialmente.
UNIUBE  77

Podemos, então, traçar alguns pontos principais a partir das pesquisas


de William Labov, que demonstrou a relevância das variáveis sociais: no
trabalho em Martha’s Vineyard, Labov deixa claro que a não aceitação de
pessoas estranhas à ilha desencadeou uma pressão nos jovens viniar-
denses no sentido de impulsionar a língua para a variação fonológica.
Já no trabalho com o [r] em Nova Iorque, Labov propôs a relevância
dos fatores socioeconômicos e também do grau de escolaridade como
condicionadores de certas variantes. No trabalho com os adolescentes
negros do Harlem, temos a influência da variante de prestígio interfe-
rindo no aprendizado dos jovens negros, falantes de uma variante não
padrão, a qual era estigmatizada pela sociedade, considerada "errada"
pelos falantes do inglês padrão.

Assim, a importância de Labov reside no fato de buscar, nas várias ins-


tâncias sociais, elementos relevantes que interferem sensivelmente nas
questões linguísticas. Foi, portanto, graças ao trabalho de Weinreich,
Labov e Herzog (1968), sobre mudança linguística, e também ao traba-
lho de Labov (1972), sobre a variação linguística, que a sociolinguística
pôde se desenvolver no século XX.

Vamos ver se você entendeu o que falamos até aqui?

  relembrando 

Antes de continuarmos nosso estudo, deve ficar claro para você os seguintes
pontos:

• desde a Antiguidade, o homem já havia percebido que as línguas sofrem


mudança, e que há variação em diferentes regiões que falam a mesma
língua;
78 UNIUBE

• variação linguística são as diferenças existentes entre o falar de regiões


diferentes, de mesma língua. Por exemplo, a língua oficial do Brasil é o
português, mas há diferenças entre o português falado na Bahia e o falado
no Rio Grande do Sul, assim como o português falado no Brasil e o de
Portugal;

• mudança linguística é quando um fenômeno de variação atinge um ín-


dice tão alto que a antiga forma vai enfraquecendo até desaparecer. Por
exemplo: no português arcaico, havia a forma de tratamento "vosmecê".
Quando a forma "você" surgiu, tratava­‑se de um fenômeno de variação.
Quando "você" tomou conta de toda a língua portuguesa, e a antiga forma
"vosmecê" desapareceu, então não temos mais um fenômeno de variação,
mas sim de um processo de mudança concluído;

• a Sociolinguística é a área da Linguística que estuda os fenômenos de


variação e mudança linguística;

• embora a consciência da existência da variação e da mudança linguís-


tica exista desde a Antiguidade, a Sociolinguística pôde se desenvolver
somente em meados do século XX, a partir das pesquisas de Uriel Wein-
reich, William Labov e Marvin Herzog, em 1968, e a partir das pesquisas
de William Labov, em 1972.

3.4 Relevância das variáveis linguísticas e não linguísticas

Antes de abordarmos as variáveis linguísticas e não linguísticas é preciso


que você compreenda dois conceitos importantes da Sociolinguística:
variante e variável.
UNIUBE  79

Chamamos de "variável" qualquer elemento que é passível de variação,


e de "variante" cada um dos diferentes aspectos que caracterizam o falar
de determinada variável. Não entendeu? Então vamos exemplificar!

  exemplificando! 

Sobre a variável: no português brasileiro, há inúmeros elementos que pode-


mos chamar de variáveis, tanto linguísticos como não linguísticos.

• linguísticos: concordância nominal, concordância verbal, sujeito nulo


(oculto), pronúncia de vogais, uso de preposições, conjugação de verbos,
e assim por diante.

• não linguísticos: faixa etária, escolaridade, classe social, sexo, orientação


sexual, raça, religião, e assim por diante.

Tomando como exemplo a "concordância", podemos dizer que a con-


cordância nominal é uma variável linguística porque é um elemento da
língua portuguesa que poderá sofrer variação. Sendo assim, podemos
afirmar que, dentro da variável "concordância nominal" há, basicamente,
duas variantes no português brasileiro: a existência de marcação de
plural [os meninos bonitos] e a não existência de marcação de plural
[os menino_ bonito_ ].

3.5 As variáveis linguísticas

Variáveis linguísticas são todas aquelas que ocorrem na estrutura de


uma língua, e são, basicamente, divididas em quatro:
80 UNIUBE

3.5.1 Variáveis fonológicas

Quando a pronúncia de determinado fonema, em certas palavras, sofre


variação, dizemos que a pronúncia resultante é uma variante fonológica.
Vamos tomar como exemplo o [r], já mencionado anteriormente. No por-
tuguês do Brasil, o [r] é uma variável porque é capaz de sofrer variação.
Sendo assim, o [r] pós­‑vocálico, em palavras como "porta" e "carne",
poderá ser pronunciado de forma velar como o [r] de "carroça" na variante
do Norte de Minas Gerais, ou de forma vibrante como o [r] de "carinho"
na variante do Rio Grande do Sul, ou ainda de forma retroflexa como o
[r] da palavra horse do inglês falado nos Estados Unidos.

Outro exemplo de variável fonológica é a pronúncia das consoantes [d]


e [t] no português brasileiro. Há duas variantes na pronúncia dessas
consoantes. Uma delas ocorre em grande parte do Brasil, incluindo Mi-
nas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro, em que palavras como "dia" e "tia"
são pronunciadas como [dchia] e [tchia], semelhante à palavra "tchau".
A outra variante é característica de algumas regiões do Nordeste e da
cidade de São Paulo, em que o [t] da palavra "tia" é pronunciado como
o [t] da palavra "tábua", e o [d] da palavra "dia" é pronunciado como o
[d] de "doce".

3.5.2 Variáveis sintáticas

No processo de variação linguística, as variáveis sintáticas dizem respeito


à organização dos elementos que compõem as sentenças da língua. Há
dois fenômenos interessantes de variação sintática que iremos citar aqui,
UNIUBE  81

para que você perceba o quanto as línguas são dinâmicas. O primeiro


deles diz respeito ao que chamamos em linguística de "sujeito nulo".

O sujeito nulo nada mais é do que aquilo que as gramáticas tradicionais


chamam de "sujeito oculto" ou "sujeito implícito". Vejamos os exemplos,
a seguir:

a) Maria obteve boas notas no exame, por isso ela conseguiu ocupar o
cargo.

b) Maria obteve boas notas no exame, por isso Ø conseguiu ocupar o


cargo.

Você conseguiu perceber que na sentença (b) o sujeito da segunda


oração está implícito, ou, como dizemos na linguística, está nulo? Qual-
quer falante da língua portuguesa, em circunstâncias normais, não terá
qualquer dificuldade em compreender que a falta do pronome "ela" na
sentença (b) não impede que o verbo "conseguir" se referia à Maria, su-
jeito da oração principal. O mesmo fenômeno pode ser visto no diálogo
a seguir:

– Mãe, Ø posso ver televisão?

– Você já fez a tarefa de casa?

– Eu não fiz ainda!

– Então Ø não pode ver televisão…

No diálogo entre mãe e filho que acabamos de ver, na primeira sentença


houve a omissão do pronome "eu", e na última sentença houve a omissão
82 UNIUBE

do pronome "você". Já na segunda e na terceira sentenças os sujeitos


dos verbos foram preenchidos.

Isso significa afirmar que o sujeito constitui uma variável, cujas varian-
tes são o preenchimento do sujeito, chamado de "forma plena", e o
não preenchimento do sujeito, chamado de "forma nula". No português
arcaico, quase não se usava a forma plena do sujeito, porque as desi-
nências verbais davam conta de possibilitar que os falantes compreen-
dessem a qual pessoa estava­‑se fazendo referência. Assim, se alguém
dizia "comeu muito", era possível identificar que quem comeu muito foi
ou ele ou ela. Porém, no atual estágio do português brasileiro, cada vez
mais os falantes sentem necessidade de preencher o sujeito, porque a
sentença "comeu muito" poderá se referir tanto a ele/ela quanto a eles/
elas e a você/vocês ou, ainda, tu, no caso de algumas variantes das re-
giões Norte, como o Maranhão, e Sul, como é o caso do Paraná. Temos,
então, as seguintes possibilidades, conforme a Tabela 3, a seguir:

Tabela 3: Variantes de fala na conjugação do verbo comer.

ele
ela
eles
elas comeu muito
tu
você
vocês
UNIUBE  83

  importante! 

É bom que fique claro que estamos tratando aqui de situações de fala, e não
da forma escrita da língua. As diferenças entre fala e escrita você estudará
mais adiante.

A necessidade de preencher o sujeito se deve, principalmente, pela


redução do paradigma verbal, fenômeno que já mencionamos ante-
riormente.

O segundo fenômeno que ocorre com as variáveis sintáticas é o que


chamamos de "topicalização", que ocorre com muita frequência na fala
quando os falantes desejam dar ênfase a determinada elemento. Veja-
mos alguns exemplos:

a) A Maria, ela não vai mais viajar.

b) A tia da Marcinha, ela esteve muito ocupada ultimamente.

c) O Pedro, marido da Maria, ele não quis pagar a dívida.

É claro que as sentenças que elencamos acima são reconhecidas pelas


gramáticas tradicionais como formas "erradas", que deveriam ser substi-
tuídas por formas "corretas", algo como "Maria não irá mais viajar", "A
tia de Marcinha esteve muito ocupada ultimamente" e "Pedro, marido
de Maria, não quis pagar a dívida". No entanto, o fenômeno existe, e
qualquer falante nativo da língua portuguesa não terá dificuldade em
entender qualquer uma das sentenças topicalizadas.
84 UNIUBE

3.5.3 Variáveis morfossintáticas

As variáveis morfossintáticas estão relacionadas à estrutura morfológica


das palavras, e sua ocorrência poderá afetar fortemente a sintaxe da
língua. É o que vimos antes, quando falamos das variáveis sintáticas,
abordando a questão do sujeito nulo, decorrente da redução do para-
digma verbal.

  explicando melhor 

A redução do paradigma verbal é um fenômeno de variação morfossintática,


mas que afetou a sintaxe da língua portuguesa, provocando a perda do sujeito
nulo, que é um fenômeno de variação sintática.

Outro exemplo de variável morfossintática são as terminações "ar", "er",


"ir" e "or", indicativas de infinitivo nos verbos portugueses. No português
brasileiro atual, uma das formas variantes é o apagamento do [r] final
dessas terminações (morfemas) indicativas de infinitivo, fazendo que for-
mas verbais como "cantar", "comer", "partir" e "pôr" sejam pronunciadas
como "cantáØ", "comêØ", "partiØ" e "pôØ".

As concordâncias nominal e verbal, já mencionadas anteriormente, tam-


bém constituem variáveis morfossintáticas, na medida em que possuem
diversas variantes, como o apagamento da marca de plural em frases
como "as menina inteligente" ou o apagamento da concordância verbal
em orações como "os homens vai trabalhar".
UNIUBE  85

3.5.4 Variáveis semânticas

Lembra­‑se de que no início do capítulo falamos da importância das


pesquisas de William Labov à constituição da Sociolinguística? Tanto
na pesquisa em Martha’s Vineyard, quanto no [r] em Nova Iorque e no
trabalho com os jovens negros do Harlem, Labov se deteve nas variáveis
fonológicas. Quando, porém, pesquisadores de diversas partes do mundo
começaram a considerar variáveis de outros tipos, como a morfossintá-
tica, uma nova dimensão começou a surgir dentro da Sociolinguística,
que é a questão do significado.

Na década de 1970, Labov havia definido as variantes linguísticas como


"formas diferentes de se dizer a mesma coisa". Mas, ao fazer essa afirma-
ção, Labov tomou como referência as próprias pesquisas com variáveis
fonológicas. Posteriormente, uma de suas discípulas, Beatriz Lavandera,
começou a questionar tais conceitos, porque há situações em que duas
ou mais variantes de uma forma variável não podem ser definidas como
formas diferentes de se dizer a mesma coisa, já que, ao optar por uma
ou outra variante, o falante acaba criando efeitos de sentido um pouco
diferentes. No entanto, esses fenômenos não deixam de ser considerados
variantes linguísticas.

Um bom exemplo de variável semântica é o uso de "nós" e "a gente"


para designar a primeira pessoa do plural no português brasileiro. Outro
exemplo de variável semântica é o uso dos pronomes possessivos "seu/
sua" e "dele/dela" em sentenças como as que apresentamos a seguir:

a) A câmera fotográfica não funciona porque sua lente trincou.

b) A câmera fotográfica não funciona porque a lente dela trincou.


86 UNIUBE

c) Paulo levou sua roupa no alfaiate.

d) Paulo levou a roupa dele no alfaiate.

Há situações em que a variante se torna necessária ao falante com o


objetivo de desfazer uma ambiguidade. Nesse caso, enquanto a variação
entre seu/sua e dele/dela nas sentenças (a) e (b) parecem não represen-
tar problema algum, o mesmo não ocorre com as sentenças (c) e (d), em
que a sentença (d) foi necessária para desfazer a ambiguidade gerada
em (c), já que não fica claro se o pronome "sua" se refere à roupa de
Paulo ou à roupa da pessoa com quem se fala.

  saiba mais 

Outro tipo de variável semântica encontra­‑se no nível lexical como uso de


determinadas palavras em diferentes regiões para designar a mesma coisa.
É o que ocorre, por exemplo, com as palavras "mandioca", no Sudeste e no
Sul, e "macaxeira", no Nordeste e no Norte, ambas usadas para designar a
mesma coisa.

3.6 As variáveis não linguísticas

Também chamado de variáveis extralinguísticas, esse tipo de variável


nada mais é do que os fatores sociais que favorecem o surgimento de
uma variante linguística. Vamos falar um pouco de cada uma dessas
variáveis.
UNIUBE  87

3.6.1 A variável faixa etária

Desde o trabalho de Labov em Martha’s Vineyard a faixa etária tem se


mostrado uma importante variável em diversas pesquisas. O fato é que,
geralmente, os falantes mais velhos de uma comunidade possuem a
tendência de preservar as formas mais antigas da língua, enquanto os
falantes mais jovens tendem a aceitar formas mais atuais.

3.6.2 A variável escolaridade

A escolaridade dos falantes é considerada uma importante variável, na


medida em que a escola tende a contribuir para a preservação da variante
culta da língua. Sendo assim, a tendência geral é de que, quanto maior o
grau de escolaridade, mais próximo da norma culta estão os falantes.

3.6.3 A variável classe social

Como demonstrou a pesquisa de Labov nas lojas de departamento de


Nova Iorque, a classe social é também uma importante variável. Nesse
sentido, a tendência geral é de os falantes pertencentes a classes sociais
mais favorecidas terem maior acesso a boas escolas e à cultura formal,
o que aproxima esses falantes da variante de prestígio da língua, en-
quanto falantes de classes menos favorecidas apresentam maior acesso
a formas da língua que são estigmatizadas socialmente.
88 UNIUBE

3.7 A questão do preconceito linguístico e a


Sociolinguística na escola

Leia a citação a seguir:

Uma variedade linguística vale o que valem na so-


ciedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo
do poder e da autoridade que eles têm nas relações
econômicas e sociais (GNERRE, 1998, p. 6).

A citação acima toca em um ponto muito delicado: a discriminação do


indivíduo que, por algum motivo, não usa a variante de prestígio da língua,
mas sim a variante estigmatizada socialmente. E isso não é exclusivo da
sociedade moderna: já na Antiguidade havia discriminação em relação à
maneira de falar a língua. Como já foi mencionado no início do capítulo,
na Grécia antiga, por exemplo, o dialeto ático era considerado a variante
de prestígio, o modelo da língua grega, enquanto os demais dialetos
eram considerados comuns, simples, não cultos.

No processo de constituição da língua, quem decide o que será conside-


rado culto ou não culto é a classe dominante, aquela que detém o poder
e a autoridade nas relações econômicas e sociais. Quando o que está
em jogo é a relação entre povos conquistadores e conquistados, a situa-
ção se complica ainda mais, porque geralmente o conquistador é quem
impõe ao conquistado aquilo que deverá ser o correto. Embora o Brasil
seja um país oficialmente independente desde 1822, o senso comum
ainda carrega a ideia de que o português europeu, falado em Portugal, é
a única forma realmente correta da língua portuguesa. Fato semelhante
UNIUBE  89

ocorre na relação entre inglês americano e inglês britânico, e o espanhol


europeu em relação ao espanhol falado na Hispanoamérica.

Quando uma pessoa é discriminada porque pertence a uma raça que


representa a minoria na sociedade, dizemos que houve preconceito
racial. Se essa discriminação envolve crença religiosa, dizemos que
houve preconceito religioso. Quando uma pessoa é discriminada por-
que sente atração por alguém do mesmo sexo, trata­‑se de um pre-
conceito por conta da orientação sexual. Nessa mesma linha, quando
alguém é discriminado ou criticado pela maneira como usa a língua
materna, em relação à língua falada pela classe dominante, dizemos
que esse alguém foi vítima de preconceito linguístico. Mas você sabe
por que existe esse tipo de preconceito? Você sabe qual deve ser a
postura do professor de língua materna em relação a esse preconceito
na sala de aula?

Uma das causas do preconceito linguístico é a ideia que os falantes


possuem do que deve ser usado ou não ao lidar com a língua materna.
Mas essa ideia está condicionada pela noção de certo e errado, o que
representa um equívoco. Durante muitos séculos, a gramática tradicional
teve a função de estabelecer as regras da variante padrão das línguas,
mas essa variante, por questões políticas e sociais já mencionadas
aqui, tornou a variante culta a única que deve ser aceita, o ponto de
referência da língua. E tudo aquilo que difere dessa forma culta é con-
siderado erro.
90 UNIUBE

A postura do professor ao lidar com alunos muitas vezes falantes de


diversas variantes linguísticas deve ser a substituição da noção de certo
e errado pela noção de adequado e inadequado.

  exemplificando! 

No dia a dia, para cada ocasião, há um tipo de vestimenta adequado, não


é verdade? Por exemplo: ninguém, em sã consciência, irá a um casamento
tradicional usando biquíni ou maiô. Assim como ninguém, em circunstâncias
normais, irá caminhar na areia da praia de salto alto tipo agulha.

No uso da língua materna no dia a dia, ocorre algo semelhante: se estamos


em uma conversa informal com nossos amigos ou familiares, é estranho
usarmos uma variante formal da língua, algo como "prezado amigo, poderíeis
fazer­‑me o obséquio de passar­‑me a manteiga?". Já em uma situação formal,
como uma reunião, em que está presente a alta cúpula de uma empresa, não
devemos usar formas como "e aí, véi, tá ligado?".

Os exemplos citados tocam em um ponto importante de nosso estudo,


que é o papel da escola no desenvolvimento humano. Quando o aluno
chega à escola, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, ele traz de
casa uma variante linguística que na maioria das vezes é distante da
variante de prestígio, isto é, a norma culta. A função da escola, portanto,
não é dizer ao aluno que a forma como ele fala é errada e que ele deve
aprender a certa.

Pelo contrário, o papel da escola é mostrar a esse aluno que tanto a va-
riante que ele trouxe de casa quanto a variante culta estão certas. Mas
cada uma delas será adequada em determinadas situações de comuni-
cação, isto é, quando a ocasião exigir uma variante formal, então deve­‑se
UNIUBE  91

usar a norma culta. Quando a ocasião exigir uma variante informal, então
pode­‑se usar a variante aprendida em casa.

Quando os estudos em Sociolinguística começaram a abordar a questão


do preconceito linguístico e o papel do professor diante das variações
linguísticas, houve rumores de que a "moda" então seria aceitar "qual-
quer coisa" que o aluno escrevesse ou falasse, e que a partir daquele
dia o professor deveria "jogar a gramática fora", porque não servia mais
para nada. Esse tipo de postura, porém, se mostra bastante equivocada.
Não se trata de aceitar tudo o que o aluno fala ou escreve, até porque,
se fosse assim, não haveria mais a necessidade de aulas de língua
materna na escola.

Quando o aluno diz ou escreve algo que foge à norma culta, o papel do
professor é mostrar a ele, sem, contudo, puni­‑lo, que o que ele disse ou
escreveu é adequado em determinadas situações de comunicação, e não
em outras. Vejamos um exemplo: suponhamos que na sala de aula, em
determinado momento, a professora anuncie aos alunos que irá olhar
quem fez a tarefa de casa. De repente, um aluno diz a frase a seguir:

Professora, não deu pra mim fazer a tarefa.


E agora? Qual deve ser a atitude da professora diante da sentença proferida
pelo aluno? Reflita e anote o que você faria.
92 UNIUBE

Se você escreveu que a professora deveria dizer ao aluno que o correto


é "não deu pra EU fazer a tarefa", então você ainda não compreendeu
aonde queremos chegar. Atitudes como essa provocam críticas na sala
de aula, pois os outros colegas tendem a criticar, discriminar o colega que
disse algo que não está de acordo com a variante culta do português. No
entanto, a sentença "não deu pra mim fazer" está correta porque é inteli-
gível, qualquer falante nativo do português é capaz de entendê­‑la. Ela só
estaria errada se o aluno dissesse algo inaceitável na língua portuguesa,
algo como "tarefa eu de fazer deu o casa", porque não faria sentido a
nenhum falante que a ouvisse. Em uma situação como essa, a melhor
atitude a ser tomada pela professora seria tentar responder ao aluno
usando uma sentença semelhante, algo como o diálogo a seguir:

– Pessoal, agora irei olhar as tarefas de casa.

– Professora, não deu pra mim fazer a tarefa.

– Então traga­‑a amanhã para EU olhar.

Esse tipo de atitude é mais sensata porque o professor acaba mostrando


ao aluno como é a variante culta sem, contudo, expô­‑lo às críticas do
restante da turma. Mas não paramos por aqui: depois o professor deve
chamar o aluno em particular e explicar a ele que "não deu pra mim fa-
zer" é uma frase adequada em situações informais de fala, mas que em
situações formais deve­‑se usar "não deu pra eu fazer". E assim deve ser
feito na sala de aula em relação a qualquer situação em que os alunos
dizem ou escrevem algo que não está de acordo com a variante culta
da língua. Portanto, caro(a) aluno(a), não é preciso o professor "jogar a
gramática fora", nem "aceitar tudo de bom grado". Ele deve, sim, deixar
UNIUBE  93

claro aos alunos que todas as línguas sofrem variação, e que não se
deve discriminar alguém por conta da maneira como esse alguém fala.
Mas o professor deve também explicar aos alunos que na escola eles
aprenderão a variante culta da língua para poderem utilizá­‑la quando
uma situação formal de comunicação se fizer presente.

O preconceito linguístico existe, e há muitas situações em que ele


é alimentado pela própria sociedade. Leia o texto a seguir, cujo autor é
desconhecido:

  exemplificando! 

Causo mineiro

Sapassado, era sessetembro, taveu na cuzinha tomando uma pincumel e


cuzinhando um kidicarne com mastumate pra fazer uma macarronada com
galinhassada.

Quascaí de susto quandoví um barui vinde dendoforno, parecenum tidiguerra.


A receita mandopô midipipoca denda galinha prassá. O forno isquentô, o
mistorô e o fiofó da galinha ispludiu!

Nossinhora! Fiquei branco quinein um lidileite. Foi um trem doidimais!


Quascaí dendapia! Fiquei sensabê doncovim, proncovô, oncotô. Oiprocevê
quelocura!

Grazadeus ninguém simaxucô!

Fonte: Autor desconhecido. Disponível em: <http://demogidascruzes.edunet.


sp.gov.br/LP/Causo.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2009.
94 UNIUBE

Textos como esse, em vez de contribuírem para a reflexão crítica sobre


a língua, acabam incentivando o preconceito linguístico. Há, inclusive,
restaurantes mineiros que reproduzem o texto anterior e distribuem aos
clientes, como se o falar mineiro fosse, realmente, dessa forma. E mais:
frequentemente as pessoas associam o falar caipira ao falar mineiro, o
que não é verdade. A variante chamada de caipira, no português brasileiro,
é uma variante falada em algumas regiões de Minas Gerais, São Paulo
e Goiás. Uma das características mais marcantes da variante caipira é a
pronúncia do [r] retroflexo (aquele [r] da palavra horse no inglês americano)
em palavras como "porta" e "carne". Mas há outras variantes no português
brasileiro que usam a pronúncia retroflexa do [r], e que não são caipiras.

Outra questão em relação ao texto anterior é a forma como as palavras


estão escritas, como é o caso de "sapassado" e "taveu". Se você pres-
tar atenção, verá que em nenhuma língua pronunciam cada palavra
separadamente. Pelo contrário, ligam uma palavra na outra e nenhum
nativo da língua tem dificuldades para entender o que o outro fala. Tente
pegar um diálogo escrito em inglês, francês, italiano, alemão, ou outra
língua qualquer, e ouça o mesmo diálogo para ver como as palavras são
agrupadas na sentença. Por isso, textos como esse do Causo Mineiro,
se não forem trabalhados corretamente pela escola, irão contribuir para
a manutenção do preconceito linguístico.

O linguista Marcos Bagno, autor do livro Preconceito linguístico: o que


é, como se faz, aborda de forma muito clara a questão do preconceito
linguístico, inclusive dividindo­‑o em mitos, isto é, crenças que as pes-
soas em geral possuem em relação à língua portuguesa e às formas de
prestígio.
UNIUBE  95

Quando Bagno publicou a primeira edição do Preconceito linguístico,


houve várias críticas no sentido de que ele defendia o abandono da
gramática, crítica semelhante à que abordamos anteriormente. Caso
queira aprofundar­‑se nesse assunto, leia esse livro atentando­‑se para
o fato de Bagno ter como objetivo as causas do preconceito linguístico,
os mitos existentes no senso comum que envolvem a língua portuguesa,
a ideia equivocada de que "brasileiro não sabe português", ou de que
"português é muito difícil", entre outras questões. Ora, a ideia de que o
brasileiro não sabe português vem de outra ideia equivocada de que só
em Portugal é que se fala o bom português. Se fosse assim, então os
norte­‑americanos, os canadenses, os australianos e os indianos, entre
outros, também não saberiam inglês, pois o único lugar onde se fala-
ria o bom inglês seria na Inglaterra! E mais: o único lugar onde se falaria
bem o espanhol seria na Espanha, e nenhum país da Hispanoamérica
saberia falar espanhol.

Sobre o senso comum considerar que "português é muito difícil", Bagno


explica que isso é um mito, porque todas as línguas apresentam um
grau de complexidade que exige muito do aprendiz. Se português fosse
assim tão difícil como dizem, não haveria no mundo tantos falantes de
português. Se o português é muito difícil, o que sobra então para línguas
como o latim e o grego clássico?

Essas e outras questões, que compõem o que Bagno chama de "mito-


logia do preconceito linguístico", são muito bem abordadas em sua obra
Preconceito linguístico, citada antes.
96 UNIUBE

  ponto­‑chave

Ao ler a obra indicada anteriormente, não se esqueça de ter em mente o que


dissemos sobre o fato de o autor NÃO pregar que a gramática deva ser jogada
fora. O objetivo é apenas mostrar o que é o preconceito linguístico e por que
ele é gerado no meio social, quais as suas relações com as questões políticas
das classes dominantes, que decidem sobre a cultura e a sociedade.

Resumo

• A Sociolinguística é a área da Linguística que se ocupa do estudo da


variação e da mudança linguística, fenômenos que ocorrem em todas
as línguas.

• A partir das pesquisas de Weinreich, Labov e Herzog, em 1968, e das


pesquisas de Labov, em 1972, foi possível perceber a relevância das
variáveis sociais nos fenômenos de variação e mudança linguística.

• O preconceito linguístico existe devido à noção de certo e errado na


língua em oposição às regras impostas pela gramática normativa.

• A noção de certo/errado deve ser substituída por adequado/inade-


quado.

• O preconceito linguístico ocorre quando uma variante da língua é es-


tigmatizada socialmente.

• A função da escola é ensinar ao aluno que para cada situação de


comunicação há uma variante adequada.
UNIUBE  97

• Quando o aluno diz algo que foge à norma culta, o professor deve ex-
plicar a ele que, em situações informais, o que ele disse está adequado,
mas em situações formais há variantes mais adequadas.

Atividades

A seguir, leia os fragmentos (1) e (2) retirados do texto "Nóis mudemo",


de Fidêncio Bogo, para responder às atividades 1 e 2.

(1)

As aulas tinham começado numa segunda­‑feira. Escola de periferia, classes


heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um
rapaz.

– Por que você faltou esses dias todos?

– É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda. – Risadinhas da


turma.

– Não se diz "nóis mudemo", menino! A gente deve dizer: nós mudamos,
tá?

–Tá, fessora!

No recreio, as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mu-
demo! No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.

– Pai, não vô mais pra escola!

– Oxente! Módi quê?


98 UNIUBE

(2)

Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós muda-
mos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos… Superusada, mal usada,
abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e
sapato da língua materna – a língua que a criança aprendeu com seus pais
e irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e
fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de
regrinhas estúpidas para aquela idade.

Atividade 1

Depois de ler o fragmento (1) do texto "Nóis mudemo", diga qual de-
veria ser a atitude da professora em relação ao aluno, o qual chegou à
escola conhecendo apenas uma variante da língua portuguesa, que era
estigmatizada socialmente. Fundamente sua resposta a partir do texto
da unidade.

Atividade 2

O fragmento (2) do texto "Nóis mudemo" narra determinado momento


em que a professora se arrepende da atitude que tinha com seus alunos
quando feriam a norma culta. A partir do que foi estudado na unidade,
e da obra Preconceito linguístico, de Marcos Bagno, você concorda
com a professora quando ela afirma que tem raiva da gramática, pois é
uma guilhotina dentro da escola?
UNIUBE  99

Referências

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 47. ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2006. 186 p.

BORTONI­‑RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística


na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. 108 p.

GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998. 115 p.

LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University of Philadelphia Press,


1972.

____ . Padrões sociolinguísticos. Trad. Marcos Bagno, Maria Marta Pereira


Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. 392 p.

LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Trad. Marilda W. Averbug


e Clarice S. Souza. Rio de Janeiro: LTC, 1987. 322 p.

MOLLICA, M.C.; BRAGA, M.L. (Orgs.) Introdução à Sociolinguística: o tratamento


da variação. São Paulo: Contexto, 2003. 200 p.

OLIVEIRA, Giovanni de Paula. A variação das preposições "para" e "a" na


fala de Uberaba e Montes Claros. 140 f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em
Linguística) – Instituto de Letras e Linguística. Uberlândia, 2009.

ROBINS, R.H. Pequena história da Linguística. Trad. de Luiz Martins Monteiro. Rio
de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2004. 203 p.

TARALLO, Fernando. A pesquisa Sociolinguística. 2. ed. São Paulo: Ática, 1986. 96 p.

WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Fundamentos empíricos para uma


teoria da mudança Linguística. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial,
2006. 152 p.
Capítulo Texto, contexto e
4 intertexto

Irene de Lima Freitas

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Neste capítulo avançaremos um pouco nossos estudos sobre


a noção de texto, demonstrando que todo texto se insere em
dado contexto social e histórico e se relaciona com outros textos já
existentes. A esse fenômeno de entrelaçamento entre textos cha-
mamos de intertextualidade.

Apresentaremos, aqui, exemplificações diversas para que você


conheça e reconheça as diferentes ocorrências de intertextua-
lidade, uma vez que esta é considerada fator fundamental para
a coerência de um texto. Aliada à coerência, a coesão textual
constitui­‑se de mecanismos cujos aspectos teóricos são de
grande importância para sua formação e para seu futuro de-
sempenho na função de professor. Apreendendo bem esses
conceitos você terá condições de desenvolver em seus alunos
a competência da escrita, da leitura e da interpretação de dife-
rentes textos que circulam na sociedade atual.
102 UNIUBE

Além disso, teremos a oportunidade de mostrar que existem


textos que se valem unicamente de palavras (linguagem ver-
bal) e são chamados de textos verbais; outros utilizam apenas
imagens (linguagem não verbal) e são denominados textos não
verbais. E, finalmente, que há aqueles que utilizam imagens e
palavras ao mesmo tempo.

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• identificar fatores que determinam a constituição de um


texto;
• relacionar texto, contexto e intertexto;
• distinguir ocorrências de intertextualidade em diferentes
textos;
• redigir pequenas paródias e paráfrases;
• diferençar texto verbal, texto não verbal e texto verbal e
não verbal;
• conhecer as noções de coesão e coerência.
UNIUBE  103

Esquema

Contexto Contexto

TEXTO Intertextualidade TEXTO

Int

e
ad
erte

lid
tua
xtu

tex
alid

er
ad

Int
e TEXTO

Contexto

-Unidade linguística completa


-Oral e escrito
TEXTO -Grande ou pequeno
-Coeso e coerente

4.1 Conceito de texto

Depois de termos estudado as concepções de linguagem e as varieda-


des linguísticas, passaremos agora para o estudo sobre as noções de
texto.

A palavra texto origina­‑se de textum, do verbo latino texere, cujo signifi-


cado é tecer, enlaçar, entrelaçar.  Assim, etimologicamente, texto significa
tecido, enlace, entrelaçamento. Produzir um texto é como executar o traba-
lho de um tecelão ou de uma aranha, que tecem os fios compondo­‑os em
um todo harmonioso. O trabalho resultante é a textura ou tessitura.

A Linguística textual, um dos ramos da Linguística – ciência da lingua-


gem – toma como objeto particular de investigação não mais a palavra
104 UNIUBE

ou a frase isolada, mas o texto, considerado a unidade básica de ma-


nifestação da linguagem, uma vez que o homem se comunica por meio
de textos e que existem diversos fenômenos linguísticos que só podem
ser explicados no interior do texto. O texto é muito mais que a simples
soma das frases (e palavras) que o compõem: a diferença entre frase e
texto não é meramente de ordem quantitativa, mas de ordem qualitativa
(KOCH, 1991, p. 14).

Nesse sentido, Koch e Travaglia (1991, p. 10) conceituam texto como:

[…] uma unidade linguística concreta (perceptível


pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários
da língua (falante/escritor; ouvinte/leitor), em uma
situação de interação comunicativa específica, como
uma unidade de sentido – porque dotado de coesão
e coerência – preenchendo uma função comunicativa
reconhecível e reconhecida, independente de sua
extensão.

Em outras palavras, "texto é um enunciado capaz de transmitir uma


mensagem, por formar todo um significativo capaz de provocar interação
comunicativa". Bakhtin (1995), linguista que trouxe grandes contribuições
aos estudos da linguagem, diz que não há como se chegar ao homem e
à sua vida senão por meio de textos sígnicos criados ou por criar. Assim,
torna­‑se fundamental que nosso aluno seja estimulado a ser um eficiente
produtor de textos.

4.2 Texto verbal e texto não verbal

Quando falamos em texto ou linguagem, normalmente pensamos em


texto e linguagem verbais, ou seja, algo que se concretiza em determi-
nada língua e se manifesta por palavras (verbum, em latim). Porém, além
UNIUBE  105

dessa, há outras formas de linguagem, como a pintura, a escultura, a


dança, a música, os gestos, as cores, a mímica, o cinema.

Uma diferença que encontramos entre os dois tipos de texto é que a


linguagem verbal é linear, isto é, os signos e os sons que a constituem
não se superpõem, mas se sucedem destacadamente um depois do
outro, no tempo da fala, ou no espaço da linha escrita. Isto é, cada signo
e cada som são usados em momentos distintos. Essa característica
não está presente na linguagem não verbal, pois nela podem ocorrer
vários signos simultaneamente. Quando contemplamos um quadro, por
exemplo, podemos perceber, de imediato, a totalidade de seus elemen-
tos e, depois, por um processo analítico, somos capazes de decompor
essa totalidade. Na linguagem verbal é impossível conceber uma palavra
superposta a outra.

  exemplificando! 

Texto não verbal

A sinalização de trânsito lança mão de cores, desenhos e símbolos e constitui­


‑se um ótimo exemplo de texto não verbal utilizado para informar, orientar,
controlar, advertir e regular a adequada circulação de pedestres e veículos
pelas vias terrestres. O Código de Trânsito (ou legislação complementar)
determina quais sinais devem ser colocados nas vias de trânsito (Figura 1).

Figura 1: Sinais de trânsito.


106 UNIUBE

As pessoas que transitam pelas ruas e as que dirigem veículos na cidade ou


em rodovias têm de conhecer a sinalização de trânsito para se orientarem.
Eis o significado de cada um dos sinais citados como exemplo.

Sinal 1: estreitamento de pista;

Sinal 2: proibido estacionar;

Sinal 3: semáforo cujas cores representam advertências: vermelho – PARE;


amarelo – OLHE; Verde – SIGA.

Texto verbal

Os textos jornalísticos, os artigos científicos, os textos literários – como


poemas, crônicas, contos e romances – fazem uso da palavra, ou seja, da
linguagem verbal e são, por isso, textos verbais. Veja o poema a seguir.

O arco­‑íris

Sete são tuas cores


Arco­‑íris da ilusão
Seja para onde fores
Leva contigo meu coração
Linda curva no espaço
És, de longe, uma paixão.
Colorido é teu abraço,
Fugaz tua aparição.
Arco­‑íris que te vais
Não te esqueças de voltar.
Para uma estrela que cai
Sempre há outra a brilhar.

Fonte: Gonçalves (1999, p. 97).

Observe que o autor utilizou apenas palavras para falar sobre uma imagem
que tem uma "aparição", forma "curva", "colorida" em "sete cores". Com o
texto verbal ele resgata a figura do arco­‑íris e os sentimentos e emoções que
esse fenômeno da natureza lhe provoca.
UNIUBE  107

Texto verbal e não verbal

Existem textos que são, ao mesmo tempo, verbais e não verbais, como é o
caso das histórias em quadrinhos. São textos que trazem imagens e palavras,
como na tirinha abaixo, de autoria do jornalista e professor André Azevedo
da Fonseca.

Essa é a tendência do futuro. Eeer, é


Mas doutor, se todos ficarem Ôôôô dona, você pode até
mais barato substituir empregados por
desempregados, ninguém vai ter estar certa, mas infelizmente
máquinas, eeer. Desemprego estrutural é
dinheiro pra comprar as coisas não podemos admitir que
um fator inevitável para, eeer, aumentar
produzidas pelas máquinas! As uma faxineira complete nosso
a competitividade e promover nosso, eer,
fábricas não terão pra quem vender! raciocínio.
desenvolvimento econômico.

Tem toda
razão.

Fonte: Portfólio André Azevedo da Fonseca. Disponível em: <http://azevedo


dafonseca.sites.uol.com.br>. Acesso em: 12 jul. 2010.

4.3 Contexto

Contexto significa, literalmente, o que está junto ao texto, o que acom-


panha o texto. Constitui o conjunto de elementos estruturais do texto
que colaboram para que a sua compreensão seja possível. Para melhor
entendimento do assunto, podemos dizer que existe um contexto imediato
e um contexto de situação.

O contexto imediato é o contexto dentro do texto, ou seja, é constituído


pelos elementos que precedem ou seguem o texto, tais como: título, iní-
cio, nome do autor, referência, data etc., que fornecem previsões sobre
o texto e podem ser chamados de referentes textuais.
108 UNIUBE

Gostaríamos que você parasse um pouquinho para acessar o link


<http://www.letras.com.br/chico­‑buarque/pivete> ou o site <http://www.
youtube.com> para ver e ouvir a música "Pivete" de Chico Buarque de
Hollanda (CD Paratodos, BMG Ariola Discos Ltda, RCA Corporation,
gravação em set./out. 1993), que constitui um excelente exemplo para
o assunto que estamos estudando. Se houver possibilidade, imprima a
letra da música para acompanhar melhor as explicações que daremos
a seguir.

Pelo título, autor e referência (referentes textuais), você já imagina o


assunto que será tratado, porque sabe o significado da palavra "pivete"
e presume se tratar de uma música, pois, certamente sabe que Chico
Buarque é compositor e cantor.

Já o contexto de situação é constituído pelos elementos externos ao


texto, que o suplementam e lhe possibilitam maior compreensão. Assim,
ao contexto imediato – contexto "dentro do texto" – soma­‑se o contexto
de situação – contexto "fora do texto" –, que é formado pelo acervo de
conhecimentos e experiências em diferentes ambientes (físico, social, psí-
quico, histórico, entre outros). Entram aqui os referentes extralinguísticos.
Todos esses referentes extralinguísticos, conhecidos pelos interlocutores,
contribuem para facilitar e completar a compreensão do enunciado. Paulo
Freire chama o contexto de situação de "leitura de mundo", ou seja, são
os conhecimentos necessários para a compreensão do texto, mesmo
porque não se pode dissociar o texto do contexto que o circunda. Se
depois da leitura do texto "Pivete" você não tiver conhecimento sobre a
região, estado ou cidade em que ficam as ruas e bairros – nomes como
Frei Caneca, Tijuca, Borel – citados no texto, e sobre a procedência dos
UNIUBE  109

nomes dados como apelido ao pivete – Pelé, Mané, Emersão – você


não compreenderá totalmente o efeito de sentido que essas escolhas
lexicais produzem no texto.

4.4 Intertexto – intertextualidade

Sabe­‑se que todos nós, usuários da língua, ao criarmos textos para nos
comunicarmos e interagirmos com nossos interlocutores, não o fazemos a
partir do nada. Sempre aproveitamos outros textos que já foram produzi-
dos anteriormente, seja aderindo, seja renegando­‑os, e os transformamos
para apresentá­‑los de outra forma. Há, então, uma pluralidade de vozes,
um diálogo entre textos. Em outras palavras, essas relações intertextuais
não ocorrem sempre da mesma maneira: o diálogo pode ou não ser fruto
da intenção do autor e pode não coincidir com as ideias contidas no texto
original, assim como a intertextualidade pode ou não estar evidente. Além
disso, a produção de sentido ao texto/intertexto dependerá das relações
que nossa experiência como leitores e de nosso conhecimento de mundo
nos permitirão estabelecer. Segundo Bakhtin (1995), um texto pode ter
existência apenas se estiver em contato com outro texto. Explicitar essa
relação ao se fazer uma análise textual é tarefa importante do educador
comprometido em ampliar a competência discursiva de seu aluno.

Assim, podemos dizer que "a intertextualidade é, pois, o diálogo de um


texto com outros textos, pois todo texto é a absorção ou transformação
de outro texto, constituindo­‑se um mosaico de citações".

Observando­‑se a pluralidade de vozes existente nos textos, perceberemos


as diferentes manifestações que podem ocorrer nas relações intertextuais.
110 UNIUBE

Com a finalidade de tornar esse estudo mais claro e produtivo, apresentare-


mos, a seguir, o que se pode chamar de ocorrência de intertextualidade.

4.4.1 Alusão

Configura­‑se como inserção de determinados textos em outro texto. Pode


ser de maneira integral, transformada, confessa ou camuflada. Segundo
Paulino, Walty e Cury (1998, p. 29), a alusão é um tipo de intertextualidade
mais amena, uma vez que se nota apenas uma leve menção a outro texto
ou a um componente seu. Uma alusão pode se referir:

• a uma frase histórica;

• a uma fórmula religiosa;

• a um provérbio ou frase feita;

• a uma fórmula literária;

• a um trecho de música;

• a um título de filme;

• a um título de obra literária;

• a um título de música;

• a um título de jornal;

• a um slogan publicitário;

• a um personagem.
UNIUBE  111

  exemplificando! 

DUMONT – o décimo primeiro mandamento. (Propaganda do relógio Du-


mont. Alusão aos dez mandamentos, à tábua da lei – Moisés.)

Penso, logo invisto. (Propaganda de bancos­‑fundos de investimento. Alusão


à célebre frase de Descartes: "Penso, logo existo".)

Cadê o batom que estava aqui?

Saiu.

Agora olhe o batom que não sai! (Propaganda de batom. Alusão à parlenda
folclórica "Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu…".)

4.4.2 Citação

É quando se insere em um texto um fragmento de outro texto. Geralmente


é marcada pelas aspas. Citar é transcrever, literalmente, as palavras de
outro. Isso ocorre quando queremos, em um texto opinativo, por exemplo,
comentar, discordar ou endossar a ideia de outra pessoa. Observe que,
quando se cita um texto, é preciso destacá­‑lo de alguma forma (usando
aspas ou diferenciando o alinhamento do trecho) e indicar a referência
(a fonte do texto). Copiar e não indicar a fonte de um texto, além de an-
tiético, é ilegal e passível de punição. A citação é muito usada em textos
jornalísticos para se referir à fala de pessoas – discurso direto.
112 UNIUBE

  exemplificando! 

"Liberdade, Igualdade e Fraternidade" foi o lema da Revolução Fran-


cesa.

"Eu não tenho mensagem. Minha mensagem é minha vida" (GANDHI. In:
O pensamento vivo de Gandhi. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993).

4.4.3 Paródia

É um texto que, ao incorporar outro texto, propõe o deslocamento da


linguagem, em um caráter contestador. É a intertextualidade das dife-
renças. Consiste na apropriação de outro texto e na construção de um
novo, que altera o sentido do texto original. Assim, o que era drama vira
comédia; os heróis são satirizados. É comum, por exemplo, que alguns
programas humorísticos construam quadros para fazer paródias de mú-
sicas de sucesso, ridicularizar telenovelas ou outros programas de TV.
As intenções de quem parodia podem ser as mais diversas: debochar,
criticar, divertir, entreter etc. Veja a seguir um exemplo de paródia.

  exemplificando! 

Um Chapeuzinho Vermelho bem brasileiro

Chapeuzinho Vermelho recebe um e­‑mail de sua mãe dizendo


que a avó tinha sido operada: acabara de fazer uma lipo, além
de aplicações de Botox e silicone. Portanto, Chapeuzinho deveria
visitá­‑la.
UNIUBE  113

Chapeuzinho decide levar chocolate para sua avó, aliás, choco-


late diet, pois a avó já é uma pessoa de idade, apesar de não o
admitir. Chapeuzinho resolveu, então, pegar o coletivo para ir ao
hospital.

O problema é que seu ex­‑namorado, Lobo, um sujeito barra pesada,


ficou sabendo da história e resolveu se antecipar, pegando um moto-
táxi. Logicamente ele chegou antes, pois Chapéu teve de enfrentar
um ônibus lotado e um trânsito infernal.

Ao chegar ao hospital e se deparar com a velha, o Lobo sacou seu


tresoitão e mandou chumbo na velha. Chapeuzinho havia acabado
de chegar e assistiu àquela cena digna do Linha Direta. Tentou
chamar a rádio patrulha, porém a polícia estava em greve.

Então, num acesso de fúria, inspirada pelos filmes do Van Damme


e Schwarzenegger, ela ataca o Lobo e o desarma.

Porém, na luta, eles acabam se beijando apaixonadamente, pois no


momento se esqueceram dos desentendimentos e se lembraram
apenas dos momentos maravilhosos que haviam passado juntos.

Depois, Chapéu se lembrou da vovó agonizante, mas para surpresa


de todos a velha sobreviveu, graças à prótese de silicone que alojou
a bala. E então, todos viveram felizes até a conta do hospital chegar,
já que a vovó não tinha plano de saúde.

Fonte: Silva e Borges (1999).

4.4.4 Paráfrase

Ocorre quando há uma fusão de vozes em um texto que se identifica


com outro, sem quebrar sua continuidade. É a intertextualidade das
semelhanças. Quando se faz uma paráfrase de um texto, não se cria
nenhum sentido novo. Ao contrário, a paráfrase deve manter, tanto quanto
114 UNIUBE

possível, os sentidos do texto original. Na vida cotidiana e na escola


usamos, muitas vezes, a paráfrase: quando contamos o enredo de um
filme para alguém, quando repetimos uma explicação do professor para
um colega, quando resumimos um texto qualquer.

  exemplificando! 

Texto original 1:

(Para escrever bem) "[…] parece que, além do 1% de inspiração que está
no DNA de qualquer aspirante a Shakespeare, o que é determinante são os
99% de transpiração". (Gustavo Ioschpe. Folha de S.Paulo, 1o de março de
1999. Folhateen, p. 5)

Paráfrase:

Para escrever bem, tendo como modelo Shakespeare, não basta o talento
natural com que cada pessoa nasce. O mais importante é o esforço, a dedi-
cação, o trabalho, a busca e a leitura incessante.

Texto original 2:

Falando­‑se de hábito de leitura: "Não adianta dar caviar para quem nunca
comeu lambari".

Paráfrase:

De nada vale dar uma obra complexa para alguém ler, se esse alguém nunca
leu obras mais simples e de fácil compreensão.
UNIUBE  115

4.4.5 Apropriação

O autor não escreve, mas articula, agrupa, transcreve o texto alheio,


conferindo‑lhe um novo significado. A apropriação, enquanto prática
intertextual transita do estatuto de um ato legítimo e, às vezes, inevitá-
vel, até a ilegalidade do plágio (esse tipo de apropriação ocorre quando
se "copia" textos de outras pessoas sem fazer referência; o "copiador"
assume o papel de autor da obra). Atualmente, é difícil a identificação
dessa ocorrência e o estabelecimento de limites, uma vez que o exercício
da apropriação é assumido pela própria literatura que se diz "devoradora
de outros textos".

Todavia, devemos estar atentos para não incorrermos nessa forma de


apropriação de textos alheios (plágio) que é ilegal.

Um bom exemplo de apropriação é a música Monte Castelo de Renato


Russo – cantor e compositor, considerado um dos principais poetas do
rock dos anos 1980 que foi líder da banda brasiliense Legião Urbana e
que morreu muito jovem (1960­‑1996). Esse compositor tomou, na íntegra,
o "Soneto 11" do escritor Luiz Vaz de Camões – uma das maiores figuras
da literatura clássica de língua portuguesa e um dos grandes poetas do
Ocidente – e inseriu entre as estrofes, trechos bíblicos retirados de I
Coríntios 13. Criou os acordes musicais e deu­‑lhe novo significado sob
o título "Monte Castelo". A música ainda faz muito sucesso entre os jo-
vens. No encarte do CD, o compositor explica e faz referência a essa sua
apropriação. Se não o fizesse, isto é, se apenas copiasse e assumisse
a autoria, estaria incorrendo na ilegalidade do plágio.
116 UNIUBE

  exemplificando! 

Este é o "Soneto 11", de Camões, tomado por Renato Russo:

Amor é fogo que arde sem se ver,


é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar­‑se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Fonte: Camões (apud FIORIN; SAVIOLI, 1997).

Veja, agora, a passagem bíblica, I Coríntios 13, que o compositor inseriu


entre as estrofes:

Ainda que falasse a língua dos homens.


E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.

Sugerimos que você acesse o link <http://letras.terra.com.br/legiao­


urbana/22490/> e observe como ficou a letra da música, com as inserções
e modificações feitas pelo compositor Renato Russo, a fim de que possa
reconhecer melhor a ocorrência de intertextualidade exemplificada como
apropriação.
UNIUBE  117

4.5 Coesão e coerência

Para complementar os estudos referentes às abordagens do texto, ex-


plicitaremos as noções de coesão e coerência.

4.5.1 Coesão

Conforme dissemos anteriormente, baseando­‑nos nos estudos de Koch


e Travaglia (1991), texto não é uma sequência fragmentada de frases
isoladas, estanques, cada qual em seu compartimento. É preciso que
haja fatores de amarração que estabeleçam uma ponte entre os elemen-
tos com o objetivo de chegar ao texto e a sua textura tornando­‑o uma
unidade de sentido. Um desses fatores chama­‑se coesão – conjunto
de elementos posicionados ao longo do texto, numa linearidade lógica
e com os quais se estabelece um liame ou conexão sequencial. Assim,
por coesão se entendem a ligação, a relação, os nexos que se estabe-
lecem entre os elementos que constituem a superfície textual. A coesão
é explicitamente revelada por meio de marcas linguísticas, índices for-
mais na estrutura da sequência linguística e superficial do texto. Ela se
manifesta na organização sequencial do texto. Marcuschi (1983, apud
KOCH, 1991, p. 18) define os fatores de coesão como "aqueles que dão
conta da estruturação da sequência superficial do texto", afirmando que
não se trata de princípios meramente sintáticos, mas de "uma espécie
de semântica de sintaxe textual", isto é, dos mecanismos formais de
uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos linguísticos
do texto, relações de sentido.
118 UNIUBE

  exemplificando! 

Não me lembro em que momento percebi que viver deveria ser


permanente reinvenção de nós mesmos – para não morrermos
soterrados na poesia da banalidade, embora pareça que ainda
estamos vivos.

Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar


dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada.
Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para
depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida
como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a
cada gole bebido (LUFT, 2004, p. 21).

Podemos perceber nesse fragmento que a coesão é explicitamente revelada


por meio de marcas linguísticas, índices formais que se manifestam na orga-
nização sequencial do texto.

4.5.2 Coerência

Segundo Koch e Travaglia (1991, p. 21) "a coerência está diretamente


ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto, ou seja,
ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo,
portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à
inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade
que o receptor tem para calcular o sentido deste texto". Esse sentido,
evidentemente, deve ser do todo, pois a coerência é global.

Ao contrário da coesão, que se revela explícita, a coerência é subja-


cente. Como se pode notar, a separação entre coesão e coerência
não é tão nítida quanto, às vezes, se pensa e sugere. Na verdade,
a coesão tem relação com a coerência, na medida em que é um dos
UNIUBE  119

fatores que ­permite calculá­‑la e, ainda que do ponto de vista analítico


seja interessante separá­‑las, distingui­‑las, cumpre não esquecer que
são duas faces do mesmo fenômeno. Por outro lado, como observa
Charroles (1989, apud KOCH; TRAVAGLIA, 1991, p. 42), "os elementos
linguísticos da coesão não são nem necessários, nem suficientes para
que a coerência seja estabelecida". Haverá necessidade de conheci-
mentos exteriores ao texto (conhecimento de mundo, conhecimento dos
interlocutores, da situação, de normas sociais etc.). O texto a seguir
nos mostra que, embora não contenha, de forma explícita, marcas
linguísticas e índices formais na estrutura da sua sequência linguística
e superficial, seu sentido é estabelecido levando­‑se em conta os refe-
rentes extralinguísticos.

  exemplificando! 

A roça

Madrugada
Fogão
Café
Partida
Beijo
Sereno
Caminho
Passos
Passos
Sol
Suor
Tarefa
Enxada
Capim
Capina
Sede
Sombra
Água
Trabalho
Enxada
Labuta
120 UNIUBE

Pensamento
Fome
Sede
Sombra
Feijão
Cochilo
Enxada
Capim
Sol a pino
Destino
Suor
Enxada
Dia findo
Caminho
Arrebol
Beijo
Banho
Feijão
Lua
Sono
Sonho
Outro caminho
Outro destino
Nova missão

Fonte: Ferraz (2006).

Resumo

Neste capítulo você tomou conhecimento dos aspectos teóricos e práticos


sobre a noção de texto, contexto, intertexto e também sobre os mecanis-
mos de coesão e os fatores de coerência que determinam a constituição
de um texto. Além disso, você pôde reconhecer as especificidades de
textos verbais e textos não verbais. Tais estudos o(a) auxiliarão tanto na
vida acadêmica como nas interações comunicativas do dia a dia, além de
lhe servir de subsídio no desenvolvimento de atividades para trabalhar
com seus futuros alunos.
UNIUBE  121

Atividades

Depois de ter lido o capítulo, discutido e esclarecido suas dúvidas com


o preceptor, responda as atividades, a seguir.

Atividade 1

Durante os estudos, neste capítulo, você leu uma paródia da história


"Chapeuzinho Vermelho" denominada "Um Chapeuzinho Vermelho bem
brasileiro". Determine os elementos que fazem deste último texto uma
paródia do conto de fadas.

Atividade 2

Elaboração de paródias:

a) Pense em assuntos polêmicos atuais (política, economia, guerra, pro-


gramas de TV, músicas "descartáveis", problemas sociais etc.). Escreva
a crítica que você faria a respeito desses acontecimentos. Transforme a
crítica em uma sátira usando a letra de uma música conhecida. Procure
pontos de encontro entre a letra original e o assunto que terá enfoque
na paródia. Seja criativo(a).

b) Usando elementos bem característicos da modernidade, elabore


uma nova versão (paródia) do tradicional conto de fadas "Chapeuzinho
Vermelho".
122 UNIUBE

Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995.

FERRAZ, Tobias. A Roça. Uberaba: [s.n], 2006.

FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Lição 24. Coesão Textual. Lição 25. Coerência e
Progressão Textual. In: ______. Lições de texto: leitura e redação. 2. ed. São Paulo:
Ática, 1997.

GONÇALVES, Newton Garcia. Poemas para você. Uberaba: Aline Editora e Artes
Gráficas Ltda., 1999.

KOCH, I. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1991, p. 14.

KOCH, I. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1991.

LUFT, Lya. Pensar é transgredir. São Paulo: Editora Record, 2004.

PAULINO, G.; WALTY, I.; CURY, M.Z. Intertextualidades: teoria e prática. Belo
Horizonte: Editora Lê, 1998, p. 1­‑64.

SILVA, Luís Felipe; BORGES, Élida. Um Chapeuzinho Vermelho bem brasileiro.


Uberaba: [s.n], 1999.
Fatores de
Capítulo
textualidade: a
5
coerência

Irene de Lima Freitas

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Neste capítulo, você dará continuidade aos estudos iniciados


nos capítulos anteriores a respeito dos fatores que possibilitam a
produção de sentido em textos de diferentes esferas da comuni-
cação humana. Trata­‑se da multiplicidade de fatores linguísticos,
cognitivos, interacionais, discursivos e culturais que possibilitam
a construção da coerência textual.

Você terá oportunidade de perceber que os fatores de coerência


aqui apresentados são de fundamental importância tanto para o
falante/escritor na elaboração de textos orais e escritos, como
para o ouvinte/leitor na compreensão do sentido de tudo o que
é dito pelos interlocutores.

Assim, o estudo dos fatores de coerência será de grande utili-


dade para que você, futuro professor. Faça­‑se entender por seus
alunos para que eles, a partir de seus ensinamentos, possam
124 UNIUBE

também reconhecer a necessidade de construir textos coerentes


nas diferentes situações de interação comunicativa.

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• identificar os fatores que determinam a coerência de um


texto;
• relacionar coerência e coesão em diferentes textos;
• distinguir alguns tipos de coerência presentes em textos;
• redigir pequenos textos, atentando para fatores de coe-
rência;
• diferençar texto coerente de texto incoerente.

Esquema
Níveis
-Semântico (sentido) Coerência
-Sintático (construções linguísticas)
-Estilístico (estilo)
-Pragmático (atos de fala)

Fatores
-Conhecimentos linguísticos Produtor
-Conhecimento de mundo
-Conhecimento partilhado
-Inferências
-Fatores pragmáticos
-Situacionalidade Texto Coerência
-Informatividade
-Focalização
-Intertextualidade
-Intencionalidade e aceitabilidade
-Consistência e relevância Receptor
UNIUBE  125

5.1 Considerações iniciais

Nos capítulos anteriores, estudamos os conceitos de texto, contexto e


intertexto, além de noções de coerência e coesão. Neste capítulo, tratare-
mos, de forma especial, do fator de textualidade denominado coerência.
Como já dissemos, entende­‑se por coerência a rede de sintonia entre
as partes e o todo de um texto, ou o conjunto de ideias sistematizadas
numa adequada relação semântica, ou a compatibilidade entre as ideias
de um texto resultando num todo caracterizado pela sintonia de sentido,
ou ainda, retomando os estudos de Koch e Travaglia (1991, p. 21),

[…] a coerência está diretamente ligada à possibilidade


de se estabelecer um sentido para o texto, ou seja,
ela é o que faz com que o texto faça sentido para os
usuários, devendo, portanto, ser entendida como um
princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade
do texto numa situação de comunicação e à capaci-
dade que o receptor tem para calcular o sentido deste
texto.

Portanto, de acordo com Mussalim (2003), admite­‑se que um texto


pode ser incoerente em/para determinada situação comunicativa. Isso
acontece se o produtor de tal texto não for capaz de adequá­‑lo à situa-
ção específica, aos objetivos, ao destinatário, às regras socioculturais,
ao uso dos recursos linguísticos e aos outros elementos da situação.
Todavia, como a coerência não depende apenas de uma correta deco-
dificação dos sentidos presentes no texto baseando­‑se na observação
dos elementos linguísticos, e sim do princípio da interpretabilidade,
pode acontecer de leitores ou destinatários, ao emitirem julgamento
sobre a coerência ou a incoerência de determinado texto, não levarem
em conta outros fatores que também contribuem para a construção de
seu sentido mais global.
126 UNIUBE

Em outras palavras, a coerência assenta­‑­se no plano da inteligibilidade


do texto, situa­‑se na subjacência, relaciona­‑se com a macroestrutura,
trabalha com o todo, como aspecto global do texto. Já a coesão, segundo
Marcuschi (apud KOCH, 1991), trata dos fatores
Sintaxe textual
que dão conta da estruturação da sequência su-
Refere­­‑se à
perficial do texto, não em sentido de princípios
estruturação da
sequência do texto e
não da sequência dos
simplesmente sintáticos, mas de uma espécie de
elementos da frase.
sintaxe textual.

De acordo com o que já dissemos anteriormente, a coesão auxilia no


estabelecimento da coerência, mas não é imprescindível para que esta se
dê. Existem conjuntos linguísticos que são textos porque são coerentes,
embora não tenham coesão. Assim, em outras palavras, quando se fala
em coerência, fala­‑se da não contradição de sentidos entre passagens
do texto, na existência de uma continuidade semântica relacionada à sua
organização subjacente que possibilita atribuição de um sentido unitário
e global, em que cada uma das partes deve estar relacionada a essa
unidade semântica. Assim, a incoerência seria a violação das articulações
de conteúdo de cada um dos níveis de organização do texto. Segundo
Koch e Travaglia (1991), a coerência, longe de constituir mera qualidade
ou propriedade do texto, é resultado de uma construção feita pelos
interlocutores, em dada situação de interação, pela atuação conjunta
de uma série de fatores de ordem cognitiva, situacional, sociocultural e
interacional. De acordo com esses autores, se é verdade que a coerên-
cia não está no texto, é verdade também que ela deve ser construída
a partir dele, levando­‑se em conta os recursos coesivos presentes na
superfície textual, os quais funcionam como pista ou chave para orientar
o interlocutor na construção do sentido. Para que se estabeleçam as
UNIUBE  127

relações adequadas entre esses elementos e o conhecimento de mundo


(enciclopédico), o conhecimento socioculturalmente partilhado entre os
interlocutores e as práticas sociais postas em ação no decorrer da inte-
ração, torna­‑se necessário, na maioria das vezes, proceder a um cálculo,
recorrendo­‑se a estratégias interpretativas, como as inferências, bem
como as estratégias de negociação do sentido.

Isso constitui um postulado legítimo, uma vez que estamos tratando do


texto não mais centrado na construção de uma gramática textual, mas,
sim, na busca do que é chamado de "critérios textuais". Dessa forma,
pode­‑se dizer que a coerência é um princípio de interpretabilidade, ou
seja, podemos perceber que a coerência de um texto não depende so-
mente de uma correta decodificação dos sentidos presentes no texto,
feita por meio de detalhada observação dos elementos linguísticos.

5.2 Níveis de coerência

Segundo Van Dijk e Kintsch (apud KOCH; TRAVAGLIA, 1991), a coe-


rência se estabelece em diversos níveis: semântico, sintático, temático,
estilístico, ilocucional, e todos eles concorrem para a construção da coe-
rência global do texto. Vejamos a que se referem alguns desses níveis.

5.2.1 Coerência semântica

Refere­‑­se à relação entre os significados dos elementos das frases em


sequência em um texto ou entre os elementos do texto como um todo.
128 UNIUBE

Por exemplo: há uma incoerência semântica nas frases a seguir, retiradas


de uma lista de "pérolas do Enem":

Inadequado

"Eu luto para atingir os meus obstáculos."

É inadequado porque o sentido das palavras não combina.

O correto é

"Eu luto para atingir os meus objetivos."

5.2.2 Coerência sintática

Refere­‑se às propriedades formais das construções linguísticas, ou seja,


aos meios sintáticos (conectivos, pronomes e outros) para expressar a
coerência semântica. Exemplo:

Inadequado

"Os alunos não fizeram as atividades propostas, onde


o professor resolveu dar­‑lhes notas baixas."

Na realidade, o "onde" não foi empregado de acordo com a norma culta


da língua: houve uma inadequação em seu uso. O ideal seria substituir o
pronome "onde" por um conectivo conclusivo, pois a relação de sentido
estabelecida entre as orações é de conclusão.

O correto é

"Os alunos não fizeram as atividades propostas, por-


tanto, o professor resolveu lhes atribuir notas baixas."
UNIUBE  129

Em outro exemplo, o usuário da língua escreveu:

Inadequado

"O momento atual assemelha­‑se aos anos 1970 –


época de acirrada ditadura militar – onde não havia
liberdade de imprensa. Era o auge da censura."

Percebe­‑se claramente que ele quis utilizar o "onde" para referir­‑se aos
anos 1970 e, portanto, a relação estabelecida não é de lugar, e sim de
tempo. Para que houvesse uma coerência sintática dever­‑se­‑ia usar um
operador de localização temporal adequado aos fatos a que se refere
no enunciado:

O correto é

"O momento atual assemelha­‑se aos anos 1970 –


época de acirrada ditadura militar – quando não havia
liberdade de imprensa. Era o auge da censura."

5.2.3 Coerência estilística

Refere­‑se ao uso de elementos linguísticos (léxicos, tipos de estruturas,


frases) adequados ao estilo ou registro linguístico em uso. Exemplo: em
uma apreciação escrita sobre uma obra literária, o leitor escreveu da
seguinte forma:

Inadequado

"No desenvolvimento da trama, o jovem persona-


gem, depois de intermináveis elucubrações, caiu
na real e sacaneou com o cara que dizia ser seu
melhor amigo."

Como podemos perceber, o fragmento – na modalidade escrita – apre-


senta uma situação de interação comunicativa em que se exige a norma
130 UNIUBE

culta. O usuário da língua iniciou muito bem, mas, logo em seguida,


passou a utilizar gírias ("caiu na real", "sacaneou", "cara"), que são ina-
dequadas para o contexto em questão. Criou­‑se, então, uma incoerência
estilística.

5.2.4 Coerência pragmática

Diz respeito aos atos de fala que devem satisfazer às mesmas condições
presentes em dada situação comunicativa. Se isso não ocorrer, teremos
uma incoerência. Exemplo: se alguém faz um pedido a outra pessoa,
espera­‑se uma resposta que seja um atendimento, ou recusa, e não algo
que nada tenha a ver com o conteúdo do pedido.

– Papai, que hora você vai me entregar o ovo de Páscoa?

– No próximo mês tenho que fazer uma longa viagem de negócios.

Com esse exemplo fica então evidente que a construção da coerência


depende de múltiplos fatores de diferentes ordens:

• linguísticos;

• discursivos;

• cognitivos;

• culturais, e

• interacionais.
UNIUBE  131

Falaremos, a seguir, de alguns dos principais fatores, de acordo com os


estudos realizados por Koch e Travaglia (1991).

5.3 Fatores de coerência

5.3.1 Conhecimentos linguísticos

Sabemos que embora não seja possível apreender o sentido de um texto


levando­‑se em consideração apenas as palavras que o compõem e a
sua estruturação sintática, é de fundamental importância a observação
dos elementos linguísticos para o estabelecimento da coerência. A ordem
de apresentação desses elementos, o modo como se inter­‑relacionam
para veicular sentidos, as marcas usadas para esse fim, as "famílias"
de significado a que as palavras pertencem, os recursos que permitem
retomar coisas já ditas e/ou apontar para elementos que serão apresen-
tados posteriormente, enfim, todo o contexto linguístico – ou co­texto –,
contribuirão de maneira ativa para a construção da coerência (KOCH;
TRAVAGLIA,1991, p. 59).

No texto a seguir, elaborado sob a orientação do professor por uma aluna


do primeiro período de Comunicação Social, embora tendo sido escrito
com a utilização de marcas de produtos, a ordem em que essas marcas
aparecem e o modo como se inter­‑relacionam com os outros elementos
linguísticos vão contribuir, de maneira dinâmica, para a construção da
coerência, por meio da produção de efeitos de sentido que permitirão a
inteligibilidade e a interpretabilidade do texto.
132 UNIUBE

  exemplificando! 

Querido VICTOR HUGO,

Já FASS QUASAR QUARTZ ARNO, DOVE meses e TRITON dias


que não nos vemos. Como o TEMPRA PASSAT!!!!

ADDIDAS que estou querendo lhe escrever! Tenho novidades, sobre


nossos filhos, PARATI.

NESTLE semestre o PHILIPS começou um novo CORSA. Está TAM


empolgado que foi PIONNER a apresentar uma pesquisa a QUALY
ganhou a premiação. KIN diria! Ainda mais ELLUS que SEMPER
parecia tão BOB’s! MASH quem vê KARO não vê coração, você
não ECHO?

Quem MINERVA é o ARMANY… Continua PERDIGÃO e não quer


saber de PEUGEOT no pesado. Continua DULOREN de aguentar…
MASH UNO hora ELLUS ainda vai se FERRARI, se não mudar
ESSO seu jeito TAN TAN.

AVON combinar de nos encontrarmos LOGUS. Não sei VIVRE sem


sua COMPANY! Te OMO demais.

F 1000 abraços bem FORD. De sua

DORIANA

Fonte: Adaptação do texto de Noraian Alves Elias. Aluna do 1º período do


Curso de Comunicação Social. Uniube, 2006.

5.3.2 Conhecimento de mundo

Outro fator que desempenha um papel importantíssimo no estabeleci-


mento da coerência é o conhecimento de mundo, pois, se o texto tratar de
assuntos desconhecidos por nós, leitores, tornar­‑se­‑á difícil calcularmos
o seu sentido. O texto nos parecerá destituído de coerência.
UNIUBE  133

O conhecimento de mundo é adquirido à medida que vamos vivendo e


tomando contato com o mundo que nos rodeia, além das experiências
por que passamos. Porém, esses conhecimentos adquiridos não são
armazenados em nossa memória de maneira desorganizada. Nós os
arquivamos em blocos denominados modelos cognitivos, dentre os quais
Koch e Travaglia (1991) citam:

• os frames – trata­‑se de conjuntos de conhecimentos que armazenamos


na memória sob a guarda de certa identificação, sem que haja uma
ordenação específica. Exemplo: Natal (nascimento de Cristo, Papai
Noel, presentes, árvores enfeitadas, boneco de gelo, neve etc.);

• os esquemas – são conjuntos de conhecimentos arquivados em se-


quência temporal ou causal. Exemplo: a sequência de uma partida de
futebol;

• os planos – conhecimentos adquiridos sobre a maneira de agir para


alcançar certos objetivos. Exemplo: como fazer uma dieta alimentar,
baseando­‑se nas calorias dos alimentos, a fim de perder peso;

• os scripts – conhecimentos sobre modos de agir que são estereoti-


pados em determinadas culturas, inclusive em termos de linguagem.
Exemplo: os rituais religiosos (missa, casamento, batismo);

• as superestruturas ou esquemas textuais – conjunto de conhecimen-


tos adquiridos sobre os diferentes tipos de textos e a possibilidade de
fazer comparações entre eles. No exemplo dado, o texto das marcas
134 UNIUBE

de produtos, podemos perceber claramente que se trata de uma carta


em que a mãe escreve para o pai – o qual se encontra longe dela e
dos filhos há muito tempo – para lhe contar as novidades. Como temos
arquivado na memória o esquema referente a essa situação, torna­‑se
fácil compreendê­‑lo.

5.3.3 Conhecimento partilhado

Quando vamos armazenando os conhecimentos em nossa memória,


cada um de nós o faz a partir de experiências e vivências pessoais.
Assim, é impossível que duas pessoas partilhem idêntico conhecimento
de mundo. Porém, é necessário que o produtor e o receptor de um texto
tenham, ao menos, uma boa parcela de conhecimentos comuns. Os
elementos textuais que remetem ao conhecimento partilhado entre os
interlocutores constituem a informação "velha", ou dada, enquanto que
tudo aquilo que for introduzido a partir da informação "velha" constituirá
a informação nova. Dessa forma, para que um texto seja coerente, é pre-
ciso haver um equilíbrio entre informação dada e informação nova, pois,
se apresentar apenas informação nova, tornar­‑se­‑á ininteligível para o
receptor, uma vez que lhe faltarão elementos que o ajudem a processar
o conhecimento do texto. Da mesma forma, se o texto trouxer somente
informação dada, ele se tornará altamente redundante e não preencherá
seu propósito comunicativo (KOCH; TRAVAGLIA, 1991, p. 64).

Exemplo:

"O casamento foi maravilhoso! Na hora de quebrar os pratos, todos


ficaram atentos."
UNIUBE  135

Se não houver conhecimento partilhado para saber que era um casa-


mento grego, em cuja cerimônia quebram­‑se pratos (contexto linguístico
e de situação), seria impossível a compreensão do enunciado.

5.3.4 Inferências

Segundo Koch e Travaglia (1991), um texto pode ser comparado a um


iceberg, pois o que aparece explícito na materialidade linguística – o que
fica à tona – é apenas uma pequena parte de tudo o que fica implícito
ou submerso. Para compreender bem um texto, o leitor terá que sair da
superfície para atingir níveis mais profundos. Os dois autores explicam
que inferência pode ser entendida como:

[…] a operação pela qual, utilizando seu conhecimento


de mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto esta-
belece uma relação não explícita entre dois elementos
(normalmente frases ou trechos) deste texto que ele
busca compreender e interpretar (KOCH; TRAVAGLIA,
1991, p. 65).

Geralmente, quando lemos ou ouvimos um texto, fazemos uma série de


inferências para que possamos compreendê­‑lo integralmente, pois, se
não o fizéssemos, todos os textos teriam que ser excessivamente longos
para poder explicitar tudo o que pretendem.

5.3.5 Fatores de contextualização ou pragmáticos

São aqueles que amparam o texto em uma situação comunicativa es-


pecífica, pois deles depende, em grande parte, o estabelecimento da
coerência. Podemos citar como exemplo a data, o local, a assinatura,
136 UNIUBE

elementos gráficos, timbre e outros fatores gráficos, como disposição


na página, ilustrações, fotos, título, autor, que ajudam a situar o texto e
a estabelecer sua coerência.

5.3.6 Situacionalidade

Trata­‑se da situação comunicativa propriamente dita, isto é, o contexto


imediato da interação e o contexto socio­político­‑cultural em que a in-
teração está inserida. Ao se construir um texto é necessário observar
os fatores que são adequados àquela situação específica, como: grau
de formalidade, variedade linguística, tratamento a ser dado ao tema.
Nesse caso, trata­‑se da situacionalidade vista na direção da situação
para o texto.

Da mesma forma, quando a direção é dada do texto para a situação há


a necessidade de, ao se construir um texto, recriar o mundo de acordo
com os objetivos propostos, interesses, convicções, crenças e outros.

O mundo criado pelo texto não é uma cópia fiel do


mundo real, mas sim o mundo tal qual é visto pelo pro-
dutor a partir de determinada perspectiva, de acordo
com determinadas intenções. É por esse motivo que
quando várias pessoas descrevem um mesmo objeto
ou relatam o mesmo fato nunca o fazem de maneira
exatamente igual, sempre haverá diferenças e diver-
gências. O receptor, por sua vez, interpreta o texto de
acordo com a sua ótica, com seus propósitos e com as
suas convicções (KOCH; TRAVAGLIA,1991, p. 70).

Assim, um texto pode ser coerente em determinada situação e não o


ser em outra. Por isso, devemos nos preocupar com sua adequação à
situação comunicativa.
UNIUBE  137

5.3.7 Informatividade

Trata­‑se do grau de previsibilidade da informação contida no texto que


poderá ser tanto menos informativo quanto mais a informação trazida
por ele for previsível ou esperada, isto é, se o texto trouxer apenas infor-
mações previsíveis, seu grau de informatividade será baixo; se trouxer,
além das informações esperadas, outras não previsíveis, terá um grau
maior de informatividade. No entanto, se toda a informação de um texto
for inesperada ou imprevisível, ele poderá parecer incoerente por exigir
do receptor um grande esforço para a compreensão. Todavia, tal texto
terá um grau máximo de informatividade.

5.3.8 Focalização

Trata­‑se do enfoque e da concentração dos usuários (produtor e receptor)


em apenas uma parte do seu conhecimento e com a ótica particular pela
qual cada um vê os componentes do mundo textual. Koch e Travaglia
(1991) comparam a focalização a uma câmera que acompanha tanto o
produtor como o receptor no momento em que o texto é processado. O
produtor fornece ao receptor determinadas pistas do que está focalizando,
e o receptor terá que recorrer a crenças e conhecimentos partilhados
sobre o que está sendo focalizado para compreender o texto de modo
adequado. Portanto, a focalização está diretamente relacionada ao co-
nhecimento de mundo e ao conhecimento partilhado. Dependendo da
focalização, um mesmo texto, por exemplo, pode ser lido e compreendido
de modo totalmente diferente por um psicólogo, um padre, um político
ou um sociólogo, devido às diferentes focalizações dadas por esses
diferentes profissionais.
138 UNIUBE

A respeito do assunto intertextualidade, já estudado no capítulo deno-


minado "Texto, contexto e intertexto", seria importante você rever os
conceitos ali desenvolvidos, a fim de compreender melhor as abordagens
seguintes.

5.3.9 Intertextualidade

A intertextualidade é um importante fator de coerência porque, para que o


processamento cognitivo (produção/recepção) do texto seja processado,
sempre há recorrência ao conhecimento prévio de outros textos. Assim, o
reconhecimento do texto­‑fonte e dos motivos de sua reapresentação são
de grande importância para a construção do sentido de outro texto.

5.3.10 Intencionalidade e aceitabilidade

Em sentido restrito, a intencionalidade diz respeito à intenção do emissor


de produzir uma manifestação linguística coesiva e coerente, ainda que
essa intenção nem sempre se realize integralmente, podendo ocorrer
casos em que o emissor abranda deliberadamente a coerência com o
objetivo de produzir efeitos específicos.

  exemplificando! 

Exemplo de intencionalidade

Um falante produzindo um texto desconexo para passar a impressão de que


está bêbado, louco ou desmemoriado.
UNIUBE  139

Já a aceitabilidade diz respeito à atitude dos receptores de aceitarem a


manifestação linguística como um texto coesivo e coerente, que tenha
para eles alguma utilidade ou relevância.

Em sentido amplo, a intencionalidade abrange todas as maneiras como


os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções
comunicativas, enquanto a aceitabilidade inclui a aceitação como dis-
posição ativa de participar de um discurso e compartilhar um propósito
comunicativo (KOCH; TRAVAGLIA, 1997, p. 79­‑80).

5.3.11 Consistência e relevância

Segundo Koch e Travaglia (1991, p. 81),

[…] a condição de consistência exige que cada


enunciado de um texto seja consistente com os enun-
ciados anteriores, isto é, que todos os enunciados do
texto possam ser verdadeiros (ou seja, não contraditó-
rios) dentro de um mesmo mundo ou dentro dos mun-
dos representados no texto. O requisito da relevância
exige que o conjunto de enunciados que compõem o
texto seja relevante para um mesmo tópico discursivo
subjacente, isto é, que os enunciados sejam interpre-
táveis como falando sobre um mesmo tema.

5.4 Conclusão

Com este pequeno estudo, pudemos perceber que a coerência não é sim-
plesmente um traço ou uma propriedade do texto em si, mas que ela se
constrói na interação entre o texto e seus usuários, numa situação comu-
nicativa concreta, em decorrência de todos os fatores aqui explicitados.
140 UNIUBE

Atividades

Depois de ler o capítulo, discutir e esclarecer suas dúvidas com o pre-


ceptor, faça a atividade a seguir.

Atividade 1

A exploração da incoerência pode fazer parte de um programa inten-


cionalmente arquitetado pelo construtor do texto para obter efeitos de
sentido diversificados. Observe, por exemplo, o texto a seguir:

Honolulu, 20 de julho de 2006.

Querida Gabriela,

Aqui estou eu, seu velho amigo Marcelo, para lhe falar
diretamente do Hawai. Vivo momentos de puro encan-
tamento: as águas mais azuis que existem na face da
terra! A capital Honolulu é um paraíso! Fica na ilha de
Oahu. Nosso hotel localiza­‑se na região chamada Wai-
kiki. Já fomos ver o vulcão Diamond Head e estivemos
em Kailua e em Lanikai. Ainda iremos à Ilha de Maui
para chegar bem pertinho de outro vulcão. Tudo aqui é
preservado, limpo, colorido e bonito! Ir a um verdadeiro
luau é privilégio para poucos! Um verdadeiro sonho!
Aprendemos a fazer colares com as autênticas flores
do Hawai. E o casamento havaiano de verdade? Fan-
tástico! Estamos vivendo uma experiência sem igual!
Ah! Ontem estivemos em Pearl Harbor! Eu já havia
assistido ao filme, mas ver "ao vivo" não tem explica-
ções! Impossível lhe contar tudo! Só mesmo estando
aqui para acreditar!

Hoje eu brinquei de castelinho na areia branquinha.


O mar levou o meu baldinho novo e eu chorei. Aqui é
legal. Um beijo.

Marcelo
UNIUBE  141

a) A parte final do texto (sobretudo após a frase "Só mesmo estando


aqui para acreditar"), interpretada no seu sentido literal, contém uma
incoerência gritante. Explique por quê.

b) Interpretando a mesma passagem no seu sentido não literal, desco-


brimos nela um criativo efeito de sentido. Diga qual é esse efeito.

Referências

FIORIN. J. l.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: leitura e redação. 2. ed. São Paulo:
Ática,1997.

KOCH, I. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. 2. ed. São Paulo: Contexto,


1991.

______. Texto e coerência. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1997.

MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à Linguística: domínios e


fronteiras. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2003. v. 1, p. 257­‑277.
Componentes do
Capítulo mundo textual:
6 coesão, coerência
e intertextualidade
Walleska Bernardino Silva

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Após os estudos realizados nos dois últimos capítulos, você terá


base para iniciar este. Aqui, os conceitos apresentados serão
mostrados a você em diferentes situações práticas, ou seja, em
diferentes textos e linguagens. Além disso, faremos o estudo da
coesão, o aprofundamento da coerência e da intertextualidade,
apoiados em vários exemplos. Esses estudos retomarão a noção
de texto e contexto, levando o(a) a perceber como se constituem
os sujeitos no texto, mostrando­‑lhe o diálogo entre eles.

Esse capítulo facilitará o seu trabalho como futuro docente


em desenvolver em seu aluno a competência da escrita e da
leitura.
144 UNIUBE

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• compreender as noções de texto e contexto;


• diferenciar contexto de cotexto;
• entender como os sujeitos se mostram ideologicamente
nos textos;
• confirmar a dialogicidade entre os textos;
• aprofundar o conceito de coesão enquanto elo linguís-
tico;
• compreender que, para a coerência ser estabelecida, é
necessário levar em conta a cena enunciativa;
• relacionar os conceitos de coesão, coerência e intertex-
tualidade para a produção textual;
• produzir textos coesos e coerentes em contextos espe-
cíficos.
UNIUBE  145

Esquema

CENA ENUNCIATIVA

Participantes Contexto sócio-histórico


sujeitos ideológico

TEXTOS

Materialidade Componentes
linguística extralinguísticos

Cotexto

Coesão
Contexto
textual

Coerência
146 UNIUBE

 6.1 Considerações iniciais

Competência A linguagem é um sistema amplamente complexo,


comunicativa
que envolve o homem e suas relações sociais.
Refere­‑se à
adequação da
Assim, estudar as possibilidades de construção do
comunicação às
múltiplas situações
sentido em textos nos permite melhor compreender
de interação, ou seja,
consiste na aptidão
não somente as interações sociais como também
dos falantes em
produzir e interpretar buscar meios de melhorar nossa competência
os textos em geral, por
meio do acionamento comunicativa. Nesse sentindo, passamos a en-
de estratégias de
ordem sociocognitiva, tender como a linguística pode (re)construir novas
interacional e textual.
representações do e no mundo.

Dessa forma, caro(a) aluno(a), convidamos você a exercitar sua capa-


cidade de reflexão e análise linguística a fim de construir relações de
significação capazes de produzir pontos de vista distintos sobre o mesmo
objeto, tendo em vista que, na língua, o sentido não
Alteridade
pode ser estabelecido a priori do evento comunica-
Condição que se tivo e que somos, necessariamente, constituídos
estabelece por uma
relação de contraste,
por uma alteridade que nos singulariza. Em outras
diferença. Natureza
ou condição do que
é do outro, do que é
palavras, é somente na interação sujeito/texto/
distinto.
contexto que o sentido pode ser construído.

Para tanto, você nos acompanhará na retomada de alguns conceitos


importantes já vistos nos capítulos anteriores e dividirá conosco algumas
análises linguísticas que focam, especialmente, a coesão, a coerência e
a intertextualidade para a e na significação.
UNIUBE  147

6.2 Noção de texto

Partimos da célebre pergunta: "O que é um texto?". Uma música é um


texto? Uma história em quadrinhos é um texto? Uma obra de arte, uma
fotografia, uma placa de trânsito são textos?

Para responder a essas perguntas, temos de ter claro que a palavra texto
refere­‑se necessariamente à possibilidade de construção de sentido. Isso
implica dizer que independente do tipo de linguagem (verbal, não verbal
ou mista), da formalidade ou informalidade do registro e do suporte no
qual o texto foi veiculado (uma partitura, um livro, um papel, uma placa
metálica etc.), se o leitor consegue produzir uma unidade de sentido para
o que lê ou vê, ele está diante de um texto.

Nesta perspectiva, o texto jamais terá o sentido Interlocução


pronto. É somente na interlocução entre texto e
Diálogo
leitor, levando­‑se em consideração o contexto, que
se torna possível o sentido. Assim, um texto pode não fazer sentido em
determinada situação comunicativa.

Veja os exemplos a seguir e diga se constituem textos ou não.

a)
148 UNIUBE

b)

O que é? O que é? Muitos


homens que se ocupam da política Pleonasmo
de modo irresponsável.

Fonte: Acervo EAD – Uniube.

c) Sorvete de azeitona

O garoto chega à sorveteria e pergunta:


– Tem sorvete de azeitona?
Aí o atendente responde:
– Não.
Dia seguinte:
– Tem sorvete de azeitona?
– Não.
Outro dia:
– Tem sorvete de azeitona?
– Não.
Outro dia:
– Tem sorvete de azeitona?
– Tem!!!
– Eca!!

Fonte: Zé da Luz. Ai se sêsse. In: Álbum Cordel de Fogo Encatado. Dispo-


nível em: <http://boaspiadas.blogspot.com/2006/03/sorvete­‑de­‑azeitona.html>.
Acesso em: 25 out. 2009.
UNIUBE  149

d) Ai se sêsse

Se um dia nois se gostasse


Se um dia nois se queresse
[…]

E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse


E a minha faca puxasse
[…]

Fonte: Zé da Luz. In: Álbum Cordel do Fogo Encantado. Disponível em:


<http://www.vagalume.com.br/cordel­‑do­‑fogo­‑encantado/ai­‑se­‑sesse.html>.
Acesso em: 25 out. 2009.

Vejamos as ocorrências acima. Na letra a), as placas de trânsito (apenas


linguagem não verbal) seguramente fazem sentido para um motorista,
mas podem não o fazer para uma criança ou ainda para alguém que
desconheça regras de trânsito. Na tirinha, letra b), é importante que
o leitor tenha o conhecimento de que os políticos são relacionados à
corrupção, devido ao fato de sempre circularem na mídia situações
constrangedoras e ilícitas envolvendo governantes e homens ligados à
política. Além disso, o leitor deve saber o conceito de pleonasmo, que
indica redundância de ideias. Somente a partir desses conhecimentos
é possível o sentido.

Na piada, letra c), o leitor deve acionar seu conhecimento de mundo de


que não existe, ou pelo menos não é comum, sorvete de azeitona. O
texto perderia seu propósito caso sorvete de azeitona fosse substituído,
por exemplo, por sorvete de morango. Na letra d), o fato de o registro ser
informal já que se trata de um poema de cordel musicado não impede a
produção de sentidos.
150 UNIUBE

Como você pode notar, o conceito de texto está intimamente relacionado


com a produção de sentido; é uma entidade significativa. Mas, para isso,
o texto não retrata o mundo, ele o reconstrói a partir de um sujeito que
o enuncia ou o produz em uma determinada instância de comunicação.
Logo, o texto é uma entidade comunicativa que forma uma unidade de
sentido. Mas como construímos esse sentido?

O sentido de um texto só pode ser processado a partir do momento


em que o leitor ativa seu "conhecimento de mundo ou enciclopédico,
conhecimento linguístico, situacional, superestrutural, conhecimento
estilístico e o conhecimento de outros textos existentes" (KOCH; ELIAS,
2006), considerando o momento da enunciação. Ou seja, a determinação
do sentido depende de fatores linguísticos e extralinguísticos. Assim, a
produção textual deve se adequar a uma situação específica, aos obje-
tivos enunciativos, ao destinatário, às regras socioculturais, ao uso dos
recursos linguísticos e aos outros elementos da situação.

  explicando melhor 

1. C
 onhecimento de mundo: conhecimento que recebemos pronto por
intermédio da convivência social.

2. Conhecimento linguístico: conhecimento da língua e de seu uso.

3. Conhecimento situacional: conhecimento da situação comunicativa e


suas "regras".
UNIUBE  151

4. Conhecimento superestrutural: conhecimento dos gêneros e dos tipos


textuais.

5. Conhecimento estilístico: conhecimento de registros, variedades da


língua e sua adequação às situações.

6. Outros textos existentes: intertextualidade.

  importante! 

A capacidade de adequação da produção textual a todos estes itens faz com


que o texto seja denominado gênero textual.

  agora é a sua vez! 

Agora chegou a sua vez de refletir! A ocorrência a seguir se constitui em um


texto para você? Comente.

Função de onda na concepção de Max Born

Born (1928) deu um passo a esta dificuldade propondo uma inter-


pretação estatística das funções de ondas do elétron, à qual, devido
às inúmeras vantagens apresentadas, tem sido amplamente aceita.
Born supôs que as ondas não têm existência real, e assim, as define
como ondas de probabilidade.

O produto Ψ*Ψ ou Ψ2 em um ponto representa a densidade de pro-


babilidade de encontrar o elétron, ou um outro corpúsculo qualquer,
em um ponto x, y, z, num dado instante t e igualdade

|Ψ|2 dxdydz = |Ψ|2dv


152 UNIUBE

Representando a densidade de probabilidade de encontrar o mesmo


elétron em um elemento de volume dv, e também o número de elé-
trons dentro do mesmo volume. Esta interpretação teve um pleno
acordo com as condições de Schrödinger.

Em processos vibratórios o conhecimento da amplitude é importante


como o conhecimento da frequência própria; analogamente, é de se
esperar que, em mecânica ondulatória, esteja ligado um importante
significado físico à função de onda Ψ ou antes, ao quadrado do seu
módulo, visto ser evidente que o valor instantâneo da própria função
oscilatória não pode desempenhar qualquer papel em virtude da sua
alta frequência. O motivo por que se toma o quadrado do módulo é
que a própria função de onda (devido ao coeficiente imaginário da
derivada em ordem ao tempo da equação diferencial) é uma quanti-
dade complexa, enquanto as grandezas suscetíveis de interpretação
física devem evidentemente ser reais.

Suponhamos que no estado caracterizado pela função de onda Ψ1


se efetua uma medição que conduz com certeza a um determinado
resultado, e que o mesmo fazendo o estado no estado Ψ2, conduz
ao resultado 2. Admite­‑se então a combinação linear de Ψ1 e Ψ2, o
que significa que toda função de forma CΨ1 + CΨ2 (C1 e C2, constan-
tes) representa um estado em que a mesma medição pode dar um
resultado 1 ou o resultado 2. Podendo afirmar, que se conhecemos
a dependência dos estados com respeito ao tempo, dependência
a qual é dada pela função Ψ1 (x,t) e em outro, por Ψ2 (x,t), pode­‑se
notar que qualquer combinação linear destas dá também a possível
dependência de um estado do tempo. Estas afirmações constituem
o conteúdo do princípio de superposição dos estados – um princípio
positivo fundamental de mecânica quântica.

Fonte: SILVA, André Luis Bonfim Bathista. Introdução à química quântica.


IFSC/USP, 2003. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/ea000228.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2010.

Ficou em dúvida? Basta pensar: fez sentido para você ou não? Se fez
sentido, você está diante de um texto!
UNIUBE  153

6.3 O contexto situacional

Partiremos da seguinte fala: "Que cachorra!". Neste enunciado, pode-


mos atribuir muito sentidos se não nos é dado o contexto em que a fala
foi proferida. Podemos pensar, por exemplo, em uma situação de raiva
em que uma pessoa faz uma depreciação de outra. Podemos imaginar
uma situação na qual alguém faz um elogio ao animal de outrem. Ainda
podemos pensar em um baile funk cujo atributo "cachorra" signifique um
elogio de um homem a uma mulher.

Assim, o componente linguístico por si só não resolve o sentido. É ne-


cessário que o ouvinte participe do contexto enunciativo para depreender
o significado da fala. Dessa maneira, o contexto situacional determina a
forma como o contexto linguístico é organizado, culminando em projetos
de dizer.

Agora, leia um pequeno trecho da crônica de Luiz Fernando Veríssimo


(2009). O humor desse texto reside no fato de que um cidadão qualquer
liga, em dada noite, para um disk pizza. Tudo normal até aí. O inusitado
acontece quando a telefonista pede ao homem seu número de identifi-
cação nacional e, a partir disso, descobre muitas informações acerca da
vida do cliente, deixando­‑o constrangido. Claro que o título da crônica
"Como pedir uma pizza em 2020" é que determina o contexto e o humor
da cena, pois o leitor deve acionar seus conhecimentos de mundo para
saber que a cada dia, devido aos meios tecnológicos e os entrecruza-
154 UNIUBE

mentos de informação na grande rede, estamos todos vulneráveis quanto


às informações de nossa vida pessoal. Veja:

Cliente: Ah, sim, é verdade! Eu queria encomendar


duas pizzas, uma de quatro queijos e outra de cala-
bresa…
Telefonista: Talvez não seja uma boa ideia…
Cliente: O quê?
Telefonista: Consta na sua ficha médica que o senhor
sofre de hipertensão e tem a taxa de colesterol muito
alta. Além disso, o seu seguro de vida proíbe catego-
ricamente escolhas perigosas para a sua saúde.
[…]
Cliente: Você quer o número do meu cartão de cré-
dito?
Telefonista: Lamento, mas o senhor vai ter que pagar
em dinheiro. O limite do seu cartão de crédito já foi
ultrapassado.
Cliente: Tudo bem, eu posso ir ao Multibanco sacar
dinheiro antes que chegue a pizza.
Telefonista: Duvido que consiga! O senhor está com
o saldo negativo no banco (VERÍSSIMO, 2009).

Daí, pensarmos na metáfora do iceberg relacionando­‑a à compreensão do


texto e seu contexto (Figura 1), conforme postula Koch e Elias (2006).

Figura 1: Iceberg representando uma metáfora para a compreensão de um texto e


seu contexto.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Em um texto, para calcularmos seu sentido, não basta analisarmos ape-


nas o que está explícito, posto (a superfície fora da água). É necessário
considerar o que está implícito ou subjacente (a parte que está submersa).
UNIUBE  155

Logo, devemos considerar o contexto como o iceberg visto no todo, isto


é, é importante tudo o que colabora para o sentido de um texto.

6.3.1 Trajetória da consideração do contexto nas análises linguísticas

A Linguística textual teve seu início a partir da Linguística textual

década de 1960, na Europa, diante da necessidade Área da Linguística


interessada
de um estudo que não se limitasse à frase, já que em analisar e
explicar o texto em
o homem se comunica por meio de textos e não funcionamento,
oferecendo meios
por meio de palavras e frases isoladas, conforme de melhorar a
competência
assegura o campo de estudos linguístico­‑textuais. comunicativa do
sujeito.
Essa movência investigativa da frase para o texto
foi acompanhada pela consideração do sujeito e do contexto comunica-
tivo nas análises sobre a língua. Todavia, o movimento investigativo da
Linguística textual, que tem o texto como seu objeto de análise, passou
por três distintos momentos que brevemente destacamos.

Em um primeiro momento, conforme Fávero e Koch (2002), o interesse


predominante voltou­‑se para a análise transfrástica, dadas algumas di-
ficuldades linguísticas que não podiam ser explicadas em nível da frase,
como a resolução de ambiguidades que se operavam com os pronomes
pessoais de terceira pessoa – exemplo: "João e seu irmão não gostaram
de ser interpelados pelo garçom. Ele pareceu muito inconveniente ao
atender os clientes". Nesse exemplo, o pronome ele pode sintaticamente
ser ligado a três referentes: I) João; II) irmão de João e III) garçom. En-
tretanto, mesmo de posse dessas inúmeras possibilidades referenciais,
o contexto situacional e nosso conhecimento de mundo revelam que o
pronome ele retoma garçom, pois graças à predicação da segunda oração
156 UNIUBE

"pareceu inconveniente ao atender os clientes", podemos estabelecer


a referenciação que se opera a partir das expectativas criadas ao redor
do vocábulo convencionado sócio­‑historicamente garçom: trabalhador
cuja função é atender/servir os clientes em um estabelecimento que se
destina a vender produtos comestíveis.

Gerativismo
Exemplos como esse demonstraram que o co-
nhecimento do contexto e a consideração das
Foi criado por
Noam Chomsky e vivências deveriam adquirir importância nas inves-
configura‑se como um
campo de investigação tigações, que já não se sustentavam pela análise
da Linguística que tem
por objetivo propor
simplista de frases isoladas. Assim, sob influência
uma explicação sobre
o funcionamento
da língua dentro da
do gerativismo, o foco de pesquisa recai na cons-
mente/cérebro do
falante.
trução de gramáticas textuais, cujo objetivo era a
descrição da competência textual do falante. Isso
se justificava pela premissa de que todo falante de uma língua tem a
capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente
de enunciados. Nessa linha, o texto era visto como a unidade linguística
hierarquicamente mais elevada. A análise era do texto para seus cons-
tituintes, a fim de determinar as estruturas textuais, por meio de regras
de uma gramática textual.

Por fim, em um terceiro momento, abandonou­‑se a ideia da elaboração


de uma gramática textual, capaz de descrever a competência textual de
um falante, para analisar o texto, objeto precípuo de estudo da Linguística
textual, dentro de seu contexto de produção e entendido como um pro-
cesso e não mais como um produto. Isso implicava considerar não mais a
competência textual do falante, mas sua competência comunicativa, cuja
abrangência envolvia diversos mecanismos que não somente os de ordem
textual. É nesse aspecto que se almeja a construção de teorias de texto.
UNIUBE  157

Arrolados esses momentos sobre a trajetória da Linguística textual, os


estudos que se empreendem sobre o texto, na atualidade, são derivados
desse último período. Dessa forma, o texto entendido a partir de suas
condições externas de produção, recepção e interpretação constitui o
centro de interesses de linguistas textuais.

6.3.2 O contexto e o cotexto

Como vimos, todo texto necessita de um contexto, isto é, devemos


considerar o entorno comunicativo para o cálculo do sentido. Com isso,
o contexto assume uma abrangência ampla em relação ao evento co-
municativo. Isso significa que ele compreende todos os conhecimentos
de que o enunciador e enunciatário disponibilizam na e para a comuni-
cação (ver item 6.2 "Noção de texto"), bem como a própria situação de
interação e o cotexto.

E o que seria o cotexto? Veja:

Uberaba, 25 de outubro de 2009.

Querida Marta,

Tudo bem? Gostaria de saber como está a nova vida. Qual a sensação de ser mãe
de um menino? E a Sofia? O que tem achado da ideia? Tenho certeza de que Carlos
está animadíssimo com o filho. Deve até estar pensando em como tornar Márcio o
mais novo santista. Ah, como deve ser bom ver a família crescendo…

E você? Já voltou às aulas de balé? Espero que sim, afinal de contas o balé é sua
distração, né?

Estou esperando a sua visita por aqui. Valdete não aguenta mais de saudades da
família Sousa. Mande um abraço a todos por aí.

Um forte abraço,

Elisângela.
158 UNIUBE

O texto anterior se trata de uma carta pessoal. Assim, o contexto situa-


cional define­‑se pela necessidade de contato de uma mulher, Elisângela,
com sua amiga, Marta. Elisângela quer saber notícias sobre a vida de
Marta e convidá­‑la para ir a sua casa.

Para chegarmos a essa conclusão, primeiro partimos do que está posto,


ou seja, o material linguístico. Ao nos referirmos à materialidade linguís-
tica de um texto, estamos tratando de seu cotexto.

Desse modo, nossa leitura inicia­‑se situando­‑nos em um contexto: esta-


mos diante uma carta. Nosso conhecimento superestrutural do gênero
carta (possui cabeçalho, vocativo, corpo do texto, despedida e assinatura)
junto ao conhecimento de mundo e situacional nos indica que esse texto
tem um remetente e um destinatário. A partir das pistas linguísticas, ou
do cotexto, reconhecemos se tratar de uma carta informal, devido aos
usos lexicais – conhecimento estilístico (por exemplo, "Ah, como deve
ser bom ver a família crescendo…" ou "afinal de contas o balé é sua
distração, né?" ou "Valdete não aguenta mais de saudades") – e devido
ao fato de Marta e Elisângela serem amigas.

Podemos também, por meio do cotexto, inferir que: i) já faz algum tempo
que as amigas não se veem; ii) Marta é casada com Carlos e o casal
tem dois filhos: Sofia e o recém­‑nascido, Márcio; iii) Carlos torce para o
Santos; iv) Marta faz ballet; v) Valdete tem algum parentesco ou amizade
com Elisângela, embora não seja possível determinar.

Verificamos, portanto, o quanto o contexto, em sua abrangência lin-


guística e extralinguística, é crucial para um texto, ou melhor, que não
podemos dissociá­‑lo da noção de texto.
UNIUBE  159

Procure construir sentido para o texto a seguir (Figura 2) e analise o que


é crucial para seu entendimento:

Meus Deus, será que eu


virei o Flautista de Hamelin?

Figura 2: Ilustração.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Como você pode perceber, a construção do sentido fica suspensa quando


não se sabe quem foi o "O Flautista de Hamelin", dos Irmãos Grimm.
Para entendê­‑lo, leia a explicação a seguir.

A história conta que a cidade de Hamelin foi atacada por ratos que se
apossaram de tudo, inclusive os gatos estavam tão assustados com o
acontecido que deixavam, junto com os moradores, o local. Eram incal-
culáveis os prejuízos provocados pelos ratos. Então, alguns moradores
de Hamelin se reuniram e decidiram pagar cem moedas de ouro a quem
conseguisse tirar os ratos da cidade. Um flautista se apresentou e to-
cando sua flauta hipnotizou os ratos que o seguiram para bem longe da
cidade. O flautista matou os ratos ao fazer com que eles, hipnotizados,
passassem por um rio.
160 UNIUBE

Concluído o trabalho, o flautista foi receber sua recompensa, mas os


homens da cidade negaram­‑lhe o pagamento, afirmando que o que ele
tinha feito foi tocar uma flauta apenas. Irritado com a situação, o flautista
resolveu vingar­‑se. Para tanto, voltou à cidade e novamente com sua
flauta tocou uma suave e encantadora melodia. Agora, foi a vez de as
crianças da cidade serem hipnotizadas pela canção e seguirem­‑no.

Assim, ninguém mais da cidade viu qualquer rato ou criança, que foram
levados pelo flautista.

Agora, aluno(a), é possível entender o desenho. Como você notou, é ne-


cessário ter o conhecimento do contexto da história dos Irmãos Grimm para
que o sentido possa ser construído. Nesse caso, o contexto do desenho
evoca a intertextualidade, que é o diálogo estabelecido entre textos.

6.4 O dialogismo da e na linguagem: constituição dos


sujeitos nos textos

Vivemos em uma sociedade cuja conjuntura sócio­‑histórica nos cons-


titui, isto é, somos frutos de relações sociais instauradas entre sujeitos
em determinados períodos de tempo. E ser sujeito, nesta perspectiva,
significa ser dialógico.

Bakhtin (2003), estudioso da linguagem, postulou ser o dialogismo o


princípio básico da linguagem. Trabalhou com a noção de sujeitos ativos,
atualizadores de imagens e de representações pelas quais a comuni-
cação existe, e por que não falar em colaboradores, haja vista que a
construção do sentido somente se dá por meio de uma atitude responsiva
ativa do outro. Conforme Bakhtin (2003, p. 271):
UNIUBE  161

O ouvinte, ao perceber e compreender o significado


(linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em
relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda
ou discorda dele (total ou parcialmente), completa­‑o,
aplica­‑o, prepara­‑se para usá­‑lo etc. […] toda com-
preensão é prenhe de resposta, e, nessa ou naquela
forma, a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna
falante.

Ao sermos sujeitos dialógicos, o texto, produto de nossa intenção co-


municativa, também se mostra como "o próprio lugar da interação e os
interlocutores, como sujeitos ativos que, dialogicamente, nele se cons-
troem e são construídos" (KOCH, 2003, p. 17).

O fato de os sujeitos se constituírem a partir dos textos, nos permite


verificar, na maioria das vezes, as intenções desses sujeitos e as par-
ticularidades dos textos produzidos por eles. Com isso, a ideologia e a
alteridade constitutivas dos seres podem ser vislumbradas por meio de
suas produções verbais, mais especificamente a partir do cotexto.

Assim, quando lemos, o texto seguinte, por exemplo, podemos perceber


a constituição ideológica do sujeito­‑autor:

Por séculos, travam­‑se combates por uma vida justa, igualitária e livre, em
um mundo contraditório, que nega esses princípios e corrói o padrão liberal,
hoje batizado "neo".

[…]

Todos têm a propriedade inalienável de si mesmos: "o labor de seu corpo


e o trabalho de suas mãos são propriamente seus". […]

A igualdade dos membros plenos da espécie (os proprietários) implica a


desigualdade dos que negam a regra, os degenerados. Perigosos, devem
ser extintos como predadores: leões, lobos, tigres, aves de rapina.
162 UNIUBE

A pena de morte cabe mesmo a delitos menores. Aplica­‑se até ao ladrão


que não feriu nem atentou contra a vida de sua presa, pois a simples
ameaça à liberdade pode colocar em risco tudo o mais. […] O poder de
"todos" concentra­‑se em "cada um" e converte­‑se no comando de uns sobre
outros. A igualdade funda o domínio. […] Irremissível, o criminoso deve ser
extirpado. Se fiel esse triste retrato, aos que recusam a truculência nada
mais restaria que uma lágrima sobre a necessidade.

Fonte: FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Lágrima sobre a necessidade. In:


Folha de S.Paulo, 1o mar. 2007.

Neste texto, a autora considera que se as ações violentas e cruéis pra-


ticadas pela humanidade, na tentativa de diminuir ou impedir crimes ou
ações perigosas para haver o desfrute de uma vida justa, igualitária e livre,
tornarem­‑se reais, às pessoas que não concordam com tais práticas resta
apenas lamentar sobre a adversidade de se tentar viver em um padrão
liberal corrompido por atitudes que priorizam a barbárie na manutenção da
ordem social. Em outras palavras, resta lamentar sobre a situação punitiva
que impera na sociedade, clamando a necessidade de mudança.

Assim, a constituição ideológica de Maria Sylvia Franco, a partir deste


cotexto, é a de relutar em aceitar a violência para combater a própria
violência, ao mesmo tempo em que acredita não haver outra saída, res-
tando, apenas, lastimar.

6.5 Intertextualidade: o dialogismo entre textos

Partindo, então, da premissa de que a linguagem se constitui num prin-


cípio dialógico, a relação entre produções textuais é recorrente. Um dos
tipos de relações entre textos é a intertextualidade, conhecida também
como o diálogo entre textos.
UNIUBE  163

Isso pode ser visto quando recorremos a outro(s) texto(s) para produzir o
nosso ou quando, durante a leitura de um texto, necessitamos do conhe-
cimento de outro(s). Esses textos anteriormente produzidos são reapro-
veitados para corroborarmos com eles, refutá­‑los, transformá­‑los etc.

Para identificarmos o diálogo entre textos é imprescindível considerarmos


nossa experiência como leitores e nosso conhecimento de mundo.

Vejamos como isso acontece. Leia:

a) Yes, nós temos urânio

Título da reportagem veiculada na Revista Superinteressante (jun. 2006),


por Marcelo Bortoloti. Trata­‑se do desenvolvimento do programa nuclear
brasileiro por meio da inauguração da primeira fábrica brasileira de enri-
quecimento de urânio em Resende, estado do Rio de Janeiro.

b) Yes, nós temos bananas. Bananas pra dar e vender.

[…]
Vai para a França o café, pois é
Para o Japão o algodão, pois não
Pro mundo inteiro, homem ou mulher
Bananas para quem quiser

Fonte: BRAGUINHA; RIBEIRO, Alberto. Yes, nós temos bananas. In: Álbum
Serie Documento. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/braguinha/yes­-
nos‑temos‑bananas.html>. Acesso em: 9 jun. 2010.
164 UNIUBE

  pesquisando na web 

Você encontra esta música na íntegra no site: <http://www.vagalume.com.br/


braguinha/yes­‑nos­‑temos­‑bananas.html>.

O título da reportagem "Yes, nós temos urânio" dialoga com a composi-


ção de Braguinha – Alberto Ribeiro, música muito conhecida na voz de
Carmem Miranda. A música exalta a farta riqueza brasileira, por meio
de produtos como banana, café, algodão, mate e ouro. Instaura implici-
tamente uma provocação aos países que importam nossos produtos, já
que as condições ambientais destas nações não permitem a produção
de "nossas riquezas".

O autor da reportagem aproveita­‑se de um texto existente e partilhado


por interlocutores brasileiros e estrangeiros, para satirizar todos os que
não acreditavam na capacidade de o Brasil produzir energia nuclear,
principalmente a comunidade internacional que se preocupa com a pos-
sibilidade de estar diante de uma nova potência atômica.

c) Meus oito anos

Oh! Que saudade que tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Fonte: ABREU, Casimiro de. Meus oito anos. Disponível em: <http://www.
dominiopublico.gov.br/download/texto/wk000472.pdf>. Acesso em: 21 maio 2010.
UNIUBE  165

d) O poema Meus oito anos de Oswald de Andrade inicia­‑se com os


quatro versos iniciais idênticos ao poema de Casimiro de Abreu. No en-
tanto, a partir do quinto verso tem­‑se a modificação:

[…]
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra
Da rua São Antonio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais!

Fonte: ANDRADE, Oswald de. Meus oito anos Disponível em: <http://www.jayrus.
art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Modernismo22/OSWALD_DE_ANDRADE_
poesia.htm>. Acesso em: 21 maio 2010.

Muito utilizada também na literatura, a intertextua­ Polifonia


lidade propicia interpretações mais ricas, já que
Várias vozes.
possibilita a polifonia. No caso das letras c e d, Possibilidade de
entrever muitas vozes
anteriores o leitor necessariamente tinha de co- em um texto.

nhecer o poema de Casimiro de Abreu, do século XIX, para relacioná­‑lo


à obra do século XX.

Atente­‑se também para o uso da intertextualidade nas publicidades como


recurso estilístico e, ao mesmo tempo, argumentativo. Antes, é importante
considerar a publicidade, segundo Tavares (2006), como

[…] uma mensagem paga veiculada nos meios de


comunicação (mídia) com objetivo de se vender um
produto ou serviço, sob a forma de uma marca co-
mercial, para um público­‑alvo (consumidor) utilizando­
‑se recursos linguísticos e estilísticos de ordenação,
persuasão e sedução através de apelos racionais e
emocionais.
166 UNIUBE

  pesquisando na web 

Veja no site uma propaganda que utiliza uma imagem parecidíssima com a
da figura a seguir:

e)

Figura 3: Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci.


Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em:
<http://commons.wikimedia.org/wiki/File:MonaLisa_
sfumato.jpeg>. Acesso em: 12 jul. 2010.
Acesse em: <http://analisandodiscursos.files.wordpress.com/2010/03/mona
lisa_bombril2.jpg>.

Baseando­‑se na tese de que na publicidade procura­‑se vender um pro-


duto, um serviço ou ainda uma ideia, façamos uma análise da imagem
acima com a propaganda na Internet a fim de verificarmos o intertexto
como recurso estilístico e fundamental para a composição do anúncio.

Na letra E, apresenta­‑se a famosa tela de Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci.


Já na propaganda o ator do anúncio se veste e se posiciona como se fosse a
Mona Lisa de Da Vinci, além de tentar aproximar sua expressão fisionômica
UNIUBE  167

à dela. As cores do anúncio também são próximas às da tela original, o que


nos permite uma referência à pintura. Obviamente que a construção dessa
referência depende de as pessoas conhecerem a tela e sua repercussão
expressiva no mundo. Ao utilizar a expressão "obra­‑prima", o anunciante
relaciona o produto à tela, estabelecendo uma relação de equivalência
quanto à perfeição. A tela, perfeita, assim como o produto anunciado.

Aluno(a), como você já viu nos capítulos anteriores, a intertextualidade pode


acontecer de forma mais implícita (indireta) ou mais explícita (direta). Na forma
mais explícita, o intertexto é marcado. Essa marcação pode ser feita por meio
de citação, discurso direto, referências documentadas com a fonte, resumos e
resenhas. Na forma indireta, a intertextualidade pode levar a um grau de maior
ou menor presença e relação entre textos. Além de alguns exemplos já traba-
lhados anteriormente neste capítulo, vejamos os textos a seguir (figuras 4 e 5):

f)

Figura 4: Modelo de convite de casamento.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
168 UNIUBE

g)

Figura 5: Modelo de convite de casamento.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Por mais que não pareça, esses textos são convites de casamento.
Para produzi­‑los, os noivos utilizaram­‑se da intertextualidade de forma
e conteúdo. Mas o que significa isso?

Temos um convite de casamento que costumeiramente contém nomes


dos noivos, nome dos pais dos noivos, data e local da cerimônia. É pos-
sível visualizar estas informações? Sim, entretanto, elas estão dispostas
em uma configuração que nos remete a uma página de jornal.

O texto F assemelha­‑se à forma da primeira página de jornais, na qual há


o nome do jornal em letras grandes e imagens seguidas de sua legenda.
Daí a intertextualidade de forma. Quanto ao texto G, além do layout
assemelhar­‑se à primeira página de um jornal, o conteúdo do convite
também nos remete a uma notícia. O título "Notícia de última hora", bem
UNIUBE  169

como as expressões "especulações e torcidas", "anunciamos o convite",


"oficialização da união", a sintaxe, o estilo, e o uso do discurso direto
contribuem para o intertexto de conteúdo.

Conforme ocorrências analisadas, para haver intertextualidade é im-


prescindível conhecer o texto­‑fonte ou o modo de constituição dos
textos. A partir do texto­‑fonte é que será possível construir significado
aos intertextos.

Por meio do estudo da intertextualidade, aluno(a), chegamos à conclu-


são de que não devemos ser presunçosos em achar que nossos textos
são criados sem a influência de outros textos que já circularam ou que
circulam na sociedade. Isto é, a condição para a produção de um texto
recai justamente na existência de outros. Há sempre um "já­‑dito" e isso
nos faz pensar que a palavra que achávamos que era só nossa, é de
todos e, ao mesmo tempo, de ninguém isoladamente.

6.6 A coesão textual

Observe a imagem a seguir (Figura 6):

Figura 6: Elos.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.
170 UNIUBE

O que você nota em comum nas imagens?

O elo que une partes, que conecta, que liga de maneira harmônica, sem
prejudicar a lógica.

Pensando justamente em meios de conectar partes/elementos de um


texto e até mesmo orações ou períodos, promovendo continuidade, se-
quência, articulação de sentido e conferindo orientação argumentativa,
a coesão define­‑se pela capacidade de operar conexões, estabelecer
relações ao longo de um texto por meio de seu cotexto. Ou seja, os pro-
cessos de coesão são responsáveis pela estruturação da materialidade
linguística dos textos e por isso estão no nível da superfície textual.

Vejamos o que Marcuschi (2008, p. 100) afirma sobre a coesão:

Se, por um lado, podemos realizar enunciados comple-


tos e explicá­‑los com gramáticas de frase, tornando­‑os
independentes, por outro lado, sabemos que vários
enunciados corretamente construídos, quando postos
em sequência imediata, podem não formar uma se-
quência aceitável. Isso quer dizer que um texto não é
uma simples sequência de frases bem­‑formadas. Essa
sequência deve preencher certos requisitos. A coesão
é justamente a parte da Linguística textual que deter-
mina um subconjunto importante desses requisitos de
sequencialidade textual.

Aluno(a), é relevante salientar que não nos deteremos pormenorizada-


mente no estudo da coesão em sua complexidade. Apenas ilustraremos
o que trata a coesão com alguns exemplos. O estudo meticuloso será
desenvolvido ao longo da graduação, em capítulos futuros.

Para facilitar o estudo da coesão, apresentamos duas modalidades, assim


como propõe Koch (2002), a coesão referencial e a coesão sequencial.
UNIUBE  171

Na primeira, a coesão é estabelecida por meio de processos remissivos


nominais ou pronominais que não apenas retomam expressões e refe-
rentes do texto, mas também permitem a recategorização referencial, a
progressão temática e orientação argumentativa. Observe:

1. "Imagino a cabeça dos 600 frades franciscanos que levaram à catedral de


Notre Dame os índios do Brasil para serem batizados por Luís 13. Aqueles
seres nus, pobres, ingênuos. Os espanhóis levaram da América ouro e
prata. Os franceses, só aquelas pobres almas entregues ao Diabo, para
serem convertidas ao cristianismo e salvas para Deus" (SARNEY, 2007).

O fato de o referente "os índios do Brasil" ser retomado pelas expressões


i) "aqueles seres nus, pobres, ingênuos" e ii) "aquelas pobres almas entre-
gues ao Diabo", revela a forma como o autor do texto percebe os índios:
pessoas ingênuas, destituídas de qualquer tipo de maldade, cujo futuro
é naturalmente pessimista por não deterem a mesma astúcia e perspi-
cácia de que se apossavam os colonizadores do Brasil. Dessa forma,
os índios tornavam­‑se "joguete" nas mãos de portugueses e franceses.
Daí a predicação: "pobres almas entregues ao Diabo".

2. "Renato Janine Ribeiro, em artigo na Folha de S.Paulo (suplemento


Mais, 18/2), teve uma explosão de sinceridade rara em intelectuais bra-
sileiros. Chamou o crime contra o menor de "o horror em estado puro",
confessando que não consegue parar de pensar no assunto. Intelectual de
esquerda, simpatizante de Lula, formado na mentalidade iluminista com
sua crença no progresso moral irresistível da humanidade, levanta questio-
namentos religiosos, revê sua posição sobre a pena de morte e se dilacera
em incertezas humanísticas ao indagar se "a humanidade se constrói, se
conquista – e também se perde" (KUJAWSKI, 2007).

Nesse trecho, o articulista utiliza­‑se do processo de referenciação para


atribuir características a Renato Janine, distinguindo­‑o dos demais inte-
lectuais brasileiros. Mas isso não é feito de modo ingênuo. Ser "intelectual
172 UNIUBE

de esquerda, simpatizante de Lula", nesse contexto, acarreta uma série


de implicações que desmerecerão a posição de Renato, haja vista que
a tese desse texto – de o Brasil necessitar não apenas de uma reforma
legal, mas de uma ação repressiva maciça da população contra ações
que deturpam os valores éticos, morais, dentre outros, que subsistem
no país – leva em consideração o governo petista de Lula. Isso significa
que o papel do governo na contenção de ações que deturpam os valores
sociais em geral não é satisfatório e, por isso, o enunciador se posiciona
contra não apenas a Lula, mas contra Renato, que é singularizado pelo
próprio produtor textual como partidário das ideias do governo lulista.

Em ambos os trechos é possível perceber a referenciação como um pro-


cesso discursivo em que se observam concepções individuais e públicas
sendo negociadas na intersubjetividade. A referenciação contribui para
a continuidade do texto e garante o estabelecimento ou a recuperação
de informações de modo a propiciar progressão de sentido. O mesmo
acontece com os trechos a seguir:

3. Malu foi à feira e comprou tudo para a sopa: cenoura, batata e


chuchu.

4. Depois da viagem o carro foi para o conserto. As rodas estavam de-


salinhadas.

5. Neste ano, serei mais feliz.

6. Abel e Maria foram testemunhar sobre o caso. O juiz disse, porém, que
tal testemunho não era válido por serem parentes do homicida.

7. Esta é a casa cujo morador está desempregado.

8. O médico fez tudo pelo paciente, mas ele não aguentou.

9. O homem é um ser racional.


UNIUBE  173

10. A porta abriu­‑se e apareceu uma garotinha. A menina tinha olhos


azuis.

11. As violetas e as bromélias são encantadoras. A flora de nosso país


é algo encantador.

12. "Meu lado mulher incomoda­‑se de receber homenagem num dia do ano –
8 de março – enquanto meu lado homem se farta com 364 dias. Talvez se
faça necessária esta efeméride, dor recente de uma cicatriz antiga. Porque
vive­‑se numa sociedade machista: matrimônio e cuidado do lar; patrimônio
e domínio dos bens." A frase é de Frei Betto, mas poderia ser bem dita e
mal dita por qualquer mulher (DUARTE, 2007).

No item 3, o pronome indefinido "tudo" sinaliza prospectivamente os


referentes: "cenoura, batata e chuchu". Em 4, empreendemos um pro-
cesso de inferência entre as expressões nominais "o carro" e "as rodas".
Isso é possível porque há um cálculo de sentido com base em nossos
conhecimentos lexicais, enciclopédicos e culturais, de que todo carro tem
rodas e, em uma viagem, ele pode sofrer algum
Dêitico
tipo de dano, por isso deve ir para o reparo. No
Palavra cuja referência
item 5, temos a presença de um dêitico (neste) aponta para o contexto
enunciativo. Ou seja, o
que se refere ao momento da enunciação, ou seja, referente está fora do
cotexto.
o referente só poderá ser identificado se consi-
derarmos a cena enunciativa. Supondo que o contexto fosse relativo à
virada de ano, situação na qual fazemos promessas, planos, o pronome
demonstrativo "neste" estaria se referindo ao ano vindouro. Em 6, o
verbo "testemunhar" sofreu um processo de nominalização, ou seja,
transformou­‑se em nome. Assim, é possível estabelecer a referência
da expressão "tal testemunho", uma vez que se refere à ação praticada
por Abel e Maria. Em 7, o pronome relativo "cujo" impede a repetição da
palavra casa e, ao mesmo tempo, estabelece a referência entre a casa
e o morador da casa. Em 8, o pronome "ele" poderia referir­‑se sintati-
174 UNIUBE

Predicação camente a dois referentes: "médico" e "paciente".

Tudo o que é falado do


Sabemos que "ele", nesse contexto, se refere a
(ou sobre o) sujeito.
"paciente" devido à predicação: "não aguentou".
Metadiscursiva Nosso conhecimento de mundo nos permite saber
O discurso referindo­‑se que o médico cuida de pacientes e que estes, por
ao próprio discurso.
sua vez, podem reagir positivamente ou podem não
aguentar um tratamento médico. Em 9, o artigo definido "o" tem a função
de generalizar o substantivo "homem". Assim, "o homem" não se refere
a alguém específico, mas à espécie homo sapiens. Nós conseguimos
calcular essa referência com base em nosso conhecimento de mundo e
partilhado de que todo ser humano é um animal racional. No item 10, a
expressão "a menina" retoma o referente "uma garotinha", estabelecendo
uma relação de sinonímia. Em 11, há uma relação de hiperonímia, em
que a expressão "a flora de nosso país", cujo núcleo é "flora" compõe o
todo que engloba a parte "violetas e bromélias", que são tipos da flora
brasileira. Em 12, a expressão "a frase" encapsula todo o trecho anterior,
definindo­‑o a partir de um nome­‑núcleo que explica o próprio discurso,
redefinindo­‑o. Em outras palavras, o que se quis deixar claro é que o
trecho precedente à expressão metadiscursiva não se trata, por exem-
plo, de um questionamento ou uma suposição, mas de uma frase dita
por Frei Betto sobre sua indignação quanto à comemoração ao dia da
mulher representar apenas um dia ao longo do ano. Em vez de "a frase",
outras expressões nominais caberiam, tais como: "a indignação" ou "a
revolta" ou ainda "a fúria". Todavia, a escolha do articulista deu uma nova
roupagem metadiscursiva ao trecho, esquivando­‑o de emitir um juízo de
valor por meio do processo referencial anafórico nominal.
UNIUBE  175

Quanto à coesão sequencial, ela operará entre as partes do texto de


modo a soldá­‑las, concatená­‑las. Essa ligação entre os segmentos de
um texto se dá por meio de recorrência ou progressão (KOCH, 2002).

A recorrência pode ser realizada por meio de: 1. termos; 2. estruturas;


3. conteúdos; 4. recursos fonológicos; 5. tempo e aspecto verbal. Veja-
mos alguns exemplos:

1. Termo:

Aquarela do Brasil

Brasil, meu Brasil brasileiro


Meu mulato inzoneiro
Vou cantar­‑te nos meus versos
O Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil, Pra mim
Brasil, Pra mim!

[…]

Fonte: BARROSO, Ary. Aquarela do Brasil. Disponível em: <http://www.


vagalume.com.br/ary­‑barroso/aquarela­‑do­‑brasil.html>. Acesso em: 21 maio 2010.

2. Estrutura:

"Vi uma estrela tão alta,


Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia"

[…]

Fonte: BANDEIRA, Manuel. A estrela. Disponível em: <http://www.fabiorocha.


com.br/bandeira.htm>. Acesso em: 21 maio 2010.
176 UNIUBE

3. Conteúdo:

Eliana vai ficar fora algum tempo, isto é, um ano.

4. Recursos fonológicos:

[…]
Vozes veladas veludosas vozes
Volúpia dos vilões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas
[…]

Fonte: CRUZ e SOUSA, João da. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.


br/gramatica/1197614>. Acesso em: 21 maio 2010.

5. Tempo e aspecto verbal:

"Era uma vez, uma linda princesa chamada Judite. Vivia com os avós num
reino encantado, no qual passarinhos falavam e pedras sorriam."

(Predomínio do pretério imperfeito, que indica ao leitor se tratar de um se-


gundo plano da narração, com perspectiva retroativa, devendo a sequência
ser interpretada como um relato, isto é, não mostra engajamento do narrador
com a história contada).

A progressão, parte da coesão sequencial, por sua vez, é feita por meio
de: 1. manutenção temática; 2. encadeamento por justaposição; ou
3. encadeamento por conexão.

1. Na manutenção temática, podemos perceber o uso de termos perten-


centes ao mesmo campo semântico, como em:

"Polícia de SP prende suspeito de liderar grupo neonazista acusado de


crime no PR.
UNIUBE  177

A Polícia Civil de São Paulo prendeu nesta quinta­‑feira Ricardo Barollo, 34,
acusado de ser o mandante do assassinato de um casal de universitários
de Curitiba. Barollo foi preso na rua Canário, no bairro de Moema, zona sul
de São Paulo, por policiais que participavam da Operação Gênese."

Fonte: SANTIAGO, Tatiana. Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.


com.br/folha/cotidiano/ult95u645061.shtml>. Acesso em: 29 out. 2009.

Na notícia anterior, os termos destacados, como você pode ver, remetem­


‑nos ao campo semântico "crime". Todos os termos de alguma forma
mantêm algum tipo de relação entre si e com "crime", o que permite ao
leitor dar continuidade de sentido ao texto, fazendo­‑o progredir.

2. No encadeamento por justaposição, podemos ou não ter a presença


de elementos sequenciadores. Vejamos:

a.  "Lucas é um menino bom. Sabe jogar bola como ninguém. Conquistou
uma vaga na escolinha de futebol da cidade. Sua mãe está desempregada:
não tem dinheiro para comprar o uniforme. Ela precisa de um emprego,
permanecer no trabalho por um mês. Assim, a mãe de Lucas poderá ajudar
o filho a ser um grande esportista. Esperamos que você, empresário, possa
ajudar Lucas a tornar­‑se o mais promissor talento de Jundiaí.

A história acima narrada constitui um dos muitos dramas que muitas mães
desprevenidas financeiramente sofrem no Brasil. Colabore."

b.  "Lucas é um menino bom e sabe jogar bola como ninguém. Conquistou
uma vaga na escolinha de futebol da cidade, mas sua mãe está desem-
prega e, por isso, não tem dinheiro para comprar o uniforme. Primeiro, ela
precisa arrumar um emprego, depois conseguir permanecer no trabalho
pelo menos um mês. Assim, a mãe de Lucas poderá ajudar o filho a ser um
grande esportista. A propósito, esperamos que você, empresário, possa
ajudar Lucas a tornar­‑se o mais promissor talento de Jundiaí.
178 UNIUBE

A história acima narrada constitui um dos muitos dramas que muitas mães
desprevenidas financeiramente sofrem no Brasil. Colabore."

Em A, os enunciados se concatenam ora pelo ponto final, ora pelos dois


pontos, ora pela vírgula. Cabe ao leitor construir sentido à sequência
por meio das relações semânticas e discursivas. Já em B, os elementos
destacados estabelecem um sequenciamento coesivo ao texto e podem
operar em nível metacomunicativo (quando demarcam sequências do
próprio texto – "a história acima narrada"), em nível intersequencial (entre
sequências de textos – ex.: "primeiro", "depois"), e em nível conversa-
cional (inter ou intraturnos – "a propósito").

3. No encadeamento por conexão, os conectores são os responsáveis


pela ligação entre orações, enunciados ou partes do texto, estabe-
lecendo também relações semânticas e discursivas. Essas relações
podem ser:

a) lógico­‑semânticas – quando são estabelecidas por conectores lógicos


que impedem a separação das proposições, e, portanto, constituem um
ato de fala, tendo, necessariamente, de ser proferido por apenas um
locutor.

Relação de causa e consequência

• Luisa ficou nervosa porque perdeu a carteira.

• Por ter perdido a carteira, Luisa ficou nervosa.

• Luisa perdeu a carteira, por isso ficou nervosa.


UNIUBE  179

Relação temporal

• Quando a professora chegou, a sala acalmou.

• Assim que a professora chegou, a sala acalmou.

• Mal a professora chegou, a sala acalmou.

Relação de disjunção

• Irei ao cinema ou ao baile.

• Devo vestir uma camiseta amarela ou azul?

• João morará em casa ou apartamento?

Relação de condição

• Se telefonarmos rápido, tudo será resolvido.

• Caso faça sol, irei ao clube.

• Se Marli for à feira, quero brócolis.

Relação de conformidade

• A mãe agiu conforme recomendações médicas.

• O réu agiu de acordo com o advogado.

• O técnico instalou a televisão segundo o manual.


180 UNIUBE

Relação de modo

• Como se fosse uma bailarina, Taís dançou.

• Sem um amassado, o terno estava impecável.

• Maria desceu a ladeira como se quisesse voar.

b) discursivas/argumentativas – quando as relações resultam em dois


enunciados distintos, encadeando­‑se o segundo sobre o primeiro. Nesse
caso, constitui dois atos de fala distintos, podendo, portanto, ser profe-
ridos por dois locutores.

Relação de conjunção

• Não só o trabalho foi elogiado, mas também foi indicado à publicação.

Relação de contrajunção

• Aquela senhora tinha tudo para ser feliz. Todavia, viveu sempre
triste.

Relação de explicação

• Demorei a chegar, pois o carro não queria funcionar.

Relação de comprovação

• O acidente foi muito grave, tanto que matou duas pessoas.

Relação de comparação

• Apanhar é tão doloroso quanto sentir fome.


UNIUBE  181

Relação de conclusão

• O aluno não terminou os deveres. Logo não poderá brincar.

Relação de extensão

• Juca comprou um carro. Aliás, ele sempre gosta de carro do ano.

Relação de exemplificação

• Muitos alunos declamarão poemas, Pedro, por exemplo, declamará


Cecília Meireles.

Relação de contraste

• Os estudiosos ficam cada vez mais cultos, ao contrário dos preguiçosos


que se tornam cada vez mais medíocres.

Relação de correção

• Aquele empresário procurou por você. Ou melhor, acho que procurou,


não me lembro ao certo.

Em nosso estudo, gostaríamos de ressaltar a você, aluno(a), que os


mecanismos coesivos facilitam a construção de sentido em um texto,
colaborando na e para a arquitetura linguística. Entretanto, seu uso ina-
dequado também pode comprometer todo o sentido. Veja:

• Maria estudou, mas passou no vestibular.

Neste exemplo, o uso semântico inadequado do conector "mas", que


expressa uma relação de contrajunção, jamais poderia ser usado nesse
182 UNIUBE

contexto, pois nosso conhecimento de mundo nos mostra que se a


aluna estudou, ela passará no vestibular. O "mas" seria adequado caso
o enunciado fosse: "Maria estudou, mas não passou no vestibular". Daí
teríamos uma relação de contraste, com orientações argumentativas
diferentes. Para a mesma condução argumentativa, o enunciado deveria
ser: "Maria estudou e passou no vestibular".

Ainda gostaríamos de alertar que o emprego dos mecanismos coesivos


não é condição ímpar ou necessária para o cálculo do sentido. Enten-
deremos o porquê no próximo item: "A coerência".

6.7 A coerência textual

A coerência está ligada à capacidade de produção de sentidos. Em outras


palavras, é o que confere significação a um texto. Mas, diferentemente
da coesão, que está marcada na superfície linguística, a coerência é
subjacente, diz respeito a tudo que colabora para o sentido; é o que
permite a compreensão, a continuidade textual.

Assim, para afirmarmos se um texto é ou não coerente, devemos


levar em consideração a interação, a cena enunciativa. Isso significa
que não somente o texto enquanto materialidade linguística nos pos-
sibilitará o sentido, é preciso considerar os sujeitos participantes da
enunciação, a conjuntura sócio­‑histórica (contexto) e a nossa vivência
(conhecimentos que possuímos). Tudo isso de modo inter­‑relacionado
possibilitará o sentido. Leia:
UNIUBE  183

a)
Achei que estava Espere aí,
gorda, mas depois que por que você
te vi, mudei de ideia. mudou de
ideia?

Figura 7: Ilustração.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.

b)

"Ficando"

Adolescência, festa, badalação, gente.

Olhar, sensação, desejo.

Vontade, culpa, medo.

Encontro, conversa.

Beijo, fogo, imaginação.

Carinho, abraço, amasso, desvelo.

Madrugada, despedida, desencontro.

Cheiro, tristeza, saudade.

Lembranças.

(Walleska Bernardino Silva)


184 UNIUBE

  experimentando 

Acesse os sites indicados a seguir e veja mais dois exemplos de textos que
serão trabalhados:

c) Anúncio publicitário da Pedigree, "For strong dogs": <http://www.alejandro


suarez.com.br/2009/06/cachorros-fortes>.

d) Outdoor da Agência Íntegra Comunicação, do anunciante Bandeirantes


Propaganda Cearense, "Bebeu e está dirigindo? Ano novo, vida nova só
se você for espírita": <http://lafora.com.br/2007/12/cobertura‑la‑fora‑2006‑
premio‑central‑de­‑outdoor/>.

Agora, responda: esses são exemplos de textos coerentes ou incoerentes?

Para responder a essa pergunta, necessariamente, você tem de levar


em consideração não somente o que vê, mas acima de tudo o contexto
de cada produção e seus conhecimentos arquivados em sua memória,
tais como o de mundo, o linguístico, o superestrutural, o situacional, o
estilístico, o intertextual.

Na tira, texto A, a garota mais magra diz estar se sentido gorda até en-
contrar a outra. “Gorda”, neste contexto, é um adjetivo pejorativo, pois
insulta outro indivíduo, significa pessoa obesa, acima do peso. O fato da
garota mais gorda pedir explicações sobre a afirmação da mais magra
propicia sentido e humor à tira, pois confirma a fala da primeira. Todavia,
se indicássemos a leitura dessa tira a um outro alguém, de uma outra
cultura ou época, que valorizasse a mulher mais corpulenta, essa pessoa
poderia não conseguir perceber o humor.
UNIUBE  185

No texto B, "Ficando", apesar de não ser um texto coeso do ponto de vista


da presença de marcadores coesivos, faz sentido (é importante observar
que o encadeamento se faz, nesse caso, por justaposição). Isso porque
a seleção de substantivos, bem como sua ordem no texto, nos permitem
ativar nosso conhecimento de mundo de que se trata de um ou uma ado-
lescente que nos conta o seu momento de prazer em uma festa por meio
do convívio "amoroso" com uma pessoa por algumas horas, nas quais
trocaram beijos, carinhos e amassos, e de que de tudo sobrou lembranças.
Esse texto comprova a premissa de que a coerência pode ser estabelecida
a partir de outros elementos que não os marcadores coesivos.

Na letra C, ativamos nosso conhecimento superestrutural para identificar o


gênero como anúncio publicitário. Mesmo que o slogan esteja em uma língua
estrangeira "For strong dogs" (Para cachorros fortes), a linguagem não verbal
associada à marca do produto basta para a produção de sentidos. Claro que
o conhecimento anterior da marca é importante para saber o produto que a
publicidade vende. O publicitário vende a ideia de que com a ração da marca
Pedigree, os cães tornam­‑se mais fortes e, em vez de cavarem buracos na
terra para enterrarem ossos (ação típica desses animais), os cachorros, que
se alimentam de Pedigree conseguem cavar buracos no asfalto. O raciocínio
tem de considerar o conhecimento de mundo de que asfalto é enormemente
mais resistente que a terra. Somente com esse conhecimento, que podemos
dizer universal, a publicidade ganha significado.

Na imagem do outdoor, letra D, temos um apelo aos motoristas para que


não consumam qualquer tipo de bebida alcoólica e, em seguida, dirijam.
Para chamar a atenção do leitor, o publicitário utilizou uma pergunta re-
tórica, o que permite reflexão quanto ao que é questionado. O contexto
186 UNIUBE

pode ser facilmente identificado por meio da expressão "ano novo", ou


seja, o outdoor foi veiculado na época da virada de ano em que muitas
pessoas viajam, se divertem em festas e consomem, bebida alcoólica. O
que contribui significativamente para o sarcasmo na imagem é a oração
que apresenta o conector "se", estabelecendo uma relação de condição.
Assim, o sentido que pode ser construído é que para quem bebe e dirige,
a vida está definitivamente fadada à morte ou a algum tipo de incidente
que pode acontecer em virtude do desrespeito à lei de trânsito, mas há
ainda os que não acreditam nisso. Para os que acreditam que não há
nenhum problema em beber e dirigir, a vida nova e/ou o ano novo só
ocorrerá em vida espiritual, isto é, ficam condicionados à crença religiosa,
porque os espíritas acreditam na vida após a morte.

A partir dessas análises, é possível constatar que a coerência é responsável


pelo sentido global do texto e, para que haja coerência, é necessário estabele-
cer no texto uma unidade ou relação entre seus elementos. Essa continuidade
é estabelecida por meio de processos cognitivos que funcionam a partir da
interação entre autor­‑texto­‑leitor, num dado contexto. Esses processos cog-
nitivos, por sua vez, dependem dos fatores socioculturais e interpessoais: as
intenções comunicativas dos participantes no texto; as formas de influência
do falante na situação de fala e os fatores das regras sociais que regem o
relacionamento entre pessoas com diversos papéis sociais.

Quanto aos tipos de coerência, conforme vistos em roteiro anterior, Van


Dijk e Kintsch (apud KOCH; ELIAS, 2006) mencionam alguns que depois
foram atualizados:

a) coerência sintática: diz respeito ao conhecimento linguístico dos


falantes;
UNIUBE  187

b) coerência semântica: refere­‑se às relações de sentido entre as estru-


turas textuais;

c) coerência temática: os enunciados de um texto devem necessaria-


mente estar relacionados (serem relevantes) a um tema ou tópico
discursivo do qual o texto trata;

d) coerência pragmática: relaciona­‑se aos atos de fala que o texto pretende


realizar, como ordenar, fazer um pedido, perguntar, asseverar etc.;

e) coerência estilística: pressupõe o uso adequado da variedade linguís-


tica, conforme a situação de comunicação;

f) coerência genérica: refere­‑se às exigências do gênero textual de-


terminado por instâncias comunicativas, contemplando o propósito
enunciativo, a forma composicional, o conteúdo temático, o estilo e
as condições de produção.

De posse, então, do conhecimento de que a coerência só pode ser obtida


em um contexto de uso da língua, compartilhamos a posição de Koch e
Elias (2006, p. 208) quanto à assertiva:

A coerência, portanto, não está no texto, mas é


construída, na interação, com a mobilização de uma
série de fatores de ordem discursiva, sociocognitiva,
situacional e interacional […] constitui um princípio de
interpretabilidade (grifo nosso).

Resumo

Então, por que é importante compreendermos e trabalharmos a coerência


nos textos?
188 UNIUBE

Como estudamos no curso de licenciatura para ensinar formalmente a lín-


gua portuguesa aos falantes desse idioma, é imprescindível conhecermos
como o sentido de um texto é construído. Somente entendo a organização
linguística e os processos sociocognitivos envolvidos na produção e re-
cepção textual é que podemos melhorar nossa competência comunicativa
e, em extensão, a competência de nossos futuros alunos. Assim, estare-
mos assegurando­‑lhes meios de comunicar conforme a cena enunciativa,
utilizando adequadamente os recursos e estruturas de que dispõe a língua
e, mais ainda, estaremos ensinando­‑os a se tornarem pessoas críticas,
capazes de identificar visões e posições ideológicas, sendo, ao mesmo
tempo, capazes de defender o próprio ponto de vista.

Atividades

As atividades a seguir têm por objetivo levá­‑lo a refletir diante dos com-
ponentes do mundo textual trabalhados neste roteiro. Para tanto, se
houver dúvidas, retorne ao texto imediatamente, pois dessa forma você
terá condições de reconstruir conceitos e reestruturar análises.

Atividade 1

Tendo em vista que o contexto é primordial para a resolução de sentido,


indique, a partir dos enunciados abaixo, possíveis contextos em que a
oração produza sentidos diversos.

a) Eu amo Maria.

b) Que pena!

c) Você é um baixo.
UNIUBE  189

Atividade 2

Observe os textos a seguir e, se possível, acesse o site para visualizar


os textos autênticos.

1.

Meu bem você me dá água na boca


Vestindo fantasias, tirando a roupa
Molhada de suor
De tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras

(Mania de você, de Rita Lee e Roberto de Carvalho)

Para ler a letra dessa música na íntegra, acesse: <http://www.vagalume.


com.br/emilio­‑santiago/mania­‑de­‑voce.html>.

2.

Imagine um texto publicitário que contenha a foto de um delicioso pudim


e, ao seu lado, tenha a figura de uma marca de um leite condensado, com
a seguinte frase em destaque: "Meu bem você me dá… água na boca."
Acesse o site para visualizar essa propaganda: <http://agencia‑apice.
blogspot.com/2008/09/propaganda­‑com­‑intertextualidade­‑e­‑duas.html>.

Agora, escreva qual o tipo de relação de sentido existe entre os textos.


Lembre­‑se de comentar essa relação na construção do anúncio publi-
citário.

Atividade 3

Leia:

"O procedimento é muito simples. Primeiro você se-


para as coisas em grupos diferentes. É claro que uma
pilha pode ser suficiente, dependendo de quanto há
190 UNIUBE

por fazer. Se você precisar ir a outro lugar por falta de


equipamento, então esse será o segundo passo. Se
não precisar pode começar. É importante não exagerar.
Isto é, é melhor fazer umas poucas coisas de cada
vez do que muitas. Isto pode não parecer importante
imediatamente, mas as complicações podem começar
a surgir. Um erro pode custar caro. No início o proce-
dimento poderá parecer complicado. Logo, porém, ele
será mais uma fato da vida. É difícil prever algum fim
para a necessidade desta tarefa no futuro imediato,
mas nunca se sabe. Depois de o procedimento ter
sido completado, você deverá agrupar os materiais
em diferentes pilhas novamente. Em seguida eles
podem ser guardados nos lugares apropriados. Um
dia eles serão usados mais uma vez e o ciclo então
terá que ser repetido. Contudo, isso faz parte da vida"
(KLEIMAN, 1989, p. 38).

a) Este texto possui laços coesivos? Se sim, indique­‑os.

b) E
 sta produção é coerente? Como estabeleceu o sentido? Indique as
pistas linguísticas.

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.

____. Estética de criação verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

BORTOLOTI, Marcelo. Yes, nós temos urânio. Superinteressante. São Paulo:


Abril, ed. 227, jun. 2006. Disponível em: <http://super.abril.com.br/ciencia/
yes‑temos‑uranio­‑446425.shtml>. Acesso em: 25 out. 2009.

DUARTE, Maria Amélia Bracks. Mulheres sem homenagem. Estado de Minas, 6


mar. 2007.
UNIUBE  191
FÁVERO, L. L.; KOCH, I. G.V. Linguística textual: uma introdução. 6. ed. São
Paulo: Cortez, 2002.

KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Trad. de Bransford


e McCarrell. Campinas: Pontes, 1989.

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 17 ed. São Paulo: Contexto, 2002.

______. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo:


Contexto, 2006.

KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Foi tudo posto em questão. O Estado de S. Paulo,


1o mar. 2007.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

SARNEY, José. China, Kourou e as amazonas. Folha de S.Paulo, 2 mar. 2007.

SILVA, André Luis Bonfim Bathista e. Introdução à química quântica. IFSC/USP,


2003. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000166.
pdf>. Acesso em: 24 mar. 2010.

TAVARES, Fred. Publicidade e consumo: a perspectiva discursiva. In: Comum. Rio


de Janeiro: jan./jun. 2006. v. 11, nº 26, p. 117 a 144. Disponível em: <http://www.
facha.edu.br/publicacoes/comum/comum26/artigo5.pdf>. Acesso em: 29 out. 2009.

VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Como pedir uma pizza em 2020. Disponível em:
<http://naweb.wordpress.com/2009/03/25/como­‑pedir­‑uma­‑pizza­‑em­‑2020/>. Acesso
em: 25 out. 2009.
Capítulo
Tipos de texto
7

Irene de Lima Freitas

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Neste capítulo, estudaremos os "tipos de texto" – sua importân-


cia e aplicação –, dando continuidade aos estudos feitos nos
capítulos anteriores sobre texto, contexto, intertexto, coesão e
coerência.

Este estudo lhe possibilitará um diálogo com vários tipos de


texto que circulam em nossa sociedade, a fim de que você de-
senvolva as habilidades de identificar, produzir, ler e interpretar,
com proficiência, gêneros e tipos textuais diversos, pois a todo
instante somos solicitados a expor e compreender pontos de
vista, ideias e opiniões sobre variados assuntos expressos em
diferentes contextos.

Além disso, as abordagens e exemplificações que aqui serão


desenvolvidas permitirão que você apreenda com clareza e
objetividade as noções necessárias para aperfeiçoar cada vez
mais sua própria competência linguística e também para orien-
194 UNIUBE

tar seus futuros alunos sobre as formas adequadas de usos da


linguagem em diferentes situações de comunicação.

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• reconhecer diferentes tipos de textos;


• identificar elementos que compõem os textos narrativos,
descritivos, injuntivos e dissertativos;
• distinguir diferentes tipos de descrição;
• relacionar discurso direto e discurso indireto;
• identificar as partes do texto dissertativo;
• distinguir texto dissertativo expositivo de texto dissertativo
argumentativo;
• distinguir textos narrativos, descritivos, injuntivos e dis-
sertativos;
• redigir textos narrativos, descritivos, injuntivos e disser-
tativos.
UNIUBE  195

Esquema
• Visão, tato, audição olfato +
imaginação criadora
Descrição de pessoa
• Descrição objetiva • Ordens
• Descrição subjetiva Texto
Texto Descrição de objetivo
• Orientações
injuntivo • Conselhos
descritivo Descrição de ambiente
• Ambiente interno
• Verbos no imperativo

• Ambiente externo
• Paisagem
• Cena
Descrição de relatórios

• Estrutura • Texto dissertativo expositivo


• Elementos Texto
Texto • Personagens
• Texto dissertativo argumentativo
• Tempo dissertativo • Elementos
narrativo • Espaço
• Estrutura
• Foco narrativo

7.1 Entre pessoas, lugares, situações e palavras: um


reencontro com a descrição e a narração

Você já deve ter percebido que nós vivemos entre palavras e, como disse
Carlos Drummond de Andrade, "entre palavras circulamos". Certamente
é impossível uma sociedade humana se organizar sem linguagem.

Pense um pouco sobre isso: as palavras estão presentes em todas as


dimensões de nossa existência, desde as mais recônditas manifestações
de nossos sentimentos, sonhos e emoções, até as situações mais objeti-
vas de nosso cotidiano. A nossa história é tecida cada dia por infindáveis
redes de comunicação verbal.

Pensamos para falar, falamos para pensar, para co-


municar o vivido e o que está por viver, para resgatar
a memória, enunciar os desejos, as esperanças, as
formas de fecundar o presente e gestar o futuro. O
que vivemos. O que amamos. O que sofremos. O que
sonhamos (AMARAL; ANTONIO, 1994, p. 1).
196 UNIUBE

Mas existem também os silêncios, os não ditos, pois, por mais que qui-
séssemos, não conseguiríamos dizer tudo. Em muitos momentos lutamos
com as palavras para organizar as nossas ideias e para fazer a travessia
da comunicação com o outro – para que o outro nos reconheça e para
que nós o reconheçamos; para que a nossa voz e outras vozes ecoem
em algum lugar, dando sentido à nossa existência.

Apesar de todos os esmagamentos, de todas as desfigurações nesse


mundo massificado, ainda insistimos em praticar a nossa palavra mesmo
que de maneira tímida ou precária. Porém, ao escrever, muitas vezes não
conseguimos usar as palavras para expressar nossas ideias e interagir
com o outro. Assim, é preciso que procuremos redescobrir a linguagem e
desenvolver a capacidade de comunicação, fazendo uso de uma escrita
livre, consciente e expressiva.

Para aprender a escrever bem, ter algo a dizer, ter ideias para expor, é
preciso criar meios que façam as ideias aflorarem. Um bom exercício é
praticar a observação (despindo­‑nos das insensibilidades que o convívio
diário com o mundo nos impõe), bem como refletir sobre as impressões
que o ambiente nos causa, sobre os fatos que provocam a nossa admi-
ração, os motivos que nos levam à satisfação ou ao descontentamento.
A observação pode ser direta, no próprio local, ou indireta, por meio da
leitura, que é uma fonte inesgotável para despertar a sensibilidade e a
imaginação, para ampliar o vocabulário e dar consistência às ideias.

Dentre as várias formas de escrever textos de diferentes tipologias,


abordaremos, primeiro, o texto descritivo e o texto narrativo.
UNIUBE  197

  parada para reflexão! 

Façamos, agora, uma pausa: vamos exercitar a imaginação!

Pense num lugar sereno, árvores altas, o vento batendo em seu rosto, o cheiro
das flores, o barulho das folhas das árvores e, bem baixinho, distante, uma
música tocando suavemente. Você continua ouvindo essa música, então,
alguém de quem você gosta muito toca sua mão e o(a) convida para olhar
para cima. Nesse momento, você olha e vê entre as folhas das árvores um
céu muito azul e tem um profundo sentimento de paz e liberdade!

Depois, volte, lentamente, para a realidade.

E então? Como estamos de imaginação? Você conseguiu imaginar? "Estar"


nesse lugar? Se não, tente outra vez. Imaginar é algo muito importante!

Registre a situação imaginada. Procure reproduzir em palavras as cenas


vistas nesse momento.

A seguir, veja como o texto descritivo e o texto narrativo são fundamentais


para que o escritor consiga "levar" o leitor a uma realidade!

7.2 O texto descritivo

Os alicerces da descritividade são os nossos sentidos: ver, ouvir, ma-


nusear, sentir o gosto e o cheiro dos objetos e do mundo. Assim, pode­
‑se dizer que descrever algo é fotografar cenas, paisagens, estados de
alma, usando os cinco sentidos e a imaginação criadora a fim de produzir
efeitos de sentido.
198 UNIUBE

Em outras palavras, a descrição é um tipo de texto em que o escritor se


vale de determinadas estruturas de frases para transmitir ao receptor
uma fotografia. O escritor procura, por meio de uma atitude contempla-
tiva, captar e transmitir ao outro uma cena, um momento. Dessa forma,
podemos dizer que a descrição é um processo que permite ao receptor
visualizar aspectos físicos de pessoas, de ambientes, de objetos, assim
como perceber estados de espírito. Normalmente a descrição faz parte
de textos narrativos, crônicas, obras literárias, histórias.

Pense na última situação que você descreveu para alguém.

Um texto descritivo não apresenta sequência temporal, isto é, não há dois


momentos que se sucedem. O uso de verbos não transmite a ideia de
transformação, de mudança de tempo. Geralmente o tempo verbal mais
utilizado é o presente do indicativo e, às vezes, limita­‑se aos verbos
de estado como "ser" e "estar". O uso de adjetivos também é frequente
UNIUBE  199

para dar ideia de forma, tamanho, cor, espessura. Segundo Medeiros


(1991, p. 158), a descrição anima objetos inanimados e visa dar ilusão
da vida mediante uma imagem sensível. E só é boa quando empresta
vida ao objeto: vida real, visível, material. Portanto, é fundamental que
o escritor saiba descrever, saiba tornar vivo aquilo que viu. São quali-
dades de uma descrição: unidade, coerência, ênfase e disposição dos
pormenores. Enfim, utilizar a linguagem verbal para construir imagens que
representam seres, objetos, paisagens, ambientes ou cenas é assumir
a atitude linguística da descrição.

Existem algumas modalidades de descrição, sobre as quais falaremos


a seguir.

7.2.1 Descrição de pessoa

Trata­‑se de uma modalidade em que prevalecem os elementos hu-


manos. Nela, há preocupação com a organização dos pormenores,
selecionando­‑se os mais significativos, a fim de não acumular detalhes
supérfluos. Há vários aspectos que identificam uma pessoa. Talvez a
parte física seja a menos dotada de pormenores. Os traços de persona-
lidade, o temperamento, os gostos, os hábitos e o caráter proporcionam
maior riqueza em um texto descritivo. É preciso penetrar no íntimo das
pessoas para captar elementos realmente individuais, pois pessoas não
são quadros de galeria nem objetos de museu. A descrição de pessoa
pode ser:
200 UNIUBE

• objetiva – quando apontamos apenas o exterior, os aspectos físicos,


limitando­‑nos a uma visão "de fora";

• subjetiva – quando destacamos também o interior, os aspectos psi-


cológicos, a partir de uma visão "de dentro".

  exemplificando! 

Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo


perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza
de moça; era alta, magra, pálida; andava com o queixo enterrado
no peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha
os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava­‑lhe apenas
até o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a cabeça
sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos
como uma viseira.
Fonte: Almeida (2010).

É importante notar que o autor deteve­‑se nos detalhes físicos, contem-


plando aspectos da pessoa, como a faixa etária, a beleza, o tamanho,
a cor, a postura, o jeito de olhar, a forma dos braços e dos cabelos e a
organização desses cabelos em relação à cabeça e os olhos. Observe
que o autor descreveu aspectos externos, sem preocupar­‑se com deta-
lhes interiores.
UNIUBE  201

  exemplificando! 

Autorretrato

Eu sempre tive este olhar tristonho


Com brilho calmo a embalar meus sonhos.
Em sempre tive estas mãos abertas
Para acolher pássaros e canções.
Eu sempre tive este tão firme passo
Em direção a uma constelação.
Eu sempre tive doces lembranças
Bem registradas
Em meu inquieto coração.
Por estes dons e por estas marcas,
Terei, eu, sua admiração?

Fonte: Freitas, Irene de Lima. Acervo pessoal (1990).

Observe que, neste poema, a autora compõe um retrato de si mesma


destacando os elementos olhar, mãos, passos, coração e vários adjetivos
que se referem ao seu estado interior: tristonho, doce, inquieto. Mesmo os
outros dois adjetivos, abertas e firme, foram empregados em sentido co-
notativo: abertas significando "solidárias" e firme significando "decidido".
Além disso, os outros elementos – pássaros, canções, constelação –
parecem não representar o objeto físico, mas algo etéreo, impalpável.
Assim, percebemos que o retrato foi sendo composto representando,
principalmente, o estado de espírito da autora, e não seu estado físico.
202 UNIUBE

Quando a autora descreve suas lembranças qualificando­‑as como doces,


e menciona dons e marcas, percebe­‑se novamente que ela vai além
das aparências, revelando, por meio das lembranças, dos dons e das
marcas, o seu estado de espírito. No antepenúltimo verso, o elemento
escolhido para descrição – o coração – mostra o verdadeiro objetivo da
autora: compor um retrato de seu eu interior, de seu íntimo, e não de
seus traços físicos.

Nos dois últimos versos, a descrição é interrompida para dar lugar a um


momento de reflexão da autora diante desse retrato. Com isso, é possível
observar que uma descrição pode ir além dos traços físicos, dependendo
dos objetivos de quem descreve. Tudo vai depender da seleção e com-
binação das palavras para que o resultado do trabalho com a linguagem
seja bem explorado, a fim de produzir o efeito de sentido pretendido.

7.2.2 Descrição de objetos

Uma boa norma para esse tipo de descrição é não acumular muitos
elementos em um só parágrafo, nem apresentá­‑los de forma desorga-
nizada. Deve­‑se descrever seguindo uma ordem, por exemplo, de fora
para dentro, da direita para a esquerda, percebendo o que há de mais
característico no objeto descrito.

Uma descrição bem elaborada não é aquela que se percebe somente por
meio dos sentidos. Ela precisa ser mais do que uma fotografia: precisa
estimular e despertar emoções. Veja o exemplo a seguir.
UNIUBE  203

  exemplificando! 

O livro é um objeto que pode ter vários cheiros, cheiros artificiais,


químicos, novos, ou então, o que de mais gosto, aromas mágicos,
assim como bolor, poeira, uma poeira de ideias, poeira fina que é
gostosa de se tirar com os dedos, vendo a cor aparecer aos poucos,
nítida, convidativa. Para se apreciar esse objeto é preciso tempo,
abri­‑lo devagar, ir consumindo lenta e preguiçosamente, até que o
apetite se torne voraz e seja impossível largá­‑lo. Quando é consu-
mido até o fim, ele se "renova" e ganha uma conotação saudosa, de
tesouro bem guardado, do qual a gente às vezes se lembra e corre
para ver se está no mesmo lugar, se nos diz a mesma coisa.

Fonte: Amaral e Antonio (1994).

7.2.3 Descrição de ambiente interno

Seria descrever como se visualiza um ambiente: biblioteca, sala de estar,


dormitório, interior de uma capela, procurando destacar seus aspectos
peculiares, como móveis e enfeites. Não é o excesso de particula-
ridades de um ambiente que devem interessar ao artista, mas sim os
aspectos selecionados por meio da sensibilidade.

  exemplificando! 

A mobília da sala consistia em sofá, seis cadeiras, dois consoles de


jacarandá que já não conservavam o menor vestígio de verniz. O
papel da parede de branco passara a amarelo e percebia­‑se que
em alguns pontos já havia sofrido hábeis remendos.

O gabinete oferecia a mesma aparência. O papel que fora primiti-


vamente azul tomara a cor de folha seca.

Havia no aposento uma cômoda de cedro que também servia


de toucador, um armário de vinhático, uma mesa de escrever, e
finalmente a marquesa, de ferro como o lavatório, e vestida de
mosquiteiro verde.
204 UNIUBE

Tudo isso, tinha o mesmo ar de velhice dos móveis da sala, era como
aqueles cuidadosamente limpos e espanejados, respirando o mais
escrupuloso asseio. Não se via uma teia de aranha na parede, nem
sinal de poeira nos trastes. O soalho mostrava aqui e ali fendas na
madeira; mas uma nódoa sequer não manchava tábuas areadas.

Fonte: Alencar (1997).

7.2.4 Descrição de ambiente externo ou paisagem

Refere­‑se à descrição de um plano maior como se fosse uma câmera


detendo­‑se em detalhes relevantes. Em outras palavras, na descrição
de uma paisagem o observador abrange, de uma só vez, a totalidade do
ambiente para, depois, aos poucos, descrever as partes, de preferência
pela ordem de proximidade: ao lado, em frente, à direita, à esquerda,
no fundo, atrás…

  exemplificando! 

Via, como em pintura colorida de folhinha: a palhoça de lascas de co-


queiro rejuntadas de barro cinza, quase branco, o telhado lavado de
chuva e amarelinho da trança de buriti – tudo lustroso do sol à meia
altura; o curralzinho sem frente, as duas mangueironas carregadas
de frutas, o carro de boi de cabeçalho escorado no chão – penso,
vazio e só. No fundo, próxima à serra vestida de mataria verde­‑preta;
o céu plaino, inteiriço, azul, sem uma painazinha de nuvem; de ver-
melho, só o pano pendurado no arame de quintal – saia de mulher,
baeta de criança, ou lenço grande, desses de velha usar.

Fonte: Palmério (1971).


UNIUBE  205

7.2.5 Descrição de cena

Na descrição de uma cena, os aspectos relevantes devem ser captados


mediante observação direta dos seres e objetos, mas ela também exige
invenção e criatividade. Pode­‑se usar maior quantidade de adjetivos,
porém sem excesso ou vulgaridade. O estilo deve ser leve, tendo­‑se a
preocupação não só de descrever o objeto, mas também de externar
ideias e emoções.

  exemplificando! 

Duas imagens de meninas: na primeira a pequerrucha – deve ter


quatro ou cinco anos – empurra valentemente o carrinho de brin-
quedo pelas ruas esburacadas do bairro. Entre panos, um bebê de
plástico adormeceu com os solavancos. Ela para, de vez em quando,
para examinar seu sono de boneca. A mãe, ao lado, empurra o ou-
tro carrinho, esse de verdade, no qual irá levar a filhinha para casa
depois da manhã de brincadeiras na praça.

Outra cena: um pequeno colégio de bairro. Hora do recreio. Nada


mais bonito do que as vozinhas estridentes, o riso, a alegria das
crianças. Correm, jogam bola, divertem­‑se no gira­‑gira, pulam corda.
Mas tudo isso é "quebrado" por uma música que, de imediato, não
reconheço. Não é Ciranda­‑cirandinha nem A linda rosa juvenil! Ou-
tras meninas entre sete e oito anos se põem a dançar. Os corpinhos
infantis e as perninhas magras vibram em contorcionismos. As ca-
becinhas viravolteiam, jogando os cabelos num pêndulo frenético.
Os diminutos quadris sobem e descem buscando a boquinha da
garrafa. A professora, entre conformada e cética, sorri. O recreio
prossegue "tranquilo".

Fonte: Priore (2001).


206 UNIUBE

7.2.6 Descrição de relatórios

Há determinados tipos de descrição, como os relatórios, que são mais


objetivos, sem floreios, com exatidão, vocabulário preciso, linguagem
sóbria, pois buscam, sobretudo, a função referencial, e não a emoção e
a estética. Seu objetivo é esclarecer, informar e comunicar.

  exemplificando! 

O batiscafo é composto de duas partes principais: um flutuador,


que geralmente tem a forma de casco de navio, cheio de gasolina
distribuída em vários compartimentos, e uma cabina esférica de
aço. A flutuação positiva da nave é balanceada por bolas de ferro,
localizadas dentro do flutuador em câmaras abertas e presas por
eletroímãs.

Fonte: Enciclopédia de ciências e técnica (s/d).

7.3 O texto narrativo

Narração é a exposição de fatos e circunstâncias que precedem, acom-


panham ou seguem os acontecimentos, independentemente de serem
reais ou fictícios. Ao contrário da descrição, em que a atitude do escritor
é de contemplação, na narração seu comportamento é ativo. No texto
narrativo, a transformação temporal, o desenvolvimento de personagens,
a determinação de espaço físico, a forma de expor, desenvolver e concluir
os acontecimentos é que determinarão o interesse do leitor. Assim, narrar
é contar, é relacionar situações e personagens no tempo e no espaço, é
UNIUBE  207

perceber o que aconteceu, o que poderia ter acontecido e contar, rela-


tar, repartir com os ouvintes ou leitores as histórias de nossa história. É
tecer enredos, criar personagens, fundir imaginação e realidade: coisas
sonhadas, vividas, o que podia ter sido e não foi, o que pode vir a ser;
saberes de diversas raízes, de diferentes procedências, constituem a
matéria­‑prima do texto narrativo.

Ao narrar, transformamo­‑nos, de maneira imaginária, em outras pessoas,


vivemos outras histórias.

Por meio da contação de histórias e da leitura, essa transformação


imaginária se dá ainda de forma mais efetiva! No teatro e no cinema
estamos como espectadores, ou seja, assistimos aos atos e às ce-
nas; estamos, assim, numa atitude passiva em relação ao que nos é
apresentado.

Mas, quando ouvimos histórias ou lemos um livro, participamos mais


ativamente da construção da história que o autor escreveu e que o nar-
rador contou e que se completa com a nossa imaginação.

Assim, recuperamos a capacidade de perceber o mundo de maneira má-


gica, de descobrir e criar outro mundo, de desenvolver o gosto de contá­‑lo
e recontá­‑lo sem que a magia desapareça, sem que se perca a poesia
do que se sabe e ao mesmo tempo do que não se sabe: imaginar, tecer
possibilidades infinitas de novas histórias, novas maneiras de repetir o
mesmo, que nunca será exatamente o mesmo, mas que se renovará e
se fecundará de novos sentidos porque foi narrado.
208 UNIUBE

7.3.1 Estrutura de um texto narrativo

É a parte do texto em que são apresentados alguns


personagens e expostas algumas circunstâncias da
história, como o momento e o lugar em que a ação
APRESENTAÇÃO OU se desenvolverá. Cria-se, assim, um cenário e uma
EXPOSIÇÃO marcação de tempo para os personagens iniciarem
suas ações. Porém, nem todo texto narrativo tem
essa primeira parte: há casos em que, já de início, a
ação se mostra em pleno desenvolvimento.

São as peripécias ou o desenrolar dos acontecimen-


tos; a ação dos personagens ou conflito entre perso-
COMPLICAÇÃO
nagem e situação. Encadeados, esses episódios se
sucedem, conduzindo ao clímax.

É o auge do conflito, o ponto culminante da história


CLÍMAX
ou suspense da narrativa.

É a solução do conflito decidido pelas ações dos


personagens. Restabelece-se o equilíbrio, podendo
DESFECHO
haver espaço para uma avaliação de tudo o que foi
narrado.

Essas partes da narração acham­‑se nitidamente delimitadas – o que nem


sempre acontece – no seguinte poema:

  exemplificando! 

Estrelinha

A estrelinha apareceu
Faceira, risonha.
A menininha apagou­‑lhe o brilho
Deu­‑lhe moldura, destaque, admiração.
Vãos cuidados, vãs considerações!
A estrelinha não mais iluminou
E sua existência na terra encerrou.
Para o céu a estrela voltou
E renovou todo o seu fulgor.

Fonte: Freitas, Irene de Lima. Acervo pessoal.


UNIUBE  209

7.3.2 Elementos da narrativa

A narração envolve:

• Quem? – Personagens.

• Quando? – A época em que ocorreram os acontecimentos.

• O quê? – Fatos, enredo.

• Onde? – O lugar da ocorrência.

• Como? – O modo como se desenvolveram os acontecimentos.

• Por quê? – A causa dos acontecimentos.

7.3.2.1 Personagens

São as pessoas, ou seres personificados (animais, objetos, plantas,


outros) que participam dos acontecimentos.

O personagem pode ser:

• protagonista – figura central ou herói, que tem características positivas


ligadas ao bem, com aceitação da sociedade;

• antagonista – figura que se opõe à central (vilão da história ou perso-


nagem que apresenta fraqueza humana, defeitos, vícios);
210 UNIUBE

• narrador – em primeira pessoa (narrador­‑personagem) ou em terceira


pessoa (narrador­‑observador);

• secundário – faz parte da história como elemento esclarecedor dos


acontecimentos.

Os personagens podem ser apresentados diretamente por meio de


descrições físicas e/ou psicológicas – apresentação direta. Podem, tam-
bém, ser apresentados indiretamente por meio de suas falas, diálogos,
pensamentos e sentimentos – apresentação indireta.

7.3.2.2 Tempo

Desempenha importante função numa narrativa, pois é o jogo de pre-


sente, pretérito e futuro que lhe dá maior consistência. Por isso, deve­‑se
ter grande preocupação com o tempo verbal que será utilizado. Geral-
mente, é usado o pretérito imperfeito e, às vezes, o pretérito perfeito ou o
futuro do presente e do pretérito para transmitir variações temporais. Em
uma narrativa pode haver o tempo cronológico e o tempo psicológico.

O tempo cronológico é marcado pelo relógio, pelo tempo, pelos anos,


pelas estações.

  exemplificando! 

“O ano era de 1840. Naquele dia – uma segunda­‑feira do mês de maio –


deixei­‑me estar alguns instantes na Rua da Princesa.”

Fonte: Assis (2010).


UNIUBE  211

O tempo psicológico é o tempo­‑emoção, independe do tempo real,


mas é o tempo vivido, sentido. Não é mensurável, flui na mente dos
personagens.

  exemplificando! 

Haviam­‑se passado momentos ou três mil anos? Momentos pelo


relógio em que se divide o tempo, três mil anos pelo que Lóri sentiu
quando, com pesada angústia, toda vestida e pintada, chegou à
janela. Era uma velha de quatro milênios.

Fonte: Lispector (1998).

7.3.2.3 Enredo

Conjunto de acontecimentos que compõe a narrativa e que deve ser


organizado de modo que estimule a atenção do leitor. É a consequência
da ação ou movimentação dos personagens.

De modo geral, existem dois tipos de sequência:

• Enredo linear: quando a história apresenta começo, meio e fim. A


sucessão dos acontecimentos é contínua e desenvolve­‑se no tempo
e no espaço de maneira direta, com continuidade lógica e cronológica,
além de desenrolar, passo a passo, os acontecimentos.

• Enredo não linear: quando acontecem saltos na sequência das


ações, isto é, quando fazemos cortes em que acontecimentos são
omitidos, fatos ficam sugeridos. Outras vezes, misturamos aconte-
cimentos presentes e passados – e até futuros, quebrando a conti-
nuidade natural dos acontecimentos na sucessão natural do tempo.
212 UNIUBE

A essa quebra do encadeamento linear geralmente chamamos de


flashback (retrospecção).

7.3.2.4 Espaço

É um elemento bastante relevante na narração, pois trata­‑se do ambiente,


do local em que se passa a ação e onde vivem os personagens. Deve­‑se
evitar o exagero de pormenores do local, dando­‑se ênfase apenas aos
que dizem respeito aos acontecimentos. Além desse espaço físico, há
também o espaço psicológico, o espaço dos inúmeros lugares de nossa
vivência interior, é o espaço de nosso universo subjetivo.

7.3.2.5 Narrador

• Foco narrativo: ponto de vista do narrador. A voz narradora que conta


a história.

• Narrador personagem: quem vai contar a história é um personagem


que vive os fatos, participa da história. Nesse caso, temos um foco
narrativo com discurso em 1a pessoa. Mas isso não significa dizer que
o narrador tenha que ser o personagem principal dos acontecimentos.
Ele pode ser um personagem secundário.

• Narrador observador: quem vai contar a história é apenas um obser-


vador, isto é, uma testemunha ocular do que acontece. Assim, temos
um foco narrativo com discurso em 3a pessoa.
UNIUBE  213

Exemplo: "Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avan-
çava, as casas iram rareando, modestas casas espalhadas pelas sime-
trias ilhadas em terrenos baldios."

Fonte: Telles (2010).

• Narrador onisciente: o narrador conta, como


Narrador onisciente
sabedor de tudo, a história. Ele é capaz de contar
Que sabe tudo.
tudo sobre o enredo e os personagens. Sabe – e
revela – o próprio pensamento, a própria voz interior dos personagens,
desvendando seus monólogos e diálogos interiores. Geralmente, esse
tipo de narrador faz uso do discurso indireto livre.

  exemplificando! 

Depois, a nuvem dissipou e Eugênio pôde ver­‑se com os cabelos


em desalinho e uma expressão de espanto nos olhos. Ficou a se
mirar por algum tempo, como que fascinado. O "outro" lhe fazia
perguntas, exigia satisfações. Tinha sido em vão todo o sofrimento
de Olívia? Anamaria continuaria na vida sem mãe, sem pai, sem
amparo? Onde estavam os protestos de regeneração? O que havia
por enquanto era a deplorável covardia duma pobre carne sem
vontade que amava o conforto e se negava a desprender­‑se das
coisas que lhe proporcionavam gozo, bem­‑estar.

Fonte: Veríssimo, (1981).

7.3.2.6 Fluxo de consciência

Segundo Medeiros (1991, p.176),

[…] narrar acontecimentos exteriores ao próprio ho-


mem nem sempre satisfaz ao escritor. É por isso que
modernamente se buscam novos processos, como o
fluxo de consciência, em que a preocupação é sondar
214 UNIUBE

sensações, lembranças, fantasias, introspecções,


descrever o que se passa no mistério da consciência
e pré­‑consciência.

O fluxo de consciência divide­‑se em:

• Monólogo interior: caracteriza­‑se pelo uso de frases desarticuladas,


incoerentes, soltas, sem nexo sintático. O pensamento é bastante
desinibido, desordenado e seu conteúdo não se dirige a ninguém nem
se destina a informar. Segundo Medeiros, o sucesso no uso dessa
técnica depende da habilidade do narrador em selecionar pensamen-
tos e fragmentos de frase que levariam o leitor a pensar num fluxo de
consciência.

  exemplificando! 

Agora ele olhava as estrelas e via como estavam distantes, o céu às


vezes parecia alto às vezes parecia baixo, as estrelas eram gordas
e molhadas ou duras e finas como uma dorzinha, aí levou a mão à
perna e apalpou, o São Jorge galopava no seu cavalo, as estrelas
faiscavam, eram como gritinhos, como grilos na noite, as aranhas
se arrastavam peludas, não é bom ficar olhando muito tempo para as
estrelas, faz mal, dizia a mãe, por isso não olhava muito tempo
seguido para as estrelas quando era menino, alguma coisa podia
acontecer com ele…

Fonte: Dourado (1985).

• Solilóquio: é um processo em que o personagem fala a alguém ou a


si mesmo tentando comunicar­‑se. Geralmente, combina o interior do
personagem com o mundo exterior. Há um amontoado de pensamentos
livremente associados, mas compreensíveis e purificados pela razão
do narrador. A linguagem é bem cuidada sem apresentar a situação
caótica do monólogo interior.
UNIUBE  215

  exemplificando! 

Abro a torneira, molho os pés. Às vezes passo uma semana com-


pondo esse livro que vai ter grande êxito e acaba traduzido em lín-
guas distantes. Mas isto me enerva. Ando no mundo da lua. Quando
saio de casa, não vejo os conhecidos. Chego atrasado à repartição.
Escrevo omitindo palavras, e se alguém me fala, acontece­‑me
responder verdadeiros contrassensos. Para limitar­‑me às práticas
ordinárias, necessito esforço enorme, e isto é doloroso.

Fonte: Ramos (1987).

Numa narrativa, como vimos anteriormente, os personagens atuam, par-


ticipando do fato narrado, e, normalmente, falam ou dialogam. A fala dos
personagens chamamos de discurso. As falas – discursos – podem ser
estruturadas de duas formas básicas, dependendo de como o narrador
as reproduz: discurso direto e discurso indireto.

7.3.2.7 Tipos de discursos

Discurso direto

Trata­‑se da reprodução fiel da fala do personagem, geralmente introdu-


zida por travessão ou pelo uso de aspas.

Normalmente, as falas de um diálogo são acompanhadas por um verbo


de elocução, chamados também de verbos "discendi" (dizer, perguntar,
responder, contestar, retrucar, protestar etc.), seguido de dois pontos.
Porém, muitas vezes, esses verbos podem quebrar o dinamismo de uma
interlocução.

O discurso direto é um excelente artifício para atualização da cena e dá


maior impressão de realidade aos fatos que estão sendo narrados, uma
216 UNIUBE

vez que se tem a impressão de que são colocados diante dos nossos
olhos do modo como estão acontecendo. E isso nos envolve mais na
história. Todavia, esse tipo de discurso exige certos cuidados quanto à
propriedade da linguagem do falante, ou seja, quanto à norma linguística
exigida pelo contexto, para que se consigam os efeitos desejados.

  exemplificando! 

[…] Sob a roseira, de rosas carnudas e amarelas, encontrei


Maria Irma. Perguntei se ela era a dona de tão lindo timbre.
Respondeu­‑me:

– Que ideia! Se nem para falar direito eu não tenho voz…

– Diga, Maria Irma, você pensou em mim?

– Não tenho feito outra coisa…

Fonte: Rosa (1984).

Discurso indireto

Ocorre quando o narrador utiliza as próprias palavras para reproduzir,


para contar o que os personagens dizem. Às vezes, o discurso indireto
pode parecer frio, objetivo e distancia o leitor dos fatos, além de cercear
a expressividade do personagem. Por isso, o escritor deve saber quando
utilizar o discurso indireto para conseguir efeitos positivos.

  exemplificando! 

Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido.


Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser
atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma
voz que vinha lá de dentro perguntando quem era, e ouvir a pessoa
UNIUBE  217

que o atendera dizer para dentro: "Não é ninguém, não senhora, é


o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém…

Fonte: Braga (1977, p. 260).

Discurso indireto livre

É quando há uma mistura das vozes do narrador e dos personagens


sem se utilizar a estrutura tradicional de diálogos. Em outras palavras,
podemos dizer que é o discurso em que se encontram ao mesmo
tempo a expressão típica do personagem – característica do discurso
direto – e a presença do narrador – característica do discurso indireto.
O narrador, no seu próprio relato, sem qualquer transição, coloca a fala
do personagem. Esse tipo de discurso tem um mérito de permitir, na
narrativa, a aproximação do narrador e do personagem de tal modo que,
às vezes, fica difícil saber se o que temos é pensamento do narrador
ou do personagem.

  exemplificando! 

Se achassem água ali por perto, beberiam muito, sairiam cheios,


arrastando os pés. Fabiano comunicou isto à Sinhá Vitória e indicou,
não era? Sinhá Vitória estirou o beiço indecisa, e Fabiano afirmou o
que havia perguntado. Então ele não conhecia aquelas paragens?
Estava a falar verdades? Se a mulher tivesse concordado, Fabiano
arrefeceria, pois lhe faltava convicção; como Sinhá Vitória tinha
dúvidas, Fabiano exaltava­‑se, procurava incutir­‑lhe coragem.

Fonte: Ramos (1974, p. 131).


218 UNIUBE

Observe o Quadro 1, a seguir, e verifique a adequação da forma verbal


para o discurso direto e para o discurso indireto.

Quadro 1: Comparação – discurso direto e discurso indireto.

Discurso direto Discurso indireto


•  v erbo no presente do indicativo: •  v erbo no pretérito imperfeito do
– Não bebo dessa água – afirmou indicativo:
a menina. A menina afirmou que não bebia
•  v erbo no pretérito perfeito: daquela água.
– Perdi meu guarda­‑chuva – disse •  v erbo no pretérito mais­‑que­
ele. ‑perfeito:
•  v erbo no futuro do indicativo: Ele disse que perdera seu guarda­
Ele confessou: ‑chuva.
– Irei ao jogo. •  v erbo no futuro do pretérito:
•  v erbo no imperativo: Ele confessou que iria ao jogo.
– Aplaudam! – ordenou o diretor. •  v erbo no pretérito imperfeito do
subjuntivo:
O diretor ordenou que
aplaudíssemos.

Você deve ter percebido que são muitos os fatores e elementos que
fazem parte de um texto narrativo. No esquema a seguir apresentamos
uma síntese desses elementos para facilitar a compreensão.
UNIUBE  219

Linear
Enredo Cortes
Não linear
Flashback Desfecho

Cronológico
Tempo
Psicológico

Físico
Espaço
Psicológico

A história
Apresentação Física e/ou psicológica
direta
Personagens

Fala/comportamento
Apresentação
(discurso direto/
indireta
indireto/indireto livre)

Narrador – personagem

O narrador – foco narrativo Narrador – observador

Narrador onisciente

Como estudamos dois tipos de texto – descrição e narração –, apresen-


tamos no Quadro 2, a seguir, uma síntese das principais características
de cada um.
220 UNIUBE

Quadro 2: Particularidades do texto descritivo e do texto narrativo.

Descrição Narração
•  R
 etrato verbal de pessoas, objetos, •  Relato de um fato, de um
ambientes. acontecimento.
•  Predomínio de frases nominais. •  P
 ode apresentar os seguintes
•  V
 alorização dos verbos de ligação elementos: narrador, personagens,
e dos adjetivos. enredo, cenário, tempo.

•  A
 imagem física ou psicológica é a •  C
 entra­‑se sempre num conflito (a
"alma" da descrição. "alma" da narração).
•  Predomínio de frases verbais.
•  P
 ode apresentar passagens
descritivas.

7.4 O texto dissertativo

Dissertar faz parte da realidade em que vivemos, pois discutir ideias,


abordar temas sociais, políticos e até econômicos, expor o pensamento
são tarefas na trajetória de qualquer pessoa que vive em sociedade,
isto é, dissertar é essencial para tornar qualquer usuário da língua um
verdadeiro cidadão. Para tanto, é necessário não somente dominar a
língua, nem apenas demonstrar conhecimento dos mecanismos lin-
guísticos necessários, mas, principalmente, dominar o assunto. Não
há como escrever um texto sem se ter uma visão de mundo, sem se
levar em consideração as questões sociais de um tema a ser exposto.
Na verdade, "saber ler o mundo" é de fundamental importância para o
desenvolvimento (elaboração) e para o entendimento (compreensão) de
qualquer abordagem temática.
UNIUBE  221

Mas o que é um texto dissertativo?

Segundo Travaglia (2002, p. 34), texto dissertativo é aquele em que

[…] o produtor se põe na perspectiva de conhecer,


abstraindo­‑se do tempo e do espaço. Neste caso,
busca o refletir, o explicar, o avaliar, o conceituar, o
expor ideias para dar a conhecer, para fazer saber,
associando­‑se à análise e à síntese de representa-
ções. Assim sendo, o que importa como informações
são as entidades, as proposições sobre elas e as
relações entre estas proposições (condicionalidade,
causa, consequência, oposição, adição, especificação,
ampliação, exemplificação, comprovação etc.).

Se procurarmos definições sobre texto dissertativo, encontraremos várias.


Às vezes, as definições são parecidas, variando apenas a maneira de
dizer, como as que seguem:

Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa

"Dissertação é uma exposição desenvolvida, escrita ou oral, de matéria


doutrinária, científica ou artística."

Dicionário Houaiss da língua portuguesa

"Dissertar é expor algum assunto de modo sistemático, abrangente e


profundo, oralmente ou por escrito."

Fazer um texto dissertativo é compreender o assunto: saber selecionar,


relacionar, organizar e interpretar informações, fatos e opiniões: saber
expor com clareza, concisão, harmonia, coesão e coerência para de-
senvolver a temática com exatidão. Porém, não existem fórmulas para
atender a todas essas exigências. O texto é um somatório de normas,
222 UNIUBE

porém, de nada adiantarão todas as normas se não houver o acervo de


leituras e o conhecimento de mundo.

Quando se pede a alguém que faça uma dissertação, por escrito, sobre
determinado tema, espera­‑se um texto em que sejam expostos e anali-
sados, de forma coerente e coesa, alguns dos aspectos e argumentos
envolvidos na questão tematizada. Reiteramos que não há escrita sem
leitura, sem reflexão, sem a adoção de um ponto de vista, e, pode­‑se
dizer, sem um desejo, por parte de quem escreve, de se manifestar a
respeito de determinado tema. Assim, é especialmente importante que,
em uma dissertação, sejam apresentados e discutidos fatos, dados,
pontos de vista acerca da questão proposta, uma vez que escrever
um texto dissertativo não é apenas tecer comentários impessoais so-
bre determinado assunto, tampouco limitar­‑se a apresentar aspectos
favoráveis e contrários e/ou positivos e negativos da questão.

Uma observação importante é que sempre será verdade que enfraque-


cem a força do texto dissertativo expressões como "eu acho que" e "na
minha opinião", mas o problema está muito mais no caráter opinativo
e no "achismo" nelas contido do que no uso da 1a pessoa do singular.
Todavia, a postura mais adequada para se dissertar é escrever de forma
impessoal, como se o autor do texto fosse o próprio bom­‑senso, a própria
lógica, a razão ou, ainda, a verdade.

Da mesma forma, não é adequado ficar simplesmente elencando ar-


gumentos favoráveis ou contrários a determinada ideia. Só se trazem
ao texto argumentos contrários à tese defendida para destruí­‑los, para
anulá­‑los e, mesmo assim, quando for pertinente fazê­‑lo.
UNIUBE  223

Portanto, é importante ter sempre em mente que, em uma dissertação,


deve­‑se defender uma tese, ou seja: organizar dados, fatos, ideias e
argumentos em torno de um ponto de vista definido sobre o assunto
em questão. Deve­‑se também, na medida do possível, concluir algo,
atentando­‑se para o fato de que uma dissertação não se dirige a um in-
terlocutor específico ou a um grupo deles; dirige­‑se, isso sim, a um "leitor
universal", algo que poderia ser definido como: todos os seres humanos
alfabetizados e dotados de raciocínio.

Quando queremos defender uma ideia e convencer nosso leitor acerca


de nosso ponto de vista, devemos elaborar esse tipo de texto – disser-
tativo – de tal forma que envolva reflexão e raciocínio, quer se apoie
no genérico, quer no abstrato, e que consiga apresentar, com clareza,
nossas hipóteses, justificá­‑las com base em argumentos, refutar contra­
‑argumentos, exemplificar e encaminhar para conclusões. Assim, orienta-
mos nosso leitor na direção que consideramos a mais acertada, levando­‑o
ao conhecimento pretendido.

São exemplos de texto dissertativo: artigo acadêmico­‑científico, artigo


jornalístico, editorial de jornal, monografia, conferência, dissertação de
mestrado, tese de doutorado, dentre outros.

7.4.1 Características do texto dissertativo

Ao contrário do texto narrativo e do descritivo, o texto dissertativo é temá-


tico, ou seja, não trata de episódios ou seres concretos e particularizados,
mas de análises e interpretações genéricas válidas para muitos casos
224 UNIUBE

concretos e particulares. Explica, analisa, classifica, avalia, referindo­‑se


ao mundo por meio de conceitos amplos e genéricos.

Apresenta uma ordenação que obedece às relações lógicas: analogia, per-


tinência, causalidade, coexistência, correspondência, implicação etc.

Como a dissertação sempre pretende expor verdades gerais válidas


para muitos fatos particulares, para todos os homens, em todos os tem-
pos e lugares, emprega geralmente o verbo no presente em seu valor
atemporal.

7.4.2 A exposição e a argumentação no texto dissertativo

Há autores que fazem uma subdivisão no texto dissertativo, considerando­‑o


expositivo e argumentativo, levando em conta as especificidades de cada
um, conforme veremos a seguir. (Outros autores consideram apenas o
texto dissertativo.)

7.4.2.1 Texto dissertativo expositivo

Segundo os defensores dessa subdivisão, o objetivo do texto expositivo


é a explanação de uma ideia, de um assunto ou de uma doutrina, de
forma ordenada. O processo é apenas demonstrativo, sem a intenção de
engajamento ou convencimento do destinatário, e sim a compreensão do
assunto exposto. A linguagem deve ser clara, objetiva e predominante-
mente denotativa. A exposição pode ser realizada por meio da definição,
explanação, desenvolvimento, explicação de um processo, explicação
de um sistema.
UNIUBE  225

7.4.2.2 Texto dissertativo argumentativo

Segundo os mesmos autores partidários da subdivisão, esse tipo de


texto é largamente usado em nosso cotidiano. Dissertar, de forma ar-
gumentativa, é apresentar ideias e analisá­‑las; é estabelecer um ponto
de vista baseando­‑se em argumentos lógicos; é estabelecer relações
de causa e efeito. Aqui não basta expor, narrar ou descrever; é neces-
sário explanar e explicar. O raciocínio é que deve imperar nesse tipo
de composição, e, quanto maior a fundamentação argumentativa, mais
brilhante será o desempenho. Portanto, a dissertação argumentativa
é um processo verbal em que o emissor expõe ideias, discorre sobre
determinado assunto e também faz uso da argumentação. Exige do
emissor aprimoramento intelectual, conhecimento profundo do assunto,
prática do raciocínio e clareza de expressão; as ideias do texto devem
estar conectadas umas às outras de modo claro, apresentando coe-
rência e coesão.

Outra característica da dissertação argumentativa é o fato de englobar


um conjunto de juízos sobre determinado assunto. Esse é o tipo de dis-
sertação próprio para temas abstratos, para textos críticos, para teses,
exposições e explanações. De modo geral, os textos argumentativos
expõem opiniões, buscam convencer, dar a conhecer, ou explicar algo.
Assim, exige­‑se de quem escreve criatividade de ideias, conhecimento
de mundo, consulta bibliográfica, reflexão e, sobretudo, capacidade
argumentativa.

Enfim, para elaboração de um texto dissertativo argumentativo, deve­‑se


analisar as ideias, apreciar os prós e os contras, estabelecer analogias
e contrastes, buscar causas e consequências e saber argumentar, com
226 UNIUBE

solidez, a respeito da abordagem que está sendo feita. O discurso dis-


sertativo argumentativo típico é o da ciência, o da filosofia, o dos edi-
toriais dos jornais. Nesse tipo de texto, como sempre há uma intenção
argumentativa, o objetivo será influenciar, persuadir e convencer o inter-
locutor, fazendo­‑o crer em algo, aderir a uma opinião. Na dissertação, o
enunciador do texto manifesta, explicitamente, mas de forma impessoal,
sua opinião ou seu julgamento.

7.4.3 Elementos para uma argumentação

7.4.3.1 Fato

É um acontecimento, um ato. O fato é verdadeiro, uma realidade inques-


tionável. "Fatos não se discutem", por isso um texto dissertativo deve
sempre se fundamentar neles.

7.4.3.2 Opinião

Emitir opinião subjetiva é afirmar alguma coisa fundamentando­‑se


apenas em razões pessoais. É um modo de ver que não se apoia em
fatos e, por isso, nem sempre é merecedor de crédito. Caracteriza­‑se
por uma convicção provisória, sujeita a erro. Portanto, toda vez que
percebemos que nossas afirmações são meras opiniões pessoais,
devemos procurar juntar a elas fatos que as transformem em verdade,
em argumentos verdadeiros.
UNIUBE  227

7.4.3.3 Argumentação

Conforme dissemos anteriormente, ocorre argumentação quando se


expõe alguma ideia com o objetivo de persuadir alguém sobre alguma
coisa. Difere a argumentação da exposição pelo seguinte: nesta, expõe­
‑se um fato ou apresentam­‑se ideias, princípios, teorias, com o objetivo
de ser compreendido, ao passo que, na argumentação, há a preocupação
com a persuasão do indivíduo. Busca­‑se invalidar as razões contrárias.
A exposição visa informar, a argumentação, convencer.

São qualidades desejáveis da argumentação: convicção do autor, clareza,


ordem, vocabulário apropriado.

7.4.4 Estrutura do texto dissertativo

O texto dissertativo organiza­‑se em três partes, cada uma das quais com
funções bem específicas que, em conjunto, oferecem ao leitor uma visão
de totalidade. Vejamos cada uma dessas três partes.

7.4.4.1 Introdução

É a parte em que se apresenta a ideia principal, a tese, a qual deverá ser


desenvolvida progressivamente no decorrer do texto. A ideia principal é o
ponto de partida do raciocínio. A elaboração dessa etapa inicial exige boa
capacidade de síntese, pois a clareza alcançada na exposição da ideia
constitui uma das formas de se obter a adesão do leitor ao texto. Não que,
de imediato, o leitor concorde com o primeiro argumento da tese, mas,
se for oferecido a ele um contato direto com a matéria que encaminhará
a argumentação, o texto ganhará maior objetividade e rigor.
228 UNIUBE

7.4.4.2 Desenvolvimento

A articulação de novos argumentos ocorre nesta etapa de elaboração do


texto. No desenvolvimento, as informações sobre a matéria anunciada
na introdução são analisadas, debatidas em confronto com informações
integrantes, ou não, do universo a que pertence o tema. É evidente que
a variedade de conexões entre os argumentos depende da riqueza do
repertório de quem escreve e da possibilidade de constituir­‑se com eles
uma rede de sentidos. A quantidade de informações, por si só, não as-
segura a qualidade da argumentação, já que esta, como uma operação
lógica, decorre do domínio sobre o material linguístico (estruturação da
frase, pontuação, uso de conectivos etc.) e da adequação dos argumentos
ao contexto, antecedida do exame da veracidade de cada um deles.

7.4.4.3 Conclusão

Essa parte, que é também chamada de desfecho, sintetiza o que há de


mais relevante no conteúdo desenvolvido; o objetivo dessa retomada é
registrar as considerações finais do autor sobre o tema.

7.4.5 Características do texto dissertativo

• Defesa de uma ideia, de um ponto de vista.

• Em geral, estrutura­‑se em três partes:

a) tese (exposição da ideia que será defendida);

b) desenvolvimento (ou argumentação);

c) conclusão.
UNIUBE  229

• A argumentação é a " alma" da dissertação.

• Prevalece a denotação.

• Linguagem objetiva.

  exemplificando! 

Quem cala consente?

A cultura é fenômeno ambivalente. Pode favorecer o ser humano


ou prejudicá­‑lo, pode tecer a humanidade ou esfiapá­‑la, pode ser
antropogenética ou antropofágica. É equívoco pensar que todo
produto cultural seja avanço humanizante. Há cultura da liberdade e
cultura da escravidão, cultura da justiça e cultura da miséria, cultura
da paz e cultura armamentista, cultura igualitária e cultura racista,
cultura emancipatória e cultura colonialista, cultura da vida e cultura
da morte, cultura senhorial da Casa­‑grande e cultura aviltada da
Senzala.

As produções culturais possuem linguagem. Dizem significados


dignificantes ou degradantes. Entre os produtos culturais há aforis-
mos, ditados populares. "Quem cala consente" é provérbio muito
citado e acatado. Consignado também em Sonetos possíveis de
Artur Azevedo.

"Quem cala consente" merece cuidadosa reflexão crítica. Há


momentos em que calar é consentir. O silêncio pode ser con-
sentimento livre. Mas nem sempre "quem cala consente". Calar
pode também significar recusa, oposição, protesto. O silêncio
pode ser contestação muda. As pessoas podem calar­‑se porque
estão sendo ameaçadas e reprimidas. Há vasto silêncio nos
oprimidos. Escravos calam­‑se porque chicoteados pelos se-
nhores, sociedades calam­‑se porque censuradas por ditaduras,
estudantes calam­‑se porque receiam perseguição do professor,
mulher estuprada cala­‑se para não ser humilhada, trabalhador
cala­‑se por medo de ser dispensado, cristãos calam­‑se porque
temem o "obsequioso silêncio", pobres calam­‑se para que não
lhes cortem as migalhas de sobrevivência na seca e na mendi-
cância. Muitos calam­‑se porque não dispõem de espaço e meios
para gritar seu direito.
230 UNIUBE

Há milhões e milhões de seres humanos que se calam, mas "não


consentem". E são contabilizados como se apoiassem aquilo que são
forçados a calar. E os setores dominantes proclamam cinicamente:
"O povo está ao nosso lado". É a lógica perversa e impositiva da
sentença: "Quem cala consente". É intolerável abuso cultural utili-
zar esse provérbio ambíguo para beneficiar golpistas. É a técnica
maquiavélica que fatura prestígio em cima do silêncio de quem "não
consente".

Jean­‑François Lyotard diz que calar­‑se por decisão livre não é falha.
Mas "impor silêncio ao outro" é introjetar­‑lhe o "terror íntimo". O
"quem cala consente" tem sido manipulado para domesticar a so-
ciedade, para submeter divergentes e apagar o descontentamento
popular. "Quem cala consente" é utilizado para projetar a imagem
de que todos os calados, mesmo os discordantes, estão aceitando
situações abomináveis.

É preciso denunciar essa pedagogia solerte. É indispensável ques-


tionar o "quem cala consente", para não submeter a humanidade
aos ditadores do mercado, aos controladores da informação, aos
novos colonizadores da globalização pirata. "Quem cala consente"
é linguagem cultural fomentada por setores interessados em per-
petuar a tradição autoritária do poder, e em manter a população
marginalizada e passiva. Chegou a hora de mostrar a outra banda da
verdade. Chegou a hora de suscitar e disseminar a cultura de "quem
cala não consente". Para isso, é necessário aprender a linguagem
calada daqueles que "não consentem".

Fonte: Arduini (2002).

Observe que esse texto é um excelente exemplo de texto dissertativo argu-


mentativo. Além de utilizar frases curtas, o autor o estruturou muito bem: os
dois primeiro parágrafos introduzem o assunto, os três seguintes o desenvol-
vem, e o último apresenta uma conclusão.

7.5 O texto injuntivo

Segundo Travaglia (2002, p. 34), texto injuntivo é aquele que "tem por
objetivo incitar à realização de uma situação (ação, fato, fenômeno,
estado, evento etc.), requerendo­‑a ou desejando­‑a, ensinando ou não
UNIUBE  231

como realizá­‑la. Neste caso, a informação é sempre algo a ser feito


e/ou como ser feito. O produtor fica na perspectiva do fazer posterior ao
tempo ou momento da enunciação". De acordo com o autor, os textos
injuntivos usam as modalidades imperativas (obrigação, permissão, or-
dem, proibição, prescrição).

Em outras palavras, nesse tipo de texto os verbos ligam­‑se à condição


do produtor do texto como um incitador e do recebedor como um exe-
cutor das ações: mandar, ordenar, pedir, determinar, suplicar, sugerir,
recomendar etc.

No Dicionário de Linguística de Jean Dubois e outros (1973), encon-


tramos as seguintes definições:

1. "Uma frase injuntiva é uma frase que exprime uma ordem, dada ao
locutor, para executar (ou não executar) tal ou tal ação. As formas verbais
específicas destas frases estão no modo injuntivo e o imperativo é uma
das formas do injuntivo."

2. "Emprega­‑se a expressão função injuntiva para designar a função da


linguagem chamada ‘conativa’ ou ‘imperativa’: o locutor impele o desti-
natário a agir de determinada maneira."

Exemplos de textos injuntivos são: manuais de instruções, manuais de


uso e/ou montagem de aparelhos, receitas culinárias e receitas médicas,
textos de orientação comportamental (normas de etiqueta, como dirigir),
mensagem religiosa, doutrinária etc.

Colocamos, a seguir, fragmentos que se caracterizam como injuntivos,


uma vez que incitam ao cumprimento de diferentes etapas, cronologica-
232 UNIUBE

mente ordenadas, de execução de uma ação, usando­‑se formas verbais


diferentes.

• Modo imperativo afirmativo, 3a pessoa do singular:

"Coloque a tampa e a seguir pressione."

• Presente do indicativo com sujeito indeterminado:

"Coloca­‑se a tampa e a seguir pressiona­‑se."

• Infinitivo:

"Colocar a tampa e a seguir pressionar."

Outro exemplo de texto injuntivo (dentro de um texto literário):

  exemplificando! 

Instruções para dar corda ao relógio

Lá bem no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o


relógio com uma mão, com dois dedos na roda da corda, suave-
mente faça­‑a rodar. Um outro tempo começa, perdem as árvores
as folhas, os barcos voam, como um leque enche­‑se o tempo de si
mesmo, dele brotam o ar, a brisa da terra, a sombra de uma mulher,
o perfume do pão.

Quer mais alguma coisa? Aperte­‑o ao pulso, deixe­‑o correr em


liberdade, imite­‑o sôfrego. O medo enferruja as rodas, tudo o que
se poderia alcançar e foi esquecido vai corroer as velas do relógio,
gangrenando o frio sangue dos seus pequenos rubis. E lá bem
no fundo está a morte, se não corrermos e chegarmos antes para
compreender que já não interessa nada.

Fonte: Cortázar (2010).


UNIUBE  233

Resumo

Neste capítulo, você teve a oportunidade de dialogar com textos de


diferentes tipos – descritivos, narrativos, dissertativos e injuntivos –,
produzidos em diferentes contextos sociais e históricos. Além disso, você
pode identificar as especificidades da forma de composição, do estilo e
do conteúdo temático de cada um deles. O conhecimento de todos es-
ses fatores, aqui estudados, certamente lhe trouxe subsídios para que,
em sua prática docente, você possa orientar seus alunos a reconhecer
e produzir uma grande variedade de textos nas diferentes situações de
interação comunicativa que a sociedade lhe solicitar.

Atividades

Atividade 1

Gostaríamos que agora você acessasse o link indicado a seguir para


ler o texto O bicho, de Manuel Bandeira. (O poema também pode ser
encontrado em BANDEIRA, Manuel. Obra completa. Rio de Janeiro:
Aguilar, 1967.) Disponível em: <www.revista.agulha.nom.br/manuel
bandeira03.html>.

Leia com atenção o texto para responder ao que se pede:

a) Qual é o foco narrativo do texto O bicho?

b) Que tipo de discurso o autor usou?

c) Caracterize o ambiente, isto é, o lugar em que acontecem os fatos.


234 UNIUBE

d) Quem é o narrador?

e) Trata­‑se de um enredo linear ou não linear? Explique.

f) O desfecho do texto é inesperado? Explique.

g) Levando­‑se em consideração os dados fornecidos pelo texto, carac-


terize o personagem e sua condição de vida.

h) Qual é, então, o tema abordado pelo autor?

i) Redija um pequeno texto narrativo, em prosa, com suas palavras, para


contar o que Manuel Bandeira contou em versos.

Atividade 2

Leia o texto com atenção para fazer as atividades propostas a seguir:

Borboleta

Borboleta
amarela
calada
pensativa
de voos leves.
Senhora das cores
dos ares
translúcidos
diáfanos.
Borboleta cor de ouro
que voa
sobre flores
e paira em minha janela.
Leveza
beleza
num quadro singular.
Me espreita
me seduz
me conduz.
Lá fora
o azul do céu
UNIUBE  235

o dourado do sol
as cores da mensageira
Iluminam o meu dia.

Fonte: Freitas, Irene de Lima. Acervo pessoal.

a) Esse texto é narrativo ou descritivo? Explique.

b) Destaque palavras ou expressões que se relacionam com ideias


sensoriais no poema:

• elementos visuais (cores, movimento);

• elementos sonoros;

• elementos táteis.

c) Escolha um elemento que você gostaria de descrever e componha um


poema descritivo. Pode ser um animal, um lugar – ambiente interno
ou externo –, uma paisagem ou um objeto. Observe como o autor
descreveu a garça, escolha o elemento e/ou inspire­‑se em foto ou
desenho.

Atividade 3

Relacione a coluna numerada à seguinte:

(1) fato

(2) opinião

(3) texto injuntivo

(4) dissertação expositiva

(5) dissertação argumentativa


236 UNIUBE

(  ) normas de etiqueta

(  ) é um ponto de vista

(  ) visa à persuasão

(  ) não pode ser contestado

(  ) apresenta informações

(  ) processo demonstrativo

(  ) não pode ser discutido

(  ) conselho, orientação

Atividade 4

Coloque V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas abaixo:

(  ) Dissertar, explicar, classificar, avaliar.

(  ) Toda opinião é merecedora de crédito.

(  ) Argumentar é expor informações.

(  ) Argumentar é analisar e interpretar.

(  ) A dissertação expositiva é própria de temas abstratos.

(  ) O texto injuntivo usa verbos no imperativo.


UNIUBE  237

Atividade 5

Ponha 1 para fragmento dissertativo e 2 para injuntivo:

(  ) Educar não é formar indivíduos conformistas e estereotipados.

(  ) Não seja uma "maria­‑vai­‑com­‑as­‑outras".

(  ) Leia bons livros para aprender a escrever.

(  ) A TV aliena e motiva a preguiça mental.

(  ) Na atualidade, há muitas músicas descartáveis.

(  ) Estude sempre; aprenda sempre.

Atividade 6

Leia o trecho a seguir, do escritor e dramaturgo alemão Bertolt Brecht


(1898­‑1950), para responder ao que se pede.

Nós vos pedimos com insistência:


Nunca digam – Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre sangue,
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza…
Não digam nunca: Isso é natural!
A fim de que nada passe por ser imutável.

Fonte: Brecht (apud ARANHA; MARTINS, 1986).

a) Explique a que tipologia textual pertence esse texto.

b) Determine o tema desenvolvido pelo poema.


238 UNIUBE

Atividade 7

Os textos de Chico Buarque de Holanda são sempre muito criativos e


despertam grande interesse ao se verificar o efeito de sentido produzido
nos contextos em que foram produzidos e recebidos. Solicitamos que
você acesse o link <www.chicobuarque.com.br/letras/bomcons_72.htm>,
vá ao <www.youtube.com> e leia e/ou ouça a música "Bom conselho",
para depois responder às questões a seguir.

7.1 De acordo com o texto, é correto afirmar que:

I) Trata­‑se de uma descrição de comportamentos.

II) É um texto que narra acontecimentos populares.

III) Caracteriza­‑se como uma conversa com o leitor.

IV) É um texto injuntivo porque dá conselhos ao leitor.

V) Há predomínio da função conativa da linguagem.

Estão corretas:

a) I, II. III e IV, apenas.

b) III, IV e V, apenas.

c) I, III e V, apenas.

d) II, IV e V, apenas.

e) I e II, apenas.
UNIUBE  239

7.2 Assinale a única alternativa incorreta:

a) O texto apresenta uma inversão de ditados populares.

b) Ditados populares, de tanto que são repetidos, tornam­‑se clichês.

c) O autor transforma os clichês em anticlichês.

d) No texto, pode­‑se perceber, no leitor, coragem e ousadia.

e) O autor pretende renovar a visão de mundo e as atitudes do leitor.

7.3 Escreva, em sua forma original, os nove provérbios que o autor


inverteu.

Atividade 8

Volte ao capítulo e leia o texto "Instruções para dar corda ao relógio".


De forma semelhante, elabore um texto injuntivo. Opte por uma das
sugestões a seguir:

• Instruções para dirigir numa noite de nevoeiro.

• Instruções para "fazer sala".

• Instruções para fazer um político.

• Instruções para sonhar.

Referências

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em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/manuel­‑antonio­‑de­‑almeida/
memorias­‑de­‑um­‑sarjento­‑de­‑melicias­‑3.php>. Acesso em: 7 jul. 2010.
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AMARAL, E.; Antonio, S. Novíssimo curso vestibular – Redação I e II. São Paulo:
Editora Nova Cultural, 1994.

ANDRADE, M. M.; MEDEIROS, J. B. Comunicação em língua portuguesa. São


Paulo: Editora Atlas, 2000.

______. Língua portuguesa: Noções básicas para cursos superiores. São Paulo:
Editora Atlas, 1996.

ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando – Introdução à Filosofia. São


Paulo: Moderna, 1986. p. 75.

ARDUINI, Juvenal. Quem cala consente? In: Antropologia: ousar para reinventar a
humanidade. São Paulo: Paulus, 2002. p. 61­‑ 62.

ASSIS, Machado. O conto de escola. Disponível em: <http://www.


portalsaofrancisco.com.br/alfa/centenario­‑de­‑machado­‑de­‑assis/o­‑conto­‑de­‑escola.
php>. Acesso em: 7 jul. 2010.

BANDEIRA, Manuel. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967.

BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 1977. p. 260.

CORTÁZAR, Julio. Instruções para dar corda ao relógio. In: ______. Histórias de
cronópios e de fama. Disponível em: <http://pracadapoesia.blogspot.com/2009/05/
instrucoes­‑para­‑dar­‑corda­‑ao­‑relogio.html>. Acesso em: 7 jul. 2010.

DOURADO, Autran. A barca dos homens. Rio de Janeiro: Editora Expressão e


Cultura. 1985. p. 163.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Editora Cultrix, 1973.

ENCICLOPÉDIA DE CIÊNCIAS E TÉCNICA. São Paulo: Abril, s/d. p. 23.


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FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed.
Curitiba: Editora Positivo, 2009.

FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Lição 15. Narração. Lição 16. Descrição. Lição 17.
Dissertação. In: ______. Lições de texto: leitura e redação. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997.

HOUAISS, Instituto Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de


Janeiro: Objetiva, 2009.

LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro:


Rocco, 1998.

MEDEIROS, J. B. Comunicação escrita: a moderna prática de redação. São Paulo:


Atlas, 1991.

PALMÉRIO, Mário. Chapadão do Bugre. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971. p. 96.

PRIORE, Mary Del. Histórias do cotidiano. São Paulo: Contexto, 2001. p. 113.

RAMOS, Graciliano. Angústia. 33. ed. Rio de Janeiro: Record, 1987.

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ROSA, João Guimarães. Sagarana. 31. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr do sol. In: ______. Antes do baile
verde. Disponível em: <http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_
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TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação. São Paulo: Cortez, 2002.

VERÍSSIMO, Érico. Olhai os lírios do campo. Porto Alegre-Rio de Janeiro: Editora


Globo, 1981. p.170.
Práticas de leitura
Capítulo e produção de
8 diferentes tipos
de texto
Walleska Bernardino Silva

Introdução

Caro(a) aluno(a),

Este capítulo propõe a continuidade dos estudos sobre tipologia


textual. Nele você terá a chance de relembrar os tipos de tex-
tos aprendidos – narração, descrição, dissertação/exposição e
injunção –, bem como entender sobre as sequências textuais
argumentativa e dialogal. Para isso, trataremos da distinção
entre tipos de textos, gênero textual e esfera discursiva, uma
vez que, para identificar os tipos de texto, é importante levar
em consideração o gênero no qual eles estão contidos, e, con-
sequentemente, a esfera de circulação social em que figuram
os gêneros textuais.

Portanto, convidamos você a essa "viagem" pelo mundo textual


com o objetivo de desvendar a estrutura do texto por meio da
compreensão de seus constituintes. Essa "aventura" em busca
da complexidade do arranjo linguístico estará orientada por
exemplos que lhe ajudarão a se situar melhor pelo "caminho".
Assim, após a chegada em nosso "destino", você, aluno(a),
244 UNIUBE

compreenderá melhor os meandros do texto e poderá ressigni-


ficar sua prática educativa. Afinal, futuro(a) professor(a), nosso
objetivo é interagir com o aluno de maneira eficiente e dinâmica,
ensinando­‑o a "caminhar sozinho", pois "melhor que dar um
peixe é ensiná­‑lo a pescar", já nos dizia o ditado popular.

Logo, compreender como funciona a dinâmica textual significa


munir nossos aprendizes de condições linguístico­‑discursivas
para interagir de modo ativo diante dos textos que circulam no
cotidiano.

Objetivos

Após o estudo deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• compreender a importância da tipologia na e para a


estrutura textual, orientando a produção e recepção
de textos;
• relembrar os tipos textuais aprendidos no capítulo anterior;
• conhecer as sequências argumentativa e dialogal;
• diferenciar as noções de tipo de texto, gênero textual e
esfera discursiva;
• identificar e produzir sequências textuais;
• relacionar as sequências aprendidas ao gênero de texto
em que aparecem;
• refletir sobre a pertinência da tipologia em produções
textuais.
UNIUBE  245

Esquema
ESFERA DISCURSIVA 

(Rotinas comunicativas institucionalizadas)

GÊNERO TEXTUAL
Conhecer os tipos
(Tipos relativamente estáveis de enunciado) de texto e seu
funcionamento
linguístico-discursivo
TIPOS DE TEXTO permite práticas de
leitura e escrita mais
(Sequências linguísticas) eficientes.

• Narrativo
• Descritivo
• Dissertativo/expositivo/explicativo
• Argumentativo
• Injuntivo
• Dialogal

 8.1 Uma parada para repensar a leitura

Somos uma sociedade que utiliza no cotidiano um código linguístico


convencionado de modo sócio­‑histórico para interagir com nossos pares.
Isso significa que, desde o nascimento de uma criança, ela é exposta à
palavra, iniciando­‑se, claro, pela modalidade oral da língua. Depois da
inserção nesse contexto de uso oral do signo, a criança é introduzida, na
escola, ao contexto de práticas de escrita. Daí, como resultado, temos
uma criança letrada que se utiliza de um sistema simbólico para ser e
estar no mundo.
246 UNIUBE

E qual o papel da leitura em um contexto de práticas letradas?

Antes de tudo, é necessário entendermos que o letramento constitui um


conjunto de práticas sociais que utilizam a escrita em contextos específicos
com objetivos determinados. A forma como a interação texto­‑leitor ocor-
rerá, ou seja, como a leitura será processada, determinará a produção de
sentidos e, obviamente, demandará uma posição ideológica do leitor.

É nesse sentido que se faz necessário pensar a leitura como uma prática
social que envolve sujeitos sócio­‑historicamente situados. Isso implica que
ela não pode ser tratada como mera decodificação, tampouco apenas como
uma operação cognitiva. Ler é levar em consideração as variáveis sociais,
culturais e situacionais envolvidas na e para a produção de sentidos.

Vejamos como essas variáveis devem ser levadas em consideração para


a compreensão.

Leia o enunciado abaixo:

"Eles blá-blá-blá e nós glub, glub, glub."

Quais os sentidos que você produziu?

Imagine esse enunciado publicado em um outdoor. Sua compreensão


muda?

Agora, imagine esse outdoor veiculado na cidade de São Paulo. Alguma


coisa alterou na leitura?

Por fim, pense no outdoor, em São Paulo, em época de enchente. Com


certeza, sua leitura foi radicalmente outra.
UNIUBE  247

Por que isso acontece?

Simples. A leitura envolve uma série de elementos que foge simplesmente


à ordem linguística e cognitiva. Com isso, os fatores de ordem social,
histórica, cultural e situacional tornam­‑se imprescindíveis para o cálculo
do sentido.

Quanto ao enunciado anterior, em um primeiro momento, você pode ter


pensado em uma situação na qual Eles fossem homens em oposição a
nós, possivelmente, mulheres. Enquanto Eles conversam, interpretação
possível graças à associação por meio da onomatopeia blá-blá-blá, nós
tomamos algo – glub, glub, glub.

Sócio­‑historicamente, as mulheres são conhecidas por conversarem mais


que os homens. Então, se o enunciado publicado no outdoor fosse uma
propaganda de um bar, entenderíamos que a intenção do produtor foi
ser irônico quebrando uma ordem já estabelecida socialmente: o fato de
mulheres conversarem mais que homens e o fato de que, geralmente,
homens em bares tomam mais líquidos (no caso, cerveja) do que mulhe-
res. O mesmo aconteceria caso a propaganda fosse de alguma marca
de cerveja. Daí o efeito de sentido contrário produzido pelo enunciado
marcaria a "sacada" do publicitário.

Entretanto, quando sabemos do contexto em que o enunciado foi


publicado – cidade de São Paulo em época de enchente –, outras
leituras são empreendidas. Vejamos: já é de nosso conhecimento
cultural/prévio que os paulistas, em geral, sofrem com as enchentes,
já que São Paulo é a maior cidade brasileira com poucas áreas de
escoamento de água, em função do processo acelerado e descon-
248 UNIUBE

trolado de urbanização, além do grande número de lixo produzido.


Isso, sem dúvida, provoca enchentes, já que a água da chuva não
tem para onde escoar. Assim, o pronome Eles, nessa situação, nos
remete aos políticos que muito falam – blá-blá-blá – e pouco agem,
fato também incluso em nosso repertório sócio­‑histórico e cultural. Já
o pronome nós nos remete aos moradores de São Paulo que sofrem
com as enchentes. Essa relação foi possível graças à expressão
onomatopaica glub, glub, glub, como se os moradores estivessem
"engolindo" as águas das enchentes. Resumindo: enquanto os mo-
radores ficam paralisados diante das enchentes que os impedem de
ter uma vida normal, pois alagam casas e causam inundações, os
políticos, homens que deveriam zelar pela sociedade, pouco fazem
para minimizar ou sanar os problemas dessa ordem. Prometem muito,
mas, na prática, agem pouco.

  agora é a sua vez! 

Analise quais fatores você mobiliza para compreender o texto. Uma dica:
sabendo que se trata de uma crônica, você mentalmente cria algumas ex-
pectativas, como: será um texto curto, com poucos personagens, com um
único conflito, apresentando um tema do cotidiano e linguagem informal.
UNIUBE  249

  indicação de leitura 

Trabalharemos agora com um texto muito interessante chamado Crônica


oral de Norma Astréa.

Acesse o site: <http://recantodasletras.uol.com.br/cronicas/1053714> e leia


o texto atentamente. Em seguida, dê continuidade aos estudos.

Como você pôde perceber, a autora da crônica trata da temática do


nascimento da língua. Para isso utiliza­‑se de um contexto histórico que
lhe ajuda a situar a evolução da fala e a representação da escrita como
necessidade dos primatas em contar, diferenciar e registrar objetos.

Ao final do texto, ironicamente, a autora propõe retomar a forma de co-


municação dos homens primitivos e utiliza­‑se de onomatopeias para dar
a entender que sua crônica no primitivismo só poderia ser oral. Nesse
sentido, para o leitor compreender o trecho onomatopaico, é necessá-
rio muito mais do que a cognição ou a mera decodificação: há de se
identificar a relação entre os sons e sua expressão convencionada. Por
exemplo: a onomatopeia "Atchim" corresponde à tentativa de representar
o som de um espirro; já "Toc, toc", a batida de alguém a alguma porta;
"Huuumm!", o prazer em degustar alguma comida etc.

Desse modo, queremos mostrar a necessidade de encarar a leitura como


prática social, por isso atrelada a contextos de usos da língua ou esferas
de comunicação, que determinarão, entre outras coisas, o modo como
se apresenta o componente linguístico e sua estruturação interna em
tipos textuais.
250 UNIUBE

Então, para entender melhor a noção de tipo de texto, tema deste ca-
pítulo, apresentaremos primeiro as noções de gênero textual e esfera
comunicativa.

8.2 Noção de gênero textual

Para falarmos de gênero, leia os textos abaixo:

a)

Olha só, um software Vamos experimentar!!


interativo para crianças Igual àquelas atividades
Vamos pintar essa
colorirem! que fazíamos na escola árvore!
quando éramos crianças!

É, realmente é igual às
atividades escolares do
tempo de criança...

ERRO!!!
Você pintou o galho com a cor errada!!!

Fonte: Acervo EAD – Uniube.


UNIUBE  251

b)

c)

d)

Arroz

Feijão

Extrato de tomate
252 UNIUBE

Margarina

Leite

Bolacha

Iogurte

Sabão em pó

Amaciante de roupa

Papel higiênico

e)

Fusão entre realidade e ficção

A Disney produziu mais um dos seus filmes de prince-


sas com aquele famoso final: "Felizes para sempre".

"Encantada" é uma mistura de Branca de Neve e


Cinderela, mas que tem uma novidade que fez toda a
diferença na hora de escolhermos a qual filme assistir
no cinema. Nele há uma fusão do mundo fictício (de
desenho) com o mundo real.

A personagem Gisele está prestes a se casar e se


tornar a princesa de Andalásia, até que se encontra
com uma nada simpática velhinha que a empurra para
dentro de um poço. Gisele reaparece saindo de um
bueiro no centro da cidade de Nova Iorque. Então,
muitas coisas irão acontecer.

Uma mistura de comédia, romance, maldade e final


feliz que vale a pena assistir.

Maria Emília Oliveira Carleto

Fonte: Aluna do Ensino Fundamental – 8º ano – 2009.


UNIUBE  253

f)

Pai nosso, que estais nos céus, santificado seja o


vosso nome.
Venha a nós o vosso Reino.
Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no
Céu.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje.
Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoa-
mos a quem nos tem ofendido.
E não nos deixei cair em tentação,
mas livrai­‑nos do mal.

Fonte: Bíblia Sagrada, Mateus, 6:9­‑13.

Após a leitura, é possível nomear cada um des- Condições de


produção
ses textos? É possível perceber semelhanças e
diferenças entre eles? Pense nas condições de Compõem as
respostas às
produção de cada um. perguntas: O quê?
Quando? Onde?
Como? Para quê? Por
quê? Para quem?
Com certeza, você, aluno(a), foi capaz de iden-
tificar que as letras apresentam respectivamente os seguintes textos:
história em quadrinhos, criptograma, cartum, lista de compras, resenha
crítica, oração. Mas como essa identificação foi possível?

A partir desse questionamento é que conheceremos a noção de gênero


textual. Antes, porém, vamos especificar os exemplos acima quanto aos
seus objetivos sociocomunicativos.

a) Gênero: história em quadrinhos.


Objetivo: contar uma história utilizando­‑se de linguagem verbal e
não verbal.
254 UNIUBE

b) Gênero: criptograma.
Objetivo: servir como passatempo ou como atividade para ampliar
vocabulário.

c) Gênero: cartum.
Objetivo: criticar por meio de humor uma situação, ou uma pessoa,
ou um evento etc.

d) Gênero: lista de compras.


Objetivo: não deixar o comprador esquecer­‑se do que deve ser com-
prado e evitar compras desnecessárias.

e) Gênero: resenha.
Objetivo: resumir um objeto cultural e fazer uma avaliação sobre ele.

f) Gênero: oração.
Objetivo: agradecer, pedir (a), elevar (a) ou venerar uma força supe-
rior, para a maioria, Deus.

Levando­‑se em consideração o fato de que a humanidade produz textos


com objetivos diferentes, como visto anteriormente, em contextos sócio­
‑históricos diferentes, para públicos diversos, dentre outras variáveis, o
fato de você ter conseguido identificar, por exemplo, o texto "A" como uma
história em quadrinhos, e não como uma piada, evidencia a recorrência
de práticas comunicativas determinadas sócio­‑historicamente. E daí, a
noção de gênero como textos que encontramos em nosso cotidiano
UNIUBE  255

com padrões sociocomunicativos definidos por um conteúdo temá-


tico, um estilo verbal e uma estrutura composicional.

  importante! 

GÊNEROS TEXTUAIS

TEMA ESTILO VERBAL ESTRUTURA


(marcas linguísticas) COMPOSICIONAL

Mikhail Bakhtin, estudioso da linguagem, foi o precursor das orientações


teóricas nos estudos que envolvem o texto e/ou o discurso. Embora não
se estivesse falando pela primeira vez em gêneros, já que essa noção foi
utilizada, preliminarmente, no domínio da retórica e da literatura, Bakhtin
propiciou uma nova abordagem a essa temática ao considerar o social e
o histórico na análise da interação verbal e, como princípio básico da lin-
guagem, o dialogismo. A inclusão dos elementos social e histórico fez com
que o homem ganhasse espaço nas análises linguísticas, sendo conside-
rado não mais um simples locutor ou receptor textual passivo, mas um ser
capaz de uma atitude responsiva ativa perante o outro na comunicação.
Já o princípio dialógico da linguagem, assumido por Bakhtin, refere­‑se ao
fato de o homem, por meio dos textos, poder mostrar­‑se ideologicamente,
o que significa que a alteridade foi levada em con- Alteridade
sideração, já que é necessário pensar no outro para
Condição do que é
que esse dialogismo se instaure. distinto.
256 UNIUBE

Assim, para Bakhtin (2003, p. 262), a interação humana é passível de


sistematização por meio do que ele denominou gêneros discursivos.
Esses são, por sua vez, entendidos como "tipos relativamente estáveis
de enunciados", produto de um conjunto regularizado de ações humanas,
que sofrem, ao longo do tempo, estabilizações decorrentes da interativi-
dade do homem, refletindo, por isso, condições e finalidades específicas.

Para Bakthin, o uso da linguagem estabelece uma estreita relação com a


atividade social humana, ou seja, a ação de comunicar – responsável pela
instituição da vida social humanamente organizada – está intimamente
ligada a um gênero que norteará a ação linguística. Assim, os gêneros
ordenam e estabilizam a comunicação.

São exemplos de gênero: notícia, telefonema, bate­‑papo virtual, e­‑mail,


bula de remédio, receita, romance, bilhete, cardápio de restaurante,
instruções de uso, conferência, ata de reunião, bilhete etc.

8.3 Noção de esfera comunicativa

Retomando Bakhtin (2003), o uso da linguagem estabelece uma estreita


relação com a atividade social humana, daí a existência dos gêneros.
Cada gênero textual, por sua vez, corresponde a interações típicas em
dada esfera social que reflete os usos particulares historicamente situa-
dos da língua.

À medida que esses usos variam, os gêneros dentro das esferas se


transformam e estas se "complexificam". Cada gênero "incide" em seu
próprio conteúdo temático, estilo verbal e composição as condições e
UNIUBE  257

a finalidade da esfera à qual pertence. Também cada esfera conhece e


"desenvolve" os próprios gêneros. Esse desenvolvimento acompanha a
função ideológica que cada domínio social da comunicação tem.

Desse modo, as esferas devem ser pensadas não como algo concreto,
estanque e estável, mas em função de seu aspecto discursivo­‑ideológico
e suas variações. Daí a responsabilidade das esferas na criação dos
gêneros.

Vejamos algumas esferas comunicativas, e seus gêneros correlatos, pro-


postas por Rodrigues (2001, p. 73­‑74), que, fundamentada em Bakhtin,
agrupa os gêneros seguindo os tipos e variedades de intercâmbio co-
municativo social:

a) gêneros da esfera da produção: ordem de serviço, instrução de ope-


ração de máquinas, aviso, pauta jornalística etc.;

b) gêneros da esfera dos negócios e da administração: contrato, ofício,


memorando etc.;

c) gêneros da esfera cotidiana: conversa familiar, conversa pública, diário


íntimo, saudação etc.;

d) gêneros da esfera artística: conto, romance, novela etc.;

e) gêneros da esfera jurídica: petição, decreto etc.;

f) gêneros da esfera científica: tese, artigo, ensaio, palestra etc.;

g) gêneros da esfera da publicidade: anúncio, panfleto, folder etc.;


258 UNIUBE

h) gêneros da esfera escolar: resumo, seminário, "texto didático" etc.;

i) gêneros da esfera religiosa: sermão, encíclica, parábola etc.;

j) gêneros da esfera jornalística: entrevista, reportagem, notícia, editorial,


artigo etc.

Os gêneros relacionados a essas esferas são responsáveis por particu-


larizar ocorrências em dada situação comunicativa social, contendo as-
pectos em comum que se constituem como padrões para a interpretação
e produção de sentidos dentro de cada esfera. É importante lembrar que
as esferas são tão suscetíveis a mudanças nos gêneros quanto o são
as atividades humanas.

  agora é a sua vez! 

Antes de darmos início à definição de tipos de texto, elenque gêneros possíveis


de circulação nas esferas comunicativas abaixo relacionadas:

Esfera acadêmica:_____________________________________________

Esfera digital:_________________________________________________

Esfera literária:________________________________________________

Esfera médica:________________________________________________

Esfera de compra e venda:______________________________________


UNIUBE  259

8.4 Noção de tipo de texto

Agora, depois de conhecer as noções de gênero e esfera de comu-


nicação, vamos compreender melhor a noção de tipos de texto. Para
tanto, leia:

Parábola do pote rachado

Um carregador de água, na Índia, levava dois potes


grandes, ambos pendurados em cada ponta de uma
vara que ele carregava atravessada em seu pescoço.
Um dos potes tinha uma rachadura, enquanto o outro
era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim
da longa jornada entre o poço e a casa do chefe. O
pote rachado chegava apenas pela metade.

Foi assim por dois anos; diariamente, o carregador


entregando um pote e meio de água na casa de seu
chefe. Claro, o pote perfeito estava orgulhoso de suas
realizações. O pote rachado, porém, estava envergo-
nhado de sua imperfeição e sentindo­‑se miserável por
ser capaz de realizar apenas a metade do que havia
designado a fazer.

Após perceber que, por dois anos, havia sido uma


falha amarga, o pote falou para o homem um dia, à
beira do poço:

– Estou envergonhado, quero pedir­‑lhe desculpas.

– Por quê? – perguntou o homem. – De que você está


envergonhado?

– Nesses dois anos, fui capaz de entregar apenas a


metade da minha carga, porque essa rachadura no
meu lado faz com que a água vaze por todo o caminho
da casa de seu senhor. Por causa do meu defeito, você
tem que fazer todo esse trabalho, e não ganha o salário
completo dos seus esforços – disse o pote.

O homem ficou triste pela situação do velho pote e,


com compaixão, falou:
260 UNIUBE

– Quando retornarmos para a casa do meu senhor


quero que percebas as flores ao longo do caminho.

De fato, à medida que eles subiam a montanha, o


velho pote rachado notou flores selvagens ao lado do
caminho, e isto lhe deu ânimo. Mas, ao fim da estrada,
o pote ainda se sentia mal porque tinha vazado a me-
tade, e de novo pediu desculpas ao homem por sua
falha. Disse o homem ao pote:

– Você notou que só havia flores no seu lado do cami-


nho? Notou ainda que, a cada dia, enquanto voltáva-
mos do poço, você as regava? Por dois anos eu pude
colher flores para ornamentar a mesa do meu senhor.
Sem você ser do jeito que você é, ele não poderia ter
essas flores para dar graça a sua casa.

Veja seus defeitos sob um novo ângulo, pois nada


é absolutamente mau ou absolutamente bom nesta
vida.

Fonte: Autor desconhecido.

O texto apresentado é um exemplo do gênero parábola, conhecido por ser


uma narrativa curta alegórica, construída por meio de uma comparação,
cuja finalidade é veicular um ensinamento moral. Esse gênero pertence
à esfera literária e/ou religiosa.

Natureza Dada a definição do gênero e da esfera do texto


composicional
citado, atentemo­‑nos para a composição das sequ-
Aspectos lexicais,
sintáticos, tempos
ências linguísticas. Essas sequências são distintas
verbais, relações
lógicas, estilo.
umas das outras em função de sua natureza com-
posicional. Assim, repare nas sequências:

• "Um carregador de água, na Índia, levava dois potes grandes, ambos


pendurados em cada ponta de uma vara que ele carregava atraves-
UNIUBE  261

sada em seu pescoço. Um dos potes tinha uma rachadura, enquanto


o outro era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim da longa
jornada entre o poço e a casa do chefe. O pote rachado chegava
apenas pela metade."

• "Após perceber que, por dois anos, havia sido uma falha amarga, o
pote falou para o homem um dia, à beira do poço:

– Estou envergonhado, quero pedir­‑lhe desculpas."

Se analisarmos a sua natureza composicional, veremos que a pre-


dominância do tempo verbal é o pretérito imperfeito. Além disso, os
acontecimentos, fatos narrados, são apresentados segundo uma ordem
temporal. Há presença do discurso direto e o interlocutor é simplesmente
um interlocutor espectador, que apenas ouve ou lê a história sem nela
poder interferir. Essas são algumas das características das sequências
narrativas que compõem a parábola.

Entretanto, se analisarmos o trecho "Veja seus defeitos sob um novo


ângulo, pois nada é absolutamente mau ou absolutamente bom nesta
vida.", perceberemos que a natureza composicional diferencia­‑se das
sequências narrativas. Os verbos estão no presente, respectivamente,
nos modos imperativo e indicativo; não há narração de um fato, ao con-
trário, há um aconselhamento. O espectador é aquele que espera o que
fazer, espera orientação, comando. Sendo assim, a sequência acima é
injuntiva, uma vez que ela dita a ação, sob forma de aconselhamento.
262 UNIUBE

A partir dessas constatações, chegamos à noção de tipos de texto: se-


quências linguísticas definidas em função de sua natureza composicio-
nal. Os tipos ou sequências são designados como narrativo, descritivo,
dissertativo ou expositivo­‑explicativo, argumentativo, injuntivo e dialogal,
e estão presentes na composição de um gênero. Esse número de se-
quências é restrito e, diferentemente do gênero, não tende a aumentar
(MARCUSCHI, 2008).

  agora é a sua vez! 

A partir do conceito de gênero e tipos de texto, você já é capaz de estabelecer


algumas diferenças. Pense e complete o quadro:

Quadro 1: Diferenças entre tipo e gênero.

Tipo textual Gênero textual


•  Sequências __________________ •  Textos que circulam no
definidas em função de sua natureza _____________, dentro de uma
composicional: ____________, esfera _________________,
_____________, ____________, apresentando regularidades
_____________, ____________. ___________________.
•  Compõem os _____________ e •  Regularizam e estabilizam as
não são textos empíricos. ____________ humanas, por isso
são textos que cumprem uma função
_________________.
•  São em número _____________. •  São em número ______________.
•  As sequências são:___________, •  Exemplos de gêneros:
____________, _____________, ______________, _____________,
____________, _____________, ______________, _____________,
_____________. ______________, _____________.
UNIUBE  263

8.4.1 Sequência narrativa

A estrutura da sequência narrativa basicamente constitui­‑se de uma si-


tuação inicial que gera um conflito, que, por sua vez, resulta em ações.
Estas encaminham o conflito para uma resolução a fim de apresentar um
desfecho. Dessa forma, o conflito é peça fundamental no tipo narrativo,
pois a partir dele são estabelecidas relações temporais.

Leia o poema musicado:

Disparada

Prepare o seu coração pras coisas qe eu vou contar


[…] Na boiada já fui boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu.
[…]
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
[…]
As visões se clareando, até que um dia acordei.
Então não pude seguir valente em lugar tenente
[…]
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar.
[…]
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte num reino que não tem rei.

Fonte: VANDRÉ; Barros. Disparada. Disponível em: <http://www.pai-


xaoeromance.com/60decada/disparada/hdisparada.htm>. Acesso em:
13 dez. 2009.
264 UNIUBE

Agora, tente responder:

• Você consegue identificar uma pessoa que narra o acontecimento em


uma ordem temporal?

• Percebe algum conflito?

• E a resolução dele?

• Consegue identificar os tempos verbais?

• Há relações lógicas?

Como você viu, é possível responder a todas as perguntas. Assim,


podemos chegar à conclusão de que o poema musicado apresenta
sequências textuais narrativas, já que o eu lírico narra ao interlocutor
a própria história, do momento em que foi apenas um qualquer sem
importância ("na boiada já fui boi") até tornar­‑se vaqueiro em virtude
de outro que tinha morrido. Entretanto, quando "acordou", viu que não
era mais o que pensava ser ("As visões se clareando, até que um dia
acordei./ Então não pude seguir valente em lugar tenente). Por fim,
segue a vida como um qualquer novamente em "um reino que não
tem rei".
UNIUBE  265

SITUAÇÃO INICIAL


COMPLICAÇÂO


(RE)AÇÕES


SITUAÇÃO FINAL
(MORAL)

Também os tempos verbais pretérito imperfeito, pretérito perfeito e pre-


sente do indicativo permitem identificar as sequências que contam com o
discurso indireto narrado em 1ª pessoa. O interlocutor desse texto apenas
"escuta" sem reação "direta"/interpelação à comunicação; configura­‑se
como um espectador.

Atente às regularidades linguísticas da sequência narrativa:

• Elementos de determinação temporal e espacial (advérbios, locuções


adverbiais, orações adverbiais);
Verbos dicendi

• Formas verbais que fazem referência às ações; Verbos de elocução


que indicam falas,
como "disse",
"perguntou",
• Formas dos verbos dicendi para introduzir se- "respondeu",
"pensou" etc.
quências dialogais;
266 UNIUBE

• Tempos verbais no eixo do pretérito (pretérito perfeito/imperfeito, mais­


‑que­‑perfeito, futuro do pretérito);

• Emprego de primeira ou terceira pessoa;

• Tendência a um uso de vocabulário mais "concreto";

• Personagens, fato, tempo, lugar, modo, causa.

8.4.2 Sequência descritiva

Diferentemente da sequência narrativa, que necessita de uma tempora-


lidade, a descritiva não apresenta ordem fixa. O objetivo é caracterizar
algo, alguém, um lugar, uma situação. Assim, em vez de fazer uma
história progredir, por exemplo, a descrição faz interrupções no enredo,
para apresentar um personagem, um lugar, um objeto. Pode também ter
a finalidade de ambientar a história, mostrando primeiro o cenário.

Ao lado do meu prédio construíram um enorme edifício


de apartamentos. Onde antes eram cinco românticas ca-
sinhas geminadas, hoje instalaram­‑se mais de 20 anda-
res. Da minha sala vejo a varanda (estilo mediterrâneo)
do novo monstro. Deve distar uns 30 metros, não mais.
E foi numa dessas varandas que o facto se deu
(PRATA, 1997).

Para descrever não é necessário listar todos os detalhes possíveis; o que


fará a diferença é a evidência de traços particulares, específicos, únicos.
A descrição dependerá do objetivo de quem descreve: modificar­‑se­‑á de
UNIUBE  267

acordo com variáveis, como aspectos físicos e psicológicos, descrição


objetiva ou subjetiva, nível de argumentação dentre outras.

Repare como a descrição muda conforme as perspectivas empregadas:

A)

CONTÁBEIS COML Português, licenciado, experiência área financeira e


análise contábil com conhecimento contabilidade orçamentária e tributária,
falando 2 idiomas. Salário compatível com a função. Carlos Henrique (00)
0000­‑000 xxxxxx@xxxxxxl.com.

B)

Era alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colari-
nho direito. O rosto aguçado no queixo ia­‑se alargando até a calva, vasta e
polida, um pouco amolgado no alto; tingia os cabelos que de uma orelha à
outra lhe faziam colar por trás da nuca – e aquele preto lustroso dava, pelo
contraste, mais brilho à calva; mas não tingia o bigode; tinha­‑o grisalho, farto,
caído aos cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras.
Tinha uma covinha no queixo, e as orelhas grandes muito despegadas do
crânio (QUEIROZ, 2009).

C)

" Ponto turístico:

Capela Diocesana Nossa Senhora de Fátima

" Descrição:

Única gruta subterrânea de Maringá, guarda telas, imagens e materiais utili-


zados na construção do local, oriundos de Portugal e Japão, o que fazem
268 UNIUBE

do local mais um ponto turístico da cidade. Representa a presença cristã no


Oriente e, por sua vez, a forte influência do povo japonês em Maringá.

Fonte: Disponível em: <http://www.maringa.pr.gov.br/pontos_turisticos/galeria.


php>. Acesso em: 13 dez. 2009.

D)

Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Em A, o objetivo do gênero classificados, na seção emprego de um


jornal, é oferecer mão de obra. Dessa forma, as sequências descritivas
são predominantemente objetivas, descrevendo de forma denotativa as
habilidades profissionais do candidato a emprego, sem ocorrências de
subjetividade.

Em B, trata­‑se da descrição de um personagem do romance O primo


Basílio. Como qualquer texto literário, o trecho prima pela literariedade
UNIUBE  269

por meio de recursos expressivos, ênfase na adjetivação e linguagem


conotativa.

Em C, temos a descrição de um ponto turístico da cidade de Maringá,


que objetiva informar ao leitor sobre as atrações que o local oferece, a
fim de atrair o turista à visitação.

Em D, a descrição objetiva a venda do produto. Por isso, quanto mais


detalhes deste forem fornecidos ao interlocutor, maior será o interesse
do consumidor em adquiri­‑lo.

Como visto, os gêneros, criados em função de uma necessidade socio-


comunicativa, atuam decisoriamente na estruturação interna do texto.
Com isso, embora exista reconhecidamente uma predominância na
composição das sequências, definindo­‑as como descritivas, elas são
realizadas de maneiras distintas nos quatro textos em função de um
projeto de dizer.

  agora é a sua vez! 

Sou uma capricorniana típica. Adoro estabilidade e confesso ser am-


biciosa. Meus relacionamentos tendem a ser sérios e duradouros. Se
sou amiga, faço tudo para preservar a amizade; se filha, o respeito e
a admiração; se companheira, o amor e a felicidade. O romantismo
é meu aliado no que se refere à conquista amorosa e a timidez, às
vezes, confundida com medo e insegurança, faz de mim uma pessoa
cautelosa, contudo determinada. Tal determinação é pautada, antes
de tudo, na razão que sobrepõe, em mim, a emoção.

Quanto às características físicas, posso me definir como uma típica


brasileira: pele morena, 1,67 de altura e cabelos encaracolados. Com
os pés pequenos, alguns instantes, consigo impressionar alguém
pela facilidade de locomoção.

Já os meus interesses relativos à vida profissional circunscrevem­‑se


no âmbito da comunicação, ou seja, em qualquer profissão que im-
pere a necessidade comunicativa como principal constituinte diário,
270 UNIUBE

a minha satisfação prevalece. Por isso, o professor e o jornalista


são profissões que instigam a minha curiosidade. Para as Artes, o
meu olhar se volta na direção do movimento corporal, mais especi-
ficamente o balé clássico, cujo exercício semanal permite repor as
energias vitais para o organismo: contribuindo para o equilíbrio da
mente e do físico. Na religião, a que mais corresponde às minhas ex-
pectativas é o Espiritismo e, portanto, sou adepta de tal filosofia.

Ademais, sou uma garota conservadora e tento seguir a minha vida


por meios politicamente corretos, mesmo que, às vezes, incorro em
contradições com algumas ações e/ou pensamentos. Tudo bem, o
ser humano não é perfeito, apoia­‑se em determinismos que nem
sempre são eficazes ao que se espera em um contexto social. Logo,
tento pautar minha vida em decisões que impliquem possibilidades
de alcance à felicidade que concebo como verossímil. O que vale é
ser feliz, mas tendo a consciência tranquila.

Walleska Bernardino

Agora, responda:

1. Qual a predominância de sequências textuais nesse texto?

2. Tente identificar a natureza composicional dessas sequências.

3. Além do tipo predominante identificado, você consegue perceber outros


tipos de sequência?

Checando respostas

A predominância é de sequências descritivas, tendo em vista que se trata de


um texto cujo objetivo é apresentar uma pessoa. Assim, no primeiro parágrafo,
a autora apresenta suas características psicológicas, no segundo fala de suas
características físicas, no terceiro comenta sobre seus interesses profissionais
e artísticos e, ao final, retoma aspectos comportamentais.
UNIUBE  271

Nesse texto, não há uma sequência temporal que determine a colocação


dos parágrafos. As relações lógicas são estabelecidas, em sua maioria, por
orações coordenadas e pelos conectores no início e ao longo do texto. Os
verbos estão no presente do modo indicativo, o que reforça a atemporalidade
do texto. É como se a autora quisesse falar de alguém sem a necessidade de
outra pessoa conhecer pessoalmente esse alguém, daí o tipo descritivo.

Embora a predominância seja por sequências descritivas, podemos observar


a sequência explicativa/expositiva, como em "Já os meus interesses relativos
à vida profissional circunscrevem­‑se no âmbito da comunicação, ou seja, em
qualquer profissão que impere a necessidade comunicativa como principal
constituinte diário, a minha satisfação prevalece", e sequência argumentativa
entrecruzada com a explicativa: "sou uma garota conservadora e tento seguir
a minha vida por meios politicamente corretos, mesmo que, às vezes, incorro
em contradições com algumas ações e/ou pensamentos. Tudo bem, o ser
humano não é perfeito, apoia­‑se em determinismos que nem sempre são
eficazes ao que se espera em um contexto social".

Atente­‑se às regularidades linguísticas da sequência descritiva:

• presença de comparações e de analogias;

• adjetivação (adjetivo, locução adjetiva, orações adjetivas);

• formas verbais que fazem referência a estados (ser, conter, parecer…);

• tempos verbais: presente ou pretérito imperfeito.


272 UNIUBE
8.4.3 Sequência expositiva/explicativa/dissertativa

As nomenclaturas apresentadas acima se devem aos vários estudos


sobre tipologia textual. Dessa forma, para facilitar o ensino, escolhemos
a sequência expositiva­‑explicativa.

Este tipo de texto constitui­‑se pela apresentação de um problema – es-


quematização inicial, um questionamento, resposta ao questionamento,
sumarização da resposta avaliando o problema.

Vejamos:

Premiação na educação

Premiar os bons alunos é uma questão que tem gerado bastante discussão.
Enquanto algumas pessoas abominam a ideia, certas escolas já adotaram
o método que, por sinal, está funcionando.

Sabe­‑se muito bem que a educação brasileira, no geral, vai de mal a pior e
que melhorar esse quadro sempre foi uma das principais e mais frustrantes
metas do governo. Nesse âmbito, já se tentou quase tudo, e a premiação
aos bons alunos pode ser uma "saída de emergência".

Se os BONS alunos recebem uma qualificação especial, não é à toa.


Para consegui­‑la, eles tiveram que se dedicar realmente aos estudos e
tal dedicação merece ser reconhecida e recompensada. Como em uma
empresa onde os funcionários mais produtivos e eficazes são premiados,
os melhores alunos das escolas também deveriam ser.

Além disso, muitos são os bons alunos vistos como alienados e que, por
isso, servem de "chacota" para os colegas. Se houvesse um sistema
premiando­‑os, eles passariam a ser vistos como alunos exemplares e to-
dos gostariam de ser como eles. Consequentemente, os outros alunos
UNIUBE  273

ficariam mais estudiosos e esforçados e essa implicância com os bons


alunos acabaria. Assim, como diz o ditado popular, "matam­‑se dois coe-
lhos com uma cajadada só".

E tem mais: muitas pessoas deixam a escola para trabalhar e poder então
ajudar nas despesas de sua família. E muitas dessas pessoas são bons
alunos. A premiação, para eles, além de ser um meio motivador, serviria
como renda e eles não teriam de deixar a escola.

Percebe­‑se, com isso, que esse sistema de premiações, além de prometer


uma melhora no desempenho dos estudantes, resolve questões sociais
como as exclusões escolares e o afastamento do estudo por necessida-
des financeiras. Esse pode, então, ser um bom caminho a ser seguido
pelas escolas para que ocorra uma interação dos alunos entre si e com
o mundo.

Fonte: Renata Cristina de Oliveira Guimarães (ex­‑aluna da Escola de


Educação Básica da UFU – 9º ano).

Conforme as etapas da sequência expositiva­‑explicativa, o texto ante-


rior compreende:

• apresentação de um problema: premiação na educação para bons


alunos.

• um questionamento: premiar bons alunos é uma atitude positiva?

• resposta ao questionamento: sim, pois essa premiação pode


significar:

a) melhora na educação do país;

b) recompensa ao esforço desses alunos;


274 UNIUBE

c) meio de incentivo aos alunos fracos;

d) ajuda financeira aos alunos bons que não podem estudar em função
de um trabalho, o que impede a evasão escolar.

• sumarização da resposta avaliando o problema: a premiação propi-


cia um bom desempenho dos estudantes, resolvendo questões sociais
e evasões escolares, por isso, constitui­‑se em uma boa alternativa.

  agora é a sua vez! 

Analise parte do trabalho discente abaixo no tocante à predominância de


sequências:

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, vou falar sobre a modalidade desportiva Pilates.


Vou explicar o que é, como surgiu, quem criou esta modalidade e
o porquê desta criação. Escolhi este tema porque desconhecia esta
modalidade, e obtive alguma curiosidade para a conhecer.

[…]

CONCLUSÃO

Com este trabalho, concluí que para praticar este desporto é es-
sencial flexibilidade. Foi criado por um senhor (Joseph Pilates), que
sofria de uma doença, e este ganhara interesse em estudar anatomia
e fisiologia. Desde então criou esta modalidade.

Ana Margarida

Fonte: Trabalho sobre a modalidade desportiva Pilates, realizado no âmbito da


disciplina Educação Física, 11º ano. Disponível em: <http://www.notapositiva.
com/pt/trbestbs/educfisica/11pilates.htm>. Acesso em: 14 dez. 2009.
UNIUBE  275

Como você percebeu, a estrutura das sequências refere­‑se à sequência


expositiva­‑explicativa, apresentando um tema, levantando um ques-
tionamento, respondendo a esse questionamento e apresentando um
fechamento.

Segundo Adam (2008, p. 242), a sequência expositiva­‑explicativa tem a


seguinte estrutura:

Objeto  POR QUÊ? Problema  PORQUE EXPLICAÇÃO

Complexo → →

Adam ressalta por meio do esquema que, na sequência expositiva­


‑explicativa, dois operadores encadeiam sua estrutura, a saber:

• POR QUÊ? (pergunta que leva a uma esquematização inicial, que,


por sua vez, apresenta um objeto complexo e caminha para a esque-
matização problemática).

• PORQUE (passa do objeto problemático a uma esquematização


explicativa).

Agora, atente­‑se para as regularidades linguísticas da sequência


explicativa:

• conectores lógicos;

• tempos verbais no eixo do presente (presente, pretérito perfeito, futuro


do presente);

• predominância da terceira pessoa;


276 UNIUBE

• tendência a uso de vocabulário mais abstrato, técnico, teórico;

• construções passivas e impessoais.

8.4.4 Sequência injuntiva

Leia:

Bolo de chocolate molhadinho

Ingredientes

2 xícaras de farinha de trigo

2 xícaras de açúcar

1 xícara de leite

6 colheres de sopa cheias de chocolate em pó

1 colher de sopa de fermento em pó

6 ovos

Modo de preparo

1. Bata as claras em neve, acrescente as gemas e bata novamente. Coloque


o açúcar e bata outra vez.

2. Coloque a farinha, o chocolate em pó, o fermento, o leite e bata nova-


mente.

3. Unte um tabuleiro e coloque os ingredientes batidos para assar por


aproximadamente 40 minutos em forno médio.
UNIUBE  277

4. Enquanto o bolo assa, faça a cobertura com 2 colheres de chocolate


em pó, 1 colher de margarina, meio copo de leite e leve ao fogo até
começar a ferver.

5. Cubra o bolo já assado com a cobertura quente.

6. Saboreie.

Qual é o gênero do texto?

Ótimo. Isso mesmo: é uma receita culinária. Como bem sabemos, esse
gênero circula na esfera comunicativa de atividades alimentícias. Mas
qual é a sequência que predomina nesse gênero?

Observe que na primeira parte da receita nos são apresentados os


ingredientes. Em seguida, no modo de preparo, entendemos que nos
são demandadas ações (bata, acrescente, coloque, unte, faça,
cubra, saboreie) para chegarmos a um resultado: no caso, o bolo de
chocolate molhadinho. Nesse momento, temos a presença de sequên-
cias injuntivas, ou seja, sequências que instruem o leitor a realizar
uma ação.

Os verbos na sequência injuntiva aparecem no infinitivo e imperativo,


indicando conselho, ordem, sugestão. Geralmente, na sequência injun-
tiva, há enumerações, como as da receita, uma lista de ações a serem
cumpridas.
278 UNIUBE

  agora é a sua vez! 

Suponha que você seja um(a) nutricionista e, junto com um ginecologista, foi
encarregado(a) de escrever orientações sobre como curtir de modo saudável
o Carnaval. Essas indicações serão publicadas em um panfleto que circulará
na época da "folia". Produza o texto em seu caderno.

Agora, compare o que produziu com o texto de uma nutricionista e um


ginecologista produzido nas mesmas circunstâncias. Repare na coloca-
ção dos verbos e na enumeração de ações.

ÉPOCA DE CARNAVAL: CUIDE­‑SE! TENHA ATENÇÃO À SUA ROTINA,


ESPECIALMENTE A ROTINA ALIMENTAR. EVITE "BELISCAR" COMIDA:
COMA DE VERDADE! INGIRA SALADA, FRUTAS, ALIMENTOS LEVES,
QUE DARÃO A VOCÊ MAIOR DISPOSIÇÃO PARA PULAR O CARNAVAL.
TOME MUITO LÍQUIDO. NÃO COMPRE COMIDA DE DESCONHECIDOS
E EVITE FRITURAS. USE CAMISINHA PARA NÃO SE ARRENPEDER
DEPOIS E CURTA DE MANEIRA RESPONSÁVEL O CARNAVAL.

Paula de Paula, nutricionista e Roberto de Maio, cardiologista

Atente­‑se para as regularidades linguísticas da sequência injuntiva:

• predomínio da justaposição de enunciados;

• presença de enumerações que podem apresentar­‑se na forma de


inventários ou listas;

• adjetivação objetiva;

• formas verbais no imperativo ou infinitivo, podendo também ocorrer


no futuro do presente;
UNIUBE  279

• formas verbais que fazem referência a ações;

• tendência à impessoalidade;

• tendência a uso de vocabulário mais "concreto" e técnico.

8.4.5 Sequência argumentativa

A sequência argumentativa se realiza com base na negação de uma tese


anterior, ou um "já dito". Assim, para negar, a sequência é estruturada
por meio de argumentos e contra­‑argumentos necessários à defesa
de uma nova tese. A ordem linear – aparecimento da tese anterior,
premissas, dados e a nova tese – não é obrigatória. Isso significa que
a nova tese pode ser formulada de início e retomada ou não por uma
conclusão, com os dados e premissas subentendidos.

Vejamos as fases dessa sequência proposta por Bronckart (2003):

1. apresentação de premissas (constatação de partida);

2. apresentação de argumentos (elementos que orientam a uma


conclusão);

3. apresentação de contra­‑argumentos;

4. uma nova tese ou conclusão.

A sequência argumentativa acontece em torno de uma tese que se


fundamenta em dados para convencer os coenunciadores de seus pro-
pósitos comunicativos e tentar fazê­‑los "aderir" às suas ideias. Esse tipo
280 UNIUBE

Fazer o locutor de texto tem a pretensão de fazer o interlocutor


mudar de ideia
mudar de ideia e apoiar as ideias do enunciador,
Essa tentativa
intencionada pelo
o que não quer dizer que, necessariamente, isso
produtor de texto
concebe o leitor como
vá acontecer. Os gêneros textuais que são cons-
um adversário. Daí a
presença do discurso truídos predominantemente com essa sequência
da transformação, e
o texto argumentativo têm esse propósito comunicativo.
stricto sensu,
conforme tipologia de
Travaglia (2007).

Atente­‑se à regularidade linguística da sequência argumentativa:

• trabalha por comparação entre conceitos opostos;

• uso acentuado de mecanismos de coesão textual (preposições, locu-


ções, conectivos);

• apresenta expressões de tomada de posição;

• busca convencer o leitor/ouvinte.

Observe também o predomínio da sequência argumentativa em um


anúncio publicitário de um hotel:

O Silva’s Hotel é mais que um hotel, é um convite para explorar e


desvendar as belezas de Fernando de Noronha.

Aqui, você tem tudo o que uma cidade pode oferecer mais o prazer
da praia. Com suítes completas e agradáveis, todas oferecendo bela
vista para o mar.

Av. Beira­‑Mar, 867. Fernando de Noronha.

Telefone: (99) 9999­‑9999.


UNIUBE  281

Agora, analise:

• Qual a tese?

• Como o anunciante percebe seu interlocutor?

• Quais os argumentos listados?

• Qual a conclusão?

• Existe outro tipo de sequência?

Esse é um anúncio argumentativo que defende a tese: "O Silva’s Ho-


tel é mais que um hotel, é um convite para explorar e desvendar as
belezas de Fernando de Noronha". O anunciante faz ainda alusão a
um cliente em potencial, que deseja o conforto da cidade na praia. Os
argumentos são:

• o Silva’s Hotel é mais que um hotel;

• é um convite para explorar e desvendar as belezas de Fernando de


Noronha;

• oferece o conforto digno de uma cidade como Fernando de Noronha.

Outro indício de argumentatividade está posto na sequência descritiva


que compõe o anúncio: "Com suítes completas e agradáveis, todas
oferecendo bela vista para o mar". Ao descrever o ambiente, o produtor
espera que o possível hóspede se interesse pelo lugar.
282 UNIUBE

A conclusão da sequência argumentativa é inferencial, ou seja, não está


materializada linguisticamente, mas pode ser recuperada pelo contexto,
a saber: não há melhor lugar nem mais confortável do que o Silva’s Hotel
para se hospedar e conhecer as belezas de Fernando de Noronha.

8.4.6 Sequência dialogal

A sequência dialogal possui como característica fundamental o fato de


ser poligerada, quer dizer, formada por mais de um interlocutor. Essa
sequência regula a interação e é constituída das seguintes fases, con-
forme Bronckart (2003):

1. fase de abertura ou fática: interactantes iniciam o contato;

2. fase transacional: o conteúdo temático é desenvolvido;

3. fase de encerramento, também fática: os interactantes finalizam o


contato.

{abertura da interação {corpo da interação} {fechamento da


interação}}

Geralmente, a abertura e o fechamento são constituídos de trocas verbais


mais padronizadas cujo propósito é estabelecer o contato e atender aos
protocolos de cortesia. A abertura é marcada por atos de saudação ou de
apresentação; o fechamento, por atos de despedida ou agradecimento. É
no corpo da interação que se discorre sobre um assunto mais ou menos
acolhido pelos interlocutores.
UNIUBE  283

Identifique essas fases no diálogo abaixo:

– Bom dia!

– Bom dia!

– Por favor, a que horas passa o próximo ônibus?

– Não sei. Também espero por ele.

– Ok. Obrigada.

• Fase de abertura ou fática: ambos os interactantes dizem "Bom dia!" –


saudação inicial.

• Fase transacional: uma pessoa indaga a outra sobre o horário do


ônibus seguinte – conteúdo.

• Fase de encerramento, também fática: a pessoa indagada responde


e a outra agradece – fechamento.

Atente­‑se para as regularidades linguísticas da sequência dialogal:

• Divide­‑se em turnos;

• Necessariamente contém um tópico discursivo;

• Apresenta marcadores conversacionais e os pares adjacentes.


284 UNIUBE

  explicando melhor 

Marcadores conversacionais são compostos por interjeições, palavras


ou frases que têm a função de articular as unidades informativas do texto,
como também indicar separação, hesitação e ênfase, por exemplo: olha,
veja, bom…; daí, então, aí…; sim, ahã, isso…; será?, não diga!, o quê?, não,
duvido, peraí…

Pares adjacentes referem­‑se à sequência de dois turnos que co­‑ocorrem:


a presença de um turno cria a expectativa de outro, por exemplo: pergunta/
resposta; ordem/execução; convite – aceitação/recusa; cumprimento/cumpri-
mento; xingamento – defesa/revide; acusação – defesa/justificativa; pedido
de desculpa/perdão.

 8.5  Estatuto dialógico das sequências

Nada mais é do que o intercâmbio entre as sequências textuais. De


acordo com Bronckart (2003), podemos ter, por exemplo, uma sequência
descritiva inserida na narrativa, considerando as condições de produção
do texto.

Assim, um gênero de texto não contém apenas um tipo de sequência.


Em geral, são constituídos por dois ou mais tipos. Por isso o nome he-
terogeneidade tipológica. Entretanto, um tipo de texto vai predominar
no gênero em função do objetivo sociocomunicativo.

Veja essa heterogeneidade no gênero carta do leitor que circula na es-


fera jornalística e tem por objetivo mostrar a opinião do leitor sobre um
UNIUBE  285

assunto, notícia, reportagem, entrevista da revista e/ou jornal em que


ela foi publicada:

(a) "A VILÃ CONTEMPORANEIDADE" (18 de agosto) (b) é talvez a mais


importante matéria de capa da história de Liberdade (revista). (c) A contem-
poraneidade trouxe consigo mais poluição e devastação ao mundo. (d) Não
deveria ser assim! Contemporaneidade deve combinar com consciência
ecológica e meios de produção sustentáveis. (e) Obrigado pelo grande
serviço prestado à causa do meio ambiente.

Maria
Uberaba, MG

Em (a) há uma sequência descritiva, que introduz o texto. A sequência


(c) é expositiva, e encontra­‑se entre as sequências argumentativas (b) e
(d), para dar sustentação à opinião demonstrada em (d). Em (e) temos
ainda a explicitação de uma opinião (a reportagem mencionada prestou
um grande serviço "à causa do meio ambiente"), configurada como uma
sequência injuntiva.

Resumo

Sabendo então que a língua, enquanto conjunto de signos conven-


cionados, proporciona interação, uma vez que promove trocas sociais
mediadas pelo signo linguístico, é relevante pensarmos em como essa
organização do signo se constitui como texto e, mais ainda, como esse
texto se estrutura para permitir comunicação.

Nesse sentido, à medida que melhor compreendemos os processos


textuais, melhor nos apoderamos de recursos e estratégias capazes
286 UNIUBE

de direcionar nossa intenção ao nos comunicarmos. Assim, estaremos


aptos a "manejar" a língua conforme nosso interesse e a nos posicionar,
indubitavelmente, de forma crítica no mundo.

Esperamos que você, aluno(a), agora sinta­‑se apto(a) a escrever textos


considerando as sequências tipológicas em sua estruturação. Com cer-
teza, formalizado o conhecimento acerca da natureza dos enunciados
linguísticos que compõem os textos, você terá condições efetivas de
não somente descobrir a predominância de tipos de textos em gêneros
e sua implicação de sentido, mas também de aprimorar sua competência
comunicativa, no que tange à produção de "tipos relativamente estáveis
de enunciados" que regularizam as ações humanas em uma esfera de
comunicação específica.

Atividades

As atividades a seguir têm por objetivo levar você a repensar o conteúdo


deste capítulo. Para tanto, elas focarão a leitura e a escrita de tipos textuais.

Atividade 1

Leia o texto a seguir, retirado do livro de Marcuschi (2008, p. 156):

(1) Rio, 11/08/1991

­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑

(2) Amiga A.P.

Oi!

­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑
UNIUBE  287

(3) Para ser mais preciso estou no meu quarto, escrevendo na


escrivaninha, com um Micro System ligado na minha frente (bem alto,
por sinal).

­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑

(4) Está ligado na Manchete FM – ou rádio dos funks – eu adoro


funk, principalmente com passos marcados.

Aqui no Rio é o ritmo do momento… e você, gosta? Gosto também


de house e dance music, sou fascinado por discotecas! Sempre vou
à K.

­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑

(5) ontem mesmo (sexta­‑feira) eu fui e cheguei quase quatro horas


da madrugada.

­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑­‑

[…]

Agora, responda:

a) Qual o gênero de texto?

b) A qual esfera de comunicação ele pertence?

c) É um gênero com mais de um tipo de texto?


288 UNIUBE

d) Volte ao texto e, para cada segmento, indique a sequência textual


correspondente.

e) Houve predominância de algum tipo? Qual?

Atividade 2

Marque a opção da sequência tipológica predominante em cada gênero:

1. Conversa telefônica:

a) narrativo

b) injuntivo

c) expositivo­‑explicativo

d) descritivo

e) dialogal

f) argumentativo

2. Instruções de uso de um aparelho:

a) argumentativo

b) descritivo

c) dialogal

d) expositivo­‑explicativo

e) narrativo
UNIUBE  289

f) injuntivo

3. Discurso forense (no tribunal):

a) descritivo

b) dialogal

c) argumentativo

d) expositivo­‑explicativo

e) narrativo

f) injuntivo

4. Discurso político:

a) narrativo

b) descritivo

c) argumentativo

d) dialogal

e) injuntivo

f) expositivo­‑explicativo

5. Relatório de uma experiência:

a) argumentativo
290 UNIUBE

b) descritivo

c) narrativo

d) injuntivo

e) expositivo­‑explicativo

f) dialogal

Atividade 3

Pense em gêneros cuja sequência injuntiva predomine. Escreva o nome


de todos que você puder. A seguir, escolha um desses nomes e produza
o gênero.

Referências

ADAM, Jean­‑Michel. A linguística textual: introdução à análise textual dos


discursos. São Paulo: Cortez, 2008.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo:


Martins Fontes, 1997, 2003.

BRONCKART. J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um


interacionismo sociodiscursivo. Trad. de Anna Raquel Machado e Péricles Cunha.
São Paulo: Educ, 2003. p. 113­‑248.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

PRATA, Mário. 100 Crônicas. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997.


UNIUBE  291
QUEIROZ, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Nobel, 2009.

RODRIGUES, Rosângela Hummes. A constituição e o funcionamento do gênero


jornalístico artigo: cronotopo e dialogismo. 2001. 347f. Tese (Doutorado em
Linguística Aplicada). São Paulo: Pontíficia Universidade Católica de São Paulo,
2001.

TRAVAGLIA, L. C. Das relações possíveis entre tipos na composição de gêneros


In: 4º Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais (IV SIGET), 2007,
Tubarão­‑SC. Anais [do] 4º Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais
(4º SIGET). Tubarão: Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul, 2007. v.1. p.
1297­‑1306.
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Anotações
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