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RESUMO
O objetivo deste texto é discutir, em linhas gerais, algumas facetas das relações entre formação de
professores, trabalho e saberes docentes e suas repercussões nas instituições escolares brasileiras. Mais
especificamente, este texto analisa a condição (do trabalho) docente e a condição de (ser) docente no
Brasil e suas repercussões naquilo que acontece efetivamente nas salas de aula em nosso País.
Palavras-chave: Formação de professores; Saberes; Trabalho docente.
ABSTRACT
The goal of this paper is to discuss some facets of the relationships between teacher education and
teachers’ work and knowledge and their repercussions upon the Brazilian schools. More specifically, this
paper analyzes the teachers’ work conditions and their identities and the implications upon what really
happens in the classrooms in Brazil.
Keywords: Teacher education; Teachers’ work and knowledge.
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Este texto subsidiou a participação do autor em mesa redonda intitulada “Formação de professores, saberes e trabalho docente”, durante
o SITRE - SIMPÓSIO INTERNACIONAL TRABALHO, RELAÇÕES DE TRABALHO, EDUCAÇÃO E IDENTIDADE, 5., 2014, Belo Horizonte. CEFET-MG/UEMG/UFMG, 27-28
maio 2014. Trata-se de uma versão modificada do artigo “Formação de professores, trabalho docente e suas repercussões na escola e na
sala de aula”, publicado na revista Educação & Linguagem, v.10, n.15, p.82-98, jan.-jun. 2007.
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Doutor (Ph.D.) em Educação pela Universidade do Estado de Wisconsin, Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG,
Licenciado em Ciências Biológicas pela UFMG. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da
FaE/UFMG. E-mail: <julioemiliodiniz@yahoo.com>.
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INTRODUÇÃO
A “FORMAÇÃO INICIAL”
Como mencionei acima, muitas vezes, citamos ou utilizamos resultados de pesquisas
produzidas em contextos educacionais bastante distintos do contexto educacional
brasileiro, sem avaliarmos seriamente se os resultados de tais investigações
realmente condizem com a nossa realidade.
No Brasil, em função do grande número de professores leigos3 e/ou dos não
habilitados “adequadamente”, como determina a legislação educacional brasileira,
para o exercício da profissão – entenda-se: conclusão de, no mínimo, curso de
graduação em licenciatura plena –, não poderíamos chamar os programas
ou os cursos de formação de professores, que acontecem nas instituições de
ensino superior brasileiras, de “formação inicial” e, muito menos, de formação
“pré-serviço” – esta última traduzida e adotada acriticamente a partir da expressão
inglesa “preservice teacher education”.
Pensando as especificidades da educação brasileira, o termo “formação pré-serviço”,
por exemplo, é totalmente inapropriado. Esse termo não é adequado à realidade
de várias regiões brasileiras, pois, como se sabe, existe ainda no País um grande
contingente de pessoas que, ao ingressar em um curso ou programa de formação
docente, em uma instituição de ensino superior, já atua no magistério há vários anos.
O termo “formação inicial”, como se sabe, é criticado, mesmo em países onde as
condições do trabalho docente são significativamente melhores, pelo fato de essa
formação iniciar-se muito antes da entrada em um curso ou programa que se desenvolve
em uma instituição de ensino superior. É por isso que propus, em 2008, durante o
XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre, o
termo “formação acadêmico-profissional” em substituição à insuficiente e desgastada
expressão “formação inicial” (DINIZ-PEREIRA, 2008). Como se sabe, a profissão
docente é sui generis, pois, mesmo antes da sua escolha ou de seu exercício, o futuro
profissional já conviveu aproximadamente 12.000 horas com “o professor” durante
o seu percurso escolar (LORTIE, 1975). Parece consenso, na literatura especializada,
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De acordo com a definição oficial do Ministério da Educação, o chamado “professor leigo” é o profissional que exerce o magistério
sem que possua a habilitação mínima exigida. Em relação ao ensino fundamental, são “leigos” os professores de 1ª a 4ª série sem a
formação em nível médio, na modalidade Normal (antigo Magistério) e os professores de 5ª a 8ª série sem curso superior de licenciatura
plena na área específica de atuação (BRASIL, 2003).
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o impacto que toda essa experiência anterior tem na construção de modelos e
concepções do que seja “o professor”, “a aula”, ou do que seja “ensinar”. Modelos
tradicionais que concebem a educação escolar e o ensino enquanto “transmissão
de conhecimentos”, ou, utilizando a conhecida expressão de Paulo Freire, modelos
baseados na “educação bancária” são introjetados ao longo desse percurso e são
difíceis, mas não impossíveis, de serem transpostos no discurso e na prática.
Com isso, pesquisas produzidas em contextos educacionais bastante distintos
do contexto educacional brasileiro afirmam ser “quase nulo” o impacto da
chamada “formação inicial” na mudança da prática docente (ver ZEICHNER,
2013). Tais pesquisas mostram que os programas de “formação inicial” e, mais
especificamente, os estágios e as práticas de ensino não são capazes de mudar
concepções prévias dos alunos, futuros professores, sobre ensino-aprendizagem
e muito menos as suas práticas pedagógicas. Defendo a ideia de que devemos
analisar esses resultados com bastante cautela, principalmente quando tratamos
das características específicas da realidade educacional brasileira.
Antes, é importante lembrar que tais pesquisas têm sido usadas por diferentes
grupos conservadores, em diferentes países, para criticar a eficiência dos programas
de “formação inicial” na transformação da prática docente e da escola (ZEICHNER,
2013). Esses grupos defendem, portanto, a flexibilização e/ou a desregulamentação
da chamada “formação inicial” ou, ainda, que esta seja realizada no menor espaço de
tempo possível, em instituições de ensino superior menos caras do que as universidades.
Voltando, então, ao tema da pesquisa sobre a “formação inicial” de professores,
poderíamos levantar o seguinte questionamento mais geral: Em que modelos se
baseiam os programas e cursos de formação em que se deram tais pesquisas?
Que espaços os estágios supervisionados e as práticas de ensino ocupam nesses
programas? E como esses espaços se articulam com os conhecimentos teóricos
trabalhados ao longo desses programas? Como sabemos, a maioria dos programas
em que tais pesquisas se desenvolvem baseia-se no modelo da racionalidade técnica,
já tão duramente criticado na literatura especializada, porém, ainda hegemônico
entre os nossos programas de preparação de professores (DINIZ-PEREIRA, 1999;
2002). Por sua vez, como se sabe, os estágios supervisionados e as práticas de ensino
ocupam, segundo esse modelo, espaços pouco prestigiados nos currículos: em geral,
aparecem bastante tardiamente nesse percurso, alimentando a ideia de que “chegou
a hora de aplicar os conhecimentos aprendidos (ou supostamente aprendidos) por
meio das disciplinas de conteúdo específico e/ou pedagógicos”. Parece consenso,
nessa literatura, a pouca eficácia desse modelo para a formação profissional, em
geral, e para a formação de professores, em particular (DINIZ-PEREIRA, 1999; 2002).
Também poderíamos perguntar: Em que contextos tais pesquisas foram produzidas?
Em geral, tais pesquisas foram produzidas em países onde não existem “professores
leigos”, pelo menos da forma como entendemos no Brasil, e onde o número de
profissionais não habilitados para o exercício do magistério não é tão significativo.
Por isso, precisamos de pesquisas que avaliem as repercussões da chamada “formação
inicial” em escolas de países como o Brasil, em que o número de “professores leigos”
e o número de professores sem uma habilitação “adequada” (a licenciatura plena,
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no caso do Brasil), atuando no magistério, apesar de ter diminuído bastante nos
últimos anos, ainda é muito grande (BRASIL, 2003; 2009; 2011).
Porém, essa não é a única justificativa para a necessidade de pesquisas que analisem os
impactos da chamada “formação inicial” na educação escolar brasileira. Precisamos
de pesquisas que avaliem as repercussões de programas de formação docente que
consigam romper com o modelo da racionalidade técnica existente nas escolas e
nas salas de aula de nosso País. Daí a pergunta: Qual o papel desses programas na
construção de uma identidade profissional diferenciada dos educadores? Como tal
identidade é confrontada com as diferentes realidades das escolas?
Além disso, convém lembrar que, do ponto de vista político-ideológico, o discurso
neoliberal também procura minimizar o impacto da “formação inicial” sobre a
prática docente. Argumentam que, sob o olhar puramente econômico – eu diria,
“economicista” –, investir em programas de “formação inicial” de quatro ou cinco
anos seria algo muito caro e um “luxo descabido” no caso das populações pobres
e de cor dos países mais ricos e dos países pobres do globo em geral.
Apresentam-se, então, como “solução”, cursos aligeirados de “formação inicial”,
semipresenciais ou a distância, em instituições de ensino superior que não as
universidades ou mesmo fora delas. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem
crescido os chamados “programas de certificação alternativa” de professores
(ZEICHNER, 2013). O que se pretende com essa iniciativa é a desregulamentação
dos cursos e programas de “formação inicial” de professores.
A “FORMAÇÃO CONTINUADA”
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Essa “nova” concepção de escola e, por via de consequência, dos programas de
desenvolvimento profissional (e não apenas de “formação continuada”) de educadores
tem uma relação estreita com a segunda dimensão desta análise: o trabalho docente.
Como mencionei no início deste texto, destaco aqui duas facetas das repercussões
do trabalho docente nas escolas e nas salas de aula brasileiras: a condição
(do trabalho) docente e a condição de (ser) docente.
As condições do trabalho docente continuam, via de regra, bastante ruins no Brasil.
Tais condições variam dependendo da região do País: elas tendem a ser piores nas
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em comparação com o Sul e o Sudeste.
As condições do trabalho docente, como se sabe, também tendem a ser bem piores
no meio rural em relação às condições encontradas no meio urbano. Finalmente,
tais condições variam nas redes públicas e privadas de ensino. Em relação às redes
públicas, em Minas Gerais, por exemplo, as condições do trabalho docente são
bem melhores na rede municipal de Belo Horizonte em comparação às mesmas
condições na rede estadual de ensino.
Dessa maneira, partindo da constatação empírica de que as condições do trabalho
docente continuam muito ruins no Brasil, pode-se também esperar que as
repercussões da “formação inicial” e da “formação continuada” nas escolas e nas
salas de aula brasileiras sejam bastante limitadas.
Quando as condições do trabalho docente são muito ruins, torna-se praticamente
impossível se conceber a escola como um local de produção de conhecimentos e
de saberes. O professor, nessas condições, torna-se um mero “dador de aulas”;
um mero “tarefeiro”. Não há tempo para o estudo e para análises sistematizadas
da prática docente. A “formação continuada”, quando existir, será baseada única
e exclusivamente em cursos de curta duração ou, no máximo, de especialização.
Consequentemente, não seria de se espantar que as pesquisas indicassem que as
repercussões da formação docente, seja ela “inicial” ou “continuada”, nas escolas
e nas salas de aula, sejam muito pouco efetivas.
Em relação à condição de (ser) docente, observa-se que a procura por cursos de
licenciatura, apesar de aumentar nos últimos anos – em função de múltiplos fatores
–, continua relativamente pequena. Além disso, entre aqueles que “escolhem” um
curso de licenciatura, exclusivamente de licenciatura, a identidade profissional que
se constrói nesse curso não é, necessariamente, a de professor. O que demonstra
que a questão da construção da identidade docente é uma temática complexa e
necessária em termos de pesquisas acadêmicas.
Há ainda a necessidade de pesquisas sobre os egressos dos cursos de licenciatura,
principalmente dos egressos dos cursos de licenciatura das melhores universidades do
País. Temos necessidade de saber se o destino desses profissionais é realmente a escola
e a sala de aula. Uma vez confirmado que o destino desses profissionais é realmente
a escola, temos necessidade de saber que escola é esta. É uma escola de elite? É uma
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escola que atende prioritariamente às classes populares? Finalmente, temos necessidade
de saber, entre aqueles cujo destino profissional é realmente a escola que atende às
classes populares, por quanto tempo ali permanecem enquanto docentes e por quê.
são ideias que nunca foram confirmadas por pesquisa e seriam em princípio difíceis
de demonstração. No entanto, essas máximas representam a sabedoria acumulada da
prática e em muitos casos são guias tão importantes para a prática como a teoria ou
princípios empíricos (1986, p.11).
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Essa parte do texto foi escrita com a colaboração da minha ex-orientanda de Mestrado, Mariana Costa Lopes da Silva.
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Recordamos que essas são “formas” entre as quais cada um das categorias gerais de
conhecimento discutidas anteriormente - conteúdo, pedagogia e currículo – podem
ser organizadas. Existem outras categorias importantes de conhecimento, como por
exemplo: as diferenças individuais entre os alunos, os métodos de organização e gestão
da sala de aula, a História e Filosofia da Educação e a administração escolar para citar
apenas algumas. Cada uma dessas categorias poderão ser subdivididas e exprimíveis
através das formas de conhecimento discutidas aqui (SHULMAN, 1986, p.10).
Segundo Tardif (2002), os saberes docentes têm uma origem plural. Dentre as
diversas origens (saberes pessoais, da formação escolar, dos programas e livros
didáticos, da formação profissional etc.), destaco os saberes provenientes da
experiência na profissão, os saberes adquiridos por meio da prática. O autor explica
que os saberes da experiência ou da prática são aqueles adquiridos e consolidados
por intermédio da prática cotidiana da profissão docente e que não provêm dos
cursos de formação ou currículos. Esse saber pode ser transmitido ou trocado entre
os pares, os professores em exercício. A troca de experiências é uma das formas em
que o saber da experiência é objetivado e, assim, passível de ser registrado.
É através das relações com os pares e, portanto, através do confronto entre os saberes
produzidos pela experiência coletiva dos professores, que os saberes experienciais
adquirem uma certa objetividade: as certezas subjetivas devem ser, então, sistematizadas
a fim de se transformarem num discurso de experiência capaz de informar ou de formar
outros docentes e de fornecer uma resposta a seus problemas (TARDIF, 2002, p.32).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito deste texto foi discutir, em linhas gerais, algumas facetas das
relações entre formação de professores, o trabalho e os saberes docentes.
Primeiro, apresentei, muito sucintamente, o debate sobre a “formação inicial” e a
“formação continuada” e suas respectivas repercussões nas instituições escolares.
Como mencionei anteriormente, precisamos fazer uma leitura bastante crítica das
pesquisas sobre formação de professores produzidas em países com realidades
educacionais bastante diferentes da realidade educacional brasileira e onde as
condições do trabalho docente são muito distintas daquelas de nossas escolas.
Analisei também, muito brevemente, a questão do trabalho docente e, mais
especificamente, o que denomino a condição (do trabalho) docente e a condição de
(ser) docente e suas repercussões naquilo que acontece efetivamente nas instituições
escolares brasileiras. Vimos que, quando as condições do trabalho docente são
muito ruins, é praticamente impossível para o professor estudar e fazer análises
sistematizadas de sua prática pedagógica. Nesse contexto, adotam-se, então,
estratégias pobres e pouco eficazes de “formação continuada” de professores.
Por fim, apresentei, muito resumidamente, o chamado “movimento pela
profissionalização do trabalho docente” para destacar a dimensão dos chamados
“saberes docentes” nessa discussão. Apesar de se tratar de um movimento que
tem um potencial enorme, também aqui devemos nos preocupar com a leitura
crítica dessas produções acadêmicas, pois ideias muito bem fundamentadas e bem
intencionadas como àquelas sobre os “saberes experenciais”, por exemplo, podem
se transformar em um prato cheio para os nossos políticos e gestores justificarem
a não necessidade de aprimoramento profissional por parte dos docentes, uma
vez que estes acumulam conhecimentos e saberes à medida que simplesmente
permanecem no magistério – isto independentemente das condições em que este
se realiza –, o que, na verdade, se trata de um absurdo!
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