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Nome: Laís Helena Gomes de Sá

RA: 259870
Docente(s): Larissa de Oliveira Neves; Sofia Fransolin ; Grácia Maria Navarro.

O texto “Um dia ouvi a lua”, escrito pelo dramaturgo paulista Luís Alberto de
Abreu, apresenta conexões com a cultura popular brasileira facilmente identificáveis, tanto
em elementos de sua dramaturgia quanto no processo utilizado para sua criação.
Pode-se citar dentro desses parâmetros as diversas referências à Folia de Reis,
festa católica que homenageia os três Rei Magos e sua jornada até o encontro com Jesus, que
acabara de nascer. As tradições do festejo marcam presença durante toda a peça, com foliões
visitando casas, figurinos e músicas, mas também servindo de palco para o desenrolar das
histórias, como o encontro de S’a Maria com Cipriano. Além do auto popular, as canções
“Adeus, Morena, Adeus”, “Cabocla Tereza” e “Rio Pequeno”, da dupla Tonico e Tinoco,
exercem papel fundamental para a construção da dramaturgia e caracterização da peça
enquanto material relacionado à cultura popular, vez que fazem parte do gênero musical
sertanejo. O estilo com origem nos sertões brasileiros se baseava na contação de causos,
sendo, portanto, uma fonte fácil para adaptação dramatúrgica. É justamente dessa forma que
o autor encontra inspiração inicial para desenvolver seu texto, e, incluindo as canções no
espetáculo, mantém viva a essência original.
Ademais, “Um dia ouvi a lua” foi desenvolvido por Abreu, junto com a Cia
Teatro da Cidade, e possui em seu âmago o diferencial do processo colaborativo, em que
contraria-se, como dito pelo próprio autor no artigo “O dramaturgo e suas funções”, a figura
do dramaturgo enquanto idealizador solitário, em um estilo de trabalho notoriamente
burguês:
Esse modus operandi,comum na produção de um espetáculo teatral, era uma
metáfora mecânico-industrial em que as funções eram organizadas segundo uma
especialização e hierarquizadas de acordo com uma importância ditada pelo
modelo. Resultado de um processo histórico que modificou profundamente as
relações de produção de bens materiais e de bens do espírito, o desenvolvimento
exacerbado do valor do indivíduo estimulado pela cultura burguesa, em detrimento
do valor do coletivo, gerou essa concentração de poderes nas mãos do dramaturgo.
Paralelamente, o trabalho intelectual tornou-se um valor mais apreciado que o
trabalho corporal, levando à hipervalorização do dramaturgo e alienando-o da
construção física da cena..

Compreendendo a cultura popular enquanto manifestações de grupos marginalizados em


oposição a uma cultura oficial e/ou grupos elitizados e a produção teatral hierarquizada, com
um trabalho dramatúrgico isolado como a normatividade, entende-se também que o processo
escolhido pelo autor da peça se encaixa na primeira definição, tendo em vista a busca pela
relação horizontal entre todos os agentes e desenvolvimento baseado na exposição e
experimentação, até que esses estejam de acordo.
Além disso, a temática comum às personagens principais, da experiência da
mulher em uma sociedade machista que limita suas decisões mesmo nos âmbitos mais
íntimos, diferencia a obra de tantos clássicos ocidentais nos quais vê-se a hipervalorização do
drama individual. Pode-se argumentar que, como reflexo do estilo de trabalho usado, a
tradução da experiência individual para um coletivo na dramaturgia torna-se muito presente e,
destarte, a conexão entre Beatriz, Tereza e S’a Maria, mesmo vivendo episódios diferentes, é
tão forte que ao final da peça as duas primeiras protagonistas se comunicam com a terceira
personagem para que ela viva verdadeiramente o amor que deseja. Estão conectadas, pois
enfrentam os mesmos empecilhos de nível estrutural, se relacionando facilmente com
qualquer público que as conheça, enquanto peças canônicas como Hamlet, por exemplo,
apresentam um arco dramático apoiado em uma realidade de poder que nunca poderia
permear a todos, já que é justamente a exclusividade desse domínio que motiva as decisões
dos personagens na trama de Shakespeare.
Conclui-se, consequentemente, que não só a presença da Folia de Reis e a
música sertaneja, facilmente associadas ao popular, definem a qual corrente cultural a peça
pertence. Como possui, em seus fundamentos, uma concepção e trama antagônicas às
composições burguesas, a peça se distancia do erudito, não pela falta de refinamento ou
complexidade, mas pelo caráter não convencional e de coletividade que exerce em todas as
suas esferas.

Referências

ABREU, Luís Alberto de. Processo colaborativo: relato e reflexão sobre uma Experiência de
Criação. Cadernos Escola Livre Teatro.Santo André, v.1, n.0, 2003.

ABREU, Luís Alberto de. O dramaturgo e suas funções. Rebento: Revista de Artes do Espetáculo,
n. 2, 7/2010.

ABREU, Luís Alberto de. A restauração da narrativa. O Percevejo (UNIRIO) , v. 8, 2000.


DOMINGUES, Petrônio. Cultura popular: as construções de um conceito na produção
historiográfica. História (São Paulo) v.30, n.2, ago/dez 2011.

ARY, Rafael Luiz Marques. O processo colaborativo na formação de dramaturgos. VI Congresso


de Pesquisa e Pós- Graduação em Artes Cênicas 2010.

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