Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A dualidade reconciliava o suposto rigor científico das análises com a consciência moral,
levando a proposições reformistas. A bem da verdade, deve-se reconhecer que o fenômeno
assinalado foi muito mais freqüente e mais intenso entre economistas que entre outros
cientistas sociais: sociólogos, cientistas políticos e também filósofos conseguiram escapar,
ainda que parcialmente, à tentação dualista, mantendo, como eixos centrais da
interpretação, categorias como "sistema econômico", "modo de produção", "classes
sociais", "exploração", "dominação". Mas ainda assim o prestígio dos economistas penetrou
largamente as outras ciências sociais, que se tornaram quase caudatárias: "sociedade
moderna"-"sociedade tradicional",
De fato, o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de
contrários, em que o chamado "moderno" cresce e se alimenta da existência do "atrasado",
se se quer manter a terminologia. O "subdesenvolvimento" pareceria a forma própria de ser
das economias pré-industriais penetradas pelo capitalismo, em "trânsito", portanto, para
formas mais avançadas e sedimentadas deste; sem embargo, uma tal postulação esquece
que o "subdesenvolvimento" é precisamente uma "produção" da expansão do capitalismo.
Em raríssimos casos — dos quais os mais conspícuos são México e Peru — trata-se da
penetração de modos de produção anteriores, de caráter "asiático", pelo capitalismo; na
grande maioria dos casos, as economias pré-industriais da América Latina foram criadas
pela expansão do capitalismo mundial, como uma reserva de acumulação primitiva do
sistema global; em resumo, o "subdesenvolvimento" é uma formação capitalista e não
simplesmente histórica.
toda a questão do desenvolvimento foi vista sob o ângulo das relações externas, e o
problema transformou-se assim em uma oposição entre nações, passando despercebido o
fato de que, antes de oposição entre nações, o desenvolvimento ou o crescimento é um
problema que diz respeito à oposição entre classes sociais internas. O conjunto da
teorização sobre o "modo de produção subdesenvolvido" continua a não responder quem
tem a predominância: se são as leis internas de articulação que geram o "todo" ou se são
as leis de ligação com o resto do sistema que comandam a estrutura de relações
A Revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e o início de outro na economia brasileira: o
fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de
base urbano-industrial.
De outra parte, ainda que pouco represente como mercado para a indústria, esta, no seu
crescimento, redefine as condições estruturais daquela, introduzindo novas relações de
produção no campo, que torna viável a agricultura comercial de consumo interno e externo
pela formação de um proletariado rural.
CAP 2
De fato, no interior do processo de disputa política no seio dos segmentos que emprestaram
seu apoio ao golpe de 1964, os interesses ligados à propriedade fundiária prevaleceram e
esta se manteve não apenas intocada, mas também teve igualmente sua concentração
estimulada (Delgado, 1985). Vastos recursos, sob a forma de subsídios, foram concedidos
com vistas a uma modernização – basicamente tecnológica – daquilo que a lei definia como
latifúndio – por exploração ou por extensão – para transformá-lo em empresa. Por certo, a
intensificação dos conflitos sociais no campo acompanharia todo esse processo. Sob a ótica
institucional, a modernização iniciada no pós-1964 materializou-se numa espécie de divisão
de trabalho entre novas – e antigas, redefinidas – agências do Estado, segmentando, na
prática, a questão agrícola da questão agrária.
Diante de afirmativas como essa, seria pertinente inquirir se, em algum momento de nossa
história, a partilha da grande propriedade interessou a alguém mais além dos trabalhadores
do campo; ou mesmo se a herança latifundiária brasileira deixou de ser alvo das lutas
sociais dos múltiplos tipos de “sem terra” historicamente existentes no país, em busca de
um espaço para sua produção e reprodução social. De fato, não há como discordar do
óbvio: a agricultura brasileira é, medularmente, capitalista.
Ou seja, para uma parte dos especialistas no tema, tudo se passa como se a
industrialização/urbanização da agricultura e a consequente consolidação dos CAIs se
tratasse de uma fatalidade, da inquestionabilidade de uma só tendência possível: a do
modelo de desenvolvimento da agricultura hegemônico. Ora, sabemos que a imposição de
uma só tendência traduz uma visão a-histórica do que seja a própria história, uma vez
esvaziada do conflito. Mesmo quando alguns autores admitem o crescimento da produção
familiar, a partir da qual o aumento da produção agrícola é computado como produção de
alimentos voltados para o autoconsumo, com efeitos mínimos sobre o conjunto da
economia, como no caso de Rezende (1988), está subjacente a imposição e apologia do
padrão hegemônico e a defesa de uma só tendência no agro.
A rigor, o que se encontra por trás dessa questão é o velho debate sobre o “campesinato”
brasileiro, o qual, a despeito de antigo, precisa ser reatualizado, de modo a contribuir para o
avanço do pensamento crítico. Assim, enquanto nos anos de 1950/1960 a produção teórica
e política da esquerda refletia sobre o tema, fazia-o tomando o campesinato como forma
pretérita a ser superada com o avanço das relações de produção no campo. Nos anos de
1970, o campesinato – ou a pequena produção familiar – tornou-se objeto de análise como
forma de produção subordinada ao processo mais amplo da produção capitalista, logo,
passível de sobreviver em sociedades desenvolvidas.
Por certo, os efeitos desse novo processo deslanchado pela consolidação do agribusiness
no Brasil foram os mesmos para os trabalhadores rurais: expulsão, êxodo rural, miséria,
pobreza e, claro, conflito. O que mudara, fora a extração socioeconômica desses novos
latifundiários, que, na maior parte dos casos, eram também empresários industriais ou
financeiros, nem mesmo nacionais o sendo, em boa parte, conforme o quadro I.
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
O Estado brasileiro adquiriu, assim, uma série de novas funções, o que consistiu na terceira
característica da industrialização no período. Ele agora não seria apenas o proprietário de
empresas produtivas, mas também o banqueiro dos capitais privados (por intermédio dos
órgãos públicos de crédito industrial), além do grande planejador da economia como um
todo.
A solução encontrada para tal problema pelo governo foi simples. Não tinha ele tomado
uma série de empréstimos externos para financiar as empresas produtivas estatais e ainda
emprestar aos empresários privados? Então por que não obter ainda mais reservas-ouro
para repassá-las às multinacionais, de modo que estas comprassem os dólares de que
precisavam para remeter os seus lucros para o exterior?