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João Edson Oliveira Queiroz


Coordenação Editorial:
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Rosilene Souza
Desenvolvimento:
Vivianne Alves de Sousa

Edições Shalom
Estrada de
de Aquiraz - Lagoa d
Lagoa doo Junco
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fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
 permissão
 permissão escrita da Editora.
Editora.

ISBN: 978-85-7784-215-5
1° Edição: 2017
© EDIÇÕES SHALOM, Aquiraz, Brasil, 2017.

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 Apresentação
 Apresentaçã o

A Edições Shalom, fiel à sua missão de evangelização e formação, lança agora, em


2018, uma nova coleção de livros que propõe ser, de forma dinâmica, didática e atual,
uma resposta para o homem católico que busca conteúdo formativo consistente e
acessível, escrito de forma clara e objetiva, sem cair no pecado da superficialidade nem
da pressa na abordagem.
Trata-se da coleção “COMO”, um novo posicionamento editorial para responder a
um mundo que passa por profundas transformações culturais. O objetivo é tornar o leitor 
 protagoni
 protagonista
sta de sua própria
própria históri
história,
a, capaz de soluci
solucionar
onar,, à luz do conhecimento
conhecimento do
Evangelho e da graça de Deus, seus desafios de caminhada e conversão na Igreja, sem
 perder nunca o link com a vida
vida concreta, na qual a graça divi
divina
na atua.
Desta nova coleção constam alguns temas muito interessantes: “Como fazer uma
 pregação”,
 pregação”, “Como superar crises nos relacio
relacionamentos”,
namentos”, “Como transformar a dor em
amor”, dentre outros.
Fique atento às novidades! Com certeza, COMO nos pede nossa missão, estaremos
 preparando cada vez mais conteúdos que o ajude a COMO viver melhor
melhor sua fé.

Carmadélio Sousa
Professor de História, Colaborador da Assistência
de Formação da Comunidade Católica Shalom

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Introdução

Em 2014, a Edições Shalom publicou o livro Servos da Palavra: Como fazer uma
regação. Confesso que o resultado positivo me surpreendeu bastante. Recebi inúmeros
feedbacks de irmãos de todo o Brasil. Estes irmãos testemunham que as instruções
 presentes naquele
naquele livro
ivro elevaram
elevaram seu serviço
serviço como pregadores
pregadores a um novo patamar de
qualidade, com muito mais frutos na vida do povo de Deus. Junto com os elogios, recebi
também críticas preciosas, as quais procurei acolher diligentemente.
Enquanto refletia sobre como melhorar o livro Servos da Palavra para uma possível
nova edição, recebi outro convite da Edições Shalom para contribuir com mais uma
coleção de obras, com temáticas variadas. A mim, coube a missão de escrever outro livro
sobre o ministério da pregação. Reconheci de imediato nesse convite, uma oportunidade
de levar até você, querido irmão, uma abordagem melhorada, mais enxuta, mais didática
do tema da pregação.
 Nunca podemos negneglligenci
igenciar
ar o serviço
serviço da Palavra em nossas comunidades, pastorais,
movimentos ou grupos de oração. “A fé vem da pregação e a pregação se faz pela
 palavra
 palavra de Cristo.”
Cristo.” (Rm 10,17). Os pregadores
pregadores são os grandes animadores
animadores do povo de
Deus, intérpretes da vontade do Senhor, ajudando as pessoas a lerem os sinais da
 presença de Deus em suas vidas.
O livro Como fazer uma pregação  divide-se em quatro capítulos, que dão conta do
tema da forma mais prática e didática possível, para facilitar ao máximo o estudo e a
absorção do seu conteúdo. Porém, advirto que há muitas coisas acerca do serviço da
 pregação
 pregação que só entendemos quando pregamos. A alma da pregação
pregação é a docil
docilidade ao
Espírito Santo, e isso só se aprende por meio do exercício da oração, no encontro
cotidiano com Deus, na sua Palavra.
Você não encontrará nestas páginas uma fórmula mágica, que o transformará da noite
 para o dia
dia num pregador
pregador vibrante. Mas prometo que encontrará indicações
indicações seguras, fruto
não só da minha experiência, mas também de muitos outros pregadores mais abalizados.
Leia atentamente, reze com este material. Eu tenho certeza de que você irá testemunhar 
em pouco tempo como seu desempenho de ministro da Palavra melhorou. Deus abençoe
seu serviço! “Ide pelo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

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5
"A fé vem da pregação e a pregação se faz
pela palavra de Cristo."
(Rm 10, 17)

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Qual a identidade
do pregador?

7
Qual a identidade do pregador?

As perguntas mais simples são as que nos levam mais longe e viabilizam respostas
mais acertadas. Quem é o pregador? Essa questão nos remete a algo muito importante: a
identidade do pregador. É fundamental que o pregador tenha, de forma clara, noção da
 própria
 própria identidade,
dentidade, quem eleele é para si, si, seu valor
valor como pessoa, sua históri
história,
a,
 personali
 personalidade, temperamento, virtudes
virtudes e fraquezas. Veremos adi
a diante
ante que Deus dispõe da
 pessoa do pregador
pregador como um todo: sua inteli
nteligência,
ência, memória, voz, corpo. Mas também
de sua personalidade e identidade. E são todos esses elementos juntos que darão à sua
 pregação
 pregação um traço orig
original.
nal.
As perguntas mais simples são as que nos levam mais longe e vi via bil
 bilizam respostas
mais acertadas. Quem é o pregador? Essa questão nos remete a algo muito importante: a
identidade do pregador. É fundamental que o pregador tenha , de forma clara, noção da
 própria
 própria identidade,
dentidade, quem eleele é  para si,si, seu valor
valor como pessoa, sua histórihistória,
a,
 personali
 personalidade, temperamento, virtudes
virtudes e fraquezas. Veremos adi
a diante
ante que Deus dispõe da
 pessoa do pregador
pregador como um todo: sua inteli
nteligência,
ência, memória, voz, corpo. Mas também
de sua personalidade e identidade. E são todos esses elementos juntos que darão à sua
 pregação
 pregação um traço orig
original.
nal.
Quem já viu Moysés Azevedo 1 ministrar a Palavra certamente notou o tom solene e
ao mesmo tempo efusivo do seu jeito de pregar, ou Emmir Nogueira 2, com sua forma
simples, profunda, criativa, por vezes com um modo quase professoral. Poderíamos
mencionar tantos outros como: Padre Jonas Abib 3, o inesquecível Padre Léo 4, Frei
Raniero Cantalamessa5. Esses irmãos são tão bem sucedidos nos seus ministérios,
obviamente pela graça e eleição de Deus, mas também porque souberam colocar a
riqueza e o dom próprio que eles são a serviço da Palavra.
Existem pessoas mais sérias e introvertidas, outras mais brincalhonas e de sorriso
fácil. Uns conseguem contar piadas, anunciando o Evangelho de forma alegre e
descontraída; outros narram acontecimentos de forma a mexer com a emoção dos
ouvintes. Cada personalidade tem seus pontos fortes e fracos. Cabe ao pregador saber 
dispor de si de forma criativa, de modo a extrair da própria personalidade toda riqueza
que ela dispõe.
Quando iniciamos um ministério, precisamos de referências. Isso é normal. Porém,
as referências devem ir aos poucos nos ajudando a descobrir o nosso modo de pregar,
que leva em conta nosso jeito de ser, temperamento, sensibilidade, tudo o que somos
como pessoas únicas. É constrangedor quando encontramos pregadores que parecem
cópias de outros. Este pode passar por ridículo, sobretudo quando o pregador que
 procura imitar
mitar é alguém
alguém muito
muito conhecido,
conhecido, o que normalmente
normalmente acontece. Tudo que não é
autêntico não inspira credibilidade. É melhor pregar sem causar grandes impressões, mas

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sendo você mesmo, do que ser um cover de alguém. Acredite: uma hora a máscara cai.
ão precisamos ser cópias de ninguém. Ilude-se quem pensa que o povo não nota. As
 pessoas sentem cheiro de falta de autenticidade.
autenticidade.
O pregador que não se conhece corre todos esses perigos. Mas arrisca também
desviar-se da própria missão, atitude típica de quem não se conhece. Outro risco também
é enveredar pelos caminhos da autoafirmação, da vaidade, do orgulho, servindo-se da
Palavra, ao invés de ser servo da Palavra.
Lendo sobre a vida dos santos, constatamos, entre outras coisas, que todos sabiam
muito bem de que pó eram feitos, conheciam bem as próprias fraquezas e virtudes. Essa
consciência de si foi fundamental para que cumprissem o projeto de Deus em suas vidas.
Tendo, portanto, em vista, a seriedade com que devemos levar a cabo a tarefa de nos
conhecermos e cumprirmos bem a missão, vamos falar sobre a identidade do pregador e,
consequentemente, sua missão.
missão.
É um ser humano

Muitos grandes teólogos, cada um a seu modo, entenderam que ser pessoa é ter uma
missão e um papel a cumprir, de modo que a pessoa funda a missão e a missão realiza a
 pessoa. Nosso ser,
ser, em boa medida,
medida, está em compasso com o nosso fazer
faz er,, e nossa pessoa
é forjada na medida de nossa missão. Disso decorre que só descobre sua pessoa quem
descobre sua missão. E somente realiza sua autonomia no mundo quem leva a cabo o
encargo que recebeu. Deus confiou a realização do seu plano no mundo ao homem, pois
confia nele e dele espera sua concretização.
Ser pessoa, ser humano, ser gente confere a nós uma imensa dignidade. Somos as
únicas criaturas que Deus criou à sua imagem e semelhança. Não se dando por satisfeito
em suas “loucuras de amor”, assumiu nossa humanidade, para nos libertar do pecado,
mas também para se unir a nós, tornando-nos “como Ele”, não por natureza, mas por 
 particip
 participação
ação na sua própria divi
divindade,
ndade, como nos ensina o grande
grande São João da Cruz.
Criado à imagem de Deus, coroa da criação, dotado de beleza e dignidade, esse é o
homem. Contudo, essa verdade não anula sua condição de criatura, fraca, limitada e
 pecadora. É importante abraçar esse entendimento com todas as suas consequências.
consequências. Ser 
humano significa que, como todos os outros, eu também fui “mordido” pelo pecado,
trago também em mim as consequências negativas resultantes da queda dos nossos
 primeiros
 primeiros pais
pais no paraíso. (Cf. Gn 16).
Essa consciência de fraqueza não é para ficarmos despreocupados no pecado e
arrefecidos na luta pela santidade, presos a um fatalismo, mas para nos fazer humildes,
vigilantes e misericordiosos com os outros. O pregador deve ser um modelo, não de
 perfeição,
 perfeição, (só Deus é perfeito),
perfeito), mas de luta pela
pela santidade,
santidade, de busca sincera
sincera pela
pela
coerência de vida, de modo que possa dizer como Paulo:   “Já não sou eu quem vivo,
mas Cristo que vive em mim”  (Gl 2,20). Ou ainda: “Sejam meus imitadores, como eu

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Cri sto” (1Cor 11,1).
 sou de Cristo”
Dentro desse caminho de descoberta da própria humanidade, faz-se necessário para a
formação de um bom pregador, trilhar com seriedade um caminho de autoconhecimento,
aprofundando a compreensão dos níveis de autoidentificação (corporal, psíquico e
ontológico), no sentido de descobrir seu valor como pessoa.
Valorizar-se ou desvalorizar-se pelo corpo que se tem (nível corporal) é muito
 perig
 perigoso e é uma valoração
valoração frágil
frágil, pois
pois somos muito
muito mais
mais que nosso corpo. O mesmo
equívoco, numa outra dimensão, comete quem se valoriza pelas capacidades intelectuais
(nível psíquico): inteligência, trabalho, criatividade, etc.
Se devemos nos valorizar por algo, que seja num nível mais profundo (ontológico),
aquilo que somos. Nosso corpo inevitavelmente mudará com o tempo ou com as
circunstâncias da vida; cedo ou tarde nossas capacidades de trabalho, de produção, vão
diminuir. Porém, nosso valor ontológico, aquilo que somos, jamais passará.
Portanto, não podemos, como pregadores, nos colocar como super-heróis ou
semideuses, como se não tivéssemos necessidades ou fragilidades como os demais
mortais. Devemos, ao contrário, nos apresentar como pessoas que amam a Deus e que,
apesar de sua condição humana, pecadora, procuram, com a graça de Deus, superar-se a
cada dia. Normalmente um pregador inconsistente é também um cristão inconsistente e
um ser humano mais inconsistente ainda.
A solução para essas inconsistências de base é uma conversão integral, permitir que
Deus visite todas as áreas da vida. Tudo que diz respeito ao homem é objeto das
 preocupações de Deus. P or isso deix
deixemos Deus ordenar,
ordenar, purifi
purificar,
car, curar e redimi
redimirr todas
as áreas do nosso ser. Se nos tornarmos bons seres humanos, já teremos toda a matéria-
 prima
 prima necessária
necessária para que a graça de Deus possa fazer de nós bons cristãos
cristãos e bons
 pregadores.
 pregadores.
Caso contrário, correremos o risco de tornarmo-nos pregadores “aleluiados”, ou seja,
com muito espírito e pouca carne. E não foi isso que Deus pensou ao criar o homem.
Esse trabalho humano-espiritual tem em vista a formação de pessoas maduras,
integradas, não para serem independentes de Deus, como se a graça pudesse ser 
substituída por nossa personalidade madura, mas para sermos mais dependentes,
rendidos, diante de nosso Deus e Senhor.
 Alguém
 Alguém chamado
ch amado por
por Deus

Vamos prosseguindo com nossa meditação, sempre em busca da identidade e da


missão do pregador. Seria uma tarefa impossível definir o pregador em uma palavra.
Poderíamos cair fatalmente em reducionismos. Assim, vamos explorando diferentes
aspectos da fisionomia do pregador, aproximando-nos gradativamente de sua identidade e
missão.

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O pregador não é alguém que possui uma bela voz simplesmente, embora isso tenha
o seu valor; não é alguém que possui um vasto conhecimento e uma grande inteligência,
embora isso também seja importante; tampouco se define de forma absoluta como sendo
alguém que domina muito bem a arte de falar, ou que tenha uma aparência
hollywoodiana.
O pregador é um ser humano que foi eleito, chamado por Deus, para cumprir a
missão de pregar o Evangelho. Deus, segundo seus critérios de amor, pode chamar os
mais diversos tipos de pessoas para essa missão, seja o pai ou a mãe de família, o jovem,
o idoso, a freira. Antes do Concílio Vaticano II, apenas sacerdotes e grandes exegetas e
teólogos estavam habilitados a pregar. Após o Concílio, também os leigos foram
vivamente encorajados a assumir o seu lugar na Igreja, também no serviço da Palavra.
Os frutos desse envio missionário do Espírito feito aos leigos pela Igreja foram tão
abundantes que seria impossível fazer uma estatística mais detalhada. Sendo o Espírito
Santo tão dinâmico, seria o mesmo que fazer um mapa das dunas de um deserto. Em
comunhão com o Magistério da Igreja, somos eleitos por Deus para pregar com
desassombro a Palavra do Senhor. Assim diz o profeta Jeremias:
 Foi-me dirigida
diri gida nestes termos a palavra do Senhor: ‘Antes que no seio fosses
ormado, eu já te conhecia; antes do teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te
havia designado profeta das nações’. E eu respondi: ‘Ah! Senhor Javé, eu nem sei
alar, pois que sou apenas uma criança!’ Replicou, porém, o Senhor: ‘Não digas: Sou
apenas uma criança!’. Porquanto irás procurar todos aqueles aos quais te enviar, e a
eles dirás o que eu te ordenar. Não deverás temê-los porque estarei contigo para
livrar-te, oráculo do Senhor.’
Senhor.’ (Jr 1,4-8)
Deus enfatiza a vocação do profeta Jeremias. Isso é muito importante, porque muitas
vezes os desafios, perseguições, humilhações e os bloqueios que podemos encontrar pela
frente no exercício desse serviço podem comprometer o bom fruto e a eficácia do
anúncio. Daí a importância da consciência da eleição. Há momentos no caminho de
qualquer eleito em que parece faltar o chão debaixo dos pés, e tudo toma as cores da
incerteza, e a nuvem da dúvida cobre o sol da vida. Nesse momento ou em qualquer 
outro mais difícil, sempre restará a voz que nos chamou e enviou. Ela continua ali, viva,
forte e vigorosa.
A consciência da eleição nos fará perseverar, mesmo quando tudo parecer sem
sentido, ou quando nos virmos mergulhados em fraquezas e pecados. Torna-se libertador 
lembrarmos dessa realidade: Não fomos nós quem nos constituímos pregadores do
Evangelho, mas Deus, por meio da sua Igreja. Daí a importância de sermos enviados
sempre, e assim fazermos a experiência de sentir que não estamos em nossas mãos, mas
nas mãos do Espírito e da Igreja.
Quando me encontro inseguro, diante de alguma assembleia para pregar, encorajo-me
 pensando: Deus poderia ter eleito
eleito alguém
alguém mais bonito,
bonito, com uma voz mais
mais agradável,
agradável, um

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vocabulário mais elegante. Mas Ele escolheu a mim. Normalmente, essa reflexão é o
suficiente para encher-me de coragem no cumprimento de minha missão. Não estou ali
diante daquele povo, no meu nome, para anunciar a mim mesmo, mas a Jesus Cristo
vivo.
A consciência do próprio nada frente ao chamado de Deus é sumamente importante e
necessária. Porém, se ela não nos conduz a um abandono em Suas mãos, a uma
confiança absoluta no Seu poder que age por meio de nossa pobreza, essa consciência é
maldita. É maldita porque nos paralisa na nossa zona de conforto, fechando-nos à graça
de Deus.
Um dos frutos do saber-se eleito é a simplicidade. Atenção! Ser simples e não
simplório. Muitas vezes confundimos simplicidade, humildade com timidez e
insegurança. Outras vezes achamos que ser simples é falar baixinho, encolhidos, como se
estivéssemos com medo de tudo e de todos. Uma linguagem marcada pela simplicidade
evangélica, nada mais é do que se fazer entender. Jesus tocava os corações também
 porque se fazia entender.
entender. Quando o pregador
pregador tem consciênci
consciênciaa do que anuncia, se esforça
 para viver
viver o que prega, fala
fala com propriedade.
propriedade. Seu discurso
discurso fica claro, enx
enxuto
uto e
convincente.
Todo pregador é chamado por Deus. Contudo, alguns são eleitos por Deus para se
consagrarem integralmente a serviço da Palavra, pelo tempo que Deus quiser e a Igreja
confirmar; outros são, por assim dizer, pregadores circunstanciais. Não se sentem
vocacionados a uma dedicação integral a esse serviço, porém, por força das
circunstâncias se veem obrigados a se dispor. Esses também sentem-se revestidos da
autoridade de Deus, que, na sua prodigalidade, garante uma graça atual, para que possam
cumprir bem sua missão.
 Vida de oração
Um pregador do Evangelho é um porta-voz de Deus. Quero dizer que ele empresta
sua voz para
pa ra o Senhor.
Senh or. Você emprestar
em prestaria
ia algo
algo tão íntimo e comprometedor
comprome tedor a um
desconhecido? Provavelmente não. O pregador é alguém que conhece a Deus e se sabe
amado por Ele. Conhece não de ouvir falar ou por ter lido num livro, mas porque
experimentou. Além disso, o bom pregador sabe que Deus e a experiência com Ele são a
origem e o fundamento do seu ministério.
Podemos constatar na vida dos grandes homens e mulheres das Sagradas Escrituras e
da história da Igreja que a experiência com o Senhor foi o ponto de partida, a via a ser 
 percorrida
 percorrida e o fim de sua existênci
existência.
a. Na vida
vida do grande apóstolo
apóstolo P aulo,
aulo, por exemplo,
exemplo,
 podemos ver que, ao longo
longo do seu árduo caminho de resposta a Deus, ele faz, por várias
vezes, alusão à experiência de Damasco. Algumas vezes, ele o faz para convencer seus
interlocutores da autenticidade do seu chamado, de como vira o Senhor e ouvira Sua voz
(Cf. At 9,1-18 ); outras vezes simplesmente para fazer memória da sua história de
salvação pessoal, exercício fecundo cujos frutos são a fé, a esperança e a caridade (Cf.

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At 22,1-15).
22, 1-15).
Cada vez que Paulo fazia memória dos feitos de Deus, de Sua voz e seu olhar 
inconfundíveis, ocorridos na sacra estrada de Damasco, parecia refazer-se como homem,
como cristão, como apóstolo do Senhor (Cf. Gl 1,12-15).
Como Paulo, também nós devemos renovar nossa “experiência de Damasco”. Onde
exatamente se dá essa experiência? Na oração, na adoração ao Santíssimo Sacramento,
no estudo e meditação da Palavra. Seja qual for o estágio em que nos encontremos,
devemos renovar quantas vezes for preciso a experiência daquele homem do Evangelho
que encontrou um tesouro no campo. Experimentar de novo a alegria do bem
encontrado, do vender tudo, do bom negócio, o melhor negócio que alguém poderia
fazer (Cf. Mt 13,44-46).
É importante salientar que reencontrar um tesouro perdido no campo é muito mais
do que encontrar um grande ideal, uma missão, uma função ou simplesmente um lugar 
na Igreja. Também não é achar uma regra para se viver. Mas é, antes de tudo, encontrar 
uma Pessoa, conformar-se a ela, viver com ela. É encontrar Jesus, princípio e fim de
toda vocação cristã.
cristã.
Para uns, Deus é um  shopping center   onde tudo que se procura acha. Outros
transformam Deus numa espécie de secretário particular que resolve todos os seus
“pepinos” e descasca todos os seus “abacaxis”. Tudo isso vai gerando no povo uma
confusão imensa acerca da Pessoa Divina, pois acabam no final das contas pregando um
ídolo, e não o Deus verdadeiro. Essa é uma das razões pelas quais o pregador deve ser 
íntimo de Deus. Deve conhecê-lo, ser amigo dele.
Toda ousadia, unção, autoridade espiritual presentes no exercício do ministério
 brotam dessa experi
experiência
ência pessoal com o Senhor Jesus. A palavpalavra
ra grega
grega  parresia
 parresia  significa
ousadia. Porém, se formos fazer uma investigação mais profunda do sentido dessa
 palavra,
 palavra, veremos
verem os que, no fundo,  parresia
 parresia  significa certeza de ser amado.
O pregador é um conhecedor dos segredos do coração de Deus, que lhe confia a sua
mensagem. Isso, porém, não acontece sem intimidade. A compaixão, a caridade, a
 bondade que o mini
ministro
stro do Senhor transmite
transmite no exercício
exercício de sua missão
missão brotam dessa
experiência de comunhão com Deus.
Deus deve ser a eterna novidade na vida de qualquer pregador. Do contrário, este
anunciará uma figura histórica simplesmente, e não uma Pessoa viva. Dirá que Jesus
curou, e não que continua
continua curando. O maior obstáculo
obstáculo em convencer alguém
alguém de qualquer 
qualquer 
coisa é a falta de convicção de quem procura convencer. Leia atentamente a seguinte
 passagem:
 passagem:
O Senhor Deus deu-me a língua de discípulo, para que eu saiba reconfortar pela
alavra o que está abatido. Cada manhã ele desperta meus ouvidos, para que eu escute
como discípulo. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não relutei. (Is 50,4-5)

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Essa passagem de Isaías deveria estar não só na ponta da língua, mas no coração e
na vida de nós, pregadores. O pregador deve ter a língua “afiada”, no bom sentido. O fio
da língua é resultado do que é capitado pelos ouvidos e ruminado no coração. Ele sabe
quem é o Senhor, pois fala com Ele todos os dias, encontra-se com Ele na Palavra e na
Eucaristia, além disso, consegue descrever para quem o ouve a verdadeira fisionomia do
Senhor, pois ele mesmo se entretém com Ele diariamente.
Como é bom ouvir aquele pregador que sempre tem algo novo e inusitado da parte
do Senhor! É criativo, sem ser leviano; ousado, sem ser inconveniente. Isso brota de
onde? Da vida de oração. Para falar de Deus e das coisas de Deus, é preciso aprender a
falar com Deus.
 Nós, pregadores,
pregadores, temos um péssimo
péssimo hábito:
hábito: falamos
falamos demais e ouvimos
ouvimos pouco. Ser 
íntimo de Deus significa também saber ouvi-lo. Do contrário, seremos como crianças
“mal-ouvidas”, a quem a mãe chama e diz: “Filho, vai até a mercearia e compre isso... e
mais isso...” Antes de a mãe terminar de falar, o garoto já sai correndo. Ao chegar à
mercearia, põe a mão na testa e diz: “E agora? Não me lembro o que mamãe pediu”.
Antes de falar, aprendamos a ouvir.
 Na oração, o pregador vai descobrindo
descobrindo que existe
existe uma dor no coração de Deus. Essa
dor é causada pela ausência do homem, que desconhece Seu amor. Essa dor de Deus é
compartilhada com o pregador na oração. Assim, o Servo da Palavra também sofre por 
saber que há tantos homens, mulheres, crianças, jovens, idosos que não conhecem a
Deus.
Testemunha convincente

Houve um tempo em que as pessoas se contentavam em ouvir falar de Jesus. Hoje


as pessoas querem ver Jesus. Se queimássemos todos os livros sagrados, todos os
exemplares dos Evangelhos, mas sobrasse um único cristão autêntico, a Palavra de Deus
 poderia
 poderia ser escrita
escrita novamente, dizi
diziaa um Santo. Não muito
muito diferente
diferente disso,
disso, mas com a
lucidez que lhe era própria, Santa Teresa de Calcutá dizia: “Antes de fazer qualquer 
coisa, lembre-se de que você pode ser o único Evangelho que seu irmão vai ler”.
O pregador deve buscar em Deus a graça de ser uma testemunha convincente. Ter 
coerência de vida, assemelhar-se cada vez mais a Jesus. Estar sempre em busca de uma
integridade de coração, consciente de que não está pronto, portando-se como alguém em
 processo, colocando-se
colocando-se ao lado dos seus ouvintes,
ouvintes, como um companheiro
companheiro de jornada.
Como dizia São Paulo: “Fiz-me fraco com os fracos, a fim de ganhar os fracos” (1Cor 
9,22).
Colocar-nos como “fracos” diante da assembleia não tiraria nossa autoridade? De
modo algum! Longe de tirar nossa autoridade, tal atitude fortaleceria ainda mais nossa
autoridade e daria propriedade para nos dirigir ao povo. O que é transparente e
verdadeiro inspira credibilidade. O povo se identifica com o pregador e se torna mais

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receptivo.
Um pregador honesto, coerente mostra que a santidade é acessível a todos. Não
 porque a medida
medida da santidade
santidade foi atenuada pelo testemunho frágil
frágil e limit
limitado
ado do pregador,
pregador,
mas porque o pregador conseguiu comunicar uma refinada verdade: Cristo é o modelo e
a medida, não ele.
O pregador é modelo de busca sincera pela santidade. Assim diz o Papa Francisco:
“Não nos é pedido que sejamos imaculados, mas que não cessemos de melhorar,
vivamos o desejo profundo de progredir no caminho do Evangelho, e não deixemos
cair os braços. Indispensável é que o pregador esteja seguro de que Deus o ama, de
que Jesus Cristo o salvou, que o seu amor tem sempre a última palavra”.6 
Quando falamos de coerência e honestidade, não queremos dizer que o pregador 
deva pecar diante de todos, como que querendo dar uma prova de que é pecador. Claro
que não. Seria um absurdo. Basta-lhe a consciência de que, se não fosse a graça
admirável de Deus, ele estaria perdido. Contudo, coloque-se o pregador diante do povo
como alguém que também sofre, chora, cansa, que tem momentos de desânimo, que
também cai. Mas ainda como alguém que diariamente suplica a graça de Deus para
continuar buscando a santidade. Cristo precisa chegar e nos encontrar buscando essa
santidade.
Essa tem sido não só a minha experiência, mas a de muitos pregadores que conheço.
ossa fraqueza não é um empecilho à missão, como algo que precisamos esconder a
todo custo, mas uma poderosa oportunidade de mostrar às pessoas que Deus pode fazer 
maravilhas através de pessoas comuns, frágeis, como quaisquer outras. Um bom
conselho é desenvolver uma santa discrição, uma modéstia espiritual, que nos faça
 priori
 priorizar
zar na pregação
pregação o que dará mais glória
ória a Deus, de modo que Ele Ele cresça e nós
diminuamos. Com essa santa discrição, o povo será atraído para Deus e não para nós.
Pessoa de discern
discernimento
imento espiritual
espiritual

Vivemos na era da globalização, da internet veloz, da comunicação em tempo real.


Com um click   no mouse do nosso computador, ou na tela do  smartphone, somos
expostos a uma avalanche de informação, que nossos avós gastariam uma vida inteira
 para obter.
obter. Receitas de bolos,
bolos, doces e chás antes eram procuradas junto a sabedoria
sabedoria
acumulada da vovó que, por sua vez, sentia-se um livro de receitas ambulante. Hoje as
gostosas consultas à vovó foram substituídas pela rápida, fria e prática pesquisa nos sites
especializados.
Seria injusto não reconhecer os inúmeros benefícios dessa globalização viabilizada
 pela
 pela tecnolog
tecnologiia. Ela
Ela torna possível todo um intercâmbio
ntercâmbio cultural
cultural entre os povos da terra,
democratizando o conhecimento, dando acesso a informações úteis à manutenção da
vida, dom de Deus.

15
Contudo, não podemos ser ingênuos, pois nesse grande areópago 7  moderno, nem
sempre é fácil separar o joio do trigo. Junto com coisas boas e edificantes, esse
intercâmbio global traz coisas terríveis.
Os pais e educadores fazem verdadeiros contorcionismos para proteger, pelo menos
em parte, as crianças e os jovens.
 Nunca houve, na históri
históriaa da humanidade
humanidade e da Igreja,
Igreja, um período no qual o
discernimento fosse tão necessário. Pode-se dizer que nem no período das grandes
heresias cristãs o discernimento pessoal tenha sido tão indispensável como hoje. Com a
invenção da imprensa, depois o telégrafo, o telefone, a rádio, a TV e a internet, as ideias
são como que jogadas no ventilador, circulam com uma velocidade impressionante. Um
atentado terrorista na Europa, por exemplo, é noticiado no mundo todo em menos de
cinco minutos.
Esse boom  tecnológico e midiático nos faz conjecturar algumas coisas. Primeiro:
estamos expostos a mais informações do que podemos suportar. Nosso cérebro não foi
feito para funcionar na velocidade com que as coisas chegam até nós.
Sofremos hoje de uma espécie de “má-digestão mental”. Não conseguimos
 processar,
 processar, digeri
digerirr as coisas,
coisas, na velocidade
velocidade em que são notici
noticiadas.
adas. Discerni
Discernirr num contexto
contexto
desse seria o mesmo que “trocar o pneu com o carro andando”, ou “trancar a gaveta e
deixar a chave dentro.” Discernir exige distensão do espírito, exige reflexão,
interiorização. Porém, como fazer isso se somos atropelados por todos os lados e o
tempo todo? As ideias e informações se difundem rápido e em grande quantidade.
Contudo, tenhamos claro: quanto mais ideias e informações são veiculadas, maior a
necessidade de discernimento.
A revolução industrial potencializou a capacidade de difusão de ideias. As notícias e o
conhecimento circulavam com uma intensidade nunca vista antes. Essas ideias mudaram
até mesmo as fronteiras da Europa realizando uma metamorfose geopolítica no velho
mundo. Famílias reais centenárias foram derrubadas. Não podemos subestimar o poder 
das ideias. Elas têm a energia necessária para construir e para destruir, mudar o curso das
coisas, quebrar a segurança do previsível e abrir horizontes novos, para o bem ou para o
mal.
Antes desses avanços tecnológicos, talvez, o Abade de um grande mosteiro sentia-se
tranquilo, acreditando que seus monges estavam bem protegidos do mundo atrás das
altas muralhas do mosteiro, no silêncio do claustro. Tudo que entrava e saía era
controlado pelo olhar vigilante do Abade. Hoje, porém, do seu  smartphone, um monge
 pode viajar pelo
pelo mundo, sem jamais sair do seu mosteiro, conhecer pessoas, trocar ideias
deias
e ampliar seus horizontes. O mesmo poderíamos dizer de nossas crianças e jovens. Tudo
aquilo o que tinham acesso era filtrado pelos pais e pelos educadores. Hoje a maioria de
nossos jovens está exposta a praticamente tudo o que o mundo virtual pode
 proporcionar
 proporcionar..

16
Diferente de outrora, informação e conhecimento são hoje dois dos direitos mais
 básicos
 básicos da pessoa humana, são o que lhe permite
permite orientar-se
orientar-se de forma segura
segura num
mundo onde tudo muda tão rápido. A questão é: estamos preparados para isso? Estamos
sendo educados para discernir ou ainda estamos como sombras, apenas repetindo o que
todo mundo faz de modo acrítico?
O pregador é chamado a ser o profeta do essencial no meio dessa revolução
tecnológica e cultural. Um farol que orienta e aponta para o absoluto, em meio ao mar do
efêmero e do transitório. Para isso faz-se necessário o discernimento espiritual. O
conteúdo do seu anúncio é condicionado também por aquilo que seus interlocutores já
trazem de vivências. É muito importante o pregador ler, estudar, porém sempre pedindo
a Deus visão e discernimento espiritual.
Ter visão e discernimento espiritual significa ter acesso aos segredos do coração de
Deus, mas também intuir o que os ouvintes trazem de experiências, de vivências. O
discernimento espiritual fará reconhecer os sinais dos tempos, ou seja, perceber nos
acontecimentos, no ambiente, num comportamento inusitado de alguém, a ação de Deus
e colocar tudo isso a serviço da pregação. Para agir assim, fazem-se necessários
acentuado senso de humor, imaginação fértil, boa dose de criatividade, mas,
 princi
 principal
palmente,
mente, discerni
discernimento
mento espiritual
espiritual..
A Palavra de Deus treina nossos sentidos, como diz o Papa Francisco: “No fundo, é
‘uma sensibilidade espiritual para saber ler nos acontecimentos a mensagem de Deus’,
e isto é muito mais do que encontrar algo interessante para dizer. Procura-se descobrir 
‘o que o Senhor tem a dizer nessas circunstâncias’. Então, a preparação da pregação
transforma-se num exercício de discernimento evangélico, no qual se procura
reconhecer - à luz do Espírito - um ‘apelo’ que Deus faz ressoar na própria situação
histórica”.8
A verdade é que quando vamos pregar, nunca sabemos o que vamos encontrar. Por 
mais que procuremos nos “inteirar” da necessidade do povo, só saberemos mesmo que
necessidade é essa na hora da pregação. Em todo caso, continua o Papa: “É possível 
artir de algum fato para que a Palavra possa repercutir fortemente no seu apelo à
conversão, à adoração, a atitudes concretas de fraternidade e serviço etc.”9  Importa
sabermos que, não obstante a prévia preparação, surpresas são inevitáveis. A graça,
 porém, sempre nos assiste,
assiste, dando-nos discerniment
discernimentoo espiritual
espiritual..
Filho
Filho da Igreja
Igrej a

Todo pregador, antes de ser pregador, é um cristão, batizado, filho da Igreja, membro
legítimo do corpo de Cristo. Sua missão de pregar foi-lhe confiada por Jesus, por 
intermédio da Igreja. O conteúdo do seu anúncio não é uma fé pessoal, intimista, ou uma
doutrina engenhosamente elaborada pela sua cabeça. Ele anuncia a fé da Igreja. Logo é
de suma importância que o pregador tenha uma fé esclarecida, fundamentada na Palavra

17
de Deus e no ensinamento da Igreja. Assim disse o então Cardeal Joseph Ratzinger na
sua homilia pronunciada na Missa  Pro
 Pro Eligendo Pontífice, celebrada no dia 18 de abril
de 2005:
“Não devemos permanecer crianças na fé, em estado de menoridade. E em que é
que consiste ser crianças na fé? Responde São Paulo: significa ser batidos pelas ondas
e levados ao sabor de qualquer vento de doutrina... (Ef 4,14). Uma descrição muito
atual! Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas
correntes ideológicas, quantos modos de pensamento... A pequena barca do
ensamento de muitos cristãos foi não raro agitada por estas ondas – lançada dum
extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até ao ponto de chegar à libertinagem;
do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso;
do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante.
Todos os dias nascem novas seitas e cumpre-se assim o que São Paulo disse sobre
o engano dos homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro (Cf. Ef 4,14). Ter 
uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, é frequentemente catalogado como
undamentalismo, ao passo que o relativismo, isto é, o deixar-se levar ao sabor de
qualquer vento de doutrina, aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais.
Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como
definitivo e que usa como critério último apenas o próprio ‘eu’ e os seus apetites.
 Nós, pelo contrário, temos um outro
outro critério:
critéri o: o Filho de Deus, o verdadeiro
verdadeiro
homem. É Ele a medida do verdadeiro humanismo. Não é ‘adulta’ uma fé que segue as
ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é antes uma fé profundamente
enraizada na amizade com Cristo. É essa amizade que se abre a tudo aquilo que é bom
e que nos dá o critério para discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, entre
engano e verdade.
 Devemos amadurecer
amadurecer essa fé adulta. A essa fé devemos guiar o rebanho de Cristo.
 E é esta fé – e somente a fé – que cria unidade e se realiza na caridade. Em contraste
com as contínuas peripécias daqueles que são como crianças batidas pelas ondas, São
 Paulo oferece-nos
oferece-nos a este propósito
propósito uma bela palavra: praticar a verdade
verdade na caridade,
como fórmula fundamental da existência cristã. Em Cristo, verdade e caridade
coincidem. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, assim também na nossa
vida, verdade e caridade se fundem. A caridade sem a verdade seria cega; a verdade
 sem a caridade
cari dade seria
seri a como um címbalo que tine
ti ne (1Cor 13,1).”
13, 1).”
A pregação é, em muitos casos, o canal que leva as pessoas a terem seu primeiro
contato com a fé. O pregador é um intérprete da fé, um jogral de Deus, como costumava
definir São Francisco de Assis. No ato de pregar, o ministro da Palavra torna-se um
 porta-voz do Altíssi
Altíssimo.
mo.
Se o pregador tem um pensamento confuso, interpretará a fé de modo confuso,
ambíguo. A confusão religiosa é como um vírus altamente contagioso que desnorteia o
homem, conduzindo-o pouco a pouco ao indiferentismo e ateísmo. A obediência

18
confiante à Igreja bem como a docilidade ao seu Magistério são antídotos contra esses
 possíveis
 possíveis desvios de fé.
O servo da Palavra deve estar atento ao que acontece no mundo, ler jornais, revistas,
estar “antenado”, como se costuma dizer. Mas deve ter igualmente sua inteligência bem
formada pela Palavra de Deus, documentos papais e das conferências episcopais. Seus
melhores amigos, além da Bíblia, devem ser o Catecismo da Igreja e o compêndio do
Concílio Vaticano II.
Todo intérprete sabe que a melhor forma de interpretar é conhecer bem quem deve
ser interpretado, seu pensamento, sua vida, fisionomia. O pregador é um intérprete de
Cristo e de sua mensagem, tal como é entendida na Igreja. A melhor interpretação se dá
quando o intérprete ama a personagem interpretada. Assim, o pregador deve amar Jesus,
amar a Igreja, amar sua fé, ao ponto de preferir morrer a renunciar um “j” da fé da
Igreja.
Servo da Palavra

 Não sei rezar


rez ar.. Exi
Existe uma técnica
técnica para rezar melhor?
melhor? Como sei que estou rezando?
Perguntas como essas enchem minha caixa de mensagens. Não raramente algumas
dessas questões ocupam um bom tempo da minha oração e reflexão pessoal. No fundo,
tais proposições apontam para alguns perigos reais na vida de oração. O que me dá
garantia de que estou me relacionando com Deus e não com os meus afetos e projeções?
Minhas experiências podem ser referência absoluta ou são duvidosas?
Essas e outras questões angustiam alguns irmãos, sobretudo os iniciantes na vida de
oração. E não nos iludamos, até mesmo alguns pregadores vivem esse dilema. A meu
ver, quem faz esse tipo de questionamento dá indícios de que está rezando. Neste caso, é
a própria prática da oração que o faz perceber a necessidade de uma âncora, que não o
deixe à deriva no vasto oceano da dispersão, que não o deixe sucumbir ante os assaltos
das paixões e dos afetos.
O pregador que chegou a esse grau de inquietação deu-se conta de que sua oração
corre riscos. Ela corre o risco de se desmontar como um corpo gelatinoso, se não lhe for 
dado uma coluna vertebral, ou melhor, um esqueleto, que dê suporte, sustentação a esse
edifício espiritual, que é a vida interior.
Esse suporte da vida de oração não é outra coisa senão a Palavra de Deus. Para que
a vida de intimidade com Deus não corra riscos, precisamos da Palavra, pois ela é o
 próprio
 próprio Cristo.
Cristo. Sem a Palavra, seríamos presas fáceis das miragens,
miragens, das projeções, dos
enganos e ilusões. Sem a Palavra de Deus, estaria propenso a ser íntimo não de Jesus
vivo e verdadeiro, mas de um bezerro de ouro (Cf. Êxodo 32.1,8).
 Não exi
existe conversão verdadeira
verdadeira a Jesus Cristo
Cristo nem oração autêntica
autêntica que não seja,
ao mesmo tempo, uma conversão à Palavra de Deus e uma vida no ritmo dessa Palavra.
ossas emoções, afetos, sentimentos, tudo isso é importante, é dom de Deus, porém eles

19
não são confiáveis. Uma vida de oração fundada nos sentimentos é, por assim dizer,
demasiadamente frágil, inconsistente. Não suportará o edifício da vida em Cristo. Os
sentimentos podem e devem fazer parte da minha vida de oração, mas a base, o
fundamento, é a Palavra de Deus.
Se meu relacionamento com a Palavra de Deus é frio, tíbio, se não há um esforço da
minha inteligência, da minha vontade no aprofundamento dela, toda a obra do Senhor 
fica comprometida e eu jamais serei um pregador vibrante. Algumas coisas devem ficar 
claras. Eu não vou para a oração pessoal para ter um encontro comigo mesmo, com
minhas questões, com meus afetos, com minhas feridas. Assim como não me coloco
diante de um povo para pregar a mim mesmo. O que me leva à oração é o desejo mais
 profundo da minha
minha alma de encontrar-me com Deus e, posteriormente,
posteriormente, anunciá-lo
anunciá-lo.. Com
isso, digo que o principal na oração é saber diante de quem eu estou. Todo conhecimento
é vão comparado a esse.
A oração de hoje talvez não me sustente amanhã. Preciso construir uma vida de
relação com Deus ritmada pela Palavra. (Cf. Isaías 50,4). Não é o orante que determina
a pauta do dia, o assunto a ser tratado com Deus na oração. Deus sabe muito melhor do
que eu o que deve ser levado em conta na oração. Minhas urgências são moderadas pelo
Senhor, não por mim. Uma vida de oração ritmada pela Palavra é uma vida determinada
 por Deus. Ele
Ele é o Senhor.
A Palavra é a interprete mais fiel do rosto de Deus. Ela treina os ouvidos do orante,
ao ponto de o rosto e a voz de Deus serem inconfundíveis para ele. Uma vida no ritmo
da Palavra é um caminho onde diariamente o próprio Senhor vai se revelando. Quem
ora, por sua vez, adquire familiaridade com esse rosto e com essa voz.
 No contato com a Palavra, o próprio
próprio Jesus nos expl
expliica as Escrituras,
Escrituras, tal como
explicou aos discípulos de Emaús. O Senhor abrasa nossos corações e abre nossa
inteligência para que compreendamos seus planos de amor (Cf. Lc 24,32).
Depois de ruminar a Palavra e nos alimentarmos dela, podemos dizer como Maria,
mãe de Jesus: “Faça-se em mim conforme a tua palavra” (Lc 1,38). Uma vez que toda
a Escritura é inspirada pelo Senhor, o homem pode, apoiado nela, ser formado na justiça,
corrigido, capacitado para toda boa obra (Cf.2Tm 3,16-17).
 Negl
 Negligenci
igenciar
ar nesse ponto é correr riscos
riscos seríssimos na vida
vida de oração
ora ção e na missão
missão de
 pregador
 pregador,, pois
pois todas as dimensões
dimensões de nossa pessoa e do nosso ministéri
ministérioo só poderão
crescer à estatura de Cristo mediante a oração e a escuta da Palavra.
O termo hebraico para “palavra” é dabar , que significa ação divina. Por isso vemos,
na história do povo de Deus, que não existe diferença entre o que Deus fala e o que
Deus faz. Deus fala agindo e age falando. A Palavra de Deus é criadora, renova a face da
Terra. Não volta sem realizar o efeito desejado pelo Senhor. (Cf. Isaías 55,10-12).
 Na oração, a P alavra
alavra de Deus vai transformando, curando, purificand
purificando.
o. Quem é
amigo de uma vida cômoda dificilmente conseguirá rezar com a Palavra. O confronto

20
com a Palavra é desinstalador. Ela tira-nos do conforto da mesmice e nos coloca em rota
de colisão com as mudanças. Ou me dobro às sugestões da Palavra ou não conseguirei
resistir às constantes novidades do Espírito.
Uma vida de oração ritmada pela Palavra esconde tesouros preciosos. Entre esses
tesouros, destacaríamos o crescimento substancial no amor a Deus. As Escrituras vão
como que alargando o coração de quem ora, capacitando-o a amar mais o Senhor à
medida que vai crescendo o conhecimento.
Além disso, a Palavra de Deus purifica os sentidos e as faculdades, forma a
inteligência, dando a quem reza um discernimento aguçadíssimo. Ele distingue
rapidamente o vil do precioso, o bom do melhor. Isso porque se torna familiar a tudo que
é divino. Por fim, a Palavra regada pela oração produz a virtude da fortaleza, que é um
escudo potente contra os fogos da vaidade e as investidas diabólicas.
A Igreja confessa, com toda a autoridade de sua tradição e confiança na revelação,
que o autor das Sagradas Escrituras é o Espírito Santo, que, obviamente, fez-se valer das
inúmeras culturas e contextos históricos e literários em que os textos sagrados foram
redigidos. Assim, as Sagradas Escrituras só podem ser lidas com o auxílio do mesmo
Espírito. Por isso, o pregador deve ser íntimo do Espírito Santo, que é o único que pode
dar o sentido espiritual das Escrituras.
O pregador procura a Palavra não para aderir pura e simplesmente ao pensamento de
Deus, ou à Sua doutrina, mas sim para aderir à Sua Pessoa. Por isso não há um encontro
com a Palavra que não me leve a um encontro com a Pessoa de Jesus, nem há um
encontro com a Pessoa de Jesus que não me leve a um mergulho na Palavra. Pessoa e
Palavra em se tratando de Deus constituem um único ser, o ser divino.
Com isso, fica claro que no contato com a Palavra se vive não simplesmente um
despertar ético, mas um encontro com a Pessoa viva de Jesus. Para isso indicamos como
exercício e instrumento um dos grandes patrimônios espirituais da Igreja: a  Lectio
 Divi na10.
 Divina
Ungido pelo Espírito Santo

O pregador, como já vimos, é o servo da Palavra. Não de uma palavra humana, mas
divina. A Palavra de Deus foi inspirada pelo Espírito Santo, e só o Espírito Santo pode
dar a interpretação espiritual dos textos sagrados. Assim, é correto afirmar que o
 pregador
 pregador deve ser íntimo tanto da P alavra
alavra quanto do Espírito Santo. A diferença
diferença entre os
 bons e maus pregadores
pregadores está aqui. Assim
Assim diz o querido Papa Francisco:
Francisco:
“A confiança no Espírito Santo que atua na pregação não é meramente passiva,
mas ativa e criativa. Implica oferecer-se como instrumento (Cf. Rm 12,1), com todas
as próprias capacidades, para que possam ser utilizadas por Deus. Um pregador que
não se prepara não é espiritual: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que

21
recebeu”.11
Palavras encorajadoras, mas ao mesmo tempo firmes e duras do Santo Padre. O
Espírito protagoniza, com o pregador, a missão de pregar. Ele convence os corações,
capacitando-os a aderir à proposta de Jesus. Porém, a graça não quer agir sobre o nada,
mas sobre alguém. É importante que o ministro da Palavra apresente uma matéria para o
Espírito agir. Que matéria é essa? Tempo reservado à oração, à leitura dos textos bíblicos
e, sobretudo, um coração rendido a Deus.
“Que pregação ungida!”. Quem de nós nunca ouviu expressões como essa, sobretudo
entre os movimentos e comunidades oriundos da Renovação Carismática Católica?
Todos nós, provavelmente, já vimos diversas vezes Deus usar alguém – podendo esse
alguém ser nós mesmos – de modo extraordinário.
Pelos efeitos e frutos dessa ação do Espírito fica claro para todos que o poder 
expresso no exercício desse determinado serviço transcende e muito as capacidades
humanas. Normalmente, a grosso modo, chamamos esse poder de unção.
Unção espiritual é a capacidade dada por Deus a todos os batizados, “pois para vós
é a promessa, assim como para vossos filhos, e para todos aqueles que estão longe”
(At 2,39). A unção é o próprio Espírito Santo que habita o batizado (Cf. 1Jo 2,20).
Dessa forma, todo verdadeiro cristão é ungido pelo Espirito a fim de que desempenhe
uma determinada missão.
É importante distinguirmos o conceito de unção carismática e unção sacramental. Por 
unção carismática se entende aquela graça atual dada pelo Senhor no momento em que o
cristão está em ação. A unção está totalmente ligada ao processo de santificação e
serviço. Serviço entendido como edificação do corpo místico de Cristo. Ninguém é santo
 para si mesmo, da mesma forma como ning ninguém
uém é ung
ungiido para si mesmo, mas para os
outros.
A vida cristã deveria ser uma vida no Espírito, em outras palavras, uma vida ungida.
ão existem cristãos ungidos e não ungidos, como se houvesse diversas classes de
cristãos. A questão é: existem pessoas mais dóceis às intervenções de uma graça, que é
 para todos. A unção recebida
recebida de Deus é liberada mediante
mediante uma vida
vida séria de oração. A
unção carismática (graça atual) é um sinal da passagem de Deus na vida do fiel. É um
aprofundamento da vivência do Batismo, já que muitos ao viverem essa experiência
testemunham em si mesmos um crescimento no amor a Deus e no compromisso com os
irmãos.
Encontramos, por vezes, servos tímidos, que dizem: “Se Deus me der a graça, eu
vou!” Temos a ingenuidade de pensar que primeiro receberemos essa unção (graça atual)
 para, só assim,
assim, nos aventurarmos no exercício
exercício do nosso mini
ministéri
stério.
o. Não é assim
assim que
Deus age. A graça é atual. Logo, é dada no momento em que saímos de nós mesmos e
nos confiamos à Sua condução. É como andar de bicicleta: se pararmos de pedalar,
caímos.

22
Essa insegurança que sentimos às vezes, longe de nos atrapalhar, acaba por se tornar 
uma ótima pedagoga, e nos ensina que o poder é de Deus. Conserva-nos humildes. É na
fraqueza que se manifesta todo o poder de Deus (Cf. 2Cor 12-6,10). A humildade é o
combustível da unção.
O pregador humilde reza, prepara-se, capacita-se com o material formativo
disponível. Prepara-se não para ser mais independente de Deus no exercício do
ministério, mas para ser um instrumento mais eficaz. O ministro humilde é pobre e
 pequeno, tem as mãos vazias e, por isso, Deus as pode encher até transbordarem. “Com
óleo vos ungis minha cabeça e meu cálice transborda” (Sl 22,5).
O altivo e orgulhoso sempre acha que tem muito a dar. Tem as mãos cheias e, ao
mesmo tempo, traz a pretensão de servir a Deus às próprias custas. Não há espaço para
a graça no exercício do seu ministério (Cf. 1Cor 1,17-25). Cada um se examine: Que
 posso fazer para me abrir
abrir mais à unção de Deus (graça atual)?
atual)? De que eu preciso
preciso me
esvaziar para que a graça flua através de mim? Do automatismo? Do apego à
experiência? Da desconfiança? Do respeito humano?
A unção não é um poder mágico que transforma o ungido num semideus ou num
iluminado a quem todos procuram para ouvir. Ao contrário, a unção é uma ação de Deus
que atua levando em conta a liberdade do ungido. Alguém poderia ser um ótimo cantor,
mas se não abrir a boca e cantar, por onde a unção vai fluir? Outro pode ter o carisma de
oração e aconselhamento, mas, se não se dispor a fazê-lo, por onde a graça vai atuar?
Do mesmo modo o pregador. Não adianta estudar e rezar se não há disposição para falar.
Concluímos que, de fato, não existem, teologicamente, cristãos mais ungidos do que
outros. Poderíamos até dizer que existem cristãos mais dóceis ao Espírito Santo, ou
ungidos para uma missão e serviço diferente. Mas, objetivamente, não com uma unção
maior e mais forte.
 Ning
 Ninguém
uém deve exaltar-se
exaltar-se por trazer essa graça de modo mais visível
visível ou frutuoso.
Como diz o grande São Francisco de Sales, “o jumento não deixa de ser jumento porque
carrega nas costas os tesouros do rei”. Uma maior docilidade à unção do Espírito Santo
não faz de nós mais do que somos. Continuamos ainda pecadores, necessitados da
misericórdia de Deus, como qualquer outro. Que Deus nos faça ainda menores e mais
 pobres, a fim
fim de que, tendo nossas mãos cheias
cheias de Sua graça, possamos nos abrir
abrir cada
vez mais à unção e, assim, produzir frutos que permaneçam.

23
 A missão
miss ão
do pregador

24
 A missão
missão do pregador
pregador

O que é uma missão? Missão é uma tarefa que a pessoa recebeu ou que ela mesma
se impôs. No nosso caso, como pregadores, esse encargo nos foi dado por Deus por 
meio de sua Igreja. Ninguém deve se autoenviar para essa missão. É Deus quem chama,
capacita e envia. Toda missão dada por Deus não deixa de ser um gesto de confiança e
 predil
 predileção de Sua parte para com o eleito.
eleito.
Os mais desatentos poderiam pensar que Deus jogou lá do Céu o carisma, o
chamado à pregação, e por acaso, caiu na cabeça de alguém indiscriminadamente. Não!
Existe uma escolha de Deus. Se somos pregadores, foi Deus quem nos separou dos
demais em vista dessa missão. Assim o fez não por nossa grande santidade, não por 
nossa bela voz ou capacidade intelectual. Deus nos chamou porque quis.
Somente o Senhor poderia dizer quais foram Seus motivos de amor para escolher 
esse e não aquele. Cabe a nós, eleitos, assumirmos essa missão como algo recebido de
Deus e o fazermos com temor e tremor. Os chamamentos de Deus são irrevogáveis,
intransferíveis. Não podemos delegar nossa missão a outrem, sem que de alguma forma
sejamos desleais com Aquele que no-la confiou.
Quando o pregador sabe quem ele é, está protegido de desviar-se de sua missão. A
fidelidade à própria missão implica também encontrar o melhor modo de desempenhá-la.
Se o ministro da Palavra não encontrar a forma adequada, sua missão pode se confundir 
com outras coisas, fazendo-o desempenhar papéis que não são os seus.
O pregador não é, por exemplo, um ditador de regras. Não é palmatória do mundo.
Sua missão não é apontar o dedo, dizendo: “Isso está certo! Isso está errado!” É bem
verdade que pregar supõe também denunciar, mas mesmo a denúncia está a serviço de
um propósito maior. Não podemos confundir o anúncio do Evangelho com o anúncio de
um conjunto de normas e regras. Diz o Papa Francisco, refletindo sobre a pregação:
“Outra característica é a linguagem positiva. Não diz tanto o que não se deve fazer,
como sobretudo propõe o que podemos fazer melhor. E, se aponta algo negativo,
 sempre
 sempre procura
procura mostrar também um valor positivo
positi vo que atraia, para não ficar na
queixa, no lamento, na crítica, ou no remorso. Além disso, uma pregação positiva
oferece sempre esperança, orienta para o futuro, não nos deixa prisioneiros da
negatividade”.12
Precisamos ter todo o cuidado para não descurar, mitigar e empobrecer o Evangelho
com nossos discursos reducionistas. Quase todas as religiões dizem o que o homem deve
fazer para ser salvo. O cristianismo é a única religião que diz o que Deus fez para salvar 
o homem. A conversão do coração não se dá, a princípio, pelo anúncio da moral cristã.
O ser cristão não surge de um despertar ético, mas do encontro com a pessoa viva de
Jesus Cristo. Nesse sentido, indubitavelmente, o pregador não é um ditador de regras
negativas, pois anuncia Cristo, a notícia mais positiva que alguém poderia receber.
25
Kerigmática
Kerigmática e catequética
 Nota-se que o serviço
serviço da pregação
pregação pode adquirir
adquirir contornos diversos,
diversos, de acordo com
a necessidade do povo de Deus. Podemos distinguir dois tipos de pregação: a kerigmática
e a formativa, conhecida também como catequese. Existe uma diferença muito sutil, mas
que é importante identificar, no sentido de usarmos o recurso correto para alcançarmos o
objetivo desejado. A pregação kerigmática diverge da formativa ou catequética, tanto no
método, como no objetivo.
A pregação kerigmática é mais simples, objetiva e direta. Ela não se vale de
conteúdos científicos e literários densos. Além disso, não se preocupa muito em
fundamentar o que está dizendo. Tem uma notícia muito urgente para se preocupar com
temas que seriam importantes para um outro momento. Dizia o Papa Paulo VI: “Os fiéis
esperam muito desta pregação evangélica, e dela poderão tirar frutos, contanto que ela
 seja simples, clara, direta, adaptada”13. Seu objetivo é dizer ao ouvinte: “Deus te
ama”. E não ficar fazendo especulações filosóficas e teológicas sobre o que vem a ser 
esse amor. Isso é papel do teólogo ou do catequista.
O pregador kerigmático ocupa-se de questões primárias presentes na cabeça de seus
interlocutores. Dificilmente uma pessoa vai a um evento de primeiro anúncio com
questões do tipo: o que é união hipostática? Quais são as grandes heresias trinitárias ou
cristológicas na história da Igreja? Normalmente, num evento de primeiro anúncio as
 pessoas levam problemas
problemas existenci
existenciais
ais muito
muito concretos como, por exemplo,
exemplo, sentido
sentido da
vida, sofrimento, dor, injustiça, felicidade, paz, esperança, perdas etc. Sem esse
discernimento inicial corremos o risco de oferecer respostas para perguntas que elas
ainda nem têm condições de se fazerem.
Um exemplo: quem vai tirar habilitação não está interessado em saber como é que
funciona toda a mecânica de um automóvel. Se fosse assim, poucas pessoas teriam
habilitação. Quem se matricula numa autoescola tem perguntas bem modestas, como o
que preciso saber sobre um automóvel para sair dirigindo sem me matar nem matar 
ninguém? Do mesmo modo, o homem de hoje, diante da Palavra de Deus, faz a seguinte
 pergunta:
 pergunta: Que mensagem a Bíbli
Bíblia tem para minha
minha vida concreta? De que modo ela pode
orientar minha vida hoje?
A pregação formativa ou catequética é um pouco diferente. Seu objetivo é ensinar a
doutrina, levando o povo de Deus a crescer e aprofundar a fé. Os irmãos, após ouvirem
e acolherem o anúncio da salvação, por meio de uma pregação kerigmática, fazem a
mesma pergunta que o carcereiro fez a Paulo e a Silas, logo que foram milagrosamente
salvos da prisão: “Que devo fazer para ser salvo?”  (At 16,30-34). Quando alguém faz
essa pergunta, no fundo ela está pedindo para ser formada na fé. É nesse momento que
entra em cena o ministro de ensino, catequista ou pregador-formador. Esse é o momento
de anunciar a moral cristã, a disciplina da Igreja. A pregação me leva a experimentar o

26
Deus que me ama, enquanto o ensino me leva a conhecer o que devo fazer para agradar 
a esse Deus que me ama.
Os dois tipos de pregação divergem entre si no objetivo, mas também no método.
Enquanto a pregação kerigmática é simples, objetiva e direta, a formativa, por sua vez, é
mais sistemática, metodológica, pedagógica. Comumente, na pregação catequética,
recorre-se a recursos midiáticos, dinâmica e exercícios. Uma pregação formativa é mais
longa do que uma pregação kerigmática. Os conteúdos são mais profundos, e isso supõe
tempo para o seu desenvolvimento.
Suponhamos o contrário do que exemplificamos anteriormente. Como seria se
alguém fosse pregar, de modo kerigmático, para uma assembleia de líderes cristãos que
á caminham na Igreja há um bom tempo? Possivelmente esse pregador passaria por 
superficial diante desse público específico. Ele está oferecendo leite para quem tem
necessidade de alimento mais sólido. Não que o kerigma seja superficial, longe disso.
Hoje estou convencido de que o kerigma é o que há de mais profundo. Porém, o
kerigma experimentado precisa tornar-se kerigma inteligível, compreendido também com
a razão.
Poderíamos nos perguntar: os ouvintes teriam paciência de ouvir o ministro de
ensino? Claro que sim! Quem disse que ensinos precisam ser chatos e maçantes? Um
mestre da fé pode ser muito dinâmico e atraente no seu discurso. Além disso, ao
acolhermos uma pessoa num curso de ensino cristão, de doutrina católica, partimos do
 pressuposto de que a pessoa já teve sua experi
experiência
ência com a P essoa de Jesus, já recebeu o
kerigma e portanto terá motivações para superar eventuais desconfortos e exigências no
caminho formativo.
Podemos ainda distinguir a missão do pregador e do ministro de ensino usando
quatro verbos. Convencer - converter   (kerigma) e ensinar - formar   (catequese). O
 pregador
 pregador kerig
kerigmático convence o coração. O pregador
pregador catequista
catequista (ministro
(ministro de ensino)
ensino)
forma o intelecto, mostrando que existe um discurso razoável e uma estrutura interna
coerente na fé.
Quero finalizar esse ponto esclarecendo ainda uma coisa: existem pregadores
kerigmáticos que são também ótimos pregadores catequéticos. Do mesmo modo, há
ministros de ensino que pregam muito bem de modo kerigmático. E há aqueles
 pregadores
 pregadores que identifi
dentificam-se
cam-se apenas com uma coisa:
coisa: pregar ou ensinar
ensinar.. O importante é
entendermos que são serviços distintos, tanto no método como no objetivo.

27
Como fazer
uma pregação?

28
Como fazer uma pregação?

Os dois primeiros capítulos desta obra tiveram o objetivo de traçar o perfil da


identidade e a missão do pregador. Sem dúvida, muito mais se poderia dizer a esse
respeito. No entanto, penso que o essencial foi comunicado, tendo em conta as
 proporções do livro. A mística
mística do pregador
pregador brota da compreensão clara
clara de sua identidade
identidade
e missão. Sem uma mística, o pregador seria um orador secular, semelhante a alguém
que dá palestra de motivação e sucesso.Com a ajuda da graça de Deus e da família e
amigos, é importante admitir o sofrimento e viver a dor da perda para encontrar seu
sentido,
sentido, como veremos
verem os adiante.
A mística eleva o pregador da condição de um orador secular a um servo da Palavra.
ão de uma palavra humana, mas de uma Palavra divina. Embora o conteúdo do
anúncio seja divino, os recursos utilizados são bem humanos. A via de Deus é o homem.
Isso quer dizer que Deus se utiliza de meios naturais para manifestações divinas. Um
cantor sacro, por exemplo, coloca seu dom a serviço de Deus. Esse dom é uma graça
dada pelo Senhor. Contudo, deve ser encarnado, aperfeiçoado com exercícios e com
técnicas
técnicas humanas.
Imaginemos um cantor ou um instrumentista que dissesse: “Deus já me deu o dom
de cantar e tocar. Logo, não preciso treinar e estudar”. Isso seria negligência, pois os
talentos de Deus devem ser desenvolvidos. Desenvolvido com oração, como falamos
anteriormente, mas também com prática, técnica. Precisamos estar cientes de que o bom
 pregador
 pregador é fruto da graça, mas também
tam bém da técnica. Nesse capítulo,
capítulo, refletiremos
refletiremos acerca de
como pregar e também sobre os aspectos práticos desse serviço. Comecemos então
falando sobre o que é uma pregação num sentido mais humano.
O que é uma pregação?

A arte de falar desenvolveu-se historicamente junto com o processo civilizatório.


Essa técnica ganhou desenvolvimento, a princípio, em cultos religiosos primitivos. Com o
 passar do tempo, dividividi
diu-se
u-se em dois
dois ramos: o reli
religioso,
gioso, que recebeu o nome de
“pregação”, e o secular, com o nome de “oratória”. A arte de falar foi muito apreciada na
Grécia antiga, tanto em liturgias religiosas como políticas. O bom orador poderia mudar 
os rumos de uma cidade. Poderia incitar para guerra ou para paz. A arte de falar poderia
ser usada em favor de uma ideologia ou de uma posição política e religiosa.
Tanto o orador sacro como o secular fazem uso do mesmo recurso: a arte de falar.
Mas qual é a diferença entre os dois? São João Crisóstomo dizia: “o orador procura a si
mesmo e seus próprios interesses, ao passo que o pregador procura Deus e sua
vontade”14.
O orador fala das coisas da terra, do espírito humano. O pregador fala das coisas do

29
Céu e do pensamento de Deus. Não é difícil perceber, na prática, essa diferença. Basta
analisarmos o discurso de um político na tribuna parlamentar e o discurso de um
sacerdote numa celebração da vigília pascal, por exemplo. O orador-político deseja
conseguir votos, enquanto o pregador cristão anseia por conquistar corações para Deus.
A única coisa que ambos têm em comum é que usam o recurso da fala, que exige
técnica. Fazendo, pois, essas distinções, restrinjamos nossa reflexão à pregação
 propriamente
 propriamente dita, enquanto serviço reli
religioso.
Preparação

Tudo começa com o convite ou envio para pregar. Uma vez enviado ou convidado, o
 pregador
 pregador deve levantar o máximo
máximo de informações relativas
relativas ao tema da pregação e sobre o
lugar e o povo ao qual ele irá pregar. Algumas perguntas não devem faltar: Qual será o
tema? (doutrinal, primeiro anúncio); Onde será a pregação? (outro estado, ginásio, igreja,
auditório, empresa, praça pública, uma sala pequena); Qual será o público? (pobre, rico,
simples, culto, criança, jovem, homem, mulher, misto, iniciantes ou de caminhada).
Essas questões, se bem respondidas, podem fazer grande diferença entre uma boa e
uma má pregação, com mais ou menos frutos. Isso porque são esses fatores que
determinarão a técnica, a metodologia a ser utilizada. Como já sabemos, é diferente
 pregar
 pregar um tema doutrinal
doutrinal e um de primeiro
primeiro anúncio.
anúncio. Há diferenças
diferenças entre pregar numa
igreja e numa praça pública, num ginásio e numa pequena sala. Também não se compara
o modo de pregar para um público simples e para um grupo de intelectuais, para crianças
e para adultos, para uma turma jovem e para um povo de mais idade. Vale lembrar que
nenhuma pessoa é um papel em branco. Cada interlocutor nos assiste de um lugar físico
e existencial específicos, ou seja, situação financeira, classe social, valores, cultura,
educação. Se o pregador não levar em conta essas variantes, correrá o risco de proferir 
um discurso esotérico, que só ele entende e que não encontrará eco na vida das pessoas.
Assim diz o querido Papa Francisco:
O pregador deve também pôr-se à escuta do povo, para descobrir aquilo que os
iéis precisam ouvir. Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um
contemplativo do povo. Desta forma, descobre ‘as aspirações, as riquezas e as
limitações, as maneiras de orar, de amar, de encarar a vida e o mundo, que
caracterizam este ou aquele aglomerado humano’, prestando atenção ‘ao povo
concreto com os seus sinais e símbolos e respondendo aos problemas que apresenta.
Trata-se de relacionar a mensagem do texto bíblico com uma situação humana, com
algo que as pessoas vivem, com uma experiência que precisa da luz da Palavra.15
Conscientes da importância dessas informações, em vista de uma técnica adequada,
 bem como de uma pregação
pregação encarnada na vida
vida do povo, procuremos conhecer nosso
 públi
 público. Hoje temos recursos úteis, como a internet, por exemplo.
exemplo. Pessoal
Pe ssoalmente,
mente, quando
vou pregar em outros estados, cidades onde nunca fui, faço primeiro uma pesquisa na
internet sobre o lugar, sobre as pessoas, sobre a igreja local. Informações tais como:

30
economia, quantidade de habitantes, índices de criminalidade, política, personalidades
locais. Noto que, durante a pregação, ao demostrar conhecimento sobre a cidade, o povo
se sente valori
valorizado,
zado, reconhecido
reconhecido e, consequentemente, se torna mais receptivo.
Todo tema
tema tem uma ideia central
ce ntral

Seria suficiente apenas saber o tema e informações sobre o local da pregação?


Considerando a importância desta questão proposta, resolvi reservar um tópico para falar 
sobre a ideia central, que, a meu ver, é o coração do tema. Observo que essa é a casca
de banana, na qual escorrega a maioria dos organizadores de eventos e retiros espirituais.
Todo tema tem um coração e uma alma, a ideia central. Sem ela, o conteúdo pode ficar 
muito abrangente e difícil de ser abordado em 50 minutos. Sem contar que pode
distanciar-se muito da realidade do público.
O papel da ideia central é orientar a temática para um problema específico. Ela
restringe a pregação a um aspecto. Seria impossível falar sobre tudo numa única
 pregação.
 pregação. Se alguém
alguém me convida
convida para pregar,
pregar, dig
digo: “Ótimo!
“Ótimo! É sobre o quê?” A minha
 pergunta
 pergunta se refere ao tema. A pessoa me responde: “Sobre santidade.”
santidade.” Questiono:
Questiono:
“Certo! Qual é a ideia central?” A pessoa pode me responder: “A santidade no namoro
ou o jovem e a vida de santidade ou a santidade no matrimônio etc.” Isso é restringir um
tema a uma questão específica. Toda pregação procura responder um questionamento ou
 provocar uma reflexão
reflexão sobre um determinado
determinado problema.
problema. Se a questão proposta não for 
um problema real para o interlocutor, ele não dará atenção.
Extrair a ideia central já é um grande avanço, porém ainda não é suficiente. Um bom
conselho é reformular a ideia central de modo criativo. As pessoas não se sentem
atraídas pelo óbvio. A ideia central “Santidade no namoro” é muito óbvia. Poderíamos
reconstruí-la de outra forma. Por exemplo: “Namoro a três.” Isso, de cara, já desperta a
curiosi
curiosidade.
dade. P erguntarão:
erguntarão: “Como assim, namoro a três?”
Pessoas assistirão à pregação, nem que seja por curiosidade, e descobrirão que o
namoro é “a três,” porque, junto ao casal, está Deus. Quando Deus está no namoro,
consequentemente, ele se torna santo. O tema de uma pregação deve passar por essas
 peneiras.
 peneiras. De modo a ser tão atrativo
atrativo e criati
criativo
vo que coloque
coloque a curiosi
curiosidade
dade dos ouvintes
ouvintes a
nosso serviço.
Quando esse processo é bem feito as pessoas se identificam com sua mensagem.
Diversas vezes, no momento da pregação, percebo algumas pessoas acenando com a
cabeça, como que dizendo: “É verdade isso que ele está falando”. Quando a pregação
está inserida na realidade das pessoas, elas são tocadas no coração, são impactadas pela
Palavra de Deus, e dizem para si mesmas: “Ele me entende, sabe realmente o que se
 passa comigo”.
comigo”.
Depois de fazer a pesquisa, levantar informações e aprofundar tudo em oração, o
 pregador
 pregador já sabe o que precisa
precisa dizer,
dizer, por qual caminho segui
seguirr no seu discurso.
discurso. P recisa
recisa

31
agora fazer um esquema para facilitar sua pregação. Sobre isso falaremos no tópico a
seguir.
 Aspectos
 Aspectos estruturais
estruturais
Para que uma pregação seja efetuada de forma clara e compreensível não é
suficiente saber o que falar, mas também como se expressar. Há pregadores bem
intencionados, que dedicam um tempo considerável refletindo sobre o que pregar e muito
 pouco tempo sobre como fazê-lo. Uma coisacoisa não anula
anula a outra. Como pregar
pregar é tão
importante quanto o que pregar. “A preocupação com a forma de pregar também é uma
atitude profundamente espiritual”. O cérebro humano tem o seguinte automatismo: “O
que eu não entendo não absorvo e não acolho.” A ideia é fazer com que o discurso seja
ordenado, organizado, para assim transmitir uma mensagem criativa, inteligente e, ao
mesmo tempo, lógica e de fácil compreensão para os ouvintes.
Existe uma infinidade de métodos para se organizar um esquema de pregação. Um
 pregador
 pregador experi
experiente,
ente, aos poucos, vai desenvolvendo
desenvolvendo o seu próprio
próprio esquema, dando um
tom original às suas exposições.
Vou apresentar a você o esquema mais simples que conheço e que uso regularmente.
Esse esquema se divide em quatro partes: apresentação, introdução, desenvolvimento e
conclusão.
Apresentação:  Estando diante de uma assembleia, é comum sermos apresentados
 por alg
alguém antes de começarmos a pregação.
pregação. Contudo, se você sentir
sentir que exi
existe algo
algo
sobre sua pessoa que precisa ainda ser falado, não hesite. É importante fazermos uma
 boa apresentação. Isso porque as pessoas têm a tendência
tendência de resisti
resistirr a receber coisas
coisas de
estranhos. Além disso, se o povo não souber quem você é ficará disperso, divagando a
respeito de onde você é, qual é o seu nome, sua idade, se é casado etc.
A assembleia fará o seguinte raciocínio: Quem é esse? O que ele fez ou viveu de
extraordinário para estar aqui pregando para nós? A identidade e origem do pregador 
 pode dar-lhe
dar-lhe autoridade.
autoridade. Um conselho
conselho útil
útil é que, se você traz alg
algum tipo
tipo de defici
deficiênci
ênciaa
ou debilidade visível, como uma cicatriz, ou se manca um pouco, se está muito gripado,
ou mesmo se traz um curativo, deve-se fazer um breve comentário sobre isso. Mas,
atenção, que seja de forma otimista, engraçada, fazendo as pessoas rirem com você
dessa situação, sempre evidenciando a graça de Deus que faz tudo concorrer para o bem
dos que o amam. Fazendo assim, você neutraliza os efeitos dispersantes da imaginação e
 puxa
 puxa a atenção dos ouvintes
ouvintes para o que você tem a dizer,
dizer, e não para sua deficiênci
deficiênciaa ou
debilidade.
Vamos a um exemplo de apresentação:
 Pregador: Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
 Pregador:
 Assembleia: Para sempre seja louvado!

32
(P)  Bom dia!
di a!
(A) Bom dia!
di a!
(P)  Meu nome é Francisco,
Franci sco, sou mineiro,
mi neiro, natural de Belo Horizonte,
Hori zonte, tenho 28 anos,
 sou casado com a Mariana e pai de duas lindas crianças: a Vanessa e o Luiz. Eu e
minha esposa somos membros consagrados da Comunidade X. Gostaria de dizer que é
uma alegria muito grande estar aqui hoje com vocês para, juntos, crescermos na graça
e no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo.
Viu como é simples? O objetivo é dar-se a conhecer, pelo menos naquilo que for 
mais essencial. Isso vai gerar na assembleia uma relação de empatia e identificação com
o pregador. Vamos a outro exemplo, dessa vez de alguém que está com a saúde
debilitada:
(P)  Bom dia,
di a, povo de Deus!
(A) Bom dia!
di a!
(P)  Meu nome é André, tenho 25 anos e sou seminarista
seminari sta da diocese X. Vamos hoje
refletir um pouco sobre o amor de Deus. Estou, como vocês podem perceber, meio
rouco, mas Deus usou até da jumenta de Balaão para profetizar. (risos) Vamos rezar 
uma “Ave Maria” para que Ele se utilize também de mim e que eu tenha voz para
regar até o fim.
Introdução:  Terminando a apresentação, seja perspicaz e criativo, procurando
sempre deixar um gancho pelo qual você possa ir, de imediato, para a introdução. Na
introdução, já se é possível ao povo perceber se terá que ouvir ou aturar um pregador.
Os três primeiros minutos são decisivos. Por isso, inicie sua introdução com uma ideia
forte e palavras impactantes e provocadoras. Isso causará nas pessoas o desejo de ouvi-
lo e saber o que tem a dizer.
Quando um nadador profissional vai disputar uma prova, não pode nem pensar em
errar na largada. Se errar, pode não ter tempo de corrigir-se. Assim acontece com o
 pregador:
 pregador: se errar no início
nício da pregação,
pregação, pode não ter mais
mais a atenção da assemblei
assembleia.
a. O
 princi
 principal
pal objetivo
objetivo da introdução é despertar o interesse, é deix
deixar claro
claro para os ouvintes
ouvintes
que o assunto sobre o qual você vai falar tem importância para a vida deles.
A plateia precisa identificar-se com os problemas que você deseja abordar. Ela
 precisa
 precisa se ver no seu discurso.
discurso. Use a curiosi
curiosidade
dade e a imaginação
maginação do povo a seu favor.
favor. A
introdução precisa desembocar em algumas ideias mestras. Eu sugiro que não seja mais
que três. Chegando a esse ponto, terá condições de ir para a terceira parte do esquema
da pregação: o desenvolvimento.
Desenvolvimento:  Desenvolver é aprofundar, discorrer, virando e revirando o
assunto, analisando o problema proposto, usando as três ideias mestras, nascidas na
introdução, conduzindo a assembleia para um ângulo específico.

33
 Nessa fase, discorremos
discorremos a respeito
respeito das ideias
ideias,, dando exemplos,
exemplos, contando fatos e
experiências vividas por nós ou por outras pessoas, fundamentando tudo na Palavra de
Deus e na doutrina da Igreja, tudo feito de forma ordenada e lógica. É horrível quando,
ao término de uma pregação, os ouvintes dizem assim: “Falou muito bonito, mas não
entendi nada. Sobre o que ele falou mesmo, hein?”
Segundo o padre João Mohana, no desenvolvimento das ideias, precisamos evitar 
alguns inconvenientes. São eles:
1. Falar tempo desproporcional
desproporcional sobre um só ponto;
2. Entrar em pormenores inúteis;
3. Repetir
Repetir fatos ou passagens já demasiadamente conhecidos;
conhecidos;
4. Mostrar-se apaixonado pelo que interessa mais a si do que aos outros;
5. Deixar em segundo plano o que é do interesse ou da necessidade da assembleia;
6. Improvisar o conteúdo, que daria mais frutos se elaborado após um estudo
minucioso.
7. Dizer tudo quanto se sabe sobre o assunto. 16

Gostaria de acrescentar algo a esses conselhos dados por Mohana. Alguns pregadores
têm a tentação de transformar seu discurso numa palestra de autoajuda, recorrendo mais
a um psicologismo do que à Palavra de Deus, dando mais ouvido aos teóricos da
 personali
 personalidade do que aos autores sagrados.
A Palavra de Deus e os documentos da Igreja devem ser o referencial absoluto do
 pregador
 pregador.. Isso não quer dizer
dizer que ele,
ele, em algu
alguns
ns momentos, não possa ilustrar sua fala
fala
com os dizeres dos mestres da cultura e da ciência. Ele pode fazê-lo, porém sua primeira
referência é o discurso da fé.
Conclusão:  Feito um bom desenvolvimento, é chegada a hora da conclusão.
Façamos primeiramente um resumo. Na introdução, o pregador aponta um problema. No
desenvolvimento, reflete com mais profundidade sobre as questões levantadas e, na
conclusão, precisa propor soluções e motivar a ação.
A assembleia precisa concordar com o problema que o pregador apontou. Durante o
desenvolvimento, deve acompanhar seu raciocínio de modo a dizer interiormente: “É isso
mesmo!” Com isso não quero dizer que o pregador deve ser sempre aplaudido e seu
discurso aceito por todos. Sempre haverá quem recuse, rejeite ou discorde do que o
 pregador
 pregador falou. Contudo, sem perder o senso de autocrítica e a humildade,
humildade, ele deve ficar 
firme, se tem consciência de que está ancorado não na sua verdade, mas na verdade de
Deus e da Igreja.
O ministro da Palavra precisa ter sensibilidade e estar atento aos mecanismos de

34
funcionamento do cérebro de sua plateia, de modo a colocar esses estágios de construção
do pensamento a seu favor. Isso supõe, por parte do ministro, o conhecimento da
cultura, nível de escolaridade e áreas de atuação do seu público. Como falamos
anteriormente: São jovens? São casais? São empresários? Isso é importante e determina
a abordagem a ser feita.
A conclusão deve ser impactante, assim como a introdução. Deve-se terminar bem o
que se começou bem. Para tanto, a conclusão deve ser lúcida, de modo a provocar na
 platei
 plateiaa a segui
seguinte
nte reflexão:
reflexão: “Nossa! A solução
solução para esse problema era tão simples!
simples! Como
C omo
eu nunca pensei nisso antes?”
A pregação termina quando ela consegue provocar na assembleia a ação desejada. Se
o objetivo era, por exemplo, provocar sede pela oração, reacender o ardor evangelizador,
renovar o amor à Virgem Maria, a resposta deve ser concreta. É claro que o ministro
deve vigiar-se com relação à avidez pelos frutos. Numa perspectiva natural, o fruto é a
última coisa que se vê ao plantar a semente. A colheita dos frutos nem sempre é vista
 pelo
 pelo pregador.
pregador. O resultado final
final é um processo que demanda tempo.
Deve-se cuidar para não deixar nenhuma ideia desenvolvida sem conclusão. Outra
coisa importante de se observar é que muitas vezes as pessoas têm dificuldade de sair da
abstração e encarnar as ideias no cotidiano. Por isso, o pregador deve ter um apurado
senso prático, de modo a propor formas concretas de viver sua mensagem no dia a dia. E
sempre terminar a fala num tom otimista, com esperança, mesmo que se tenha falado
coisas desconfortáveis aos ouvidos mais sensíveis.
Para pregar, o ministro não depende apenas de sua experiência com Deus, embora
isso seja essencial, a base de tudo. Não pode também apoiar-se somente numa boa
técnica. Precisa ter uma presença marcante, isso significa que precisa vestir-se
adequadamente para cada ocasião, deve saber usar bem seu corpo, voz etc. Nos
 próxi
 próximos pontos falaremos então da apresentação
a presentação audiovisual
audiovisual do pregador
pregador..
O corpo
O pregador é um ser humano, como falamos no primeiro capítulo do livro. Isso
significa que ele, entre outras coisas, possui um corpo. “O corpo é o sacramento da
 pessoa.” O mini
ministro
stro da P alavra
alavra esquecido
esquecido de que possui um corpo jamais
jamais chegará
chegará a
tornar-se um pregador vibrante. O corpo, embora não esgote o sentido da pessoa, é uma
manifestação visível daquilo que a pessoa é na totalidade.
O corpo é portador de uma linguagem toda particular. Essa linguagem se efetiva
naquilo que chamamos de atos do corpo (voluntários e involuntários). Por meio desses
atos, a pessoa pode expressar ansiedade, alegria, tristeza, medo, angústia, desânimo,
disposição, coragem etc. Todo esse potencial linguístico do corpo torna-se para o
 pregador
 pregador um recurso preciso
preciso no cumprimento
cumprimento de sua missão
missão de comunicar
comunicar uma
experiência, ser intérprete de um acontecimento: a Salvação de Deus na história.

35
Ao pregar, o ministro da Palavra deve envolver os presentes com seu corpo. Andar,
gesticular, tendo sempre uma medida equilibrada entre o movimento e a inércia. A
alternância entre andar e ficar parado tem o objetivo de descansar os olhos de quem vê.
Envolva as pessoas, sem invadi-las, sorria para elas, olhe-as nos olhos, faça com que elas
se sintam importantes.
Engana-se quem pensa que pregar é uma atividade meramente intelectual e espiritual.
O pregador também é muito exigido fisicamente, o que requer treino. O corpo está a
serviço da Palavra, no entanto, não estamos falando de um teatro. Enquanto o ator 
interpreta uma personagem, que pode inclusive não ter nada a ver com ele, o pregador 
está sendo intérprete de uma verdade do coração, que tem tudo a ver com ele. É algo
que ele crê com todo seu ser.
O pregador é alguém psicossomático, por isso não desempenha seu ministério sem o
corpo. Isso só é possível quando ele não apenas pensa, mas também sente o que está
dizendo. Deve-se evitar, a todo custo, gestos espetaculares, como se quisesse enfiar o
Evangelho “goela abaixo” dos ouvintes. Deve ser intenso, mas de forma sóbria e
tranquila. Excessos nesse ponto podem denotar mais insegurança e carência de conteúdo
do que de unção e fervor. O púlpito, para se usar um termo clássico, é terra de missão e
não lugar de contorcionismos.
 A roupa

 Ning
 Ninguém,
uém, com o mínimo
mínimo de bom senso, vai a uma entrevista
entrevista de emprego com
aparência desleixada, barba mal feita, roupa suja ou amassada, cabelo grande ou mal
cuidado. Sendo uma mulher, dificilmente se apresentaria com os cabelos desgrenhados,
um rosto excessivamente maquiado ou sem maquiagem alguma, muito menos com uma
roupa descomposta, curta ou decotada. Pela roupa que usamos, deixamos transparecer 
nossos valores.
Há momentos em que o nosso modo de vestir evidencia o valor, o respeito e o amor 
que temos pelos outros. Se formos, por exemplo, a uma cerimônia de casamento usando
 bermuda, chinel
chinelo,
o, camiseta
camiseta cavada,
c avada, os noivos podem sentir-se
sentir-se desrespeitados, pois trata-
se de um momento importante na vida deles, e eu demostro, com meu jeito de vestir,
que não estou dando a mínima.
Do mesmo modo, acontece na pregação. Devemos ter claro que o povo não só ouve
o pregador, mas também o vê. Nesse sentido, a aparência do pregador, seu modo de
vestir, deve proporcionar ao público uma ideia de sobriedade, de ordem, de lucidez. A
vestimenta não é uma fantasia para o pregador que faça com que ele assuma estilos
diversos, de acordo com o público. O pregador deve vestir-se a partir do seu próprio
estilo.
Sem se descaracterizar, a vestimenta do pregador deve, em alguma medida, estar 
adequada para a ocasião. Tudo com o objetivo de criar empatia com o público, sem ser 

36
infiel a si mesmo, nem à sua mensagem e personalidade. Se formos pregar para jovens,
não devemos ir de terno e gravata. Se formos pregar num ambiente mais formal, com
mais requinte, não devemos ir de tênis, jeans e camiseta. Aqui vale o bom senso.
A roupa deve ser discreta, de modo a contribuir com a pregação e não trabalhar 
contra. Os excessos tendem a chamar atenção, tanto roupas requintadas em lugares
simples como simplicidade e informalidade em lugares requintados. Os âncoras de
telejornais seguem um princípio: “A roupa não pode roubar a notícia.”
O rosto

Entre todas as partes do corpo, o rosto é a parte que mais revela quem é a pessoa na
 profundidade.
 profundidade. P or meio dos sinai
sinaiss no rosto de uma pessoa, podemos saber se ela
ela teve
uma vida tranquila e feliz ou marcada por sofrimento e adversidade. O rosto é como a
caixa-preta de um avião. Nele fica registrado tudo que vivemos ao longo de nossa
existência, mas também o estado de ânimo momentâneo.
A expressão facial é contagiosa. Desta forma, se o pregador assumir um rosto grave,
sério, tenso, alegre, jovial ou sereno, é assim que a assembleia vai ficar. Por isso, o
 pregador
 pregador,, para saber como está a exp
expressão
ressão do próprio
próprio rosto, deve observar o rosto da
assembleia. Essa funciona como um espelho. Se a assembleia tem rosto sereno e sorriso
fácil, provavelmente é assim que o pregador está se apresentando.
O rosto do pregador, bem como os seus demais movimentos corporais, devem
acompanhar o conteúdo do seu discurso. Imagine só um âncora de telejornal noticiando
um atentado terrorista, com centenas de vítimas, com um sorriso esboçado nos lábios.
Ou ainda anunciando uma grande descoberta científica que vai dar qualidade de vida a
mil
milhares de pessoas, com o rosto entristeci
entristecido.
do. Seria, no mínimo, estranho.
Um tom predominantemente sereno deve estar no semblante do pregador. Mesmo
que em alguns momentos, dependendo do que está dizendo, tenha que adquirir uma
expressão séria. Alguns exercícios faciais e de respiração antes de uma pregação são bem
úteis. Isso ajuda a recordar que temos um corpo, dotado de diversos conjuntos de
músculos em torno da face, queixo, pescoço e tórax.
Quando for pregar, encare o povo com firmeza, com segurança, mas sem arrogância
e altivez. Imagine que tristeza um pregador arrogante e orgulhoso! Os olhos são umas
das principais janelas da alma. Deixe sua alma de pregador à mostra para que todos a
vejam. Deixe que todos tenham acesso a seus valores, suas convicções e sua fé.
Tenha um olhar gentil e sincero, mas não de mel, como se anunciasse um Jesus
açucarado. Ao contrário, cultive um olhar adulto, viril e paterno. Em se tratando de uma
 pregadora,
 pregadora, seja femini
feminina e maternal. Outro conselho
conselho útil
útil: olhe
olhe para todos os que
estiverem presentes. Não fite um único ponto. Olhe para os primeiros bancos, os do
meio, os detrás, de um lado e do outro. Olhe tranquilamente, sem pressa, como um
cinegrafista desejoso de não perder nada.

37
 A voz
voz
Somos a voz do Ressuscitado que passou pela cruz. Ele é vivo, vitorioso sobre a
morte. A voz é tão importante quanto o corpo e a memória na efetivação de uma
 pregação.
 pregação. Quando falamos, existem
existem duas mensagens que saem juntas. A primei
primeira
ra é o que
eu estou dizendo, as palavras e seu significado. A segunda mensagem é a entonação da
voz: alta ou baixa, pausada ou rápida, pausada-alta ou pausada-baixa etc.
Esta segunda é a primeira linguagem que os seres humanos conseguem entender. Um
 bebê, por exemplo
exemplo,, não sabe o que sig signifi
nificam
cam as palavras
palavras dos pais,
pais, mas consegue
consegue
interpretar as expressões faciais e a entonação da voz. Sabe se os pais estão falando com
carinho ou se o estão repreendendo.
Imagine que, numa pregação, o ministro diga: “Deus quer encher seu coração de paz.
Tenha calma e paciência, você vai vencer”, mas o faça com o rosto grave e aos berros,
ou então, rápido como um narrador de leilão de gado. As palavras dizem uma coisa, mas
a face e o tom da voz sugerem outra.
Pensemos também o contrário, o pregador declarando: “Hoje Deus tem um
imperativo para nós: Convertam-se, mudem de vida!” Mas com a voz mansa e o rosto
melancólico. A assembleia ficará, no mínimo, confusa.
O pregador precisa saber exatamente o tipo de reações psicológicas que deseja
 provocar nos seus ouvintes. Ele faz o que está ao seu alcance na certeza de que tudo está
sob o domínio e o controle do Espírito Santo.
Sem voz, não existe pregação. Esta deve ser limpa e bem articulada. Afirmando isso,
não digo que o pregador deva ter voz de locutor. Seria ótimo, mas Deus não chama
somente quem tem voz de locutor. Chama também os fanhos, os gagos. Chama quem
tem voz gasguita, de “taquara rachada”. Salvo raras exceções, ninguém está pronto nesse
aspecto. P recisamos
recisamos exercitar
exercitar,, estudar,
estudar, sempre buscando melhorar
melhorar a dicção.
dicção.
Às vezes a voz é audível, mas pouco compreensível, porque não se pronuncia
corretamente as palavras. Sai aquele discurso embolado, que tortura os ouvidos da
assembleia. Muitas vezes são problemas simples, fáceis de se tratar – desde que se tenha
disposição –, como, por exemplo, respiração errada, excesso de salivação, dentição
deficiente ou falta de hábito de abrir bem a boca e articular as palavras. Nossa nobre
missão de pregadores justifica nosso esforço e dedicação para melhorar nossa voz.
Faça aquecimento e exercício de voz. Se for o caso, faça um tratamento
fonoaudiológico. Por que não? Tudo o que for necessário para comunicar-se melhor 
deve ser feito. Estímulo e exercício no aparelho fonador podem realizar verdadeiros
milagres. Nossa fala deve ser audível, nítida, ampla e expressiva, mas sem ser teatral.
Deve ser forte e vigorosa, sem ser agressiva. Um bom recurso é ter o hábito de gravar 
suas pregações e ouvi-las depois.
Outro exercício que pode fazê-lo crescer no desempenho da sua missão de pregador 

38
é tomar um texto e lê-lo em bom tom, emprestando a voz aos sentimentos que o texto
sugere. Grave e ouça depois, procurando perceber quais são os fonemas que você tem
mais dificuldades de pronunciar.
Imposte sua voz ao falar. Impostar significa deixar em evidência as características de
sua própria voz, a fim de que o som saia da melhor forma possível. Mas, tome cuidado,
não enfie o microfone dentro da boca. O objetivo do microfone não é melhorar a voz,
mas ampliar. Se sua voz for defeituosa, o defeito será ampliado; se for empostada e bem
articulada, terá o mesmo efeito.
Por fim, aprenda a respirar do modo correto. Descubra a habilidade de respirar pelo
diafragma e não pelo tórax. Você verá em pouco tempo como é vantajoso essa forma de
respirar. Cansará menos e a voz sairá mais limpa. Deite-se na cama ou num tapete,
relaxe, coloque sua mão sobre o abdômen e respire, sentindo-o subir e descer 
lentamente. Faça esse exercício por um tempo e adquirirá o hábito em alguns dias.
 A memória
memória

A memória é uma grande faculdade da alma. Os animais têm uma memória instintiva,
são capazes de lembrar. Isso os ajuda a se orientar no espaço, a saber onde encontrar 
alimento, a fugir de situações perigosas. A memória animal é primária, orientada para a
sobrevivência. O homem, por sua vez, é dotado de razão. Não apenas lembra das coisas,
mas também é capaz de pensar, refletir criticamente sobre aquilo que se lembra. Além
disso, consegue fazer associações, conexões, o que lhe possibilita dar o próximo passo na
vida, tomar alguma decisão de forma mais acertada e consciente.
A memória é, sem dúvida, uma poderosa ferramenta de trabalho para qualquer 
 pessoa. Em se tratando do pregador
pregador,, poder-se-ia
poder-se-ia dizer
dizer que é importantíssi
importantíssima.
ma. Isso se
deve ao fato de que a pregação tem caráter espontâneo, marcado pelo improviso. Claro,
 podemos valer-nos de alg
algumas anotações para que, numa rápida
rápida olhada,
olhada, passamos ver o
roteiro, o esqueleto da pregação. Porém, esse esqueleto precisa de carne para que o
discurso forme um corpo sadio. Neste ponto necessariamente terei que contar com a
memória.
Encontramos aqueles que se acomodam e dizem: “Ah! Minha memória é péssima,
nunca poderei me tornar um pregador vibrante”. Bem, se o seu caso for patológico, você
 pode contar com os benefícios
benefícios da medicin
medicina.
a. Hoje encontra-se ótimos
ótimos medicamentos com
a finalidade de melhorar a memória. Consulte seu médico.
Entretanto, muitas outras pessoas têm dificuldades com a memória simplesmente por 
falta de exercícios. A memória pode ficar musculosa, robusta como o corpo, tornando-se,
assim, um auxílio para a missão. Mas sem exercício isso é impossível. Para melhor 
ilustrar a importância da memória, disponibilizamos esse trecho de um artigo tirado do
site Mundo vestibular:
 Por volta de 1970, o psicólogo inglês Tony Buzan desenvolveu uma técnica de

39
memorização bastante eficaz conhecida por Mapeamento Mental. Segundo Buzan, não
az sentido estudar alguma coisa e não conseguir lembrar-se dela depois. E essa
“falha” normalmente acontece porque as pessoas são habituadas a fazer anotações
lineares, organizadas, item por item. Porém, não é assim que o cérebro funciona.
 Buzan propôs
propôs aos seus alunos que “desenhassem” as informações em forma de
árvores, com muitos galhos e, de preferência, bem coloridas. Esses galhos deveriam
cruzar-se com outros galhos, estabelecendo assim uma espécie de “rede de
comunicação” com todas as informações associadas entre si. O resultado foi o melhor 
ossível.
 A técnica dos Mapas Mentais é, hoje em dia, um dos melhores
melhores e mais eficazes
recursos didáticos, principalmente no estudo de matérias discursivas. Seria uma boa
que você se inteirasse sobre esta técnica que pode melhorar bastante a sua capacidade
de memorização.
 Enquanto isso, aprenda
aprenda que aquelas “anotações bonitinhas”,
boniti nhas”, lineares e
organizadas que você faz no seu caderno não funcionam! Você precisa fazer anotações
“expressivas,” coloridas, ligadas entre si por setas e curvas, de preferência com
muitos desenhos. É disso que a memória gosta!
 Lembre-se:
 Lembre-se: a memória tem uma predileção especial
e special por informações
i nformações extravagantes,
absurdas, divertidas, grandiosas, coloridas e emocionantes. As informações lineares,
banais, inexpressivas, “bem comportadas” e em preto-e-branco, são descartadas pela
memória na primeira esquina. É assim que a banda toca”. 17 
Saber descer do palco
O grande cantor e compositor católico, padre Zezinho, diz que aprender a descer do
 palco
 palco é tão importante quanto aprender a subir subir. Esse conselho
conselho vale
vale também para o
ministro da Palavra. Ao término da pregação, se for conveniente, faça um breve
momento de oração, na confiança de que somente o Espírito Santo pode organizar tudo
no interior dos fiéis. Se possível, permaneça ainda mais um pouco, converse com o
 povo, receba os feedbacks nas palavras
palavras de agradecimento.
agradecimento. Quem não se avali
avalia e não se
expõe à apreciação de pessoas sensatas corre o risco de repetir os mesmos erros no
futuro. P regadores
regadores inteli
inteligentes têm sempre um canal aberto para correções e críticas.
Lembre-se: Jesus também não agradou a todos. O grande apóstolo Paulo também
viveu momentos de fracassos. Guarde suas anotações, que são sempre úteis para
 pregações
 pregações posteriores, procurando sempre corrigir
corrigir o que não foi tão bom.
É comum que pessoas que foram particularmente provocadas pela pregação venham
nos procurar depois para sanar dúvidas, pedir conselhos, criticar ou simplesmente
desabafar. Ouça-as com caridade e humildade e ajude no que for possível. Não tenha a
 pretensão de ter respostas para tudo, porque, vamos combinar...
combinar... você não tem. Culti
Cultive
ve

40
uma modéstia intelectual. Isso o protegerá de situações constrangedoras.

41
Serviço
de cruz

42
Serviço de cruz

Ser pregador não é título de honra. É, antes, uma forma excelente de caridade. É ter 
a coragem de dar “a cara a tapa”. Quem é muito apegado à sua autoimagem dificilmente
será um pregador vibrante. O ministério exige do eleito uma grande disposição para o
abaixamento. Isso porque seus acertos e erros se dão diante de todos.
O pregador comprometido inevitavelmente torna-se popular. Isso para muitos pode
ser o máximo. No entanto, com o tempo, descobrirá que é uma cruz. Sua imagem passa
a não lhe pertencer mais, mas a Deus e aos outros.
 Nesse sentido,
sentido, o servo da Pal
Pa lavra tem que desenvolver
desenvolver um forte senso de dever,
uma caridade ardente e muita responsabilidade. O povo o conhece como uma pessoa de
Deus e não espera outra coisa a não ser que você viva como tal. Estarão de olho em
como você se veste, como se relaciona, os lugares que você frequenta. Não para vigia-lo,
mas porque o têm como referência e querem imitá-l
imitá-lo.
o.
A princípio, isso poderia assustar alguns, a ponto de se recusarem a pregar. “Bom,
não vou pregar, porque aí me vejo isento de ter que dar testemunho”. Santo Agostinho
dizia ao seu povo: “Para vocês sou bispo, com vocês sou cristão. Ser cristão é uma
graça, ser bispo, um perigo”. Antes de querer ser pregador, peça a Deus a graça de ser 
um bom ser humano e um bom cristão. Sou chamado à santidade não porque sou
 pregador
 pregador,, mas
m as porque sou cristão.
cristão.
A pergunta que poderíamos fazer é a seguinte: Quero ser santo, independentemente
de ser pregador? Se a resposta é sim, esse medo do testemunho é descabido. O pregador 
deve ser, antes de tudo, um bom cristão. Não tenhamos medo de ser testemunhas
ousadas do Evangelho. Deus se utiliza de tudo, até mesmo de nossas fraquezas e
imperfeições. Não nos deixemos paralisar pelo perfeccionismo, mas aprendamos com
nossos erros. “Ide pelo mundo e pregai
pregai o Evangelho
Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
16, 15).

43
 Anexo

44
 Anexo

 A import
importância
ância da Palavra de
de Deus
Deu s para
para a pregação
O objetivo deste artigo é apresentar, ainda que brevemente, a Sagrada Escritura
como base para o discurso sobre Deus que, em linhas gerais, podemos chamar de
theológico. O termo theologia  pode nos assustar por não buscarmos, em nossas
 pregações
 pregações – nos grupos de oração, nas paróquias,
paróquias, na catequese – o nível acadêmico,
sistemático, com todos os critérios da ciência teológica. Todavia, ent ender
ender que todo
discurso sobre Deus é, de certo modo, theológico  – se é corretamente feito, com base no
fundamento sólido da Palavra e segundo a Tradição –, nos ajuda a compreender a
seriedade e, por isso, a responsabilidade com as quais devemos abraçar tal apostolado.
esta linha, o artigo colabora – assim esperamos – com o objetivo deste livro Como
azer uma pregação, indicando a base de qualquer discurso sobre Deus. Dito isso,
iniciemos esclarecendo, antes de tudo, o termo Theologia.
niciemos esclarecendo,

O que é a Theologia?18
Se desmembrarmos tal termo, chegaremos à conclusão imediata de que Theologia é
o discurso sobre Deus ou sobre as realidades divinas 19. Mas, o que parece óbvio perde a
sua obviedade quando nos perguntamos: “Mas afinal, quem é que faz tal discurso?” A
resposta mais espontânea seria: “o homem”. Porém, a fé cristã não parte de um discurso
humano, não tem a sua origem, base e fonte no pensamento puramente natural. Em
outras palavras, não é o homem que alcança a Deus com seu pensamento ou esforço,
mas sim Deus que “alcança” o homem, dando-lhe acesso à sua vida divina, através da
revelação que Ele faz de Si mesmo, por meio de gestos e palavras intimamente unidos 20.
A revelação que Deus faz de Si mesmo tem o seu gesto máximo na pessoa do Filho
Encarnado; por isso, o evangelista João afirma: “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho
único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18).
Por isso, podemos afirmar que a iniciativa da Theologia, ou discurso sobre Deus, não
vem do homem, mas sim de Deus mesmo, que “muitas vezes e de modos diversos falou
[...], outrora, aos Pais pelos profetas; [e que] agora, nestes dias que são os últimos,
falou-nos por meio do Filho” (Heb 1,1-2). Por consequência, o homem pode falar sobre
Deus, somente como efeito do fato de que Deus se revelou, falou de si mesmo,
agraciando o homem com a sua Palavra, colocando-a em sua boca, para que ele
soubesse falar das realidades divinas. Em outras palavras: o que Deus falou de si é a base
e a possibilidade de nosso discurso sobre Ele. Podemos, então, nos perguntar: “o que é
esta Palavra?”; e ainda, “como posso ter acesso a esta Palavra?”
 A sinfonia
sinfonia presente no termo
termo “Palavra de Deus” 
45
Temos que dizer que o termo “Palavra de Deus” não é unívoco, ou seja, não tem um
só significado, mas expressa em si uma diversidade sinfônica, isto é, nesta diversidade
não há contradição, como em uma sinfonia os diversos instrumentos não se contrastam,
mas formam um complemento harmonioso.
harmonioso.
Se a Palavra, comunicação, de Deus tem o seu vértice no Filho, Palavra de Deus que
se faz carne (Jo 1,14), então, podemos concluir que todos os outros significados de
“Palavra de Deus” são parte da sinfonia na qual se exprimiu e se exprime o Filho de
Deus, Jesus Cristo 21. “Além disso, se no centro da revelação divina está o
acontecimento de Cristo, é preciso reconhecer que a própria criação [...] constitui
também essencialmente parte desta sinfonia”22. Do mesmo modo, Deus fez ouvir sua
Palavra falando pelos Profetas e, posteriormente, pelos apóstolos, que obedeceram ao
mandato de Cristo: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura”
(Mc 16,15). Por conseguinte, a Sagrada Escritura e a Tradição viva da Igreja são
mediadoras da única Verdade salvífica, pela qual o homem, pela fé, acolhe a Palavra de
Deus – ou seja, o próprio Jesus – e é introduzido na vida divina 23.

performativo24 da Palavra de Deus


 Valor performativo

A Sagrada Escritura, mediadora da Verdade, tem em si uma força performativa, já


 presente e testemunhada desde o Antig ntigo Testamento. Ajuda-nos, para aprofundar esta
compreensão, a análise do termo hebraico “dᾱbᾱr”, que contém, principalmente, duas
 possíveis
 possíveis traduções: “palavra”
“palavra” e “acontecimento”.
“acontecimento”. Isso quer dizer
dizer que o hebreu não
 pensa tal termo como algo
algo estático,
estático, ou como uma simples
simples expressão
expressão oral; ao contrário,
contrário,
ele o vê como algo dinâmico e que tende à realização do que nele está contido e
expresso25. Pelo fato da “dᾱbᾱr” divina ser um princípio ativo que opera o que nela é
anunciado, ela é, inseparavelmente, um fato e um significado; isto é, no exato momento
em que é pronunciada, algo acontece 26. Daí podermos falar de teologia da Palavra, pois,
diz o salmo: “O céu foi feito com a palavra do Senhor, e seu exército com o sopro de
 sua boca.” (Sl 32,6). Também estão ligadas a este princípio a maldição e a benção. Esta
última tem em si “uma força que realiza o que as palavras exprimem”27   e, uma vez
 pronunciada,
 pronunciada, tal força não pode ser retomada pelopelo homem (Cf. Gn 27,33-35); isto se
deve ao fato de que a benção não provém do homem, mas sim de Deus, mesmo quando
Ele não é mencionado. 28
O Novo Testamento também testemunha, e de modo particular, o valor performativo
da Palavra. Podemos dizer que ela é um instrumento presente em quase todas as curas,
milagres e prodígios realizados por Jesus. Ao leproso, Ele diz: “eu quero, sê purificado.”
(Cf. Mt 8,3), e a purificação acontece imediatamente. Ele ordena e os demônios são
expulsos (Cf. Mt 8,28-34; Lc 9,37-43), fala e o mar se acalma (Cf. Mc 4,35-41); com a

46
força de sua voz, convoca Lázaro e este sai do túmulo (Cf. Jo 11,43). Na última ceia, ao
tomar o pão em suas mãos, Jesus disse: “Isto é o meu corpo que é dado por vós”, e
ainda: “fazei isto em minha memória” (Cf. Lc 22,19); estas preciosas palavras
transformaram, e transformam, o simples pão em corpo de Cristo. Ao imperativo, “fazei
isto em minha memória” o valor performativo de tal mandato faz com que a Igreja seja
capaz de responder ao seu Senhor, atualizando a cada dia, por virtude do Espírito Santo
que anima este memorial.
Cristo,
Cristo, Palavra de Deus,
De us, e a Sagrada Escritura

Como já mencionado, existe uma profunda relação entre Jesus Cristo e a Sagrada
Escritura: o Antigo Testamento é preparação para recebê-lo; o Novo é o testemunho de
sua vinda e constante presença na Igreja. De fato, “na composição da Sagrada Escritura
se realizou uma doação divina [...], uma aproximação da natureza divina àquela
humana”29. Tal aproximação e doação se encontram, de modo pleno, concentradas na
 pessoa de Jesus Cristo.
Cristo. A Bíbli
Bíblia é um lug ugar
ar de encontro entre Deus e os homens,
ustamente enquanto é mediadora da revelação plena, ou seja, da fé em Jesus Cristo. Por 
isso, a Sagrada Escritura é “um dos principais elementos constitutivos do grande
sacramento de salvação, que é a Igreja” 30.
A Patrística, e particularmente são Jerônimo, levou tão a sério a relação  Jesus Cristo
 – Sagrada Escritura  que afirmava que esta última nos dá realmente Jesus Cristo e que
não podemos ignorar a Sagrada Escritura sem ignorá-lo 31. E ainda:
 A Patrística, e particularmente são Jerônimo, levou tão a sério a relação Jesus
Cristo – Sagrada Escritura que afirmava que esta última nos dá realmente Jesus Cristo
e que não podemos ignorar a Sagrada Escritura sem ignorá-lo. E ainda:
“Lemos as Sagradas Escrituras. Eu penso que o Evangelho é o Corpo de Cristo;
enso que as santas Escrituras são o seu ensinamento. E quando Ele fala em ‘comer a
minha carne e beber o meu sangue’ (Jo 6, 53), embora estas palavras se possam
entender do Mistério [eucarístico], todavia também a palavra da Escritura, o
ensinamento de Deus, é verdadeiramente o corpo de Cristo e o seu sangue. Quando
vamos receber o Mistério [eucarístico], se cair uma migalha sentimo-nos perdidos. E,
quando estamos a escutar a Palavra de Deus e nos é derramada nos ouvidos a Palavra
de Deus que é carne de Cristo e seu sangue, se nos distrairmos com outra coisa, não
incorremos em grande perigo?”32
Esta sacramentalidade da Palavra, pela presença de Cristo nas Sagradas Escrituras,
foi fortemente expressa
expressa no documento Verbum Domini , que nos recordou – com base na
Sacrosanctum Concilium – que na proclamação da Palavra de Deus, particularmente na
celebração eucarística, “é o próprio Cristo que se faz presente e se dirige a nós” 33.
Todavia, esta comunicação feita por Cristo não é uma informação, mas sim uma auto-

47
comunicação, que gera – nos corações que se abrem – uma conformação de pensamento
e de vida com o próprio Cristo.
Enfim, com base no que foi dito acima, podemos afirmar que a Sagrada Escritura
“constitui um meio verificável de comunicação e de comunhão entre o povo que crê e
Deus Pai, Filho e Espírito Santo” 34; por ser mediadora da Verdade – já que o Texto
Sagrado é divinamente inspirado – ela está em profunda relação com o mistério da
encarnação: seja porque a Escritura Santa contém, através da própria materialidade, a
mensagem sobre o anúncio e o cumprimento do mistério de Jesus Cristo, como também
 porque ela
ela realizou,
realizou, e continua
continua a realizar,
realizar, a união
união entre Deus e os homens; ou enfim,
 porque nela
nela a realidade
realidade divi
divina
na e a reali
realidade humana encontram um meio perene de
comunhão.35
Nota conclusiv
con clusivaa
Ao final deste artigo, podemos concluir que não é possível falar de Deus
adequadamente sem recorrer à Sagrada Escritura, em uma leitura eclesial, tendo por 
mestres os Padres da Igreja e todos aqueles que se uniram – na comunhão com a
Sagrada Tradição – para manifestar as riquezas de Cristo contidas no Texto Sagrado.
Todo discurso sobre Deus, ou seja, theológico, deve encontrar o seu apoio, como em
 perene fundamento, nesta Pal Pa lavra inspirada. Nela, a Theologia  se fortalece
nspirada. Nela,
firmissimamente e sempre se revigora perscrutando, à luz da fé, toda a verdade
encerrada no mistério de Cristo. 36
 Não se servir
servir da Sagrada Escritura
Escritura no mini
ministéri
stérioo da P alavra
alavra é como manter um
discurso sem ânimo nem vida, já que esta é como que a alma da Theologia37 . Por isso,
a Constituição  Dei Verbum  afirma que da Sagrada Escritura se nutre salutarmente e
santamente floresce todo o “ministério da Palavra, a saber, a pregação pastoral, a
catequese e toda a instrução cristã, na qual deve ter um lugar de destaque a homilia
litúrgica.” Fora deste sólido fundamento não construiríamos senão casas sobre a areia,
cuja debilidade o próprio tempo se encarrega de mostrar.
Convém, por último, dizer que a Palavra, antes de ser pregada, deve ser sustento e
vida do pregador. Sem isto, a pregação se reduziria a um teatro mal interpretado, que
 poria
 poria em risco
risco a “plateia”
“plateia” e o “ator”. Devemos rezar com a Palavra e tê-latê-la em nossos
lábios mais do que qualquer outro texto, e deste modo, deixar que ela ilumine as nossas
trevas, nos purifique e nos eleve. De fato, “só este texto é divino e inesgotável. O gosto e
sobretudo o saber se contentar deste texto na oração é um sinal de que fizemos
 progresso.” 38  Por isso, firmemos nossas palavras, e mais, nossas vidas – através da
 progresso.”
oração – na solidez de Cristo, que se dá de modo perene e seguro em Sua Palavra.

Elton da Silva Alves 39

48
49
Outros livros da autora

• Amor Esponsal
• Anjos Nossos de Cada Dia
• Ao Amor da Minha Vida I
• Ao Amor da Minha Vida II
• As Alegrias de Maria
• Belo é o amor humano
• Deus é a felicidade
• Enchei-vos
• Escolhi a Santidade
• És precioso - 10 dias de oração para a cura da autoimagem
• Filho de Deus, Menino Meu
• Joaquim e sua padiola
• Leve a sério sua Vida Espiritual
• Louvor Brasa Vida
• Luz para os meus passos Vol. 01
• Luz para os meus passos Vol. 02
• Mãe da nossa fé
• Na fenda da Rocha
• O Segredo da Providência Divina
• O Segredo de Madalena
• Obra Nova: Caminho de e para a felicidade
• Tecendo o Fio de Ouro

50
51
52
Notas
[1]. Fundador e moderador geral da Comunidade Católica Shalom, nascida e sediada
[1].
em Fortaleza, no Ceará.
[2].. Cofundadora e formadora geral da Comunidade Católica Shalom.
[2]
[3]. Fundador da Comunidade Canção Nova e um dos pioneiros do movimento
[3].
carismático no Brasil.
[4].. Fundador da Comunidade
[4] Comunidade Bethania, falecido
falecido em 2007.
[5].. Fundador da Comunidade
[5] Comunidade Bethania, falecido
falecido em 2007.
[6]. PAPA FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. A alegria do
[6].
Evangelho. São Paulo: Paulinas, 2013. p.125.
[7]. Areópago era o lugar onde os atenienses se reuniam para ouvir a última novidade
[7].
em doutrinas filosóficas e que Paulo se dirigiu para pregar.
[8]. PAPA FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. A alegria do
[8].
Evangel
Evangelho.
ho. São Paul
P aulo:
o: Paulinas,
Paulinas, 2013. p. 128-129.
[9].. Idem, p. 129.
[9]
[10]. Os princípios da Lectio Divina foram expressos por volta do ano 220 e
[10].
 praticados
 praticados por monges
monges católi
católicos, especial
especialmente
mente as regras
regras monásticas
monásticas dos santos:
Pacômio, Agostinho, Basílio e Bento. Santa Teresinha do Menino Jesus dizia, em
 período de aridez
aridez espiri
espiritual
tual,, que quando os livros
livros espiri
espirituai
tuaiss não lhe dizi
diziam
am mais nada,
ela buscava no Evangelho o alimento de sua alma. A Lectio possui quatro passos: 1-
 Lectio   (Leitura); 2-  Meditatio
 Meditati o  (Meditação); 3- Oratio  (Oração) e 4- Contemplatio
(Contemplação).
[11]. PAPA FRANCISCO. Exortação apostólica  Evangelii Gaudium. A alegria do
[11].
Evangelho . São Paulo: Paulinas, 2013. p. 120.
[12]. PAPA FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. A alegria do
[12].
Evangelho. São Paulo: Paulinas, 2013. p.132.
[13]. PAULO VI. Exort. Ap.  Evangelii nuntiandi  (8 dezembro de 1975), 40: Aas 68
[13].
(1976), 31.
[14].. MOHANA, João. Como ser um bom pregador. São Paulo: Ed Loyola, 2005, p.
[14]
9.
[15]. PAPA FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. A alegria do
[15].
Evangelho. São Paulo: Paulinas, 2013, p.128.

53
[16]. Texto adaptado de: MOHANA, João. Como ser um bom pregador. São Paulo:
[16].
Ed. Loyola, 2005, p.4.
[17]. Leia mais em: http://www.mundovestibular.com.br/articles/587/1/Memorize-o-
[17].
que-Estudou/Paacutegina1.html
[18]. Queremos propor aqui um sentido amplo de Theologia, entendendo-a como
[18].
discurso sobre Deus. Pelo fato de não estarmos em um tratado de Teologia, nossa
resposta será simples e breve, servindo somente para nos introduzir na temática seguinte.
[19]. Theo (= Deus) +  Logia  (= discurso). O sufixo nominal “ia” aplicado ao termo
[19].
 Logos, indica a ação ou o efeito da ação; neste caso, a ação ou o efeito de discursar, falar 
sobre Deus. Cf. R. ROMIZI, «θεολογία »,Grego antico, Zanichelli, Bologna 2007, 612.
[20]. Cf. Compêndio do Vaticano II, Constituição Dogmática: Dei Verbum, Vozes,
[20].
Petrópolis
Petrópolis 2000, 122.
[21]. Cf. BENTO XVI, Exortação apostólica pós-sinodal: Verbum Domini, Paulinas,
[21].
São Paulo 2011, 18.
[22]..  Ibid.
[22]
[23]..  Ibid.
[23]
[24]. Entende-se por performativo o efeito real que a palavra pronunciada produz,
[24].
realizando exatamente aquilo que expressa. Cf. A. M. ARTOLA – J. M. SÁNCHEZ
CARO, Bíblia e Palavra de Deus, Ave-Maria, São Paulo 1996, 25, nota 6.
[25]. Cf. G. ZIENER, «Parola» in J. BAUER,  Dizionario
[25]. bibli ca,
 Dizi onario di teologia biblica
Morcelliana, Brescia 1969, 948.
[26].. C. ROCCHETTA,  I Sacramenti della fede, Bologna 1988, 205.
[26]
[27]. J. SCHARBERT, «Benedizione», in BAUER,  Dizionario
[27]. bibli ca,
 Dizi onario di teologia biblica
181.
[28]. Cf. SCHARBERT, «Benedizione», in BAUER,  Dizionario
[28].  Dizi onario di teologia
biblica, 181.
[29]. M. TÁBET, Teologia della Bibbia: studi su ispirazione ed ermeneutica
[29].
biblica, Armando, Roma 1998, 87.
[30]..  Ibid.
[30]
[31]. Cf. JERÔNIMO, PSALMUM 147: CCL 78, 337-338 in BENTO XVI, Verbum
[31].
 Domini , 56.
[32]..  Ibid. , 114-115.
[32]
[33]..  Ibid.
[33]
[34].. TÁBE
[34] T ÁBET,
T, Teologia della Bibbia, 92.

54
[35].. Cf.  Ibid.
[35]
[36].. Cf. Compêndio do Vaticano II,  Dei Verbum, 137.
[36]
[37]..  Ibid.
[37]
[38]. MARIE-EUGÈNE DE L’ENFANT JÉSUS,  Je veux voir
[38]. voi r Dieu, Éditions du
Carmel, Venasque 1998, 207.
[39]. O autor deste artigo é membro da Comunidade Católica Shalom desde 2001,
[39].
como Comunidade de Vida. Dentre as missões pelas quais passou, morou em Lugano -
Suíça, onde completou os estudos Filosófico-Teológicos como bacharel em Teologia,
concluindo, em seguida, o Mestrado em Teologia bíblica pela Faculdade de Teologia de
Lugano (FTL).

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Índice
Expediente 2
Apresentação 3
Introdução 4
Qual a identidade do pregador? 7
A missão do pregador 24
Como fazer uma pregação? 28
Serviço de cruz 42
Anexo 44
Outros livros da autora 50
 Notas 52

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