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OBJETIVO NORMANDIA

A ofensiva passo a passo

COMANDOS
Ponta de Lança

RESISTÊNCIA E
ESPIÕES
Qual o seu papel?

MULHERES
Heroínas desconhecidas

DIA D
A HISTÓRIA NÃO CONTADA
3
“Estais prestes a embarcar na Grande
Cruzada, na qual temos investido todas as
nossas energias desde há muitos meses.
Os olhos do mundo estão postos em vocês” “.

General Eisenhower
(carta para as tropas antes do Dia D)
GETTY IMAGES

O DIA QUE MUDOU O MUNDO

P
ode-se dizer que a 6 de junho de 1944, o poder com que a Alemanha nazi assediava a ve-
lha Europa começou finalmente a vacilar. Era o Dia D, um termo militar para o primeiro
dia de qualquer operação. As tropas aliadas do Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e
França, entre outros países, atacaram o exército alemão na costa do norte de França. A data
marcada no calendário era o dia anterior, o dia 5, mas o mau tempo fez com que a operação
fosse adiada por um dia. De manhã cedo, várias divisões de paraquedistas aterraram atrás das
linhas inimigas, enquanto milhares de navios se juntaram ao largo da costa da Normandia. Os
nazis acreditavam que estas eram meras manobras de distração.
Nesta edição contamos-lhe passo a passo o que aconteceu, deixando de lado alguns ídolos e evi-
denciando algumas pessoas reais que lutaram. Redigida por grandes especialistas na matéria,
esta edição, não o deixará indiferente. Desfrute da sua leitura.

CARMEN SABALETE
Diretora

5
CONTE
CRONOLOGIA .............................. 8 AS ESQUECIDAS
“DAMAS DO DIA D”.................... 60
OBJETIVO NORMANDIA............. 14
GENERAIS
A DUPLA CRUZ........................... 20 FRENTE A FRENTE .................... 72
A MURALHA A BATALHA CLANDESTINA ....... 82
DO ATLÂNTICO........................... 28
INVENÇÕES DE GUERRA........... 92
A GUERRA NO AR....................... 36
A VIDA QUOTIDIANA
OS COMANDOS.......................... 50 EM TEMPO DE GUERRA......... 102

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Mapa dos desembarques
do Dia D exposto em
Pointe du Hox, Normandia,
onde os soldados Aliados
escalaram penhascos
de 27 metros.

ÚDOS
SHUTTERSTOCK

ESPANHÓIS DESEMBARQUE
NO DESEMBARQUE................ 110 NO CINEMA.............................. 156
SALVAR OS PENHASCOS........ 118
O HUMOR DESEMBARCA
“SWORD” E “GOLD”................ 128 NA NORMANDIA...................... 166
A VINGANÇA DO CANADÁ VERDADES E MENTIRAS......... 178
NO INFERNO DE JUNO............ 138
LEÕES VS. ÁGUIAS GLOSSÁRIO.............................. 186
EM CARENTAN......................... 148

7
CRONOLOGIA
Em meados de 1944, a Segunda Guerra Mundial estava
a inclinar-se a favor dos países Aliados. Com o avanço
do Exército Vermelho começava a desmoronar-se o
avanço alemão. Entretanto, em França, uma das maio-
res operações aéreas da história estava a ter lugar:

DO DIA D
as aterragens na Normandia. Foi em 6 de junho de
1944, quando os Aliados desembarcaram em massa
e de surpresa nas praias daquela região de França,
com os alemães à sua espera muito mais a norte,
no desfiladeiro de Calais. Uma gigantesca operação
militar que foi lançada enquanto Hitler dormia.

5 de junho, 22:00 h 6 de junho, 00:05 h 00:15 h


Em Londres, o General Dwight Eisenhower, comandante- Estava quase lua cheia quando Mil planadores desembarcaram para descarregar ho-
chefe das forças aliadas, observa os paraquedistas com 5.000 toneladas de bombas foram mens e material. Alguns foram amarrados nas estacas
os seus rostos pintados de preto, desembarcar. A Rádio largadas por aviões Aliados sobre que o marechal alemão Erwin Rommel mandou construir
Londres, 45 minutos antes, alertou a resistência francesa os alemães ao longo da costa. nas praias ou naufragaram nos pântanos. Os Aliados,
do lançamento da operação ao transmitir uma linha de um contudo, conseguiram na pequena comuna de Bénou-
poema de Verlaine : “Os longos soluços dos violinos de ou- ville tomar o controlo de uma ponte estratégica, a
tono ferem o meu coração com uma languidez monótona”. ponte Pegasus perto do café Gondrée, frequentemente
citada como a primeira casa libertada em França.

6:45 h 5:58 h
Na praia de Omaha, dominada por falésias, o de- Amanheceu e a maré estava baixa: o plano era
sembarque tornou-se um pesadelo. O mar era mui- que os americanos desembarcassem de cer-
to agitado, a água gelada, e tanques, barcos e ca de 5.000 barcos. As tropas britânicas e as
soldados equipados estavam a afundar-se. tropas canadianas também desembarcariam.

7:30 h 7:45 h 8:00 h


Cerca de 53.000 britânicos de- Em Utah, desembarcaram Em Juno, os canadianos-
sembarcaram em Gold e Sword. 23.250 homens, dos quais 200 perderam 878 homens
1000 foram mortos ou feridos. foram mortos ou feridos. de um total de 21.400.

8
I Exército II Exército II Exército
Americano Americano Britânico

Resistência alemã
Primeiro assalto dos Aliados
Tropas aerotransportadas
Limites dos alvos do Dia D aliado França
Áreas ocupadas nas primeiras 24 horas

Das 00:50 h às 2:30 h


Milhares de paraquedistas britânicos e americanos foram
largados na costa normanda. Em Sainte-Mère-Eglise, um deles
passou a noite suspenso na torre do sino da igreja. Em menos
de 6 horas, cerca de 23.000 homens conseguiram manter
as linhas de comunicação com as praias de desembarque.

5:00 h 2:30 h 1:15 h


Adolf Hitler estava a dormir e a sua comiti- Os paraquedistas britânicos to- As unidades alemãs foram alertadas, mas o Ma-
va considerou inútil acordá-lo. Os alemães, maram Ranville, a norte de Caen. rechal Rommel, que tinha regressado à Alema-
que estavam à espera dos Aliados muito mais nha para o aniversário da sua esposa, estava
a norte em Calais, não acreditavam num a dormir e só foi alertado às 10 da manhã.
desembarque em massa na Normandia.

9:30 h 10:00 h 12:00 h 18:00 h


Eisenhower anunciou, aliviado, “o desembarque dos Hitler foi des- Em Londres, Winston “A suprema batalha está em cur-
exércitos Aliados na costa norte de França”. Tam- pertado pela Churchill anunciou so!”, declarou o General
bém tinha preparado um comunicado para anunciar sua comitiva. o desembarque Charles de Gaulle em Londres.
a retirada das tropas no caso de a operação falhar. no Parlamento.

POR CARLOS AGUILERA

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Um tanque Churchill e soldados
alemães entre as barreiras de
separação no porto francês de
Dieppe, em agosto de 1942.

10
objetivo
NORMANDIA
Quatro anos para um desembarque

GETTYIMAGES

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O
desembarque na Normandia é sua atenção para um novo projeto: a Opera-
uma das maiores façanhas mili- ção Barbarossa, a invasão da poderosa União
tares da história. A sua comple- Soviética.
xidade, os seus recursos, a sua
execução e, sobretudo, as suas consequên- COMANDO UNIFICADO
cias, tornaram-no uma das operações mais Ao longo do conflito, os Aliados enfrentaram
determinantes orquestradas pelos Aliados. uma série de problemas graves: a existência
A data que marcou o princípio do fim da de duas frentes de batalha, a débil economia
Segunda Guerra Mundial foi 6 de junho de e a falta de recursos para prosseguir a guerra
1944, mas os preparativos começaram quatro foram apenas alguns deles, mas também a
anos antes. Porque é que os grandes líderes necessidade de ter uma frente comum face
mundiais decidiram desembarcar na Europa? à grande ameaça.
Havia alternativa? Houve outras tentativas? Em relação aos escassos recursos, o Reino
Durante os dois primeiros anos da guerra, Unido e a URSS celebraram uma série de
Adolf Hitler (1889–1945) e o seu podero- acordos com os Estados Unidos para superar
so exército varreram a Europa enfrentando a falta de liquidez e poder rearmar as suas
pouca resistência, incluindo um Reino Uni- tropas. O primeiro destes foi o chamado Cash
do sitiado. Embora não tenham conseguido and Carry. Assinado alguns meses após o iní-
penetrar neste território, graças aos esfor- cio das hostilidades, este tratado garantia a
ços dos valentes pilotos da Royal Air Force, venda de mercadorias a todos os países em
as bombas da Luftwaffe transformaram as guerra com a Alemanha. Outra lei aprova-
ruas inglesas num inferno vivo. Para alívio da pelo Congresso dos EUA foi o Lend-Lease
dos britânicos, em 1941, o Fürhrer voltou a Act, que permitiu a venda ou o empréstimo

Bombardeiros Dornier 217 da Luftwaffe


sobrevoam Londres, em 7 de setembro
de 1940, no início da campanha de
bombardeamentos sistemáticos.

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económicas. Com a URSS devastada pela
guerra, Josef Estaline (1878–1953) salientou
a necessidade de abrir uma nova frente que
dividisse o exército alemão e desse aos so-
viéticos algum tempo para respirar. Para tal,
os Aliados precisavam de uma base a partir
da qual pudessem lançar este ataque. Assim
começou a Operação Round-Up, em abril de
1942, uma acumulação sem precedentes de
material e tropas no sul de Inglaterra. Esta
acumulação resultou na chegada de 1,5 mi-
lhões de homens e cinco milhões de tonela-
das de fornecimentos e mantimentos, entre
muitas outras coisas.

NOVA FRENTE
Os desembarques na Normandia não foram
a primeira opção ou a primeira tentativa de
abrir uma nova frente na guerra antes das
exigências soviéticas. Muito antes, em agos-
to de 1942, foi lançada a Operação Jubileu, o
assalto ao porto francês de Dieppe com 5000
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canadianos, 1000 britânicos e 50 norte-ame-


ricanos. O resultado foi um grande fiasco. O
maior problema foi a perda do fator surpre-
sa, quando um navio alemão que se dirigia
de material em troca do arrendamento de ao mesmo porto se cruzou com a armada
bases militares e navais. Isto contribuiu mui- aliada. Nesta batalha de aproximadamente
to para satisfazer as necessidades dos Alia- 6000 homens, 2000 foram mortos e outros
dos nos primeiros anos. O futuro da guerra 2000 capturados. Este fracasso mostrou a
foi marcado alguns meses mais tarde com a necessidade de um ataque cuidadosamen-
entrada dos norte-americanos no conflito. te planeado, para evitar serem novamente
Houve outras dificuldades, para além das derrotados. Uma das primeiras medidas foi a

Dieppe, 19 de agosto de
1942. Corpos de soldados
canadianos jazem entre
lanchas de desembarque
e tanques Churchill do
Regimento de Calgary, após
a Operação Jubileu.
ALBUM

ASC

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Tropas norte-americanas desembarcam
em Arzew, perto de Oran (Argélia), em
8 de novembro de 1942, como parte da
Operação Tocha.

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criação da COSSAC (Chefia do Estado-Maior Churchill. Nela, acordou-se a ocupação de
do Comandante Supremo Aliado), a partir da Itália e assumiu-se o compromisso de prepa-
qual se dirigiriam todas as operações condu- rar vinte divisões no Reino Unido para inva-
centes ao ataque. dir França na primavera seguinte. A missão
Outra tentativa, desta vez culminando em foi designada como “Operação Overlord”.
vitória, foi o desembarque em África. En- Entretanto, na URSS, travava-se uma das
quanto os soviéticos e os alemães travavam mais importantes ofensivas da frente russa,
a feroz batalha de Estalinegrado, os Alia- a batalha de Kursk.
dos prepararam a ofensiva mediterrânica, a Em agosto do mesmo ano, Roosevelt e
Operação Tocha, em resposta à insistência Churchill reuniram-se novamente, des-
do primeiro-ministro britânico, Winston ta vez acompanhados pelo primeiro-mi-
Churchill (1874–1965) em que fosse feito nistro canadiano, William Lyon Macken-
um avanço na Europa a partir do Mediter- zie King (1874–1950). Encontraram-se no
râneo e que fosse descartada a ação a partir Québec, na Conferência do Quadrante,
do canal da Mancha. Em 8 de novembro de para discutir planos para o ataque do Dia
1942, tropas norte-americanas e britânicas D e a rendição italiana. Durante as conver-
desembarcaram em Marrocos e na Argélia sações, surgiram tensões entre os Estados
(governada pela França de Vichy) para abrir Unidos e o Reino Unido: Roosevelt queria
um segundo teatro de operações e controlar
o norte de África para uma possível invasão
da Europa a partir dali.
Depois de convencer o almirante de Vichy
em África, François Darlan (1881–1942), a
mudar de lado e juntar-se aos Aliados, dirigi-
ram-se para as bases do Eixo na Tunísia. Fa-
ce a essa pressão, as ordens de Berlim foram
para Erwin Rommel (1891–1944) regressar a
casa e deixar a costa africana aos invasores.
Esta operação teve uma importância signifi-
cativa: foi a primeira ação conjunta dos Alia-
dos na guerra e o primeiro contacto com um
desembarque em grande escala.

AVANÇAM OS PLANOS
A nível político, teve início em 12 de maio
de 1943, em Washington, a Conferência Tri-
dente, entre o presidente norte-americano,
Franklin Roosevelt (1882–1945), e Winston
ASC

François Darlan.
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tropas como no apoio aéreo. Pensou-se em
Pas-de-Calais, por ser o ponto mais próxi-
mo da costa francesa, mas havia um grande
inconveniente: a Muralha do Atlântico, uma
série de defesas destinadas a evitar a invasão
de França, que se estendia por 4000 quiló-
metros, desde a Noruega até Espanha.
O primeiro projeto, elaborado pela COSSAC,
estabalecia o ataque em três praias da Nor-
mandia, mas Eisenhower viu necessidade de
acrescentar mais setores, para incluir a base
da península de Cotentin.
Para fixar a data, os Aliados confiaram nos
meteorologistas, que receberam ordens para
estabelecer o dia com melhor visibilidade.
Escolhido, de início, 5 de junho. Quanto à
hora, matemáticos encarregaram-se de de-
terminar a melhor hora, de manhã cedo, pois
a maré baixa exporia as armadilhas colocadas
Winston Churchill e nas praias pelos alemães.
Franklin D. Roosevelt.
OS DIAS ANTERIORES
ASC

Até ao último momento, os Aliados mantive-


ram os olhos no céu para determinar o dia e a
afastar as tropas aliadas de Itália para se con- hora da invasão. Nas vésperas do desembar-
centrarem na Operação Overlord, enquan- que, os relatórios do meteorologista-chefe
to Churchill insistia em abrir passagem pela de Eisenhower alertaram para uma mudança
Europa através da fronteira italiana. Neste negativa do tempo durante os primeiros dias
ponto, os norte-americanos foram intransi- de junho, levando o general a adiar a opera-
gentes. Curiosamente, a conferência também ção. De Southwick House, a base naval de
discutiu o Projeto Manhattan, assinando-se Ports­mouth e Quartel-General Supremo da
um acordo secreto para o controlo conjunto Força Expedicionária Aliada (SHAEF), foram
do plano nuclear. enviados dois submarinos para a costa fran-
cesa, para servirem de guias aos navios no
PREPARATIVOS Dia D, mas o agravamento do tempo atrasou
Os Aliados tiveram de chegar a acordo so- os planos em pelo menos 24 horas e obrigou
bre uma série de questões. Onde teria lu- os dois submersíveis a regressar. No entanto,
gar a operação? Em que data? A que horas? as previsões previam uma melhoria signifi-
Concordaram que o desembarque deveria cativa do tempo a partir dessa noite.
ter lugar perto da costa inglesa, a fim de ga- Durante a madrugada de 5 de junho, o tempo
nhar velocidade tanto nos movimentos das melhorou um pouco e tinha de ser tomada

Bunker da Segunda Guerra


Mundial na praia de Wissant,
Nord-Pas-de-Calais, França.
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uma decisão: desembarcar ou esperar? Os invasão. Isso significava que a única forma
meteorologistas previam um ciclo de tempo de conseguir enviar reforços para a fren-
adverso nas duas semanas seguintes, o que te era por estrada. Nos momentos finais, os
poderia pôr em risco toda a operação. No fi- franceses implementaram o Plano Violeta, o
nal, o general ao comando do SHAEF, Eise- corte dos cabos de comunicação nazis, o que
nhower, deu luz verde. A sorte também de- obrigou os alemães a usar a rádio para enviar
sempenhou o seu papel, e a fraca visibilidade os avisos da chegada dos Aliados, recebidos e
fez com que as patrulhas alemãs de vigilância descodificados nas bases britânicas.
do canal não saíssem nessa noite. Isso permi-
tiu que o avanço para as praias prosseguisse CINCO PRAIAS
como planeado. Às nove da manhã, os navios O SHAEF dividiu as zonas de desembarque
zarparam para a costa. em dois setores. A Força Expedicionária Oci-
A Resistência francesa, que contava cerca de dental, formada pelos norte-americanos,
350 mil pessoas, realizou trabalhos de sabo- atacaria as praias Omaha e Utah (nomes de
tagem durante estes últimos dias. Os seus código). A Força Expedicionária Oriental,
membros provocaram o descarrilamento composta por britânicos e canadianos, faria
de comboios, cortando 37 linhas antes da o mesmo nas praias Sword, Gold e Juno.

Os prisioneiros alemães foram reunidos na


praia Omaha, onde as forças de invasão norte-
americanas tinham desembarcado em 6 de
junho. Nesta foto de 10 de junho, veem-se
lanchas de desembarque (LST) na praia, com
balões de bombardeio no ar para protegê-las.

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Omaha foi o grande desafio do Dia D, por que foi estabelecido o mesmo plano de ataque.
causa das suas altas falésias. Os norte-ame- Finalmente, Juno, o setor canadiano, apre-
ricanos escolheram-na sabendo as pesadas sentava duas dificuldades: havia zonas cos-
baixas que iriam sofrer. Utah, por outro lado, teiras que os nazis tinham fortificado, e as
estava muito menos bem defendida. dunas em redor da praia impossibilitavam
O setor britânico concentrou-se em atacar as um avanço rápido.
praias Sword e Gold. A primeira era de parti-
cular importância, pois ficava apenas a quin- ENTRETANTO, NO REICH...
ze quilómetros da cidade de Caen. O objetivo Outra das chaves para a vitória dos Aliados
era tomá-la o mais rapidamente possível, para foi a falta de preparação de Hitler. A magní-
poder criar aeródromos e ter o apoio da RAF. fica estratégia militar e defensiva dos anos
A praia Gold representava um perigo seme- anteriores tinha perdido a sua eficácia com
lhante ao de Omaha, devido às falésias, pelo o passar do tempo. Após o desastre de Die-

A Resistência fez trabalhos de sabotagem


como o descarrilamento de comboios,
cortando 37 linhas antes da invasão
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Soldados abandonam
a praia rumo ao interior.

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ppe, e sabendo que os Aliados iriam tentar
uma nova invasão, o Führer enviou o ma-
rechal Rommel para supervisionar e me-
lhorar as defesas da Muralha do Atlântico.
Algumas das decisões do marechal incluí-
ram o destacamento de unidades militares,
a instalação de obstáculos nas praias para
dificultar a incursão, a utilização maciça
de minas (foram colocados cinco milhões,
e o seu plano era chegar aos vinte milhões)
e a utilização dos famosos “espargos de
Rommel”.
Todas estas medidas criaram dificuldades
aos Aliados, mas tanto Rommel como o
marechal-de-campo Gerd von Rundstedt
(1875–1953) estavam convencidos de que
eram mais espetaculares do que eficazes,
uma vez que era impossível promover uma
defesa total dos milhares de quilómetros
da costa francesa. Outra medida era refor-
çar as praças-fortes já existentes, mas no
Dia D nem sequer 40 por cento dos traba-
lhos previstos tinham sido concluídos.
Ambos acreditavam na necessidade de um
comando único e eficaz a oeste que super-
visionasse a aviação e o exército para es-
tabelecer um plano defensivo, assim que o
ataque ocorresse. Porém, isto não aconte-
ceu: Hitler manteve o controlo total, atra-
sando qualquer ação em caso de invasão
aliada.
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Gerd von Rundstedt e


Erwin Rommel em Paris.

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Os Aliados tinham 34 corpos de infantaria,
500 aviões e mais de 9000 navios e dispunham
de cerca de 3,5 milhões de homens
INEFICÁCIA DE HITLER porte, e mais de 9000 embarcações, incluindo
Os primeiros alertas aos quartéis-generais ale- 76 navios de guerra. Tinham à disposição 3,5
mães, incluindo os que chegaram ao Berghof milhões de efetivos. Quanto à resposta alemã,
(a residência de verão de Hitler) não foram le- somava dez divisões de infantaria na Muralha
vados a sério. Tinha havido numerosos avisos do Atlântico, doze divisões blindadas Panzer e
falsos de invasão nos dias anteriores, e pen- cinco batalhões blindados pesados.
saram que este era apenas mais um. Quando A brilhante execução do plano estabelecido
se soube do incidente da Normandia, tanto o pelo SHAEF, a união de forças de todas as
exército como o comando consideraram-no nações aliadas, a organização da complexa
uma manobra de distração do verdadeiro ata- Operação Overlord sob um único comando,
que a Pas-de-Calais, onde, estavam convenci- o grande destacamento de forças militares
dos, desembarcariam as tropas aliadas. e económicas para levar a cabo a arriscada
Outro facto que os fez desconfiar foram os (mas necessária) decisão de dar novo curso
seus relatórios meteorológicos errados, que à guerra e as missões atrás das linhas inimi-
previam tempestades fortes na costa. Com es- gas foram alguns dos pontos chave para que
se tempo, acreditavam eles, seria impossível o desembarque na Normandia resultasse na
navegar ou voar. grande vitória aliada.
Os Aliados temiam um grande contra-ataque A falta de previsão e organização na franja
das unidades Panzer, mas, para sua sorte, Hi- ocidental francesa, a ausência de um úni-
tler só tomou as primeiras decisões de inter- co comando para gerir todas as operações, o
venção na noite do dia 6. Para culminar a ca- atraso na reação do Estado-Maior Alemão após
deia de erros alemã, pensava-se que, mesmo o desembarque, a falta de resposta aos pedi-
que a invasão ocorresse, as unidades militares dos e exigências de comandantes de unidades
do Terceiro Reich seriam capazes de esmagar como Rommel ou Rund­stedt para melhorar as
o inimigo como o tinham feito antes. Foram defesas da Muralha do Atlântico e a escassez
erros fatais para a Alemanha nazi. de tropas nesta área, sabendo de uma possível
nova tentativa aliada de atacar França, foram
A BATALHA EM NÚMEROS os maiores fracassos da Alemanha. De facto,
Para dar uma ideia deste destacamento sem foi o princípio do fim do Terceiro Reich.
precedentes, as forças aliadas tinham 34 cor-
pos de infantaria, mais de 500 aviões, entre SANDRA NAVARRO
bombardeiros, caças e esquadrões de trans- Historiadora

O Kehlsteinhaus, ou Ninho da Águia,


construído pelo regime nazi nos Alpes
bávaros, perto de Berchtesgaden.
SHUTTERSTOCK

19
A Dupla
A arma secreta
que derrotou Hitler

20
C r u z
ALBUM

21
D
e 6 de junho de 1944, data do de- ças ao trabalho de criptógrafos polacos e do
sembarque, até ao final de agos- matemático britânico Alan Turing, os Alia-
to do mesmo ano, um total de dos decifraram o Enigma, o código secreto
2.000.000 soldados atravessa- alemão, e assim descobriram a identidade
ram o Canal da Mancha em direção à costa de espiões alemães infiltrados no país. Uma
da Normandia. O que é considerado como a vez presos e interrogados, alguns deles tor-
maior operação aérea, naval e terrestre da naram-se parte de um primeiro lote caótico.
história envolveu um esforço logístico ex- O recrutamento de Gosta Caroli “Verão”,
traordinariamente complexo. Nos meses que por exemplo, acabou por ser um verdadei-
antecederam o ataque, centenas de comboios ro fiasco. Tentou fugir estrangulando o seu
marítimos partiram da América do Norte e tutor e foi apanhado pela polícia enquanto
transformaram a Grã-Bretanha num enor- andava de bicicleta com uma canoa. Outros
me depósito cheio de tropas e material. Um como Roger Grosjean “Fido”, um belo piloto
dos principais gestores desta organização, de caça francês, nunca ganhou a confiança
o primeiro-ministro britânico Sir Winston do MI5. Para pôr à prova a sua lealdade, de-
Churchill, alertou os seus parceiros aliados cidiram expô-lo a uma “armadilha de mel”
para a impossibilidade de ocultar estes mo- sob a forma de Angela, uma bela jovem atriz
vimentos. Não surpreendentemente, a pro- com quem o agente iniciou uma relação que
ximidade da linha costeira francesa facilitou terminou em casamento.
o reconhecimento inimigo.
Em 1943, na conferência de Casablanca, o AS TROPAS DE ESPIONAGEM
político encontrou uma solução engenhosa No entanto, os principais sucessos viriam
para o problema: “Em tempo de guerra, a mais tarde com a incorporação de persona-
verdade é tão preciosa que deve ser prote- gens da estatura de Joan Pujol “Garbo”. Es-
gida sob um guarda-costas de mentiras”. A te homem nascido em Barcelona, de fortes
Operação guarda-costas, uma densa teia de convicções pessoais começou no mundo dos
mentiras e enganos concebida para confun- serviços de inteligência,
Vo, clum is, que imisuli no final davenatiendem
civestustil Guerra
dir o alto comando alemão, tinha acabado Civilnocchuctur
Espanhola.utConsciente da perigosa
nos cus confex nit; hosas-publiae
de nascer. Em suma, a conquista das praias censão do nazismo europeu,
consum sulicae decidiu
liquam rei inofere-
ses bondi
foi para alcançar três objetivos básicos: cer-se como espião
temuntertuam dumna embaixada
ium britânica
niu vir patum is poenatu
convencer Hitler de que a ação teria lugar em Madrid, mas uemque
rnimusq foi rejeitado. Destemido,
faut perestratus bonteri
longe da Normandia, manter a data em se- planeou tornar-se um agente alemão a ser
gredo e, finalmente, impedir a chegada de recrutado pelo MI5 numa data posterior.
reforços durante o assalto dos Aliados. Era Assim, sem hesitação, foi para a legação
um plano cuja extrema magnitude tornava alemã e, depois de passar vários testes,
aconselhável dividi-lo em dois blocos: um conseguiu juntar-se à Abwehr, os serviços
destinado à desinformação e o outro à con- secretos do Terceiro Reich.
fusão do inimigo. A sua primeira missão foi monitorizar os mo-
No meio da Segunda Guerra Mundial, os vimentos Aliados na Grã-Bretanha, mas ele
britânicos descobriram as vantagens de desobedeceu à ordem. Em vez disso, foi para
transformar os espiões alemães em agen- Lisboa e de lá, fingindo estar em Londres, uti-
tes duplos. A sua utilização como correias lizou publicações de revistas, mapas e guias de
transportadoras de falsidade e informação viagem para criar a sua própria “ração”. Além
de baixo nível (conhecida na gíria como “ra- disso, a sua imaginação fértil inventou uma
ção para galinhas”) determinou o sucesso rede de colaboradores fictícios estabelecidos
do desembarque. Thomas Argyll Robertson, em várias cidades. O engano funcionou e os
membro dos serviços secretos do MI5, pro- alemães morderam a isca. E não só eles. Os
moveu esta técnica e criou a Dupla Cruz, a Aliados intercetaram as suas comunicações e,
equipa responsável pela sua divulgação. No- depois de lançarem uma busca por ele, des-
mes como Joan Pujol “Garbo”, Dusan Popov cobriram a verdade e reservaram-no como
“Tricycle”, Roman Czerniawski “Brute”, membro da Dupla Cruz.
Elvira de la Fuente “Bronx” e Lily Sergeiev Assim que aterrou em Inglaterra, conheceu
“Treasure” brilharam com a sua própria luz Thomas Harris, o controlador designado
num mundo onde a astúcia e a subtileza an- pelo MI5, com quem se estabeleceu e ex-
daram de mãos dadas. pandiu o anel de Lisboa para vinte e sete
A Dupla Cruz começou com um grupo de in- espiões. Este número permitiu a transmis-
formadores capturados no Reino Unido. Gra- são de uma enorme quantidade de “ração”

22
Um cartaz da Segunda
Guerra Mundial mostra um
empregado de mesa a servir
um casal num café enquanto
uma sombra paira sobre
eles, por volta de 1943. A
palavra “pst!” adverte para
os perigos da conversa
GETTY

descuidada.

23
O agente secreto sérvio Dusan
Popov trabalhou durante a
Segunda Guerra Mundial sob
os nomes de código “Dusko”,
“Triciclo” e “Ivan”.
GETTY

que persuadiu o próprio Hitler de que o Ao contrário de Joan Pujol, o sérvio Dusko
assalto normando era um engodo antes do Popov “Tricycle” não teve problemas em ter
ataque de Pas-de-Calais. Esta informação acesso ao MI5. Jovem, homem de negócios e
causou a contenção de várias divisões ale- advogado, a sua posição económica despro-
mãs e facilitou o avanço dos Aliados. Garbo tegida permitiu-lhe desfrutar de prazeres
foi tão convincente que, apesar da derrota mundanos. Em 1940, o seu amigo Johann
infligida, o Führer agradeceu-lhe pela sua Jebsen apresentou-o à inteligência alemã. A
dedicação, atribuindo-lhe a Cruz de Ferro. sua primeira missão levou-o para Londres,

24
onde se inscreveu com a Dupla Cruz no de- Gestapo e, consequentemente, ao desman-
sembarque. Pouco tempo depois, os alemães telamento da rede. Preocupado com o des-
ordenaram-lhe que criasse uma rede na tino dos seus colaboradores, propôs juntar-
América do Norte, mas esta aventura ter- -se como agente duplo em troca de respeito
minou da pior forma possível. A má relação pelas suas vidas. A Abwehr aceitou e ele foi
entre Popov e o Diretor do FBI, Edgar J. Hoo- enviado para Londres. Assim que chegou, a
ver, aliada a um elevado nível de vida, signi- Dupla Cruz inscreveu-o sob o pseudónimo
ficou o seu regresso de mãos vazias. Após o “Brutus” e produziu uma “ração” capaz de
fracasso, a Abwehr considerou dispensar os enganar os alemães e de assegurar a sobre-
seus serviços e foi então que os britânicos, vivência dos cativos. Como resultado, os
receosos de o perderem, decidiram reavaliar seus relatórios apontavam para um ataque
o seu papel e utilizaram-no para passar uma na Noruega, apontando ao mesmo tempo
“ração” feita à medida. para a liderança de Patton e a localização
A manobra funcionou, e a partir daí forneceu bem conhecida do Pas-de-Calais.
informações sobre possíveis desembarques Elvira de la Fuente Chaudoir, uma mulher
Aliados na Noruega e através atraente e inteligente de
do Pas-de-Calais. Introduziu ascendência peruana,
também a novidade da par- Após o juntou-se ao MI5 depois
ticipação do General George de se juntar aos serviços
Patton na operação, o que foi conflito, a secretos alemães e tor-
uma má notícia para o alto
comando alemão, que tinha
personalidade nou-se a quarta grande
recruta de Robertson.
grande respeito e admiração de Popov Filha de um diplomata
pelo soldado americano. No estacionado em Vichy
entanto, este castelo de cartas inspirou Ian France, recebeu uma
esteve perto de ruir quando o
seu velho amigo Jebsen, que ti-
Fleming a educação requintada
que lhe abriu as portas
nha sido inscrito pelo MI5 sob criar o seu da alta sociedade. De-
o pseudónimo “Artista”, caiu pois de se divorciar do
nas mãos da Gestapo. Preso e personagem seu marido, um rico
torturado, omitiu a sua per-
tença à inteligência britânica,
icónico James corretor de bolsa, es-
banjou grandes somas
um ato heróico pelo qual pa- Bond . de dinheiro nos casinos
gou com a sua vida. Após o fim de Cannes. Pouco de-
do conflito, a personalidade de pois, a invasão da Fran-
Popov inspirou Ian Fleming, escritor e mem- ça levou-a a fugir para a capital inglesa, on-
bro do MI6 britânico, a criar o seu persona- de o MI6 britânico, consciente das suas difi-
gem icónico James Bond. culdades financeiras, lhe ofereceu o seu di-
O caso de Roman Czerniawski “Brutus” é nheiro em troca da sua cumplicidade. Elvira
atípico na medida em que é o único mem- aceitou ser recrutada pela Abwehr e, uma
bro da Dupla Cruz com experiência anterior vez recrutada, juntou-se à Dupla Cruz como
no mundo da espionagem. Este piloto de “Bronx”. Uma vez estabelecida, convenceu
caça polaco começou nos serviços secretos Berlim de que a sua informação provinha de
após um acidente que o afastou da aviação. círculos próximos do poder. A sua princi-
Em 1939, Hitler invadiu o seu país e decidiu pal contribuição foi enviar um telegrama no
fugir para a Grã-Bretanha através da Fran- qual apontava o Golfo da Biscaia como um
ça. No caminho, conheceu Mathilde Carré alvo para os desembarques Aliados.
em Toulouse, uma jovem viúva cujo marido A Revolução Bolchevique de 1917 levou a fa-
foi morto na campanha italiana. Esta enfer- mília de Lily Sergeiev, o quinto membro da
meira, a quem ele apelidou de “a gata” por equipa, a deixar o seu país natal e a estabele-
causa da sua refinada furtividade, ajudou-o cer-se em Paris. Ao contrário de Elvira, a sua
a criar a Interallié, uma rede de inteligência vida não era tão glamorosa. O seu pai come-
ligada à inteligência militar francesa. çou do zero como vendedor de automóveis,
Paradoxalmente, a rápida e bem sucedida e depois de se formar, decidiu viajar pela Eu-
expansão desta organização levou ao seu fim ropa como jornalista freelancer, uma profis-
apressado. A indiscrição de um informador são que imediatamente atraiu o interesse ale-
de Marselha levou à prisão de Roman pela mão. A jovem, receosa de prejudicar o povo

25
A proximidade ideológica de Franco a
Hitler fez de Espanha um importante
centro para a espionagem alemã.
francês, recusou uma oferta inicial, embora centradas na área. Ao seu lado, milhares de
a sua precária situação financeira a obrigas- tendas dispostas de forma ordenada simula-
se a considerá-la e a aceitá-la. Pouco tempo ram os campos criados pelo exército falso de
depois, após um período de treino intensivo, Patton.
Lily aterrou em Madrid acompanhada pelo O engano foi tão sofisticado que os aviões de
seu cão Babs.... reconhecimento da Luftwaffe observaram
Assim que chegou, explicou a sua situação o fumo a subir das cozinhas e fotografaram
à embaixada britânica e foi imediatamente falsificações na lama. Quanto às forças aéreas
aceite como agente dupla. Entretanto, o seu britânicas, invejosas do seu espaço aéreo,
contacto alemão, que não estava envolvido foi-lhes ordenado que permitissem aos pi-
nestes arranjos, forneceu-lhe uma lista de lotos alemães trabalhar até certo ponto. Co-
alvos a observar em Londres, cidade onde a mo resultado, a análise das imagens obtidas
jovem espiã aterrou sem o seu animal de esti- confirmou uma forte concentração militar
mação. A lei britânica impôs uma quarente- ao largo da costa gálica e reforçou o papel da
na severa aos animais de estimação e Lily foi Dupla Cruz. No entanto, a desinformação não
forçada a deixar o seu animal de estimação se centrou apenas no Pas-de-Calais. Opera-
aos cuidados de um piloto americano que co- ções como a Vendetta, Ferdinand e Zeppelin
nheceu pouco antes de partir. desviaram a atenção de Hitler para o Mediter-
“Treasure”, o seu pseudónimo dentro da -râneo, e países como Itália, Grécia, Turquia,
Dupla Cruz, nunca se ajustou à sua nova vi- Roménia e França emergiram como candida-
da. Ela abominava o apartamento, a bruma tos a agressão.
londrina e até mesmo a comida suave ser- Até a Espanha participou involuntariamen-
vida pela sua governanta. Saudosa, ela cla- te no embuste. A proximidade ideológica do
mou pela presença de Babs até ao dia em que regime de Franco ao Terceiro Reich fez do
lhe foi contada a sua trágica morte quando país um importante centro nevrálgico para
foi atropelado por um camião. O terrível a espionagem alemã, uma circunstância que
acontecimento enfureceu e desestabilizou os serviços secretos britânicos aproveitaram
a jovem espiã, que imediatamente se tor- para implementar a Operação Copperhead.
nou suspeita da passividade do MI5. Deter- Pouco antes do Dia D, o Tenente australiano
minada a vingar-se, acordou um código de Clifton James fez-se passar pelo Marechal Ber-
controlo com o seu contacto alemão. Se ela nard Montgomery, comandante das forças
escrevia um guião numa determinada posi- terrestres que participam no desembarque.
ção, significava que tinha sido capturada e A ideia era levar este duplo em redor de Gi-
que estava a ditar sob comando. Este facto, braltar, a fim de atrasar as previsões do alto
descoberto mesmo a tempo, enfureceu TAR comando alemão. A sua presença numa área
Robertson, pois comprometeu a existência tão remota atrasou a data do assalto no calen-
da Dupla Cruz. Três dias após o desembar- dário. E funcionou. Além disso, o estratagema
que, o MI5 dispensou os seus serviços e, dias desmascarou Ignacio Molina, um comandan-
depois, regressou para junto dos seus pais te da Guarda Civil no pagamento da Abwehr.
em Paris. O MI6 intercetou uma comunicação entre o
agente e o seu encarregado, detalhando uma
O COMPLEMENTO PERFEITO reunião entre o falso Montgomery e o embai-
A produção da “ração para galinhas” foi xador britânico.
coordenada com operações de diversão no No entanto, à medida que o dia se aproxima-
terreno, tais como Fortaleza. Desta forma, os va, a subtileza dava lugar ao pragmatismo.
alemães verificaram a fiabilidade dos dados A destruição de estações de radar inimigas
fornecidos pela Dupla Cruz. Assim, enquanto encarregadas de monitorizar a linha costeira
“Garbo”, “Triciclo” ou “Brutus” alertavam francesa é um caso exemplar. As campanhas
para uma forte presença em Pas-de-Calais, de bombardeamentos seletivos reduziram
as maquetas em tamanho real de tanques e significativamente o seu número e eficácia.
veículos militares insufláveis pareciam con- Quanto às instalações sobreviventes, foram

26
Cartaz de propaganda
francesa da Segunda
Guerra Mundial exortando
os cidadãos franceses a
manterem o silêncio para
que o inimigo não ouvisse
os segredos.
GETTY

molestadas e abatidas por RCMs, contra-me- de paraquedistas. De facto, eram manequins


didas eletrónicas primitivas que colapsaram de um metro, feitos de tecido de sarapilheira
os seus sistemas. A 5 de junho, esquadrões de e cheios de palha, que explodiam assim que
aviões Aliados largaram milhares de faixas de atingiam o chão. O seu lançamento escalona-
alumínio sobre o Canal da Mancha e inunda- do causou uma enorme confusão entre os de-
ram os ecrãs alemães com sinais. Os operado- fensores, que os confundiram com atacantes
res assustados pensavam ter visto uma frota de carne e osso.
enorme, mas caíram vítimas de uma miragem No cômputo geral, o resultado final foi satis-
elaborada. fatório. A decisão de Hitler de não trazer re-
No dia seguinte, os monitores mostraram um forços à Normandia deu uma clara vantagem
padrão semelhante ao do dia anterior, mas às tropas atacantes, e a brecha na Muralha do
com uma diferença: desta vez, cada ponto Atlântico permitiu o início do longo caminho
marcava a posição de um navio que se apro- que levou o exército Aliado a Berlim.
ximava da costa. Quando perceberam, já
era demasiado tarde. Uma coisa semelhante
aconteceu com as patrulhas alemãs que res- PERE CARDONA
ponderam a vários relatos de avistamentos Escritor

27
28
XXXXX
A

DO ATLÂNTICO
29
E
m dezembro de 1941, Hitler deci- do, o exército alemão mostrava sinais de
diu acelerar o programa de fortifi- exaustão nas suas duas frentes: a frente
cação das costas atlânticas ocupa- russa, com a conquista frustrada de Mos-
das pelo exército alemão. covo, e a frente africana, com a retirada de
Esta atitude defensiva pareceu razoável à Rommel para Cyrenaica.
luz dos acontecimentos recentes. A Ale-

ASC
manha tinha acabado de declarar guerra A ORGANIZAÇÃO TODT
aos Estados Unidos, uma formidável po- Até então, Hitler tinha confiado à Orga-
tência demográfica e industrial capaz de nização Todt a fortificação de portos e
inverter a maré da guerra. Por outro la- locais chave ao longo da costa europeia

Tanques que aterram na


praia de Dieppe durante o
ataque de comando Aliado à
cidade portuária ocupada pela
Alemanha no norte de França.

30
Pequena casamata
de betão armado
com buracos de
metralhadora.

Hitler confiaria à
organização Todt
a fortificação dos
portos e locais
chave ao longo
da Europa. a linha
costeira europeia
GETTY

31
A unidade de defesa em
Longues-sur-Mer.

(declarada Festung, fortalezas), bem como a de desembarque mais prováveis, especialmen-


construção de bases seguras para submarinos. te entre Dunquerque e o estuário do Somme, e
Nesta e noutras obras ciclopes europeias (co- particularmente no Pas-de-Calais.
mo a construção de enormes torres de bunkers O programa incluía dois tipos de defesas:
antiaéreos nas grandes cidades), a Organização - Baterias de longo alcance, de grande calibre,
Todt mobilizou mais de um milhão de traba- como a de Longues-sur-Mer, composta por
lhadores, incluindo voluntários, prisioneiros quatro bunkers e uma casamata, destinados
de guerra e deportados eslavos do leste do a repelir o fogo naval. Algumas partes provi-
continente. nham de navios desmantelados; outras tinham
A partir de 1942, a fortificação do Atlantikwall sido desmanteladas nas fortificações checas ou
foi intensificada em todas as áreas adequadas nas linhas Maginot e Siegfried, que se tornaram
para um desembarque, especialmente após obsoletas devido à evolução da guerra.
a tentativa abortada dos britânicos no porto - Defesas de curto alcance para atacar as forças
francês de Dieppe a 19 de agosto de 1942. de desembarque na sua aproximação à costa ou
Fortificar cinco mil quilómetros de costa desde nas próprias praias.
a Noruega até à fronteira espanhola em pou- As defesas de menor calibre foram agrupadas
co tempo seria um empreendimento hercúleo em Stütpunkte ou núcleos de defesa, compos-
e impossível. Neste contexto, a Organização tos por uma série de casamatas vizinhas (Wie-
Todt decidiu concentrar as defesas nos locais derstandnester) que combinavam fogo frontal

32
e enfilado para cobrir todos os possíveis pon- sembarque teria lugar no Pas-de-Calais,
tos de avanço inimigos. Estes bunkers foram Rommel suspeitava que poderia ter lugar
ligados por trincheiras e passagens de betão. um pouco mais longe, nas praias menos bem
Além disso, foram instalados casamatas de defendidas da Normandia. Sem meios nem
artilharia de calibre médio, postos de obser- tempo para os preparar ao seu gosto antes
vação, artilharia antiaérea, armazéns subter- da invasão, o general optou por multiplicar
râneos e abrigos. os obstáculos nos locais prováveis de ater-
-ragem. Com isto em mente, ele reforçou as
DEFESA DAS PRAIAS praias com vários tipos de dispositivos:
Em novembro de 1943, Hitler colocou Rom- - Pequenas casamatas construídas em be-
mel a cargo da supervisão destas defesas cos- tão armado (Ringstanden ou Tobruk) para
teiras. Depois de os reconhecer, o Marechal metralhadoras (tipo Vf58c), morteiros leves
percebeu que o inimigo só podia ser derro- (tipo vf61a) e mesmo plataformas de tanques
tado nas próprias praias, impedindo-o de polacos, franceses ou russos capturados nos
estabelecer cabeças de ponte. primeiros anos da guerra (tipo vf67c ou Pan-
Ao contrário da opinião geral de que o de- zerstellung).
AP
SHUTTERSTOCK

Respiradouro
de bunker.

33
- Casamatas de aço em forma de sino (tipo (conhecidos como rommelspargel, “espargos
40 P8) foram colocadas sobre uma base de de Rommel”), muitos encimados por uma
betão e enterradas até um metro de profun- mina ou ligados a explosivos. Foram também
didade. Estavam equipadas com furos para instalados postes telegráficos minados em
metralhadoras. campos adjacentes adequados para planado-
Nas próprias praias, Rommel instalou vários res de aterragem.
tipos de Panzersperren, obstáculos para im- - Campos minados, muitos dos quais nunca
pedir a aproximação de embarcações e de- foram instalados devido à escassez de material
sembarque de veículos blindados: (mesmo as munições de treino eram muito es-
- Valas antitanque. cassas). Os principais tipos de minas utilizadas
- Belgische Tor (“portões belgas”): cercas de foram as seguintes:
vigas metálicas soldadas que poderiam ser - Kustermine-A, ou KMA, consistia em 75 qui-
combinadas para formar uma barreira. Eram los de explosivos sobre uma base de betão com
difíceis de remover porque pesavam cerca de o fusível colocado sobre uma haste de aço.
1.500 quilos. - Mina Nussknacker (“mina de quebra-nozes”)
- Tschechenigel (“porcos-espinhos checos”), a partir de uma concha de artilharia.
barreiras anti-tanque da fronteira checa quan- - Balkenminen, várias minas terrestres presas
do se renderam à Alemanha após a crise dos a tábuas de madeira.
Sudetas em 1938. Consistiam em três vigas de O plano de invasão dos Aliados teve em con-
aço de 1,5 metros de comprimento soldadas de ta estes obstáculos colocados pelos soldados
modo a que uma delas fosse apontada. alemães, como eram bem conhecidos a partir
- Wasserhinder: recifes feitos de tetraedros de de fotografias aéreas, e procurou contrariá-los
betão armado que foram colocados debaixo de aterrando as primeiras ondas de equipamento
água rasa e podiam rasgar o fundo da embar- de demolição que limpavam corredores segu-
cação de desembarque. ros através dos quais os tanques e tropas avan-
- Hemmbalken: troncos apontados para o mar çavam.
reforçados por troncos menores em forma de
tripé e muitas vezes equipados com minas
Tellermine 42. JUAN ESLAVA GALÁN
- Hochpfahlen: postes de vários tamanhos Escritor
ASC

Tschechenigel, “porcos-espinhos checos”,


utilizados como obstáculos antitanque.
34
GETTY
Soldados alemães da Wehrmacht a caminho de uma base.
Acima, um canhão alemão numa base camuflada.
GETTY

35
A
GUERRA
Na retaguarda nazi: os feitos heróicos das
tropas aerotransportadas na Normandia

36
36
Paraquedistas americanos
da 82ª Divisão Aerotransportada
são lançados dos Douglas C-47s ,
também chamados Dakotas.

NO AR
GETTY

37
37
Jim Wallwork foi o primeiro
Piloto aliado a aterrar em solo francês
no seu planador AS.51Horsa.

CORDON PRESS

O
primeiro soldado Aliado a ater- pontes de Bénouville e Ranville antes da pri-
rar em solo francês em 6 de ju- meira luz. Estavam entre as 23.000 tropas,
nho de 1944 não o fez com os incluindo infantaria aérea e paraquedistas,
seus pés. Cerca de vinte minutos que se atiraram para trás das linhas alemãs
após o relógio ter atingido as doze, o pilo- no Dia D para executar tarefas-chave, tais
to Jim Wallwork perdeu o controlo do seu como destruir as baterias de armas capazes
planador e foi incapaz de o impedir, após de disparar na costa da Normandia; semear
uma aterragem difícil, de deslizar a toda a o caos entre os alemães; proteger as saídas
velocidade através da zona rural francesa de praia onde os seus camaradas desembar-
húmida. O planador, uma espécie de auto- cariam; e, finalmente, controlar os cruza-
carro voador feito de contraplacado e tecido mentos rodoviários e fluviais para cortar os
sem motor para o tornar mais silencioso, só contra-ataques do Terceiro Reich. E eram
parou quando embateu numa vedação de todos voluntários, apesar de Trafford Leigh-
arame farpado. O golpe foi tão duro que o -Mallory, comandante supremo das forças
britânico foi atirado do seu assento, através aéreas Aliadas, ter previsto que 50-70%
do parabrisas de metacrilato e aterrou de morreriam nessa noite.
cabeça. “A lesão foi tão chocante que fiquei
com sangue num olho e, por um momento, NOVAS IDEIAS ESTRANHAS
pensei que tinha ficado cego”, admitiu ele A primeira etapa da guerra aérea no Dia D
após a Segunda Guerra Mundial. foi o planador. Saber porque é que os Alia-
Segundos depois, um pelotão emergiu do dos tiveram uma ideia tão bizarra como dei-
planador Wall-work pronto a conquistar as xar cair os seus homens enlatados em pla-

38
Em agradecimento, o amável casal
desenterrou 99 garrafas de champanhe
que tinha escondido e convidava os
soldados que por lá passavam

nadores exige recuar até 1940, quando os de madeira e lona. Os Estados Unidos, por
alemães atordoaram a Europa ao conquis- seu lado, decidiram não os utilizar na linha
tar o forte belga de Eben-Emael com uma da frente, mas meramente como transpor-
técnica revolucionária: rebocar planadores tes para entregar mantimentos às tropas
por aviões de transporte e depois deixá-los na frente. Mas isso não impediu o governo
cair atrás das linhas inimigas. Nesse dia, os de produzir centenas deles com a ajuda de
britânicos e americanos aperceberam-se de carpinteiros especializados em construir
que o que parecia loucura no início ofere- caixões ou do empresário automóvel Henry
cia muitas vantagens estratégicas, desde o Ford (que ofereceu um bom preço às forças
posicionamento de uma unidade inteira no armadas em troca de colocar no esqueci-
solo sem que os seus membros estivessem mento os seus antigos negócios com Adolf
dispersos (o que não era o caso dos para- Hitler).
quedistas) até ao transporte de tanques e No papel, a ideia era revolucionária. Na prá-
artilharia. tica, porém, foi um verdadeiro desafio para
O primeiro ministro britânico Winston os pilotos. “Imagine dirigir um planador
Churchill, obcecado em criança com novi- totalmente carregado rebocado atrás de um
dades militares, ordenou a criação de “uma avião [...] através de um céu turbulento e
divisão aérea no modelo alemão” e enco- nublado a mil pés, depois deslizando através
rajou a utilização destes aviões como arma de cortinas de fogo de flocos e armas peque-
ofensiva. Para seu crédito, a Grã-Bretanha nas para aterrar num campo de batatas de
precisava de aço para os combatentes na um agricultor... Agora, imagine fazê-lo tam-
altura, e os planadores podiam ser feitos bém à noite”, explicou o General Matthew B.

GETTY

Tropas aliadas passando


em frente ao Café Gondree
em Bénouville durante os
desembarques na Normandia.

39
Marechal Chefe da Força Aérea
Sir Trafford Leigh-Mallory.

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Ridgway, presente no Dia D. Para não falar Brigada de Aterragem Aérea, mais conhe-
do barulho, que fez a tripulação desespe- cidos como “Red Devils” devido à sua dis-
rar. “Era como viajar dentro de um tambor tinta boina vermelha) seriam encarregados
baixo; uma estrutura rodeada de madei- de duas missões-chave no setor da Espada.
ra e lona. Não havia isolamento e o vento A primeira, conquistar as pontes alemãs em
era ensurdecedor no interior”, recordou o Bénouville (no Canal de Caen) e Ranville
veterano da Segunda Guerra Mundial Bob (no Rio Orne) a fim de assegurar o avanço
Swenson. dos Aliados. A segunda foi aterrar dentro da
Para além da turbulência irritante, do peri- bateria de Merville, uma espécie de forta-
go de queda de presas para a artilharia an- leza protegida por metralhadoras, minas e
tiaérea e da dificuldade de conduzir o avião arame farpado, e silenciá-la para evitar que
para a zona de aterragem, havia também o disparasse sobre as praias.
risco de cair ao aterrar ou explodir ao atin- Para a primeira missão, foram seleciona-
gir uma das centenas de estacas explosivas dos 140 homens de Oxfordshire e Buc-
que Erwin Rommel tinha colocado na costa kinghamshire Light Infantry. Todos eles,
da Normandia. As infinitas possibilidades de sob o comando do Major John Howard, um
morrer nestes aviões valeram-lhes a alcu- soldado experiente que tinha trabalhado
nha de “caixões voadores”. “Digo-lhe di- anteriormente como polícia e corretor de
retamente: se tiver de entrar em combate, bolsa. Descolaram às onze horas em seis
não o faça num planador. Andar a pé, raste- planadores, sabendo que mesmo que con-
jar, andar de paraquedas, nadar, flutuar... seguissem conquistar as pontes, teriam
Qualquer coisa, mas não ir de planador”, de aguentar durante horas até as tropas
explicou o correspondente de guerra Wal- na praia se ligarem a eles. Ao longo do ca-
ter Cronkite, que foi colocado num durante minho, cada homem lutou contra os seus
o Dia D. nervos o melhor que pôde. O oficial, por
exemplo, passou a maior parte da viagem
CAIXÕES CONTRA FORTALEZAS com a mão num dos bolsos do seu casaco - o
Devido à sua dura formação e experiência, mesmo bolso em que guardava o sapatinho
o alto comando decidiu que os comandos do seu filho Terry de dois anos. Outros limi-
britânicos de planadores (membros da 6ª taram-se a pensar: “Fomos a ponta de lança

40
Hitler com os paraquedistas
alemães que conquistaram o forte
belga de Eben-Emael.

CORDON PRESS

do exército mais colossal alguma vez visto. eles ficaram inconscientes durante alguns
Senti-me insignificante”, recordou o Sar- segundos. Quando o mais velho acordou,
gento Oliver Boland. pensou que tinha perdido a visão, mas de-
Por volta das doze horas, os planadores sol- pois percebeu que o golpe lhe tinha arran-
taram-se dos seus rebocadores e mergu- cado o capacete. Assim começou a primeira
lharam primeiro de frente para as pontes. grande batalha do Dia D.
Metade para Bénouville e o resto para Ran- A operação foi levada a cabo à velocidade
ville. O silêncio reinou no avião de Howard da luz. Como Howard explicou, os seus ho-
até que o piloto, Wallwork, o destruiu com mens correram sobre a ponte levadiça de
um grito: “Aguenta! Esse foi o sinal para Bénouville como “um bando de cães de caça
eles colocarem os braços à volta dos ombros libertados”. O seu impulso, bem como a sua
dos seus camaradas e levantarem as per- aparência fantasmagórica - feroz e com o
nas, uma posição conhecida como a “garra rosto pintado de preto - fez com que muitos
do carniceiro”, que, em teoria, os impedia defensores atirassem as suas armas ao chão
de serem atirados fora. Não lhes serviu de e recuassem numa corrida. Além disso, a
nada. O impacto no solo foi tal que todos velocidade de soldados como Bill Gray, que

Quando acordou, o major pensou ter


perdido a visão, mas depois percebeu que o
golpe lhe tinha derrubado o capacete e o
tinha impedido de ver .

41
SHUTTERSTOCK
Vista lateral da entrada para
Fort Eben-Emael.

conseguiu abater um alemão antes de pedir próprios soldados britânicos, e finalmente


reforços com a sua pistola de sinalização, foi Georges Gondrée e a sua esposa, Thérèse. O
também decisiva. Depois do seu momento seu negócio, um pequeno café mesmo ao la-
de glória, a propósito, o jovem encostou a do da Ponte de Bénouville, tornou-se o pri-
arma a uma parede, desabotoou as calças meiro edifício libertado pelos Aliados du-
e demorou um minuto para urinar. O café rante os desembarques na Normandia. Em
que ele tinha bebido antes de sair tinha fei- agradecimento, o casal amável desenterrou
to efeito. Um quarto de hora mais tarde, o 99 garrafas de champanhe que tinham es-
assalto terminou em ambas as pontes. To- condidas no seu jardim e, nas semanas que
dos ficaram surpreendidos. Os alemães, os se seguiram, convidou todos os soldados

A IGREJA DA UNIDADE
Há ocasiões em que um raio de bonda-
de consegue afastar a escuridão da ba-
talha. Foi o que aconteceu na pequena
igreja de Angoville-au-Plain, entre
Cherbourg e Paris. Perto deste edifício
caíram, na noite de 5-6 de junho de
1944, os médicos Ken Moore e Robert
Wright da 101ª Divisão Aerotranspor-
tada. Quando foram obrigados a tratar
de dezenas de feridos, transformaram
a capela num hospital de campanha
improvisado e os seus bancos, onde
ainda restam vestígios de sangue, em
camas. O lugar tornou-se assim um
oásis para ambos os lados, apesar de
ter mudado de mãos várias vezes. “Em
breve chegou um oficial alemão. Ele
perguntou-me se eu podia tratar dos
seus feridos, e nós aceitámos”, recor-
GETTY

dou uma das enfermeiras mais tarde.


As duas enfermeiras cuidaram de cerca Janela de vidro dedicada à
de 80 adultos e uma criança durante os 101ª Divisão Aerotransportada
desembarques na Normandia. em Angoville-au-Plain.
42
Centenas de paraquedistas
americanos a saltarem dos seus
aviões na Normandia.

GETTY

que passaram por lá para uma bebida. Mas A ELITE AMERICANA


isso foi depois de vários dias de dura defesa Embora corajosos, a realidade era que o
pelos homens de Howard, que só puderam número de homens atribuídos aos plana-
descansar tranquilamente quando ouviram dores era minúsculo em comparação com
a música tocada pelo flautista pessoal de o número de paraquedistas. Participaram
Lord Lovat. Os reforços tinham chegado. cerca de 20.000 destes combatentes; e des-
Infelizmente, esta boa sorte não foi partilha- tes, mais de 15.000 eram dos Estados Uni-
da pelos seus camaradas em Merville. Tal co- dos, onde eram considerados os soldados
mo nas pontes, três planadores deviam ater- mais letais das forças armadas juntamente
rar, sob silêncio absoluto, dentro da bateria com outras unidades especiais, tais como os
pouco depois das doze horas. A ideia seria Rangers. Do lado americano, a 82ª Divisão
causar confusão no interior enquanto, de fo- Aérea (mais conhecida por All American Di-
ra, a posição era atacada pelos paraquedistas vision porque incluía soldados de todas as
da 6ª Divisão Aérea Britânica. Mas tudo is- regiões do país) e a 101ª Divisão Aérea (co-
to foi um desastre. A primeira aeronave não nhecida por Screaming Eagles) lutaram no
conseguiu sair de Inglaterra, a segunda caiu Dia D. “Tínhamos um sentimento especial,
a um quilómetro do alvo e a terceira quase íntimo e de elite na unidade”, explicou o fa-
explodiu quando aterrou perto de um campo moso “paraquedista” Richard Winters.
minado. No final, o Tenente Coronel Terence Enquanto os Red Devils e os paraquedistas
Otway, no comando das forças exteriores, britânicos receberam ordens para proteger
ordenou o assalto. “Venham todos, vamos o flanco oriental, os americanos foram de-
levar essa maldita bateria!” disse o Soldado signados para oeste, mais especificamente
Mower antes de se lançar contra a mesma. para a parte de trás da praia de Utah. Grosso
Duzentas baixas mais tarde, a missão foi modo, as zonas de queda das Águias Uivan-
cumprida. tes eram as cidades de Turqueville, Ango-

43
Ponte Pegasus sobre a
o Canal de Caen.

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ville e Vierville. A 82ª foi atribuída a Sain- que, quando insuflados, se assemelhavam à
te-Mère-Église e à zona circundante. A sua exuberante frente da atriz acima referida) e
função, mais uma vez, era silenciar as ba- um paraquedas de reserva. Esta última foi
terias alemãs e controlar as pontes sobre os uma vantagem que os britânicos não tive-
rios Merderet e Douve. ram até 1955 porque, nas palavras de Napier
Para alcançar os seus objetivos, tinham Crookenden (um oficial da 6ª Divisão Aérea
formação e equipamento pesado sem pa- Britânica), “a sua utilização demonstrou
ralelo, pesando frequentemente mais de 50 uma falta de confiança na fiabilidade do
quilos. Entre os artigos mais curiosos que paraquedas principal”, “foi injustificada-
carregavam estavam os famosos grilos (bo- mente cara” e “dificultou os movimentos
tões de brinquedo para se reconhecerem a dos homens”.
meio da noite com um clique), coletes sal- Os dias que antecederam o desembarque
va-vidas Mae West (assim chamados por- foram os mais tensos para os paraquedistas.

Quando se libertou das suas amarras, teve


de se esconder dentro de um monte de
estrume para evitar ser detetado por uma
patrulha inimiga.

44
Num ambiente rarefeito, lotos, muitos deles inexperientes,
os capelães militares foram obrigados a alterar o seu
fizeram maratonas de curso original para escapar às
trabalho e percorreram balas; na pior das hipóteses, os
os vários campos para aviões, os lendários C-47, foram
ouvir as confissões dos abatidos com todos os “para-
soldados. “Nenhum ser- quedistas” no seu interior. O in-
mão tem mais poder pa- ferno que se seguiu resultou na
ra fazer um homem com- queda de centenas de soldados a
preender que tem de estar vários quilómetros da sua zona de
em paz com Deus do que a queda original e na perda das suas
perspetiva de saltar de um armas devido aos solavancos. Um deles
avião”, explicou o padre foi o próprio Winters, que aterrou
Howling Eagles Francis em solo francês apenas com
Sampson nas suas me- uma faca.
mórias. Como se isso O resultado foi um caos
não fosse suficiente, os geral que levou a uma
nervos pioraram quan- miríade de situações se-
do Eisenhower confir- melhantes às do cinema.
mou que a operação iria Jakeway, por exemplo, foi
ser adiada por um dia. deixado pendurado numa ár-
Os comandantes, no en- vore a uma grande distância do
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tanto, domaram a situação
com música estridente, donuts e café. No
dia 5, quando o sol começou a pôr-se, eles
embarcaram nos aviões. “Seriam cerca das Comandantes da 6ª Divisão
dez horas quando descolámos”, disse Don Aerotransportada Britânica
Jakeway da 82ª Divisão. Tal como aos seus sincronizando os seus relógios.
camaradas, os excessos alimentares pro-
vocaram-lhe enjoos durante a travessia do
Canal da Mancha.

HERÓIS PERDIDOS
Pouco antes da uma hora da manhã, os pri-
meiros transportes vislumbraram a costa e
as baterias antiaéreas alemãs. A saudação
foi retribuída e os nazis responderam com
uma sinfonia de tiros que iluminaram o céu
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ainda negro. Na melhor das hipóteses, os pi-

BRUTALIDADE E RANCORES
Infelizmente, alguns paraquedistas bri- companheiro tinha trocado as suas luvas
tânicos e americanos também estiveram amarelas por outras novas. Ou assim
envolvidos em episódios de pilhagem e pensava ele. “Perguntei-lhe onde tinha
abusos. Um membro da polícia mili- encontrado aquelas luvas vermelhas e,
tar dos Howling Eagles confirmou, por depois de escavar num dos bolsos das
exemplo, que tinha visto o cadáver de suas calças de salto, ele puxou um fio
um oficial alemão cujo dedo tinha sido de orelhas. Ele tinha cortado orelhas a
cortado para roubar a sua aliança de noite toda e tinha-as cosido a um velho
casamento. Outros reuniram dezenas de atacador”. Era sangue.
prisioneiros inimigos para serem exe-
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cutados quando as praias já estavam se-


guras. Um dos momentos mais chocan-
tes, porém, chegou quando um soldado
aerotransportado reparou que o seu

45
Paraquedistas americanos pouco antes de
saltarem durante a invasão da Normandia.

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seu alvo. “Estava aterrorizado, mas manti- glise, enquanto o fogo se acendia e as balas
ve a calma”, disse ele. Quando se libertou voavam sob os seus pés. Fez-se de morto
das suas amarras, teve de se esconder den- para sobreviver, e desempenhou tão bem o
tro de um monte de estrume para evitar ser seu papel que um tenente americano recor-
detetado por uma patrulha inimiga. O seu dou anos mais tarde o “paraquedista morto
caso é menos conhecido do que o de John pendurado no campanário”. Sobreviveu e
Steele. Este soldado acabou pendurado no foi feito prisioneiro. Outros, muito menos
campanário da igreja de Sainte-Mére-É- afortunados, afogaram-se em pequenos
WIKICOMMONS

O Brigadeiro-General Poett
a falar com o Marechal de
Campo Montgomery.
46
Aviões Douglas C-47 durante o voo.

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pântanos com não mais de dois metros de


SABIA QUE...? profundidade porque não conseguiam vi-
...O comando Aliado construiu um rar-se devido ao peso pesado que carrega-
dispendioso modelo à escala real da vam, e muitos não sabiam onde estavam. O
bateria de Merville na Grã-Bretanha Tenente Coronel Robert Cole, do 82º, estava
para que os comandos pudessem suficientemente desesperado para quebrar
praticar o assalto de 6 de junho. todas as regras e bater à porta de uma ca-
sa na esperança de encontrar o seu rumo.
Saíram alguns franceses amigos que con-
firmaram que ele estava a cinco milhas da
zona de queda. Ainda mais hilariante foi o
que aconteceu ao Tenente Smit. Após várias
horas, ouviu uma unidade a aproximar-se
e, assustado, rastejou em direção ao ruído
em silêncio. Ele queria ver o que estava a
acontecer. Em minutos, uma figura pôs-se
à sua frente. “O que faz aqui?” perguntou
o oficial de cócoras no chão. “Não sei, mas
posso dizer o que estás a fazer”. Estás a fazer
figura de idiota em frente da 12ª Infantaria
dos EUA no meio de um ataque”. Para todos
eles, esse foi o dia mais longo; um dia que
nunca esqueceriam.
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MANUEL P. VILLATORO
Jornalista e historiador

47
O pAraquedista era um soldado de elite que Faca de
operava atrás das linhas inimigas e carregava baioneta
M1.
o seu equipamento às costas. O homem e o
equipamento juntos pesavam 180 kg.

A espingarda M1 Garand era


semi-automática e podia disparar
rapidamente as suas oito balas.

Osclickers (também
conhecidos como
grilos) eram usados
para distinguir
amigos de inimigos
à noite. A resposta
a um clique deveria
ser um duplo
clique.

Anel.

A granada MK Reforç
II era conhe- interno
cida como “o tornoz
ananás” por da lon
causa do seu
aspecto. Estava
cheia de TNT
e era mortal a
um alcance de
cinco metros.

48
Bolso das
munições.

Forro de feltro
para o cantil.

Pá dobrável para
escavar buracos
protetores.

A cinta de munições era


Kit de primeiros
pintada em cores de camu-
socorros.
flagem e incluía material de
chuva e máscara anti-gás.
Poderia transportar 80
cargas para a espingarda
Garand.

Saco com
máscara
anti-gás.

ço
o do
zelo
na. As botas dos paraquedistas
tinham um reforço especial para
o tornozelo, proteção contra irri-
tação e solas antiderrapantes.

O calcanhar angulado impedia que o


calcanhar ficasse preso no desnível da
plataforma do avião.

49
OS
COMANDOS
PONTA DE
LANÇA

50
ALBUM

Paraquedistas galeses perfuram


para o destacamento de tropas
aerotransportadas na Normandia.
51
Lord Lovat a dar ordens
às suas tropas em 1942.

CORDON
P
assavam exatamente onze minutos na campanha do Norte de África, incluía
da meia-noite de 6 de junho de 1944 muitos oficiais e soldados franceses livres
quando o Tenente Noel Poole, um ansiosos por libertar o seu país da ocupação
funcionário bancário mobilizado alemã.
em tempo de guerra, saltou de paraquedas Quando aterraram, os homens do SAS co-
para a vertical de Cherbourg. Ao fazê-lo, ele meçaram a disparar foguetes ou a tocar
caiu mal e o seu corpo bateu na roda traseira gravações amplificadas de vozes inglesas e
do avião. Semiconsciente, desceu no escu- tiros de todos os calibres para simularem os
ro da noite e aterrou no meio de um prado ruídos de uma invasão aérea em pleno voo;
perto da aldeia de Isigny-sur-Mer. Poole o seu objetivo era semear a confusão nas li-
tornou-se assim o primeiro oficial Aliado a nhas alemãs e desviar a atenção do desem-
chegar à Normandia no Dia D desta forma barque nas praias da Normandia. Aqueles
pouco ortodoxa. que chegaram mais a norte tinham ordens
Pouco depois da sua aterragem acidentada, para contatar membros da resistência fran-
centenas de comandos desceram silencio- cesa e trabalhar em conjunto na sabotagem.
samente de paraquedas nas suas áreas de- Para além dos membros do SAS, outras forças
signadas. Outros foram largados em peque- especiais treinadas para combate irregular ou
nos grupos sobre a Bretanha ou no extremo de guerrilha foram lançadas de paraquedas
norte das praias da Normandia. Tal como o nessa madrugada histórica. O Gabinete de
Tenente Poole, um bom número deles per- Serviços Estratégicos (“Office of Strategic
tencia ao Serviço Aéreo Especial (“Special Services” - OSS), a agência de inteligência
Air Service” - SAS), uma unidade britâni- dos EUA que precedeu a CIA, tinha prepa-
ca especialmente treinada para lutar atrás rado um grupo selecionado de voluntários
das linhas inimigas e sabotar as suas linhas prontos a tomar medidas atrás das linhas
de comunicação e abastecimento. Formado alemãs. Da mesma forma, o Executivo Britâ-

52
Vista aérea das Ilhas
Lofoten.

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Os homens do SAS tocaram gravações


de vozes inglesas e de tiros para simular
os ruídos de uma invasão aérea
nico de Operações Especiais (“Special Ope- Operando em uniforme ou em vestuário
rations Executive” - SOE) tinha recrutado civil, com o enorme risco que este último
e treinado centenas de soldados franceses, representava se fossem feitos prisioneiros,
belgas e polacos exilados para desempenha- uma vez que podiam ser acusados de sa-
rem o mesmo tipo de missões. botagem e fusilados sem cerimónia pelos
Desde há vários meses, os agentes do OSS alemães, os soldados destas forças especiais
já vinham operando em solo francês em viajaram durante semanas através de terri-
colaboração direta com os combatentes da tório hostil ocupado pelo inimigo, semean-
resistência. Os que estavam sob o comando do o caos e a confusão.
direto do SOE britânico foram organizados Na sua luta solitária, receberam armas e
em unidades mistas conhecidas como Mis- mantimentos por paraquedas enquanto
sões Inter-Aliadas, cada uma constituída por treinavam os combatentes da resistência.
cerca de vinte homens liderados por um ofi- Juntos, explodiram comboios, atacaram ins-
cial experiente. Após um treino duro e uma talações estratégicas e intercetaram ligações,
preparação meticulosa, nas primeiras horas ações ousadas que não só dificultaram os
da manhã de 6 de junho de 1944 era altura de movimentos das forças alemãs, mas também
pôr em prática tudo o que tinham aprendido serviram para impulsionar o moral francês e
e de serem os primeiros a liderar o caminho fazer-lhes saber que os seus esforços estavam
para o corpo principal da invasão Aliada. a ajudar a libertar o seu país do jugo nazi.

53
Representante de um dos mais antigos
clãs escoceses, Lord Lovat era um homem
bonito de ação que, no início da Segunda
Guerra Mundial, se ofereceu como oficial
de comando, uma das mais recentes unida-
des de elite do Exército Britânico. Forma-
dos em guerra de guerrilha, estes soldados

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Lápides no cemitério de foram encarregados de lançar ataques à
Étaples, perto de Hardelot. retaguarda inimiga e de atacar com terror
as guarnições alemãs que não esperavam os
seus audaciosos ataques de mão.
Lord Lovat sobreviveu ao duro treino a
que os comandos foram submetidos nas
Comandos Raiders a perfurar bases na Escócia e as suas qualidades pes-
as defesas do canal em soais fizeram dele um líder admirado pe-
Boulogne. los homens sob o seu comando. À frente
do 4º Comando, uma unidade ao estilo de
batalhão, o intrépido oficial escocês forjou
o espírito dos seus soldados para realizar
operações consideradas demasiado duras e
perigosas para a infantaria convencional.
Os Comandos de Lord tiveram o seu batis-
mo de fogo a 3 de março de 1941, quando
invadiram com sucesso o arquipélago no-
rueguês ocupado pela Alemanha de Lofo-
ten. A operação seguinte em que os solda-
dos do 4º Comando se destacaram foi o ata-
que a Hardelot, uma cidade costeira fran-
cesa no Canal da Mancha, onde apanharam
de surpresa a guarnição inimiga. Mas seria
na rusga mal sucedida a Dieppe que os seus
homens sofreriam uma punição severa que
forjaria ainda mais o seu temperamento.
A 19 de agosto de 1942, pouco mais de
6.000 tropas britânicas e canadianas de-
sembarcaram nas praias rochosas perto
do porto francês de Dieppe, no decurso
da Operação Jubileu. O ataque dos Aliados
tinha sido planeado como um ensaio em
pequena escala para testar táticas, homens
e equipamento para os desembarques anfí-
bios planeados no Norte de África e no con-
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tinente. No entanto, nada correu conforme


o planeado e os Aliados sofreram pesadas
baixas sem cumprirem a maior parte dos
objetivos planeados.
O INTRÉPIDO LORD LOVAT No meio do caos que envolveu os solda-
Muito tem sido dito sobre o personagem da dos que participaram no assalto a Dieppe,
vida real que pode ter inspirado o escritor apenas o 4º Comando, liderado por Lovat,
Ian Fleming a criar o personagem de James conseguiu destruir uma bateria alemã e
Bond, o famoso agente 007. Entre todos os completar com sucesso a sua missão. No
candidatos, a figura do Brigadeiro Simon seu regresso à Grã-Bretanha, as fotografias
Christopher Joseph Fraser, mais conhecido mostraram os rostos exaustos dos coman-
pelo nome de Lord Lovat, o seu nobre título, dos, mas apesar da dura punição, a maioria
enquadra-se perfeitamente no caráter com deles sorria por ter cumprido o seu dever,
que o autor britânico moldou a imagem do enquanto posavam com o seu carismático
herói dos seus romances. comandante. Em Dieppe, a sua ligação foi

54
O sargento
americano Warren
Evans descansa
ao lado de um
sargento britânico
antes da rusga de
Dieppe em 1942.

Prisioneiros canadianos após a


Batalha de Dieppe.

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Batalha de Dieppe.
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reforçada e Lovat sabia que eles o seguiriam tinha caído de paraquedas ou deslizado pa-
até ao fim: confiantes nas suas capacidades, ra trás de Sword Beach nas primeiras horas
estavam prontos a assumir a missão mais dessa manhã para dar cobertura ao flanco
importante das suas vidas. oriental da zona de aterragem dos Aliados.
A bordo dos barcos que os aproximaram
DESAFIANDO O INIMIGO da costa, os comandos resistiram às balas
Ao amanhecer de 6 de Junho de 1944, os co- inimigas, que assobiaram por cima ou fize-
mandos britânicos avançaram resolutamen- ram ricochete nas placas de aço dos barcos:
te em direção às praias da Normandia. Fo- Recusaram-se a usar os capacetes padrão
ram divididos em duas brigadas, a primeira das tropas britânicas e orgulhosamente
brigada era composta por 2.000 homens sob apoiaram as boinas verdes escuras que os
o comando direto de Lord Lovat. A sua mis- distinguiam das outras unidades; enquanto
são era aterrar no extremo oriental da praia o inimigo abria fogo com as suas metralha-
de Sword Beach e tomar posições entre as doras, os sargentos sentavam-se no convés
cidades de Ouistreham e Saint-Aubin-sur- dos barcos, expondo-se aos tiros enquan-
-Mer para abrir caminho para o grosso das to gritavam aos alemães e os desafiavam a
tropas britânicas. A segunda, composta por afiar a sua pontaria; ao fundo, a melodia dos
1.000 tropas lideradas pelo Brigadeiro Ber- flautistas escoceses podia ser ouvida a tocar
nard William Leicester, visava tomar a faixa Scotland the Brave.
costeira entre as praias de Juno e de Sword. Chegando à praia, Lovat tomou a liderança
Os comandos de Lovat foram instruídos a dos seus homens. Vestido com o seu unifor-
ligarem-se à 6ª Divisão Aérea Britânica, que me de lã espesso e de cor clara, a sua pre-

Lord Lovat era um homem atraente e


proativo que se ofereceu como oficial no
exército britânico.

55
sença destacava-se entre os outros solda- vido, avançaram à frente das outras unida-
dos, mas era também um alvo fácil. Segundo des para se ligarem aos paraquedistas da 6ª
a lenda - nunca confirmada - costumava an- Divisão Aerotransportada. Como previsto
dar armado com uma Winchester, a lendária no papel, tinham pouco mais de três horas
espingarda de ação de alavanca populariza- para cobrir uma distância de dez quilóme-
da pelos filmes ocidentais. Tudo indica que tros para o interior.
ele transportava de facto uma carabina M1 Enquanto Lovat e os seus homens corriam
americana, uma arma semi-automática le- contra o relógio, a brigada de comando do
ve amplamente utilizada por paraquedistas Brigadeiro Leicester, que devia cobrir a
e oficiais, mas o mito que o rodeava tornava distância de cinco milhas entre as praias
qualquer história sobre ele credível. de Sword e Juno, tinha-se deparado com
sérios problemas antes de desembarcar. O
ABRINDO CAMINHO bombardeamento aéreo e naval que deve-
Na praia, os homens de Lovat encontraram ria ter preparado o caminho para a invasão
milhares de soldados britânicos da primei- tinha causado poucos danos às defesas cos-
ra vaga apanhados pelo fogo alemão. Os teiras inimigas e foi enfrentado por mor-
comandos tiveram de lutar contra eles e teiros e metralhadoras que atingiram ou
toneladas de material empilhado na areia destruíram várias embarcações, infligindo
para destruir as posições inimigas que os pesadas baixas.
tinham bloqueado com as suas metralha- Os comandos que chegaram vivos à praia
doras. Com este primeiro obstáculo remo- encontraram uma posição alemã fortifica-

Tanque Sherman do
Exércitodos EUA.
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56
Dois dias depois de violentos combates
em torno de Saint Aubin, tinham perdido
quase metade dos seus homens.

Lord Louis Mountbatten


reunindo as suas tropas.

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da que os impediu de fechar o fosso entre presa na praia, os comandos de Lovat con-
Sword e Juno. Para piorar a situação, um tinuaram a avançar. Para chegar a tempo
batalhão completo de infantaria reforçou ao seu encontro com a 6ª Divisão Aérea,
a posição inimiga. Só no dia seguinte con- evitaram o combate aberto, a menos que os
seguiram cumprir a sua missão graças ao alemães bloqueassem a sua rota. Nas mo-
apoio de um tanque Sherman que veio em tos, bicicletas, carrinhos fornecidos pelos
seu auxílio. Após dois dias de luta intensa camponeses locais, ou a pé, seguiam as es-
em torno de Saint Aubin, tinham perdido tradas em redor das posições fortificadas
quase metade dos seus homens. inimigas. Em alguns casos encontraram
Enquanto a brigada de Leicester estava campos minados, que atravessaram cui-

O PREÇO DA BOINA VERDE


No início de 1942, Churchill encarregou vivo, custou a vida a 40 recrutas. Aqueles
Lord Mountbatten, chefe das Operações que reprovaram nos testes ou renuncia-
Conjuntas, de treinar um número sufi- ram foram devolvidos às suas unidades
ciente de soldados em táticas e técnicas de origem.
de comando para levar as forças alemãs No final, 25.000 soldados aliados com-
ao longo da costa da Normandia. pletaram o curso e receberam a cobiça-
Os voluntários foram reunidos no Centro da boina verde escura como comandos,
de Formação de Comando Básico no um sinal distintivo que usariam com
Castelo de Achnacarry, nos pântanos orgulho.
sombrios das Highlands escocesas.
O escolhido para se encarregar da
preparação de soldados de elite foi o
Tenente-Coronel Charles Vaughan, um Boinas verdes a ouvir as
instrutor conhecido pela dureza dos seus instruções dos superiores.
métodos.
Durante um intenso curso de 12 sema-
nas, os aspirantes a comandantes fizeram
longas marchas a pé, foram ensinados a
matar com qualquer arma ou apenas com
as suas mãos, escalaram montanhas e
aprenderam a manusear explosivos. O
treino, grande parte realizado com fogo
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57
de Benouville e Ranville sobre o rio Orne,
convictos que deviam aproveitar para per-
mitir a chegada da maior parte das forças
aliadas e encontrar de pontos marcados
nos mapas onde lhes foi ordenado que se
ligassem aos paraquedistas britânicos.
Neste momento dramático, a situação da
6ª Divisão Aerotransportada era desespe-
rada. Os seus homens tinham lutado incan-
Os principais desembarques em savelmente desde que aterraram e as suas
Dieppe foram destacamentos munições estavam a esgotar-se. As baixas
britânicos e canadianos.
aumentavam sob uma tempestade impla-

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cável e letal de fogo alemã, enquanto a tão
esperada chegada dos reforços era adiada
sem que ninguém lhes pudesse dizer quan-
dadosamente para evitar um desvio que os to tempo seria.
pudesse atrasar. Embora tenham evitado o Os paraquedistas estavam prestes a perder
mais possível a luta, os comandos deixaram a esperança, quando à distância pensavam
um rasto de destruição por onde quer que ter ouvido as notas das gaitas de foles es-
passassem, como testemunhado por vários cocesas a aproximarem-se. Eles sabiam
bunkers e uma bateria de quatro armas então que os comandos tinham rompido
alemãs, silenciados para sempre pelo fogo para os alcançar. Pouco tempo depois, as
preciso dos homens de Lovat. boinas dos seus camaradas apareceram
quando os flautistas de Lovat tocaram em
GAITAS DE FOLES E TRINCHEIRAS alto e em bom som os Blue Bonnets over
Tinham passado pouco mais de doze horas the Border , o hino do King’s Own Scot-
desde que os comandos tinham aterrado na tish Borderers, um regimento que fazia
praia quando se aproximaram das pontes parte da divisão escocesa. À chegada, os

O “JEDS”
Entre as forças especiais escolhidas todos eles eram especialistas no ma-
para ajudar a resistência francesa no nuseamento de qualquer tipo de arma
Dia D estavam as chamadas equipas e sabiam como descarrilar um comboio
de Jedburgh, com o nome da cidade e até explodir uma ponte. Com este
escocesa onde foram treinadas. cartão de visita, em breve se tornariam
À frente de cada uma destas equipas a ruína dos Alemães.
estava um oficial britânico ou americano Sabia que... Eisenhower foi considera-
aconselhado por um segundo oficial do do o general mais bem informado da
país onde deveriam desempenhar as história graças ao ousado trabalho dos
suas missões. Cada Jed, a abreviatura canoístas e mergulhadores do Special
utilizada para se referir aos membros Boat Service que elaboraram planos de-
destes grupos, recebeu formação de co- talhados da linha costeira da Normandia
mando “até ao limite do humanamente e das suas defesas.
possível”, como recordou William Colby,
membro do Jed e futuro diretor da CIA.
Uma centena de oficiais americanos
francófonos da OSS juntaram-se aos
Jeds. Estavam também presentes volun-
tários de outras unidades, bem como
os melhores das forças francesas livres
e um bom número de cidadãos belgas,
holandeses e até noruegueses.
No início de 1944, cerca de 300 Jeds
tinham sido selecionados para serem
lançados de paraquedas em França:
Jeds treinam no seu acampamento
em Milton Hall, Cambridgeshire,
Inglaterra.
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58
Paraquedistas britânicos da
6ª Divisão Aerotransportada a
bordo de um avião.

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Os flautistas de Lovat estavam a tocar


Blue Bonnets over the Border, o hino dos
King’s Own Scottish Borderers

comandos foram saudados pelos aplausos disse com o catarro britânico: “Desculpem
dos paraquedistas sitiados. o meu atraso. Em 12 de junho, a explosão
Após alguns minutos de confraternização de um obus matou Johnson e feriu grave-
entre as tropas, os soldados destas duas mente Lovat. A batalha pela Normandia
unidades britânicas de elite começaram a tinha acabado de começar e reclamaria a
cavar trincheiras e a tomar posições, en- vida de muitos mais oficiais e soldados das
quanto controlavam os movimentos dos unidades aliadas de elite, a ponta de lança
Alemães. Foi então que Lord Lovat se diri- da Invasão.
giu para o posto de comando do Tenente-
-Coronel “Johnny” Johnson, comandante
dos paraquedistas. Não se deixou intimidar JOSÉ LUIS HERNÁNDEZ GARVI
pelo fogo inimigo, consultou o seu relógio e Historiador

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AS ESQUECIDAS
“DAMAS DO DIA D”
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Mulheres que tornaram possíveis


os desembarques na Normandia

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WIKICOMMONS

Virginia Hall recebe a


Cruz de Distinção por Serviço Prestado.

62
Fotografias de algumas das prisoneiras em
Ravensbrück, o campo de concentração

WIKICOMMONS
para mulheres construído pelo regime
WIKICOMMONS

Lilian Rolfe armada.


nacional-socialista em 1939.
WIKICOMMONS

Violette Szabo.

WIKICOMMONS
Lilian Rolfe.

Edifício administrativode Ravensbrück, 80 km a


norte de Berlim. Hoje, acolhe exposições e eventos
sobre da sua história.

É
um facto que os estudos sobre as
mulheres não são abundantes na
historiografia da guerra. Durante
WIKICOMMONS

a Segunda Guerra Mundial, traba-


lharam em fábricas que produziam todo o
tipo de armamento, navios e tanques. Eram
espiãs e membros ativos da resistência con- É claro que a guerra não foi apenas sobre
tra os nazis. Nos países que o permitiram, homens, mesmo que lhes tenham sido da-
foram combatentes e serviram nas forças dos todos os holofotes. Hoje, recordamos
armadas. Serviram como enfermeiras e aquelas mulheres que corajosamente parti-
correspondentes de guerra. Muitas vezes ciparam na guerra e aquelas que tiveram de
secundarizadas ou esquecidas, foram fun- travar a sua própria guerra num ambiente
damentais para o sucesso do Dia D, mas a que injustamente se recusou a envolvê-las
história silenciou-as. na luta.

63
O Serviço Naval Real da Mulher “Wrens”
a praticar tiro ao alvo.

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Algumas mulheres foram presas pelos nazis


e terminaram os seus dias
no Campo de extermínio de Ravensbrück
ou Dachau.

Duas mulheres Wrens a verificar um avião. Mulher Wren, técnica de rádio, depois
de testar o equipamento.
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GETTY

64
Membros do “Women’s Royal Naval Service”,
Wrens, no Bletchley Park em Buckinghamshire,
onde era decifrado código alemão.

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PREPARAÇÃO DAS OPERAÇÕES da daria para vários romances - ela passou
Fotografias de 1944 mostram trabalhadoras a espiar para o OSS, o Gabinete de Servi-
britânicas que produzem folhas de alumínio ços Estratégicos dos EUA, o predecessor da
para as operações de engano que tiveram lu- atual CIA. Mudou-se para a Normandia e lá
gar nas horas que antecederam o amanhecer documentou defesas de praia, armas e exér-
do Dia D. Estas folhas causaram interferência citos, bem como o recrutamento de agentes
no radar alemão e, lançadas pelos britânicos e a coordenação com a resistência para cor-
na área de Pas-de-Calais, ajudaram a conven- tar as comunicações alemãs nas horas deci-
cer os alemães de que uma enorme força de sivas do Dia D.
aviões aliados se dirigia nessa direção. Estas Virginia Hall não estava sozinha. Outras mu-
mulheres são apenas uma pequena amostra lheres corajosas, tais como Diana Rowden,
das que trabalharam nas fábricas para tornar Violette Szabo e Lilian Rolfe, cobriram outras
este dia possível. áreas com a mesma tarefa. Algumas foram
Virginia Hall, conhecida como “a senhora presas pelos nazis e terminaram os seus dias
coxa”, foi uma das mulheres que trabalhou no campo de concentração de mulheres em
na preparação da invasão, neste caso como Ravensbrück ou Dachau.
espiã. Hall teve de cercear a sua carreira di- Ligeiramente mais conhecidas são as mu-
plomática devido à amputação da sua perna, lheres que trabalharam no projeto Enigma,
dada uma regra no Departamento de Estado que decifrou as comunicações secretas da
dos EUA que impedia que pessoas sem um Alemanha nazi. Cerca de oito mil mulheres
membro servissem como embaixadores. trabalhavam no Parque Bletchley fazendo
Amante da ação e das viagens, decidiu agir um trabalho inteletualmente exigente, seis
antes da invasão alemã da Polónia em 1939, em dez das quais estavam a servir nas Forças
juntando-se ao serviço de ambulâncias - o Armadas Britânicas.
único local onde as mulheres podiam partici- Jane Hughes, Jean Valentine - que também
par - na França ocupada. A sua fama depres- era membro do Wrens (Women’s Royal Na-
sa cresceu, pois relatou a Londres sobre mo- val Service) - ou a criptanalista Joan Clarke
vimentos de tropas alemãs e plantou bombas estavam entre estas mulheres, que nunca
em instalações militares. falaram do seu trabalho como descodifi-
Após a sua captura e libertação - e a sua vi- cadoras - nem sequer às suas famílias - até

65
trinta anos mais tarde, uma vez que a his- mente mulheres americanas, juntaram-se
tória tinha sido classificada ao abrigo da Lei para cobrir o conflito. Mary Welsh, Dixie
dos Segredos Oficiais do Reino Unido de Tighe, Kathleen Harriman, Helen Kirkpa-
1939. trick, Lee Miller, Martha Gellhorn e Tania
Algumas mulheres americanas foram tam- Long estavam entre elas. A razão, entre ou-
bém recrutadas para fazer cálculos balísti- tras, pode ser encontrada na década de 1930,
cos de artilharia e programar computado- quando Eleanor Roosevelt tornou obrigató-
res. Na Escola de Engenharia Eletrotécnica ria a presença nas suas conferências de im-
de Moore eram conhecidas como “compu- prensa apenas de mulheres jornalistas. Esta
tadores” femininos, porque utilizavam um medida levou um grande número de mulhe-
analisador diferencial para acelerar os seus res a juntarem-se aos redatores dos vários
cálculos. jornais. E assim, muitas mulheres jornalistas
estiveram nas frentes de batalha, enviaram
CORRESPONDENTES DE GUERRA os seus relatórios da Normandia durante os
Entre 1939 e 1945, muitas mulheres repórte- desembarques, entraram na recém-liberada
res ou correspondentes de guerra, especial- Paris e visitaram os campos de concentra-

66
Mulheres a decifrar A jornalista Martha
códigos alemães no Gellhorn no seu regresso
Parque Bletchley. a Nova Iorque vinda da
Europa .

Ernest Hemingway com


Martha Gellhorn
e o seu filho Patrick.
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“A Miss Cowles
pode ir onde
quiser: toda
a assistência
possível lhe
será oferecida;
não haverá
discriminação de
raça, credo ou
sexo”, escreveu
Eisenhower.
ALBUM

67
Virginia Cowles examina os danos causados
pelos bombardeamentos em 1941.

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ção na Europa. Elas são as “Senhoras do Dia conflitos no Vietname e na Nicarágua, e pela
D”.Uma delas foi a americana Martha Gel- sua reportagem sobre os refugiados espanhóis
lhorn (1908-1998). Embora tenha sido uma e os campos de concentração na Segunda
das mais importantes correspondentes de Guerra Mundial.
guerra do século XX, é mais conhecida por Mas foi Ernest Hemingway - de quem estava
ter sido esposa de Ernest Hemingway entre prestes a separar-se - que obteve a única li-
1940 e 1945. Consciente do perigo da sua cença da Collier’s para cobrir o Dia D. Ape-
sombra, uma vez escreveu que não queria ser sar disso, Gellhorn conseguiu ir ao conflito e
reduzida a “uma nota de rodapé na história”. enviar-lhes um relatório, no seu estilo direto,
Gellhorn foi uma das brigadistas que foi à centrado nos efeitos do conflito sobre a popu-
Guerra Civil espanhola como correspondente lação civil e nas baixas de guerra. Hemingway,
da revista feminina americana Collier’s. Em por sua vez, não conseguiu chegar à costa.
Espanha, denunciou as autoridades espa- Vale a pena recordar o relato da escritora de
nholas e a Guerra Civil espanhola. Em Espa- como chegou à Normandia. Entrou como
nha, queixou-se às autoridades militares de clandestina num navio hospitalar e trancou-
que as mulheres correspondentes de guerra -se numa casa de banho. À chegada, fez-se
eram um incómodo para o exército, dado o passar por empregada e tornou-se assim a
tratamento condescendente que recebiam. primeira mulher a relatar a invasão.
Este tratamento, disse ela, foi tão ridículo Virginia Cowles (1912-1983) começou a tra-
como indigno, e salientou que nenhuma de- balhar para a Harper’s Bazaar com dezasseis
las teria tais funções se não soubessem como anos, tornando-se uma famosa correspon-
o fazer. dente de guerra. Cobriu também o confli-
Os seus escritos sobre a guerra em Espanha to espanhol e, a partir de fevereiro de 1938,
deram-lhe reconhecimento, que foi reforçado viajou por toda a Europa, cobrindo o surto da
pela qualidade das suas reportagens sobre os Segunda Guerra Mundial.

68
Em 1941, vendo o desenrolar da guerra, es-
tava convencida de que os Estados Unidos
tinham de intervir e já não podiam perma-
necer à margem. Por esta razão, ela percor-
reu o país, dando palestras, explicando e
expondo aos seus compatriotas que esta era
também a sua guerra. Mais tarde tornou-se
conselheira do embaixador americano em
Londres, Gilbert Winant, que a enviou pa-
ra o Norte de África em 1943 para recolher
informações. No entanto, quando chegou a
Tunis não lhe foi permitido visitar a frente
devido ao seu estatuto de mulher. Disposta
a cumprir a sua missão, abordou o General
Dwight David Eisenhower para obter per-
missão, recebendo um telegrama que dizia:
“Miss Cowles pode ir onde quiser: toda a
ajuda possível será oferecida; nenhuma dis-
criminação de raça, credo ou sexo”.
As imagens captadas pela fotojornalista
e fotógrafa Lee Miller (1907-1977) da Se-
gunda Guerra Mundial vivem nas nossas Lee Miller ao telefone
memórias. Foi correspondente da revista no apartamento de
Adolf Hitler após o fim
Vogue, documentando o bombardeamento
da Segunda Guerra
de Londres - conhecido como o “Blitz” - e
Mundial em Munique,
as várias cenas do conflito em solo francês
Alemanha, 1945.
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e noutros países europeus.

A VIOLÊNCIA SEXUAL TAMBÉM MARCOU O CONFLITO.


A velha Inglaterra já não é a mesma, des- revistas e a repetição das aventuras
de que a temida invasão teve lugar. Mas eróticas exageradas dos combatentes
não, não é o bárbaro Huno, mas sim o da Primeira Guerra Mundial em França.
maldito ianque que veio para ficar. Nas suas mentes, foram saudados por
Os soldados americanos que chegaram um paraíso erótico cheio de mulheres
espalharam um ar diferente por Londres bonitas e acolhedoras.
e França, em pubs, salões de dança e De junho de 1944 a junho de 1945,
cidades rurais tranquilas. Durante al- 139 soldados foram julgados por este
gum tempo, como um britânico poderia crime por tribunais militares americanos
dizer, as pessoas esqueceram-se da em solo francês. 29 soldados foram
guerra. Mas a balada intitulada Lamento executados em público pelo crime de
de uma rapariga inglesa reflete que este violação, 25 dos quais eram negros. O
não era o caso de muitas mulheres . racismo dominante nos Estados Unidos
A violência sexual é outro lado do res- também se refletiu nas decisões dos
caldo do famoso Dia D que os países tribunais militares.
ainda estão a tentar silenciar e esque- A violência sexual - utilizada como uma
cer. espécie de arma e castigo - foi uma ca-
Nos últimos anos, surgiram estudos raterística constante do conflito. Foram
sobre as violações que um pequeno nú- cometidas inúmeras atrocidades contra
mero de soldados americanos cometeu as mulheres de todos os lados durante
após os desembarques, especialmen- a Segunda Guerra Mundial. Fragmentos
te em solo francês. Uma das razões esquecidos que mostram as mulheres
para tal era o imaginário coletivo que como as vítimas eternas da guerra,
os soldados americanos tinham sobre sempre encurraladas pela história.
o país, que foi transmitido através de

69
evacuaram os feridos se despenharam.O pa-
Enfermeiras Lydia Alford, Edna Birbeck e pel das enfermeiras foi fundamental duran-
Myra Roberts. te toda a guerra, desde a criação do Corpo
de Enfermeiros do Exército Britânico e dos
famosos Flying Nightingales até ao seu tra-
balho nos hospitais da linha da frente, lo-
calizados nos próprios campos de batalha,
onde foram realizadas as primeiras curas e
transfusões. Mas não havia apenas enfer-
meiras; vale a pena salientar a importân-
cia de milhares de prestadoras de cuidados
anónimas que, muitas vezes sem uma figura
profissional, tiveram de assumir o papel de
cuidar dos mais indefesos. Mulheres que
ajudaram a cuidar, apesar de não terem os
conhecimentos, e que também merecem
ser justificadas e trazidas à luz.

MULHERES MILITARES
O WAC - “Women’s Army Corps” - tam-
bém esteve presente pouco depois da inva-
são inicial. Tinham sido o ramo feminino
do exército dos EUA desde 1943, não sem
grande relutância da parte de muitos sol-
dados. Mas a escassez de homens exigiu
uma nova política, e em breve as mulheres
estavam a desempenhar funções equiva-
lentes às desempenhadas pelos homens.
WIKICOMMONS

Isto foi refletido num manual dirigido às


mulheres: “O seu trabalho: Substituir os
homens. Esteja preparada para assumir o
controlo. Isto não correu bem na altura, e
A 30 de abril de 1945, no dia em que Adolf
Hitler se suicidou, Lee Miller tirou uma fa-
mosa fotografia dela própria nua na sua ba-
nheira, limpando-se da sujidade do campo
de concentração de Dachau que acabara de
atravessar com as suas botas gastas. Miller
foi uma das primeiras fotógrafas a docu-
mentar os horrores destes campos, expondo
o Holocausto ao público.

ENFERMEIROS E PESSOAL MÉDICO


Logo após os desembarques, as enfermeiras
começaram a chegar e o seu papel foi reco-
nhecido e comemorado no 75º aniversário
do Dia D. Proeminentes nesses primeiros
dias foram Lydia Alford, Edna Birbeck e My-
ra Roberts, que tentaram o seu melhor para
limpar o local de desembarque de todos os
feridos e baixas dos combates, com o apoio
da Cruz Vermelha.
Nas filas intermináveis de sepulturas na área
da Normandia há um pequeno número de se-
pulturas de mulheres, a maioria delas enfer-
meiras que foram mortas pelo fogo inimigo
ou que morreram quando os aviões em que
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70
As mulheres do WAC na
libertação de Paris.

ALBUM
muitas fontes geraram e alimentaram pia-
Enfermeiras da Cruz
Vermelha em frente ao das e rumores desagradáveis sobre estas
Parlamento inglês. mulheres militares.
Cerca de 150.000 mulheres serviram no WAC
na guerra, com ocupações que vão desde ope-
radoras de centrais telefónicas, mecânicas,
pessoal da força aérea até ao serviço postal.
Estas últimas incluíam Mayr Barlow e Mary
Bankston, que pereceram num acidente de
jipe ao tentarem levar cartas aos seus desti-
natários no terrível caos da invasão Aliada.
Quando a guerra terminou, grande parte da
imensa participação feminina foi esquecida.
Hoje, não devemos ignorar o facto de que os
nomes e histórias de todas estas mulheres são
importantes para apresentar e compreender
toda a extensão da terrível guerra que assolou
a Europa.

LUNA G. ALIJARCIO
Historiador

71
Erwin Rommel e, na outra página,
Dwight David Eisenhower.

GENE
FRENTE
72
RAIS
ETNERF
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73
G
uerra, esse ato supremo de irracio- mas provavelmente para não serem ultrapas-
nalidade tão profundamente hu- sados por muitos outros que a história, sem
mano, tem dias em que tudo muda. dúvida, colocou à sombra dos primeiros.
Dias em letras maiúsculas em que o
conflito começa a ser resolvido pela mão da- EISENHOWER, O ESTRATÉGICO
queles que são seus protagonistas no campo DwightDavid Eisenhower (1890-1969) nas-
de batalha e à frente dos exércitos, como tes- ceu numa modesta família do Kansas de
temunhado a 6 de junho de 1944, quando o origem imigrante alemã. Longe do teatro de
desembarque das tropas Aliadas na Norman- combate durante toda a sua carreira militar,
dia marcou o curso definitivo da Segunda Ike, como o arquiteto da vitória na Norman-
Guerra Mundial. dia era conhecido, fez a sua estreia no co-
Nesse dia, teve lugar a maior operação aérea, mando de tropas durante a Segunda Guerra
naval e terrestre da história e foram postas em
prática estratégias extraordinárias, comanda-
das por alguns dos generais mais renomados
envolvidos num confronto no qual se baseia a
ordem mundial contemporânea.
Fizeram-no no âmbito de uma conceção de
guerra e do exército que era tão diferente
quanto decisiva para o resultado final: por
um lado, as tropas Aliadas, constituídas por
tropas de mais de vinte nacionalidades e li-
deradas com base no planeamento e organi-
zação através de uma estrutura de comando
perfeitamente hierárquica; por outro lado, o
das forças alemãs, constituídas por tropas de
mais de vinte nacionalidades e lideradas com
base no planeamento e organização através
de uma estrutura de comando perfeitamen-
te hierárquica; por outro lado, as forças ale-
mãs, protegidas por uma linha costeira for-
tificada e com comandantes extraordinários
como Gerd von Rundstedt e Erwin Rommel,
que sofreram os efeitos da desorganização e o
capricho de um modelo de exército cujas de-
cisões foram concentradas pelo próprio Adolf
Hitler, que no próprio dia do desembarque só
foi acordado várias horas após a invasão ter
começado, de acordo com as suas ordens para
o cumprimento do seu descanso até às 9h00.
Graças a essa bem sucedida iniciativa militar
Aliada, a 25 de agosto desse ano, 80 dias após
a invasão, tantos dias como os dias da circum-
-navegação do mundo no famoso romance do
francês Júlio Verne, os exércitos Aliados con-
seguiram inverter irreversivelmente a guerra
com a libertação de Paris. General Dwight D.
Estas linhas servem para recordar aqueles que Eisenhower posando
lideraram as operações de ambos os lados, os para a capa da
Revista Life,
homens que arcaram com imensas responsa-
em abril de 1945.
bilidades que levaram centenas de milhares
de soldados a uma fase culminante da história
que foi ainda mais para eles, porque estavam a
pôr em jogo o bem mais precioso de todos os
seres humanos: a vida.
Um grande elenco de generais, quatro dos
quais se destacam acima de todos os outros,

74
Mundial e atingiu o auge do seu prestígio ros anos da Guerra Fria, conseguiu com o seu
após o sucesso da Operação Overlord, que sentido estratégico magistral um novo mode-
liderou como comandante supremo Aliado lo de confronto baseado em potenciais pon-
na Europa. tos fortes e riscos crescentes que felizmente
Inteligente, metódico e conciliador, Eise- nunca se concretizaram. Sempre com essa
nhower não esgotou a sua carreira no grande capacidade de reunir aliados, o que o levou a
conflito e ao longo dos anos tornar-se-ia o assinar tratados com quem quer que mostras-
comandante supremo da NATO e, mais tarde, se vontade de enfrentar a ameaça comunista,
presidente dos Estados Unidos por dois man- incluindo os alcançados com Espanha, e a ser
datos, de 1953 a 1961, durante os quais teve de o primeiro presidente dos EUA a visitar esse
enfrentar uma guerra muito diferente daquela país a 21 de dezembro de 1959, numa viagem
que o tornou famoso. Nos anos 50, os primei- que normalizou o regime de Franco no con-
texto internacional.
Mas voltemos à Normandia e às capacidades
de comando de Eisenhower, o general cujo
primeiro nome (Dwight David) empresta a
inicial ao seu maior dia, em que o seu extraor-
dinário trabalho durante os meses que ante-
cederam a invasão se cristaliza como vitória,
porque foi nesse longo preâmbulo que a habi-
lidade de Ike lançou as bases para o triunfo em
solo francês. A sua constante disponibilidade
para resolver a rivalidade entre os generais
sob o seu comando, o seu talento para a or-
ganização, a sua habilidade como planeador
e a sua extraordinária visão estratégica foram
sem dúvida os pilares para alcançar o resulta-
do esperado no Dia D e os que se seguiram até
à vitória final. Todas estas qualidades fazem
de Eisenhower um estratega extraordinário,
embora tenha sido a sua constante dedicação
à motivação das suas tropas que o tornou um
líder total. Basta recordar que, antes do início
das operações da Normandia, deu a todos os
que nelas participaram uma carta de moti-
vação assinada com a sua própria letra, que
também elevou a um discurso memorável, e
na qual o seu ideal é condensado: “Tenho ple-
na confiança na vossa coragem, devoção ao
dever e habilidade em combate. Aceitaremos
nada menos que a vitória total!
Ao longo dos anos, o General Eisenhower não
só se tornaria uma das grandes figuras mili-
tares e políticas do século XX, como também
entraria no próprio planeamento estratégico
do nosso tempo através da sua famosa matriz
de utilização do tempo, na qual nos convida
a agir sobre os problemas com base na sua
qualificação de acordo com duas variáveis:
urgência e importância. Uma matriz segundo
a qual os problemas que não são urgentes nem
importantes devem ser eliminados, os que
são simultaneamente urgentes e importantes
devem ser tratados, os que são importantes
e não urgentes devem ser tratados, e os que
são urgentes mas não importantes devem ser
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delegados à pessoa mais adequada.

75
O General alemão
Rommel com a 15ª
Divisão Panzer em
1941 na Líbia.

SHUTTERSTOCK
ROMMEL, O ASTUTO marco no comando da 7ª Divisão Blindada,
Se de um lado do Atlântico havia Eisenho- com a qual conseguiu mais uma vez destacar-
wer, do outro era Erwin Johannes Rommel -se como campeão da versatilidade e da sur-
(1891-1944), o Raposa do Deserto, que ape- presa, a ponto de a sua divisão se ter tornado
sar de estar sob o comando do Marechal Von conhecida como a divisão fantasma.
Rundstedt, encarregado das forças alemãs Enviado para a Líbia em 1941, a sua grande
no Ocidente, foi quem enfrentou a invasão oportunidade veio para liderar um exército, o
do Império Alemão, foi ele que enfrentou a Afrika Korps, que até à sua derrota na última
invasão nas praias normandas e que cunhou batalha de El Alamein tinha conquistado uma
o apelido que assombra o Dia D como o dia vitória atrás da outra contra um superior do
mais longo, consciente, como ele era, de que contingente britânico em tropas e meios de
apenas a contenção da ofensiva na costa a 6 todos os tipos. Foi precisamente esta escassez
de junho de 1944 poderia oferecer qualquer de recursos, tanto em termos de equipamento
hipótese de vitória ao seu lado. como de combustível, que finalmente decidiu
Filho de pais burgueses sem tradição militar o triunfo do General Montgomery no coman-
na família, Rommel interessou-se desde cedo do do Oitavo Exército Britânico.
pelos militares e desempenhou um papel ativo Os anos em África forjaram a lenda da Raposa
na Primeira Guerra Mundial, onde se distin- do Deserto, que, como todos os grandes lí-
guiu em várias ações tanto na Frente Ociden- deres, teve aquela visão estratégica que per-
tal como nos Alpes, mostrando sempre uma mite antecipar vitórias com uma preparação
predileção especial pela penetração surpresa e exaustiva; embora no seu caso, ao contrário
uma coragem extraordinária que demonstrou de Eisenhower, Rommel sempre privilegiou
ao liderar operações a partir da sua posição à o treino extremo em detrimento do planea-
frente das tropas sob o seu comando. mento meticuloso como alavanca para ativar
A adesão de Hitler ao poder ofereceu a Rom- as suas operações militares fugazes e enérgi-
mel uma nova oportunidade de retomar a sua cas.
carreira militar estagnada durante os anos Após a derrota do Africa Korps, Rommel as-
entre guerras, sendo o seu primeiro grande sumiu breves destacamentos na Grécia e Itá-

Rommel estava na sua residência em Berlim


quando foi acusado de traição pela sua
alegada cumplicidade no atentado contra
a vida de Hitler a 20 de julho de 1944.

76
Soldados alemães no
pico Gran Sasso (Itália),
18 de setembro de 1943.

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lia, até ser colocado à frente do Grupo B do lacunas ao longo da longa linha de defesa que
Exército, liderado por Von Rundstedt, com era a Muralha do Atlântico. Quando quiseram
a tarefa de completar a chamada Muralha do chegar, já era demasiado tarde. A distância
Atlântico, que se destinava a conter qualquer a ser percorrida, a superioridade aérea dos
invasão Aliada desde a Holanda até à fronteira Aliados e o considerável terreno ganho pelos
espanhola. Responsável por um empreendi- seus oponentes impediram que a invasão fosse
mento muito diferente de qualquer outro que abortada quando ainda estava no seu início.
tinha enfrentado anteriormente, Rommel era Dececionado por este fracasso estratégico e
tão hábil em estabelecer uma defesa como no desiludido com o nazismo quando soube do
ataque relâmpago e contundente (blitzkrieg), horror dos campos de morte, Rommel estava
do qual era um mestre, e como tal estava em- a definhar na sua residência em Berlim, to-
penhado em estabelecer todo o tipo de pro- talmente recuperado das feridas de um ata-
teções para impedir a penetração das tropas que aéreo ao seu veículo em França, quando
Aliadas. Nos meses que antecederam a inva- foi acusado de traição pela sua alegada cum-
são, ele encheu as praias de minas, conduziu plicidade no ataque a Hitler a 20 de julho de
em inúmeras estacas com ogivas explosivas e 1944 como parte do que ficou conhecido co-
implantou milhas de arame farpado e barrei- mo Operação Valquíria. Confrontado com o
ras para impedir o desembarque de tropas e dilema de escolher o suicídio com honras ou
o infiltramento de tropas aerotransportadas. desonra para si próprio e para a sua família,
Tudo com o objetivo de evitar o estabeleci- levou exatamente quinze minutos a tomar a
mento de uma cabeça de praia. sua decisão, o tempo entre a oferta que lhe foi
Mas não conseguiu, nem conseguiu repelir feita pelos emissários do Regime em sua casa
a invasão nesses primeiros dias de incipiente e a administração da cápsula de cianeto que
penetração Aliada, por ser incapaz de con- lhe pôs fim à vida.
vencer Von Rundstedt e o próprio Hitler da
necessidade de manter as unidades blindadas MONTGOMERIA, O ESPARTANO
em posições selecionadas nas semanas que Bernard L. Montgomery (1887-1976) nasceu
antecederam a invasão, para que pudessem em Kennington, Londres, o quarto filho de
atuar na linha costeira desde o início. Em vez nove filhos criado por um bispo anglicano e
disso, as divisões Panzer permaneceram no a sua esposa. A sua infância naquela família
interior francês prontas a colmatar quaisquer de convicções religiosas firmes e costumes

77
General Montgomery
observa as manobras
das suas tropas em África
em novembro de 1942.

ASC
vitorianos rigorosos marcaria toda a sua vida
Karl Rudolf Gerd von Rundstedt e forjaria o espírito guerreiro do futuro grande
foi declaradamente apolítico. general.
Austero, amuado, teimoso e reservado,
Monty, como o seu povo o chamava, teve uma
longa carreira militar que começou na Índia e
que acabaria por levá-lo a derrotar a Raposa
do Deserto, graças a um sentido de disciplina
e sacrifício que partilhou com o seu grande
adversário e que a máquina industrial Aliada
lhe permitiu enriquecer com maior equipa-
mento militar.
Durante os desembarques na Normandia,
Montgomery estava encarregado de dirigir as
forças terrestres sob as ordens de Eisenhower,
e graças à estratégia cautelosa que sempre ca-
raterizou as suas ações militares, conseguiu
reduzir as baixas entre as suas unidades e
encorajar as tropas alemãs a desgastarem-se
até se esgotarem, facilitando assim a sua ani-
quilação. Uma estratégia que nem sempre foi
partilhada pelos seus colegas de armas e que
hoje mantém em aberto uma revisão das suas
decisões no campo de batalha, que se baseou
demasiado no resultado do desgaste mútuo e
que hoje não atrai todo o apoio de especialis-
tas em história militar.
De qualquer modo, as suas capacidades não
podem ser negadas, apesar do fracasso de al-
gumas operações pós-Normandia, nomeada-
mente a Operação Market Garden, um ataque
aéreo combinado com uma grande infiltração
de unidades blindadas para ocupar várias
ASC

pontes estratégicas sob controlo alemão na

78
Holanda, que se tornou a última grande vitó- tancial que colocou as suas virtudes militares à
ria militar dos nazis. frente de todas as outras considerações.
No comando da frente ocidental durante a in-
VON RUNDSTEDT, O PROFISSIONAL vasão da França, o Marechal Von Rundstedt
Karl Rudolf Gerd von Rundstedt (1875-1953) enfrentou a difícil tarefa de sucumbir ao im-
encaixa no estereótipo do soldado profissional. pulso Aliado, o resultado, entre outras razões,
Descendente de uma família com uma profun- dos seus erros de planeamento ao colocar as
da tradição militar, educada na academia de suas melhores unidades em posições favorá-
oficiais prussianos e uma apolítica declarada, veis a uma resposta equivalente em diferentes
Von Rundstedt foi o exemplo de um general locais de desembarque, mas suficientemente
ao serviço do seu país e da sua causa circuns- longe da Normandia para evitar um encontro

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Stauffenberg, Puttkamer, Bodenschatz,


Hitler e Keitel encontram-se no local onde
decorreu a tentativa de assassinato do
Führer a 20 de julho de 1944.

79
Karl Rudolf Gerd von Rundstedt,
Marechal de Campo da Wehrmacht.

com os Aliados mesmo a tempo de os conter casso mais retumbante de Monty na Operação GETTY

no litoral. Market Garden.


Firme nas suas convicções e leal a si próprio,
o afastamento de Von Rundstedt da políti- NÃO ESTAVAM SOZINHOS
ca levou-o a ser dispensado do comando em Eisenhower, Rommel, Montgomery e Von
pelo menos duas ocasiões durante a Segunda Rundstedt são apenas os generais mais distin-
Guerra Mundial, embora esse mesmo sentido tos da invasão da Normandia, mas não falta-
de dever o tenha levado a servir no tribunal ram outros que trouxeram a sua ousadia, co-
militar que julgou e demitiu muitos oficiais ragem e dedicação à mesa. Muitos poderiam
descontentes com Hitler, acabando por levar ser acrescentados a este artigo, mas dois não
à execução de muitos. Entre os seus sucessos devem ser omitidos pelo seu extraordinário
militares deve ser contado o último da Alema- envolvimento nas operações pós-desembar-
nha nazi na guerra, o mesmo que levou ao fra- que: Patton e Bradley.

As linhas de Verlaine: “Os longos soluços


dos violinos de Outono ferem o meu
coração com uma languidez monótona”
alertaram a resistência do desembarque.

80
O primeiro, em contraste com o rigor de Todos eles foram protagonistas de um dos
Monty, com quem sempre rivalizou, era um acontecimentos decisivos no final da Segun-
expoente de um modelo de comando tão da Guerra Mundial, que pôs fim a qualquer
agressivo quanto eficaz. Uma veemência que hipótese de vitória da Alemanha e que ocupa
o levou a ser afastado das suas responsabili- hoje um lugar de destaque na história mili-
dades nas operações de desembarque quando tar contemporânea, na história das nossas
demonstrou essa difícil personalidade face a guerras, que são simultaneamente o fracasso
vários soldados em convalescença e foi rele- da política e a manifestação do horror que a
gado a dirigir um dos mais extravagantes e humanidade enfrenta quando é incapaz de
eficazes episódios de diversão concebidos nas resolver as suas diferenças de uma forma que
semanas que antecederam o Dia D, nomeada- corresponde à racionalidade mais básica.
mente a formação de um exército de tanques Um horror que, na manhã de 6 de junho de
insufláveis na zona de Calais, onde a invasão 1944, se manifestou em toda a sua crueza e,
acabou por não ter lugar. Depois dessa missão por caprichos do destino, foi anunciado ape-
em particular, Patton recuperou o comando nas alguns dias antes na televisão e rádio pú-
pelo que fez melhor, ganhando no campo de blicas britânicas, na BBC, e aos combatentes
batalha, e teve a oportunidade de o provar da resistência da França ocupada com alguns
amplamente durante o ano de luta que ainda versos do poeta francês Paul Verlaine que
estava por vir. nasceram com um propósito muito diferente
Pela sua parte, o General Bradley, um exem- daquele que serviam na altura, mas liberta-
plo de eficiência e discrição, é um desses dor: “Os longos soluços dos violinos de Outo-
grandes protagonistas da guerra que merece no ferem o meu coração com uma languidez
sempre reconhecimento. Um homem militar monótona”.
de uma só peça, sempre dedicado à sua tarefa
na frente e longe dos holofotes, foi um dos que
ganhou no terreno sem outra satisfação que a TOMÁS MORENO BUENO
do dever cumprido. Escritor

GETTY

Os generais norte-americanos
Patton e Bradley e o general
britânico Montgomery discutem
a estratégia e o progresso da
campanha francesa.

81
A
BATALHA
CLANDESTINA

82
“Maquis” refere-se aos
guerrilheiros que faziam
parte da chamada
resistência francesa,
sendo a sua presença
particularmente ativa
nas zonas montanhosas
da Bretanha e do sul de
França.

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83
Grupo de maquis franceses durante
a Segunda Guerra Mundial.

C
omo todas as boas histórias de es- libertação se misturavam. Mas nem todos
pionagem, este conto começa na esperaram o dia fatídico com a resignação.
bruma da noite, sob a escuridão da
noite e o som intermitente de pala- A VOZ DA RESISTÊNCIA
vras truncadas. É a madrugada de 1 de junho Em redor dos primeiros grupos de comba-
de 1944. A véspera de um Verão há muito es- tentes da resistência e sob a voz grandilo-
perado, após quatro longos anos de Inverno. quente de Charles de Gaulle que emitia da
Desde Maio de 1940, o tempo em França não BBC em Londres, a chama quente da resis-
tem sido medido por estações fixas no ca- tência ao ocupante foi mantida viva. A Fran-
lendário. Cada dia representa uma sucessão ça Livre liderada por de Gaulle era um pe-
única de datas recordando a invasão, derrota queno contingente composto na sua maioria
e capitulação. Um longo Inverno estava a en- por forças militares e coloniais exilados que
trar no seu quarto ano. não aderiram nem à capitulação nem à Fran-
Nessa noite, o primeiro calor do Verão imi- ça Vichy.
nente não é sentido. O tempo tem vindo a Depois dos desembarques dos Aliados em
piorar e com ele as hipóteses de uma ater- África em novembro de 1942, nas costas de
ragem parecem estar a escapar. Todos os Marrocos francês e da Argélia sob Vichy, o
olhos estão virados para o Canal da Mancha. poder militar aumentou com força regulares
A noite é impaciente. Toda a França era uma que abraçaram a disciplina de De Gaulle.
terra desolada onde o silêncio e o desejo de Dentro da França, contudo, a situação esta-

84
va longe de ser coordenada eficazmente sob
um comando unificado. Vários grupos mi-
noritários mantêm uma luta armada quase
simbólica contra o ocupante alemão. As suas
consequências foram irrelevantes na cena
militar. A situação mudou após a invasão
alemã da União Soviética e a incorporação
de militantes comunistas na Resistência.
Uma batalha pelo controlo do seu destaca-
mento também começou com seriedade.
De Gaulle promoveu Moulin como líder do
primeiro Conselho Nacional da Resistência
(CNR), até à sua prisão e execução pela Ges-
tapo, em julho de 1943.
Alguns meses mais tarde, as forças de resis-
tência foram agrupadas sob o nome das For-
ças Francesas do Interior (FFI), com uma es-
trutura militarizada e um comando conjunto
liderado por De Gaulle de Londres, não sem
problemas disciplinares com os maquis de
inspiração comunista que até então tinham
operado como guerrilheiros autónomos.
Os seus sucessos tornaram-se então mais
incisivos. Realizaram numerosos atos de sa-
botagem e mantiveram vários canais de co-
municação com Londres, tanto para receber
ordens como para fornecer o seu bem mais
valioso contra o exército alemão: informa-
ção.
Em junho de 1944, conquistaram o seu es-
tatuto de quinta coluna, essencial para o su-
GETTY

cesso da mais importante operação na Frente

GETTY

Charles de
Gaulle apela ao
povo francês
de Londres a
18 de junho de
1940, logo após
a ocupação nazi
de França.

85
As tropas aliadas desembarcam na
Argélia, 8 de novembro de 1942.

GETTY

Ocidental e o maior desembarque militar da


história. O Dia D está prestes a lançar a sua
tempestade de fogo e pólvora, enquanto se
aguarda a confirmação da prontidão da re-
taguarda por parte dos homens do interior.

OS VERSOS QUE MUDARAM


O CURSO DA GUERRA
Nas primeiras horas do dia 1 de junho, mui-
tos ouvidos foram sintonizados nas emissões
da BBC a partir da França ocupada. Eles sa-
biam que a invasão era iminente e imediata.
Aguardavam uma mensagem codificada, um
dos muitos códigos que envolvem as ondas
aéreas e a noite. Todos os dias, dezenas de
mensagens aparentemente anódinas e pes-
soais são transmitidas, e que só os seus des-
tinatários sabem decifrar a carga destrutiva
que contêm e transmitem.
Nessa noite, porém, duas linhas da canção
de Outono de Paul Verlaine tornaram-se a
palavra-chave que milhares de combatentes
da Resistência esperavam: “Os longos solu- Jean Moulin foi o
ços dos violinos de Outono/ ferem o meu co- líder do primeiro
ração com uma languidez monótona.”. Conselho Nacional da
GETTY

É o sinal que confirma às Forças Francesas Resistência.

86
Todos os dias, dezenas de mensagens
anódinas e pessoais eram enviadas, que só
os seus destinatários sabiam decifrar.
do Interior que o desembarque terá lugar O Dia D tinha acabado de ser anunciado
dentro das próximas duas semanas. Todo o através das ondas de rádio a milhares de
aparelho militar foi ativado, e a sabotagem combatentes da resistência e às próprias es-
e o envio de informação chave foram inten- tações de escuta alemãs.
sificados.
Graças às informações fornecidas nos últi- A BATALHA CLANDESTINA
mos meses, os Aliados tinham uma imagem Não houve muito tempo a esperar. Nessa
precisa da frente alemã e das suas defesas. mesma meia-noite, os primeiros paraque-
Anos mais tarde, o chefe americano do OSS distas saltaram nas proximidades das praias
(Office of Strategic Services), William Dono- de desembarque na península de Carentan.
van, reconheceu que 80% das informações Eram batedores que deveriam liderar os
úteis sobre o destacamento liderado pelo próximos saltos em massa e a aterragem dos
Marechal Rommel provinham da resistên- planadores que carregavam algumas das tro-
cia. Antes de entrar em batalha, esse foi o pas e o material mais pesado.
seu primeiro sucesso. Por volta da 1 da manhã, os mais de 15.000
Na noite de 5 de junho de 1944, a BBC repro- paraquedistas de três divisões aéreas foram
duziu pela segunda vez as mesmas linhas do os primeiros soldados Aliados a aterrar em
poeta simbolista francês. Foi o sinal acorda- solo francês: os americanos 101º e 82º, e a 6ª
do para confirmar que os desembarques na Divisão Britânica.
Normandia teriam lugar dentro de quarenta O objetivo das duas primeiras, em torno da
e oito horas. aldeia de Saint-Mère-Église, era controlar as

Paul Verlaine num café,


fotografado por Dornac.
GETTY

87
Os membros do maquis estudam
o mecanismo e a manutenção das
armas à sua disposição.

GETTY

abordagens às praias de Utah e Omaha a fim bertura da escuridão. A sua prioridade era
de parar o contra-ataque alemão. Uma das bloquear as comunicações e as ligações de
imagens mais icónicas e reconhecíveis desse transporte. A sabotagem foi generalizada na
dia é a de um paraquedista da 101ª Divisão região da Normandia, mas também noutras
Aérea preso à torre da igreja, uma cena da regiões remotas, a fim de criar o caos que
vida real que tem sido imortalizada como impediria a mobilidade ágil dos reforços ini-
história recente da França. migos. Este foi o seu segundo sucesso, nas
A missão da 6ª Divisão Aérea Britânica era, primeiras horas da Operação Overlord.
quando muito, ainda mais complexa: eles
tinham de assegurar as pontes sobre o rio SABOTAGEM!
Douve em Carentan. A experiência acumulada durante os anos de
No meio deste combate precoce, que pressa- ocupação revelou-se crucial para dificultar a
giava a escala da grande batalha, as forças de resposta alemã nessas primeiras horas deci-
resistência começaram a travar a sua própria sivas. Alguns destes grupos, de facto, ope-
guerra particular numa frente dupla: para ravam com armamento moderno e táticas
ajudar as tropas Aliadas e para dificultar a militares, há muito aconselhados por agen-
resposta alemã. tes da SOE, o Serviço de Operações Especiais
Dezenas de grupos mobilizados sob a co- criado por Churchill nos primeiros meses da

88
Maquis de Saint-Marcel.

ASC
guerra com o objetivo de “atear fogo à Eu- denados a partir de um centro de comando
ropa”. escondido numa quinta na região de Males-
O alvorecer de 5-6 de junho de 1944 foi o troit, conhecida nos círculos da Resistência
ponto alto do seu desempenho e o verdadei- como “Pequena França”.
ro teste do seu valor como força de combate. Dezenas de guerrilheiros foram feitos prisio-
Estima-se que 1.000 atos de sabotagem fo- neiros e transferidos para a prisão de Caen,
ram realizados pela Resistência durante os que antes do desembarque se tinha tornado
primeiros dias da invasão, a um custo eleva- a principal prisão para os combatentes da
do em vidas. Mais de 120 combatentes da FFI resistência na costa atlântica. Dias mais tar-
foram mortos nessas horas. de, a resistência sofreu o maior massacre co-
O grupo mais ativo era conhecido em códi- letivo da sua breve história. Perante o avan-
go como o maquis de Saint-Marcel, liderado ço dos Aliados, o comando alemão excluiu a
pelo Major Morice. Os seus mais de 2.000 transferência de prisioneiros e ordenou a sua
combatentes em junho de 1944 foram coor- execução sumária. 87 membros da FFI foram

ACS

Monumento, na cidade francesa de Prayols,


que comemora o compromisso dos
republicanos espanhóis com a Resistência.

89
O AGRUPAMENTO
DE GUERRILHEIROS
ESPANHÓIS
A atividade dos comba-
tentes espanhóis no seio
da Resistência foi decisiva
em algumas zonas do sul
de França, na medida em
que passaram a ter a sua
própria identidade e uma
força de cerca de 10.000
homens. Eram conheci-
dos como Agrupación de
Guerrilleros Españoles
(Agrupamento de Guer-
rilheiros Espanhóis) e, a
partir de 1944, foram in-
tegrados na FFI.
A sua participação mais
ASC

notável não teve lugar


durante a operação de de-
fusilados em filas de seis no pátio da prisão. sembarque propriamente dita, mas durante
Quando a cidade foi tomada pelos Aliados, a Batalha de La Madeleine, a 25 de agosto,
os seus corpos foram exumados e enterrados quando um destacamento de apenas qua-
com honras militares. renta guerrilheiros espanhóis conseguiu
A história atribulada da resistência também entregar um contingente alemão de mil
viu baixas de fogo amigável, quase sempre soldados. O general alemão, ao saber da hu-
devido à desconfiança dos soldados Aliados, milhação que tinha sofrido, deu um tiro na
receosos de que os supostos colaboradores cabeça depois de aceitar a rendição.
fossem de facto agentes inimigos encober- Uma das lendas espanholas da Resistência,
tos. O caso mais conhecido foi o de Michel de o asturiano Cristino García Granda, parti-
Vallavieille, então um jovem de 24 anos que cipou nesta batalha. Militante comunista
vivia perto da praia de Utah. Foi baleado cin- com vasta experiência, primeiro na Guer-
co vezes por um soldado americano quando ra Civil e depois em França, García Gran-
Michel foi informá-los sobre a retirada ale- da participou em inúmeras ações contra o
mã na zona. Michel de Vallavieille sobrevi- exército alemão. Depois de ter sido reco-
veu graças aos serviços médicos aliados e à nhecido pelo governo francês como Herói
sua transferência urgente para um hospital Nacional Francês, participou na invasão
em Inglaterra. Quatro anos mais tarde, tor- falhada do Vale de Aran e em 1945 entrou
nou-se presidente da câmara de Sainte-Ma- clandestinamente em Espanha para orga-
rie-du-Mont e fundou um museu dedicado nizar o Agrupamento de Guerrilheiros da
ao desembarque em Utah. zona central. Preso pela polícia de Franco,

RESISTÊNCIA
A atividade de guerrilha da Resistência du- Plano Preto: destruição de depósitos de
rante a Operação Overlord foi classificada combustível.
como sabotagem com objetivos distintos, Plano Vermelho: destruição dos depósitos
cada um com um plano de ação corres- de munições.
pondente: Plano Tartaruga: neutralização de estradas.
Plano Violet: sabotagem de linhas telefó-
Plano Azul: sabotagem de linhas elétricas. nicas.
Plano Amarelo: destruição de órgãos de Plano Verde: sabotagem de linhas ferroviá-
comando inimigos. rias.

90
foi executado em 1946, perante o silêncio sua carreira diplomática, mas não amorte-
do então Presidente De Gaulle. ceu a sua sede de aventura. No início da Se-
gunda Guerra Mundial, pôs-se à disposição
A SENHORA COXA dos serviços secretos britânicos, que a colo-
A par da atividade de resistência, agentes caram em França. Ela foi responsável pela
infiltrados da SOE colaboraram ativamente explosão de linhas ferroviárias e telefónicas.
nos preparativos para o desembarque. Em A sua imagem feminina e a sua deficiência
estreito contato com as células combaten- espalharam-se pela Gestapo em França, que
a batizou de “a senhora coxa” e tornou a sua
captura uma prioridade.
Para um dos seus principais comandantes,
Klaus Barbie, então chefe da Gestapo em
Lyon, tornou-se uma obsessão pessoal. Vir-
ginia Hall colocou um desafio contínuo às
forças ocupantes, que nunca foram capazes
de a prender, apesar da sua simples identi-
ficação e do facto de ter sempre viajado de
bicicleta.
Ela regressou a Londres e, nas semanas que
antecederam o desembarque, foi enviada
de volta para as proximidades de Caen para
iniciar um trabalho eficaz de inteligência e
sabotagem. Hall regressou ao seu peculiar
modus operandi. Ela operava no mais estrito
segredo e movia-se sempre de bicicleta com
o disfarce plácido de uma jovem francesa do
campo. Ninguém sabia que a mesma bicicle-
ta era utilizada para gerar a energia de que
ela precisava para comunicar via rádio com
Quando foi presa, a Londres.
agente Diana Rowden Hall nunca foi capturada. Fugiu de França ao
foi executada no campo atravessar os Pirenéus a pé, mantendo-se a
de concentração de salvo das garras do homem conhecido como
Natzweiler-Struthof. o Carniceiro de Lyon. Foi internada numa
prisão em Figueras pelas autoridades espa-
ASC

nholas e libertada graças à pressão da em-


baixada americana. Virginia tornou-se uma
tes no terreno e com o comando Aliado em das primeiras mulheres a juntar-se ao novo
Londres, o seu trabalho secreto foi vital para corpo de inteligência americano criado após
coordenar as ações de ambos. a Segunda Guerra Mundial, a CIA.
Londres tinha conseguido estabelecer uma O seu grande trabalho foi adicionado ao de
rede de mulheres espias na costa atlântica, milhares e milhares de combatentes anó-
incluindo Diana Rowden, Violette Szabo, nimos cujo sacrifício abnegado no Verão de
Lilian Rolfey e Virginia Hall. Esta última 1944 levou ao sucesso Aliado e à derrota nazi
era uma antiga conhecida da Gestapo, que nesta guerra sangrenta. Esta foi a terceira e
poderia ser facilmente identificada devido última conquista da resistência.
a uma prótese na sua perna esquerda que a
obrigava a coxear visivelmente.
Hall era uma diplomata americana que tinha
perdido a sua perna num acidente com uma JAVIER JUÁREZ
arma na Turquia. Esta limitação arruinou a Escritor e jornalista especializado em espionagem

Virginia Hall nunca foi feita prisioneira


apesar da sua fácil identificação e do
facto de que viajava sempre de bicicleta

91
I
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92
C
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Tanque Churchill AVRE
com bobina, da
79ª Divisão Blindada.

WIKICOMMONS

93
O tanque Sherman Crab Mk II da 79ª
Divisão Blindada durante os ensaios de
busca de minas no Reino Unido a 27

WIKICOMMONS
de abril de 1944.

A
Segunda Guerra Mundial foi um não ceder ao medo: muitos deles morre-
dos períodos mais trágicos e san- ram assim que pisaram o solo francês. Foi
grentos da história. Mudou para a liderança até uma das batalhas mais de-
sempre o curso da civilização. cisivas e sangrentas do conflito, os desem-
Mas no meio do terror nazi, foram feitos barques na Normandia. Numa costa árida,
importantes avanços no campo da inovação as defesas pertencem às forças de ocupação
militar. Alguns destes foram os precursores alemãs. Debaixo de uma forte tensão,
de importantes engenhocas que amadure- aguardando a chegada das tropas Aliadas.
ceram ao longo das últimas décadas. Indús- Abrigados por areia e trincheiras, a capaci-
trias como a tecnologia, automóveis, moda dade de penetrar pelos poucos espaços no
e medicina beneficiaram das descobertas horizonte foi considerado, a priori ,como
e engenhocas desenvolvidas por ambas as suicídio coletivo .
partes. Outros, porém, foram tão extrava- No meio da incerteza, no entanto, foi con-
gantes que se limitaram ao absurdo, embo- cebida uma estratégia em que os avanços na
ra tenham atingido o seu objetivo: invadir engenharia militar foram colocados na lin-
o solo francês para travar o avanço alemão. ha da frente. Os tanques desempenharam
O caminho não foi fácil. Na noite de 5 de um papel de liderança: provaram ser um
junho de 1944, três divisões aerotranspor- elemento chave na vitória da Normandia.
tadas voaram de Inglaterra. Milhares de A preparação para esse confronto sangren-
soldados, brilhantemente treinados para o to estava repleta de cálculos e estimativas
combate, agarraram-se a todo o desejo de táticas. Um obstáculo importante teve de

Com o tempo, Churchill percebeu que,


para ganhar a guerra contra um
superior inimigo em força, a ciência
tinha de ter a resposta.

94
defensor ferrenho das invenções absurdas,
encontrou uma resposta para as dúvidas.
Durante o seu mandato, foram concebidas
proezas deslumbrantes que poderiam des-
truir as defesas nazis. Algumas propostas
não funcionaram, tais como a presença de
uma espécie de roda de hamster gigante ca-
rregada de explosivos, mas outras alcança-
ram de facto o seu objetivo. Entre eles esta-
vam os chamados “Hobart Funnies”. Longe
da sua designação peculiar, esta série de
tanques estranhamente modificados aca-
bou por desempenhar um papel importante
na vitória dos Aliados.
Uma divisão para a experimentação militar

WIKICOMMONS
Major Sir Percy Hobart. foi o laboratório para uma tática mais ou-
sada. Por detrás da ideia estava Percy Ho-
bart, um comandante e engenheiro visio-
nário que desenvolveu alguns dos veículos
blindados mais impressionantes utilizados
ser ultrapassado. A memória do episódio de durante o Dia D. Sob a sua orientação, foi
dois anos antes ainda estava fresca na men- criada esta família de veículos esteticamen-
te dos comandantes militares. Os Aliados te deslumbrantes que ultrapassaram obstá-
tinham tentado penetrar na Europa através culos como a água, as minas e as trincheiras
do porto francês de Dieppe: foi um fracasso inimigas. Com o seu sorriso reptiliano e a
completo. Uma vintena de veículos pesados sua boina de lado em memória, “Hobo”,
blindados tinha sido invadida por um ini- como foi apelidado no regimento, foi um
migo com o qual não tinham contado: o te- dos maiores pensadores militares do seu
rreno. Muitos deles foram apanhados pelos tempo, apesar de ter sido posto de lado no
calhaus na praia e foram facilmente atingi- início da guerra.
dos pela artilharia antiaérea. Não poderia Com o tempo, Churchill percebeu que,
haver repetição do mesmo tropeço. para ganhar a guerra contra um superior
inimigo em força, a ciência tinha de ter a
“DIVERTIDO” MAS EFICAZ resposta. O líder britânico defendeu Hobart
Esse fracasso deu lugar a uma estratégia numa carta que dizia: “O alto comando do
muito mais engenhosa. O primeiro-mi- exército não é um clube. É meu dever as-
nistro britânico Winston Churchill, um segurar que qualquer homem qualificado,
WIKICOMMONS

Tanque britânico Cromwell no Museu do


Tanque Bovington.

95
Mk IV Churchill VII tanque de infantaria.

GETTY
mesmo aqueles que são impopulares com os Havia vários modelos, cada um mais es-
seus contemporâneos, não seja impedido de pantoso do que o último. O mais poderoso
servir a Coroa”. era um tanque baseado no Churchill, um
Desprezado pelo “pré-estabelecido” apesar dos tanques mais pesados do Exército Bri-
da sua antiguidade, a insistência de Chur- tânico. Estava equipado com um morteiro
chill foi fulcral para o seu regresso à linha gigante de 290 milímetros em vez de uma
da frente, o que coincidiu com a preparação arma clássica. Foi uma verdadeira barra-
da Operação Overlord, o nome de código gem do inferno. Pode lançar bombas de 40
para a Batalha da Normandia. Inspirado pe- quilos capazes de demolir estruturas numa
las táticas utilizadas pelas invasões mongóis questão de segundos.
da Idade Média, cujas milícias se desloca- Por sua vez, o chassis deste veículo serviu,
ram a grande velocidade para surpreender como o do Sherman americano, como es-
o inimigo, “Hobo” apercebeu-se do imenso trutura básica para muitas outras variantes
potencial de aglutinar colunas de veículos utilizadas pelas forças britânicas. No iní-
pesados para irromper nas trincheiras ini- cio de 1944, o governo dos EUA recebeu as
migas ou, entre outras itantas deias, passar propostas. Liderado pelo Marechal Mont-
através de arame farpado. gomery, a premissa era que o Exército dos
Para o conseguir, a sua abordagem foi úni- EUA também utilizaria estes tanques. No
ca: afastou-se da força bruta dos grandes total, foi-lhes oferecido um terço dos “Fun-
tanques que tradicionalmente lutavam nas nies”.
linhas da frente e concebeu máquinas mui- Os chamados “AVREs” (Armoured Vehi-
to mais ágeis que podiam ser utilizadas para cle Royal Engineers) eram a categoria mais
romper as linhas inimigas. Como David Wi- variada da linha de produção, embora as
lley, um representante do Museu do Tanque forças canadianas estivessem de facto ati-
em Bovington, Inglaterra, o descreve nas vamente envolvidas. A ideia era encontrar
suas exposições: “Foi rotulado de excêntri- novas e eficientes formas de deixar a praia
co e difícil de lidar, mas era um líder nato para trás. Por baixo da carroçaria do Chur-
com um dom notável para a inovação. chill, o mago de guerra Hobart concebeu

96
Desprezado pelo “pré-estabelecido” apesar
da sua antiguidade, a insistência de
Churchill foi crucial para O Regresso de
Hobo à linha da frente.

um veículo equipado com rampas hidráuli- demolição de infantaria, de acordo com os


cas que podiam ser acionadas e dispensadas arquivos da Normandia. Era um dissuasor
uma vez em uso. O seu objetivo: estabelecer capaz de transformar os órgãos internos
uma passagem através dos intermináveis do inimigo em geleia a uma distância de 10
obstáculos para a frente. A ARK, que sig- metros. O inconveniente era que a pressão
nifica Armoured Ramp Carrier, funcionou necessária para acender o combustível era
na perfeição, tal como outras criações ori- insuficiente para sustentar o ataque duran-
ginais. te um período prolongado de tempo.
O Sherman BARV, por outro lado, foi con-
MÚLTIPLAS VARIANTES cebido para salvar veículos presos na areia,
Outra variante introduziu um sistema de utilizando defesas especiais para empurrar
corrente em forma de tambor que foi uti- os seus outros “irmãos” para fora do cam-
lizado para detonar minas e abrir fendas inho. Havia também sistemas adaptáveis
no arame farpado. O chamado “Carangue- aos dois tanques, tais como o chamado
jo”, revelou-se muito útil uma vez que as “Bullhorn Plough”, cuja missão era remo-
primeiras unidades de infantaria foram ver do solo bombas por explodir. Utilizava
implantadas. Uma criação impressionante um arado como um arado de agricultor que
substituiu a metralhadora por um lança- podia escavar a terra. A força bruta levou
chamas. Apelidado de “Crocodilo”, a es- outro membro da família chamado “Cebola
trutura do veículo blindado Churchill era dupla”, capaz de fixar cargas de demolição
utilizada para destruir abrigos. Desta for- a uma altura de 3,6 metros (12 pés). Jun-
ma, não houve necessidade de equipas de tamente com os torpedos Bangalore, cujas

Um tanque Churchill sobe um paredão


num Churchill ARK (Armoured Ramp
Karrier), na área de Saxmundham.
GETTY

97
Os tanques Churchill Mark VII
SHUTTERSTOCK

armados com lança-chamas eram


conhecidos como “Crocodilo”.

Os tanques desempenharam um papel


de liderança na vitória da Normandia,
provando ser um elemento chave da
operação.

munições foram inseridas num tubo exten- desse iniciar a sua viagem de uma grande
sível, os soldados puderam abrir caminho distância, alcançar a arena, captar ecrãs e
através das muralhas nazis. interagir com os inimigos. Foi uma agra-
Hobart chegou ao ponto de imaginar “qui- dável surpresa como apoio de retaguarda.
meras mecânicas” destinadas ao combate Chamava-se “Duplex Drive”, tal como re-
em todos os terrenos. O objetivo era que, gistado nos arquivos, embora os militares
uma vez que estes titãs metálicos tivessem americanos e britânicos se referissem a es-
feito o seu trabalho, milhares de soldados te tanque como o “Donald Duck”, ou Pato
de infantaria teriam um caminho claro. Donald, devido às suas iniciais e à sua ca-
Ocasionalmente aproveitavam outra co- pacidade de se mover através da água. Pode
leção de veículos blindados, tais como o atingir uma velocidade de quatro nós (7,4
chamado “Canguru”, que era convertido quilómetros por hora) em mares calmos,
para mover tropas. Como não tinha uma graças a duas hélices. O seu “flutuador”
torre, foi possível criar espaço para os pas- poderia ser insuflado em 15 minutos, e po-
sageiros como passadiço de marcha. dia ser removido rapidamente assim que o
Mais curioso foi outra modificação em que veículo blindado chegasse a terra. Apesar
engenheiros militares optaram por en- da sua ousadia, muito poucas unidades
caixar um “flutuador” de borracha à prova deste gigante aquático chegaram a terra
de água para o transformar num veícu- seca: foram inundadas a poucos metros da
lo anfíbio. Conseguia navegar através da sua partida.
água, o que constituía um impedimento ao Usando um tanque Churchill britânico co-
progresso das tropas. A ideia era que pu- mo chassis, o exército Aliado fez o seu pró-

98
prio aceno para a Primeira Guerra Mundial dos Aliados. Estes tanques “engraçados”
com uma modificação concebida para en- permaneceram em produção até ao fim da
cher valas. Foi batizado como “Fascine” guerra. Segundo os registos oficiais, foram
e transportava um rolo enrolado com dez produzidos mais de 7.000. Após os desem-
metros de tábuas de madeira que eram lar- barques na Normandia, os Aliados utiliza-
gadas em questão de segundos para encher ram as “Hobart Funnies” noutras batalhas
as trincheiras. Com este engenhoso meca- para a libertação da Europa ocupada pela
nismo, os veículos conseguiram avançar ao Alemanha, tais como em setembro de 1944
longo de várias rotas. Outro sistema cilín- em cidades portuárias como Le Havre e
drico revolucionário foi o “Bobbin”, que Calais, ambas localizadas no noroeste da
apresentava um rolo de lona que podia ser França. “Foi a combinação do material de
colocado na areia para facilitar o desembar- guerra e do cérebro, a coragem e a pura de-
que de soldados e outros veículos. O objeti- terminação dos envolvidos que fizeram a
vo era corrigir os erros do Dieppe e colocar diferença”, escreve o veterano do exército
uma pequena “estrada” à sua frente, a fim americano Phil Zimmer em várias histórias
de poder avançar sobre o terreno cheio de de guerra.
buracos e valas. Para além de dispositivos de visão noturna
O historiador militar britânico Liddell Hart, e aviões a jato, o Terceiro Reich inventou
contemporâneo do conflito e um dos gran- outras armas engenhosas entre as suas fi-
des teóricos da guerra blindada, exaltou nos leiras, incluindo uma mina “ambulante”.
seus relatos a capacidade do Major Hobart, Foi batizada de “Golias”. Era um pequeno
a quem chegou a chamar “o britânico Erwin (80 centímetros de comprimento) tanque
Rommel” em comparação com o general de batalha não tripulado com a única tarefa
nazi conhecido pelas suas estratégias origi- de mover um explosivo por controlo remo-
nais de campo de batalha: “Ter moldado as to. Provou ser uma grande ameaça devido
duas melhores divisões blindadas britânicas às suas aparências discretas mas assassinas.
da guerra foi um feito notável, mas Hobart Embora fossem utilizados durante todo o
dotou-o de um poderoso truque graças ao conflito, na Normandia foram utilizados
treino da 79ª Divisão Blindada especiali- para destruir pontes e causar o caos nas
zada”. Foi “o fator decisivo” no massacre trincheiras dos exércitos Aliados.

Tanque T-15187 Sherman BARV.


WIKICOMMONS

99
A Unidade Duplex (“Pato Donald”)
operada através da montagem de um
carro alegórico em torno de um
flutuador à volta do tanque
o que lhes permitiu velejar.

SHUTTERSTOCK
TAMBÉM SOBRE DUAS RODAS Um estudante do Instituto Nacional de
Do outro lado do lago, a tragédia de Pearl
Educação Política “Napola” durante um
Harbor, em Dezembro de 1941, tinha incu- exercício com um tanque em miniatura
tido uma sensação de fúria desenfreada no “Golias” em Koenigsbrueck.
exército americano. Uma grande mudança
estava a ser feita no tabuleiro de xadrez que
iria mudar o curso da guerra para os próxi-
mos três anos. Os alemães tinham destruído
a fábrica Triumph em Inglaterra em vários
ataques aéreos. Este episódio ficou conhe-
cido como o “bombardeamento de Coven-
try”. A cidade industrialmente importante
foi praticamente destruída. A maquinaria
do fabricante de motos teve de ser trans-
ferida para uma nova fábrica em Meridien,
a cerca de 15 quilómetros de distância. Mas
demorou um ano a voltar ao negócio.
Coincidindo com este episódio, o exército
americano chegou a um acordo com Har-
ley-Davidson para fornecer um grande nú-
mero de motocicletas. Um veículo que gan-
hou importância como ligação de transpor-
te e de batedor nos serviços de retaguarda.
Nasceu o modelo WL Army (WLA), que se
baseava num motor de 750 centímetros cú-
bicos de válvula lateral.
Para as tornar adequadas como máquinas
de guerra, o fabricante de Milwaukee fez
uma série de modificações. A versão mili-
tarizada, cujo espírito percorreu as praias
GETTY

da Normandia e outras batalhas na Europa,

100
Os americanos chegaram a
um acordo com Harley-Davidson
para lhes fornecer motociclos

Acima e abaixo, motociclos BMW do


exército alemão, utilizadors durante a
Segunda Guerra Mundial.

SHUTTERSTOCK
SHUTTERSTOCK

introduziu cabeças de cilindros em liga de a mota no chão e entrar em posição de tiro,


alumínio para evitar o sobreaquecimento, protegido pelo quadro. Em geral, as motos
proteções inferiores em aço e uma gran- também encontraram um lugar em ambos
de afinação da transmissão: uma alavanca os lados, com BMWs entre os oficiais ale-
de velocidades localizada no tanque se- mães. O modelo que permaneceu no imagi-
melhante à de um carro e um comparti- nário coletivo foi o R75, que até apresenta-
mento para segurar uma submetralhadora va um carro lateral. Pequenos avanços para
Thompson. fazer a balança pender (a favor).
O seu espírito percorreu as praias da Nor-
mandia. Para os operar, o exército teve de
emitir manuais de operação e conduzir
sessões de treino. O soldado tinha de ser J. M. SANCHEZ
capaz, em apenas três segundos, de colocar Jornalista

101
SHUTTERSTOCK

Desfile a 29 de agosto de 1944,


celebrando a libertação de Paris da
ocupação alemã.
SHUTTERSTOCK

Um francês chora enquanto soldados alemães marcham sobre Paris, 14 de junho de 1940.

102
A VIDA QUOTIDIANA
em tempo de guerra
TEMPOS TURBULENTOS
A 14 de junho de 1940, a Wehr-
macht entrou em Paris. A cidade
estava deserta e de luto; milhares
dos seus cidadãos percorriam as
estradas num grande êxodo. Co-
mo era a vida quotidiana? Extrema,
não poderia ter sido de outra for-
ma. Atingida duramente pela fome
e pela escassez, se por um lado
mesmo as pessoas de classe mé-
dia andavam a vasculhar o lixo para
se apoderarem das sobras, por ou-
tro lado a vida cultural permanecia
efervescente, “por muitas razões,
incluindo a francofilia de muitos
alemães. Sartre, Camus, Picasso e
muitos outros passaram lá toda a
guerra, e as festas que organizaram
acabaram em enormes bebedeiras.
Simone de Beauvoir diz bem: por-
que houve um recolher obrigatório,
eles ficaram acordados toda a noite
a beber”, explica Alan Riding.
Uma após outra, as cidades foram
arrasadas, as pessoas fugiram e a
fome assolou-as. Até a Grã-Breta-
nha, que tinha conseguido evitar a
invasão alemã, foi duramente atin-
gida; especialmente o sul do país,
com Londres a tornar-se o principal
alvo das bombas V2 alemãs. Aque-
les que podiam enviavam os seus
filhos mais para norte, fora do al-
cance de Hitler.

MARTA ADANA
ALBUM Jornalista
O Sargento do Exército americano Gene
Costanzo beija uma menina francesa na
praça da cidade de Saint-Briac-sur-Mer
a 15 de agosto de 1944.

103
ALBUM
Mercearia em Paris ocupada.

ALBUM

Duas camaradas celebram a libertação de Paris em agosto de 1944.

104
TRABALH
O
Muitos jo E LAZER
vens esti
lutando n veram au
a fr sente
campos d ente ou internado s, quer
e trabalho s em
Bretanha
, isto levo alemães. Na Grã-
entrassem u a que a
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em temp rias ou para o mar,
o de paz. tal como
SHUTTERSTOCK

“Os velhos tempos já lá vão. O papá


ganha dinheiro na Alemanha”, lê-se
neste cartaz político de 1943.

ALBUM

Uma família deixa Paris em


junho de 1940.

105
Fotografia de
Robert Capa
em Chartres,
julho de 1944.
No centro
do quadro
encontra-se
uma jovem
mulher com
cabelo acabado
de rapar,

SHUTTERSTOCK
acusada de ter
tido relações
sexuais com
um soldado
alemão.
SHUTTERSTOCK

A cidade de
Saint-Lô, na
Normandia,
foi quase
totalmente
devastada em
1944.

SHUTTERSTOCK

Um soldado
alemão morto
na Batalha
de Cherbourg
SHUTTERSTOCK

entre 21 e 26 de
junho de 1944.

106
REBELIÃO
E VINGAN
Ao longo
de 194 ÇA
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O exército alemão realizou numerosas e
execuções, incluindo de mulheres e jovens,
entre 1940 e 1943.

Soldados estadunidenses mortos em


combate perto de Sainte-Marie-du-Mont.

SHUTTERSTOCK

107
Uma mulher
mostra-se
feliz com a
libertação de
Belfort, 25 de
novembro de
1944.
SHUTTERSTOCK

SHUTTERST
OCK
SHUTTERSTOCK
SHUTTERSTOCK

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108
VIVA PAR
IS!
Em 25 de
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SHUTTERSTOCK

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a grande luta franc
eterna”. esa,

Os soldados americanos mudam de


roupa para as lavar.

Porto de
Mulberry
na Praia de
Omaha.

Navios aliados
carregados
com veículos
e mantimentos
para a
SHUTTERSTOCK

Operação
Dragoon.

Civis esquartejam um cavalo em Saint-Quentin, França. Um homem


com uma faca entrega um pedaço de carne a uma mulher idosa.

109
110
ESPANHÓIS NO
DESEMBARQUE
NA NORMANDIA MANUEL FERNÁNDEZ GRANADINO

O soldado Manuel Fernandez,


Nº 13.802.512 da Companhia
Espanhola Número Um do
Exército Britânico, fazia parte
do contingente que aterrou na
Normandia a 6 de junho de 1944.
AP

111
Tropas destacadas
durante o desembarque.

SHUTTERSTOCK
A
6 de junho soprava um vento for- Verlaine) e enviaram um urgente “Atenção,
te de noroeste. À medida que de- desembarque iminente! Para os comandan-
sembarcávamos na luz cinzenta tes do exército alemão, que esperavam a
do amanhecer, os barcos de aço operação há mais de um mês, era claro: “O
de dez metros em forma de caixões estavam General Eisenhower não vai ordenar à BBC
a receber fortes choques de água verde que que anuncie o desembarque, impossível”.
atingiam os capacetes dos soldados, aper-
tados e tensos, ombro a ombro, ao mesmo EM DEFESA DA REPÚBLICA
tempo unidos e separados pela solidão de um A batalha mais importante da história come-
homem que entrava em combate. Assim co- çou numa bela noite de luar, com ventos de
meçou o relato de Ernest Hemingway sobre 17 a 22 nós e uma ondulação de quatro pés
os desembarques na Normandia, a operação nas praias da Normandia. Em muito pouco
anfíbia mais importante de todos os tempos. tempo, os céus foram cobertos por aviões e
Nas primeiras horas da manhã de 6 de junho uma armada de 4.700 unidades de transporte
de 1944, antes dos primeiros bombardeiros e aterragem - navios de guerra, cruzadores,
destinados a “amaciar” o solo na costa da destruidores, tanques anfíbios - moveu mais
Normandia começarem a deixar a Inglaterra, de 140.000 soldados aliados contra posições
o Alto Comando alemão em França já tinha alemãs em território francês em poucas ho-
recebido a informação. Os seus serviços se- ras.
cretos decifraram o código lançado pela BBC Manuel Fernández foi um desses soldados.
(“Os longos soluços dos violinos de Outo- Numa daquelas embarcações de desembar-
no...”, as primeiras linhas de um poema de que em forma de caixão a lutar contra as on-
das, o jovem de Granada apertava-se entre
SHUTTERSTOCK os seus camaradas espanhóis, tensos e silen-
ciosos, prontos para o combate. A grande
maioria deles tinha sofrido com os terríveis
enjoos sob o mar na ondulação através do
Canal e os seus rostos estavam verde pálido
sob os capacetes de aço. Estava a amanhecer
e o céu estava negro com aviões britânicos
e americanos a fazer uma corrida contínua
para enviar paraquedistas e bombardear
certas áreas estratégicas. Numerosos balões
de ar estavam também a proteger o desem-
Ruínas da Cidade Velha de Belchite,
bombardeadas e destruídas durante
a Guerra Civil Espanhola.
112
Um dos confrontos mais
sangrentos da Guerra Civil
Espanhola teve lugar em
Belchite entre 24 de agosto e
6 de setembro de 1937.
SHUTTERSTOCK

barque. O céu foi iluminado pelo clarão das mos que os fascistas já estavam em Grana-
explosões. O barulho era ensurdecedor. Para da. Nos confrontos de guerrilha, perdemos
o soldado Manuel Fernandez, nº 13.802.512 alguns dos nossos homens. Fomos de um lu-
da companhia espanhola nº 1 do exército bri- gar para outro à procura dos fascistas, mas
tânico, e para todos os membros espanhóis eu não gostei disso. Um dia disseram-me que
desta companhia, esta deveria ser a sua ter- estavam à procura de homens para as forças
ceira guerra contra os alemães. de assalto republicanas, e com um grupo de
Manuel tinha pegado em armas 8 anos an- camaradas fomos a Valência e juntámo-nos
tes, quando rebentou a guerra espanhola, na a eles.
sequência do golpe militar de 18 de julho de Duas semanas mais tarde, foram enviados
1936. O rapaz tinha 20 anos de idade e tra- para Teruel. Depois para Barcelona. Mais
balhava como operário numa fábrica de sa- tarde, foram levados para Belchite. Depois
patos. O seu pai era cego e era Manuel quem para Lérida. Depois para o Ebro. “Lutámos
apoiava toda a família. Manuel Fernández com paixão porque tínhamos a certeza de
foi um dos primeiros a sair para defender a que ganharíamos a guerra apesar da falta de
República. Ele próprio relatou: “A minha al- material”, disse Manuel.
deia, Esfiliana, na província de Granada, era
uma aldeia agrícola. Não tínhamos armas, O RETIRO
mas assim que o governo nos pediu para de- Um dia, vários camiões chegaram, carrega-
fender a República, eu próprio participei no ram-nos e levaram-nos para Olot. Então,
assalto ao quartel da Guardia Civil para recu- Manuel percebeu que estava tudo acabado:
perar algumas armas e enfrentar os rebeldes. “Encontrámos uma enorme dissolução, um
Organizámo-nos rapidamente porque sabía- grande número de pessoas a dirigir-se para

Manuel tinha pegado em armas 8 anos


antes, quando a Guerra Civil espanhola
eclodiu após o golpe militar de 1936

113
iminente começaram a es-
palhar-se. Primeiro, foi dito
que eles estavam a ser en-
viados para a Finlândia para
combater os russos. Outros
afirmaram que iriam lutar
contra os alemães. Quando
os legionários - entre eles
centenas e centenas de espa-
nhóis - foram chamados para
combate, transferidos para
Oran e enviados de volta pa-
ra o hexágono, nenhum deles
sabia o seu destino final. Em
CRORDON

Marselha, as unidades foram


divididas. Manuel foi enviado
para os Alpes e integrado num
a fronteira. Pouco tempo depois, foi a nossa grupo de caçadores alpinos. Treinaram muito
vez. Fomos reagrupados e dirigimo-nos tam- nos picos das montanhas cobertas de neve.
bém para a fronteira”. Algumas semanas mais tarde, a 12 de abril de
Milhares de combatentes e civis republica- 1940, Manuel embarcou do porto de Brest,
nos, de todas as idades e condições, muitos ainda num percurso desconhecido, como
deles gravemente feridos, perseguidos pelas parte da 13ª Meia Brigada da Legião Estran-
bombas de Franco, dirigiam-se em mas- geira Francesa. Quando se encontraram no
sa para França, provocando um êxodo sem mar, foi-lhes dito que os alemães tinham in-
precedentes. Um êxodo que o mundo inteiro vadido a Noruega e que as tropas britânicas e
viria a conhecer como “o Retiro”. francesas iriam combatê-los. Era para aí que
Nos portos fronteiriços, as longas procissões eles se dirigiam. Os legionários franceses ti-
de feridos, velhos, mulheres, crianças e sol- nham deixado o porto cantando a Marselhe-
dados foram acolhidos por gendarmes e sol- sa. Os espanhóis cantando os hinos da guerra
dados senegaleses, armados até aos dentes, espanhola.
relatou Manuel. A costa norueguesa era de extrema impor-
“Entrámos através de Bourg-Madame. Ali, tância para os Aliados, especialmente o fior-
tiraram-nos as armas. Cheguei com uma de de Narvik, o porto mais setentrional da
terrível dor de dentes. Noruega, através do qual a marinha alemã
O “acolhimento francês” foi impiedoso e podia controlar o Atlântico Norte e o Ocea-
humilhante. O campo de concentração de no Ártico. Era um porto através do qual on-
Saint-Cyprien, rodeado por arame farpado, ze milhões de toneladas de minério de ferro
junto à praia, ao ar livre. Muitos graus abaixo eram transportadas todos os anos para o pro-
de zero. O frio e a fome. grama de guerra alemão. A operação franco-
“Todos os dias, dezenas de pessoas mortas
saíam de lá. Pensei que também ia morrer. A
dor de dentes era insuportável e constante. Fiorde Narvik.
Deixou-me louco. Em breve a diarreia e os
piolhos também começaram. Um dia, a Legião
veio “convidar-nos” a alistar-nos. Pensei no
meu pai..., mas no final decidi alistar-me. Era
a única forma de me arrancar o dente”.
Quando a dor de dentes parou, demasiado
tarde, ele já era um membro da Legião.

SEM DESTINO CONHECIDO


Primeiro Marselha e depois Sidi-bel-Abbes,
o campo legionário no Norte de África, na
SHUTTERSTOCK

orla do deserto. Uma preparação difícil, mas


Manuel preferiu-a aos campos de “receção”
franceses. Um dia, os rumores de guerra

114
-inglesa, denominada Avonmouth, visava pouco antiquados, que o tempo das piadas e
desalojar os Alemães e ocupar Narvik. das zombarias gratuitas tinha passado... Es-
Narvik encontra-se no fundo do fiorde Ofo- tes Vermelhos lutavam como leões nas mon-
ten, empoleirado num promontório rochoso tanhas nevadas da Noruega.
na ponta de uma península ladeada por dois Quando as tropas franco-inglesas se encon-
outros fiordes. Ocupados pelos alemães, os traram a apenas 14 km da fronteira sueca e
dois batalhões que tinham acabado de che- tinham praticamente
gar e partiram para a conquistar (incluindo ganho a guerra contra
um grande número de espanhóis, entre eles os alemães na Norue-
Manuel) lutaram ferozmente durante mui- ga, o ataque alemão ao
tas horas. A cidade foi conquistada a 28 de território francês levou
maio com temperaturas de 20 graus nega- a que a ordem de re-
tivos, bombardeamento, fogo de artilharia, gresso fosse imediata.
granadas de mão e combate corpo a corpo Entre as figuras mistas
com baioneta. Mais de 250 legionários fo- dos historiadores, al-
ram mortos e, muitos foram feridos, muitos guns afirmam que vá-
deles gravemente. rias centenas de espa-
nhóis ficaram para trás O escritor Georges
COMPANHIA ESPANHOLA nos fiordes e cemitérios Blond.
NÚMERO UM da Noruega. Apenas os

ASC
No seu livro The Foreign Legion, o historia- nomes de 16 deles apa-
dor Georges Blond descreveu estes legioná- recem nas sepulturas do cemitério de Narvik.
rios espanhóis em combate: “Havia um forte Entre eles, Juan Garrido, Manuel Ferrer, Ani-
contingente de exilados políticos espanhóis. ceto Carrillo, Alberto Alegre, Benito Rodrí-
Disciplinados, endurecidos, aceitando o duro guez, Ramón Pujol de Vilallonga...
regime da Legião, estavam unidos por uma No seu regresso, quando chegaram ao por-
solidariedade excecional, fazendo com que to de Brest, a França já estava ocupada por
alguns oficiais subalternos percebessem, um soldados alemães e a maioria dos legionários

WIKICOMMONS

Tanques americanos
atravessar a aldeia de Avranches,
perto de Caen.

115
Pintura Prisioneiros de Saint-Cyprien,
por Felix Nussbaum (1942).
ALBUM

“Muitos compatriotas caíram no


desembarque. Muitos morreram nos barcos;
outros foram mortos pelas imensas ondas...”
sobreviventes de Narvik preferiu estabelecer ta ao mar. Uma noite, deram-nos dinheiro
um rumo rápido para as Ilhas Britânicas. Aí francês, notas novas, e disseram-nos que
foram recebidos marcialmente e mais tarde estávamos de partida para a costa francesa.
foram convocados para escolher entre Pé- Nós espanhóis desembarcamos em Avran-
tain, de Gaulle, os britânicos ou o interna- ches, perto de Caen. Muitos compatriotas
mento nos campos em Inglaterra. Manuel também caíram no desembarque. Foi muito
escolheu o Exército Britânico. difícil... Tivemos de avançar no meio de tiro-
“Quando chegámos, os britânicos também teios e explosões. Muitos morreram antes de
nos fecharam em campos e depois recebe- conseguirem sair dos barcos. Outros afoga-
ram-nos um a um para saberem o que que- ram-se sob o peso da bagagem e das enormes
ríamos fazer. O oficial inglês que me recebeu ondas. O mar estava vermelho de sangue.
tinha lutado nas Brigadas Internacionais e Não podíamos olhar para lado nenhum, foi
disse-me que tinha lutado por nós em Es- o que nos tinham dito, apenas em frente, em
panha e que não seria mau se nós “agora” os direção ao arame farpado que tínhamos de
ajudássemos. Foi-nos também dito para ter atravessar quando chegámos à praia. À me-
em mente que a guerra não terminaria em dida que avançávamos, tudo estava cheio de
França, mas sim em Espanha. Quatrocentos feridos e mortos...”.
espanhóis, bascos, andaluzes, catalães, de to- Manuel conseguiu atravessar o arame farpa-
do o mundo, escolheram juntar-se à Marinha do. Ele nunca esqueceu esses momentos, mas
Britânica e formaram a Companhia Espanho- nunca quis falar sobre eles. Posteriormente,
la Número Um. Trabalhámos com eles entre continuou a lutar contra os alemães, por fora
1940 e 1944, alargando estradas, derrubando como “soldado britânico” e por dentro como
árvores, ajudando a aterrar o material ameri- “republicano espanhol”. Foi ferido nos arre-
cano que começava a chegar. Os nossos pelo- dores da aldeia de Givet, no norte de França,
tões estavam a descarregar munições, caixas perto da fronteira belga. Perdeu um dedo na
inteiras de projéteis de canhão. mão e um pedaço de estilhaço foi retirado do
Um dia, foram reunidos nos estábulos onde seu corpo. Passou algum tempo no hospital.
viviam, ao lado de um castelo, e ordenaram Algumas raparigas da aldeia vieram visitá-lo.
que embalassem as suas bagagens: No final da guerra ainda se encontrava na
“Três dias depois apanharam-nos e levaram- Bélgica. Regressou a Inglaterra e serviu no
-nos para um porto inglês, em barcaças, para exército britânico até 4 de abril de 1946. Re-
um navio onde passámos 15 dias a dar a vol- cebeu várias medalhas, incluindo a medalha

116
militar francesa e a medalha militar britânica. altura, sem ter em conta os seus quase dez
Quando soube que a vitória não traria demo- anos de combate. O jovem soldado que o
cracia a Espanha, e quando os seus pais lhe recebeu e que o
imploraram para não regressar à sua aldeia, deveria instruir,
Manuel voltou a Givet para cumprimentar garantiu-lhe que
uma das raparigas que o veio visitar ao hos- o ensinaria “co-
pital. Ele queria dançar com ela... Casaram mo marcar o rit-
pouco depois. Tiveram duas filhas e três filhos. mo...”. O velho
s ol d a d o d e t r ê s
OS TRÊS DIAS MILITARES guerras recontou
Durante 60 anos, viveu e trabalhou na aldeia isto com um sor-
de Givet para a empresa Gas de France. Era riso no rosto.
um trabalho árduo. Em casa, toda a famí- Manuel morreu
lia falava francês. Apenas francês. Manuel a 29 de maio de
queria que os seus filhos se integrassem ple- 2007, com a ida-
namente. Também não falavam das guerras de de 91 anos. Foi
do seu pai. Manuel não falou dos seus ca- cremado e as suas Manuel Fernández
maradas mortos em Belchite. Nem dos que cinzas divididas Granadino com as suas
morreram na neve de Narvik. Nem dos que em duas partes: decorações.
caíram ao seu lado nos desembarques na uma delas foi es-

AP
Normandia. Demasiada tristeza, demasiadas palhada nas coli-
recordações. nas do francês Le
Todos os seus filhos são franceses e mal fa- Lavandou, onde passou os seus verões,
lam espanhol, embora se orgulhem de re- no local onde gostava de se sentar e con-
cordar a história do seu pai. Todos os seus templar o mar, rodeado de campos de la-
netos aprenderam a língua espanhola e ago- vanda. O resto foi espalhado ao pé de uma
ra também procuram aprender mais sobre a árvore, na sua aldeia de Esfiliana... Como
história do seu avô e as suas próprias raízes. sempre desejara.
Quando em 1948, vivendo em Givet, Manuel
decidiu candidatar-se à nacionalidade fran-
cesa, a administração francesa obrigou-o a EVELYN MESQUIDA
fazer os “três dias militares” necessários na Investigador

A cidade de Givet, na região de


Champagne-Ardenne.
GETTY

117
SALVAR OS
PENHASCOS
Desembarques dos EUA
em Omaha e Utah

118
SHUTTERSTOCK

Penhascos da cidade
francesa de Étretat, na
Normandia ,com a famosa
Porte d’Aval.

119
Forças aliadas descarregam
mantimentos na praia de
Omaha, Normandia.

GETTY

Q
uando o portão da embarcação se era escalar um dos cinco vales íngremes ou
abriu, todo o inferno se soltou. caminhos que formavam os únicos acessos
Aqueles que ousaram ou tiveram à praia. Todo este esforço físico teve de ser
o azar de se colocar na linha da feito, naturalmente, sob fogo pesado ini-
frente foram atingidos por balas migo de fortalezas e baterias alemãs. Para
alemãs, outros depressa se viram até ao pes- aumentar a dificuldade da companhia, os
coço na água - literalmente e metaforica- promontórios tinham uma certa curva en-
mente. Tiveram de atravessar o mar gelado volvente que permitia aos alemães dispa-
carregando o seu equipamento pesado en- rar facilmente em qualquer ponto da praia.
quanto eram ameaçados por metralhadoras. Uma posição com defesas formidáveis.
Ao chegarem à praia descobriram, para seu Para além de tudo isto, Erwin Rommel con-
horror, que as trincheiras prometidas não cebeu um terrível sistema de obstáculos
existiam. Os corpos flutuavam, os feridos para dificultar qualquer desembarque nas
viravam-se para Deus ou para as suas mães praias do norte de França. Aproveitando as
à medida que eram deixados à mercê da ma- marés, colocou areia em postes minados que
ré. Dia D, Hora H; o momento da verdade fariam explodir qualquer embarcação que os
tinha chegado. Omaha e os nazis estavam à atingisse, e mandou colocar milhares de ou-
espera. riços-do-mar de aço e os temidos “portões
belgas” para impedir o tráfego de veículos.
OMAHA, A SANGRENTA OMAHA É claro que muitas áreas da praia arenosa
Tomar Omaha foi um esforço hercúleo. A também foram minadas.
sua formação geológica não ajudou. Quan- O plano de ataque, defendido, entre outros,
do os soldados desembarcaram e atravessa- por Eisenhower e Montgomery, exigia que
ram a praia, teriam de subir as falésias de o desembarque começasse às 06h30 horas,
quinze a trinta metros de altura. O objetivo trinta minutos após o amanhecer, após um

120
pesado bombardeamento naval e aéreo. A ro grande fracasso, pois 27 dos 32 tanques
sua ideia era surpreender e sobrecarregar os Sherman DD afundaram-se. A segunda não
defensores, e para isso os ataques deveriam demorou muito a chegar, pois o prometido
ser simultâneos em todas as praias. Logo bombardeamento provou ser um fiasco: das
perceberam que esta ideia não funcionava 13.000 bombas lançadas, nem uma atingiu a
em Omaha. praia de Omaha, devido ao medo dos pilo-
O desembarque foi atribuído à 1ª e 29ª di- tos de atingirem os barcos. Ao atrasarem os
visões de infantaria do Exército dos EUA. O lançamentos por alguns segundos, falharam
primeiro, conhecido como o “Big Red One”, os seus alvos.
assumiria a liderança devido à sua fama e, Nada disto foi compreendido pelos soldados
sobretudo, à sua experiência em aterragens da primeira vaga até ao seu desembarque. A
anteriores no teatro de guerra do Mediter- travessia não era um canteiro de flores. Os
râneo. Esta divisão foi liderada pelo General mares agitados dificultaram a permanên-
Clarence R. Huebner. cia dos timoneiros no curso e os soldados
Às 05h20 horas, o pesadelo começou pa- começaram a sofrer de graves enjoos. Em
ra milhares de soldados. A primeira vaga a breve, a maioria dos barcos teria um forte
aterrar em Omaha entrou para a história e cheiro a vómito. Mas isso não era nada em
lenda pelo elevado número de baixas que so- comparação com o que iriam experimentar
freram. Tudo correu mal desde o início. Os alguns minutos mais tarde.
barcos começaram a sua viagem em mares Às 06h31 horas, os primeiros barcos abri-
muito agitados - tão agitados que mais de ram os seus portões e os soldados foram
dez viraram ou inundaram.Quinze minutos recebidos com fogo concentrado de metra-
mais tarde, os barcos que iriam transportar lhadoras nazis, que receberam ordens para
os tanques de apoio partiram. Foi o primei- disparar no momento em que os seus ini-

Tropas de assalto americanas


aterram na praia de Omaha
apoiadas por tiros navais.
GETTY

121
Ilustração do jornal militar Stars and
Stripes que retrata as tropas americanas
que combatem na praia de Omaha.

GETTY
migos começavam a aparecer. Os homens mão e com armas que, na sua maioria, não
da linha da frente caíram rapidamente e o funcionavam por causa da água e da areia da
pânico apoderou-se de todos. Muitos salta- praia. O caos em Omaha foi agravado pelo
ram para a água pensando que não haveria equipamento de rádio que se tinha avariado
muita profundidade, mas o equipamento durante o desembarque. No mar, os coman-
pesado era uma enorme desvantagem, um dantes não tinham notícias claras, e a opção
problema que foi agravado até ao limite para de abandonar Omaha e desviar as próximas
aqueles que não sabiam nadar. O desespero investidas para Utah ou as zonas de desem-
tomou conta dos recrutas e alguns deles co- barque britânicas chegou a ser considerada.
meçaram a desfazer-se do seu equipamento,
incluindo armas. Infelizmente, alguns cedo
perceberam que não estavam onde deve-
riam estar. O fumo dos bombardeamentos
desorientou os timoneiros e os barcos que
chegaram às zonas erradas.
A primeira vaga viveu os os momentos mais
dramáticos. Os soldados estavam debaixo de
fogo enquanto ainda estavam na água, gri-
tos de ajuda ecoaram de todos os lados, e os
corpos flutuantes começaram a amontoar-
-se. Para aqueles que conseguiram aterrar, o
medo não era menor. Tiveram de atravessar a
faixa de praia debaixo de tiros inimigos, um
pensamento que os aterrorizou. A dificuldade
intrínseca foi agravada pelo facto de as suas
roupas e botas estarem molhadas e frias. Eles
viram os próprios obstáculos dos alemães co-
mo a única cobertura possível.
A situação não convidava ao otimismo. A
praia estava coberta de cadáveres, os feridos
iam sendo engolidos pela maré e veículos Clarence R. Huebner,
blindados em chamas, para não mencionar os comandante da 1ª Divisão de
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obstáculos inimigos. Tudo isto sob fogo ale- Infantaria do Exército dos EUA.

122
Vista do Point du Hoc, onde
cerca de 700 toneladas de
bombas foram descarregadas

SHUTTERSTOCK

Os soldados estavam debaixo de fogo


enquanto ainda estavam na água e
os cadáveres começavam a acumular-se.
No entanto, a situação começou a melhorar to americano, tiveram de escalar o penhasco
gradualmente. A chegada de novos refor- sob fogo inimigo e tomar a posição antes que
ços e o trabalho das equipas de demolição os seus companheiros pudessem pôr os pés
para desativar as armadilhas inimigas gra- na praia. Uma (quase) missão suicida.
dualmente quebraram a resistência alemã e Tal como os outros alvos, a Pointe du Hoc
lentamente ganharam território. Às 12h30 foi completamente bombardeada com fo-
cerca de 20.000 tropas tinham aterrado. Os go naval e aéreo na faixa de 698 toneladas
combates continuaram durante todo o dia, de bombas. O passo seguinte no plano foi a
e no final da tarde os comandantes superio- chegada dos rangers ao pé da falésia. Tam-
res conseguiram desembarcar e estabelecer bém eles tiveram azar durante a viagem.
o primeiro Quartel-General do Exército dos Uma das barcaças afundou-se na área de
EUA em solo europeu. montagem devido a inundações e o barco
guia ficou desorientado, levando a flotilha
A NECESSIDADE DE MUNIÇÕES E para outro promontório a leste do alvo. O
REFORÇOS. ACIDENTES GRAVES atraso de quarenta minutos desempenhou
O extremo ocidental de Omaha apresentava um papel importante no curso subsequen-
uma séria ameaça à segurança. Aí, sobre um te dos acontecimentos. Os minutos extra
promontório de 100 pés de altura, os ale- no mar também aumentaram o tempo de
mães tinham colocado uma bateria militar exposição ao fogo alemão, resultando no
que estava perfeitamente posicionada para afundamento de alguns barcos com toda a
disparar na praia. Um grupo de pouco mais sua tripulação. O tempo entre o bombar-
de 200 Rangers, as forças especiais do exérci- deamento e a chegada dos rangers permitiu

123
Aspeto de um dos portos de
Mulberry na praia de Omaha.
Seria destruída por uma severa
tempestade pouco tempo depois.

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que os nazis saíssem dos seus abrigos e se do complexo: uma posição antiaérea e as
aproximassem da beira dos penhascos para ruínas dos edifícios de alojamento dos sol-
disparar. dados. Além disso, o fogo automático de
A expedição foi recebida com um forte fogo. um reduto num penhasco a leste tornou-se
Felizmente para os soldados, a destruidora uma grande dor de cabeça durante toda a
Satterlee aproximou-se da linha costeira e manhã, até que um contratorpedeiro bri-
apontou as suas armas aos defensores, que tânico o descobriu e o abateu.
foram obrigados a recuar. Graças a esta Entretanto, um grupo de cinquenta ho-
pausa, os rangers puderam utilizar as suas mens conseguiu chegar à estrada até às
escadas com mais calma e, cinco minutos 08h00. Dois deles encontraram as te-
depois, os primeiros rangers chegaram ao míveis armas num pomar de maçãs em
topo. Descobriram que uma multiplicida- Criqueville-en-Bessim, sem guarda, mas
de de crateras - o resultado do bombar- carregadas e prontas a atacar. Foram rapi-
deamento - caracterizava o local. Isto era damente destruídas. O objetivo foi alcan-
bom e mau, porque, embora servissem de çado, mas agora restava resistir e avançar.
parapeito, dificultavam as comunicações e E não ia ser fácil. Durante o Dia D, os pro-
o reagrupamento. blemas de comunicação marcaram o des-
O primeiro passo da missão tinha sido da- tino de muitos homens e o pequeno grupo
do, e agora restava destruir as armas nazis. de rangers ficou isolado.
Para surpresa dos expedicionários, que na O plano inicial era que quando o primeiro
altura eram 175, quando chegaram às ca- grupo chegasse ao penhasco seria reforçado
samatas, encontraram-nas vazias. Agora por várias vagas de soldados para continuar
tinham de descobrir onde as peças esta- a missão. Contudo, se a primeira vaga fa-
vam escondidas e ao mesmo tempo tinham lhasse, os restantes rangers seriam enviados
de sufocar as duas concentrações inimigas para Omaha como reforços. Os comandan-
que permaneciam nas proximidades. Os tes receberam uma mensagem a confirmar a
alemães refugiaram-se em duas estruturas chegada ao topo da Pointe du Hoc às 07h25,

124
mas uma segunda comunicação a notificá- permaneceu dramática face aos contínuos
-los da apreensão do enclave não foi recebi- ataques alemães. No dia seguinte, chega-
da. Com a missão considerada um fracasso, ram os reforços ansiosamente aguardados,
os rangers desembarcaram nas praias. embora a situação só estivesse segura a 8
Os soldados da Pointe du Hoc lutaram so- de Junho. Após dois dias de luta intensa e
zinhos até ao anoitecer. Os seus números forte resistência, desfrutaram de uma curta
eram equivalentes a uma companhia e ti- trégua.
nham cada vez mais alemães nas proximi-
dades. Sessenta deles conseguiram criar um VAMOS COMEÇAR A GUERRA
fino cordão defensivo no ponto, enquanto A PARTIR DAQUI!
várias patrulhas saíram para espiar o terri- Entretanto, na praia de Utah, os eventos
tório e romper focos de resistência inimiga. estavam a decorrer de forma bastante di-
Os comandantes nazis sabiam do ataque ferente, graças em parte à boa sorte. En-
desde o início, mas decidiram não reforçar quanto em Omaha tudo o que podia correr
as defesas devido ao pequeno número de mal aconteceu, aqui houve mais sorte. Co-
atacantes e à necessidade urgente de prote- meçando com o bombardeamento. Embora
ger outras áreas. também não tenham conseguido destruir as
Os comandantes americanos foram apanha- posições alemãs, destruíram uma boa parte
dos de surpresa quando o Satterlee captou dos campos minados, muito para deleite dos
claramente uma mensagem à tarde: “Pointe soldados que estavam prestes a desembar-
du Hoc localizado. Missão cumprida. Preci- car. Outro fator de diferenciação foram as
sa de munições e reforços. Muitas baixas. Os condições do mar muito mais calmas. Como
rangers finalmente conseguiram dar sinais resultado, quase todos os tanques anfíbios
de vida aos seus companheiros, mas tiveram fizeram aterros - quatro deles explodiram
de resistir sozinhos durante mais algumas quando o seu lançamento atingiu uma mina
horas. Por volta das 21h00 foram localiza- - e a artilharia não sofreu perdas. Estrate-
dos por um pequeno grupo de rangers que gicamente, Utah tinha uma grande vanta-
tinham aterrado em Omaha, mas a situação gem sobre Omaha: ao contrário de Omaha,

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Restos de um bunker utilizado


durante a Segunda Guerra Mundial.

125
Ilustração do desembarque
das tropas americanas na
praia de Omaha.
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não tinha penhascos atrás da areia e estava recer temer as balas que voavam sobre ele.
muito menos bem defendida.Há um grande Teddy percebeu que eles não tinham che-
exemplo da disparidade de sorte vivida pe- gado ao lugar onde deviam estar, mas não
los soldados americanos em cada uma das via sentido em ir lá e proferiu uma das fra-
praias em que desembarcaram. Em Omaha, ses mais famosas do dia: “Vamos começar
muitos barcos falharam o seu alvo preten- a guerra a partir daqui!
dido, causando graves problemas logísticos Os soldados alemães disparavam espin-
e perda de vidas humanas. Em Utah, entre- gardas e metralhadoras, levando alguns
tanto, o erro ajudou a salvar vidas. Os timo- observadores a descrever o desembarque
neiros também foram desorientados pelo em Utah como “guerra de guerrilha” com
fumo e os barcos chegaram dois quilóme- ambos os lados usando armas automáticas.
tros a sul do alvo. A boa notícia é que havia Embora os combates fossem relativamente
menos forças alemãs naquela área e a ope- fáceis - se se pode chamar fácil lutar numa
ração decorreu de forma muito mais suave. guerra - os soldados mantinham um olho
O primeiro oficial de alta patente a pôr os afiado para as armadilhas inimigas. Os ofi-
pés na praia foi também a pessoa mais ve- ciais deram ordens para atirar em qualquer
lha a aterrar no Dia D. Teddy Roosevelt Jr, soldado das SS independentemente da sua
filho de um presidente e primo de Delano condição, pois poderia estar a transportar
Roosevelt, tinha 52 anos no dia 6 de junho engenhos explosivos escondidos com os
de 1944 e destacava-se na multidão não só quais mataria os seus captores. Os civis,
devido à sua idade. Sempre agarrado à sua por seu lado, também deviam ser tratados
bengala e usando a sua boina verde azeito- como potenciais inimigos que tinham de
na, em detrimento do capacete mais seguro ser, no mínimo, encurralados para cima.
usado pelos seus subordinados, os jovens Em menos de uma hora a praia ficou livre
adoravam-no pela sua bravura, até porque de alemães e os invasores avançaram para
se movia pela arena toda a manhã sem pa- o interior.

Foi considerada a opção de abandonar


a praia de Omaha e de continuar as
operações em direção a Utah

126
UM MITO DE LIBERTAÇÃO vasão. Embora os números exatos ainda ho-
Para o exército americano e os seus sol- je sejam contestados, os especialistas dizem
dados, mesmo para a população em ge- que durante as primeiras 24 horas, cerca de
ral, o Dia D é um mito. O drama dos de- 1.500 soldados americanos e cerca de 1.200
sembarques da primeira “onda” na Praia alemães caíram. Nos combates dos dias se-
de Omaha faz parte da cultura popular do guintes, o número de mortos aumentaria
país e, por extensão, do mundo. As baixas consideravelmente. O desembarque conti-
iniciais foram grosseiramente exageradas, nuou a ser um mito, mas os combates mais
pois os soldados assumiram no caos que pesados ocorreram mais tarde.
os seus camaradas desaparecidos estavam
mortos. Mesmo assim, as estimativas mais
altas estavam ainda abaixo das projeções de CARLOS NÚÑEZ DEL PINO
baixas feitas durante o planeamento da in- Licenciado em História e Humanidades

O General George Patton (à esquerda)


fala com Theodore Roosevelt Jr.

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127
S
W
OG
RO
D L
e D
os britânicos
128
Membros da “Home Guard”
no desfile para acabar com a
Semana das Armas de Guerra em
Bracknell, a 25 de maio de 1941.

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s em ação
129
Retrato de altos funcionários aliados em 1944.
Sentados, da esquerda para a direita, Arthur Tedder,
Dwight D. Eisenhower e Bernard Montgomery. De pé,
da esquerda para a direita, Omar Bradley, Bertram
Ramsay, Trafford Leigh-Mallory e Walter Bedell Smith.

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E
nquanto o comandante supremo ra, cerca de 900 eram britânicos, assim como
Aliado a 6 de junho de 1944 era mais de 3.200 das 4.100 canhoneiras e dois
Dwight D. Eisenhower, um ameri- terços dos aviões utilizados.
cano, o chefe da aviação Aliada era Para além dos líderes da nação, comandan-
britânico: Arthur Tedder. Assim como Ber- tes superiores e da imensa quantidade de
tram Ramsay, no comando da frota; Trafford equipamento fornecido, a Grã-Bretanha
Leigh Mallory, comandante-chefe das forças contribuiu com cerca de 54.000 tropas nas
aéreas; e Bernard Montgomery, arquiteto praias de Gold e Sword. Alguns ficaram na
chefe da Operação Overlord e responsável história, a maioria não, mas todos contri-
por todas as forças terrestres. buíram de alguma forma para o grande su-
Outro britânico que teria querido estar nas cesso do Dia D dos Aliados.
praias normandas, ou pelo menos perto O primeiro combate do lendário dia veio
delas, no dia do desembarque foi o Primei- durante a Operação Pegasus, a apreensão de
ro-Ministro Winston Churchill. E foi o pró- duas pequenas pontes sobre dois cursos de
prio George VI que teve de lhe implorar que água no flanco oriental de Sword Beach, o
desistisse de uma ideia tão louca. Ele tentou mais a leste dos dois atribuídos aos britâni-
dissuadi-lo numa carta datada de quatro dias cos. Foi um golpe de Estado bem sucedido,
antes do Dia D: “Considere a minha posição. um ataque inesperado essencial para assegu-
Sou um homem mais jovem que vós, sou um rar o flanco esquerdo da invasão e proteger a
marinheiro, e como rei, chefe dos três ser- praia das forças armadas alemãs. A Operação
viços, não gostaria de nada mais do que ir Overlord poderia continuar.
para o mar, mas concordei em ficar em casa.
É justo que eu não possa fazer exatamente o OS FRANCESES PRIMEIRO
que gostaria de ter feito”? [...] “...se o rei não O General Charles de Gaulle, líder do chama-
pode fazer isto, não me parece correto que do francês livre, só foi informado da Opera-
o seu primeiro-ministro tome o seu lugar”. ção Overlord a 4 de junho. Nessa altura, o
Parece que os seus argumentos surtiram efei- Presidente Eisenhower dos EUA tinha-se
to e Churchill permaneceu em Inglaterra. limitado a falar-lhe dos seus planos e infor-
Quanto aos veículos e materiais envolvidos mou-o que, no dia em questão, ele próprio
no desembarque, dos 1.200 navios de guer- se dirigiria aos franceses. “Tu? para dizer o

130
“Também eu estou muito feliz, meu amigo.
Lamento ter chegado dois minutos e meio
atrasado”, disse Lord Lovat
quê?” respondeu ele aborrecido. Como não Philippe Kieffer, um exemplo de firmeza e
poderia deixar de ser, na tarde do dia 6 De experiência. Quando propôs a criação de um
Gaulle falou por rádio aos seus compatriotas, comando gálico aos britânicos, estes tinham
e no dia 14 iria reportar a Bayeux, a primeira sido relutantes no início, mas ele conven-
cidade libertada, onde recebeu uma calorosa ceu-os da importância de ter soldados que
receção. E contra a opinião Aliada, enviaria o conhecessem o terreno e falassem a língua.
General Leclerc para libertar Paris. Era uma Às 7:21 do dia 6, as duas barcaças francesas
questão de orgulho patriótico. chegaram à praia. Os seus camaradas deram-
No Dia D, a fenda entre a França e os Aliados -lhes passagem, dando-lhes a honra de se-
estava no seu auge. Três dias antes, De Gaulle rem os primeiros a pôr os pés no seu próprio
tinha-se colocado à frente do governo pro- país. No entanto, seriam marginalizados na
visório da República Francesa, substituindo história dos acontecimentos porque faziam
o Comité Francês de Libertação Nacional. parte das tropas britânicas.
Esta mudança pôs fim à intenção de colocar
a França sob a administração militar Aliada. SWORD. DOIS MINUTOS DE ATRASO
Apesar da tensão entre os países, os britâ- No extremo oriental, a cinco quilómetros
nicos permitiram que um punhado de fran- da costa de Juno, entre Saint-Aubin e Ouis-
ceses desembarcasse com eles - de facto, treham, estendia-se a praia que se chamava
antes deles - na segunda praia que lhes foi Sword. Juntamente com o pequeno grupo
atribuída: a Sword, a mais oriental de todas. de franceses, a 3ª Divisão de Infantaria Bri-
Contavam apenas 177 homens, duas compa- tânica e alguns grupos de comando estavam
nhias de boinas verdes britânicas entre cinco ali estacionados. O seu principal objetivo
divisões de infantaria e três divisões aéreas, era conquistar a cidade de Caen e juntar-se
mas foram os únicos franceses a desembarcar às tropas aerotransportadas para o interior.
no Dia D. Quase todos eram da Bretanha e De acordo com o plano, os tanques foram
pertenciam ao Comando Kieffer, com o no- os primeiros a chegar à areia, a destruir os
me do capitão da fragata que os comandou, campos de minas e a apoiar a infantaria. O

O Exército Britânico desembarca na


Praia Gold a 16 de junho de 1944.
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131
Charles De Gaulle caminha
pelas ruas de Bayeux após a
ocupação alemã.

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General Percy Hobart tinha concebido es- sem perdido quase 30 homens. Os sobrevi-
pecialmente para a ocasião alguns veículos ventes juntaram-se a Lovat, que já se encon-
curiosos “afinados” das formas mais incrí- trava na Ponte Pegasus, o principal objetivo
veis: “Hobart’s Funnies”, engenhocas de da guarda avançada britânica, e deveriam ir
aspeto estranho que se revelaram bastante a Bénouville para se juntar aos paraquedistas
práticas. da 6ª Divisão Aérea.
No momento certo, deveria aparecer a 3ª Com Ouistreham libertado por sangrentos
Divisão de Infantaria, cuja 8ª Brigada esta- combates de rua, a coluna continuou a avan-
beleceria uma cabeça de praia. A 85ª Briga- çar apesar da pressão de atiradores alemães
da chegaria então a Caen e a 9ª protegeria o e conseguiu atravessar o rio Orne. Passavam
flanco direito. Finalmente, os comandos de alguns minutos da 01:00 quando a missão foi
Simon Freser, conhecido como Lord Lovat, terminada. Não tinham sido capazes de cap-
tomariam Ouistreham e juntar-se-iam aos turar Caen, o que seria um ponto essencial
soldados aerotransportados na Ponte Pega- na luta durante semanas posteriores, mas ti-
sus. Meia hora após a chegada dos comandos, nham sido capazes de se juntar aos paraque-
a praia foi conquistada. Ao custo de pesadas distas. O tenente Tod Sweeney saudou Lovat
baixas, é claro. com uma satisfação visível: “Estou muito
Os soldados galeses apressaram-se para o in- contente por te ver, meu velho! Ao que o es-
terior em direção a Ouistreham, cujo casino, cocês respondeu: “Eu também estou muito
convertido pelos nazis numa verdadeira for- contente, meu amigo. Lamento ter chegado
taleza, tinham ordens para tomar. Por volta dois minutos e meio atrasado”. Uma amostra
das 11:20 tinham conseguido, embora tives- de humor britânico, bastante escocês.

Foram construídos dois portos


(Mulberries) ,que necessitavam de quatro
milhões de toneladas de material

132
ASC
À meia-noite do dia 6, cerca de 29.000 tropas Para esta tarefa, o Marechal Montgomery
britânicas tinham chegado a Sword Beach. escolheu a 50ª Divisão de Infantaria de
Northumbria, composta por veteranos que
GOLD E A EXPEDIÇÃO DE FORNECI- seriam acompanhados por membros do 47º
MENTOS comando de Infantaria da Marinha Real.
Depois da 3ª Divisão de Infantaria Cana- A grande dificuldade residia nas falésias
diana ter colocado os pés na praia de Ju- aparentemente intransitáveis que se er-
no e rumado para o interior, foi a vez dos gueram ao longo da maior parte da praia.
britânicos na praia de Gold Beach. Os ale- O ataque deveria concentrar-se entre as ci-
mães deveriam ser impedidos de flanquear dades de Asnelles-sur-Mer e La Rivière e o
Omaha e Juno. principal alvo era a cidade de Arromanches.

SHUTTERSTOCK

Panorama geral da
cidade de Caen.

133
Ponte Pegasus, em
junho de 1944,
sobre o Canal de Caen.

O principal alvo era a cidade de Arroman- t-Laurent em Omaha, no setor americano, ASC

ches, pois pretendia ser um porto artificial e outro em Arromanches em Gold, no setor
a partir do qual se enviavam reforços e ma- britânico.
terial para o norte de França. O trabalho na Arromanches começou no dia
Era claro para os Aliados que a invasão iria seguinte ao Dia D. Foram envolvidos cerca de
requerer grandes quantidades de armas e 400.000 soldados e 500.000 veículos, e fo-
munições, combustível, alimentos, mate- ram necessários quatro milhões de toneladas
rial médico.... Para desembarcarem tudo de material. Alguns blocos de betão eram tão
isto, precisavam de um porto suficiente- altos como um edifício de seis andares. Mes-
mente profundo para ancorar grandes na- mo os maiores elementos, pesando até 6.000
vios sem serem afetados pela maré. Mas toneladas, flutuaram. A estrutura incluía
havia apenas dois portos na Normandia plataformas de descarga e docas de ferry, a
que satisfaziam os requisitos, Le Havre e partir das quais foram construídas estradas
Cherbourg, ambos em mãos alemãs e lon- flutuantes para a praia.
ge da zona de desembarque. Havia apenas Enquanto o porto de Omaha foi destruído
uma solução: criar portos artificiais móveis por uma tempestade a 19 de junho, o porto
que pudessem ser instalados rapidamen- de Gold esteve operacional a partir do início
te na própria zona de desembarque. Lord de julho durante mais de um mês e provou a
Mountbatten, um marinheiro de renome, sua importância estratégica. Cerca de 1.000
liderou a operação. Foram construídos dois toneladas de materiais foram descarregados
portos (Mulberries), um em Vierville-Sain- diariamente.

134
7º Batalhão de Green Howards
durante um exercício nas dunas
de Sandbanks, perto de Poole,
Inglaterra, a 31 de julho de 1940.

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ENTRE FALÉSIAS, CANHÕES
E METRALHADORAS O GRANDE HERÓI DO DIA D
A fim de contornar as falésias, em Gold ater- Enquanto corriam para o topo da
rariam em dois setores a leste de Arroman- praia, o Sargento-Mor Stanley Hollis
ches: Jig e King. O primeiro seria assumido da 50ª Divisão de Infantaria viu os
pela 231ª Brigada, à qual se juntaria o 47º homens caírem um após o outro sob
comando de Infantaria da Marinha Real, que fogo de metralhadoras. Quando o
fizeram uma atuação memorável. A tarefa comandante da sua companhia se
era apressar o interior, cercar as posições apercebeu que dois redutos tinham
inimigas e tomar a cidade e o porto de Port- sido ignorados, ele e Hollis muda-
-en-Bessin. Para acelerar o processo, foram ram-se para inspecionar. De repente,
proibidos de abrir fogo até chegarem ao seu a metralhadora abriu fogo sobre
destino. Foi necessário estabelecer uma li- eles. “Hollis bateu contra o bunker,
gação com os americanos em Omaha o mais disparando a sua submetralhadora.
cedo possível. A 69ª Brigada foi atribuída ao Stan saltou para cima do bunker para
outro setor, o King, e no final do dia deveria o recarregar e atirou-lhe algumas
ter conquistado a cidade de Bayeaux, a cerca granadas”, nota Antony Beevor no
de quinze quilómetros da costa. Dia D. A Batalha da Normandia. Mais
A operação começou às 03:00. Duas horas tarde, na aldeia de Crépon, salvou
dois soldados noutra operação muito
e meia mais tarde, os soldados começaram
arriscada, pela qual recebeu a única
a abandonar as barcaças. Em Jig, as coisas
Cruz de Vitória concedida naquele
complicaram-se para a 231ª Brigada. Além
mítico 6 de junho de 1944.
de terem apenas 800 metros de terreno pa-
ra aterrar, os membros do 1º Batalhão do

135
Regimento Real de Hampshire viram-se
confrontados com muitas minas, metra-
lhadoras e morteiros e tiveram de tomar
a aldeia de Le Hamel, que os nazis tinham
transformado num bastião com uma exce-
lente posição. Tomá-la foi um verdadeiro
desafio e custou suor e lágrimas tanto ao
1º Batalhão do Regimento Real Hampshi-
re como ao 1º Batalhão do Regimento Real
Dorsetshire.
O primeiro passo foi tentar avançar para re-
Retrato de primir a artilharia alemã, mas o fogo pesado
Lord Louis de metralhadoras e o grande número de mi-
Mountbatten.
nas que as rodeavam tornaram isto impos-
sível. Concluíram que um novo ataque da
frente era inútil, pelo que fizeram um mo-
vimento de flanco, que não foi fácil mas foi
eficaz. O pior golpe foi para os tanques, que
foram atingidos por um disparo de canhão de
75 milímetros. Vários deles ficaram desfeitos
em pedaços. A perda de vidas também foi
pesada. Mas finalmente, depois das 16:00, o
inimigo tinha-se rendido e os invasores de-
clararam Gold Beach segura.
Em King, os alemães colocaram muito menos
resistência, pelo que a aterragem decorreu
sem problemas. Em La Rivière, no entanto,
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os tanques britânicos ficaram sob a artilharia

UM SOLDADO “ARMADO” COM UMA GAITA DE FOLES?


O Gabinete Britânico de Guerra deixou que chegou à água, começou a tocar
claro: os flautistas eram proibidos de sem parar, mesmo enquanto os soldados
conduzir tropas para a batalha, nem se- iam tombando em seu redor. De acordo
quer para as encorajar, como era norma. com alguns relatos, os alemães deixaram
Mas Lord Lovat, um escocês por raça no de disparar durante alguns segundos.
comando da 1ª Brigada de Serviço Espe- Eles não podiam acreditar nos seus olhos
cial, não ficou impressionado com as re- ou ouvidos. Apesar de ter passado meio
gras. E assim William “Bill” Millin aterrou dia a subir e a descer a praia, nem um
em Sword vestido com o kilt tradicional, o único tiro lhe foi disparado. Ignoraram-no
kilt do homem escocês, e “armado” com porque simplesmente acreditavam que o
a adaga tradicional do dubh sgian. Assim homem era louco.
ASC

136
Vista aérea das tropas e tanques
dos EUA à medida que o
desembarque se realizava.

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mortal de uma arma de 88 milímetros. Deve durante a noite. Cousin morreu como um
ter-se em conta que os blindados se desloca- herói, tendo sido atingido por uma granada
vam com bastante facilidade. Gradualmente, durante a operação, mas a sua determinação
porém, a infantaria conseguiu avançar. e coragem serviram de exemplo aos seus ho-
Os membros do 47º comando de Infantaria mens. Os enclaves alemães passaram para
da Marinha Real tiveram de tomar o terre- mãos britânicas à meia-noite e no dia se-
no. O intenso tiroteio e as más condições do guinte, dia 8, tomaram o porto. “A operação
mar foram as principais dificuldades a ultra- custou aos comandos quarenta e oito mortos
passar. Quatro barcaças explodiram quando e setenta feridos; estes foram para além das
atingiram os chamados “espargos de Rom- baixas sofridas em Gold (cerca de seiscentos
mel”, perigosos toros de madeira com explo- e trinta). No entanto, no final de 6 de junho,
sivos na ponta. o exército britânico tinha desembarcado cer-
Uma vez sobre a areia, o tempo estava a esgo- ca de 25.000 homens na praia, ligados aos
tar-se. Ao cair da noite não tinham atingido seus homólogos canadianos em Juno e cap-
o seu objetivo, mas recomeçaram na manhã turado a cidade de Arromanches. Bayeux foi
seguinte. Como Pere Cardona e Manuel P. conquistada na manhã seguinte”, recordam
Villatoro escrevem em Lo que nunca te han Cardona e Villatoro.
contado del Día D: “O que eles não sabiam Na noite do dia 6, Churchill relatou a Estali-
era que havia (em Port-en-Bessin) dois temí- ne: “Tudo começou bem. A maioria das mi-
veis barcos Flak alemães e duas fortificações nas, obstáculos e baterias terrestres foram
de betão defendidas por metralhadoras, mi- ultrapassados. As aterragens de paraquedas
nas e lança-chamas escondidas que os espe- correram muito bem e em grande escala. Os
ravam”. Uma surpresa desagradável que teve desembarques de infantaria estão a avançar
o seu preço. Numerosos soldados britânicos rapidamente e muitos tanques e peças de ar-
pereceram enquanto tentavam subir as co- tilharia autopropulsionadas já se encontram
linas. Para piorar a situação, os alemães es- no solo. A previsão do tempo é moderada a
tavam prontos para contra-atacar e cortar a boa”, observou ele nas suas memórias.
sua retirada. A situação tornou-se desespe-
rante. Parecia não haver saída, até o Capitão
Terence Frederick Cousins e um pequeno LAURA MANZANERA
grupo de homens carregarem os bunkers Jornalista e escritora

137
A VINGANÇA DO

NO
INFERNO DE JUNO

138
139
SHUTTERSTOCK
General Andrew George General Harry Crerar.
Latta McNaughton. WIKICOMMONS
ALBUM

O
Tenente John Russell Madden gritou ele acima do barulho. “Sim, eu dis-
teve de gritar acima do ruído se verde”, respondeu a voz. E mergulhou
dos motores do bombardeiro de de cabeça sem pensar duas vezes. Ouviu a
Albemarle para ser ouvido pelos rachadura estrondosa da abertura do para-
seus homens. Tinha apenas 20 anos, mas quedas e depois o silêncio. Quando chegou
liderava os nove paraquedistas da Compa- ao solo, localizou cinco dos seus soldados.
nhia C do 1º Batalhão Canadiano enquanto Dos outros quatro, não houve qualquer si-
se preparavam para saltar sobre Juno Bea- nal. E quando olhou para o céu para o Da-
ch na Normandia. Eles foram a primeira kota Douglas C-47 que ia trazer o resto dos
guarda avançada da invasão e a tensão no paraquedistas... nada.
ar era insuportável. Mal conseguiam ficar Aterrorizado, pensou que a Operação Over-
de pé com os 45 quilos de equipamento que lord tinha sido adiada no último segundo, co-
transportavam, nem eram capazes de ficar mo tinha sido no dia anterior, devido ao mau
totalmente de pé, pois o telhado do avião tempo. A confusão foi tão grande lá em cima
era demasiado baixo para eles. que ele poderia não ter ouvido a ordem de dar
No entanto, nada disso importava mais. Só a volta no instante em que saltou. Nem tinha
tiveram de esperar alguns minutos para que qualquer forma de saber se o resto da compa-
o relógio atingisse 0:20 e, quando a luz verde nhia tinha saltado. “Meu Deus, eles decidiram
acendeu, mergulharam de cabeça primeiro não continuar e eu e cinco tipos começámos a
e perderam-se na escuridão da noite. Mad- invasão”, pensou ele desconcertado.
den esperou pelo momento, ajoelhado com Embora o Tenente Madden não o soubesse,
as mãos em repouso de ambos os lados da não era o único que estava perdido. Como
escotilha do chão, enquanto olhava para a Jan de Vries, um paraquedista de outro ba-
neblina abaixo, sobre a costa. De repente, talhão canadiano, contou décadas depois,
o Albemarle mergulhou a 500 pés, a altu- aterrou a vários quilómetros de distância
ra acordada para o salto. O tenente seria o da área pretendida. “Perguntava-me onde
primeiro e, imediatamente a seguir, os seus diabo estaria eu. Passei toda a noite a ten-
homens seguiriam-no para proteger a área tar encontrar o ponto de encontro perto da
sobre a qual, 28 minutos depois, mais dois costa de Juno no escuro, esquivando-me às
batalhões de paraquedistas - um britânico e patrulhas inimigas durante todo o cami-
um canadiano - desceriam. nho. Mas não estavam sozinhos, a Operação
Quando chegou a altura, Madden pensou Overlord estava em curso e as 24 horas se-
ter ouvido alguém gritar atrás de si: “Ver- guintes seriam as mais decisivas de toda a
de! O tenente hesitou: “Disseste verde?” Segunda Guerra Mundial.

140
Bunker de Cosy na
SHUTTERSTOCK

Praia de Juno.

“SOMOS OS MELHORES”. campos de concentração em Agosto de 1942


Tinha passado um ano desde que a 3ª Di- como resultado de outro desembarque, o de
visão de Infantaria Canadiana tinha rece- Dieppe. Foi um pesadelo que ainda é consi-
bido ordem para iniciar os preparativos derado um dos maiores desastres da histó-
numa carta datada de 3 de julho de 1943 ria do país.
do Tenente-General Andrew McNaughton, O trauma foi tal que os 15.000 canadianos
agora considerado o “pai” do exército ca- que aterraram na Normandia o fizeram
nadiano e “o maior soldado do seu país do cheios de ódio e de desejo de vingança.
século XX”. Nela advertia que “os detalhes Como o General Harry Crerar, comandan-
da operação não serão disponibilizados aos te máximo do exército no Dia D, salientou
soldados durante os próximos meses”. Tudo no seu discurso: “Os planos, preparativos,
devia ser planeado no maior segredo, pois o métodos e técnicas que iremos empregar
elemento de surpresa era primordial. Como baseiam-se nos conhecimentos e expe-
recordou Fred Moar, um tenente da uni- riência adquiridos e pagos na Dieppe. A
dade de infantaria do Regimento da Costa contribuição dessa perigosa operação não
Norte que desembarcou em Nan, um dos pode ser subestimada. Mostraremos que foi
três setores em que o Canadá dividiu Juno o prelúdio essencial para o nosso próximo
Beach para a invasão. “Não tínhamos ideia e definitivo sucesso. Em seguida, ofereceu
no que nos estávamos a meter, mas estáva-
mos preparados para tudo. Consideráva-
mo-nos os melhores.
Sinal na praia de Juno.
Ele e os outros sobreviventes canadianos
viram como, ao longo das suas vidas, a sua
participação no Dia D passou despercebida
em comparação com a dos exércitos britâ-
nico e americano. O seu sacrifício, porém,
não só foi importante, como essencial para
o sucesso final da operação. Eram os únicos
soldados com experiência direta de ataque à
SHUTTERSTOCK

Muralha do Atlântico dos nazis, mesmo que


o preço a pagar fosse muito elevado: 900
mortos e 1.900 capturados e enviados para

“Passei a noite inteira a tentar encontrar o


ponto de encontro no escuro perto da costa
de Juno e a esquivar-me às patrulhas inimigas”

141
CORDON PRESS

Exército Canadiano
na praia de Juno.

aos seus oficiais bandeiras canadianas para são como “o que Filipe de Espanha tentou e
exibirem no quartel-general da sua briga- não conseguiu fazer, o que Napoleão queria
da pela primeira vez na história, um gesto e não podia fazer, e o que Hitler nunca te-
ousado considerando que ainda dependiam ve a coragem de tentar”. “Entramos nesta
e eram obrigados a lutar sob o estandarte fase decisiva da luta com plena fé na nossa
britânico. E embora não se assemelhassem causa”, acrescentou Crerar, “com calma
às brigadas de hoje, o general quis mostrar confiança nas nossas capacidades e com a
nesse gesto que o seu país começava a voar determinação necessária para terminar rá-
por si só, politicamente distante dos britâ- pida e inequivocamente este trabalho que
nicos. viemos fazer ao estrangeiro”.
Mas não ia ser tão fácil como ele insinuou.
Os oito quilómetros de praia que compu- PRIMEIROS BOMBARDEAMENTOS
nham Juno, entre as cidades de La Rivière Entretanto, o jovem tenente Russell e os
e Saint-Aubin-sur-Mer, eram um osso du- seus homens ainda estavam perdidos no
ro de roer. Foi um assalto particularmente meio da noite quando ouviram o Albemarle
perigoso, uma vez que as aldeias estavam que os tinha transportado lançar as primei-
muito perto da costa e as casas faziam uma ras bombas. Ficaram aliviados ao saber que
cobertura perfeita para os franco-atirado- não estavam sozinhos. Seguiu-se um grupo
res alemães, que podiam facilmente atingir de bombardeiros Lancaster, lançando mais
qualquer um que enfiasse a cabeça na água. 5.000 toneladas de explosivos até pouco
Além disso, o terreno estava rodeado de depois das 5 da manhã. O objetivo deste
dunas, o que complicou o movimento de primeiro movimento era quebrar as defesas
tropas e tanques. costeiras alemãs e semear o caos entre os
Os outros dois setores em que a praia foi di-
vidida, à exceção de Nan, foram Mike e Lo-
ve, embora este último não tenha assistido
a quaisquer desembarques. A primeira de-
veria ser tomada pelas tropas da 7ª Brigada
de Infantaria, composta pelos Royal Win-
nipeg Rifles e Scottish Canadian Rifles. E
Nan, pela 8ª Brigada de Infantaria compos-
ta por The Queen’s Own Rifles of Canada e
o já mencionado North Shore Regiment, a
ser seguido por outras tropas canadianas e
britânicas.
O soldado Leonard W. Brockingham, que
estava a bordo do destruidor canadiano
Soldados canadianos da unidade
HMCS Sioux, contou anos mais tarde que,
Queen’s Own Riffles num poste de
durante a travessia, ouviu um oficial britâ-
sinalização em Caen.
GETTY

nico sentado ao seu lado descrever a inva-

142
nazis, enquanto pilotos de caças canadianos soldados do Royal Winnipeg Rifles percebe-
vasculhavam os céus acima deles em busca ram que o impato do ataque aéreo tinha sido
de caças Luftwaffe. menor do que o esperado e que iria ser um
O resto das tropas canadianas já se encon- inferno. Tiveram de se defender como leões
travam no mar há várias horas. O processo durante três horas, porque os navios de
de carregamento tinha levado cinco dias, guerra só apareceram às 11 horas. Entre os
durante os quais os veículos e o número de primeiros soldados estava Ted Gregoire, um
soldados a transportar em cada um dos seus agricultor canadiano de 24 anos. “Estava tão
110 barcos, todos com as suas mochilas de 27 tonto e assustado que teria pago a alguém
quilos e espingardas Lee-Enfield, tinham si- para me dar um tiro no local. Tive de saltar
do cuidadosamente calculados. A imagem de sobre os corpos dos meus camaradas no bar-
“milhares e milhares de barcos de todos os co e também na areia”, recordou ele não há
tipos que se estendem pelo horizonte” en- muito tempo. Pouco tempo depois, a unida-
quanto se reúnem na célebre área da Zebra - de do ator que, anos mais tarde, interpreta-
coloquialmente chamada “Picadilly Circus” ria Scotty na famosa série Star Trek, James
- no meio do Canal da Mancha, ficou gravada Doohan , desembarcou ali . James Doohan,
na memória de muitos desses jovens. de 19 anos, conseguiu abater dois franco-a-
Tom Gunning, um marinheiro canadiano de
18 anos que navegou na fragata HMCS Cape
Breton, disse anos mais tarde que achava
Destruidor
“impossível descrever o poder espanto-
canadiano HMCS
so dessa imagem”. O Major Lockhart Ross Sioux.
Fulton, por seu lado, sabia que milhares
de navios rodeavam o seu HMS Canterbury
na escuridão impenetrável da noite, mas
os únicos sons que conseguia ouvir eram o
murmúrio suave do mar, o latejar dos mo-
tores e a conversa ocasional abafada entre
ALBUM

os membros do Royal Winnipeg Rifles, “os


diabinhos negros”, que iriam liderar o fim
mais difícil da invasão.
A meio do caminho, Fulton abriu um saco
de cadeado e esvaziou no chão uma pilha de
mapas altamente detalhados do ponto exato
do desembarque. Depois deu-lhes um brie-
fing e aconselhou-os a “tentarem dormir um
pouco”. Era impossível, pois a viagem tinha
sido um teste de resistência infernal devido
à forte pancada do mar. Alguns dos rapazes
vomitaram borda fora e outros diretamen- O jardim dos
SHUTTERSTOCK

te sobre as suas botas. Tudo cheirava a uma canadianos em


mistura perniciosa de vapores de gasóleo Bény-sur-Mer.
e combustível devolvido, quando, com os
primeiros raios de sol, avistaram a costa e
aceleraram em direcção à costa. Ao apro-
ximarem-se, viram os bombardeiros conti-
nuarem a esmagar a linha costeira do céu e
os navios da água, especialmente a perigosa
bateria nazi em Bény-sur-Mer com as suas
quatro armas de 100mm. Os soldados cana-
dianos agradeceram a Deus por não serem
o alvo de tal fúria, enquanto Fulton tentava
sacudir a ideia de que ia entrar em combate Placa
com uma companhia de homens meio doen- comemorativa
SHUTTERSTOCK

tes que deveria ter chegado a Juno às 7:30, no jardim dos


uma hora depois dos americanos em Omaha canadianos.
e Utah, mas fê-lo às 7:49. Foi então que os

143
A CHEGADA DOS TANQUES
O setor Nan, entretanto, tornou-se uma
odisseia para os homens do Regina Rifle
Regiment a partir do momento em que pu-
seram os pés na praia. Foram encontrados
a partir de várias defesas próximas por três
metralhadoras de 75 e 88 milímetros e uma
série de metralhadoras e morteiros. As tro-
pas alemãs transformaram os 200 metros
de praia num pesadelo para os canadianos,
disparando implacavelmente contra eles
durante toda a manhã. Sofreram pesadas
baixas e não puderam avançar até à chegada
dos tanques Duplex Drive. Um deles che-
gou mesmo ao interior de um bunker para
disparar à queima-roupa para dar aos seus
homens uma pausa.
Ernie Defoe, um trabalhador ferroviário de
Nelson que aterrou neste setor de Juno na
segunda vaga canadiana, combateu lá. Ele
quase morreu quando uma mina explodiu
CORDON PRESS

Soldados do Royal perto da costa quando o seu barco se apro-


Winnipeg Rifles . ximava. Viu dois dos seus companheiros
“desfeitos em pedaços” pela explosão. Para
evitar o mesmo destino, ele e outro soldado
cortaram o equipamento um do outro para
poderem saltar borda fora sem se afunda-
tiradores alemães no chão e levar os seus rem e depois esquivarem-se ao fogo inimigo
homens a terrenos mais altos depois de para chegarem à costa. Ele conseguiu, mas
atravessar um campo cheio de minas an- o seu amigo não. “O seu nome era Harry
ti-tanque sem que ninguém fosse atingido. Dreider, nunca o vou esquecer. Vi-o a ser
Pouco tempo depois, porém, teve o azar de
ser confundido com um soldado nazi por
um companheiro e foi alvejado seis vezes.
O disparo que recebeu no peito atingiu a
sua cigarreira prateada que lhe salvou a
vida, mas um outro disparo causou-lhe a
perda de um dedo. Um ferimento que teve
de esconder durante o resto da sua longa
carreira cinematográfica até à sua morte
em 2005.
Para os Scottish Canadian Rifles foi um pou-
co mais fácil, pois na sua área mais a leste,
os bombardeiros derrubaram a maioria das
defesas, incluindo um canhão de 75 milí-
metros com o qual os nazis pretendiam ani-
quilar tudo. Às 8h30, tinham eliminado as
bolsas de resistência e começado a limpar
os campos minados e as duas estradas pelas
quais as próximas investidas iriam passar. James Doohan com
o uniforme Star Trek.
GETTY

Tudo isto com a maior velocidade possível.

A imagem da areia repleta de cadáveres


era difícil de esquecer para aqueles que
sobreviveram à operação .

144
SHUTTERSTOCK
Bofors 40 mm.

abatido na altura. Ele era um bom rapaz”, de queimados em Farnborough, muito per-
recordou mais tarde. No entanto, a unidade to dos portos do sul de Inglaterra de onde
de que ambos faziam parte conseguiu o seu partiram os navios dos seus compatriotas.
objetivo, que era o de conquistar uma ponte “Lembro-me que, algumas horas após o
e protegê-la até à chegada dos reforços. Re- início da invasão, chegou um comboio e,
centemente, a esposa de Dafoe confessou nu- por volta das três horas, outro. Em cada
ma reunião de veteranos que “levou muitos um deles havia cerca de trezentos feridos
anos após o seu casamento para que Ernie lhe ou mais”.
dissesse alguma coisa sobre o que ele tinha No final, os vários setores da praia de Juno
experimentado na invasão”. “Não consigo foram conquistados, e é considerada hoje,
imaginar como foi para ele”, disse ela. juntamente com Utah, a praia onde a Ope-
Em Nan, os soldados de The Queen’s Own ração Overlord teve mais sucesso naquele
Rifles of Canada e do já mencionado North fatídico 6 de Junho de 1944. A previsão dos
Shore Regiment tiveram de se esquivar o comandantes canadianos era de 2.000 bai-
melhor que puderam ao longo de um qui- xas, mas no final sofreram 1.000, das quais
lómetro de praia, escondidos nas casas à 400 foram mortos. No entanto, a imagem
beira-mar de Berniéres-sur-Mer. A única da areia espalhada com cadáveres era difícil
cobertura que tinham era o quebra-mar, e de esquecer para aqueles que sobreviveram.
parecia virtualmente impossível chegar até Quando o silêncio caiu, começaram a en-
lá. Frederick Perkins revelou uma imagem terrá-los rapidamente para impedir que os
verdadeiramente aterradora: a de uma jovem seus próprios veículos blindados esmagas-
mulher que disparou várias vezes de uma sem os corpos dos seus camaradas ao pas-
igreja até que conseguiram abatê-la com um sarem para o interior da Normandia. Não
canhão Bofors: “Disseram depois que ela era havia tempo a perder.
a namorada francesa de um soldado alemão
que ele ali tinha deixado com o seu próprio
uniforme e espingarda.
Durante esse longo dia, a enfermeira cana- ISRAEL VIANA SILVA
diana Ruth Muggeridge trabalhava numa ala Jornalista e especialista em história

145
LEÕES
VS.
146
águias
EM CARENTAN
GETTY

Vista aérea de um bimotor


ligeiro A-20 G Havoc Douglas
bombardeiro dos EUA.

147
N
a estratégia da Operação Overlord,
antes do amanhecer do Dia D foi
necessário tomar as pontes à reta-
guarda para evitar que os alemães
enviassem reforços para a costa, bem como
neutralizar as armas localizadas a vários qui-
lómetros das praias. Os homens encarrega-
dos desta perigosa missão seriam também
paraquedistas da 82ª Divisão Aérea e da len-
dária 101ª, cujos heroísmos, especificamente
os da Companhia Easy do 506º Regimento,
narrados pelo historiador Stephen Ambrose
no seu livro Band of Brothers (Irmãos de Ar-
mas), passariam a ser o tema da famosa série
televisiva com o mesmo título. O plano era
que os homens da 82ªassegurassem a cida-
de de Sainte-Mère-Église, cortando a linha
ferroviária que conduzia a Cherbourg, en-
quanto a 101ª deveria retirar os alemães de
Sainte-Marie-du-Mont e apoderar-se depois

ASC
de Carentan, uma pequena povoação de qua-
tro mil habitantes localizada numa posição
estratégica na base da Península de Cotentin, lia. Um batalhão foi estacionado em Caren-
a meio caminho entre Cherbourg e Caen. A tan, outro foi enviado cerca de dez quilóme-
sua tomada era absolutamente vital para os tros a noroeste para Sainte-Mère-Église, e
Aliados, pois a cidade era o ponto de conver- um terceiro tomou posições seis quilómetros
gência das forças americanas após a seguran- a norte em Sainte-Marie-du-Mont. Foi nesta
ça das praias de Utah e Omaha. área que o sucesso da ofensiva dos Aliados no
Consciente da importância de defender a setor ocidental foi decidido.
área, o alto comando alemão decidiu prote-
gê-la enviando o 6º Regimento de Paraque- DUELO DECISIVO
distas, liderado por um veterano comandan- Durante todo o dia 6 de junho, os paraque-
te, Barão Friedrich August von der Heydte, distas da 101ª, conhecidos como as Screa-
que tinha lutado em muitos países: Polónia, ming Eagles, envolveram os homens de Von
França, Creta, Norte de África, Rússia e Itá- der Heydte protegendo as cidades de Sain-
te-Marie-du-Mont e Saint-Côme-du-Mont
no que viria a ser uma batalha feroz. O pró-
prio Von der Heydte ficou ligeiramente fe-
rido no braço e teve de continuar a liderar
as suas tropas com o seu braço imobilizado.
Os alemães acabaram por desistir da defesa
destas aldeias para evitar serem cercados e
rumaram a Carentan. Este retiro momen-
tâneo parecia anunciar uma vitória rápida
para os homens da 101ª, mas nada poderia
estar mais longe da verdade.
O duelo decisivo seria travado em Caren-
tan. Os batalhões alemães empenhados na
defesa das aldeias mais setentrionais fica-
ram esgotados após dois dias de luta inten-
sa, mas Von der Heydte ainda podia contar
com cerca de 6.500 homens para entrin-
cheirar o Carentan e evitar que este caísse
nas mãos dos Aliados.
O terreno era favorável à Alemanha; pa-
ra fazer a ponte de três quilómetros entre
Saint-Côme-du-Mont e Carentan, os para-
ASC

148
August von der Heydte ficou ligeiramente
ferido no braço, pelo que teve de
continuar a liderar as suas tropas com
o seu braço imobilizado

quedistas americanos tiveram de atravessar do a luta desesperada que ali estava prestes
nada menos que quatro rios (Jourdan, Dou- a ter lugar.
ve, Groult e Madelaine). Os alemães tinham A 9 de junho, os americanos realizaram um
derrubado as três primeiras pontes e blo- reconhecimento aéreo, provando a dificul-
queado a última com um “portão belga”, dade de tomar a cidade, o que foi corrobo-
um obstáculo de ferro com peso superior rado por uma patrulha que saiu para explo-
a uma tonelada montado em cilindros de rar o terreno durante a noite. Mesmo assim,
betão. Não havia um caminho alternativo foi decidido lançar o assalto na tarde do dia
claro, uma vez que tinham de atravessar seguinte, 10 de junho, com o apoio da ar-
o largo canal que liga Carentan ao mar de tilharia. O ataque começou de forma pro-
leste, o que era impraticável, e atacar de missora para os homens da 101ª, quando os
oeste significava um longo desvio repleto três primeiros rios foram atravessados, mas
de canais e riachos. Os civis foram evacua- ao chegarem ao quarto rio, ficaram sob fo-
dos de modo a não se meterem no caminho go pesado de metralhadora proveniente de
do que se esperava ser uma defesa dura. uma casa de campo na margem oposta. Só
Finalmente, o ingrediente épico foi forne- às quatro horas da manhã é que os america-
cido por Rommel, que transmitiu a Von der nos conseguiram tomar a ponte e remover
Heydte a ordem de Hitler de resistir “até ao o “portão belga”, e atravessar para o outro
último homem” em Carentan, prefiguran- lado do rio.

Vista da cidade de Sainte-


Mère-Église em 1944.
ASC

149
O paraquedista americano James Flanagan,
ASC

um dos primeiros a fazer aterragens bem


sucedidas no continente, detém uma
bandeira nazi.

Agora podiam atacar a casa de onde os pa- gem a Von der Heydte das linhas america-
raquedistas alemães os atacavam com o seu nas exortando-o a render-se, mas a oferta
som inconfundível e aterrador das MG 42. foi recusada com uma pergunta que confir-
A luta pela casa foi brutal, com tudo desde mava a sua determinação em lutar: “O que
granadas a facas a serem usadas. Eventual- faria no meu lugar?
mente, os atacantes conseguiram tomar o O assalto à cidade começou na tarde após
edifício e silenciar as metralhadoras, mas a captura do campo, após uma prepara-
a um custo elevado em baixas, forçando a ção de artilharia que se esperava amolecer
paragem do avanço para aguardar reforços, os defensores teutónicos, mas teve pouco
constituídos por homens de infantaria da efeito. Cerca de setecentos homens da 101ª
29ª Divisão da Praia de Omaha. começaram o avanço pelas primeiras ruas
Com os paraquedistas americanos agora da aldeia. Bem enraizadas nos edifícios, as
bem estabelecidos na margem sul do últi- Fallschirmjäger estavam preparadas para
mo rio, não havia nenhum obstáculo natu- repelir os americanos tantas vezes quantas
ral que os separasse do centro de Carentan. as necessárias. Estacionados nas janelas,
Mas permaneceu um obstáculo mais in- começaram a disparar as suas metralha-
transponível do que qualquer outro orográ- doras contra qualquer pessoa que tentasse
fico, que era o espírito tenaz de resistência aproximar-se. Os americanos tiveram de se
dos paraquedistas alemães. Para evitar um expor a balas a fim de correrem pela estrada
banho de sangue, foi enviada uma mensa- até às casas de onde os tiros estavam a ser

150
disparados, apenas para acabarem com os escassez de alimentos e munições, o grande
soldados da metralhadora atirando grana- número de feridos, e a impossibilidade de
das de mão através das janelas. continuar a defender Carentan, ele decidiu
Ao cair da noite, apenas 132 soldados ame- nessa mesma noite ordenar um retiro. Pe-
ricanos ainda lutavam; os restantes ou es- rante esta situação, provavelmente apre-
tavam mortos ou tinham sido retirados em ciou o facto de não ter conseguido contatar
consequência de ferimentos graves. Ca- a sede. Assim, deixou cerca de uma cente-
rentan ainda estava a aguentar e não havia na de homens para manter os americanos à
qualquer sinal de que fosse tomado em bre- distância com metralhadoras e morteiros,
ve. Outro avanço foi então feito ao longo da enquanto a maior parte das tropas escapou
rota ocidental, fazendo o desvio acima as- pelo sul, antes de essa estrada ter sido cor-
sinalado, para o sul da cidade. Os alemães, tada e se virem encurralados. Quando os
agora concentrados na defesa do centro da americanos conseguiram finalmente entrar
cidade, já não podiam impedir o envio de em Carentan, já não havia alemães.
tropas Aliadas para a zona circundante. No O 6º Regimento de Paraquedistas tinha luta-
final da tarde de 11 de junho, este movi- do corajosamente em defesa da cidade, um
mento tinha sido concluído e, à ordem de feito que lhes daria o apelido Die Löwen von
ataque, os soldados tentariam conquistar Carentan (“Os Leões de Carentan”). Mas es-
a cidade do sul, cortando a rota natural de te duelo entre leões e águias ainda não tinha
retirada do inimigo, enquanto os restantes terminado. Enquanto se retiravam, Werner
se afastariam do norte. Ostendorff, SS-Brigadeführer, comandando
a 17ª Divisão Panzer Grenadier das SS, apa-
RETIRADA ALEMÃ receu perante Von der Heydte e informou-o
Com a manobra acima descrita, o destino severamente de que estava agora no coman-
dos alemães foi bloqueado, tal como per- do do regimento. Tinha sido enviado para lá
cebeu de imediato Von der Heydte, que não com a instrução de manter Carentan a todo
estava preparado para resistir “até ao último o custo, pelo que deveria ser recapturado.
homem” para agradar ao Führer. Perante a No dia seguinte, 12 de junho, Ostendorff

Manequim do paraquedista
americano John Steele em
Sainte-Mère-Église.
GETTY

151
lançou um ataque à frente das suas tropas, A defesa de Carentan resistía, mas Ostendorff
que tinham chegado de fresco, dando aos já não era um homem disposto a ceder ou a fa-
cansados homens de Von der Heydte algum cilitar as coisas. Assim, a 13 de junho lançou
espaço para respirar. Os americanos, tendo um novo e vigoroso ataque, desta vez com a
tomado Carentan, tinham estabelecido uma adição do regimento de Von der Heydte. Pa-
linha de defesa a uma milha para o sudoeste. recia que a recaptura da cidade de Carentan
Estavam conscientes de que se os reforços era iminente; os alemães já estavam a come-
alemães rompessem e tomassem a cidade, çar a sentir o gosto da vitória. Mas por volta
continuariam a conduzir uma cunha entre das quatro e meia da tarde, quando a situa-
as praias de Utah e Omaha, com resultados ção para os defensores estava mais desespe-
desastrosos. Os alemães fizeram repetidas rada, a 7ª Cavalaria veio em socorro, como
tentativas de atacar a linha, mas foram repe- nos Westerns, mas desta vez foi a 2ª Divisão
lidos, por isso desistiram e tentaram nova- Blindada da Praia de Omaha que apareceu no
mente no dia seguinte com força renovada. último momento. Para deleite dos paraque-

Oficiais do exército alemão e


soldados perto da praia.
GETTY

Ostendorff disse a Von der Heydte


que estava agora no comando do
regimento e da operação

152
distas americanos, chegou com 60 tanques e mentos rápidos levaram ao cerco das tropas
foi acompanhado por mais soldados da 29ª alemãs, mas os homens de Von der Heydte,
Divisão. Carentan estava salva. que se encontravam na aldeia de Coutan-
ces, conseguiram escapar quebrando as li-
AVANÇO SUBSEQUENTE nhas inimigas. A 6 de agosto participaram
O avanço Aliado, alimentado pela contínua no contra-ataque de Mortain, a última vez
chegada de homens e material às praias, que os alemães tentaram tomar a iniciativa
seria imparável. Com o lançamento da na Normandia, mas esta tentativa desespe-
Operação Cobra a 25 de julho, apoiada por rada falhou.
pesados bombardeamentos aéreos, os ame- A 12 de agosto de 1944, o 6º Regimento de
ricanos conseguiram finalmente romper as Paraquedistas foi instruído para deixar a
defesas alemãs, tornando possível que as Normandia. Nessa altura, a batalha já esta-
colunas blindadas avançassem rapidamen- va definitivamente perdida e o único obje-
te para além do terreno difícil. Estes movi- tivo para os alemães era escapar à manobra

153
General Erwin Rommel com um grupo de
soldados armados com uma metralhadora.

GETTY

de cerco que se aproximava de Falaise, que em direcão à capital francesa, Paris, onde
acabaria por apanhar mais de 50.000 tropas. chegaria a 25 de agosto, certificando assim
Os “Leões de Carentan” tinham lutado pra- o sucesso dos desembarques na Normandia.
ticamente todos os dias desde 6 de junho; as
baixas da unidade tinham sido cerca de tre-
zentos homens, mortos, feridos e desapare-
cidos, mas este sacrifício tinha-se revelado JESÚS HERNÁNDEZ
inútil. O exército Aliado já estava a avançar Historiador e jornalista

Mas precisamente quando a situação para


os Defensores estava mais desesperada, a
2ª Divisão Blindada apareceu da Praia de
Omaha.

154
A artilharia autopropulsada alemã prepara-se
para o combate na área de Caen depois de as
forças aliadas terem desembarcado
na Normandia.
GETTY I

A TEMPESTADE DE BRÉCOURT MANOR


Brécourt era uma propriedade a cinco West Point como exemplo de um assalto
quilómetros a sudoeste da praia de a uma posição de artilharia. As três
Utah, onde os alemães tinham colocado primeiras armas foram destruídas pelos
quatro canhões de 105 milímetros. A sua homens da Companhia Easy. Os refor-
tripulação desertou nas primeiras horas ços da Companhia D chegaram então
do Dia D, mas 60 paraquedistas do 6º e lançaram um ataque frontal à última
Regimento foram proteger as armas. Aí arma, desativando-a com sucesso. Além
deviam enfrentar treze homens da Com- disso, foi encontrado um mapa valioso
panhia Easy da 101ª, comandados pelo que mostrava a localização de todas as
Tenente Richard Winters, que tinham posições de artilharia. Apesar do su-
chegado com a missão de apreender cesso da operação, quatro americanos
e destruir as armas, levando consigo a foram mortos no ataque, por vinte ale-
dinamite necessária para o efeito. mães. O Tenente Winters recebeu a Cruz
O assalto à Mansão Brécourt foi bri- por Distinção de Serviço e 17 outras
lhantemente executado, atingindo o seu condecorações foram também distribuí-
objetivo de forma tão eficaz que ainda das entre os protagonistas do assalto.
hoje é estudado na Academia Militar de
ASC

155
The Longest Day (1962), dirigido por Ken Annakin,
Andrew Marton e Bernhard Wicki e protagonizado
por John Wayne, Robert Mitchum, Henry Fonda,
Richard Burton, Sean Connery, Rod Steiger e
Robert Ryan, entre outros.

DESEMBARQUE
156
cinema
ALBUM

no 157
O Grande Ditador (1940), dirigido e
protagonizado por Charles Chaplin.

ALBUM
O
cinema testemunhou a Segun- teries of Cinema (2018), onde desenvolvo
da Guerra Mundial através das estranhas coincidências com outros filmes
lentes das suas grandes câmaras e mais tarde paralelismoss que são consis-
em tempo real, com filmes con- tentes com a própria realidade. Passando ao
temporâneos à guerra. O Grande Ditador Oceano Pacífico, temos de destacar o gran-
(1940) sempre me impressionou como um de John Ford, um realizador que podemos
filme inteligente e intemporal, anunciando definir como o norte da bússola cinemato-
uma mensagem satírica de tragédia através gráfica. O seu pequeno documentário The
da paródia. Uma teatralização que, no en- Battle of Midway (1941) foi um testemunho
tanto, refletia simplesmente a verdade do real dos acontecimentos que se estavam a
momento, o pathos de um regime autori- desenrolar sob fogo inimigo .
tário de imposição contra a liberdade atra-
vés de armas, violência e desumanização. O MORTE NA COSTA GALEGA
discurso de Charles Chaplin perfura o ecrã A sétima arte foi instrumentalizada como
e chega ao espetador de uma forma profun- outro instrumento de guerra, quer para en-
da, clara e concisa. O enunciado torna-se corajar as tropas, quer para encorajar o es-
transcendente e, portanto, já é intemporal: pírito patriótico ou para enviar mensagens
“Neste mundo há lugar para todos, o ca- de força, confiança e medo para o inimigo.
minho da vida pode ser livre e precioso..., Evidentemente, não podemos esquecer to-
vós, o povo, tendes o poder, em nome da dos os filmes gravados para fins de propa-
democracia, usemos esse poder...”. ganda, como Spitfire, em Espanha intitu-
Outro desses filmes feitos durante a pró- lado El gran Mitchell (1942), no qual Leslie
pria guerra, e um dos meus preferidos , é Howard, ator e espião da Coroa Britânica,
Through the Night (1941), estrelado por exaltou a coragem e a tecnologia britânicas
Humphrey Bogart. Um curioso filme em que ridicularizando Goebbels e a sua maldade.
uma quinta coluna nazi é descoberta dentro O ódio profundo do ministro da propagan-
da cidade de Nova Iorque; na grande metró- da nazi foi tal que o mandou matar, e essa
pole, uma organização opera em segredo, é uma das teorias do triste fim de Howard,
preparando ataques e sabotagem. Falo disto que foi abatido por combatentes alemães em
em maior profundidade no meu livro Mys- 1943 ao largo da costa galega, desaparecen-

158
Em The Great Dictator, Charles Chaplin
desempenha os dois papéis principais de um
ditador nazi implacável e de um barbeiro
judeu perseguido
do o seu corpo para sempre (perto de San interessantes: A Cruz de Lorena (1943), do
Andrés de Teixido há uma placa comemo- diretor Tay Garnett, na qual Jean-Pierre Au-
rativa ao lado de uma grande rocha come- mont e Gene Kelly escaparam de um campo
morativa do malfadado ator). Gostaria de de concentração alemão numa França inva-
salientar outros filmes de propaganda, neste dida para se juntarem à resistência. Outra
caso antes da guerra, como o filme alemão obra de nota sobre França é This Land is Mi-
O Triunfo da Vontade ( 1935), um exemplo ne (1943), dirigida por Jean Renoir e prota-
significativo do que viria pouco depois. Ne- gonizada por Charles Laughton, um grande
le podemos ver toda a encenação realizada ator que nos deu um monólogo inesquecível
pelo seu diretor Leni Riefenstahl. E nesta sobre integridade e verdade face à ocupação
breve revisão, antes de passar à França ocu- pela qual todos foram de alguma forma res-
pada, gostaria de destacar o segundo filme ponsáveis:
de Alfred Hitchcock nos Estados Unidos, “A luta é muito dura, não devemos lutar
depois de Rebecca, intitulado Special En- apenas contra a fome e a tirania, devemos
voy ( 1940). Este filme é sobre um jornalista primeiro lutar contra nós próprios. A ocu-
investigador que viaja para a Europa e, uma pação, qualquer ocupação em qualquer
vez lá, alerta para os perigos do fascismo, país, só é possível porque somos corrup-
promovendo a intervenção americana. Na tos...”.
realidade, isto só aconteceria no velho con- Le Corbeau, O Corvo (1943), realizado por
tinente quatro anos mais tarde: os Estados Henri-Georges Clouzot, foi de facto filmado
Unidos entraram na Europa com a invasão em França sob o domínio nazi. Um thriller
da Sicília em julho de 1943, e totalmente de filme noir que, por detrás da sua trama,
com os conhecidos desembarques da Nor- esconde um povo medroso que exerce o seu
mandia. medo da denúncia enraizado nas suas casas.
Conheço muito bem as costas normandas,
“NÃO É COMO NOS FILMES” viajei por elas em mais de uma ocasião e via-
Há filmes sobre a ocupação alemã de terras jei mais de cinco mil quilómetros ao longo
galegas antes do Dia D que são certamente do comprimento e largura da Bretanha e

Irina Demick em O Dia


Mais Longo (1962).

Ginette Leclerc, Liliane


Maigne, Micheline Francey
e Helena Manson em
ALBUM

ALBUM
O Corvo (1943).

159
O filme de propaganda de Leni Riefenstahl
Triunfo da Vontade (1953).
ALBUM

da Normandia. As suas costas exercem um para sempre, naufragados pelo seu próprio
magnetismo especial, respiram um oxigénio destino infeliz.
salgado que emerge do mar e banha as suas Ali, na praia de Omaha, no setor Dog
costas com a espuma do tempo. Ainda hoje, Green, sobrepus o espaço-tempo e enfiei o
Poseidon resgata das suas entranhas alguns meu joelho no chão para recolher areia que
vestígios do desembarque sob a forma de guardo para sempre num simples frasco de
fragmentos enferrujados; memórias de uma vidro. Senti-me como um filme da alma do
guerra que não pesa âncora para que não que poderia ter sido naquela manhã de 6 de
nos esqueçamos das suas lições. Num pas- junho de 1944. Pensei nas palavras do solda-
sado não muito distante, as marés ficaram do Robert Sales da 29ª Divisão de Infantaria,
vermelhas, levando ao mar os batimentos que ecoaram dentro de mim: “Não é como
cardíacos de centenas de jovens quebrados nos filmes com música patriótica a tocar

160
ao fundo, morre-se sujo, assustado, ferido de 1947 e a segunda parte a 16 de abril do
e com dores. É preciso deixá-los ali, não mesmo ano, criando expetativas máximas
se pode movê-los, eles ficam ali deitados que se traduziram em mais de oito milhões
até que os agentes funerários cheguem e os e meio de espetadores. Tinha-se tornado o
apanhem vários dias depois, quando a luta filme francês mais visto depois de A Gran-
tiver prosseguido”. de Ilusão de Jean Renoir( 1937), que tinha
conseguido trazer doze milhões de pessoas
UM SUCESSO DE AUDIÊNCIAS para a bilheteira.
O grande ecrã tentou refletir, frequente-
mente de forma mais heróica do que realis- A NOVIDADE DO CINEMASCÓPIO
ta, as misérias da guerra. Alguns dos filmes 1950 assistiu ao lançamento do Dia D Hora
sobre os quais estou prestes a escrever me- H,uma obra patriótica, simples mas cheia
recem ser recordados, a fim de nos aproxi- de empenho, fraternidade e camaradagem.
marmos desse tempo e de compreendermos Apesar da falta de grandes estrelas, o filme,
melhor alguns dos episódios mais relevantes realizado por Lewis Seiler, foi ganhando
do desembarque. notabilidade e conquistou uma vibrante
Em 1947, foi lançado um filme francês pou- audiência. A estreia em Hollywood foi um
co conhecido intitulado Bataillon du ceil, acontecimento, com tanques na rua, o exér-
realizado por Alexandre Esway, baseado no cito desfilando com a banda em marcha e
livro de Joseph Kessel e protagonizado por centenas de pessoas a juntarem-se para ver
Pierre Blanchar. O enredo centra-se num as estrelas de perto. Os atores chegaram ao
grupo de paraquedistas que saltam sobre a tapete vermelho vestidos com smokings e
Bretanha francesa apenas um dia antes do as atrizes com vestidos de noite e casacos
Dia D. de pele. A multidão aplaudiu entusiasti-
O filme foi dividido em duas partes. As pri- camente e os flashes atravessaram a noite
meiras crónicas descrevem o treino e ins- sob os grandes canhões de luz rotativos que
trução dos soldados, detalhando a prepara- apontavam para o céu. A Warner Bros não
ção para o salto sobre o inimigo. Na segunda se poupou a despesas e fez todos os investi-
parte, o filme centra-se nas atividades des- mentos numa noite para ser lembrada ainda
te grupo de paraquedistas depois de terem mais do que o próprio filme. Estes foram os
aterrado, sabotando o inimigo com a ajuda anos dourados de Hollywood.
de Maquis. Poderíamos chamar-lhe um fil- No Dia D, 6 de junho (1956), apesar do que
me de “minissérie”. Esta fórmula, que foi se possa adivinhar pelo seu título, Henry
utilizada como estratégia para atrair um Koster desenvolve um enredo de amor e
público mais vasto, provou ser um sucesso. desgosto em tempo de guerra, centrando-
A primeira parte foi lançada a 5 de março -se no romance entre o protagonista Parker

A Cruz de Lorena (1943), de Tay


ALBUM

Garnett, estrelado por Jean-Pierre


Aumont e Gene Kelly.

161
A Grande Ilusão ( 1937), de Jean Renoir
e protagonizada por Jean Gabin, Dita
Parlo e Erich von Stroheim.

ALBUM
(Robert Taylor) e Valerie (Dana Wynter). O O dia mais longo é protagonizado por John
Desembarque em si é quase relegado para Wayne, Robert Mitchum, Henry Fonda, Ri-
segundo plano, com o amor como sinónimo chard Burton, Sean Connery, Rod Steiger,
de esperança. O filme foi filmado em Cine- Robert Ryan e muitos outros. A história
mascope, uma novidade naqueles anos, e a centra-se na dificuldade do desembarque
cores com a sua imagem panorâmica ampla e no subsequente desenvolvimento da ope-
e ampliada caraterística. ração à medida que se desloca para o inte-
rior. A narrativa está muito bem estrutura-
UM BONECO NA TORRE DO SINO da e descrita, e desde o início sentimos que
O primeiro filme a focar totalmente as praias se trata de um filme poderoso, com os ru-
normandas e a dureza e dificuldade do de- fos de tambor em muitas das mudanças de
sembarque é The Longest Day (1962). Uma rodagem. É muito instrutivo e coloca cada
obra-prima coral essencial da sétima arte, personagem no seu lugar de uma forma cla-
com um grande elenco de atores, e dirigida ra e descritiva, tornando-se um manual de
em três partes por Ken Annakin, Andrew história que podemos consultar para saber
Marton e Bernhard Wicki, baseada no guião mais sobre o que aconteceu naqueles dias.
de Cornelyus Ryan, um romancista de guerra A preparação para o desembarque é meti-
de grande sucesso (o seu romance sobre o Dia culosa e detalhada, com episódios reais que
D é uma referência para este episódio histó- são certamente interessantes. Gostaria de
rico). Este jornalista de guerra foi também destacar seis deles:
autor de outro romance, A Distant Bridge, -Pela primeira vez vemos no grande ecrã, em
publicado em 1974 e transformado num filme perfeita disposição, a Muralha do Atlântico,
em 1977 por Richard Attenborough . construída por ordem do general e estrate-

Em Saving Private Ryan, os primeiros


vinte minutos do filme são os
mais espetaculares da história
dos filmes de guerra

162
ga alemão Erwin Rommel, dando-nos uma
ideia do que era aquela construção ciclópica
e colocando-nos em ambas as perspetivas de
combate. A praia de Omaha mostra-se im-
ponente com a artilharia apontada para o
horizonte marítimo. E a própria opinião de
Rommel, sempre de peso, não foi atendida
neste caso; o Marechal sabia que a Norman-
dia seria um ponto-chave no desenvolvi-
mento da batalha.
-Uma das instruções de pré-desembarque
dadas pelo Coronel Vandervoort (inter-
pretado por John Wayne) ao Airborne foi a
distribuição dos “sapos”. Estes eram botões
de pressão de metal que faziam um som dis-
tinto e eram a chave para os paraquedistas
aterrarem na Normandia a meio da noite.

ALBUM
Quando as pequenas peças de latão eram
pressionadas, emitiam um ruído que tinha Dia D, 6 de junho (1956), dirigido por Henry
de ser respondido com um som duplo, per- Koster e protagonizado por Robert Taylor,
mitindo que os colegas se localizassem uns Richard Todd, Dana Wynter, entre outros.
aos outros na escuridão total. Este método
teve por vezes consequências terríveis, pois consegue ultrapassar o seu espanto. O seu
era confundido com o som do parafuso das gesto expressivo em resposta à invasão dos
espingardas Kar98k, que também era de du- Aliados é descrito como se segue: “A inva-
plo cano. Os soldados aliados, confiantes de são, eles estão lá, pelo menos cinco mil
que tinham localizado um camarada, avan- navios... é fantástica... a invasão, é fan-
çavam até ao som e eram surpreendidos tástica... diretamente na minha direcão”.
com um tiroteio alemão. -A operacão na praia de Omaha só chega
-O episódio de Sainte-Mère-Église é mui- quase uma hora e dez minutos depois do fil-
to bem narrado, traçando o que realmente me. Aqui vemos a tensão na areia e o caos,
aconteceu quando um paraquedista caiu obviamente não tão detalhada de forma rea-
acidentalmente no pátio de um oficial ale- lista como em Saving Private Ryan (1998),
mão, que acordou apressadamente e calçou mas com um carismático Robert Mitchum
as botas ao contrário, e foi surpreendido e como General Cota, um dos oficiais da mais
feito prisioneiro pelo soldado americano. A alta patente que lutou na linha da frente. O
acão do soldado John Steele é também ade- ator, de forte caráter, que deu o exemplo
quadamente descrita, quando aterrou no (tal como o próprio Norm Cota), foi o pri-
campanário da igreja local e ali ficou pendu- meiro a saltar para a água durante as filma-
rado durante horas. Hoje, em sua honra, há gens quando ouviu as queixas dos soldados
um manequim em tamanho real suspenso no filme porque, segundo eles, a água estava
sobre a torre da igreja em memória de Stee- demasiado fria. Todos eles foram atrás, tal
le, bem como uma placa explicativa e come- como na realdade aconteceu, quando o ge-
morativa. O soldado, interpretado pelo ator neral carregava apenas a sua pistola na mão.
nova-iorquino Red Buttons, embora ferido A admiração dos seus homens foi completa
e subsequentemente feito prisioneiro, con- ao vê-lo dar o exemplo na batalha, avançan-
seguiu sair com vida, escapou e relatou a do e encorajando os seus homens.
história. Sem dúvida uma das mais curiosas -A operação em Pointe du Hoc (quando
anedotas da Operação Overlord. a vi pessoalmente pela primeira vez, fi-
-Nas praias normandas, uma das imagens quei muito impressionado com o terreno
mais significativas do filme é a cara de sur- impregnado de marcas de projéteis) está
presa do Major Werner Pluscat alemão da muito bem reconstruída; o filme transmite
352ª Divisão de Artilharia, um oficial in- perfeitamente a ação dos Rangers a subir os
terpretado pelo ator Hans Christian Blech. penhascos. O Coronel Rudder comandou a
O major, olhando para fora do seu bunker sua equipa e eles conseguiram um feito de
de observação para os milhares de navios sacrifício e sofrimento. Após o fim da guer-
no horizonte que se aproximam dele, não ra em 1953, James Rudder voltou à Pointe

163
du Hoc com o seu filho de catorze anos e grandes planos que lembram a Cruz de Ferro
disse-lhe no local: “Fizemos ali mesmo o de Sam Peckinpah (1977), a cena da criança
nosso primeiro prisioneiro alemão. Era nos seus braços ou a cena do enorme Cristo
um rapazinho com sardas que se parecia crucificado de madeira são alguns deles. Es-
com um rapaz americano como tu. Havia te último foi imitado pelo realizador Quentin
mais soldados alemães na área, por isso Tarantino em The Hateful Eight (2015), com
avançámos com o rapaz na linha da frente um grande paralelismo com o crucifixo ne-
para os tirar do esconderijo. De repente, vado no início do filme.
saíram e abriram fogo, e o rapaz foi morto Saving Private Ryan (1998) está entre os
ao cair com as mãos ainda na parte de trás meus filmes favoritos e é provavelmente um
da cabeça. dos melhores filmes de guerra de todos os
tempos. Os primeiros vinte minutos do filme
VAMOS APRENDER COM O CINEMA são, na minha opinião, os mais espetaculares
Embora possa ser classificado como um fil- da história dos filmes de guerra.
me B, o filme de baixo orçamento One Red, É verdade que a verdadeira história dos ir-
Shock Division (1985), dirigido por Samuel mãos Niland serviu de cenário para desenvol-
Fuller, que esteve envolvido no Dia D, tem ver o enredo do filme, com o Ryan fictício ins-
ritmo e um desenvolvimento interessante. pirado por eles. Lembro-me de caminhar en-
O enredo centra-se num pelotão de cinco tre as cruzes brancas luminosas no cemitério
homens liderado pelo ator Lee Marvin, com de Colleville-sur-Mer e de cruzar as cruzes de
Robert Carradine e Mark Hamill entre os Robert e Preston Niland, que morreram a 6 e
seus membros. Em certos aspetos técnicos, 7 de junho de 1944 e irmãos de Frederick, que
o filme não envelheceu muito bem (mortes é a inspiração para a personagem interpreta-
pouco credíveis, atores questionáveis ou ce- da por Matt Damon. A abertura emocional e
nas de ação mal trabalhadas). No entanto, a elíptica com que o filme também termina é
crueza do enredo e do desenvolvimento con- sem dúvida inspirada por esta história verda-
tém momentos difíceis de esquecer: a castra- deira. Havia um quarto irmão, Edward, que
ção de um soldado quando pisa uma mina, os desapareceu na Birmânia quando o seu avião

Saving Private Ryan (1998), de


ALBUM

Steven Spielberg, com Tom Hanks,


Matt Damon, Tom Sizemore,
Edward Burns e Vin Diesel.

164
A série de televisão
Irmãos de Armas (2001).

ALBUM
foi abatido, pelo que se pensou que apenas dos soldados a brincar enquanto separam as
apenas Frederick teria sobrevivido. Para evi- chapas de identificação dos soldados mortos
tar que uma geração inteira da mesma família e são observados por homens feridos a pas-
morresse, o soldado Niland recebeu a missão sar por eles. Memorável também é o solda-
de salvá-lo e trazê-lo para casa. do Jackson, interpretado por Barry Pepper,
Grande parte da sua atitude reflete-se no fil- orando enquanto ele dispara como um atira-
me quando Matt Damon quer continuar a lu- dor furtivo: “Bendito seja o Senhor, minha
tar quando ouve a notícia, querendo ficar com pedra que treina as minhas mãos para a
os seus camaradas e não regressar a casa. guerra e os meus dedos para a batalha, meu
Felizmente, e contra todas as probabilidades, amor e meu baluarte, minha cidadela e meu
Edward sobreviveu à queda do seu B-25 por libertador, meu escudo, nele me refugio”.
paraquedismo, sendo subsequentemente Ao longo da história, o cinema tem refletido
capturado pelo exército japonês e libertado de diferentes pontos de vista esse dia-chave
quando a guerra terminou. Assim, dois dos para o futuro e o desenvolvimento da própria
quatro irmãos Niland sobreviveram: Frede- humanidade. A democracia é o caminho para
rick e Edward. a liberdade, e para chegarmos à construção
O magnífico filme de Steven Spielberg dei- dos nossos dias devemos recordar que mui-
xa-nos com uma encenação que é tão ex- tos jovens derramaram o seu sangue para que
traordinária como brutal, com um realismo hoje possamos simplesmente ir votar.
avassalador. As imagens do desembarque são Mas não foi só o cinema que expôs o desem-
inesquecíveis, assim como o momento ma- barque através de filmes mais ou menos em-
ravilhoso antes da batalha na aldeia em ruí- blemáticos; a televisão também o fez. Neste
nas, quando, nessa espera tensa, um disco da sentido, considero Blood Brothers (2001),
grande Édith Piaf toca. baseado no romance do mesmo título de
Tom Hanks, como Capitão John Miller, dei- Stephen Ambrose e com Tom Hanks como
xa-nos com uma linha sublime para recor- um dos seus diretores e produtores, a série
dar: “Cada centímetro desta praia é um al- mais representativa de cada um dos diferen-
vo. Se ficar aqui, é para morrer”. Também, tes episódios da Segunda Guerra Mundial na
quando lhe perguntam sobre a sua vida civil, Europa desde o Dia D. Mas não esqueçamos
ele diz: “Vou guardar isso para mim”. Por que, como o soldado Robert Sales, que viu
outro lado, Tom Sizemore interpreta o leal e morrer tantos dos seus camaradas, disse: “A
empenhado Sargento Michael Horvarth, ex- guerra não é como nos filmes”. Aprendamos
pressando o seu espírito de bravura e sacri- com ele graças ao cinema, que é um meio di-
fício até ao fim. Um detalhe que sempre me dático que até nos ensina a viver.
lembro é que o sargento recolhe areia num
barco dos locais onde lutou, escrevendo de
onde veio. MIKEL NAVARRO
Outro momento inesquecível é a cena fria Jornalista e especialista em História

165
166
SHUTTERSTOCK

167
WIKI

A
Segunda Guerra Mundial contou heróis veteranos da famosa batalha, que
também com a banda desenha- revelam ser Willie e Joe. Através do “Camp
da como um dos recursos do lado Newspaper Sevice” (CNS), o Exército dos
Aliado. O próprio exército ameri- EUA também publicou caricaturistas civis
cano publicou revistas que incluíam bandas que queriam contribuir para o esforço de
desenhadas com os recrutas como persona- guerra com bandas desenhadas que torna-
gens principais. O exército alistou grandes riam o serviço das tropas mais suportável, e
artistas como George Baker, autor da popu- distribuiu estes trabalhos através de vários
lar banda desenhada Sad Sack, e um jovem e jornais militares. A mais importante destas
desconhecido Bill Mauldin, criador dos dois contribuições foi a Chamada Masculina de
mais populares soldados de ficção, Willie e Milton Caniff (1943-1946) .
Joe. A sua protagonista é a Miss Lace, uma espé-
Mauldin e o companheiro de guerra Charles cie de pin-up que usa decotes mergulhan-
Schulz juntaram forças em 1998 para come- tes e saias apertadas para o deleite de uma
morar o 54º aniversário do Dia D e produ- tropa que está habituada a observá-la mais
ziram conjuntamente Peanuts, a famosa de perto do que os seus adversários alemães.
banda desenhada com Snoopy, Charlie e O exército britânico também tinha uma
companhia. A popular mascote caminha personagem semelhante chamada Jane Gay,
através da areia da praia de Omaha usan- criada por Norman Pett para o tablóide bri-
do um capacete militar para saudar dois tânico The Daily Mirror, em 1932 .

Snoopy a felicitar
os soldados Willie
e Joe no Dia dos
Veteranos.
WIKI

168
WIKICOMMONS

Esta loira britânica ganhou popularidade ção britânica ironizava, hesitando em dar
graças às sucessivas situações que resulta- crédito pelo aumento das vendas às exce-
vam numa perda oportuna de grande parte lentes notícias militares ou à ousada banda
do vestuário que usava. Mas o auge do seu desenhada do jornal.
sucesso foi alcançado durante a Segunda
Guerra Mundial, quando as suas aventu- SUPER-HERÓIS DE BANDA
ras se deslocaram da cidade para a frente. DESENHADA ENVOLVEM-SE
O jornal orquestrou uma campanha publi- A 27 de fevereiro de 1940 , a revista Look
citária e contratou Chrystabel Leighton- publicou uma curiosa aventura intitulada
-Porter para posar como modelo real de “Como o Super-Homem acabaria a guerra”,
Jane das histórias de Pett. As fotos dos dois na qual o Kryptoniano voou para Berlim e
a trabalhar juntos foram um enorme su- Moscovo e, agarrando Hitler e Estaline pe-
cesso; Leighton-Porter tornou-se uma das la couraça dos seus uniformes, voou pelos
pin-ups mais bem sucedidas, chegando céus até à sede da Liga das Nações em Ge-
mesmo a protagonizar um Music Hall da nebra, onde os depositou para julgamento.
personagem em digressão por várias ba- Esta ação não passou despercebida aos Ale-
ses militares. O próprio Churchill fez eco mães. A 25 de abril de 1940, a Schwarze
do sucesso da personagem, referindo-se a Korps, a revista semanal das SS, publicou
Jane como “a arma secreta britânica para um artigo intitulado “Ataques de Siegel”,
vencer a guerra”. A 7 de junho de 1944, o descrevendo o autor de banda desenhada e
tablóide britânico abriu a página inteira criador do Super-Homem como “um judeu
com a notícia dos esperados desembarques inteletualmente circuncidado, criador de
na Normandia, e Pett decidiu celebrar dese- uma personagem inexpressiva com um fato
nhando o primeiro nu completo de Jane na de banho vermelho e a capacidade de voar
sua faixa diária. através do éter” .
No mesmo dia, o jornal quase triplicou as Evidentemente, a resposta nazi não dissua-
suas vendas habituais, e a eufórica popula- diu o caricaturista de apoiar a causa Aliada,

Uma personagem inexpressiva com


um fato de banho vermelho e a
capacidade de voar através do éter.
169
Página 10 da edição
1 de Mythos, Captain
America (2008), de
Paolo Rivera.

e durante toda a guerra ele publicou inú- portante em manter o moral elevado e di-
meras bandas desenhadas do Super-Ho- vertido, tanto nos lares das crianças ameri-
mem lutando ao lado dos soldados. O seu canas como no quartel cheio de jovens re-
compromisso com o lado Aliado foi tal que crutas que lêem assiduamente estas bandas
numa das suas aventuras mostra o Homem desenhadas.
de Aço a encorajar a população a comprar Escusado será dizer que os desembarques
títulos de guerra para ajudar a cobrir os da Normandia não puderam aparecer nestas
custos do conflito. bandas desenhadas, uma vez que se tratava
Claro que, após o bombardeamento de Pearl de uma operação secreta. Mas após a guer-
Harbor, a relação entre a banda desenhada ra, e com o Dia D consagrado na imaginação
dos super-heróis e a Segunda Guerra Mun- popular como o ato heróico por excelência
dial intensificou-se, criando uma pletora de da guerra, muitos argumentistas decidiram
novos super-heróis cuja principal missão relacionar o super-herói cujas histórias es-
era combater o inimigo nacional-socialista
ao lado das tropas americanas.
As duas personagens mais conhecidas con-
cebidas para este fim, e que ainda hoje so-
brevivem, foram a Mulher Maravilha e o
Capitão América. Os uniformes de ambos
são diretamente inspirados pela bandeira
americana, e ambos rapidamente se torna-
ram verdadeiros ícones destacando o espí-
rito patriótico americano.
Outros heróis semelhantes que agora estão
esquecidos incluem Yankee Doodle Jones,
American Crusader, Star-Spangled Kid e
o seu corpulento lateral Stripesy (vestidos
com as estrelas e riscas da bandeira, res-
petivamente), e as heroínas Yankee Girl e
Liberty Belle .
Todos eles desempenharam um papel im-

170
creveram com esta mítica inspiração militar. objetivo era empenhar-se numa revisão
Assim, por exemplo, na edição 109 do profunda, embora se possa dizer um pro-
Capitão América (1969), o membro herói cesso de mitologização e idealização, da
de Os Vingadores recorda, juntamente com Segunda Guerra Mundial em geral e do
Nick Fury, o seu papel no desembarque. E Dia D em particular. Desta forma, a guer-
recentemente, o Dia D reaparece na aven- ra tornou-se a última guerra justa e nobre.
tura Mythos, Capitão América nº 1 (2008) . Assim, por pura comparação, a banda de-
Outro caso interessante é o Wolverine Vol. senhada pode dar-se ao luxo de mostrar
2 no. 34 (1990), no qual Logan, o popular guerras posteriores, como as da Coreia ou
personagem Wolverine dos X-Men, tam- do Vietname, num espírito mais crítico e
bém evoca esse grande dia, no qual ele par- muito menos maniqueísta.
ticipa como membro do 1º Batalhão de Pa- O astuto Harvey Kurtzman foi o primeiro
raquedistas canadiano que desembarca nas a reviver o género de guerra na época da
praias da Normandia. Guerra da Coreia (1950-53). O conhecido

BANDA DESENHADA DE GUERRA


E DIA D NO TEMPO DA GUERRA
DO VIETNAME
Não consigo pensar em nada mais oposto ao
Dia D do que a Guerra do Vietname (1955-
1975). Se o desembarque na Normandia é
um feito que ainda hoje é comemorado com
as mais altas honras militares e políticas, a
guerra na península da Indochina é basi-
camente uma ferida aberta que os Estados
Unidos tentam esquecer por todos os meios
possíveis.
A banda desenhada trata mais uma vez da
guerra, desta vez de duas maneiras. Por um
lado, lançou toda uma série de coleções de
temas de guerra com o objetivo de reacen-
der o espírito patriótico do povo americano,
tal como tinha feito em conflitos armados
anteriores. E, ao mesmo tempo, começou
a introduzir críticas mais ou menos vela-
das nas suas histórias sobre a intervenção
na guerra, aproximando-se das vozes que
acabariam por clamar pela saída do país do
conflito.
A forma mais fácil de alcançar este duplo

171
armas Dum-Dum. A editora DC fez a mesma
coisa, e optou pelo género de guerra com a
coleção Our Army at War (1959), protago-
nizada pelo popular Sgt. Rock. Embora o seu
campo de operações habitual se situe nas
frentes italiana e norte-africana, há uma
aventura intitulada “Eu estava aqui antes!”
(1980) em que é transferido para participar
nos desembarques na Normandia.
Outro exemplo, ainda mais óbvio, foi o
da editora Charlton e da coleção do Dia D
(1963), que se centrou especificamente nas
diferentes ocorrências que tiveram lugar
durante esta operação militar. No entanto,o
trabalho mais interessante lançado por esta
editora foi The Guys in the Foxhole ( 1954),
cuja particularidade reside no facto de nar-
rar as histórias contadas por veteranos de
guerra. É um título que, em certa medida,
evita a idealização da guerra para mostrar
que um conflito bélico é algo bastante dife-
rente do que tínhamos lido em banda dese-
nhada até à data.
A capa do número 1, do grande artista de
banda desenhada Jack Kirby (futuro criador
do Universo Maravilha), refere-se ao Dia D
e apresenta ironicamente a essência desta
coleção: Kirby esteve na Normandia (embo-
ra tenha chegado duas semanas após o de-

criador da revista MAD escreveu toda uma


série de histórias de tipo militar para E.C.
Comics, incluindo Marea (março-abril de
1953), que narra o heroísmo de um coman-
do de demolição da Marinha dos EUA que,
na vanguarda do desembarque na praia de
Omaha, deve abrir uma brecha nas defesas
nazis através da qual o resto das tropas po-
de avançar.
No entanto,este fenómeno não assumiu to-
da a sua dimensão até ao início da Guerra
do Vietname, altura em que as principais
editoras de banda desenhada criaram no-
vas coleções dedicadas a este género. Todos
eles têm em comum que os seus protagonis-
tas começam as suas carreiras militares na
Segunda Guerra Mundial e, naturalmente,
participam na mais gloriosa das suas ações
militares, os desembarques da Normandia.
Assim, por exemplo, a Marvel criou a co-
leção de guerra Sgt. Fury and His Howling
Commandos (1963), cujo número 2 relata
a participação deste grupo do exército nos
desembarques na praia de Omaha, e o nú-
mero 59 retoma o tema centrando-se no
braço direito de Fury, o seu companheiro de

172
sembarque para servir em Caen) e viu com famosos personagens de banda desenhada
os seus próprios olhos os restos das defesas do género, o Sargento Rock.
nazis, assim como os vestígios do recente
conflito. Esta imagem deve ter-se gravado DIA D NO PRESENTE
na sua retina, levando-o a recriar a praia de Há vários trabalhos recentes sobre o fatídi-
Omaha na capa desta banda desenhada. co Dia D. Os amantes da estratégia militar
Aí vemos um soldado ferido após a agres- apreciam a saga da Operação Overlord (VV.
são do Dia D a escrever à sua mãe para lhe AA., 2014-2019), o nome de código após a
dizer que está bem. Com amor filial e dese- Batalha da Normandia. Em cada um dos
jando poupá-la aos horrores da guerra que seus primeiros cinco volumes, desenvol-
só quem a viu de perto sabe, mente que “a ve-se uma das suas principais operações
guerra é como um piquenique, pois desfru- militares.
támos de um dia na praia”. Assim, o primeiro álbum, intitulado “Sain-
Esta imagem tornou-se um ícone do géne- te-Mère-Église”, centra-se na libertação
ro guerra e também do movimento anti- da aldeia normanda de Sainte-Mère-Église.
-guerra nascente nos desenhos animados. A segunda, intitulada “Praia de Omaha”,
Esta é a fonte de inspiração utilizada pelo conta a história do desembarque na Praia
argumentista Diego Rosales Galiñanes e pe- de Omaha. O terceiro volume trata de parte
lo cartoonista Stephen B. Scott para a ilus- da operação de Tonga, especialmente, co-
tração criada especialmente para os leito- mo o título especifica, a captura da “bateria
res de MUY Historia, que serve como uma Merville”. “Commando Keiffer” é o título
sincera homenagem à banda desenhada de do quarto volume e reflete o papel desem-
guerra deste período. Inclui outro dos mais penhado pelo 1º Bataillon de Fusiliers Ma-

A caraterística especial de “the guys in the


foxhole” é que relata histórias contadas
por veteranos que lutaram na guerra
173
rins Commandos, o batalhão criado pelos desempenhado pelo espião duplo espanhol
franceses livres no Reino Unido em 1942, Joan Pujol, que consegue fazer crer aos na-
comandado pelo Tenente Comandante Phi- zis que o ataque à Normandia foi apenas
lippe Kieffer, que foram os únicos repre- uma distração da verdadeira ofensiva que
sentantes franceses a pôr os pés nas praias chegaria pouco depois através do Estreito
normandas . de Calais.
Finalmente, o quinto volume, intitulado Outra banda desenhada muito interessan-
“Pointe du Hoc”, trata da captura da bate- te é La noche del Día-D (2010), de Gerardo
ria no topo do penhasco íngreme que sepa- Balsa e Philippe Zytka, publicada pela Coe-
ra as praias de Omaha das praias de Utah. ditum, que narra a participação militar dos
Existe um álbum intitulado “Une nuit au milhares de paraquedistas que, na noite de
Berghof”, publicado em francês mas ain- 5 de junho de 1944, foram largados sobre a
da não publicado em inglês. Centra-se nas Normandia para se prepararem para o que
reações aos desembarques do Reich na Nor- seria, horas mais tarde, o maior desembar-
mandia, especificamente do centro de co- que da história.
mando alemão no chalé de Hitler, nos Alpes Embora, sem dúvida, o meu favorito seja
da Baviera.
Narra as horas cruciais da reação do lado
nacional-socialista às notícias do desem-
barque, destacando todos os erros que
foram cometidos na cadeia de comando
do exército alemão, ao mesmo tempo que
coloca na cronologia dos acontecimentos
as operações militares narradas nos cinco
álbuns anteriores.
Quem desejar abordar este assunto em es-
panhol pode recorrer às páginas de Don Ju-
lio no Dia D da série Deshechos históricos
( 2020). Deck da praia
Com grande sentido de humor, mas basea- de Omaha, 6 de
do em excelente documentação, analisa junho de 1944.
a receção da notícia do desembarque pelo
alto comando alemão, incluindo o papel

Para Robert Capa, as guerras não foram


travadas apenas no campo de batalha,
mas também em jornais e revistas
174
a Praia Omaha, 6 de junho de 1944 (2018), de uma forma única a dureza e o perigo que
de Jean-David Morvan, Séverine Tréfouël e acompanham este tipo de trabalho fotográ-
Dominique Bertail, publicado em Espanha fico, em que a melhor fotografia é consegui-
pela Diábolo Ediciones. Esta banda dese- da por estar o mais próximo possível da ação
nhada é o resultado de uma interessante Mostra também algo que Capa sempre sou-
colaboração entre a Agência Francesa Mag- be: as guerras não são travadas apenas no
num Photos e a editora belga de banda de- campo de batalha, mas também em jornais
senhada Dupuis. e revistas. Neste campo, as suas imagens
As suas páginas contam a história das ima- fotográficas tornam-se verdadeiros ícones
gens conhecidas como “As 11 magníficas”; para o lado Aliado.
ou seja, as únicas fotografias tiradas in situ A edição espanhola desta banda desenhada
nos desembarques da Normandia na praia inclui também um álbum com as fotogra-
de Omaha, que devemos àquele mestre da fias tiradas pelo autor na Praia de Omaha,
câmara e correspondente de guerra Robert vários artigos sobre a figura do fotógrafo,
Capa. sobre as imagens acima mencionadas ti-
Esta banda desenhada não se concentra no radas no Dia D, e mesmo um artigo sobre
desembarque em si, mas no trabalho do fo- a busca da identidade do soldado na mais
tógrafo de guerra, permitindo-nos apreciar icónica destas fotografias que Capa tirou de

175
auxílio e os ajudaram. No entanto, os nazis
tomaram consciência da sua presença e o
pequeno número de soldados foi forçado
a escavar e a enfrentar as tropas nazis em
grande número. A sua esperança: tentar
aguentar enquanto se aguarda a chegada
das tropas Aliadas desembarcadas na cos-
ta, o que só aconteceu seis dias mais tarde.

DISTOPIAS NAZIS
Há também abordagens interessantes ao
Dia D através da criação de ucronias. Na
ficção, a nona arte imaginou em várias oca-
siões o inimaginável: um mundo em que o
desembarque na Normandia é um estron-
doso fracasso para os Aliados e, como re-
sultado dessa derrota, a história toma um
rumo muito diferente daquele que todos
conhecemos hoje.
Um bom exemplo encontra-se no volume
3 da banda desenhada D-Day, Paris Soviet
Sector (1993), de Fred Duval, Jean-Pierre
Pécau e Gaël Séjourné. Neste álbum, a 6 de
junho de 1944, uma tempestade sem prece-
dentes irrompe quando os Aliados tentam
chegar às praias normandas. Em apenas
algumas horas, foram totalmente infrutífe-
ros, de modo que a grande ofensiva contra
a Alemanha começou três meses mais tarde
na costa da Provença. Mas os nazis já esta-
vam prevenidos, e o avanço dos Aliados em
cócoras ao lado das tropas que resistiam ao direção à capital estagnou em Lyon.
intenso fogo nazi. Como é sabido, apesar Este atraso permitiu que o Exército Verme-
da sua meticulosa preparação, nem tudo lho de Yossif Stalin libertasse Paris sem a
correu como planeado para os Aliados na ajuda de qualquer outro poder militar, e só
Operação Overlord, e o cómico Six Days: os russos puseram fim à guerra.
The Incredible Story of D-Day’s Lost Chap- Assim, após as capitulações do Reich, foi
ter (2018) decide olhar mais de perto para Paris, não Berlim, que foi dividida em duas
um dos maiores erros que foram cometidos no Sena. A Guerra Fria começa e instala-se
nesse dia. na capital francesa.
Escrito por Robert Venditti, cujo tio era um Outro exemplo interessante é a saga Wun-
dos soldados envolvidos na operação fa- derwaffen (2012-2020), escrita por Richard
lhada, conta a sua história e a dos outros D. Nolane e ilustrada por Maza.
179 paraquedistas que foram erradamente Como é bem sabido, após os desembarques
largados na noite do Dia D 15 milhas a su- dos Aliados na Normandia, a Alemanha
deste do seu alvo - ou seja, muito atrás da iniciou um lento mas inexorável recuo. Pa-
linha costeira, bem no coração do território ra manter vivo o espírito de vitória, o Dr.
ocupado pelas forças inimigas. Felizmente, Goebbels cria e difunde o conceito da Wun-
os soldados desembarcaram perto da aldeia derwaffen, ou “armas milagrosas”, cuja su-
de Graignes, onde os aldeões vieram em seu posta eficácia militar daria a volta à guerra

Depois das capitulações do Reich, Paris


foi dividida em duas. A Guerra Fria
começa na capital francesa
176
Capa de Six Days: The
Incredible Story of D-Day’s
Lost Chapter (2018).

e acabaria por levar a Alemanha à vitória. Normandia. De pé na praia, com os navios


Mas o rápido avanço dos Aliados obriga o aliados em decadência na costa como teste-
Terceiro Reich a investir todos os seus re- munhas mudas da sua derrota, grita: “Nas
cursos na produção do armamento conven- praias onde a natureza destruiu o inimigo
cional necessário para fazer face às tropas há dois anos, saibam que a ala armada do
em solo europeu, pelo que a maioria destes Reich será doravante chamada: Wunder-
novos projetos é cancelada. waffen”; e os primeiros protótipos dos no-
O argumentista Richard D. Nolane imagina vos bombardeiros intercontinentais Hor-
uma história que irá encantar os fãs da avia- ten H. XVIII são vistos a sobrevoar o palco
ção militar, na qual os Aliados não conse- montado para a ocasião.
guem aterrar na Europa, dando aos alemães
tempo para desenvolverem toda uma nova
tecnologia. ASIER MENSURO
Nesta ucronia, a 6 de junho de 1946, Jose- Historiador de Arte, especialista em Cinema e
ph Goebbels apresenta as novas armas na Banda Desenhada

177
DO10DESEM
chaves para

178
MBARQUE
decifrar a batalha
SHUTTERSTOCK

179
Soldados a prepararem a

WIKICOMMONS
operação Market Garden,
no Estuário do Escalda.

N
o dia 4 de fevereiro de 1944, al- guerra sem esperança. “As tropas estão a
guns meses antes do desembarque lutar heroicamente, mas esta luta desigual
na Normandia, George Orwell es- está a aproximar-se do seu fim”, escreveu
creveu numa coluna do Tribune: Rommel a Hitler a 15 de julho. A Operação
“A história é escrita pelos vencedores”, em- Overlord colocou o último prego no caixão
bora, no final, a verdade emerge sempre, e de um regime que tinha perdido a iniciativa
prevalece. e que, até à sua capitulação a 8 de maio de
1945, apenas resistiu - com uma vontade e
I. SIGNIFICOU O FIM DO HITLER? energia inauditas, claro - enquanto cidades
Foi a invasão da União Soviética, com o como Dresden queimavam em imensas pi-
“General Winter” em Estalinegrado, que ras. Surdo aos conselhos e cego às provas,
precipitou o fim de Hitler. O desfile da vi- Hitler estava a colocar a salvação do Rei-
tória pelas ruas de Paris a 25 de agosto de ch em “armas milagrosas” que mudariam
1944 encerrou indiscutivelmente o hiato o curso da guerra, com os V2 a liderar o
aberto pela Operação Barbarossa três anos caminho. Mas, nessa altura, nada poderia
antes. Na altura, a Wehrmacht era um cor- impedir a reconquista da Europa.
po sem vida e mesmo em certa medida pre-
visível, ainda bem blindado (tinha perdido II. FOI O ÚLTIMO DESEMBARQUE
“apenas” vinte divisões em Estalinegrado), NA EUROPA?
mas com sérios problemas de abastecimen- O princípio da incerteza rege todas as ba-
to, e, claro, com uma Marinha e Força Aé- talhas e nenhuma estratégia pode prever o
rea que tinha visto dias melhores. O ataque seu resultado. Todos os recursos humanos
a Hitler em Wolf’s Lair, o seu quartel-ge- e técnicos podem ter sido insuficientes no
neral de comando a leste de Rastenburg transe de atravessar o Canal da Mancha ou
(Polónia), a 20 de julho de 1944, revelou de pôr os pés nas costas de França. Numa
o cisma entre o Führer e partes do esta- escala menor, os desembarques na Sicília
belecimento militar. Era o Verão em que e a Operação Avalanche em Salerno entre
Rommel, o comandante nivelado das for- julho e setembro de 1943 lançaram as bases
ças alemãs na Normandia, e o Marechal de para esse sucesso, mas na memória dos seus
Campo Günther von Kluge caíram em des- promotores, a catástrofe de Dieppe, onde a
graça depois de avisar o seu comandante, 19 de agosto de 1942 os canadianos e os bri-
ativa e passivamente, do sacrifício de uma tânicos foram varridos do mapa pelos nazis,

180
III. ALIADOS... E RIVAIS
Tanto a Operação Overlord como a Ope-
ração Neptune, a sua contraparte naval,
foram planeadas pelo General britânico
Bernard Law Montgomery e pela Marinha
Real, respetivamente, embora o seu líder
supremo fosse o General americano Dwight
D. Eisenhower. É certo que a coordenação
das forças anglo-americanas deixou muito a
Henri Giraud, Franklin Delano desejar. A sua superioridade em terra, mar e
Roosevelt, Charles de Gaulle e
ar era evidente desde o início, mas em terra,
Winston Churchill na Conferência
alguns dos seus generais eram individualis-
de Casablanca.

GETTY
tas. Speidel, chefe de gabinete de Rommel
entre abril e junho de 1944, salientou que a
guerra poderia ter terminado nesse ano se
estava ainda fresca na mente daqueles que o inimigo não tivesse desperdiçado tantas
a promoveram. A Normandia foi o desem- oportunidades. Entre eles, citou a sua in-
barque mais colossal da história, mas não capacidade de atravessar a frente do Sena
foi a última da guerra no Velho Continente. depois do episódio Falaise, quando milha-
A Operação Dragoon, inicialmente chama- res de soldados alemães do 7º Exército e do
da Operação Anvil, aliviou a pressão sobre 5º Exército Panzer foram cercados nas pro-
a Normandia no sudeste da França, entre ximidades da cidade da Baixa Normandia.
as costas de Nice e Marselha, a 5 de agosto Cerca de 20.000 conseguiram fugir devido
de 1944, sancionando no processo a perícia à falta de jeito de Montgomery ao instar as
dos Aliados em operações anfíbias. E havia tropas americanas a parar, deixando assim a
ainda outros desembarques, tais como os porta do alçapão aberta. O Marechal da For-
efetuados durante a batalha do estuário do ça Aérea Arthur Coningham disse de forma
Escalda entre a Bélgica e a Holanda, ou no categórica: “Monty ajudou os alemães a es-
próprio Reno, que os Aliados atravessaram capar. Ele queria assumir sempre o coman-
em março de 1945. do e impediu os americanos de avançarem

Fernand de Brinon, um
simpatizante nazi francês,
com oficiais alemães,
incluindo o Chefe de
Gabinete Hans Speidel.
GETTY

“Ainda há dois tipos de pessoas na praia,


os mortos e aqueles que vão morrer”

181
onde o grupo passou, não
muito longe da Bayeux no
departamento de Calva-
dos, tinha sofrido pouco
com os efeitos da ocupação
alemã: as culturas tinham
bom aspeto e o gado estava
bem alimentado. A esposa
Chefe de Gabinete Alan do Presidente da Câmara
Brooke e o General polaco de Montebourg, na Baixa
Wladyslaw Sikorsk. Normandia, disse o se-
guinte: “Algumas pessoas
celebram os desembarques,
mas para mim foram o iní-
cio do nosso infortúnio.
Sofremos uma ocupação,

GETTY
mas pelo menos tínhamos
o que precisávamos. A 7
de julho, a Royal Air For-
para norte. Nem a Operação Goodwood, ce lançou 2.500 toneladas de bombas sobre
entre 18 e 20 de julho, compensou os Alia- Caen, tirando a vida a cerca de 350 pessoas,
dos. Quando Eisenhower foi informado de um ultraje considerando que três quartos da
que o herói de El Alamein tinha detido os população já tinha fugido da cidade. Duran-
seus blindados, gritou enraivecido que as te a campanha da Normandia, quase 20.000
sete mil toneladas de bombas significavam civis pereceram, e outros 15.000 nos meses
apenas um avanço de sete milhas. “O seu
comportamento constituiu um desastre
diplomático de primeira magnitude”, con-
cluiu o historiador Antony Beevor no Dia D
(Crítica, 2009). Para além da Normandia,
as relações entre Roosevelt, Churchill e de
Gaulle (“um ditador em formação”, na opi-
nião do presidente americano) eram quase
sempre tensas e desconfiadas.

IV. ACOLHEMO-LO COM ALEGRIA?


O Chefe de Gabinete Imperial, Alan Fran-
cis Brooke, registou nos seus Diários de
Guerra as suas impressões da sua passagem A aldeia de Oradour-sur-Glane,
por França nas fases iniciais da Batalha da abandonada.
Normandia a 12 de junho de 1944. Com ele
SHUTTERSTOCK
viajava nada menos que o
primeiro-ministro Winston SHUTTERSTOCK

Churchill, que conversou


com Montgomery e recebeu
informações em primeira
mão sobre os seus planos.
Contra a alegria popular re-
criada pelo cinema, Brooke
descobriu que “a população
francesa não parecia mui-
to feliz por nos ver chegar
como um país vitorioso e
libertador. Estavam bas-
tante felizes como estavam;
trouxemos guerra e desola-
ção ao seu país. A área por
Edifícios arruinados em
Oradour-sur-Glane.

182
Brewer da 101ª Divisão Aérea uma vez cap-
turou quatro coreanos que tinham sido for-
çados a lutar nas fileiras da Wehrmacht. Os
prisioneiros de guerra soviéticos, pouco fiá-
veis e mal equipados, engrossaram as filei-
ras destas unidades, que também incluíam
arménios, georgianos, ucranianos e outros
estrangeiros.

VI. O ÉPICO DA PRAIA DE OMAHA


Dois meses antes do desembarque, os Alia-
dos realizaram um ensaio geral na praia de
Slapton Sands, em Devon, Reino Unido. Tu-
do o que podia correr mal correu mal: 749
soldados americanos foram dizimados por
uma flotilha de Schnellboots alemães que
detetaram o simulacro e torpedearam os
seus navios. Da mesma forma, o desembar-
que das forças norte-americanas na praia
de Omaha acabou por se tornar um mas-
Soldados da Legião sacre. Para começar, os serviços secretos
Indiana Livre. aliados não conseguiram detetar que a 352ª
ALBUM

Divisão de Infantaria tinha sido atribuída à


sua defesa - os americanos acreditavam que
seriam “bem-vindos” pela 716ª, composta
anteriores, mais do que os britânicos que principalmente por soldados veteranos e
sucumbiram aos bombardeamentos ale- ucranianos. Depois, devido ao mau tempo,
mães. E, claro, a política de Guerra Total dos o bombardeamento aéreo não conseguiu
Nazis visava muitas cidades, tais como Ora- enfraquecer as defesas alemãs, pelo que os
dour-sur-Glane, onde mais de 600 pessoas, atiradores alemães dispararam contra os
incluindo 18 espanhóis, foram massacrados seus inimigos com toda a tranquilidade. O
sob as ordens do oficial das SS Heinz Barth. grande jornalista Ernie Pyle, que morreu
um ano mais tarde em Okinawa, escreveu:
V. A LEGIÃO INDÍGENA E OUTROS “Os homens estavam a flutuar na água, mas
“VOLUNTÁRIOS” não sabiam que estavam na água, porque
Nem todos os soldados que desafiaram o estavam mortos. As baixas, contando mor-
avanço Aliado em solo francês eram “aria- tos, feridos e desaparecidos, eram cerca de
nos”. A Legião Indígena Livre, um corpo 2.400 homens, ou 9%, e no entanto Eise-
criado pelo político nacionalista Subhas nhower e o General Bradley estavam con-
Chandra Bose, que aspirava a expulsar o ju- tentes com isso, pois as estimativas eram de
go britânico do seu país, apoiando os nazis, que eles cairiam até 12,5%. Na praia”, disse
encontrava-se, na altura do desembarque, o Coronel George A. Taylor, “ainda há dois
a oeste de Bordéus. Em meados de agosto, tipos de pessoas, os mortos e aqueles que
tendo sido transferida para as Waffen-SS, a vão morrer.
Legião começou a sua marcha em direção à
Alemanha, envolvendo-se em escaramuças VII. OS PARAQUEDISTAS FIZERAM
com forças regulares francesas, combaten- O SEU TRABALHO?
tes da resistência e tropas aliadas ao longo A história de John Steele, o paraquedista
do caminho. Henri Gendreau, um antigo que ficou pendurado na torre da igreja de
combatente da resistência, constatou que Sainte-Mère-Église, a primeira cidade liber-
na sua cidade natal de Ruffec, os legionários tada da França, serve de pretexto para re-
indianos violaram uma mulher e as suas construir a obra dos mais de 13.000 homens
duas filhas e mataram a tiro uma rapariga que, na noite de 6 de junho, saltaram sobre
de dois anos de idade. Por seu lado, os Os- a Península de Cotentin para facilitar o de-
tbataillonen, as legiões orientais, lutaram sembarque dos Aliados na praia de Utah.
na Normandia sob uma bandeira, mas com Pertencendo à 82ª e 101ª divisões aéreas,
uma miríade de línguas. O Tenente Robert e com uma experiência anterior desigual,

183
a sua missão, tão ousada como complexa, foram contadas cerca de 14.000 mortes. O
acabou por ser um sucesso. E isto apesar do trabalho da Resistência foi de tal forma de-
facto de apenas 25 deles terem conseguido cisivo e qualitativo, que o General William J.
aterrar na área planeada, após terem sido Donovan, o pai dos serviços secretos ame-
dispersos pelo vento. Paradoxalmente, to- ricanos, classificou em 80% as informações
do este caos ajudou a confundir o inimigo, úteis obtidas por estes grupos. Os seus olhos
que não conseguiu travar o seu avanço para e ouvidos abriram caminho para os ameri-
Cherbourg. A cidade caiu para os Aliados canos, que, no final de julho de 1944, atin-
no final de junho, depois de fortes lutas por giram os grupos blindados a sul do Canal da
várias pontes e bloqueios. O plano Aliado Mancha no período que antecedeu a Ope-
incluía, a propósito, a queda de centenas de ração Cobra; e embora a sua sabotagem não
manequins equipados com dispositivos que tenha causado danos irreparáveis ao inimi-
replicavam o som das armas automáticas, go, só entre 5 e 6 de junho levaram a cabo
em áreas distantes do local de aterragem. quase mil operações. A resposta dos nazis
Se visitar museus na região, pode fotografar foi esmagadora: no próprio Dia D, a Gesta-
alguns destes paraquedistas fictícios, apeli- po executou mais de oitenta combatentes
dados de Rupert. da resistência francesa no pátio da prisão
de Caen.
VIII. A RESISTÊNCIA, OS HERÓIS...
E O VILÃO OCASIONAL IX. “MORTO EM COMBATE
A personalidade de Jean Moulin, um dos O cemitério americano de Colleville-sur-
grandes líderes da Resistência, assassina- -Mer alberga os restos mortais de 9.387
do pela Gestapo em 1943, ou de Georges militares americanos, a maioria dos quais
Bidault, um dos membros do Conselho mortos durante o desembarque. A historio-
Nacional da Resistência, não implica que o grafia nunca pode questionar a sua dedica-
movimento tenha sido muito coeso. Os seus ção, mas, como alerta Olivier Wieviorka em
próprios simpatizantes comunistas criaram History of the Normandy Landings (Tem-
uma ala armada, os Francs-tireurs et par- pus, 2008), “ao apresentar soldados Aliados
tisans (FTP), que, quando se deu o empur- a olhar sem pestanejar para a morte, como
rão, se concentraram nos colaboracionistas imagens de Epinal, disfarçam a guerra, sua-
e não nos invasores. Em agosto de 1944, vizando a repulsa que pode causar naqueles
2.000 soldados alemães tinham morrido às que a levam a cabo, diluindo o sofrimento
mãos da Resistência, mas só na “épuração”, infligido, voluntariamente ou não, aos ci-
a purga que se seguiu à libertação de Paris, vis”. Como em qualquer outra batalha, não

Jean Moulin foi o líder do primeiro Cemitério americano


SHUTTERSTOCK

Conselho Nacional da Resistência. Colleville-sur-Mer.


ALBUM

Durante o desembarque ,quase 20.000 civis


pereceram, e outros 15.000 nos meses que
antecederam o desembarque

184
O Major Lesley McNair falando
a um grupo de oficiais.

GETTY
faltaram desertores de ambos os lados (du- mais graduado enterrado no cemitério e
rante a Segunda Guerra Mundial, os alemães um dos quatro tenentes-generais america-
executaram trinta mil, contra apenas qua- nos que morreram na guerra. No seu fune-
renta e oito durante a Primeira Guerra Mun- ral estiveram Bradley e Patton, entre outros.
dial), bem como auto-mutilações para esca- Bem, o US Army Press Corps, o serviço de
par ao horror que se avizinhava. O Primeiro imprensa do Exército dos EUA, relatou que
Exército de Omar Bradley admitiu mais de McNair tinha sido vítima de fogo inimi-
cinco mil casos psiquiátricos até agosto de go, e só em agosto é que o público soube a
1944, 36% das baixas não fatais. Na Admi- verdade. E a verdade é que, na preparação
nistração dos Arquivos e Registos Nacionais da Operação Cobra, um ataque errado das
dos EUA, o termo genérico “morto em com- Fortalezas Voadoras B-17 e dos Libertado-
bate” camufla a identidade de numerosos res B-24 tirou-lhe a vida - e a vida de mais
soldados suicidas. de 100 dos seus compatriotas - poucos dias
antes da morte do seu único filho na fren-
X. UM NOME INDIVIDUAL te do Pacífico. Quando o corpo de McNair
Uma cruz no já mencionado cemitério de foi levado para o hospital de campanha, os
Colleville-sur-Mer refere que o Tenente- médicos juraram guardar o silêncio sobre o
-General Lesley J. McNair, promovido pos- seu infeliz fim. Por vezes é mais confortável
tumamente a General, nasceu em Minnesota viver uma mentira, mas, no final, a verdade
e morreu a 25 de julho de 1944. As circuns- emerge sempre, e prevalece.
tâncias da sua morte resumem perfeita-
mente as intenções deste artigo: Verdades e
Mentiras da Batalha da Normandia. McNair, ALBERTO DE FRUTOS
um major das forças terrestres, é o militar Historiador

185
DIA D:
A 6 de junho de 1944, havia 1,5 milhões de tropas americanas em solo britânico preparando-se
para o que o Comandante Supremo Aliado Dwight “Ike” Eisenhower chamou “o maior assalto an-
fíbio jamais tentado”. Pouco antes da meia-noite do dia 5 de junho, centenas de aviões cheios de
soldados - os seus rostos pintados de preto para evitar serem detetados à noite e carregados com
equipamento que pesava mais de 30 kg - começaram a descolar dos aeródromos no sul de Ingla-
terra. As pessoas da região acordaram com o rugido dos motores e aperceberam-se de que um dia
crucial na sua longa guerra contra a Alemanha nazi estava prestes a acontecer. Assim começaram
os desembarques na Normandia; assim começou o Dia D.

OPERAÇÃO OVERLORD:
O crucial desembarque na Normandia, com o nome de código Operação Overlord, abriria o cami-
nho para a libertação da França e a invasão da Alemanha. Eisenhower impediu que as apreensões
americano-britânicas ameaçassem a sua aliança, da qual dependia o sucesso de Overlord. Mesmo
o mais crítico de Ike, como Alan Brooke, o Chefe do Estado-Maior do Exército Britânico, atribuiu-lhe
o mérito de fomentar essa colaboração transatlântica.

DIEPPE:
Pouco antes do amanhecer de 19 de agosto de 1942, cerca de 5.000 tropas canadianas juntaram-se
ao exército britânico no ataque ao porto francês de Dieppe, a Batalha de Dieppe. O objetivo principal
era testar as defesas alemãs, desviar recursos militares e reunir informações. Para os canadianos, o
ataque a Dieppe foi um dos dias mais sangrentos da Segunda Guerra Mundial, já que mais de 3.350
soldados foram mortos, feridos ou feitos prisioneiros de guerra.

GARBO:
Joan Pujol Garcia foi um agente duplo contratado pelo MI5, o serviço de contra-informação do Reino
Unido, para fornecer aos alemães informações falsas durante a Segunda Guerra Mundial. Pujol, co-
nhecido como “Garbo” pela sua capacidade de enganar os nazis (que o conheciam como “Arabel”),
passou informações falsas aos alemães fazendo-os acreditar que oficiais britânicos desiludidos lhe
estavam a contar os planos das tropas aliadas. O agente espanhol convenceu os alemães de que
o desembarque do Dia D teria lugar a vários quilómetros mais a norte, permitindo que os Aliados
enfrentassem menos resistência por parte dos nazis.

ERWIN ROMMEL:
(Heidenheim an der Brenz; 15 de novembro de 1891 - Ulm; 14 de outubro de 1944). Foi um marechal
de campo invulgar na Wehrmacht nazi (Exército alemão) que comandou o Afrika Korps durante a
Segunda Guerra Mundial. Popularmente conhecido como “A Raposa do Deserto” pelos seus feitos
contra as tropas britânicas no Norte de África, o principal teatro das operações mais bem sucedidas
da sua carreira militar. Suspeito de participar num ataque falhado para matar Adolf Hitler, o Führer
ofereceu-lhe duas opções: cometer suicídio ou sofrer um processo judicial que terminaria com ele
e represálias severas contra a sua família. Rommel aceitou e a 14 de outubro de 1944 tomou um
comprimido de cianeto após ter sido visitado por dois oficiais que lhe falaram do ultimato.

186
A MURALHA DO ATLÂNTICO:
A fim de evitar um possível desembarque de tropas Aliadas, no início de 1941, o exército alemão
começou a erguer a chamada Muralha do Atlântico; uma construção militar com bunkers, fortifica-
ções, campos minados, milhares de quilómetros de arame farpado, lança-chamas, metralhadoras e
valas anti-tanque, rotas para equipamento pesado, etc. Estendia-se ao longo das costas da Europa
Ocidental virada para as Ilhas Britânicas, especificamente, de Espanha à Noruega e ao longo de
toda a costa francesa.

RANGERS:
Uma das unidades especiais mais letais do Exército dos EUA, ao estilo do famoso SAS britânico. O
seu objetivo era sempre atacar na linha da frente, desalojar o inimigo das suas posições defensivas
e aliviar a infantaria que os seguia para abrir o caminho aos Aliados. Para o efeito, tiveram uma
formação de elite que começou na Escócia e equipamento de última geração para a época.

DWIGHT DAVID EINSENHOWER:


(Denison, Texas; 14 de outubro de 1890 - Washington D. C.; 28 de março de 1969). Dwight D. “Ike”
Eisenhower foi um dos mais importantes generais americanos da Segunda Guerra Mundial, o último
responsável pelo comando e direção das forças armadas aliadas com milhões de soldados de muitos
países, e o arquiteto da invasão do Dia D da Europa. Tornou-se Presidente dos Estados Unidos em 1953.

GEORGE PATTON:
(Califórnia, Estados Unidos; 11 de novembro de 1885 - Heidelberg, Alemanha; 21 de dezembro de
1945). George Patton foi um destacado general do exército americano durante a Segunda Guerra
Mundial que defendeu a utilização de tanques de combate blindados, comandando grandes unida-
des nas campanhas do Norte de África, a invasão da Sicília e as operações europeias. Na Norman-
dia, liderou o Exército dos EUA na Operação Cobra.

BERNARD LAW MONTGOMERY:


(Londres, Inglaterra; 17 de novembro de 1887 - Alton, Hampshire; 24 de março de 1976). Mont-
gomery foi um marechal do exército britânico que esteve envolvido na Segunda Guerra Mundial,
principalmente em operações no Norte de África contra o Afrika Korps liderado por Erwin Rommel,
a invasão da Sicília e da península italiana. Também esteve envolvido na invasão do Dia D da Nor-
mandia, onde teve grandes e públicas diferenças estratégicas com o comandante-chefe das forças
aliadas, Dwight “Ike” Eisenhower.

CHARLES DE GAULLE:
(Lille, França; 22 de novembro de 1890 - Colombey-les-Deux-Églises; 9 de novembro de 1970).
De Gaulle foi um general francês que, após a rendição do seu país à ocupação nazi durante a
Segunda Guerra Mundial, fundou o movimento França Livre no exílio na capital inglesa contra o
governo colaboracionista de Vichy, continuando a luta das colónias e apoiando a resistência a
partir do interior.

OS “FUNNIES” DO HOBART:
Percy Hobart, um general britânico apaixonado pela utilização de tanques blindados durante a
Segunda Guerra Mundial, realizou uma série de testes com modificações nas suas estruturas e
adições, permitindo às suas invenções fornecer apoio ao fogo, mobilidade e missões de contra-mo-
bilidade, especialmente durante ataques anfíbios. Estes tanques foram apelidados com o termo
“Funnies” cuja tradução é “engraçados”.

OMAHA:
Este foi o nome de código dado à praia onde um dos principais destacamentos do Dia D na invasão
Aliada da França ocupada teve lugar durante a Segunda Guerra Mundial. Localizada na costa norte
de França, com cerca de 8 quilómetros de comprimento virada para o Canal da Mancha, foi a mais
fortemente defendida das zonas de assalto e as baixas, que totalizavam cerca de 3.000 nas fileiras
Aliadas, eram mais elevadas do que em qualquer outra praia.

187
UTAH:
Tal como na praia de Omaha, Utah foi o nome de código dado à praia onde parte dos desembarques da
Normandia também teve lugar. No entanto, o fumo causado pelo bombardeamento naval tornou necessá-
rio que a aterragem nos EUA se fizesse um quilómetro mais a sul do que a área originalmente designada.

LINHA SIGFRID:
Esta foi uma das maiores linhas de defesa terrestre fortificada desenvolvida pelos alemães ao longo
de 630 quilómetros, constituída por mais de 18.000 bunkers, ninhos de metralhadoras, armadilhas
e túneis, localizados entre as fronteiras holandesa e suíça. Construído entre 1938 e 1940, destina-
va-se a fins de propaganda.

OPERAÇÃO JUBILEU:
Aproveitando a Batalha de Dieppe (1942) e, de forma crucial, o seu porto, a fim de analisar as
hipóteses de sucesso do eventual desembarque do Dia D, o Primeiro-Ministro britânico Winston
Churchill propôs a utilização de técnicas anfíbias na sua incursão, uma vez que, se bem sucedida,
seria viável abrir uma segunda frente na costa noroeste europeia. A esta operação foi dado o nome
de Jubileu. Além disso, esta operação aliviaria a pressão sobre a frente oriental russa, pois obrigaria
os nazis a enviar reforços para a frente ocidental.

LUFTWAFFE:
Pertencente às forças armadas alemãs (a Wehrmacht), a Luftwaffe foi a temida força aérea nazi criada
quase clandestinamente em 1924, sendo oficialmente revelada em 1935, violando o Tratado de Versa-
lhes sobre a proibição do rearmamento. Composta por aviões melhores e tecnicamente superiores aos
da época, o seu objetivo inicial era apoiar a “Blitzkrie” de Adolf Hitler (Guerra Relâmpago).

OPERAÇÃO “ROUND-UP”:
O nome dado ao plano desenvolvido no início de 1942 e supervisionado pelo General Eisenhower para
levar a cabo uma invasão precoce da Europa. Dada a relutância inicial dos britânicos em realizá-la, aliada à
relativa escassez do armamento necessário para aumentar as hipóteses de uma aterragem bem sucedida,
foi interrompida, mas pode no entanto ser vista como o primeiro esboço do que aconteceria no Dia D.

O CANAL INGLÊS:
Localizado no Oceano Atlântico separando o noroeste da França das Ilhas Britânicas. Varia em
largura de 33,3 a 240 quilómetros, e tem aproximadamente 560 quilómetros de comprimento. Foi
uma área geoestratégica extremamente importante durante a Segunda Guerra Mundial, pois não só
tornou impossível aos Alemães conduzir a sua blitzkrieg contra os Britânicos, como também abran-
dou os seus ataques contra a Grã-Bretanha, obrigando-os a usar as suas armas aéreas e navais.

CONFERÊNCIA TRIDENTE:
Nome de código (Trident) atribuído à 3ª Conferência de Washington DC realizada entre 12-25 de
maio de 1943. Composto pelo Presidente americano Franklin D. Roosevelt e pelo primeiro-ministro
britânico Winston Churchill, o seu objetivo era planear e discutir assuntos relacionados com a in-
vasão da Itália, os desembarques na Normandia, o aumento dos bombardeamentos na Alemanha e
o impulso para a guerra no Pacífico.

WINSTON CHURCHILL:
(Palácio Blenheim; 30 de novembro de 1874 - Londres; 24 de janeiro de 1965). Proeminente es-
tadista e orador, foi primeiro-ministro do Reino Unido entre 1940 e 1945 e uma das figuras mais
importantes da Segunda Guerra Mundial devido à resistência britânica na altura. Juntamente com
os outros Estados vitoriosos, foi o arquiteto da vitória final sobre os alemães.

FRANKLIN D. ROOSEVELT:
(Nova Iorque; 30 de janeiro de 1882 - Warm Springs, Geórgia; 12 de abril de 1945). Foi um advogado
e político americano que serviu como Presidente dos Estados Unidos desde 1933 até à sua morte
em 1945. Juntamente com o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, foi um dos principais
arquitetos da vitória dos Aliados sobre o exército alemão na guerra.

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SHAEF:
“Supreme Headquarters Allied Expeditionary Force”, o acrónimo do quartel-general que o General
Dwight D. “Ike” Eisenhower, comandante supremo do Exército Aliado, teve no noroeste da Europa
desde finais de 1943 até à sua dissolução em 1945.

PANZER:
Abreviatura de “Panzerkampfwagen”, que se traduz para alemão como “veículo de combate blinda-
do”. O Panzer foi o tanque mais temível utilizado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

RESIDÊNCIA BERGHOF:
Também conhecido como “O Ninho da Águia”, era a segunda residência de Adolf Hitler localizada
em Obersalzberg, perto de Berchtesgaden, na parte alemã dos Alpes da Baviera. O local foi utiliza-
do pelo Führer, em particular, como residência de Verão. Como os Aliados consideravam que este
poderia ser o local onde o líder nazi se escondia antes do ataque final, optaram por bombardeá-lo
do céu, a fim de seguirem com um rápido ataque terrestre, que terminou em fracasso, uma vez que
ele não estava lá.

THOMAS HARRIS:
Além de pintor e colecionador de arte, Thomas Harris foi o chefe da contra-espionagem britânica que
viveu e morreu em Espanha, o ideólogo das mais importantes operações de distorção de informação
contra os nazis. Foi responsável pela criação e direção da Operação Garbo, entre outras. A sua estranha
morte ocorreu num acidente de viação nas estradas de maiorca e a sua esposa ficou ilesa.

INTERALLIÉ:
Rede de espionagem criada por Roman Garby-Czerniawski, um oficial da força aérea polaca com
formação em criptografia e inteligência, com o objetivo de destacar cerca de 200 agentes secretos
em toda a França. Estes agentes especiais foram treinados na utilização de tinta invisível, nomes
de código, códigos e também no treino militar.

SISTEMA DE DUPLA CRUZ:


O Comité XX ou Double Cross System foi uma engenhosa operação britânica iniciada pelos seus
serviços de inteligência com base na captura de nazis com o objetivo de os transformar em agentes
duplos para levar a cabo funções de desinformação e contra-espionagem contra inimigos. Juan
Pujol, “Garbo”, foi um dos espiões mais importantes pertencentes a este sistema.

ORGANIZAÇÃO TODT:
Criada por Fritz Todt (chefe nazi da tecnologia e da construção de estradas) foi uma das organiza-
ções mais importantes e especializadas da Alemanha, principalmente destinada ao desenvolvimen-
to e construção de infra-estruturas e edifícios militares para a defesa do território, especialmente
da zona ocupada. Centenas de milhares de prisioneiros de guerra foram utilizados para a sua cons-
trução, bem como para reparar os danos causados durante o conflito.

LONGUES-SUR-MER:
Uma cidade francesa na Baixa Normandia onde em 1943 os nazis construíram quatro bunkers
abertos de 2 metros de espessura em cada lado, armados com uma formidável bateria de 150 mm
com um alcance de 25 quilómetros, com o objetivo principal de atacar os navios de guerra aliados
e assim impedir ou reduzir as hipóteses de um eventual desembarque.

JIM WALLWORK:
(Salford, Inglaterra; 21 de outubro de 1919 - White Rock, British Columbia, Canadá; 24 de janeiro de
2013). Foi um soldado britânico e o primeiro piloto a aterrar em solo francês durante as aterragens
na Normandia. Pilotou planadores durante as mais importantes operações britânicas da Segunda
Guerra Mundial, incluindo as operações nas frentes italiana e holandesa.

SCREAM EAGLES:
“Scream Eagles” é o nome dos paraquedistas de elite que constituíram a 101ª Divisão Aérea do Exér-

189
cito dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. O equipamento que transportavam pesava quase 50
quilos, tornando a sua formação mais especializada e exigente do que a da maioria das divisões. Tam-
bém foram notados por usarem pinturas e penteados um pouco excêntricos para o estilo da época.

C-47:
O Douglas C-47 Skytrain foi o principal avião de transporte militar dos EUA utilizado em grandes
missões durante a Segunda Guerra Mundial. Tinha uma tripulação de três pessoas (piloto, co-piloto
e navegador) e uma capacidade de carga de 28 pessoas ou 2,7 toneladas de carga.

SAS, “SPECIAL AIR SERVICE”, O SERVIÇO AÉREO ESPECIAL.


Uma divisão de elite pertencente às forças especiais do exército britânico criada em 1941, durante
a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de intervir no conflito africano, especificamente, atrás
das linhas nazis comandadas por Erwin Rommel para sabotar os seus abastecimentos, uma ope-
ração que terminou com sucesso. Tal como com os Rangers, as provas para aderir ao SAS foram, e
continuam a ser, das mais extremas do mundo.

ILHAS LOFOTEN:
Lofoten é um grupo de ilhas no norte da Noruega famosas pela sua pesca e beleza natural, um lugar de
grande importância para os britânicos durante a Segunda Guerra Mundial. Dado o incessante e contínuo
assédio nazi da Grã-Bretanha no início da guerra, os britânicos precisavam de inverter a maré do con-
flito a fim de impulsionar o moral do seu povo, pelo que a 4 de março de 1941 um grupo de comandos
invadiu as ilhas com o objetivo principal de destruir as instalações de produção de óleo de peixe nazi
utilizadas pelos alemães para fabricar explosivos, dando assim início à Operação Claymore. Os voluntá-
rios e comandos noruegueses estavam entre os cerca de 500 soldados britânicos que foram chamados
para o conflito. A operação terminou com o êxito pretendido, dando o impulso pretendido ao moral.

WINCHESTER:
Uma espingarda de repetição de alavanca amplamente utilizada pelo Exército dos Estados Unidos
durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente na frente do Pacífico. A sua principal vantagem
era permitir que até quinze tiros fossem disparados sem recarga, e era também uma arma leve que
permitia aos soldados utilizá-la em movimento.

SHERMAN TANK:
Dada a velocidade e o custo relativamente baixo da sua produção, o Sherman foi o tanque blindado
mais desenvolvido utilizado pelo exército americano durante a Segunda Guerra Mundial. Contudo,
não foi notado pelo seu poder de fogo e armadura, e sofreu pesadas baixas face aos ataques dos
Panzer alemães extremamente poderosos.

EQUIPAS JEDBURGH:
Equipas criadas em Jedburgh, Escócia, para apoiar e estabelecer ligação com grupos de resistência
Aliados, preparar sabotagem, fornecer informações e coordenar as suas atividades com os coman-
dos. Composto por três pessoas, eram pequenas unidades a operar clandestinamente, conduzindo
“guerra de guerrilha”. Paraquedistas, armados e uniformizados, dependiam unicamente das capa-
cidades das forças aliadas, muitas vezes mal treinadas.

VIRGÍNIA HALL:
(Baltimore; 6 de abril de 1906 - Rockville; 8 de julho de 1982). Conhecida pelos nazis como “A
senhora coxa” (ela perdeu a perna esquerda num acidente), era uma espiã americana e uma das
maiores dores de cabeça da Gestapo durante a Segunda Guerra Mundial. A sua principal tarefa era
ajudar soldados a escapar e organizar sabotagem. Habilidosa, notavelmente astuta, multilingue e
muitas vezes imprudente, concluiu com sucesso grandes operações de espionagem, o que a tornou
num dos principais alvos dos serviços de inteligência nazis, cujas missões de busca e apreensão
foram sempre infrutíferas.

OSS, O ESCRITÓRIO DE SERVIÇOS ESTRATÉGICOS DOS EUA:


“Office of Strategic Services” foi a agência de inteligência dos EUA durante a Segunda Guerra Mun-
dial, a precursora da atual Agência Central de Inteligência, a “CIA” (Central Intelligence Agency). Os

190
membros do OSS eram altamente qualificados, muitos deles vindos das principais universidades
americanas, e entre outras tarefas eram responsáveis pela recolha de informações classificadas
fornecidas por cidadãos de países ocupados pela Alemanha.

MARTHA GELLHORN:
(St. Louis, Missouri; 8 de novembro de 1908 - Londres, Inglaterra; 15 de fevereiro de 1998). Jorna-
lista e escritora americana, juntou-se ao exército como maqueira para ver os desembarques do Dia
D em primeira mão. Embora tenha trabalhado como repórter para a Alemanha nazi antes do início
da guerra, ela é uma das correspondentes de guerra mais proeminentes do século XX.

LEE MILLER:
(Poughkeepsie, EUA; 23 de abril de 1907 - Chiddingly, Reino Unido; 21 de julho de 1977). Foi uma
fotojornalista de guerra que trabalhou extensivamente durante a Segunda Guerra Mundial na frente
europeia. Entre outros, trabalhou para a revista Vogue, e as suas crónicas e imagens de campos de
concentração estavam entre as mais arrepiantes da época . Foi também uma das primeiras repór-
teres a entrar e fotografar Paris, que tinha acabado de ser libertada pelas forças Aliadas.

ROUXINÓIS VOADORES:
Pertencendo à Força Aérea Auxiliar Feminina do Exército Britânico (WAAF ”Women´s Auxiliary Air Force”),
os Flying Nightingales, um corpo de enfermeiras dedicado às evacuações e responsável pelas ambulân-
cias aéreas, foram criados em 1943, sendo o seu principal objetivo salvar os soldados feridos na frente.

WAC - “WOMEN’S ARMY CORPS”:


Criado em 15 de maio de 1942, foi o corpo de mulheres do Exército dos Estados Unidos durante
a Segunda Guerra Mundial. A sua principal tarefa durante a guerra era desempenhar as funções
de operadoras telefónicas, secretariado, reparação e manutenção de armas ligeiras, motoristas,
etc. O seu importante papel no conflito foi uma grande vitória na luta pela igualdade de género e a
introdução das mulheres nas forças armadas.

JEAN MOULIN:
(Béziers; 20 de junho de 1899 - Metz; 8 de julho de 1943). Símbolo da resistência francesa contra
a ocupação nazi na Segunda Guerra Mundial, foi o diretor do Conselho Nacional da Resistência
em França, perseguido pelo próprio governo Vichy e pela Gestapo. Preso pelos alemães durante a
guerra, sofreu as piores torturas às mãos do alto comandante nazi Klaus Barbie, “O Carniceiro de
Lyon”, entrando em coma e morrendo devido aos seus ferimentos a 8 de julho de 1943.

SHERMAN “BARV”:
Este era um veículo blindado de recuperação em praias. Originalmente derivado do tanque Sherman
M4A2, mas a sua estrutura e componentes foram especificamente modificados para o tornar à pro-
va de água. Podia mover-se em água até 2,7 metros de profundidade. Foi utilizado principalmente
para remover veículos que tinham avariado e/ou bloqueavam o acesso às praias e áreas inundadas.

GOLIATH (MINA AMBULANTE INVENTADA PELO 3º REICH):


Embora a sua origem não seja clara, pois especula-se que o seu fabrico inicial foi em França, a sua
criação é atribuída à Alemanha nazi, desempenhando um papel destrutivo importante durante a
Segunda Guerra Mundial e principalmente em território polaco. Guiado remotamente por cabo,
era um pequeno tanque, sem turbilhão, capaz de transportar até 60 quilos de explosivos TNT para
detonação em alvos fortificados, limpando campos de minas ou atacando outros tanques.Contudo,
apesar da sua eficácia em atingir o objetivo pretendido, a sua utilização não foi bem sucedida devido
ao seu elevado custo de produção, casco fraco e baixa velocidade (pouco mais de 6 km/h em ter-
reno mau e entre 10 e 11 km/h em áreas claras). Além disso, os cabos de direção eram muito fracos
e podiam ser cortados com uma simples faca, e também podiam ser danificados por explosões.

MG 42:
“A Ceifeira do Exército Nazi”. Com um calibre de 7,92 mm, esta metralhadora do exército alemão
entrou em serviço em 1942. A sua capacidade de disparo automático sem recarga permitiu-lhe dis-
parar até 1.800 balas por minuto, com uma precisão sem precedentes em armas deste tipo durante

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a Segunda Guerra Mundial. Robusta, potente e eficaz, a sua fiabilidade era tão elevada que podia
disparar mesmo nas piores condições climatéricas.

FALLSCHIRMJÄGER:
Os paraquedistas de elite da Alemanha nazi que participaram nas mais proeminentes operações
aéreas da Segunda Guerra Mundial, saltando sobre os principais campos de batalha da Europa e
do Norte de África. Altamente treinados e equipados, estavam equipados com as espingardas de
assalto mais sofisticadas da Wehrmacht, tais como a FG 42, utilizadas exclusivamente por eles.

SS-BRIGADEFÜHRER, WERNER OSTENDORFF:


Dentro das SS (uma organização militar, política, policial e de segurança ao serviço da Alemanha
nazi), o SS-Brigadeführer foi uma das mais altas patentes militares concedidas pelo Führer, detido
por Werner Ostendorff (Königsberg; 15 de agosto de 1903 - Mau Aussee; 1 de maio de 1945), General
e Chefe do Estado-Maior do 2º Corpo Panzer das SS, assim como o Chefe do Estado-Maior de Hein-
rich Himmler. Para além desta patente militar, foi-lhe atribuída a Cruz de Ouro Alemã e a Cruz do
Cavaleiro da Cruz de Ferro com Folhas de Carvalho. Foi gravemente ferido por bombas incendiárias
durante os combates na Hungria contra o exército soviético, e morreu num hospital de campanha
a 1 de maio de 1945.

POINTE DU HOC:
Um monte num penhasco na costa da Normandia, cerca de 30 metros acima do nível do mar e muito
perto da praia de Omaha. Aqui os nazis instalaram uma bateria de armas de 155 mm com um alcan-
ce de 25 quilómetros, representando uma grande ameaça para as áreas onde os desembarques do
Dia D foram planeados e para a navegação Aliada. Entre 6 e 8 de junho de 1944, três companhias
pertencentes ao 75º Regimento de Rangers, bem como os sucessivos bombardeamentos pesados
dos Aliados realizados tanto de dia como de noite, foram responsáveis pela sua destruição até ao
ponto de incapacidade total.

DESTROYER SATTERLEE:
Este era um navio contratorpedeiro pertencente à Marinha do Exército dos Estados Unidos durante
a Segunda Guerra Mundial. Emcumbia-se principalmente da escolta de porta-aviões, cruzadores e
varredores de minas, também apoiou operações importantes como a da Pointe du Hoc.

GENERAL LECRERC:
(Belloy-Saint-Léonard; 22 de novembro de 1902 - Colomb-Béchar, Argélia; 28 de novembro de
1947). Foi um general das forças de resistência francesas livres durante a Segunda Guerra Mun-
dial, comandando o exército que, em 1944, entrou em Paris e Estrasburgo com os Aliados após a
sua ocupação. Foi ao sul da Alemanha até chegar à sede de Adolf Hitler em Berchtesgaden: “The
Eagle’s Nest”.

COMANDO KIEFFER:
Philippe Kieffer, oficial da Marinha Nacional francesa, criou e dirigiu estes comandos em 1941, com
base no modelo britânico SAS, a fim de colaborar com os Aliados na invasão da Europa e, princi-
palmente, nos desembarques na Normandia para libertar a França ocupada. O centro de formação
inicial dos Comandos Kieffer estava localizado em Achnacarry (Escócia), o mesmo local que o
SAS do Exército Britânico, razão pela qual as caraterísticas das suas operações e o perfil dos seus
membros eram muito semelhantes.

ANTONIO GÁMEZ HIGUERAS


Perito sobre a Segunda Guerra Mundial

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REDAÇÃO EM MADRID
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Pérez (geperez@zinetmedia.es). Antonio Gámez Higueras. expressa da empresa editora.

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“Os longos soluços dos violinos de Outono
ferem o meu coração com uma languidez monótona”.

Paul Verlaine
(versos utilizados como senha pelo
comando Aliado para anunciar à França
ocupada e à Resistência que o dia da
libertação estava próximo)
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