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COMO ELEGER UM PRESIDENTE

Augusto César Morgado

1. Introdução

Em eleições democráticas (cada eleitor tem um voto) para a escolha de um único


vencedor (presidente da república, cidade que será sede da olimpíada, etc.), diversos
processos têm sido usados. No Brasil, as eleições presidenciais foram, até 1960, realizadas
em turno único, e são agora, desde 1990, em dois turnos.
Vamos descrever os sistemas eleitorais que têm sido usados no mundo, suas
vantagens e desvantagens. Vamos também caracterizar, por meio de quatro princípios, o
que se entende por sistema eleitoral justo.
Suporemos que há mais de dois candidatos, que cada eleitor tem um único voto e que
os eleitores têm uma escala bem definida de preferências pelos candidatos, isto é, cada
eleitor, diante de dois candidatos X e Y, prefere X a Y ou prefere Y a X. Além disso,
suporemos a transitividade: se um eleitor prefere X a Y e Y a Z, então ele prefere X a Z.
Finalmente, suporemos que desistências de candidatos não alteram a ordem de preferências
dos eleitores pelos demais candidatos: ou seja, se um eleitor pensa que A é o melhor
candidato, B o segundo melhor e C o pior, caso B se retire da disputa, ele preferirá A a C.

Exemplo 1:

Há 5 candidatos: A, B, C, D, E.
Há 55 eleitores.
As preferências são:
ADEBC (acham A o melhor, D o segundo melhor,..., C o pior): 18 eleitores;
CEDBA: 12 eleitores;
BCEAD: 10 eleitores;
DBECA: 9 eleitores;
ECDBA: 4 eleitores;
EBDCA: 2 eleitores.

2. O método plural (método do turno único)

Neste sistema, o vencedor é o candidato com mais preferências para o primeiro lugar.
Assim, no exemplo 1, A teria 18 votos, C teria 12, B teria 10, D teria 9 e E teria 6 votos.
A eleição seria ganha por A.

3. O método dos dois turnos

Neste sistema, se nenhum candidato obtiver a maioria absoluta (isto é, mais da


metade) dos votos, é feita uma segunda eleição à qual concorrem os dois candidatos mais
votados no primeiro turno. Assim, no exemplo 1, passariam ao segundo turno os candidatos
A e C. No segundo turno, A teria 18 votos e C teria 12+10+9+4+2 = 37 votos.
A eleição seria ganha por C.
4. O método da pluralidade com eliminação (método olímpico)

Neste sistema, se nenhum candidato obtiver a maioria (isto é, mais da metade) dos
votos, é feita uma segunda eleição à qual não concorre o candidato menos votado no
primeiro turno; se nenhum candidato obtiver a maioria, é realizado um terceiro turno ao
qual não concorre o menos votado no segundo turno, e assim sucessivamente.
No exemplo 1, E seria eliminado no primeiro turno. No segundo turno, A teria 18
votos, B teria 12, C teria 16 e D teria 9. D seria eliminado. No terceiro turno, A teria 18
votos, B teria 21 e C teria 16 votos. C seria eliminado. No turno final, A teria 18 votos e B
teria 37 votos.
A eleição seria ganha por B.
Esse é o método usado para a escolha da cidade sede dos Jogos Olímpicos. É usado
na Austrália.

5. O Método de Coombs: uma variante do Método Olímpico

O psicólogo americano Clyde Coombs (19121988) propôs uma variante do método


anterior, na qual em cada turno eliminar-se-ia o candidato com mais votos para o último
lugar. No exemplo 1, o primeiro turno eliminaria A, o segundo eliminaria C, o terceiro
eliminaria B e o turno final seria vencido por E.
A eleição seria ganha por E.

Exemplo 2:

Há 3 candidatos: A, B e C.
Há 7 eleitores.
As preferências são:
ABC: 2 eleitores;
ACB: 2 eleitores;
CBA: 2 eleitores;
BCA: 1 eleitor.

O primeiro turno eliminaria A e o turno final seria ganho por C. Note que A não
ganharia, apesar de ter a maioria absoluta das preferências dos eleitores.

6. O Princípio de Condorcet

Marie Jean Antoine Nicolas Caritat, marquês de Condorcet (17431794), era um


aristocrata francês, cientista social, filósofo, matemático e economista. Foi um dos
enciclopedistas e um dos primeiros a se preocupar com o problema de eleições justas. A
Revolução Francesa era o cenário ideal para a aplicação de suas idéias. Entretanto, não foi
bem compreendido e foi preso. Morreu no cárcere.
Cônscio dos problemas gerados pela existência de mais de dois candidatos  a eleição
do exemplo 1 já teve três ganhadores diferentes, conforme o processo eleitoral adotado ,
Condorcet enunciou um princípio que caracterizava um critério que deveria ser satisfeito
por uma eleição justa:
Princípio de Condorcet: se um candidato vencer todas as comparações dois a dois
com os demais candidatos, ele deve ser o vencedor da eleição.

Um candidato com essa característica é chamado de condorcetiano.


No exemplo 1, comparando A com B, B ganha de A por 37x18 (logo, A não é
condorcetiano); comparando B com C, B ganha de C por 39x16 (logo, C não é
condorcetiano); comparando B com D, D ganha de B por 43x12 (logo, B não é
condorcetiano); comparando D com E, E ganha de D por 28x27 (logo, D não é
condorcetiano). Agora só resta um possível condorcetiano: E.
Comparando E com A, E ganha de A por 37x18. Comparando E com B, E ganha por
36x19. Comparando E com C, E ganha de C por 35x20.
Para Condorcet, o ganhador deveria ser E.

Por que eleições não são feitas assim? É fácil notar que nem sempre existe um
candidato condorcetiano. Por exemplo, considere uma eleição com 3 candidatos, X, Y e Z,
e 20 eleitores. A ordem de preferências é XYZ (8 eleitores), ZXY (7 eleitores), YZX (5
eleitores). X ganha de Y por 15x5, Z ganha de X por 12x8 e Y ganha de Z por 13x7.

7. O Princípio da Maioria Absoluta

Outro critério que deve ser satisfeito por uma eleição justa é o:

Princípio da Maioria Absoluta: Se existir um candidato com a maioria absoluta (ou


seja, mais da metade) das preferências, ele deve ser o vencedor.

Mais uma vez, nem sempre existe um candidato com a maioria absoluta das
preferências. No exemplo 1, quem reunia a maioria das preferências era A, com 18 votos. A
maioria absoluta só seria alcançada com 28 votos.
Note que um candidato com maioria absoluta será sempre condorcetiano, mas a
recíproca é falsa, como mostra o exemplo 1.

8. Resumo parcial para fixar as idéias

Enunciamos dois princípios que devem ser satisfeitos em uma eleição justa (de
Condorcet e da Maioria Absoluta). Descrevemos três sistemas eleitorais bastante usados
(turno único, dois turnos e olímpico) e um não muito usado (Coombs). Os três primeiros
desses sistemas não são justos, pois não satisfazem, como mostra o exemplo 1, o Princípio
de Condorcet. O último tampouco é justo, pois não satisfaz o Princípio da Maioria
Absoluta, conforme mostrou o exemplo 2.

9. O método das comparações dois a dois

Uma tentativa de superar o problema da inexistência de candidatos condorcetianos é


o método das comparações dois a dois: vence quem ganhar mais comparações dois a dois
entre os candidatos.
Exemplo 3:

Há 5 candidatos: A, B, C, D, E.
Há 23 eleitores.
As preferências são:
ADEBC: 2 eleitores;
BAEDC: 6 eleitores;
BADCE: 4 eleitores;
EBADC: 1 eleitor;
EDABC: 1 eleitor;
DACEB: 5 eleitores;
CEDBA: 4 eleitores.

A ganha de C por 19x4, de D por 13x10, de E por 17x6;


B ganha de A por 15x8 e de C por 14x9;
C ganha de E por 13x10;
D ganha de B por 12x11 e de C por 19x4;
E ganha de B por 13x10 e de D por 12x11.

Então, A teria 3 pontos, B teria 2 pontos, C teria 1 ponto, D teria 2 pontos e E teria 2
pontos.
O vencedor seria A.
É interessante observar que não há candidato condorcetiano, que B ganharia a
eleição em turno único, que a eleição em dois turnos seria ganha por D (que venceria B no
segundo turno por 12x11) e que a eleição pelo método olímpico seria ganha por B.

A esta altura, o leitor não deve estar muito entusiasmado com este processo, porque
com ele A venceria e o leitor deve estar com um sentimento de que mais justa seria a vitória
de B ou de D. Há, no entanto, um problema mais grave com o método das comparações
dois a dois. Ele não satisfaz o Princípio de Independência das Alternativas Irrelevantes.

10. O Princípio de Independência das Alternativas Irrelevantes

Princípio de Independência das Alternativas Irrelevantes: Se um candidato vence


uma eleição, ele deve continuar sendo o vencedor se um ou mais candidatos forem
retirados da disputa.

Voltemos ao exemplo 3. Que aconteceria se os candidatos D e E fossem retirados?

A ganharia de C por 19x4;


B ganharia de A por 15x8 e de C por 14x9;
E ganharia de B por 13x10.
O vencedor seria B.

Definitivamente, o método das comparações dois a dois não é um método justo.


11. O Método de Borda

Jean Charles de Borda (17331799) era militar (oficial de cavalaria e capitão de


marinha!). Escreveu a respeito de Matemática, Física, projetos de instrumentos científicos e
eleições. É mais conhecido por ter proposto o método da dupla pesagem, que permite
pesagens corretas quando a balança tem braços desiguais.
Borda propôs um sistema de votação em que, com N candidatos, cada voto para o
último lugar valesse um ponto, cada voto para o penúltimo lugar valesse 2 pontos,..., cada
voto para o primeiro lugar valesse N pontos.
No exemplo 1, as pontuações seriam:

A5x18+1x12+2x10+1x9+1x4+1x2 = 137
B2x18+2x12+5x10+4x9+2x4+4x2 = 162
C1x18+5x12+4x10+2x9+4x4+2x2 = 156
D4x18+3x12+1x10+5x9+3x4+3x2 = 181
E3x18+4x12+3x10+3x9+5x4+5x2 = 189
E seria o vencedor.

No exemplo 3, A seria o vencedor com 80 pontos, contra 75 de D, 73 de B, 64 de E


e 53 de C.

Exemplo 4:

Há 3 candidatos: A, B e C.
Há 5 eleitores.
As preferências são:
ACB: 3 eleitores;
CBA: 2 eleitores.

Observe que A tem a maioria absoluta das preferências e é condorcetiano.


Entretanto, pelo método de Borda, C seria o vencedor com 12 pontos, contra 11 de A e 7
de B.
O método de Borda não satisfaz o Princípio da Maioria Absoluta.

12. O Princípio da Monotonia.

O último critério que deve ser satisfeito por um sistema eleitoral justo é o:

Princípio da Monotonia: Se um candidato X vence uma eleição e é feita uma outra


eleição, com os mesmos candidatos e os mesmos eleitores, na qual todos os eleitores
ou mantêm seus votos ou passam a dá-los para X, X deve continuar vencedor.

O leitor provavelmente não acredita que haja sistemas eleitorais que violem a
monotonia, mas o método olímpico é um exemplo.
Exemplo 5:

Há 3 candidatos, A, B e C e 29 eleitores.
As preferências são:
ABC: 7 eleitores;
BCA: 8 eleitores;
CAB: 10 eleitores;
ACB: 4 eleitores.

No primeiro turno, B é eliminado; no turno final, C vence por 18x11.


Suponhamos agora que os 4 eleitores que classificavam os candidatos na ordem
ACB mudem de opinião, passando a achar que C é melhor que A. As preferências
passariam a ser:

ABC: 7 eleitores;
BCA: 8 eleitores;
CAB: 14 eleitores;

No primeiro turno, A seria eliminado; no turno final, B venceria por 15x14.

13. O Teorema da Impossibilidade de Arrow

Em 1951, o matemático americano Kenneth Arrow (nascido em 1912), que viria a


ganhar o Prêmio Nobel de Economia em 1972, provou o:

Teorema da Impossibilidade de Arrow: Não existe sistema democrático de votação


que satisfaça os quatro princípios de justiça: Maioria Absoluta, Condorcet,
Monotonia e Independência das Alternativas Irrelevantes.

Em suma, é impossível haver um sistema justo e democrático de eleger um


presidente.

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