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A L E S S A N D R O V I L AS B OAS

1a Edição

S. J. Campos, SP
2020
Editora DO M A
Avenida Nove de Julho, 765 • Sala 31 • Jardim Apollo
12243-000 • São José dos Campos, SP
telefone: (12) 3600-5980
e-mail: contato@editoradoma.com • www.editoradoma.com

por Alessandro Vilas Boas


Jesus, um Pai de família

As referências bíblicas foram extraídas da versão Nova Almeida Atuali-


zada (NAA), salvo menção contrária.
Todos os direitos reservados à Editora DOMA. É proibida a reprodução
por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Edição, preparação e revisão:


Débora Mühlbeier Lorusso
Revisão:
Chico Milk
Capa:
Breno Peterson
Ilustração:
Lucas Silveira
Diagramação:
Waldemar Suguihara

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vilas Boas, Alessandro


20-48022 Jesus, um Pai de família [livro eletrônico] / Alessandro Vilas
Boas. – 1. ed. – São José dos Campos, SP: Editora Doma, 2020.
ePub

ISBN 978-65-86994-04-9

1. Igreja. 2. Jesus Cristo I. Título.

CDD 232

Índices para catálogo sistemático:


1. Jesus Cristo: Cristologia – 232
Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427
DEDICATÓRIA
Esta obra é fruto de anos de dedicação à ora-
ção. Ainda assim, com toda a certeza, eu não a
teria completado sem a Igreja. Dedico este livro,
portanto, aos meus irmãos da Igreja ONE, que há
anos caminham comigo, ajudando-me e sendo
ministros de Deus à minha vida. Dedico a todos os
irmãos e amigos que me concederam o privilégio
de participar de suas histórias e tornar-me uma
voz a elas, como pastor e líder. A vocês, meu eterno
amor e incansável fidelidade. Vocês são carne da
minha carne e sangue do meu sangue.
Dou graças a Deus por minha esposa, que
sempre me empurra ao propósito eterno de Deus,
guardando nossa família não só em oração, mas
exortação. Não poderia deixar de dedicar este livro
à ela, que me conhece como ninguém nesta terra e,
ainda, partilha comigo a busca por viver esta men-
sagem dia após dia. Brunna, este trabalho é tão
meu quanto seu. Você é a mulher da minha vida!
Amo você e amo a família que temos construído
juntos, tanto a terrena quanto a espiritual.
SUMÁRIO
5 Dedicatória
8 Recomendações
10 Prefácio
14 Este é aquele, isto é aquilo: não é uma introdução

20  Dança da Trindade


20  Uma resposta tripla
22  Monoteísmo distinto: Um só Deus são Três
27  O Pai
28  O Filho
30  O Espírito Santo
33  Família eterna
39  Convidados a dançar

44  Jesus Pai


44  Não é erro teológico
49  Filhos: a revelação do mistério continua
52  Cruz: homem e Deus, homem e homem
54  Família de mortos

58  Não me defenda, apascente!


58  Depois de dizer isso...
59  Lugar secreto compartilhado
66  Armados no Jardim
70  Judas: traidor de Jesus
72  Pedro: traidor do povo de Jesus
83  Fiel à palavra, infiel à família
85  Seguidores da cabeça decepada
88  Igreja que Jesus inaugurou na Terra
88 Qahal, não empresa
97 Uma igreja paternal
101 Cultura, não título
104 Governo em favor, não sobre
107 Liderança plural

114  Família que discipula


114  Não subestime o poder do corpo
116  Relacionamento, não método
125  Transparente e vulnerável
129  Fira-me o justo
137  Como confiar em pessoas
137  Ainda existe uma cruz

140  Minha casa, uma casa de discipulado


140 Pregação da vida comum
142 Como viviam os convertidos
146 Cultura da hospitalidade
150 Equilíbrio do tempo
154 Partir do pão: não só, mas também
156 Ninguém me deve nada

160  Igreja madura


160  Porque amo, sirvo
166  Até ser desnecessário
168  Maduros são os mortos
171  Quem Deus envia
RECOMENDAÇÕES

Na posição de esposa, recomendo o autor e o livro,


afirmando que ambos são verdadeiros – a revelação que
você encontra aqui tem alimentado nossa casa e nossa
igreja por anos. Hoje, somos parte de uma cultura: Jesus
Se fez Pai para relevar Sua Igreja como uma família. Há
tanto poder nesta mensagem! Há tanta cura! Eu convido
você a conhecer e provar o sabor vivo e transformador
destas palavras. Duvido que você continue o mesmo.
Brunna Vilas Boas

Nós estávamos lá quando esta mensagem foi prega-


da pela primeira vez. Como família, temos colhido o fruto
dela ao longo dos anos – a revelação foi encarnada e vivi-
da por nossa igreja. Cremos que este livro não é apenas
uma expressão do Alessandro, mas de todos que temos
vivido esta poderosa verdade em nosso meio. O que você
lerá nestas páginas foi recebido de Deus, vivido na prática,
amadurecido na vida e comprovado por aqueles que nos
acompanham. Você nunca mais será o mesmo!
Prisca e Gabriel Cantarino

Neste livro, Alessandro escreve de maneira pro-


funda e prática sobre nossa vida com a família de Deus,
a Igreja. Esta não é uma mensagem que apenas o vimos
pregar, mas que o vimos viver. Durante anos de cami-
nhada com Ale e Bru, continuamos a experimentar desta
revelação todos os dias, sendo, juntos, uma família espiri-
tual. Temos certeza de que esta mensagem transformará
sua casa, assim como tem transformado a nossa.
David e Ana Cardoso

O conhecimento de Deus é o mais majestoso e su-


blime que podemos possuir. Na verdade, conhecê-Lo é
o propósito da vida. Neste livro, Alessandro levará você
mais fundo nesse conhecimento do Deus triúno, ressal-
tando aspectos da pessoa de Jesus que o encherão ainda
mais de amor por Ele – e, especialmente, por Sua família.
Pastor Lipão
Conheço o Alessandro há alguns anos e, como tudo
que ele transborda, seja na mesa, compondo, pregando,
ou escrevendo, comecei a ler o livro esperando receber
algo carregado de paixão por Jesus. Com certeza, minha
expectativa não foi frustrada.
Mas não é só isso. Este material é rico na exposição
bíblica. Simples na linguagem, profundo na revelação.
Fui edificado e ministrado a respeito de temas pontuais
e complexos para nossos dias. Revi conceitos como o
que, de fato, é ser família espiritual e o que é ser Igreja de
Jesus. Fui muito abençoado e tenho certeza de que você
será também.
Farley Labatut

Lembro-me como se fosse ontem a primeira vez que


entrei no apartamento do Ale. Eu estava faminto por Deus!
Havia passado os três meses que antecederam aquele en-
contro cantando “eu não trouxe nada para a mesa”. Eu sa-
bia que existia mais, mas não sabia como alcançar. O livro
que você tem em mãos é um convite a uma profundidade
só possível de ser experimentada por pessoas que, ape-
sar de diferentes, compartilham do mesmo pão e comem
à mesma mesa. Há um mergulhar reservado a quem de-
cide viver a família de Jesus.
Luca Martini

Este livro articula conceitos básicos da fé cristã


como Trindade e Eclesiologia, mas com uma abordagem
surpreendente! É impossível não se apaixonar com a
maravilhosa dança da Trindade, com toda a Sua beleza e
mistério. Mais que isso, sinta-se honrado ao ouvir o gentil
convite a participar dela.
Alessandro Vilas Boas, mais uma vez, traz-nos um li-
vro que corta dos dois lados: paixão por Jesus e paixão pela
igreja. Mais do que nunca, precisamos desta mensagem!
Victor Vieira
PREFÁCIO

Normalmente, não percebemos o quanto aquilo que


fazemos, falamos e pensamos é moldado pela cultu-
ra da sociedade na qual vivemos. Muito além de ge-
neralizações como “americanos são materialistas”,
“brasileiros são passionais”, “europeus são fecha-
dos”, a cultura tem impacto direto na maneira como
nos relacionamos com o próprio Deus.
Isso ficou ainda mais claro para mim enquanto
conversava com um experiente missionário alemão,
que tem gasto décadas evangelizando nações. Ele
me contou uma história sobre um homem do Orien-
te Médio, que fora evangelizado por muitos meses.
Durante o tempo de evangelismo, Jesus curou radi-
calmente aquele homem em seu corpo físico, além
de o missionário ter passado incontáveis horas dis-
cutindo com ele a Bíblia. O homem realmente acredi-
tou que Jesus era o filho de Deus.
Apesar disso, ele nunca havia confessado Jesus
como seu Salvador. Sentindo-se frustrado, o missio-
nário então perguntou-lhe: “Você já está pronto para
receber Jesus?”. Ele respondeu: “Quase. Eu tenho
uma família muito grande. Tem sido um longo pro-
cesso de convencimento, mas agora praticamente
todos concordaram. Nós estamos apenas esperan-
do o consentimento da minha nora. Quando ela con-
cordar, nós receberemos Jesus.”.
Essa história evidencia a enorme diferença de
mentalidade entre o mundo oriental e o mundo oci-
dental. Na maioria das vezes, as decisões importan-
tes numa sociedade oriental são tomadas pela famí-
lia, e não por um indivíduo. Casamento, universidade,
carreira e até mesmo religião dos indivíduos são de-
cididos em família. É similar ao relato do carcereiro
registrado no livro de Atos:

Creia no Senhor Jesus e você será salvo — você e toda


a sua casa.
Atos 16.31
11
Esse pensamento é completamente estranho
ao mundo ocidental. A unidade familiar não é tão
forte ou importante à nossa sociedade como é no
Oriente. Nossa cultura tem nos programado para
pensarmos individualmente. “O que é melhor para
mim?”, “O que eu quero fazer?”, “Onde eu quero ir?”.
Nós classificamos isso como decisões pessoais, nas
quais ninguém tem o direito de interferir.
Tal individualidade é fortalecida pelo avanço da
Prefácio

tecnologia moderna. Pela internet, redes sociais e


plataformas de comunicação, nós podemos fazer
quase tudo sozinhos. Com as redes sociais, não exis-
te a necessidade de comunhão com os amigos; nós
temos incontáveis amigos virtuais. Por meio da in-
dústria da pornografia, multidões ao redor do mundo
podem satisfazer seus desejos sexuais sem sequer
sair de suas casas ou ter contato com outra pessoa.
Assim como foi profetizado em Hebreus 10.25,
muitos na Igreja até esqueceram do congregar, op-
tando por uma forma mais fácil de Cristianismo: me-
ramente assistem algumas mensagens nas redes
sociais, mas não enfrentam os desafios de aprender
a andar em harmonia com outros, prestar contas
em relacionamentos, ou submeter-se às autorida-
des constituídas por Deus.
A cultura de Deus nos ensina que a sociedade
do céu é bem diferente. Ela foi fundada por um Deus
triúno. Neste livro, Alessandro Villas Boas desmisti-
fica o grande mistério da Trindade, mostrando-nos
como o entendimento da tripla natureza de Deus é
a base para o entendimento da cultura do céu. Deus
é Pai, Filho e Espírito Santo. Deus é família! A base
da cultura que Jesus veio estabelecer é família. O
Pai, o Filho e o Espírito Santo têm andado juntos, em
12 perfeita harmonia e constante comunhão através
da eternidade.

Façamos o homem.
Gênesis 1.26

Vamos descer e confundir a língua que eles falam.


Gênesis 11.7

Quem irá por nós?


Jesus, um Pai de família

Isaías 6.8

No início de Gênesis, Deus declarou: “Não é bom


que o homem esteja só”. Assim como o Deus triúno
vive continuamente em perfeita harmonia e com-
panheirismo, Ele deseja o mesmo para Sua igreja.
A base do Cristianismo foi enfatizada por Jesus no
livro de João, capítulo 17, de maneira simplificada,
pouco antes de Ele ir para a cruz:

A fim de que todos sejam um. E como tu, ó Pai, estás em


mim e eu em ti, também eles estejam em nós.
João 17.21

Quando nós entendemos esse princípio da cul-


tura do céu, nós podemos entender melhor o pro-
pósito eterno de Deus. O desejo de todo bom pai é
que seu filho possa um dia também se tornar pai. O
propósito eterno de Deus foi enviar Jesus como um
Pai de família.

Mark Shubert

13
Prefácio
ESTE É AQUELE, ISTO
É AQUILO: NÃO É UMA
INTRODUÇÃO

Há tempos, Jesus ministra ao meu coração sobre


eternidade. Nas palavras do próprio Cristo, “a vida
eterna é esta: que conheçam a Ti, o único Deus ver-
dadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).
Em meu livro anterior, “Quem é Jesus”, abri meu co-
ração quanto a este fogo em meu peito, que não me
dá descanso: quero conhecer Jesus. Tudo perde o
valor diante da “sublimidade do conhecimento de
Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele perdi to-
das as coisas e as considero como lixo, para ganhar
a Cristo e ser achado nele.” (Fp 3.8,9).
Sim, quem é Jesus é uma pergunta eterna. Res-
pondê-la é o que farei para sempre, sem tédio nem
monotonia, porque há uma fonte inesgotável em
quem Ele é. Por que eu deixaria para viver o propósito
eterno só depois de minha morte, ou quando Cristo
voltar? Minha vida eterna já começou! Cada encon-
tro com o Filho de Deus é uma vivência da eternida-
de. Mais que isso, cada dia de relacionamento com
Ele é um passo em direção à satisfação plena – sou
satisfeito quando sou o que fui criado para ser, a sa-
ber, um incansável conhecedor do Filho de Deus, que
progressivamente torna-se como Ele.
Eu estou falando de relacionamento, e não de
ser cantor, pastor, missionário, empresário. Ser
amigo dEle, e não apenas Seu funcionário. Posso ser
vocacionado a fazer algo, mas meu chamado eterno,
acima de qualquer vocação, é conhecer Jesus – o
resto vem a partir de então, como fruto.
Aqui se encontra o ponto da virada, que me faz
concluir ser incoerente chamar estas linhas de in-
trodução. Apesar de constarem nas primeiras pá-
ginas deste livro, elas tratam de uma continuação
do propósito eterno de conhecer Jesus. Quem em-
barca na jornada de conhecê-Lo fatalmente chega a
uma estação chamada família – é o prosseguimento
15 da viagem, e não há como seguir para o destino sem
passar por ela.
O que você tem em mãos é um convite a con-
tinuar vivendo a eternidade, segundo o modelo que
há no céu. E no céu existe não apenas um processo
incessante de conhecer Cristo, mas um movimento
contínuo de ser a família dEle. Você pode começar
o trilho sendo apresentado a Jesus, mas não pode
continuar sem viver em Sua família, com tudo que
isso implica. Se até o nosso Deus não é sozinho, mas
Este é aquele, isto é aquilo: não é uma introdução

triúno, como avalizar quem quer seguir só? O padrão


celestial e eterno não é individual.
Talvez o assunto família espiritual toque uma fe-
rida dolorida, exposta no mundo cristão de nossos
dias, porém não sem cura. Oro para que você duvi-
de do que eu falo, mas não do que Jesus diz, porque
quando você O conhece, está diante da Verdade em
pessoa – e a verdade liberta. Siga por estas páginas
de mãos dadas com Ele, tendo uma revelação do que
é, para Cristo, ser Igreja. Assim, seja curado para in-
tegrar-se e desfrutar plenamente do que é ser uma
família eterna de filhos apaixonados por conhecer
Jesus e fiéis à família de Cristo.
João Batista gastou a vida em jejuns e orações.
Ele podia orgulhar-se de sua santidade, como al-
guém que escolheu habitar o deserto da abnegação
para preparar o caminho ao Messias. No entanto,
qual é o testemunho de João Batista ao encontrar
Jesus? Ele fala de seu próprio ministério? Não. De
que família ele próprio descende? Também não. De
como conseguia viver em jejum e oração constan-
tes? Não.

João dá testemunho a respeito dele e exclama:


— Este é aquele de quem eu dizia: “Ele vem depois de
mim, mas é mais importante do que eu, pois já existia
16 antes de mim.” Porque todos nós temos recebido da
sua plenitude e graça sobre graça. Porque a lei foi dada
por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por
meio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu Deus; o Deus
unigênito, que está junto do Pai, é quem o revelou.
Este foi o testemunho de João, quando os judeus lhe
enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para per-
guntar: “Quem é você?” Ele confessou e não negou;
confessou:
— Eu não sou o Cristo.
João 1.15-20
Jesus, um Pai de família

João Batista testemunha que não é o Cristo:


“Este é aquele”. Ele poderia ter dito muito acerca de
si próprio, porque trabalhara até ali para estender o
tapete a Jesus. Mas não, ele não apontou o holofote
ao seu trabalho ministerial. Tenho um palpite acerca
do motivo dessa humildade, e ele está relacionado a
um estilo de vida no secreto, no deserto.

Então ele respondeu:


— Eu sou “a voz do que clama no deserto: Endireitem o
caminho do Senhor”, como disse o profeta Isaías.
João 1.23

Um evangelista da era dos memes e dos tweets


poderia definir a si próprio citando quantos segui-
dores possui, ou qual o tamanho de seu ministério,
porém João Batista chamou a si mesmo de “voz do
deserto”. Aquele homem escolheu uma vida no de-
serto, afastado de tudo que poderia ser classificado
como atrativo. Ele se recolheu a uma busca intensa
no lugar secreto.
A igreja de João Batista não era confortável,
nem tinha ar condicionado, talvez nem onde sentar.
Pelo tipo de roupas que usava, é possível que não
cheirasse bem. Nesse lugar, constituiu discípulos. O
17 que aconteceu? Ninguém menos que o próprio Cris-
to foi à sua igreja. O Messias pediu que João Batista
o batizasse.
Foi ele quem orou “convém que Ele cresça e que
eu diminua” (Jo 3.30). Um homem que escolhe o se-
creto e acaba conhecendo Jesus nesse deserto não
aponta a si mesmo, mas a Ele. “Este é aquele”, “Este
é aquele”.
Oro para que este livro desperte muitos João
Batista, forjados no secreto, no Jardim do relacio-
Este é aquele, isto é aquilo: não é uma introdução

namento, que se separam de tudo para preparar o


caminho de Cristo. E, quando O reconhecem, não
creditam nada a si próprios, mas chamam todos os
olhares a Quem os merece, Cristo.
Ao mesmo tempo, não oro por cristãos que
professam somente “Este é aquele”, mas também
“isto é aquilo”.

Pedro, porém, pondo-se em pé com os onze, levantou a


voz e disse-lhes: Varões judeus e todos os que habitais
em Jerusalém, seja-vos isto notório, e escutai as mi-
nhas palavras. Estes homens não estão embriagados,
como vós pensais, sendo esta a terceira hora do dia.
Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel:
E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Es-
pírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos
e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão
visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e também
do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e
minhas servas, naqueles dias, e profetizarão; e farei
aparecer prodígios em cima no céu e sinais em baixo
na terra: sangue, fogo e vapor de fumaça. O sol se con-
verterá em trevas, e a lua, em sangue, antes de chegar o
grande e glorioso Dia do Senhor; e acontecerá que todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
Atos 2.14-21 (ARC)

Esse discurso de Pedro foi feito após a descida


do Espírito Santo, em Pentecostes, em uma atitude
18 de reconhecimento: “isto é o que foi dito pelo profe-
ta”, “isto é aquilo”. O apóstolo discerniu o derramar,
que tem como resultado novos discípulos. Do que
estamos falando? De uma Igreja sendo cheia do Es-
pírito nos últimos dias. A onda que se levanta hoje
também é essa, a última, que antecede a colheita fi-
nal. Os mesmos discípulos que dizem “Este é aquele”
no lugar secreto do relacionamento também devem
reconhecer o avivamento, “isto é aquilo”, em um am-
Jesus, um Pai de família

biente coletivo, familiar:

E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comu-


nhão, no partir do pão e nas orações.
Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais
eram feitos por meio dos apóstolos.
Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em co-
mum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuin-
do entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.
Diariamente perseveravam unânimes no templo, par-
tiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições
com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus
e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto
isso, o Senhor lhes acrescentava, dia a dia, os que iam
sendo salvos.
Atos 2.42-47

“Este é aquele” no secreto, “isto é aquilo” na fa-


mília. Se pudesse resumir o livro “Quem é Jesus”, di-
ria que é um chamado a “Este é aquele”. Já aqui, em
“Jesus, um Pai de Família”, o convite é a prosseguir
para “isto é aquilo”, no ambiente da Igreja de Cristo,
uma Igreja paternal, uma família.
E acredite: entender o que de fato é a Igreja
inaugurada por Jesus pode não apenas surpreender
você, mas incendiar seu coração de amor. Primeiro,
é claro, por Ele, mas também pelo que Ele ama: Sua
Noiva, Sua Igreja, a família em que Jesus é o Pai.
19
Este é aquele, isto é aquilo: não é uma introdução
DANÇA
DA TRINDADE

Uma resposta tripla

Depois de entender que “Quem é Jesus” é a per-


gunta da vida e a resposta está no relacionamento
íntimo, constante e eterno com Quem Ele é, um ho-
rizonte se abre diante do indagador. Há muitas face-
tas de Cristo a conhecer, uma tarefa que demanda
tempo – literalmente, o infinito, porque a eternidade
não O esgota.
Existe, entretanto, algo a mirar nessa busca de
conhecimento de Jesus: a essência. Em Sua consti-
tuição essencial, quem é Jesus? A resposta é tripla:
Ele não é um, mas três. O único Deus é trino, ou me-
lhor, triúno.
Apesar de muita gente procurar diminuir a re-
levância do assunto da Trindade, trata-se de uma
base inegociável do evangelho. Certos fundamentos
nos definem enquanto cristãos, então conhecê-los é
imprescindível. Ao longo da história da Igreja, mui-
tas heresias, especialmente as que possuem raízes
no gnosticismo, tentaram diminuir a magnitude de
Deus ao relevar ou não compreender a Trindade.
Trata-se de uma doutrina elementar, citada no
reconhecido “Credo apostólico”, que foi criado e con-
solidado nos primeiros séculos da era cristã para re-
sumir nossa fé:

Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu


e da terra.
Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Se-
nhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo;
nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôn-
cio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu
ao mundo dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; su-
biu ao céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Po-
deroso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja de Cristo,
na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na
ressurreição da carne, na vida eterna. Amém.
21
Com a intenção de unificar a Igreja e combater
heresias, nasceu o Credo. Por si só, não seria sufi-
ciente para defender todos os aspectos do Cristia-
nismo, incluindo tópicos como justificação pela fé,
eclesiologia e retorno de Cristo. No entanto, deter-
mina o alicerce: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, a
Santa Trindade.
Sendo assim, quem decide pela fé cristã deve
conhecer a Trindade. O próprio Filho orou ao Pai
Dança da Trindade

para que entendêssemos a importância de sermos


um entre nós e com Ele, como Ele é um com o Pai, in-
dicando que o núcleo eterno e exemplar para nossa
caminhada de fé é a Trindade:

— Não peço somente por estes, mas também por aque-


les que vierem a crer em mim, por meio da palavra que
eles falarem, a fim de que todos sejam um. E como tu, ó
Pai, estás em mim e eu em ti, também eles estejam em
nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes
transmiti a glória que me deste, para que sejam um,
como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que
sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo co-
nheça que tu me enviaste e os amaste, como também
amaste a mim.
João 17.11,20-23

Se consta na oração do próprio Messias pelos


cristãos de todos os tempos, inclusive você e eu,
como relevar? Entender o relacionamento sinérgico
e eterno entre Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito
Santo é indispensável não somente a teólogos e es-
tudiosos, mas para todos os crentes em Jesus cuja
oração consiste em “seja feita a Sua vontade, aqui na
Terra como no céu”. A Trindade é o padrão celestial,
preexistente à humanidade, ao mesmo tempo que
contínuo, ininterrupto, ontem, hoje e para sempre.
Antes de trazer o céu à terra, primeiro neces-
22 sitamos de compreender o que se passa no céu.
Com um vislumbre da Trindade, saberemos qual é a
imagem celestial que nos originou, à qual podemos
ser semelhantes não apenas individualmente, mas
como Igreja. O evangelho não é vetero nem neotes-
tamentário, mas eterno – e diz respeito à Trindade.

Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evan-


gelho eterno para pregar aos que habitam na terra, e a
cada nação, tribo, língua e povo.
Jesus, um Pai de família

Apocalipse 14.6

Monoteísmo distinto: Um só Deus são Três


Quando Deus dá a lei a Moisés, as bases da
lei moral já escritas nos corações daqueles que se
relacionavam com o Senhor passam a ter registro
físico e didático. E os dez mandamentos são enca-
beçados pela ordem expressa de não ter outros
deuses, nem produzir imagens de escultura para
adorá-las: “Não adore essas coisas, nem preste culto
a elas” (Ex 20.5).
A nação de Israel não apenas se estabelecia
apoiada no princípio de um único Deus como se dife-
renciava de outros povos por causa disso. Isso por-
que, cedo, a humanidade caída passara a acreditar
e venerar outros deuses. A chegada da Lei mosaica
cravou, para que não ficasse mal-entendido:

— Escute, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.


Deuteronômio 6.4

Esse versículo se tornou a profissão central de


fé dos judeus. Há orações e momentos específicos
nos ritos judaicos reservados à repetição destas
23 palavras: Shemá Yisrael, Ado-nai Elohenu, Ado-nai
Echad. Desde pequenos, os judeus são ensinados a
orar tal frase, juntamente a outras, na prece que ga-
nhou o nome de Shemá.
O imperativo foi dito pelo próprio Deus não
como um teste do canal auditivo. Não se trata de
simplesmente escutar. Shemá é um chamado à
obediência, uma ordem de Deus pela observância
de algo. Mas o quê? O que deve ser obedecido? O
monoteísmo, a adoração a um único Senhor. Era
Dança da Trindade

precisamente essa devoção a um único Deus que di-


ferenciava os judeus de outros povos, em um tempo
de predominância politeísta.
Vamos ponderar sobre o contexto. Os egípcios,
que subjugaram os hebreus antes do Êxodo, são
exemplos bíblicos de politeístas (Js 24.14) – alguns
do povo escolhido se contaminaram com a prática
egípcia e também passaram adorar outros deuses.
No tempo dos juízes, um forte zelo divino impulsio-
nou Gideão a destruir todos os altares levantados
ao deus Baal (Jz 6.25-27) – e levantados pelos pró-
prios judeus.
Já na época dos reis de Judá e Israel, encon-
tramos em Josias o mesmo temor, que o fez destruir
mobiliários e materiais utilizados no culto a Baal, à
deusa Aserá e a todo o exército dos céus, bem como
aniquilar sacerdotes e derrubar casas de prostitui-
ção ao redor do templo (2Re 23.4-7). Os profetas, na
mesma linha, acusavam o povo de adultério, classifi-
cando a idolatria como uma traição à fidelidade de-
vida ao único marido, o Deus da aliança.
Desde aqueles tempos até o fim da Bíblia, a
idolatria e adoração a outros deuses é fortemente
condenada:

Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestes,


24 para que tenham direito à árvore da vida e entrem na
cidade pelos portões. Fora ficam os cães, os feiticeiros,
os impuros, os assassinos, os idólatras e todo aquele
que ama e pratica a mentira.
Apocalipse 22.14-15

O que identificamos? A raiz das religiões mono-


teístas, que são apenas três: Islamismo, Judaísmo
e Cristianismo, todas nascidas no Oriente Médio.
O fundamento monoteísta da fé judaica também é
Jesus, um Pai de família

base da fé islâmica e da fé cristã: há um só Deus, e


adorar outros deuses é pecado capital.
No entanto, o monoteísmo cristão se difere na
doutrina da Trindade, um dos grandes mistérios de
nossa fé. Três pessoas diferentes formam o único
Deus, e Ele continua sendo um só. A Trindade é o úni-
co Senhor, descrito na Shemá, em quem converge
nossa fé, Aquele que é o fundamento de nosso credo.
Não subestime o significado dessa verdade
apenas porque está acima da capacidade huma-
na de compreensão. Precisamos do Espírito Santo
atuando em nós, dando-nos a mente de Cristo, para
alcançar uma revelação da essência de nosso Deus.

Aqueles que negam tudo o que são incapazes de


compreender negam que Deus seja uma Trindade.
A. W. Tozer, em “O Conhecimento do Santo”
Há quem rejeite aquilo que não consegue com-
preender – estes não são capazes de reconhecer a
Trindade, nem de viver as bênçãos decorrentes de
tê-la reconhecido. Não pesa contra a doutrina do
Deus triúno o fato de não poder ser humanamente
explicada, pelo menos não em sua completude nem
de forma satisfatória; pelo contrário, leva-nos à uma
busca pela revelação espiritual, porque coisas espi-
rituais se discernem espiritualmente.
25
Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela
sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, confe-
rindo coisas espirituais com espirituais. Ora, a pessoa
natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque
lhe são loucura. E ela não pode entendê-las, porque elas
se discernem espiritualmente.
1Coríntios 2.13-14

O justo vive pela fé, então arme-se de sua fé, en-


charque-a com o Espírito da verdade e siga adiante
Dança da Trindade

nesta leitura.
Primeiro, reconheçamos: nem a mente mais
criativa poderia ter inventado esse conceito. Segundo,
há uma maré contrária, chamada de antitrinitarianis-
mo, defendida até por outros polos monoteístas, tanto
o Islamismo quanto linhas do próprio Cristianismo.
Longe de querer esgotar um assunto tão pro-
fundo, quero apenas apontar biblicamente e histori-
camente algumas das referências à Trindade, a co-
meçar pela Confissão de Fé de Westminster. O texto
foi constituído no século 17, após extensos debates
sobre uma necessária reforma doutrinária na Igreja
da Inglaterra. Observe este trecho, extraído do capí-
tulo “De Deus e da Santíssima Trindade”:

Na unidade da Divindade há três pessoas de uma


mesma substância, poder e eternidade: Deus o Pai,
Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O Pai não é de
ninguém: não é nem gerado, nem procedente; o Filho é
eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eterna-
mente procedente do Pai e do Filho.

Deus é um, uma unidade de Divindade. Entretan-


to, nela, há três pessoas de uma mesma substância –
igualmente Deus, igualmente eternos. Em momento
nenhum, deixe que sua mente limitada ouse pensar
26 que Deus não é um. Deus é um, e somos seguidores
monoteístas. Aquilo que pensamos acerca de nosso
Senhor é crucial, porque rege a maneira como nos
comportamos – nosso Deus é único.
Lembrando da Shemá, é possível destacar ou-
tro termo no texto de Dt 6.4: Echad, que significa
“um”. Essa palavra admite a possibilidade de ser usa-
da para representar uma unidade composta:

Por isso, o homem deixa pai e mãe e se une à sua mu-


lher, tornando-se os dois uma só carne.
Jesus, um Pai de família

Gênesis 2.24

E o Senhor disse:
— Eis que o povo é um, e todos têm a mesma língua. Isto
é apenas o começo; agora não haverá restrição para
tudo o que planejam fazer.
Gênesis 11.6

Há quem conteste essa interpretação, por isso


não é suficiente para provar a triunidade – apesar
disso, a possibilidade de unidade composta não deve
ser ignorada. Isso porque existem muitas outras evi-
dências bíblicas da Trindade, como o fato de Deus fa-
lar de Si mesmo no plural em Gênesis 1.26: “Façamos
o ser humano à nossa imagem”, além do episódio da
torre de Babel, em Gn 11.7: “Venham, vamos descer e
confundir a língua que eles falam”.
Embora não sejam poucas as demonstrações
bíblicas da existência de um conselho divino e san-
tíssimo de três pessoas, gostaria de trilhar com você
outro caminho, simples e lógico: provando a divinda-
de de cada um – Pai, Filho e Espírito Santo. Somemos
a deidade dos três à garantia da Shemá, de que há
um único Deus. Se há um único Deus e, ao mesmo
27 tempo, a divindade de cada um dos três é verdadei-
ra, então a conta fecha na Trindade: Eles são Deus,
e não deuses. Eles são Echad, Eles são um só Deus.

O Pai
Deus Pai é preexistente e criador de todas as
coisas, o qual era, é e sempre será. Ele não se tornou,
porque sempre foi. Figura mais aceita da Trindade,
Dança da Trindade

também foi quem estabeleceu todas as coisas antes


da fundação do mundo. Na dispensação dos tempos,
manifestou Seu Filho Jesus Cristo para executar o
plano eterno de salvação dos homens e estabeleci-
mento de uma família.

No princípio, Deus criou os céus e a terra.


Gênesis 1.1

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cris-


to, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais
nas regiões celestiais em Cristo.
Efésios 1.3

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o


seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna.
João 3.16
Do Velho ao Novo Testamento, a divindade do
Criador é explícita, adorada e temida. Em “Teologia
Sistemática”, Wayne Grudem explica a paternidade
e, portanto, posição de governo de Deus Pai, descrita
nas Escrituras:

Na criação e no plano de redenção, o Pai se apre-


senta como aquele que planeja, dirige e envia por conta
de seu caráter paternal e criativo. Ele assim executa
porque quem Ele é implica no que Ele faz, portanto, co-
28 mandar, dirigir e enviar é adequado à sua posição de
Pai, que é o modelo de toda paternidade humana.

O Filho
A contestação da divindade de Jesus é com-
posta por um rio de heresias. Em minha opinião, o
apóstolo João é quem melhor eleva e explica a dei-
dade do Filho – aliás, parece ser um de seus temas
Jesus, um Pai de família

preferidos. Ao dizer que Jesus veio antes do João


Batista (Jo 1.15) e de Abraão (Jo 8.58), o escritor
crava que Cristo é maior. Um não era nem digno de
desatar as sandálias, outro era apenas servo, mas
Jesus estava acima: Filho de Deus, um com o Pai ce-
lestial. Veja algumas das poderosas declarações do
apóstolo João:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus,


e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.
Todas as coisas foram feitas por ele, e, sem ele, nada do
que foi feito se fez.
João 1.1-3

Eu e o Pai somos um.


João 10.30
— Pai, a minha vontade é que, onde eu estou, também
estejam comigo os que me deste, para que vejam a mi-
nha glória que me conferiste, porque me amaste antes
da fundação do mundo.
João 17.24

O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos


com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e
as nossas mãos apalparam, a respeito do Verbo da vida.
1João 1.1
29
A palavra grega traduzida como “princípio” é
ache, que significa “fonte ou origem”, usada também
em Cl 1.18 e Ap 3.14. Jesus Cristo não apenas era des-
de o princípio, mas já era antes do princípio. Ou seja,
não só estava com Deus na Criação, mas era Deus
antes dela e foi o meio pelo qual todas as coisas pas-
saram a existir.
Detentor da glória divina, encarnou – então
Dança da Trindade

pôde ser visto e tocado por João e seus irmãos de fé.


Devemos entender que Ele não se tornou glorioso,
como sustentam gnósticos, mas foi amado e coroa-
do de glória desde antes da fundação do mundo. Ele
abriu mão dessa glória que tinha para tabernacular
entre os homens, mas sabia que a teria de volta ao
cumprir Sua obra vicária:

E agora, ó Pai, glorifica-me contigo mesmo com a glória


que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo.
João 17.5

Além de Criador junto com o Pai, detentor de gló-


ria antes que houvesse mundo, a Bíblia ainda confir-
ma Jesus como um governante poderoso, acima de
todo principado, potestade, poder, domínio e de todo
nome que se possa mencionar (1Co 15.24; Ef 1.21-23).
Você não sente o coração palpitar? Aleluia!
Para terminar esse pequeno resumo, chamo à
cena Agostinho de Hipona, comumente chamado de
Santo Agostinho, um dos mais importantes teólogos
e filósofos dos primeiros séculos do Cristianismo:

Aqueles que afirmam que nosso Senhor Jesus


Cristo não é Deus, ou que não é verdadeiro Deus, ou
que não é um só Deus com o Pai, ou que não é imortal
por ser “mutável”, sejam conhecidos de seu erro pelo
claríssimo testemunho e pela afirmação unânime dos
30 livros santos, dos quais são estas palavras: No princí-
pio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo
era Deus. Está claro que nós reconhecemos o Verbo de
Deus como o filho único do Pai, do qual se diz depois: E
o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.11-14), em
referência ao nascimento pela encarnação, ocorrida
no tempo, tendo a virgem como mãe.
Agostinho, em “A trindade”

O Espírito Santo
Jesus, um Pai de família

Bendito seja o Senhor, Deus Espírito Santo, pelo


qual fomos adotados! Como fizemos com as duas
outras pessoas da Trindade, destaquemos primeira-
mente Sua preexistência:

No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra era


sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo,
e o Espírito de Deus se movia sobre as águas.
Gênesis 1.1-2

É evidente que o Espírito de Deus estava no mo-


mento da criação e operava juntamente com o Pai e
o Filho. Sendo assim, é preexistente ao mundo. Em
diversos momentos do Antigo Testamento, Ele é ci-
tado como o Espírito de Deus. Um versículo do Novo
Testamento, entretanto, registra uma descrição pre-
cisa da terceira pessoa da Trindade como quem par-
tilha a mesma divindade:

Deus, porém, revelou isso a nós por meio do Espírito.


Porque o Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as
profundezas de Deus. Pois quem conhece as coisas do
ser humano, a não ser o próprio espírito humano, que
nele está? Assim, ninguém conhece as coisas de Deus,
a não ser o Espírito de Deus.
1Coríntios 2.10,11
31
Paulo diz aos coríntios que o Espírito conhece
as profundezas de Deus por uma razão: “nele está”,
o Espírito está em Deus, é o Espírito de Deus. Deus e
Seu Espírito são um; portanto, o Espírito é Deus.
Corro o risco de ser simplista ao falar do Santo
Espírito, o qual conhece todas as coisas: “Para onde
me ausentarei do teu Espírito?” (Sl 139.7). O Deus oni-
presente merece toda tinta do mundo para descre-
vê-Lo e honrá-lo. Contudo, o objetivo aqui é passar
Dança da Trindade

rápido pela verdade da divindade do Pai, do Filho e


do Espírito, para, então, aprofundar no fato de que
devemos ser não apenas como um, mas como a uni-
dade dos três em um.
Fico extasiado, meus amigos, a pensar que o Es-
pírito de Deus gerou Cristo em Maria:

O anjo respondeu:
— O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Al-
tíssimo a envolverá com a sua sombra; por isso, tam-
bém o ente santo que há de nascer será chamado
Filho de Deus.
Lucas 1.35

Só é possível gerar alguém com a mesma es-


sência, certo? Se Jesus é Deus, o Espírito Santo tam-
bém tem que ser, porque foi quem gerou o Filho de
Deus no corpo de Maria. Ele ainda é descrito biblica-
mente como quem ungiu Jesus para a obra do minis-
tério, enchendo-o de poder e graça (Is 61.1; Mt 3.16).
O mesmo Espírito que ressuscitou a Cristo também
nos vivifica e é chamado de Espírito de adoção, por
meio do qual clamamos “Aba, Pai” (Rm 8.11-15).
Aquele que distribui dons à Igreja de Jesus
(1Co 12.4-6) é o mesmo que se acha diante do trono
de Deus (Ap 1.4; Is 11.2). Consolador, Ele nos ensina
32 todas as coisas (Jo 14.26). A respeito dEle, Jesus
disse: “é melhor para vocês que eu vá, porque, se eu
não for, o Consolador não virá para vocês; mas, se
eu for, eu o enviarei a vocês” (Jo 16.7). Em coro com
a noiva, o Espírito diz: “Vem!” (Ap 22.17).
A divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo
é evidente nas Escrituras. Eles são Deus, em uma
unidade composta. Coexistentes, coeternos, com-
partilham autoridade e glória. Em nome de cada um
dEles, nós pregamos o evangelho:
Jesus, um Pai de família

Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, ba-


tizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Mateus 28.19

Tendo em mente a existência triúna do único


Deus, chegou a hora de sermos pragmáticos. Em
que isso afeta a prática da minha fé? A resposta é tão
direta quanto contundente: afeta o centro de nosso
credo, porque se trata do Deus em quem cremos.
Por conseguinte, afeta nosso estilo de vida, porque
nossa fé não é apenas teórica – não pode ser.
Volto à conexão com meu livro anterior: se
Quem é Jesus é a pergunta da vida, o que é a Trinda-
de não é outra coisa senão a mesma pergunta, feita
por quem entendeu que Jesus é parte da unidade de
três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito. Entendendo
quem é o nosso Senhor triúno, nossa vida será regi-
da de acordo com esse entendimento e espelhare-
mos nossa conduta no conhecimento dEle – ou me-
lhor, no conhecimento da unidade dEles.
Nesse sentido, o monoteísmo antitrinitariano
pode sair como um tiro pela culatra contra a fé prá-
tica, porque rejeita um ponto importantíssimo. Pela
pouca ou rasa compreensão da Trindade, muitos
cristãos estabelecem sua relação com Deus descon-
33 siderando a unidade inerente a Ele, um Deus que não
é sozinho. Em Si mesmo, Deus é uma comunidade!
Antes de seguir, vale ressaltar que não há ne-
nhum convite ao politeísmo implícito aqui. Não são
três deuses, mas um só Deus em três. Nossa mente
cartesiana encontra dificuldade de assimilação, então
pode descambar no outro lado, separando o insepará-
vel. O que está em jogo é conhecer Jesus, então enten-
der que Ele é triúno, com o objetivo de conseguir, na
prática, remodelar nossa vida segundo o padrão divi-
Dança da Trindade

no, eterno e celestial de unidade. É assim que devemos


ser transformados, no relacionamento com quem Ele
é, até trazermos à terra o modelo do céu, tanto em
quem somos individualmente quanto em que tipo de
Igreja estamos estabelecendo.

Família eterna
No início, Deus cria o homem e o chama à comu-
nhão. A primeira menção bíblica de “chamar” está
em Gênesis e refere-se a relacionamento. Segundo
a Lei da Primeira Menção, o primeiro registro bíbli-
co de um conceito merece destaque na construção
do entendimento do próprio conceito. Se queremos
entender chamado, portanto, devemos partir disto:
E o Senhor Deus chamou o homem e lhe perguntou:
— Onde você está?
Gênesis 3.9

Ele chamou Adão a uma obra? A um serviço?


Não. Ao pecar, Adão se fizera distante, então o Cria-
dor o chama de volta a Si. É claro que, onisciente e
onipresente, o Senhor sabia onde Adão estava fisi-
camente, além de estar plenamente ciente de que o
34 homem havia pecado. Mesmo sabendo de tudo, Ele
não chama Adão para questioná-lo sobre o erro, ou
para convocá-lo a ser profeta, pastor ou missioná-
rio. O que está implícito no “Onde você está?” é “Por
que você saiu de onde deveria estar, o Jardim do
nosso relacionamento?”.

Note que aquela pergunta de Deus havia ficado


sem resposta: “Onde está o homem?”. Isso porque o
Criador não encontrou mais o homem que criara, mas
Jesus, um Pai de família

uma imagem deturpada. O que fora criado à imagem


de Deus não existia mais; o pecado havia destruído.
Sim, viramos homens caídos. Arrisco dizer que nos tor-
namos animais – só assim para explicar tanta barbárie.
Depois de Adão, o único homem que existiu se-
gundo o padrão de Deus foi Cristo – o último Adão.
Quando Pilatos olhou para Cristo sangrando e disse:
“Eis o homem!” (Jo 19.5), naquele precioso dia, Deus
achou o homem!
Cristo não morreu para fazer de você um profeta.
O Messias não ressuscitou para dar-lhe um cargo. Je-
sus morreu para dar você ao Pai, e o Pai a você. Ele oi
erguido de braços abertos para simbolizar a maneira
como o Pai espera por mim e por você: pronto para um
abraço de intimidade.
A profundidade desse princípio é infinita e eter-
na. Se não entendemos qual é o principal chamado di-
vino, também não damos o valor devido à resposta que
Deus espera. Sendo assim, de que adianta buscarmos
freneticamente saber qual nossa função no Corpo de
Cristo? Se a base não existe, sobre o que estamos ten-
tando construir?
Quem é Jesus, p.34

O primeiro e principal chamado do homem é ao


relacionamento pessoal e íntimo com Deus – é o pro-
pósito da existência humana. Quando uma vida se
constrói sobre outro alicerce, há grandes riscos de
desmoronamento ou atolamento em frustração. Só
35 há plena satisfação ao ser o que fomos planejados a
ser, só há prazer real no lugar do relacionamento com
o Senhor. Perdemos tempo fazendo coisas, inclusive
coisas boas, quando as executamos longe do Jardim.
Nessas horas, Deus chama: “Ei! Onde você está?”.
Há, contudo, o fator Trindade a acrescentar
nessa comunhão eterna do homem com Deus. Já
vimos que Deus não é sozinho, mas três. Somos cha-
mados ao relacionamento com o único Deus, que
são três: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Dança da Trindade

Ao olhar para a Trindade, então, vemos o que somos


chamados a conhecer, em relacionamento: um Deus
que é, em Si mesmo, uma família. Uau!

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do


conhecimento de Deus! Quão inexplicáveis são os seus
juízos, e quão insondáveis são os seus caminhos!
Romanos 11.33

A Trindade é uma família eterna, que sempre


existiu e sempre existirá. Entretanto, quando o ho-
mem foi trazido ao roteiro da História, não o foi de
qualquer jeito, porque a criatura foi desenhada sob
um molde.
Quando criança, costumava colocar uma moe-
da debaixo de uma folha de papel. A ideia era riscar
o ponto exato onde estava escondida para ver nas-
cer um desenho perfeito dela, com os números, os
símbolos e o formato muito bem copiados. Esse é um
bom exemplo de uso de um molde, no qual um dese-
nho surge, literalmente, em cima da versão original.
Quando Deus decidiu formar o homem, veja o
que disse e como disse:

E Deus disse:
— Façamos o ser humano à nossa imagem, conforme a
36 nossa semelhança.
Gênesis 1.26

Fomos criados à imagem de Deus, mas esse


Criador disse “façamos” e “à nossa imagem”. Deus
não estava conversando com anjos, porque eles não
são criadores – Deus estava conversando com Deus.
Ele não estava sozinho, não criou sozinho, porque Ele
são três. Então nosso molde, aquele sobre o qual fo-
mos desenhados, é esse Deus triúno, a Trindade.
Jesus, um Pai de família

Agora é hora de juntar as coisas: a Trindade é


uma família eterna, em perfeita unidade, e nós fomos
desenhados para ser à imagem dela, uma expressão
da unidade de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito
Santo. Deus não planejou apenas indivíduos, mas
criaturas familiares, capazes de viverem em plena
unidade com outros, assim como a Trindade é um
Deus único.
É possível que você já tenha ligado os pontos,
mas me deixe ser mais explícito: assim como o evan-
gelho é eterno, a Igreja também é. A Trindade sendo
uma família não apenas estabeleceu, em Si mesma,
um molde de como deve ser a família terrena, a famí-
lia de sangue, mas também o molde para ser levan-
tada a família que se formou a partir do Sangue do
Cordeiro, a Noiva, a Igreja. Igreja sempre existiu no
céu, mas Jesus, por Seu sacrifício e em Seu tempo
caminhando na terra, inaugurou o modelo celestial
de Igreja aqui – e esse modelo é uma família.
Nossa visão é profundamente afetada por nos-
sas experiências. Com relação à família, é difícil que
não projetemos aquilo que experimentamos na fa-
mília terrena para a família espiritual: desconfiança,
traição, abandono.

Atualmente, é raro achar um jovem cujos pais


37 não são divorciados. Raro também é encontrar quem
não seja ferido, de alguma forma, pela própria família.
O resultado disso é que refletimos uma concepção dis-
torcida de família para essa família eterna, que é plano
de Deus. É por isso que temos facilidade de olhar para a
igreja enquanto instituição, mas dificuldade de encará‑la
como uma família. (...)
Não basta casar, ou ter filhos, para viver família.
Você pode ter tudo isso, mas nunca ter experimen-
tado uma família de acordo com as Escrituras, que
reproduz a mesma intimidade que o Pai tem com o
Filho, que o Filho tem com o Pai, que ambos têm com
Dança da Trindade

o Espírito Santo. (...)


Deus não decidiu, do nada, viver igreja como
a família dos que creem. Não! O céu sempre foi uma
grande família, uma grande congregação, na qual to-
dos estão ao redor do trono, ao redor da bondade de
Deus. Deixe‑me clarear: Deus é uma família. Então o
que devemos ser e viver? Família! (...)
Não se trata de qualquer família, mas de um mo-
delo eterno. A igreja deve seguir o padrão que sempre
existiu no céu, deve ser como a família celestial compos-
ta pela Trindade e pelos anjos. É importante ressaltar
que, sim, sempre existiu culto e adoração, mas o centro
da igreja eterna é a intimidade, é o relacionamento, por-
que se trata de uma família. É por isso que é tão nocivo
refletir o modelo terreno de família quando tentamos
entender o que Deus espera da igreja – o relacionamen-
to familiar na Terra é extremamente corrompido.
Quem é Jesus, p.111,112
O que você encontra neste livro é o modelo ce-
lestial de família projetado à Igreja de hoje, na prá-
tica. Família de mortos, traidores da família, cultura
paternal, liderança plural, casa de discipulado, envio
dos maduros. Muito será dito, muito será desmistifi-
cado, muito será revelado, mas não sem uma disposi-
ção de passar por cima das dores, dos machucados
adquiridos em experiências passadas com igrejas,
líderes. Não desista quando o tema for sensível de-
38 mais, tendo vista sua história com ele. A exposição
da ferida é a oportunidade de vê-la curada.
Deixo aqui não só um convite a provar do remé-
dio que pode gotejar a cada linha lida até o fim desta
obra, mas também um desafio a viver uma nova es-
tação enquanto Igreja de Jesus.
Vamos orar?

Senhor Jesus, não existe nenhum outro como o


Senhor. Todas as pessoas e coisas estão abaixo de
Jesus, um Pai de família

Sua grandeza. Nós O honramos e amamos, de todo o


coração! Ouve e responde a esta oração, que trans-
cende espaço e tempo, concedendo-lhe a capacida-
de de ser inédita a cada leitor.
Espírito Santo, eu oro para que quem trilha o
caminho destas páginas seja envolvido por Você.
Que corações esquentem diante da verdade de que
somos filhos de Deus e, portanto, família de Deus
Pai. Assim, com corações em chamas, arranque-nos
de nossas cavernas solitárias, de nossas orações
cheias de remorso, levando-nos ao lugar de cura e
restauração.
Oro para que quem está lendo agora esta ora-
ção seja cheio de ousadia e fome espiritual, para
prosseguir a carreira que lhe foi proposta, a fim de
conhecer a Cristo e ser como Ele é. Sim, Senhor, en-
che-nos de paixão por quem Você é, mas também
pela Igreja que Você ama. Persistimos mais uma vez
na oração do Filho Jesus: “para que todos sejam um”.
Em Seu precioso nome. Amém.

Convidados a dançar
Gregorio de Nazianzo, patriarca de Constanti-
39 nopla e teólogo do século 4, foi um grande defensor
da doutrina da Trindade. Nos escritos de Gregorio,
foi encontrado o termo grego perichoresis, ou, na
adaptação ao português, pericorese, para definir o
dinamismo da relação entre Pai, Filho e Espírito San-
to. A palavra é formada por peri, que quer dizer “mo-
vimento circular”, corea, que significa “dança” e esis,
sufixo comum para expressar ação, processo.
Em um de seus principais usos práticos, pe-
ricorese definia uma dança de roda. Mais especi-
Dança da Trindade

ficamente, um tipo de dança que crianças faziam,


geralmente em roda, de mãos dadas. Um integrante
da brincadeira ficava no meio, enquanto o restante
dançava ao seu redor, até que acontecia uma troca.
Outro pai da Igreja, João Damasceno, do sécu-
lo 7, aprofundou o entendimento da relação entre
as três pessoas da Trindade como essa dança em
círculo, de mãos dadas. Ele a classificou como um
movimento perfeito e uniforme de três pessoas en-
trelaçadas, que cria uma só unidade circular. Um
permanente movimento de integração e coabitação.
A profundidade desse relacionamento é a in-
timidade, porque o movimento dos três forma um
só. Eles se relacionam harmoniosamente, como em
uma dança. Há compasso, ritmo contínuo e um vín-
culo de amor.
Tendo em mente a visão dessa dança incompará-
vel, de descrição plena impossível com palavras huma-
nas, leia novamente este trecho da oração de Jesus:

— Não peço somente por estes, mas também por aque-


les que vierem a crer em mim, por meio da palavra que
eles falarem, a fim de que todos sejam um. E como tu,
ó Pai, estás em mim e eu em ti, também eles estejam
em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu
lhes transmiti a glória que me deste, para que sejam
40 um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim
de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o
mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como
também amaste a mim.
João 17.11,20-23

Não siga sem sentir o impacto destas palavras.


O amor que vincula as três pessoas da Trindade em
uma dança perfeita de unidade é o amor com que
o Pai nos ama. Jesus disse que, assim como o Pai
Jesus, um Pai de família

O ama, o Pai nos ama. Como você imagina que seja


o amor do Pai pelo Filho, sendo Jesus um dos inte-
grantes da Trindade, ou seja, um Filho que é um com
o Pai? Esse amor é o mesmo do Pai para com aque-
les que foram feitos filhos, em Cristo.
E tem mais. O Filho nos chama à dança: “para que
sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim”.
A obra do Messias, do Redentor, possibilitou nossa en-
trada em uma coreografia eterna de unidade!

Jesus estava tentando mostrar como era Seu re-


lacionamento com o Pai e por que Ele podia dizer que os
dois eram um só. Porém, os discípulos não entenderam,
porque a mente racional tem muita dificuldade para vi-
sualizar esse tipo de situação. Por exemplo, você pode
tentar representar a relação entre Jesus e o Pai por
meio de um diagrama. Se Jesus está no Pai, um círculo
grande pode representar o Pai e outro menor, dentro
do primeiro, representará Jesus. Mas aí vem a segunda
parte: o Pai também está em Jesus! Não dá para mos-
trar as duas coisas ao mesmo tempo. É impossível.
Um pouco depois, no discurso, o quadro se com-
plica ainda mais: Naquele dia, vós conhecereis que eu
estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós (Jo 14.20).
Christofer Walker, em “Dança da Trindade”

Meu amigo, isso não é trivial. Não somos o quar-


to ser da Trindade, mas experimentamos dela à me-
41 dida que estamos em Jesus e Jesus, em nós! Repito
as palavras do Mestre: “eu neles, e tu em mim”. Ser
um com Jesus é ter o privilégio de participar da dan-
ça eterna que define perfeitamente o significado de
unidade. Em Cristo, somos participantes daquilo que
a Trindade vive. Que mistério incrível!
Preciso abrir um parêntese, para dirimir qual-
quer possibilidade de engano. Não pretendo acres-
centar, em hipótese alguma, uma nova pessoa à
Trindade. O fato de Deus ser Deus é devido à Sua
Dança da Trindade

eterna autossuficiência e imutabilidade; quem tenta,


então, acrescentar ou retirar algo de Deus está, na
verdade, criando um outro deus. Isso, porém, não
muda a verdade estridente nas Escrituras e deveras
escandalosa de que Cristo nos chamou a um rela-
cionamento pleno com Ele, logo, com a Trindade, em
uma fusão até nos tornarmos um. Ser um com Ele é
participar, nEle, de quem Ele é na Trindade, e não ser
o quarto ser dela.
Agora preciso contar-lhe algo: você não está
indo sozinho para esse lugar. As palavras de Jesus
foram: “a fim de que todos sejam um. (...) também
eles estejam em nós (...) para que sejam um”. O uso
do plural não é aleatório, porque Jesus estava inau-
gurando na Terra uma família eterna, uma comuni-
dade eterna, e não apenas indivíduos salvos.
Jesus veio revelar o Pai, que não é sozinho, e
sim a unidade perfeita da família eterna, da Igreja
eterna, preexistente de eternidade a eternidade. A
Noiva de Jesus, então, é inaugurada, por Seu sacrifí-
cio, como a unidade dos que creem com essa Igreja
eterna preexistente. Trata-se de um posicionamento
coletivo dos crentes, em Cristo, no núcleo da família
da Trindade e dos céus.
Em outras palavras, eu não sou Igreja, nós so-
42 mos. A unidade de nós todos que professamos a fé
no filho de Deus é que forma a Igreja. Fomos enxer-
tados na Videira para sermos, juntos, parte dessa fa-
mília eterna, não apenas conhecendo quem é Jesus
– ou melhor, quem é a Trindade –, mas expressando
isso ao mundo por meio de quem nós nos tornamos
nEle, a Igreja eterna, a família eterna do Deus triúno.
Deus convida a Igreja a dançar a dança da uni-
dade, a dança de uma família que sabe ser muitos
em um. A próxima vez que você for ler a Bíblia, leia
Jesus, um Pai de família

com olhos transformados, porque você encontrará,


de forma recorrente, a presença de uma dança fa-
miliar nas narrativas, nas doutrinas, nos símbolos.
As Escrituras apontam para o que sempre foi plano
do Criador: ter uma família unida, com Jesus como o
primogênito entre muitos filhos.
Quero pedir que você passe ao restante des-
te livro com a ótica transformada com relação à
Igreja de Jesus. A igreja não é você nem eu, mas
nós dois juntos, enxertados em Cristo, colocados
na roda da dança eterna da unidade – e essa Igreja
é uma família, e não uma empresa. E o vínculo que
nos une é o amor, o mesmo amor que há entre os
seres da Trindade.
Assim, vocês não são mais estrangeiros e peregrinos,
mas concidadãos dos santos e membros da família
de Deus.
Efésios 2.19

Aqui não pode haver mais grego e judeu, circuncisão e


incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é
tudo e está em todos.
Portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, revis-
tam-se de profunda compaixão, de bondade, de humil-
43 dade, de mansidão, de paciência. Suportem-se uns aos
outros e perdoem-se mutuamente, caso alguém tenha
motivo de queixa contra outra pessoa. Assim como o
Senhor perdoou vocês, perdoem também uns aos ou-
tros. Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o
vínculo da perfeição.
Colossenses 3.11-14
Dança da Trindade
JESUS PAI

Não é erro teológico


Filhinhos, ainda por um pouco estou com vocês. Vo-
cês vão me procurar, mas o que eu disse aos judeus
também agora digo a vocês: para onde eu vou vocês
não podem ir. Eu lhes dou um novo mandamento: que
vocês amem uns aos outros. Assim como eu os amei,
que também vocês amem uns aos outros. Nisto todos
conhecerão que vocês são meus discípulos: se tiverem
amor uns aos outros.
João 13.33-35

Perto da hora do sacrifício, da consumação do plano


redentor que já existia antes da fundação do mundo,
Jesus se dirige aos Seus discípulos como “filhinhos”,
transparecendo um cuidado próprio de um Pai – Ele
nunca foi apenas mestre ou mentor, mas um líder
com um visível apego paternal àqueles que cami-
nhavam junto dEle. Como princípio de interpretação
bíblica, precisamos manter uma macrovisão, anali-
sando o texto em seu contexto e em comparação ao
restante das Escrituras.
O povo de Deus, no Antigo Testamento, não pos-
suía a visão de Trindade que temos hoje. Aliás, acei-
tar que Deus sempre teve um Filho, que é um com
Seu Pai, não foi fácil aos cristãos do primeiro século,
oráculos da crença no único Deus. Encontramos, en-
tretanto, um lindo registro bíblico em que uma voz
do céu avaliza a filiação de Jesus: “Este é o meu Filho
amado, em quem me agrado” (Mt 3.17). Filho do Ho-
mem, Filho de Deus.
São muitos os pontos em que a Bíblia define
Jesus como Filho, contudo não é só assim que Ele
é descrito. Aliás, apenas pensando no conceito de
Trindade já elucidamos a questão: “Ele é a imagem
do Deus invisível” (Cl 1.15), “O Filho, que é o resplendor
da glória de Deus e a expressão exata do seu Ser”
(Hb 1.3). Em função, Jesus é Filho, mas Sua obra na
45 terra foi revelar o Pai. Jesus é a expressão do Pai e a
encarnação da paternidade divina.

Ninguém jamais viu Deus; o Deus unigênito, que está


junto do Pai, é quem o revelou.
João 1.18

Então eles lhe perguntaram:


— Onde está o seu Pai?
Jesus respondeu:
Jesus Pai

— Vocês não conhecem a mim e não conhecem o meu


Pai; se conhecessem a mim, também conheceriam o
meu Pai.
João 8.19

Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece


o Filho, a não ser o Pai; e ninguém conhece o Pai, a não
ser o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
Mateus 11.27

Já vimos que, em Jesus, somos adotados para


fazer parte da família eterna. Ao vencer o pecado e a
morte, Cristo promoveu mais do que um meio de jus-
tificação e livramento da ira vindoura, mas estabele-
ceu na terra a família celestial, da qual fazem parte
aqueles cujo coração foi circuncidado pelo sangue
do Cordeiro. Neste ponto, encontramos Jesus Pai.
Calma, não estou tentando forçar uma inter-
pretação, muito menos simplificar a Trindade ou
promover nova teologia. Mantendo o entendimento
de quem Jesus é na Trindade, mas somando a isso
o fato de que, em Sua obra terrena, Ele veio revelar
o Pai, é fácil concluir que Jesus caminhou no nosso
solo como um Pai de família, expressão exata do Pai
da família do céu.
Quando Deus desejou revelar-Se ao mundo, não
46 enviou Seus anjos, ou pergaminhos com descrições
de Sua personalidade, mas enviou o Filho. Por que
Deus enviaria o Filho? Porque, se queremos conhe-
cer o Pai, precisamos olhar para o Filho. Assim é
também na família de sangue: se você deseja conhe-
cer o Alessandro, conheça as filhas dele.
Cristo, ao dizer “filhinhos”, não estava apenas
sendo humanamente paternal, mas divinamente pa-
ternal. Cristo estava apresentando ao mundo o Pai
através dEle mesmo, sendo Pai.
Jesus, um Pai de família

Um dia, perto da hora de eu começar a minis-


trar em uma igreja no Rio de Janeiro, Jesus me disse:
“Ale, Eu não sou um pregador de púlpito, Eu sou um
Pai de família”. Sei que Ele queria me dizer que aquela
ministração não era o padrão, apesar de eu estar em
família. Jesus não fundou uma Igreja nos moldes de
hoje, Ele simplesmente viveu com os discípulos. Je-
sus não ia a um local fixo, para onde também levava
Seus amigos, com o intuito de fazer um culto – Cris-
to comia com eles, viajava com eles de barco, fazia
longas e cansativas caminhadas, ia ao monte ou ao
Jardim para orar e chamava seus discípulos a irem
com Ele.
Assim, Jesus demonstrava amor, mas também
confrontava a ponto de chamar Pedro de “Satanás”.
Ele jejuava, mas também fazia refeições, ia a festas,
celebrava a Páscoa com banquetes e música. Que
tipo de ambiente é esse? Um ambiente familiar.
É necessário compreender que Jesus, o Verbo
da Vida, não é apenas uma mensagem, um esboço,
mas a encarnação de tudo que o céu representa.
Jesus encarnado é o amor em carne, a bondade em
carne, a justiça em carne, a misericórdia em carne
– e, também, é a paternidade em carne. Sua prega-
ção não consistia em belos discursos, porque Ele era
47 muito mais que um sermão pregado. Cristo é a men-
sagem encarnada de Deus, sem faltar nem sequer
uma vírgula. Tudo o que Deus é está revelado em Je-
sus e mostrou-se em Sua vida terrena.
Jesus revelou o Pai sendo um Pai de família
para aqueles discípulos – e, assim, inaugurou a fa-
mília Igreja, nos moldes do céu. Só a partir disso já
podemos concluir que não é qualquer tipo de igreja
que pode ser chamada de família eterna, mas ape-
nas aquelas que possuem as características da Igre-
Jesus Pai

ja de Jesus, daquela em que o Cristo encarnado se


mostrou Pai, e não um chefe.
Muito intenso? Com certeza, mas não posso
amenizar. Nós não podemos chamar nossos ajun-
tamentos de Igreja, se não somos como a família
do Pai Jesus. Ele deixou claras as bases, e nunca fo-
ram sobre números, resultados ou entretenimento.
Embora todas essas coisas possam fazer parte do
contexto das igrejas, não são elas que caracterizam
a Noiva. A Igreja é uma família que faz a vontade do
Pai, é isso que nos define como Igreja de Jesus.

E, estendendo a mão para os discípulos, disse:


— Eis minha mãe e meus irmãos. Portanto, aquele que
fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão,
minha irmã e minha mãe.
Mateus 12.49,50
Essa é a família, meu amigo! E um detalhe im-
portante: não sou eu quem chama a Igreja de família,
é Jesus. Ele está dizendo que quem faz a vontade do
Pai é Sua família. A que Cristo se refere, não apenas
nesse texto, mas com Suas atitudes? A uma família
baseada em fazer a vontade de Deus, na qual há cui-
dado paternal e relacionamento, com tempo junto,
muito tempo de convivência comum, no dia a dia.

48 Peço que ele ilumine os olhos do coração de vocês, para


que saibam qual é a esperança da vocação de vocês,
qual é a riqueza da glória da sua herança nos santos
e qual é a suprema grandeza do seu poder sobre nós,
os que cremos, segundo a eficácia da força do seu po-
der. Ele exerceu esse poder em Cristo, ressuscitando-o
dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nas
regiões celestiais, acima de todo principado, potestade,
poder, domínio e de todo nome que se possa mencio-
nar, não só no presente século, mas também no vindou-
ro. E sujeitou todas as coisas debaixo dos pés de Cristo
e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à
Jesus, um Pai de família

igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a


tudo enche em todas as coisas.
Efésios 1.18-23

Ah, como é precioso! A Igreja é o corpo de Cris-


to, ou seja, Sua continuação – se Ele andou como um
Pai de família, nós somos encarregados de conti-
nuar a missão mediante uma Igreja paternal, uma
família eterna. Ele ainda dotou Sua Igreja de autori-
dade para, por meio dela, manifestar Seu propósito
eterno, que inclui estabelecer uma família espiritual.

E isso para que agora, pela igreja, a multiforme sabedo-


ria de Deus se torne conhecida dos principados e das
potestades nas regiões celestiais, segundo o eterno
propósito que Deus estabeleceu em Cristo Jesus, nos-
so Senhor.
Efésios 3.10,11
Em um resumo rápido, mas que destrinchare-
mos adiante, Jesus é a imagem de um Deus invisível,
e a Igreja é a imagem de um Jesus hoje invisível. As-
sim, a autoridade que a Igreja recebeu serve ao pro-
pósito eterno, e não a interesses individuais. É pela
Igreja que a multiforme sabedoria de Deus se torna
conhecida, então o homem não pode sair por aí, ten-
tando estabelecer a vontade de Deus, mas estando
fora da Igreja! É pela Igreja, ela é o meio pelo qual o
49 propósito será estabelecido de forma gloriosa!

Filhos: a revelação do mistério continua


Nele temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão
dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, que Deus
derramou abundantemente sobre nós em toda a sabe-
doria e entendimento. Ele nos revelou o mistério da sua
vontade, segundo o seu propósito, que ele apresentou
em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da
Jesus Pai

plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu


como as da terra.
Efésios 1.7-10

A mim, o menor de todos os santos, foi dada esta graça


de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis ri-
quezas de Cristo e manifestar a todos qual é a dispensa-
ção do mistério que, durante tempos passados, esteve
oculto em Deus, que criou todas as coisas. E isso para
que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus
se torne conhecida dos principados e das potestades
nas regiões celestiais, segundo o eterno propósito que
Deus estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Efésios 3.8-11

Agora me alegro nos meus sofrimentos por vocês e


preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha
carne, a favor do seu corpo, que é a igreja, da qual me
tornei ministro de acordo com a dispensação da parte
de Deus, que me foi confiada em favor de vocês, para
dar pleno cumprimento à palavra de Deus: o mistério
que esteve escondido durante séculos e gerações,
mas que agora foi manifestado aos seus santos. A es-
tes Deus quis dar a conhecer a riqueza da glória deste
mistério entre os gentios, que é Cristo em vocês, a
esperança da glória.
Colossenses 1.24-27

Cristo era o mistério oculto, agora revelado e


exaltado acima de tudo. Tendo toda a autoridade, hu-
50 milhou-Se e enfrentou a morte de cruz – então res-
suscitou, subjugando todas as coisas sob Seus pés.
Essa autoridade, outorgou à Igreja, Seu corpo, Sua
continuação. É por meio de nós, a Igreja, que o mis-
tério continua sendo revelado ao mundo, o mistério
de quem é Jesus, Seu sacrifício e a adoção de filhos
pelo Seu sangue.
Oro e desejo intensamente que você entenda
isto: a Igreja é o jeito de Deus de cumprir Seu plano
Jesus, um Pai de família

eterno. É por meio dela que o Pai se move. Não há


como classificá-la como fracassada! Ela não é pobre
e falida, mas gloriosa, poderosa, santa e instrumento
do governo de Deus na terra. Essa família espiritual
é dotada de autoridade (Ef 1.22,23) para manifestar a
vontade do Senhor, o “eterno propósito que Deus es-
tabeleceu em Cristo Jesus” (Ef 3.11). Mas como ser a
extensão de Cristo, enquanto Igreja, para continuar
a revelação do mistério e do eterno propósito divi-
no? Entendendo e sendo a família de Deus, porque
foi isso que Jesus inaugurou aqui por Seu sangue.

Assim, vocês não são mais estrangeiros e peregrinos,


mas concidadãos dos santos e membros da família de
Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e
profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angu-
lar. Nele, todo o edifício, bem-ajustado, cresce para ser
um santuário dedicado ao Senhor. Nele também vocês
estão sendo edificados, junto com os outros, para se-
rem morada de Deus no Espírito.
Efésios 2.19-22

Sim, nós participamos da obra de Deus, da


construção que Ele faz desde o início de tudo. A famí-
lia de Deus, de adotados por meio de Cristo, é edifica-
da sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas,
tendo Cristo como fundamento, como pedra angular
51 – esse Jesus do qual falamos, o Jesus que é um Pai
de família.
Se continuamos a missão de Cristo, devemos
entender como Ele se relaciona com a Sua Noiva. O
que a Bíblia aponta é para um amor furioso, sacrifi-
cial, que objetiva a formação de uma Igreja glorio-
sa. Então se levantam perguntas: O quanto eu amo
ser, junto com muitos irmãos, a Igreja de Jesus?
Qual a intensidade desse amor? Como meu amor se
expressa na construção de uma Igreja gloriosa? A
Jesus Pai

resposta precisa ser prática, porque, se não há sa-


crifício nenhum de minha parte por amor à Igreja de
Jesus, talvez eu esteja distante da missão.

Maridos, que cada um de vocês ame a sua esposa, como


também Cristo amou a igreja e se entregou por ela,
para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da
lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si
mesmo como igreja gloriosa, sem mancha, nem ruga,
nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito.
Efésios 5.25-27

Não sei se você percebeu, mas o que estamos


construindo aqui expõe os desigrejados. Nem esta-
mos dando margem à possibilidade de alguém pen-
sar na redenção de Cristo sem o fator família, por-
que isso é antibíblico. Desde o início, o tratamento
de Deus com o homem inclui família – não apenas a
natural, mas um povo.
A Adão, Deus ordenou multiplicação e governo.
Com Abraão, Deus falou de gerar uma grande nação,
que abençoaria todas as famílias da terra. Com Moi-
sés, Deus delineou limites morais, políticos e sociais
de uma comunidade de muitas tribos. Jesus chama
Seus discípulos de “filhinhos”, apontando o caráter
familiar da Igreja que estava inaugurando. Nunca foi
52 apenas sobre indivíduos, esse nunca foi o plano.
Não existe Cristianismo verdadeiro sem alto
nível de envolvimento entre os irmãos. Ainda assim,
até quem está dentro dos templos pode ser desi-
grejado – se rejeita a comunhão, não é família, não é
Igreja. Sendo propositadamente repetitivo: a Igreja
não sou eu nem é você, mas somos nós, em comu-
nhão. A ideia divina e eterna é essa.
Jesus, um Pai de família

Cruz: homem e Deus, homem e homem


Há ainda outro aspecto da obra de Cristo que
aponta não só para a inauguração da Igreja como
uma família, mas para o tipo de família à qual Jesus
se mostrou Pai: uma família de cruz. Em Seu sacri-
fício, Ele não apenas ligou o homem a Deus, mas o
homem ao homem, determinando um padrão para a
família de Jesus: ela se forma aos pés da cruz.

E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, a irmã dela, Ma-


ria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. Vendo Jesus a
sua mãe e junto dela o discípulo amado, disse:
— Mulher, eis aí o seu filho.
Depois, disse ao discípulo:
— Eis aí a sua mãe.
Dessa hora em diante, o discípulo a tomou para casa.
João 19.25-27
Na mesma cruz que reconciliou o homem com
Deus, Jesus ligou o homem ao homem. Um discípu-
lo, então, adota a mãe de Jesus como sua mãe, uni-
dos não por consanguinidade, mas pelo sangue do
Cordeiro de Deus. Uma família espiritual, na qual o
cuidado não se estabelece distante nem mediante
funções, mas por relacionamento, como de um fi-
lho para com sua mãe. O cuidado se estabelece não
como de líder superior e inalcançável para com um
53 discípulo miserável, mas como um filho que se dis-
põe a cuidar de sua mãe – a resposta de João não
foi de “liderar” a mãe de Jesus, mas de levá-la à sua
casa, como família.
Onde essa Igreja familiar nasceu? Na cruz. Que
padrão! Que molde! Sabe por quê? Porque na cruz
não há espaço para briguinha de ministério maior
e ministério menor. Quantos seguidores você tem
não importa diante do madeiro. Quantos anos você
tem de igreja, ou ministério, não faz sentido perante
Jesus Pai

o maior de todos os sacrifícios. Na família de cruz, o


que realmente importa é Cristo!

Assim sendo, não pode haver judeu nem grego; nem


escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque
todos vocês são um em Cristo Jesus.
Gálatas 3.28

Se nossas Igrejas fossem famílias geradas no


lugar da cruz, talvez teríamos não só resultados,
mas frutos. Não só números, mas corações. Não só
status, mas testemunhas dispostas à cruz, a morrer
por Ele e pela Igreja dEle – ou melhor, por Ele e pela
família dEle, que também é sua própria família.
Se queremos viver o que Jesus propôs no Cal-
vário, é imprescindível elevar o nível de oferta e re-
núncia. Estamos tão acostumados a deixar aos pés
da cruz pecados e dores, porque, de fato, é o lugar
para deixá-los, porém pouco entendemos sobre en-
tregar também sucessos. Quando deixamos tudo ali,
no madeiro, estamos aceitando o convite de ser essa
família de cruz. Então não sou mais apenas eu, mas
eu em meio a muitos irmãos, assumindo o compro-
misso de ser e viver família com cada um deles, com
um compromisso eterno. Assim como João recebeu
Maria como mãe e ela o recebeu por filho, aos pés da
54 cruz, nós morremos para nós mesmos para estar-
mos comprometidos com nossos irmãos em uma só
família, nascida e mantida pelo sangue do Cordeiro.
Na Igreja ONE, na qual sou um dos pastores,
sempre dizemos uns aos outros nos momentos de
ceia: “Eu te amo, meu irmão. Você é carne da minha
carne e sangue do meu sangue”. Que essa verdade
entranhe em você neste momento. Amor pela famí-
lia de Deus!
Jesus, um Pai de família

Família de mortos
Vamos seguir a uma seção muito prática e im-
portante, pontuando detalhes do funcionamento de
uma família espiritual – liderança plural, discipula-
do no modelo de Cristo, cura de feridas estando no
corpo, amor fraternal, hospitalidade. Contudo, não
há como seguir sem falar mais de cruz, porque, para
ser Igreja, é necessário entender esse lugar de onde
Jesus formou uma família a partir de um discípulo e
Sua própria mãe.
Muita gente fugiu da cena da crucificação, mas
não João, Maria e talvez Maria Madalena. O primei-
ro acerto ao estabelecer uma Igreja ou ministério é
ensinar a não fugir da cruz.
Jesus dizia a todos:
— Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, dia
a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser sal-
var a sua vida a perderá; e quem perder a vida por mi-
nha causa, esse a salvará. De que adianta uma pessoa
ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou causar
dano a si mesma? Pois quem se envergonhar de mim e
das minhas palavras, dele se envergonhará o Filho do
Homem, quando vier na sua glória e na glória do Pai e
dos santos anjos.
55 Lucas 9.23-26

Jesus nunca escondeu o requisito para quem


quisesse tornar-se um discípulo Seu: tomar a cruz. O
padrão da Igreja não é outro, a não ser a cruz, até por-
que somos um ajuntamento de discípulos de Cristo.
Jesus nos chama a morrer para viver. Aliás, não
há ressurreição sem morte. A lógica se inverte: para
viver, morra primeiro, porque é assim que a Vida
se manifesta em você. Você é o que foi planejado a
Jesus Pai

ser apenas depois de sua morte para si mesmo. Um


grão de mostarda não frutifica sem morrer, você
também não.
E uma família pode multiplicar o fruto que o Se-
nhor espera sem morrer? Não. Multiplica joio, frutos
que não duram, apenas resultados sem a essência.
Enchemos nossos púlpitos, ouvidos e corações
com mensagens que ensinam a fugir ou negar a
cruz. Esse evangelho mole tem gerado cristãos sem
peso de glória, imaturos e indispostos a caminhar
em família.
E não pense que a vida de cruz é sinônimo de ser
franciscano. O melhor de tudo está depois da morte
para o eu! O melhor da vida, da família, do trabalho,
dos relacionamentos, de tudo. Quando há morte, aí é
que a vida abundante extravasa.
No contexto de Igreja, é fundamental sermos
uma família de mortos, porque assim estaremos
muito acima de qualquer ferida.

Quando, porém, chegaram a Jesus, vendo que já estava


morto, não lhe quebraram as pernas. Mas um dos sol-
dados lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu san-
gue e água.
João 19.33,34
56
Quando os guardas chegaram com armas para
ferir Jesus, Ele já estava morto. Uau! É isso, meu ami-
go, é isso! Jesus ensinou o padrão dos mortos. Quem
está morto, mesmo que seja ferido, já está morto!
Ninguém é capaz de matar o morto. O morto pode
ser atravessado por uma lança, a ferida pode se
abrir, mas ele não reage como um vivo, ele não sente
como um vivo, não dói como doeria para um vivo.
Ego silenciado, de quem pouco se ofende e pos-
Jesus, um Pai de família

sui propósitos firmes – é isso que faz a família acon-


tecer. Alto nível de amor fará que de nós flua vida,
mesmo em meio a dores.
É dessa família que eu estou falando, uma famí-
lia formada aos pés da cruz, participante da morte
de Cristo. Feridas acontecem dentro dessa família,
mas ela é composta por mortos, então a ferida ape-
nas colabora para cumprir o propósito maior:

E isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura:


“Nenhum dos seus ossos será quebrado.” E outra vez diz
a Escritura: “Olharão para aquele a quem traspassaram.”
João 19.36-37

Como disse antes, a parte prática chegará, po-


rém apenas depois da cruz e do Jardim. Já passa-
mos pela cruz, agora vamos ao Jardim.
NÃO ME DEFENDA,
APASCENTE!

Depois de dizer isso...


Depois de dizer isso, Jesus saiu juntamente com os
seus discípulos para o outro lado do ribeiro de Cedrom,
onde havia um jardim; e aí entrou com eles.
Jo 18.1

Depois de dizer o quê? João 17. Você tem algumas


opções: pegar sua Bíblia e ler toda a oração que
Jesus fez por mim e por você antes de ir à cruz, ler
em meu livro Quem é Jesus como Deus me expli-
cou essa oração, ou você também pode ouvir parte
dessa revelação em uma canção que escrevi e gra-
vei há um tempo, chamada Quero conhecer Jesus.
Eu recomendo fortemente que você faça as três
coisas, mas opte pela Bíblia se não quiser as outras
duas fontes.
João 17 é o mais belo convite ao relacionamen-
to, à comunhão, feito pelo próprio Jesus. Ele, contu-
do, seguiu caminho depois disso, chegando ao Jar-
dim do Getsêmani, de onde não voltou mais à vida
comum. De lá, foi encaminhado ao madeiro.
Agora nossos olhos vão passar, pelo capítulo 18
em busca de uma só verdade: o que vem depois de
ter entendido que conhecer Jesus é nosso princi-
pal chamado.
Há família, há traição, há amor, há princípios e
muita cura. Já adianto: não será leve. Eu mesmo fui
arremessado, amassado, rasgado por este capítulo
– e continuo sendo. O lado bom é que, depois de um
bom chacoalhão, o que permanece é o inabalável.
Tudo que pode ruir acaba cedendo, dando lugar à
firmeza, à maturidade.

Ora, as palavras “mais uma vez” significam a remoção


dessas coisas abaladas, ou seja, das coisas criadas, para
que permaneçam as coisas que não podem ser abaladas.
Hebreus 12.27
59
Creio que, no caminho da maturidade, é obriga-
tório passar pelo tempo em que Jesus nos balança.
Ele faz isso para que tiremos o foco do nosso umbi-
go e possamos viver o Reino de Deus, e não o reino
do próprio ventre. Cristo pega pessoas disponíveis e
revira-lhes a vida, ao avesso, chacoalhando, até que
fique somente o que deve ficar. Eu sei que preciso,
mas não só isso, eu quero esse processo. Se você
também deseja, então vamos!
Não me defenda, apascente!

Lugar secreto compartilhado


Judas, o traidor, também conhecia aquele lugar, por-
que Jesus muitas vezes havia se reunido ali com os
seus discípulos.
João 18.2

O Getsêmani não era um lugar novo nem para


Jesus nem para Seus discípulos. A expressão “mui-
tas vezes” é clara: como um Pai faz com seus filhos,
Jesus havia apresentado a Seus filhinhos o Jardim
da intimidade, para onde foi, junto com eles, várias
vezes. Foi nesse Jardim que Jesus travou uma gran-
de luta, talvez a mais angustiante registrada nas Es-
crituras – e não o fez desacompanhado.
Então foram a um lugar chamado Getsêmani. Ali, Jesus
disse aos seus discípulos:
— Sentem-se aqui, enquanto eu vou orar.
E, levando consigo Pedro, Tiago e João, começou a sen-
tir-se tomado de pavor e de angústia. E lhes disse:
— A minha alma está profundamente triste até a morte;
fiquem aqui e vigiem.
Marcos 14.32-34

60 Nos quatro evangelhos, é fácil identificar que


Jesus Se retirava, sozinho, para falar com o Pai. O
Mestre ensinou um estilo de vida em que o “quarti-
nho”, ou lugar secreto, precisa ser parte da agenda
diária: “Mas, ao orar, entre no seu quarto e, fechada
a porta, ore ao seu Pai, que está em secreto” (Mt 6.6).
O que é surpreendente em João 18 é detectar que o
lugar secreto também era compartilhado.
Que fique claro: uma coisa não exclui a outra. O
lugar secreto, só meu e do meu Noivo, deve ser pro-
Jesus, um Pai de família

tegido, custe o que custar. No entanto, pessoas tam-


bém devem ser convidadas a esse meu ambiente,
como Jesus convidou Seus discípulos ao Getsêmani,
em diversas situações – inclusive as difíceis. O lugar
secreto de Jesus era aberto à Sua família.
O que Jesus fez foi exatamente isto: dar acesso.
Ele nos levou ao Seu lugar de intimidade com o Pai,
nos tornou participantes!
Os capítulos 17 e 18 de João são cruciais para o
entendimento da vida de Cristo e de nossa vida em
Cristo. No Jardim, em Sua oração sacerdotal, Jesus
pede ao Pai que todos sejam um como Ele próprio é
um com Deus. Há um convite evidente para que, em
Cristo, entremos na dança perfeita da Trindade, na
dança de um profundo relacionamento até sermos
um. O que também deve ficar claro é que não fomos
convidados a ir sozinhos: “para que sejam um, como
nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que se-
jam aperfeiçoados na unidade” (Jo 17.23).
Quem compartilha o Jardim? A família em que
Jesus se manifesta como Pai, na qual há comunhão,
cada um com Jesus e, também, um com o outro.
Mais uma vez, de que estamos falando? Da Igreja.
Podemos dizer que Igreja é aquilo que se reúne
em um prédio, ao som de uma banda, seguido de um
sermão baseado nas Escrituras? Não, a Bíblia nunca
61 falou disso. A Igreja é uma família que compartilha
o lugar secreto, que divide momentos com Jesus e
com os irmãos – momentos de alegria, momentos
de profunda angústia, momentos de intimidade. A
Igreja é a família na qual Jesus Cristo ocupa a cadei-
ra de Pai, revelando o próprio Pai. Portanto, cada um
de nós é convocado a não apenas experimentar inti-
midade com Ele, mas ser facilitador para que outras
pessoas habitem o lugar da intimidade com Ele, que
também é o lugar da intimidade entre os membros
Não me defenda, apascente!

da família.
Não se engane, porque o Jardim não é exclusivo
aos melhores – Judas estava lá. O primeiro versículo
de João 18 diz enfaticamente que o traidor conhe-
cia aquele lugar e que Jesus costumava levar todos
os discípulos para lá. Há traidores na mesma mesa
na qual comem os filhinhos. O quarto de oração da
família terá discípulos de todo tipo, e não apenas os
de “alto nível”. Não devemos valorizar potencial, mas
sim pessoas!
Que Cristo seja formado em nós e sejamos pa-
recidos com Ele! Porque o nosso Jesus não priva da
comunhão nem aqueles que Ele já sabe que não per-
manecerão. O convite ao lugar secreto compartilha-
do pela família de Jesus é aberto, e não um processo
seletivo. Então não tenha medo de levar traidores ao
seu lugar secreto! Não tenha medo de ter à mesa o
traidor, nem de dar-lhe voz como foi dada a Judas.
Não calemos pessoas nem as poupemos do di-
reito de falar. Enquanto o traidor fala, Jesus molda
a fidelidade dos verdadeiros discípulos. Por favor,
não estamos falando de conceder títulos e posi-
ções ministeriais a ninguém, apenas dê ouvidos e
seu tempo! Judas tinha voz na mesa, porém Pedro
e João conquistaram poder de fala. Uma família
62 não deve ser desorganizada, mas sempre partir da
premissa relacional.
É claro que o tempo – e o próprio Cristo – pro-
vará o interior de cada um, a questão é que essa não
deve ser a preocupação da família. Aliás, não é fun-
ção da Igreja decretar sentença contra um ou outro,
porque só há um Juiz. O propósito da Igreja é a co-
munhão, com Jesus e entre Seus filhinhos, para ma-
nifestar ao mundo quem é Jesus: “a fim de que todos
sejam um (...) para que o mundo creia” (Jo 17.21).
Jesus, um Pai de família

Quando prego sobre estas coisas, ouço comen-


tários do tipo: “E se eu for ferido?”. Lembre-se que, a
esta altura, já deveríamos ser uma família de mortos.
Não prego ingenuidade, mas um coração familiar e
paternal que acredita, que estende misericórdia.
A Igreja que Jesus veio inaugurar não é institu-
cionalizada, mas familiar. É nesse amor paternal que
ela foi projetada para ser construída. Em suma, o
que estamos determinando aqui é o primeiro passo
para que a Igreja seja na terra assim como no céu –
assim como é a unidade entre a Trindade e os anjos,
em uma família de comunhão eterna: o lugar secreto
deve ser compartilhado, sem medo de feridas.
Você bebeu da fonte, em um momento devocio-
nal incrível? Chame alguém e conte o que aconte-
ceu. Você está angustiado? Chame um irmão para
dividir o chão no qual estarão os seus joelhos e os
dele, num solo sagrado de comunhão. Está à toa?
Prepare um café e convide alguém para viver algu-
mas horas com você e com sua família, na intimida-
de do seu lar, sem máscaras ou maquiagem, como
você convidaria seu irmão de sangue, sua mãe, ou
seu pai. Está feliz? Chame alguém para adorar jun-
to com você. Enxergue cada pessoa em sua igreja
como um membro da família, então viva uma vida
familiar – isso ressignificará qualquer atividade
63 “igrejeira”, do culto ao discipulado, da célula aos mi-
nistérios, do louvor ao sermão.
Se vivêssemos uma Igreja familiar, talvez dimi-
nuiríamos as dificuldades que encontramos dentro
de uma Igreja institucional. É bom ressaltar que
essa família não se constrói com métodos, mas puro
relacionamento. Esse assunto rende, então vamos
falar dele em outro momento do livro, não sem antes
destrinchar mais o Jardim da comunhão.
Por que é tão importante assim falar do Get-
Não me defenda, apascente!

sêmani? Porque é na comunhão que se cumprem


os propósitos divinos. Jesus, literalmente, cumpriu
Sua missão no Jardim da comunhão, no Jardim do
relacionamento dEle com o Pai, mas também dEle
com Seus discípulos. Foi lá que orou “Meu Pai, se não
é possível que este cálice passe de mim sem que eu o
beba, faça-se a tua vontade” (Mt 26.42) e foi de lá que
partiu rumo à cruz, Seu ápice ministerial.
Se você está estabelecendo um ministério lon-
ge do relacionamento com Jesus, há um problema
essencial: antes e acima de qualquer função, você
foi chamado a ser um com Ele. Por outro lado, se
sua construção está acontecendo longe da família
Igreja, então você precisa urgentemente ajustar o
coração – porque o dEle é paternal e familiar desde a
eternidade, o que também se provou na terra, quan-
do deu prioridade a constituir uma família, e não
uma denominação ou um ministério de muitos likes.
Jesus mostrou a Si mesmo um Pai, que muitas vezes
“quis reunir os seus filhos, como a galinha ajunta os
seus pintinhos debaixo das asas” (Mt 23.37). Ou seja,
você não cumpre o propósito divino apenas em púl-
pitos, mas em família.
Nunca mais esqueça: você não é igreja, nós so-
mos. Não só você foi chamado ao relacionamento,
nós fomos. Se o lugar secreto de Jesus foi comparti-
64 lhado com a família que Ele estava construindo, por
que construiríamos uma Igreja institucionalizada,
que julga e seleciona quem entra ou que escolhe
não partilhar aquilo que, em secreto, comeu e bebeu
do Pai?
O Senhor quer você no secreto e não negocia
essa intimidade, porém essa não é toda a vontade
de Deus – porque Ele, em Si mesmo, não é sozinho.
Ao mesmo tempo que Jesus quer conduzir você até
águas profundas, Ele também deseja que você retor-
Jesus, um Pai de família

ne à margem:

Mediu ainda outros quinhentos metros, e era já um


rio que eu não podia atravessar, porque as águas ti-
nham crescido. Eram águas em que se podia nadar,
um rio pelo qual não se podia passar andando. Então
ele me perguntou:
— Você viu isso, filho do homem?
Então o homem me levou de volta à margem do rio.
Quando cheguei lá, eis que à margem do rio havia gran-
de abundância de árvores, dos dois lados do rio. Então
me disse:
— Estas águas correm para a região leste, descem ao
vale do Jordão e entram no mar, cujas águas ficarão
saudáveis. Todos os seres vivos que povoam os lu-
gares por onde este rio passar terão vida. E haverá
muitíssimo peixe, porque essas águas chegaram lá.
As águas do mar Morto se tornarão saudáveis, e tudo
viverá por onde quer que esse rio passar.
Nas duas margens do rio nascerá todo tipo de árvore
frutífera. As folhas dessas árvores não murcharão, e
elas nunca deixarão de dar o seu fruto. Produzirão fru-
tos novos todos os meses, porque são regadas pelas
águas que saem do santuário. Os seus frutos servirão
de alimento, e as suas folhas, de remédio.
Ezequiel 47.5-9,12

Meu amigo, é só depois da profundidade que


seus frutos servem de alimento. É só depois de retor-
65 nar à margem que você olha para trás e diz: “Puxa,
eu aprendi o caminho. Agora é hora de levar alguém
junto às águas que não dão pé!”.
Antes de seguir, quero falar a quem já cultiva
um relacionamento saudável com Jesus, porém não
entende a importância de Jesus ter se mostrado Pai
de uma família, e não só Salvador de um indivíduo.
Em primeiro lugar, questione-se quanto ao seu co-
nhecimento do Filho de Deus, porque quem o reco-
Não me defenda, apascente!

nhece pode ver que Ele é três em um, Ele é família.


Em segundo lugar, ore para tornar-se como Jesus,
porque esse não é um pedido, mas uma ordenança
bíblia – ou seja, ore para aprender a ser família como
Ele é na Trindade e como Ele se revelou em Seu mi-
nistério terreno.
Por último, não seja represa, mas uma fonte a
jorrar. Aquilo que você recebeu no secreto de seu re-
lacionamento com Cristo, traga à luz da comunhão.
Deixe que seus irmãos provem de seu fruto e digam
qual é o sabor. Chega de andar sozinho!

O que lhes digo às escuras, repitam a plena luz; e o que é


dito para vocês ao pé do ouvido, proclamem dos telhados.
Mateus 10.27
Armados no Jardim
Tendo, pois, Judas recebido a escolta e alguns guardas
da parte dos principais sacerdotes e fariseus, chegou a
esse lugar com lanternas, tochas e armas.
João 18.3

Tendo entendido que o lugar secreto também


deve ser partilhado com a família espiritual, faz-se
necessário analisar como chegar a esse ambiente,
66
qual a postura esperada pelo Pai dessa família, Je-
sus Cristo. Estamos falando de um ambiente seguro,
no qual cada um pode expor a si mesmo sem medo,
porque a ideia é, juntos, vivermos com Jesus e ser-
mos transformados à Sua imagem. Um dos discípu-
los, contudo, violou essa segurança trazendo armas.
Que versículo intrigante. Judas não apenas
trouxe toda uma escolta preparada para arrancar
o Messias dali, mas também chegou ao lugar da co-
Jesus, um Pai de família

munhão com “lanternas, tochas e armas”. Ao local


mais seguro, alguém trouxe o perigo das armas.
Você está comigo? Você está entendendo o risco?
Quando começamos a habitar o Jardim do re-
lacionamento com Jesus e com a família de Jesus
Pai, é possível dar de cara com esta realidade: nós
mesmos ou outros armados. Armados no Jardim.
Portar armas num lugar profundo de comunhão e
relacionamento é o mesmo que dizer: “Se algo der
errado, eu atiro”.
Quando fica difícil, saca a arma. Quando é con-
trariado, aponta o revólver. Quando não é do seu jei-
to, sai atirando. Quando é ferido, torna-se assassino.
E mais: quem vai armado geralmente leva outros ar-
mados junto consigo, assim como Judas não apare-
ceu sozinho, mas com um monte de guardas, paladi-
nos da justiça invertida, da injustiça travestida de lei.
Não adianta gritar aos quatro ventos que vive
família ou postar isso nas redes sociais se você está
carregando um calibre 38 no bolso, preparado para
atacar alguém que vacile, quem quer que seja. Baixe
as armas, meu amigo, baixe as armas... Ter armas no
Jardim e assentar-se assim com seus irmãos para
partilhar a vida de Cristo é ser traidor. Sem amaciar
o impacto, digo: quem decide ir ao Jardim armado
está manchando um ambiente santo.
67 Imagino muitas mentes pensando agora que
homens não são dignos de confiança, ou até alguns,
muito crentes, protestando: “maldito aquele que
confia no ser humano” (Jr 17.5). Preciso lembrar-lhe,
mais uma vez: uma família de mortos pode ser ata-
cada e sofrer, assim como Jesus foi atravessado por
uma lança depois de morto, mas morto não reclama
de ferida. Ou melhor, morto não tem medo de ferir‑se.
Ei! Você está entendendo que tipo de família Je-
sus inaugurou? Uma família de mortos, aos pés da
Não me defenda, apascente!

cruz, que não se movem ou deixam de se mover por


medo de serem feridos por irmãos. Lembre: alguns
irão armados ao Jardim, apenas decida não ser você
esse Judas!
Perceba que Cristo nos trouxe de volta ao Jar-
dim – não apenas você ou eu, mas nós. Eu amo o fato
de tudo isso ter acontecido num Jardim! É como se
Jesus estivesse arrumando todo o estrago do erro
cometido no primeiro Jardim, o Éden. É como se o
Redentor mostrasse que, quando um erra, a melhor
escolha não é atirar como Adão: “Foi essa mulher
que você me deu!”, nem sacar a espada como Caim:
“Por acaso eu sou tutor do meu irmão para saber
onde ele está?”. Não! Não andemos armados no Jar-
dim para o qual Cristo nos trouxe!
Sua confiança não deve estar na essência falha
do ser humano, mas no infalível Filho do Homem, o
Pai dessa família que se chama Igreja e que foi inau-
gurada na cruz, para ser formada de gente morta e
ressurreta como nova criatura. Se você confia nEle,
então viva na família como Ele viveu, aberto a rela-
cionamentos, no Jardim da comunhão, sem armas
e pronto à cruz.

Por amor de ti, somos entregues à morte continua-


mente; fomos considerados como ovelhas para o
68 matadouro.
Romanos 8.36

Quero lembrar, ainda, que quem tira da comu-


nhão não é só o descrente. “Ah, meus amigos do
mundo me tiram do lugar da comunhão”, alguém
pode alegar, mas a Bíblia mostra que a realidade é
mais dura: quem tira da comunhão é quem também
está na comunhão, mas armado igual Judas. Não
subestime o que estamos tratando aqui: o discípulo
Jesus, um Pai de família

que vai ao Jardim armado é tão nocivo quanto o pró-


prio Judas.
No Jardim, você não precisa de armas, apenas
de ferramentas de poda e plantio, para melhorar o
relacionamento com Ele e entre nós, Sua família.

Então Jesus, sabendo de tudo o que ia acontecer com


ele, adiantou-se e perguntou-lhes:
— A quem vocês estão procurando?
Eles responderam:
— A Jesus, o Nazareno.
Então Jesus lhes disse:
— Sou eu.
Ora, Judas, o traidor, também estava com eles.
Quando Jesus lhes disse: “Sou eu”, recuaram e caíram
por terra.
Jesus, de novo, lhes perguntou:
— A quem vocês estão procurando?
Responderam:
— A Jesus, o Nazareno.
Então Jesus lhes disse:
— Já lhes falei que sou eu.
João 18.4-8

No Jardim, há Mateus, André, Pedro, João. Tam-


bém há Tomé. Há Judas. Às vezes, chegam também
69 guardas, trazidos por um dos discípulos armados,
porém com um objetivo inerente ao Jardim: buscar
Jesus, buscar quem é Jesus. “A quem vocês estão
procurando?”, perguntou. “A Jesus”, responderam.
É isso, amigo. É isso. O Jardim é sobre quem Je-
sus é, o que é possível descobrir no relacionamento
com Ele no nosso lugar secreto. Ao mesmo tempo,
é sobre quem nos tornamos nEle, ou seja, Sua ima-
gem – família –, o que acabamos não só conhecendo,
Não me defenda, apascente!

mas demonstrando no relacionamento uns com os


outros. Perceba que é uma questão de identidade:
quem Jesus é, quem nós somos.
Embora a busca dos guardas e de Judas pare-
cesse santa, ela não era. Nossa busca corre o mes-
mo risco: aparentar ser cristocêntrica, mas na ver-
dade só quer prender Jesus para que Ele seja nosso
Jesus e satisfaça nossas vontades. Oh, por favor, não
faça isso! Ninguém pode prender o Senhor! Somos
uma família na qual Ele é o Pai – Seu lugar é entre
nós, para sempre.
Seja um discípulo cuja comunhão com Jesus e
com a família de Jesus é tão profunda, mas tão pro-
funda que, quando alguém tentar tirar-lhe do lugar
da comunhão – como fizeram com Jesus –, você
também responda sendo. Basta dizer: eu sou, como
Ele é. Veja quem eu sou. Eu sou um com Ele e com
minha família, no lugar da comunhão. Estou firma-
do no meu propósito de relacionamento vertical e
horizontal, pronto a morrer, ser ferido e ressuscitar
com a vida de Cristo em mim, ou seja, a vida que não
guarda ofensa, mas eleva constantemente o amor e
o favor.

Judas: traidor de Jesus


70
Vamos falar de Judas. Com certeza, a traição
daquele discípulo não começou no Jardim, já vinha
acontecendo, mesmo tratando-se de um membro
daquela família de Jesus – e não qualquer membro,
mas um dos próximos. Judas não era a multidão,
que recebia ensino de Jesus e presenciava milagres.
Judas era um dos doze apóstolos, escolhidos para o
convívio íntimo e chamados a continuar a missão do
Mestre, sendo parecidos com Ele no cumprimento
Jesus, um Pai de família

do “Ide”.
Aquele discípulo, encarregado de uma função
importante – tesouraria –, viveu uma vida de família.
Foi cuidado pelo Pai daquela família, que era Jesus.
Dividiu tudo com seus irmãos, os outros discípulos.
Não apenas ouviu explicações exclusivas do Mestre,
mas presenciou uma vida santa ao olhar o Santo
nas atividades diárias. O mesmo pão e o mesmo vi-
nho que alimentaram os outros 11 também alimen-
taram Judas.
Mesmo assim, sendo um assíduo frequentador
do Jardim e um membro daquela família em for-
mação, Judas se vendeu. Entenda: Judas não ven-
deu Jesus por 30 moedas de prata, mas vendeu a
si mesmo. Trocou o relacionamento com Jesus e
a família por trocos, que satisfazem necessidades
apenas terrenas.
Lembre que Judas conhecia o Jardim e, no pior
momento da traição, foi ao Jardim buscar Jesus. O
discurso do traidor não é igual ao de Satanás: “eu
odeio o Senhor”. Quem odeia o Senhor nem vai até o
Jardim. O discurso do que abandona também é: “eu
te busco, Jesus”.
O problema está na raiz da busca. Judas Isca-
riotes não buscou Jesus por quem Ele é, nem para
tornar-se como Ele – o objetivo era satisfazer a si pró-
71 prio, aos seus desejos, ao que achava que precisava,
ao que julgava ser necessário. Quando achou que
precisava de 30 moedas, negociou o relacionamento.
Que grande erro é comparar a presença de
Jesus conosco a qualquer outra coisa! Não há nada
neste mundo mais valioso que estar com Ele. Neces-
sidades momentâneas e pratos de lentilha nunca po-
dem falar mais alto em nossos corações do que os
desejos eternos. Lembre-se da parábola em que um
homem acha uma pérola de grande valor e vende
Não me defenda, apascente!

tudo para obtê-la. Ao invés de deixar-se vender, ven-


da tudo pela pérola mais preciosa! Desejos da carne,
riquezas e luxo, fama e reconhecimento, amores e
paixões – nada, absolutamente nada se compara ao
Seu valor.
Judas foi ao Jardim buscar Jesus para arran-
jar seu próprio sustento, para uma necessidade que
achava ter. Armado, encurralou Jesus: “Você é o
meu Jesus, você faz o que eu quero”, “Eu preciso de
30 moedas, Jesus. Você tem de vir comigo.”, “Eu digo
aonde ir, e você tem de ir comigo agora”, “Eu estou
aqui com todos esses meus amigos armados, por-
que se você não vier com a gente, a gente leva você
à força”.
Você notou que essa é a base da idolatria? Ido-
latrar não é apenas possuir uma imagem de escul-
tura e adorá-la, mas é, acima de tudo, criar um deus
para nós mesmos – e, ainda, ousar chamá-lo de Je-
sus. Como disse o apóstolo Paulo: “trocaram a glória
do Deus incorruptível por imagens semelhantes ao
ser humano corruptível, às aves, aos quadrúpedes e
aos répteis” (Rm 1.23).
Não sei se começou a ficar claro para você, mas
estamos pintando um retrato muito atual. Quantos
Judas negociam Jesus às escondidas, depois vão ao
Jardim para forçar Jesus a ir com eles, fazer o que
72 eles mesmos querem? Judas usa Jesus, chama o
deus que criou para si de Jesus.
Este é um padrão de traidor: aquele que trai a
preciosidade do primeiro e principal chamado, que
é o relacionamento com Jesus, baseado em quem
Ele é e em um desejo intenso de fazer Sua vontade.
Quanto mais conhecemos Jesus, mais buscamos O
agradar, em detrimento de qualquer prazer momen-
tâneo – Ele é o maior deleite do nosso coração.
Judas traiu Jesus, no ambiente em que estava
Jesus, um Pai de família

também a família à qual Jesus se mostrou Pai. Entre-


tanto, ele não foi o único traidor.

Pedro: traidor do povo de Jesus


Então Simão Pedro puxou da espada que trazia e feriu
o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direi-
ta. E o nome do servo era Malco.
Mas Jesus disse a Pedro:
— Guarde a espada na bainha! Por acaso não beberei
o cálice que o Pai me deu?
João 18.10,11

Quem disse que só Judas levou armas ao Jar-


dim? Não podemos falar dos demais discípulos, mas
a Bíblia dá certeza de dois armados: Judas e Pedro.
No que coincide a história dos dois? Armas no Jar-
dim e uma traição.
É comum falar das três vezes que Pedro negou
Jesus, depois de como ele chorou amargamente e
voltou ao ofício antigo, a pesca, desolado por ter er-
rado com ninguém menos que o próprio Messias,
aquele por quem jurou que morreria, se fosse neces-
sário. Porém, quando centrados nas três negações
antes de o galo cantar, perdemos um contexto reve-
73 lador acerca da traição de Pedro, que foi diferente
da de Judas.
A primeira diferença está no uso das armas.
Os dois levaram armas ao lugar da comunhão, po-
rém um apontou armas a Jesus, outro a usou contra
um soldado chamado Malco. Em nome de defender
Jesus, Pedro atacou um homem. Nem preciso dizer
muito mais que isto: quantas vezes ferimos pessoas
e usamos como justificativa uma defesa de Cristo?
O que o Salvador respondeu? Tomo a liberdade
Não me defenda, apascente!

de imaginar como seria em outras palavras: “Guarde


a espada, Pedro. Por acaso você acha que eu preciso
que você me defenda? Estou cumprindo meu propó-
sito de estabelecer uma família aos pés da cruz, tra-
te de guardar essa espada que você trouxe ao nosso
lugar de comunhão!”.
Jesus não recrutou guardas. Ele não chamou
discípulos que o defendessem, que o guardassem
de feridas, que o poupassem do sacrifício. Jesus veio
para estabelecer uma família que conhece bem e
frequenta, individual e coletivamente, o Jardim do
relacionamento. O ministério da reconciliação foi
dado a reconciliados, que juntos devem promover
reconciliação – entre Deus e homens e entre os pró-
prios homens, estabelecendo a família eterna aqui
na terra. Simplesmente como Jesus fez.
Pedro, contudo, não entendeu assim. Ele de-
monstrou amar Jesus, enquanto até caminhava em
família, porém não mostrou amor pelos que Jesus
amava – pelo contrário, tirou a espada para ferir
alguém, mesmo pisando aquele solo conhecido do
Getsêmani. Uma agressão no lugar da comunhão.
Para fazer ainda mais sentido, precisamos en-
tender quem era Malco. O evangelho escrito por
Marcos descreve Malco como “servo do sumo sa-
74 cerdote”, ou seja, alguém da linhagem de Levi, habi-
litado a serviços sacerdotais. Não era qualquer um,
mas um representante da Casa de Deus.
A partir dessa informação, já entendemos a gra-
vidade do que Pedro fez: ele não só levou uma espada
ao lugar da comunhão como a usou contra um ho-
mem que servia no templo. Há, no entanto, outro fator
agravante: enquanto servo do sumo sacerdote, Malco
devia corresponder às exigências da Lei de Moisés,
que proibia qualquer marca no corpo – uma orelha
Jesus, um Pai de família

cortada significaria inaptidão ao ministério. Ao ferir


Malco, Pedro inativou um ministério.
Não sei quão enfático preciso ser para que isto
soe de forma absurdamente terrível: Pedro alegava
amar Jesus, mas não amava o povo de Deus! Pedro
se autointitulou defensor de Jesus ao ferir o povo de
Jesus, desativando um ministério por causa de uma
ferida. E isso aconteceu com Cristo logo ao lado, no
Jardim, dizendo: “Eu não preciso que você me defen-
da! Guarde a espada!”.
Enquanto Judas queria levar Jesus embora,
Pedro queria ficar com Jesus para si, mesmo que
custasse machucar alguém. São traições diferentes,
mas com um ponto de intercessão: “Jesus é meu”.
Judas queria que Jesus servisse seus próprios in-
teresses, então negociou o relacionamento, jogou
tudo fora por 30 moedas. Pedro queria Jesus para
si, até queria o relacionamento com Ele, mas não se
importava com o que fazia o coração de Jesus pul-
sar: a família, a Igreja.
Uau! Como isso me impacta. O coração de Je-
sus é paternal, Ele sempre se importou com o modo
de levantar a Sua Igreja para que se tornasse uma
família eterna, como Ele sempre foi na Trindade.
Nessa base de unidade tão intensa, a ponto de fazer
muitos se tornarem um só, Ele agiu durante Sua vida
75 terrena, para deixar rastros, pegadas sobre as quais
toda família deveria andar.
A traição de Pedro para com a Igreja também
se mostra em seu comportamento nos momentos
seguintes. A Bíblia diz que, quando os guardas leva-
ram Jesus do Getsêmani, todos os discípulos o aban-
donaram e fugiram (Mt 26.56). Pedro foi um dos
fugitivos. Logo depois, as Escrituras o descrevem
seguindo Jesus, mas de longe. Temos, então, uma
sequência de acontecimentos que revelam o que su-
Não me defenda, apascente!

cede ao tipo “Pedro” de traidor.

Simão Pedro e outro discípulo seguiam Jesus. Esse


discípulo era conhecido do sumo sacerdote e, por isso,
conseguiu entrar no pátio da casa deste com Jesus. Pe-
dro, porém, ficou de fora, junto à porta. O outro discí-
pulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu, falou
com a encarregada da porta e levou Pedro para dentro.
Então a empregada, encarregada da porta, perguntou
a Pedro:
— Você também não é um dos discípulos desse homem?
Ele respondeu:
— Não, não sou.
Os servos e os guardas estavam ali, tendo acendido
uma fogueira por causa do frio, e se aqueciam. Pedro
estava no meio deles, aquecendo-se também.
João 18.15-18
Pedro acionou seus contatos no WhatsApp
para conseguir acesso ao lugar onde Jesus estava.
Alguns estudiosos dizem que esse “outro discípulo”
pode ser Nicodemos, o mesmo que recebeu de Jesus
uma explicação preciosa acerca do novo nascimen-
to. “Mano Nico, você não consegue me fazer entrar
lá também?”. Aquele homem ocupava uma posição
de governo, e Pedro usou dessa posição para não só
entrar, mas sentar na janela. Quem não ama a Igreja
76 usa a Igreja.
A cena continua. A tomada agora mostra uma
empregada questionando se Pedro era um dos dis-
cípulos daquele prisioneiro, empregada que estava
junto à porta. Engraçado é que Nicodemos – se é que
era ele – também era discípulo de Jesus e foi descri-
to nesse trecho exatamente assim: “outro discípulo”,
mas só Pedro foi questionado. De alguma forma, ele
denunciou a si próprio – talvez pelo sotaque, talvez
porque se comportava de forma não discreta quan-
Jesus, um Pai de família

do andava com Jesus e ganhou certa fama.


Sabemos que Pedro costumava agir com impul-
sividade, em uma devoção que, muitas vezes, soava
arrogante. Ele vivia dizendo a Jesus que não O dei-
xaria morrer, que morreria por Ele, que não queria
ter seus pés lavados pelo Mestre, uma sequência de
rompantes espirituais. Esse “espiritualzão” respon-
de à mulher: “Não, não sou discípulo dEle”.
Meu Deus! Quantas vezes fui Pedro! Por se impul-
sivo, apaixonado, também fui precipitado e burro. Cla-
ro que o apóstolo Pedro que lemos no livro de Atos é
maduro, não mais esse sobre quem estamos estudan-
do agora; no entanto, identifico-me com suas falhas
do tempo de imaturidade. Jesus, dê-nos um coração
humilde e dependente do Senhor para enxergar quem
somos e permitir Seu toque transformador!
A verdade é que nem tudo que tem aparência
de espiritual é espiritual. Muita gente faz o que é de-
mandado na instituição Igreja, mas não tem nada de
espiritual nem sabe o que é ser uma família espiri-
tual. Naquela hora, entre Pedro e Nicodemos, eu ele-
geria Nicodemos como o sensato.
No versículo 18, o filme segue para um quadro
interessante: Pedro se aquecendo na mesma foguei-
ra em que estavam os guardas. Primeiro, podería-
77 mos perguntar o porquê de Pedro estar ali, e não
com sua família da fé, consolando aqueles outros
fugitivos. Não, Pedro não ficou com a família e ain-
da foi procurar calor no fogo do inimigo, no fogo dos
guardas que haviam prendido Jesus.
É isso mesmo, aquele Pedrão espiritual sentou
na roda dos escarnecedores, ao lado de quem levou
Jesus preso. É possível que muita coisa tenha pas-
sado na cabeça dele, por exemplo: “Ah, como eu vou
falar para os meus líderes que eu neguei Jesus...”.
Não me defenda, apascente!

Agora visualize esta cena: Pedro pensando isso, en-


quanto se aquece na fogueira dos inimigos, ao invés
de estar no calor da família.
Ok, encontramos outro padrão: quem não en-
tende o valor da família Igreja vai para longe dela
quando erra. Pior que isso, acaba achando calor em
meio aos inimigos. E pensar que essa história come-
çou com Pedro levando armas ao Jardim!

Simão Pedro estava em pé, aquecendo-se. Então lhe


perguntaram:
— Você também não é um dos discípulos dele?
Ele negou e disse:
— Não, não sou.
Um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a
quem Pedro tinha decepado a orelha, perguntou:
— Não é verdade que eu vi você no jardim com ele?
De novo, Pedro negou. E no mesmo instante o galo
cantou.
João 18.25-27

Mais um questionamento, mais um “não, não


sou”. A terceira pergunta vem de um parente de
Malco. Preste muita atenção nas palavras daquele
homem: “Não é verdade que eu vi você no jardim
com ele?”.
78 Ei, você ainda está comigo? Você consegue en-
xergar espiritualmente essa verdade? Pedro não só
desabilitou Malco, mas fez a família de Malco não
querer o Jardim! A acusação vem de forma muito
específica: “Eu não vi você lá no lugar da comunhão,
decepando a orelha de Malco?”. Pedro responde:
“Eu, no Jardim? No lugar da comunhão? No lugar
profundo? Não, não era eu.”.
Naquela hora, Pedro nega o Jardim. Não só Je-
sus, mas o Jardim no qual Jesus estava estabelecen-
Jesus, um Pai de família

do uma família, mediante relacionamento. Foi então


que o galo, finalmente, cantou. Um ciclo se fechou:
levou uma espada ao Jardim, que usou para ferir a
Igreja; fugiu, não se juntou à família, mas sim procu-
rou calor na fogueira do inimigo; por último, negou
o lugar do relacionamento com Jesus e com o povo
de Jesus.
Sabe quando essa falta de entendimento de Pe-
dro sobre a importância da Igreja fica ainda mais
evidente? Quando, depois de ressurreto, Jesus con-
versa com ele.
Antes de lermos como a Bíblia retrata o diálo-
go, quero montar com você o cenário. É importante
perceber que Jesus trabalha com o contexto. Pedro,
Tomé, Natanael, os filhos de Zebedeu e mais dois dis-
cípulos haviam passado a noite no barco, sem pes-
car um peixe sequer. Um detalhe interessante: quem
peca contra o lugar da intimidade tende a voltar às
antigas práticas.
Devemos queimar as carroças em nossos cora-
ções. Não há volta. A falta de comunhão entre os dis-
cípulos em meio àquele caos causou absoluta falta
de convicção a respeito de tudo o que tinham vivido e
aprendido, a ponto de decidirem retroceder ao pro-
pósito de vida antigo.
Vamos continuar a história. No começo do dia,
79 um homem aparece na praia pedindo algo para
comer, mas não é reconhecido pelos pescadores,
que apenas negam o pedido de comida. Jesus pede
que joguem as redes, como em um déjà-vu do mo-
mento em que foram chamados a serem discípu-
los – eles também vinham de uma noite de pesca
improdutiva, quando receberam o intrigante co-
missionamento para seguirem o Mestre e virarem
pescadores de gente.
Uma nova pesca milagrosa acontece. João vira
Não me defenda, apascente!

para Pedro e diz: “É o Senhor!” (Jo 21.17). Qual a rea-


ção de Pedro? Joga-se ao mar e sai nadando, em di-
reção à praia. Mais uma vez, abandona o barco cheio
de peixes para os outros discípulos cuidarem, indo
sozinho até Jesus. Com certeza, há um impulso de
amor por Jesus, mas ele não é acompanhado de um
desejo de ir junto com a sua família – ele foi sozinho,
não levou ninguém.
Quase sempre que penso nisso choro. Enquanto
escrevo estas palavras, lágrimas escorrem em meu
rosto... Pedro se jogou – que coração faminto pelo
Senhor! Contudo, Pedro não percebeu que podia
levar outros consigo. Sabendo que Yeshua poderia
livrá-lo daquele peso do retorno à vida antiga, Pedro
foi o primeiro a ir, a jogar-se. Acredite: nós preci-
samos de homens pioneiros como Pedro. O maior
desafio dos pioneiros, todavia, é não ir sozinho, mas
levar o povo consigo.
Na praia, Jesus havia preparado o quê? Uma
fogueira! Uau! Traiu numa fogueira, numa fogueira
encontrou o Jesus ressurreto, o Jesus Pai de famí-
lia, o Jesus que estava inaugurando, sobre aquelas
bases, uma Igreja gloriosa. Quem acende o fogo? Je-
sus. Quem começa o fogo? Jesus. Então quem é que
começa o avivamento? Jesus, meu amigo, Jesus!
80 Jesus refaz cenários de traição para selar re-
conciliação. Jesus refaz cenários de dor para pro-
mover cura. Aquele Jesus com cicatrizes da cruz –
não com feridas, apenas cicatrizes – vai ao encontro
dos Seus filhinhos.

Depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão


Pedro:
— Simão, filho de João, você me ama mais do que estes
outros me amam?
Jesus, um Pai de família

Ele respondeu:
— Sim, o Senhor sabe que eu o amo.
Jesus lhe disse:
— Apascente os meus cordeiros.
Jesus perguntou pela segunda vez:
— Simão, filho de João, você me ama?
Ele respondeu:
— Sim, o Senhor sabe que eu o amo.
Jesus lhe disse:
— Pastoreie as minhas ovelhas.
Pela terceira vez Jesus lhe perguntou:
— Simão, filho de João, você me ama?
Pedro ficou triste por Jesus ter perguntado pela tercei-
ra vez: “Você me ama?” E respondeu:
— O Senhor sabe todas as coisas; sabe que eu o amo.
Jesus lhe disse:
— Apascente as minhas ovelhas. Em verdade, em ver-
dade lhe digo que, quando era mais moço, você se cin-
gia e andava por onde queria. Mas, quando você for
velho, estenderá as mãos, e outro o cingirá e o levará
para onde você não quer ir.
Jesus disse isso para significar com que tipo de morte
Pedro havia de glorificar a Deus. Depois de falar assim,
Jesus acrescentou:
— Siga-me.
João 21.15-19
81
A primeira pergunta é capciosa, porque estabe-
lece uma comparação: “mais que os outros”. Pedro
realmente se via assim, acima dos outros discípu-
los – no próprio amor por Jesus. Há quem professe
amor por Jesus, mas considerando todos abaixo de
si e da sua vida espiritual santíssima. Jesus respon-
de como? “Apascente os meus cordeiros”.
Vamos pensar um pouco nisso. Antes, já vimos
Pedro sendo corrigido, não de leve, para que guar-
Não me defenda, apascente!

dasse a espada, porque Jesus não precisava ser de-


fendido. Agora Jesus deixa as coisas mais explícitas:
“Pedro, não me defenda. Apascente!”, “Pedro, eu não
quero juras de amor, eu quero que você ame o que
eu amo: os meus filhinhos, os meus cordeirinhos, a
família que eu inaugurei!”.
Mais uma vez, o Senhor pergunta se Pedro O
ama. Mais uma vez, Pedro responde que sim, que o
Senhor sabia que sim. Jesus manda que ele pasto-
reie. “Pedro, não quero que você apenas me ame,
mas que você ame e cuide do meu rebanho”.
Na última pergunta, Pedro se entristeceu.
Acrescentou que Jesus não apenas sabia que ele O
amava, mas que sabia todas as coisas, nada poderia
fugir à Sua soberania. Jesus pede novamente que
Seu discípulo comece a cuidar da Igreja e termina
com um indício do martírio do apóstolo. Aquela pro-
messa não cumprida anteriormente, de morrer por
Jesus, Pedro cumpriria um dia.
Pedro não estava mentindo nas três vezes que
respondeu que amava Jesus. Ele amava Jesus, ape-
nas não amava da mesma maneira o povo de Jesus,
a família que o Filho de Deus estava reconciliando
em Si mesmo. O problema é que não amar o que Ele
ama é uma traição.
Lá atrás, quando Pedro saiu para acompanhar
82 o aconteceria com Jesus ao invés de ficar com seus
irmãos, ele até poderia ter a intenção de demonstrar
amor por Jesus – apesar de ter negado três vezes
ser um de Seus discípulos –, mas não demonstrou
amor por Sua família. O que fez Pedro abandonar a
companhia dos irmãos foi a sensação de que Jesus
não estava lá, e ele não queria só a Igreja.
Eu me lembro de passar por algo semelhante.
Com meus 18 anos, vivendo na cidade de São Paulo,
passava horas no quarto de oração, diante da Bíblia,
Jesus, um Pai de família

em uma vida de jejuns e muito clamor. Naquele tem-


po, escrevi muitas canções, fui tocado pelo Espírito
Santo inúmeras vezes.
Eu me achava incrível, de Deus, mais até que ou-
tros. Um dia, o Senhor Deus apareceu e disse: “Ale, dei-
xe seu violão de lado e ache alguém para cuidar”. Aqui-
lo foi tão impactante! Perdi o norte. Como palavras tão
simples puderam desfazer-me por completo? Quando
olhei nos olhos de Jesus, eu vi o que Ele ama: Sua Igre-
ja. Eu quero amar o Senhor e a Sua Igreja!
Nosso amor a Cristo encontra plenitude quando
emana de nós em direção a nossos irmãos. Depois
da obra de Jesus, tudo continua por intermédio da
Igreja, a família eterna de Deus, e não amar a Igreja
é não amar Jesus.
Compartilho agora uma citação a respeito do
Pedro que poucos conhecem, aquele que errou, mas
levantou; que traiu, mas se arrependeu. O Pedro que
amou Seu senhor até o fim. O Pedro que, depois de
olhar os olhos do Mestre, diante daquela fogueira
montada pelo próprio Cristo para promover um am-
biente de cura, nunca mais foi o mesmo.

Hegessipo diz que Nero procurava fatos contra


Pedro para condená-lo à morte. Quando o povo perce-
beu isso, rogaram a Pedro, com muita insistência, para
que ele fugisse da cidade. Pedro no fim foi persuadido
83 pelos importunos pedidos e preparou-se para a fuga.
Porém, ao chegar ao portão da cidade, viu o Senhor
Jesus Cristo vindo ao seu encontro, a quem Pedro, ado-
rando, disse: — Senhor, para onde vais tu? — Ao que Ele
respondeu dizendo: — Estou voltando para ser crucifi-
cado. — Assim Pedro, percebendo que com essas pala-
vras o Senhor se referia ao martírio do qual ele estava
fugindo, voltou para a cidade. Jerônimo diz que ele foi
crucificado, com a cabeça para baixo e os pés para o
alto a pedido dele mesmo porque era — disse ele — in-
digno de ser crucificado do mesmo modo e jeito como
o fora o Senhor.
Não me defenda, apascente!

John Foxe, em “O Livro dos Mártires”

Fiel à palavra, infiel à família


Para ilustrar, vamos mudar de personagem. Jo-
nas recebeu uma missão: avisar Nínive que a cida-
de seria destruída por sua perversidade. Depois da
fuga que culminou no estômago de um grande peixe,
o homem decidiu obedecer. Foi até Nínive e pregou
um sermão duro, de juízo, que convenceu o coração
daquele povo. Deus, então, mudou a sentença e pou-
pou a todos.
O profetão ficou indignado. Reclamou com
Deus, justificando que não havia obedecido ime-
diatamente porque sabia que o Senhor agiria com
misericórdia. De tão contrariado, pediu a morte,
ao que Deus respondeu: “Você acha que é razoável
essa sua raiva?”.
Magoado, Jonas saiu de Nínive e construiu um
abrigo em lugar próximo, de onde podia ainda ver
a cidade. Sentou-se à sombra para assistir de ca-
marote o que sucederia. Ou seja, ele não ficou com
aquela comunidade recém-salva, mas foi para longe
dela, ficar sozinho. Aliás, a estratégia de Jonas ainda
84 é muito utilizada hoje, séculos depois.
Deus fez crescer uma planta por cima de Jonas,
para mantê-lo protegido do desconforto, mas no dia
seguinte, enviou um verme para acabar com aque-
le teto natural. O sol atingiu Jonas, que quase des-
maiou. Em mais uma demonstração de maturidade,
demonstração de maturidade – contém ironia –, pediu
para morrer.

Quando o sol nasceu, Deus fez soprar um vento les-


Jesus, um Pai de família

te muito quente. O sol bateu na cabeça de Jonas, de


maneira que ele quase desmaiou. Então pediu para
morrer, dizendo:
— Para mim é melhor morrer do que viver!
Então Deus perguntou a Jonas:
— Você acha que é razoável essa sua raiva por causa
da planta?
Jonas respondeu:
— É tão razoável que até quero morrer!
E o Senhor disse:
— Você tem compaixão da planta que não lhe custou
nenhum trabalho. Você não a fez crescer. Numa noite
ela nasceu e na noite seguinte desapareceu. E você não
acha que eu deveria ter muito mais compaixão da gran-
de cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil
pessoas, que não sabem distinguir entre a mão direita e
a mão esquerda, e também muitos animais?
Jonas 4.8-11
Jonas foi fiel à palavra de Deus e transmitiu-a
aos ninivitas, mas não foi fiel à comunidade de fiéis
que estava nascendo ali. Jonas teve mais compaixão
de uma planta do que de vidas. Cumpriu o que foi so-
licitado, mas escapou da vida em família.
Já ouvi esse discurso algumas vezes, mas creio
em dias de restauração daqueles dispostos a morrer
por Jesus, mas também apaixonados pela família
dEle. No chamado a amar Jesus de todo o coração,
85 precisamos entender que está implícito amar famí-
lia, simplesmente porque é isso que Ele é, em Sua
essência triúna, e foi isso que Ele estabeleceu minis-
terialmente aqui na terra.
Não aceite esse dualismo, como se fosse pos-
sível – ou aceitável a Deus – ser fiel à Palavra e, pa-
ralelamente, ser infiel à família. Não são conceitos
separáveis. Precisamos de homens que não apenas
carregam a mensagem profética, mas, acima de
tudo, carregam o coração do Deus da profecia.
Não me defenda, apascente!

Seguidores da cabeça decepada


Mais uma vez, preciso ser direto. Se você é um
desigrejado, não use a desculpa de que pode amar
Jesus sem estar enraizado em uma família espiri-
tual, em uma Igreja. Igrejas falharam, falham e ainda
falharão? Pessoas e líderes farão coisas absurdas?
Sim. No entanto, nada disso exclui ou macula o pla-
no perfeito de continuar manifestando o mistério ao
mundo por meio da Igreja. Jesus não opera nada
sem Sua igreja, porque ela é a Sua extensão.

Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja.


Colossenses 1.18
Você consegue imaginar um corpo vivo, an-
dando por aí, sem a cabeça? Agora o inverso: uma
cabeça caminhando pelas ruas da cidade, passan-
do mensagens boas a todos? Como é que o cabeça,
Cristo, caminha hoje na terra? Por meio de Seu cor-
po, a Igreja. Não há outro jeito, senão estamos falan-
do de uma cena de filme de terror, na qual uma cabe-
ça arrancada do resto do corpo comanda um grupo.
Não existe a possibilidade de ser seguidor da
86 cabeça decepada, fora do Corpo de Cristo. Isso é an-
tibíblico, simples assim. E ninguém é Igreja sozinho,
porque uma mão decepada não carrega vida. O que
já falamos? Eu não sou igreja, nós somos.

Porque também o corpo não é um só membro, mas


muitos. Se o pé disser: “Porque não sou mão, não sou do
corpo”, nem por isso deixa de ser do corpo. Se o ouvido
disser: “Porque não sou olho, não sou do corpo”, nem
por isso deixa de ser do corpo.
Jesus, um Pai de família

Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se


todo ele fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas Deus
dispôs os membros, colocando cada um deles no cor-
po, como ele quis.
Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria
o corpo?
O certo é que há muitos membros, mas um só corpo.
Os olhos não podem dizer à mão: “Não precisamos de
você.” E a cabeça não pode dizer aos pés: “Não preciso
de vocês.”
Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser
mais fracos são necessários, e os que nos parecem
menos dignos no corpo, a estes damos muito maior
honra. Também os que em nós não são decorosos re-
vestimos de especial honra, ao passo que os nossos
membros nobres não têm necessidade disso. Contudo,
Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais hon-
ra àquilo que menos tinha, para que não haja divisão no
corpo, mas para que os membros cooperem, com igual
cuidado, em favor uns dos outros. De maneira que, se
um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles
é honrado, todos os outros se alegram com ele.
Ora, vocês são o corpo de Cristo e, individualmente,
membros desse corpo.
1Coríntios 12.14-27

Nossas frustrações não podem ser maiores


que o evangelho. Nossas decepções com comuni-
dades locais não podem superar a vida de Cristo em
87 nós. Cristo, por amor, também foi ferido, morreu,
mas ressuscitou!
Então muitos dizem: “Eu me reúno em casa, com
minha própria família”. Quão cômodo é estar apenas
com aqueles que lhe agradam, sem ser forjado na
fornalha dos relacionamentos! Quão cômodo é você
dizer que é Igreja com aqueles que você mesmo es-
colheu, e não com todos aqueles que Cristo colocou
em seu caminho!
Que o Senhor nos faça uma verdadeira Igre-
Não me defenda, apascente!

ja! Seja em casa, seja em templos, seja nas ruas, o


lugar não importa, o que importa é que sejamos
uma família.
IGREJA QUE JESUS
INAUGUROU NA TERRA

Qahal, não empresa


Mesmo passando por tantas coisas juntos no trilho
destas páginas, ainda acredito que podem existir dú-
vidas quanto ao que é, de fato, Igreja. Naturalmente,
pensamos naquele prédio com uma placa na frente,
com um nome bonito como “Igreja ONE”, estampa-
do para todo mundo ver. Analisando só isso, em um
zoom que exclui todo o contexto, alguém poderia de-
fender a tese de que Jesus, quando veio ao mundo,
mostrou uma rejeição à ideia de igrejas instituciona-
lizadas, organizadas, como nos moldes de hoje. Uns
até indagariam: se Ele veio estabelecer uma família,
por que plantamos tantas igrejas diferentes?
Essa defesa existe e tem como base o não esta-
belecimento de denominações, mas de um Corpo só.
Assim, desigrejados transitam numa corda bamba:
de um lado, a verdade bíblica, de outro, a mais pura
definição de heresia. Não se deixe confundir – corra
para a Bíblia e encontre não apenas verdades, mas a
Verdade em pessoa.
É o que vamos fazer agora, estabelecer biblica-
mente o que é Igreja. Fato é que não se trata de uma
instituição, mas de uma família. Não há, contudo,
impedimentos ou proibições de organização, desde
que se mantenham as bases paternais.
O problema, então, não está na placa da igreja,
como gritam anarquistas do mundo gospel, mas nos
fundamentos espirituais. A Bíblia não prega sobre
placa, nem proíbe que se tenha uma, porém estabe-
lece taxativamente que o plano eterno de Deus en-
volve uma comunidade familiar. A questão não é o
formato das igrejas atuais, mas a fibra delas, do que
elas são compostas – e muitas não tem nada a ver
com a Igreja bíblica, a Noiva, a família eterna.
Antes de seguir, vamos deixar tudo bem claro,
porque há uma linha muito tênue. Dizer que a Igreja
de Jesus é uma família, e não uma empresa, é uma
89 defesa totalmente justa; por outro lado, não congre-
gar em lugar nenhum, alegando que as igrejas que
possuem um CNPJ são apenas empresas trata-se da
mais pura definição de escapismo.
Seríamos imprudentes se, ao reunir centenas
de pessoas num mesmo lugar, não conservásse-
mos ordem. Se você é um dos que tem “um pé atrás”
com templos, peço-lhe que nos ajude a encontrar
uma casa grande o suficiente para congregar 500
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

pessoas em um culto de domingo. O problema é


realmente o templo? Se arrumássemos uma casa
que consegue abrigar essa multidão, ela também
não teria virado um tempo? Não sejamos levados
por extremismos.
Muitos que descambam para esse lado – para
não dizer quase todos – escondem uma dificuldade
de submissão. São pessoas avessas à vida compar-
tilhada inerente às igrejas locais, que não entendem
ou não querem acreditar nos pilares de governo
eclesiástico descritos nas Escrituras. A estes, um
alerta: o Noivo tem ciúmes da Noiva, então não seja
aquele que se levantará contra ela.
Vamos retroceder algumas casas, para avan-
çar lentamente e cronologicamente, em uma ma-
crovisão bíblica acerca do que é Igreja.
E Deus disse:
— Façamos o ser humano à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança. Tenha ele domínio sobre os peixes
do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais do-
mésticos, sobre toda a terra e sobre todos os animais
que rastejam pela terra.
Assim Deus criou o ser humano à sua imagem, à ima-
gem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus
os abençoou e lhes disse:
— Sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra e
90 sujeitem-na. Tenham domínio sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja
pela terra.
Gênesis 1.26-28

O que temos aqui? Deus começou a humanida-


de estabelecendo uma família – só isso já diz muito
sobre o propósito de nossa existência, à imagem
dEle, que em Si mesmo é uma família. Além disso,
aquele primeiro casal da raça humana também foi
Jesus, um Pai de família

chamado a multiplicar sua espécie e sujeitar toda


a terra, ter domínio sobre ela, sinal de que, desde
a Criação, o Criador delegou governo e autoridade
à família.
Uma família, em multiplicação, a quem foi ou-
torgada autoridade – definição clara de Igreja. As
bases da Igreja já estavam lá, no Éden, como refle-
xo da realidade divina e celestial. O desejo eterno de
Deus era ter um povo exclusivo, que fosse espelho da
Trindade e do “povo” do céu.
Pare para pensar que, antes de existir homem,
ou seja, muito antes da inauguração da Igreja de Je-
sus, já existia culto. Nos céus, anjos cantam desde a
eternidade. Vimos em Apocalipse que há um evan-
gelho eterno, o que significa que a boa-notícia circu-
la nas regiões celestiais muito de existir evangelismo
humano. Há um núcleo familiar perfeito em movi-
mento, desde sempre, na Trindade. Quando oramos,
então, para que seja feita a vontade de Deus assim
na terra como é no céu, estamos trazendo uma rea-
lidade preexistente para o nosso agora, com o obje-
tivo de cumprir o plano eterno do Senhor.
Podemos resumir da seguinte forma: o propósi-
to eterno de Deus, manifesto desde a Criação, é que
o homem tenha relacionamento com Ele, viva e mul-
tiplique família e, por último, exerça governo sobre
91 a terra. Fomos criados para conhecer Jesus e ser
como Ele é – e Ele é, ao mesmo tempo, comunhão,
família e governo. Estão lançados os alicerces da
Igreja eterna!
Um pouco adiante na história dos homens,
Deus estabelece uma aliança com Abraão. O plano,
demonstrado no início, não mudou: comunhão, famí-
lia, governo. Veja:

Que o Deus Todo-Poderoso o abençoe, faça com que


Igreja que Jesus inaugurou na Terra

seja fecundo e o multiplique para que você venha a ser


uma multidão de povos.
Gênesis 28.3

A expressão “multidão de povos” é, no original


hebraico, qahal. O Dicionário Strong explica seu
significado:

1) assembleia, companhia, congregação, convo-


cação 1a) assembleia 1a1) para mau conselho, guerra
ou invasão, propósitos religiosos 1b) companhia (de exi-
lados que retornavam) 1c) congregação 1c1) como um
corpo organizado

Strong também mostra que, em uma raiz pri-


mitiva, o termo carregava o sentido de reunir, juntar,
tanto por razões religiosas quanto políticas. Era usa-
do para convocar uma assembleia de guerra e jul-
gamento, ou uma assembleia de fins religiosos. Mais
uma vez, vê-se o plano eterno em curso: de Abraão,
Deus faria nascer qahal.
A história é bem conhecida: o pai da fé teve o fi-
lho da promessa, Isaque, mas não se pode dizer que
nasceu qahal. Isaque gera, então, Jacó, pai das doze
tribos. Em Jacó, mais especificamente em sua fa-
mília, formou-se finalmente uma nação, aquela que
passou a ser chamada pelo novo nome de seu pai,
92 Israel, povo escolhido de Deus, herdeiro da promes-
sa e do pacto.

Depois que Jacó havia retornado de Padã-Arã, Deus lhe


apareceu outra vez e o abençoou. Deus disse a ele:
— Você se chama Jacó, mas o seu nome não será mais
Jacó; o seu nome será Israel.
E lhe deu o nome de Israel. Disse-lhe mais:
— Eu sou o Deus Todo-Poderoso; seja fecundo e mul-
tiplique-se; uma nação e multidão de nações sairão
Jesus, um Pai de família

de você, e reis procederão de você. A terra que dei a


Abraão e a Isaque darei também a você e, depois de
você, à sua descendência.
E Deus se retirou dele, elevando-se do lugar onde lhe
havia falado. Então Jacó pôs uma coluna de pedra no
lugar onde Deus havia falado com ele e derramou uma
libação e azeite sobre ela. Ao lugar onde Deus lhe havia
falado, Jacó deu o nome de Betel.
Gênesis 35.9-15

Que texto rico, meu amigo. Deus está falando


a Israel que, dele, seria formada não só uma na-
ção, mas “multidão de nações” – no hebraico, qahal.
Como, exatamente, estava se formando esse qahal?
Em uma família de doze irmãos, cujo pai se tornou
agente do pacto divino com o homem.
O último versículo desse trecho mostra Jacó,
agora Israel, dando nome ao lugar no qual Deus fala-
ra com ele sobre qahal: Betel. Segundo Strong, essa
palavra grega significa “casa de Deus”. Chegamos à
primeira menção bíblica de Igreja.
Meu interior vibra diante desse mistério. A casa
de Deus é o lugar onde se estabeleceu, em uma fa-
mília, qahal: uma assembleia de irmãos, governados
por um pai, e não por um administrador.
Tendo como lente esse conceito familiar de as-
sembleia e, portanto, de Igreja, a interpretação da
93 bênção abraâmica, que chega até nós, ganha novos
contornos. Ou melhor, a sombra se torna substância:

Abençoarei aqueles que o abençoarem e amaldiçoarei


aquele que o amaldiçoar. Em você serão benditas todas
as famílias da terra.
Gênesis 12.3

A partir de qahal, da assembleia familiar, a bên-


ção alcançaria todas as famílias da terra. Opa! Espe-
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

re um pouco, a bênção alcançaria igrejas, enquanto


empresas ou instituições? Não! A bênção parte de
uma família para todas as famílias!
São dois lados da mesma moeda. Um deles é o
estabelecimento da família natural, de sangue, que
desde Adão e Eva faz o coração de Deus pulsar forte
– não adianta ter comunhão e querer exercer gover-
no sobre o mundo, se você não ama e governa a sua
própria casa: “Pois, se alguém não sabe governar
a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?”
(1Tm 3.5). Deus não começa de fora, mas de dentro
para fora.
O outro lado do plano eterno é, a partir de
uma família espiritual, a Igreja, abençoar todas as
famílias naturais da terra, enxertando-as à própria
família espiritual.
Repare quantas vezes até aqui a palavra família
foi utilizada. Deus ama famílias, simplesmente por-
que Ele sempre foi uma. Se é tudo sobre Ele, então
é tudo sobre família. O plano divino acontece sobre
uma base familiar, tanto na restauração das famílias
naturais como no estabelecimento da Igreja como
uma grande família espiritual. Não há escapatória,
não há meio-termo nem meia-verdade. É quem Deus
é, é o que as Escrituras dizem.
94
Também eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pe-
dra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela.
Mateus 16.18

Em uma viagem no tempo, estamos no Novo


Testamento, na Era Cristã, quando começa a apare-
cer explicitamente o termo Igreja, não só dito pelo
próprio Cristo, mas registrado no ensino apostólico.
Jesus, um Pai de família

Os escritos neotestamentários partiram do grego,


mas é necessário lembrar que, muito provavelmen-
te, essas falas de Jesus foram ditas em outro idioma.
O mais aceito é que Cristo falava principalmen-
te em hebraico, língua nativa dos judeus, mas tam-
bém em aramaico, adotada com mais intensidade
pelos próprios judeus durante o cativeiro babilônico.
Apesar de Daniel, por exemplo, ter sido escrito em
aramaico, Esdras se queixou do abandono da língua
hebraica e iniciou um movimento de resgate e valo-
rização (Ne 8.1-3; 13.1,23-25), que incluía a leitura da
Torá hebraica todos os sábados.
Jesus foi criado nesse contexto. Com certeza,
recebeu uma clássica educação judaica, tanto que
aprendeu a ler os textos hebraicos da Bíblia e discutiu
o assunto, tendo apenas 12 anos de idade, com líderes
religiosos da época (Lc 2.39-52). Aliás, Ele tinha o cos-
tume de ler as Escrituras na sinagoga (Lc 4.16); con-
versou com a mulher samaritana, povo que preser-
vara a língua hebraica (Jo 4.4-26); falou em hebraico
com Paulo na estrada de Damasco (At 26.14).
É possível que soubesse grego, tanto que não
teve dificuldades de dialogar com o centurião ro-
mano (Mt 8.5-13) e, posteriormente, com Pilatos
(Jo 18.28-30). Tudo indica, entretanto, que o he-
braico era tanto o idioma de uso comum quanto o
95 idioma de estudo do Mestre.
Alguns pais da igreja também reconheceram
isso. Papias é citado pelo historiador Eusébio em
uma defesa de que Mateus, autor do evangelho que
carrega seu nome, colheu os oráculos em língua he-
braica e “cada um interpretou-o melhor que podia”
(História Eclesiástica, III).
Por que estamos falando isso? Porque as estru-
turas de pensamento por trás do grego do Novo Tes-
tamento são, na realidade, hebraicas. Sendo assim,
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

para interpretar acuradamente um termo grego


que remete a outro hebraico, precisamos analisá-lo
também em hebraico.
O termo Igreja, que lemos em Mt 16.18, é o gre-
go ekklesia. Observe o significado, de acordo com o
Dicionário de Strong:

1) reunião de cidadãos chamados para fora de seus


lares para algum lugar público, assembleia 1a) assembleia
do povo reunida em lugar público com o fim de deliberar
1b) assembleia dos israelitas 1c) qualquer ajuntamento
ou multidão de homens reunidos por acaso, tumultuo-
samente 1d) num sentido cristão 1d1) assembleia de Cris-
tãos reunidos para adorar em um encontro religioso 1d2)
grupo de cristãos, ou daqueles que, na esperança da sal-
vação eterna em Jesus Cristo, observam seus próprios
ritos religiosos, mantêm seus próprios encontros espiri-
tuais, e administram seus próprios assuntos, de acordo
com os regulamentos prescritos para o corpo por amor
a ordem 1d3) aqueles que em qualquer lugar, numa cida-
de, vila, etc, constituem um grupo e estão unidos em um
só corpo 1d4) totalidade dos cristãos dispersos por todo
o mundo 1d5) assembleia dos cristãos fieis já falecidos e
recebidos no céu.

Ekklesia significa “chamados para fora”: ek quer


dizer “para fora” e klesis “chamada”. O que se deno-
ta é um impulso dessa assembleia para fora, o que é
real e importante, mas não é tudo.
96 O equivalente hebraico de ekklesia é qahal. Se
a estrutura de pensamento por trás do Novo Testa-
mento é hebraica e, possivelmente, o que os evange-
lhos registraram em grego na verdade foi dito em
hebraico, não podemos interpretar ekklesia sem
qahal. Ambas, juntas, dão o sentido pleno.
Acho que você já ligou os pontos, não é? É cla-
ro que temos uma missão, enquanto assembleia dos
santos, de sair e levar o evangelho mundo afora, po-
Jesus, um Pai de família

rém nós somos e fomos chamados eternamente a


ser qahal, uma assembleia familiar, que se reúne não
por laços administrativos, mas de sangue – o sangue
do Cordeiro. Há uma missão para fora, ao mesmo
tempo que não se pode negligenciar o que está den-
tro: uma família.
De um tempo para cá, igrejas se movimentaram
muito com relação ao evangelismo, porém houve um
abandono do relacionamento, da comunhão familiar
essencial, que é o plano eterno de Deus. Pergunto,
sem amenizar nem florear: de que adianta evange-
lizar o mundo sem qahal?
Ekklesia é um chamado de Deus para que você
venha para fora de sua própria vida e seja transpor-
tado da comodidade à comunhão. Não se trata só de
evangelismo, mas de vida que gera vida.
O fim do evangelismo é a Igreja, e isso é apon-
tado nas Escrituras desde o início de tudo. Não se
deve pensar em formar multidão de povos a partir
de vidas desconectadas de uma família espiritual.
Betel não se forma de indivíduos que, sem Igreja,
pregam o evangelho. Betel surge de qahal, de uma
família para todas as famílias da terra. A origem de
uma ekklesia, uma assembleia de pessoas chama-
das para fora, é um qahal, uma família espiritual.
97

Uma igreja paternal


A expressão “igreja paternal” é uma outra ma-
neira de entender a Igreja como uma família. Deus
sempre demonstrou o desejo de viver paternidade,
e não é à toa que o título deste livro é “Jesus, um Pai
de família”. Ao mostrar-Se Pai, revelando o Pai, Jesus
inaugurou a Igreja – como uma família espiritual, na
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

qual há cuidado paternal.


Quando falamos nesses termos, não há espaço
para uma posição hierarquizada em que um é chefe
e outro é empregado. Não, a Igreja de Jesus não é
assim. Existem funções diferentes, com implicações
distintas, mas continua sendo uma família.
Não me entenda mal, não existe nenhum tipo
de desprezo por governo. Daqui a poucas páginas,
você lerá exclusivamente sobre como governar. O
que precisa ficar claro desde já é que o governo que
Jesus exerce, como cabeça da Igreja, é um governo
paternal, de um Pai de família.
O que um pai faz? Provê. O que mais? Cuida.
Tem mais? Sim, tem muito amor, alegria e convívio
diário. Acabou? Não, porque pai também corrige.
Acima de tudo, um Pai dá a vida por seus filhos. Ah,
Jesus, fira-nos com esse Seu impulso paternal, en-
quanto nos estabelecemos como Sua Igreja, Sua
família aqui na terra!
Quando vemos o desejo divino de estabelecer
Israel como Sua família na terra, não estamos fa-
lando de estrutura, mas de ser. Israel era o povo de
Deus em todo o tempo, e não apenas quando sacri-
ficava ou cumpria rituais no Templo. Você não é par-
te da sua família somente quando está dentro das
98 quatro paredes da sua casa. Ser família é algo que
somos, independente do que fazemos.
Sempre que pensarmos em Igreja, devemos
ser, antes de qualquer fazer. Assim, quando fizer-
mos algo, estará ancorado em quem somos. E uma
questão se ergue: se a única coisa que você conse-
gue oferecer à Igreja de Jesus é serviço, repense
sua posição de líder, caso ocupe uma. O serviço é
importante, mas deve ser um transbordar do ser fa-
mília. Dê um passo atrás e comece a perguntar: “Por
Jesus, um Pai de família

que faço o que estou fazendo na Igreja?”.


Muitos incorrem no erro de substituir relacio-
namento por atividade ministerial, e isso é grave.
Uma família valoriza pessoas, uma empresa, resul-
tados. Assim como não se pode abrir mão da comu-
nhão vertical, com Deus, também não se pode nego-
ciar a comunhão horizontal, de um com o outro, em
uma convivência familiar. Igreja não é ambiente de
trabalho, é casa, é um lar.
Embora eu sempre fale sobre isso, nunca acho
o suficiente. Todo cristão deve entender que amar a
Deus não se resume apenas em amá-Lo, mas em tor-
nar-se o Seu amor para com outros.

A vida cristã não é medida apenas pelo relaciona-


mento vertical, com Deus, mas também pelo relaciona-
mento horizontal, com os irmãos. Diga-me quão pro-
fundo você é com as pessoas e elas com você, e eu direi
o quanto de Deus tem vivido. Deus é uma família, e não
um ser isolado. Muitos afirma: “Deus não une pessoas,
Deus une propósitos”. Que grande inversão de valores!
Eu digo diferente: Deus une pessoas, esse é o propósito!
Alessandro Vilas Boas, em “Quem é Jesus”

Por isso, promover mais métodos do que rela-


cionamento pode até trazer resultado, mas não é o
fruto que provém da Videira, na qual estamos todos
99
conectados como ramos. Ei, você consegue visua-
lizar uma videira? Tem algum ramo desconectado
dela – e, consequentemente, também desconectado
de outros ramos – que continue vivo? A vida que sai
dEle passa por nós, e não só por mim.
Assimilado o ponto de ser família antes de fazer
igrejas, então é hora de, intencionalmente, ser pater-
nal como Jesus. É do cuidado de um pai para com
a esposa e seus filhos que estamos falando aqui.
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

Uma Igreja paternal, por entender que é uma famí-


lia, comporta-se como família em qualquer situação
– na conversão de alguém, nos discipulados, na re-
preensão do parente que errou. Sempre com uma
postura de cuidado paternal.
Talvez não exista melhor maneira de exemplifi-
car como funciona uma Igreja paternal do que esta:
quando é necessário lidar com alguém que pecou
“feio”. O parente deixa de ser família? Não. Ele pode
até escolher ir para longe e nunca mais ver ninguém,
mas, enquanto ele decide viver nesta mesma casa
espiritual, ele é família. Hum... sinto cheiro de inquie-
tação. Esse assunto faz a cadeira ficar desconfortá-
vel, não é mesmo?
Imagine a cena: um adolescente conta ao seu lí-
der que engravidou a namorada. O que o líder pater-
nal faz? O que um pai faria. E um pai corrigiria, fazen-
do com que o filho entendesse as consequências do
erro e arcasse com cada uma delas. Um pai lembra-
ria o filho de que, para criar uma criança, ele teria
de deixar de ser uma. Um pai como Jesus também
abraçaria esse filho, como se fosse o pródigo, e o
ajudaria a não sucumbir aos pensamentos de culpa.
E se aparecesse um Judas? Uma Igreja pater-
nal buscaria, primeiro, revelação do Pai, mas sem
esquecer que na mesma mesa que sentou Pedro,
100
Tiago e João também sentou Judas.
E quando é o líder que pisa na bola? A Igreja
paternal não passa pano, mas também não apaga
o pavio que ainda fumega (Mt 12.20). Corrige, mas
não assassina.
E quando o erro está acontecendo na outra
igreja? Não se busca protestar o protestantismo
nem se expõe a nudez, mas há intercessão, regada
de compaixão.
Jesus, um Pai de família

Como pastor de igreja, já passei por situações


assim incontáveis vezes. Lembro-me de uma vez que
um discípulo havia cometido um pecado sexual e foi
corrigido, confrontado. No no final de tudo, convidei‑o
a passar um tempo comigo, em minha casa. Ele, com
um tom surpreso, disse: “Eu não esperava por isso,
pastor. Nunca fizeram isso comigo!”.
E se começarmos a lidar com os pecados dos
irmãos como Cristo lida com os nossos? Corrigindo,
instruindo a viver uma vida de santidade, ensinan-
do qual é o salário do pecado, mas, ao mesmo tem-
po, estendendo a mão e dizendo: “Eu estou aqui!”.
Devemos aprender com nosso Mestre e acreditar
nas pessoas!
Enquanto não lidarmos com o pecado da ma-
neira correta, ele continuará sendo um bicho de sete
cabeças. A Igreja paternal deseja gerar filhos, e não
apenas impedir que seus membros parem de pecar.
Falaremos mais disso adiante. Por ora, precisamos
deixar claro o que é família.
E família não é apenas ajuntamento de pessoas,
mas sim um monte de pessoas se relacionando en-
tre elas e com Jesus. Família não é empresa, basea-
da em lucro; é lar, baseado em amor. Isso precisa ser
demonstrado culturalmente, e não apenas no púlpi-
to; na vida, e não só em conferências e reuniões.
101

Cultura, não título


Como Jesus governava sobre a família que Ele
estava inaugurando? Vivendo. Sendo. Caminhando
junto. Não se vê, em momento algum, exigência da
parte de Cristo de ser reconhecido como líder da-
queles discípulos – a vida conjunta respaldava Sua li-
derança. Ele ensinava como quem tem autoridade e
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

“não como os escribas” (Mc 1.22). De onde vinha essa


autoridade? De Sua própria vida, de quem Ele era.
Não há método mais importante do que a vida.
Quem você é discipula. O que você vive se torna ensi-
no. Aquilo que você bebe de Cristo extravasa e sacia
a sede do mundo. Líderes não se formam por mero
recebimento de cargo, mas por reconhecimento de
uma autoridade proveniente da vida. E quem reco-
nhece? A família espiritual.
É até ruim precisar falar disso, mas o óbvio tam-
bém precisa ser dito. Vivemos em um tempo de líde-
res autoproclamados, vazios de vida com a cabeça e
o corpo de Cristo. Não que seja dispensável a organi-
zação de funções e o estabelecimento de uma equi-
pe de governo em nossas igrejas locais, mas isso não
deveria ser feito apenas por necessidade.
O cristão maduro, amadurecido em podas e re-
gas, em meio a um pomar de árvores diferentes de
si, torna-se líder de forma orgânica. Não significa
que todos precisem receber o título de “líder”, mas
que, nas áreas em que me torno maduro, eu acabo
liderando vidas para a superação nos mesmos que-
sitos. Minha experiência emana de dentro de mim,
à medida que me deixo acessar pela minha família
espiritual. Quando sou tocado, algo escoa.
102 Ninguém consegue dar o que não tem. Sendo
assim, ninguém deveria liderar na Igreja de Jesus
sem vivê-la pessoalmente, sem tê-la provado, sem
ser família espiritual primeiro.
Como estabelecer cultura, ao invés de liderar
por títulos? Transforme a revelação que você teve
de Cristo em prática. Então ensine e inspire outros a
praticar também. Isso cria um movimento que sus-
tenta o ministério, mesmo na ausência do líder.
Jesus, um Pai de família

O verdadeiro papel de um líder é estabelecer


cultura – a cultura do Reino e, também, a porção es-
pecífica que Deus lhe deu, e deu só a ele, de forma
particular. Assim, teremos uma Igreja dependente
do Rei, imersa na cultura do Reino, sem uma depen-
dência doentia da liderança para manter-se em pé.
Nessa obra de estabelecimento de uma cultura, ces-
sam as crises de carência e imaturidade.
Você já experimentou a sensação de algo mu-
dar só de ter entrado em determinado ambiente? É
assim que a Igreja pode viver, transformando pes-
soas só pelo fato de trazê-las para dentro de seu am-
biente familiar. Quando se tem cultura estabelecida,
fica mais fácil, é mais leve.
Vamos pensar em termos práticos. Você pode
pregar durante cinco horas seguidas a um de seus
discípulos, e ele aprenderá muito. Há, contudo, ou-
tra maneira de ensinar: leve o seu discípulo para al-
moçar em sua casa, onde ele poderá ver como você
trata sua esposa e filhos. Isso servirá de inspiração
e, também, batizará sua própria liderança com um
fogo de vida, muito mais intenso que qualquer dis-
curso. Você não estará ensinando como os escribas,
mas como Jesus, com autoridade.
Nesse sentido, seja paternal, mas sem se impor-
tar com o título de pai. Paternidade espiritual nunca
103 pode substituir a paternidade divina. Gere em Cristo,
não reivindicando título algum, apenas pedindo que
seus discípulos sejam seus imitadores, porque você
mesmo é imitador de Jesus – ou seja, não é sobre
você, mas sobre Ele.

Porque, ainda que vocês tivessem milhares de instruto-


res em Cristo, não teriam muitos pais, pois eu gerei vo-
cês em Cristo Jesus, pelo evangelho. Portanto, eu peço
a vocês que sejam meus imitadores.
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

Sejam meus imitadores, como também eu sou imitador


de Cristo.
1Coríntios 4.15-16; 11.1

Quando assumir qualquer posição de governo,


respaldado por sua vida com Ele e com a família espi-
ritual, não trabalhe por você. Gere sempre pessoas,
para que, no balanço, você tenha gerado muito mais
vidas do que coisas. Não exija vantagens e honras,
porque servir Cristo e Sua Igreja já é recompensa.
O que é melhor, um homem com título de pai de uma
multidão, ou uma multidão com a cultura do Pai?
O que nós construímos aqui foi o conceito de li-
derança paternal, na qual o líder ama seus discípulos
como filhos e os trata assim na hora da repreensão
ou do elogio incentivador, no tempo de fazer ama-
durecer e no de enviar. Ele anseia por não conhecer
nada sozinho, mas transferir uma cultura de conhe-
cimento de Jesus caminhando junto com muita gen-
te. O líder paternal é como Jesus, que levava Seus
discípulos para o mesmo monte que Ele ia encontrar
o Pai – o lugar secreto não era segredo.
Uma Igreja que estabelece cultura não usa pes-
soas para construir coisas, mas constrói pessoas
que construirão outras pessoas. Assim, o Reino se
expande de forma saudável. Em suma, valorize pes-
104 soas antes de funções. Dê títulos aos que são antes
de fazer. Seja paternal, mas não exija ser o pai de to-
dos – não há necessidade, eles já têm um Pai.

Governo em favor, não sobre


Depois de falar de cultura, chegou a hora do go-
verno bíblico. É muito intrigante notar que, depois da
queda, o homem passou a governar sobre o homem.
Jesus, um Pai de família

O senso de governo familiar foi perdido.


Diante de um cenário desses, nossos olhos de-
vem procurar o Senhor e redescobrir Seus padrões.
A primeira menção sobre o homem dominar a ter-
ra já foi citada anteriormente: após dizer que Adão
deveria se multiplicar, Deus ordenou que exercesse
domínio, que governasse. O governo comissionado
estava atrelado à multiplicação daquela família, for-
mada por Adão e Eva, então o Criador não estava
estabelecendo outro tipo de governo que não fosse
o familiar.
Com isso, nossa maneira de governar depende
da revelação do que é família espiritual. Em uma fa-
mília nos moldes do céu, não se governa um sobre o
outro, mas em favor do outro.
Mas entre vocês não será assim; pelo contrário, quem
quiser tornar-se grande entre vocês, que se coloque a
serviço dos outros; e quem quiser ser o primeiro entre
vocês, que seja servo de vocês; tal como o Filho do Ho-
mem, que não veio para ser servido, mas para servir e
dar a sua vida em resgate por muitos.
Mateus 20.26-28

Imagine quão contundente foi essa exortação


105 aos ouvidos de um povo que aguardava um novo Rei
Davi, um guerreiro imponente que faria de Israel a
nova potência mundial, governando sobre todo o
planeta. A homens que desejavam destaque, Jesus
ofereceu uma bacia e uma toalha, para que se jun-
tassem a Ele no serviço de lavar os pés.
Meu amigo... como descrever em palavras?
Nosso Jesus, o Pai dessa nossa família chama-
da Igreja, definiu governo com a palavra “servo”.
Ele mesmo veio para servir, e não para ser servido
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

(Mt 20.28), e está chamando servos que se juntem a


Ele! É esse o time de líderes que Jesus forja e firma
para o governo eclesiástico!
Governar em favor é servir. É entender que as
pessoas não nos servem. É lembrar-se constante-
mente de que a visão não serve meus próprios inte-
resses, mas os propósitos eternos do Pai. É não que-
rermos apenas chegar longe, mas chegarmos juntos.

E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros


para profetas, outros para evangelistas e outros para
pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento
dos santos para o desempenho do seu serviço, para a
edificação do corpo de Cristo, até que todos chegue-
mos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho
de Deus, ao estado de pessoa madura, à medida da es-
tatura da plenitude de Cristo, para que não mais seja-
mos como crianças, arrastados pelas ondas e levados
de um lado para outro por qualquer vento de doutrina,
pela artimanha das pessoas, pela astúcia com que in-
duzem ao erro.
Efésios 4.11-14

Deus estabeleceu os cinco ministérios para


edificação do corpo e, até aí, tudo bem. Já ouvimos
falar sobre isso inúmeras vezes. A virada aconte-
ce na frase “até que todos cheguemos”. Líderes e
106 ministérios não são estabelecidos para que o bom
ensine o ruim, como se um estivesse em um tablado
e outro, no chão. Até que todos cheguemos fala de
um cuidado mútuo, para que, lado a lado, todos ca-
minhem à maturidade.
Se existe um mais maduro que o outro, o mais
maduro ajudará o que é menos a tornar-se mais, en-
tão ambos seguirão a caminhada juntos.

Isto para que, com todos os santos, vocês possam


Jesus, um Pai de família

compreender qual é a largura, o comprimento, a altura


e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que ex-
cede todo entendimento, para que vocês fiquem cheios
de toda a plenitude de Deus.
Efésios 3.18-19

É sério, não só leia este versículo, devore-o: não


queira compreender o amor sozinho, porque a plena
revelação do amor de Cristo vem com todos os san-
tos. É evidente que, nas Escrituras, ministérios e lide-
ranças não significam só títulos a privilegiados. Há,
em tudo, uma complementação em favor de todos.
Um se completa no outro, assim todos conhecerão
muito mais.
Um dia, eu estava orando, em meu lugar secre-
to, então fui surpreendido pela voz do Espírito Santo:
“Por que você não procura aprender com seus irmãos
o que você gasta horas aqui tentando descobrir?”.
É loucura pensar que Deus me direcionou aos
meus irmãos para aprender coisas que Ele mesmo
poderia explicar. É porque meu irmão já passou por
processos e carrega uma porção que eu não tenho!
Assim, o Senhor deseja que aprendamos no Corpo,
sendo Corpo. Tudo será mais profundo se vencer-
mos o orgulho de só aprender sozinho.
A cada um de nós, foi dada uma medida. A cada
um, um dom. Não há necessidade de eu ser outra
107 pessoa, nem de eu achar que sou melhor que outros
– somos apenas diferentes e ricamente complemen-
tares no Corpo de Cristo.
Apóstolos não são maiores que mestres, ape-
nas exercem funções diferentes, assim como pas-
tores não são superiores a evangelistas e profetas.
Seja qual a função ministerial, todos são um. É assim
que se estabelece governo em favor, e não sobre.
Líder, desça do púlpito e viva com seus discípu-
los. Descobriu algo? Traga alguém para a sua vida,
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

para que descubra junto com você. Sirva, sirva, sirva.


Considere a porção de Deus que você mesmo não
tem, porque ela está dentro de outro, e você só aces-
sará por meio do contato e da vida com seu irmão.
Seja como Jesus, e não como os fariseus. Do con-
trário, você corre o sério risco de caminhar a pas-
sos rápidos para a irrelevância ministerial – ou, pior,
você pode estar construindo algo que não se parece
em nada com o Senhor.

Liderança plural
Aos presbíteros que há entre vocês, eu, presbítero como
eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e, ainda,
coparticipante da glória que há de ser revelada, peço
que pastoreiem o rebanho de Deus que há entre vocês,
não por obrigação, mas espontaneamente, como Deus
quer; não por ganância, mas de boa vontade; não como
dominadores dos que lhes foram confiados, mas sendo
exemplos para o rebanho. E, quando o Supremo Pastor
se manifestar, vocês receberão a coroa da glória, que
nunca perde o seu brilho.
1Pedro 5.1-4

Pedro, apóstolo, está falando aqui a presbíteros,


que são líderes e, muito provavelmente, discípulos
108 maduros, chamados a serem exemplo ao rebanho.
A palavra está no plural, indicando não haver ape-
nas um, além de que Pedro se incluiu: “eu, presbítero
como eles”. O que está implícito? A existência de um
tipo de conselho, no qual os líderes das igrejas coo-
peram entre si, como conservos, ou seja, uma lide-
rança plural.
É bom que fique claro logo: liderança plural não
é sinônimo de desordem. Pelo contrário, é uma de-
monstração de cuidado pelo corpo – ao invés de cor-
Jesus, um Pai de família

rer o risco do autoritarismo ou de uma tomada de


decisão unilateral, o cuidado escorre de um grupo.
A maneira como as Escrituras resolvem o auto-
ritarismo é definindo o presbitério como padrão de
liderança. Nele, as decisões mais importantes e vi-
tais da Igreja são tomadas em conjunto. Além disso,
é nesse lugar que cada pastor e líder presta contas
de sua vida e obras, para que seja cuidado e respal-
dado por seus irmãos.
Todos possuem voz nesse núcleo de liderança,
porém não há desprezo pela cultura da honra. A
quem merece honra, honra. É de notar que Pedro
era uma voz relevante no grupo de presbíteros, uma
voz que se sobressaía, porém sem anular as outras.
A questão, portanto, não é estabelecer uma es-
pécie de ultrademocracia, em que tudo se coloca em
votação, até porque o modelo do céu é monárquico
– todos servimos um Rei Soberano. Nesse sentido,
nem sempre a voz da maioria é a voz de Deus, pelo
menos não quando a maioria está contra a Bíblia e a
visão proposta pelo Senhor. O ponto é que ninguém
deve liderar sozinho, nunca.
Para clarear ainda mais: em uma liderança plu-
ral, podem existir funções distintas, com mais ou me-
nos responsabilidade. O que não pode é uma pessoa
centralizar todo o governo.
109 Aliás, a centralização não contribui em nada.
Ela é uma das maneiras mais fáceis de um líder se
perder e, ainda, tornar-se irrelevante. Por quê? Por-
que não há continuidade, não há corpo, não há Igreja
onde só um fala e todos obedecem. Sendo a Igreja
uma família, devemos governar assim, de forma plu-
ral. O líder bíblico, além de entender que não deve
liderar desacompanhado, também não deve conser-
var medo de delegar. Isso vale para uma igreja, um
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

ministério, uma banda.


Os próprios alicerces eclesiásticos foram lança-
dos por uma equipe de apóstolos, e não só por Pedro,
João ou Paulo. Estes três também não faziam tudo,
por ser geograficamente impossível. Havia liderança
plural e constante estabelecimento de novos líderes,
a quem responsabilidades eram delegadas.
Muitas igrejas do início da era cristã nasceram
assim, a partir do trabalho de um apóstolo, que era
enviado debaixo da visão de uma liderança apostó-
lica plural. O apóstolo constituía novos líderes para
seguirem com o trabalho local e, então, partia para
outra missão.
A instrução do apóstolo Pedro carrega uma
frase incrível: “não como dominadores dos que lhe
foram confiados”. Já vimos que somos sacerdotes e
reis não para governar sobre, mas em favor, ou seja,
não é papel de um líder decidir pelo liderado, nem
fazer do liderado um escravo seu. Quando se institui
uma liderança plural, é mais fácil detectar aqueles
que são dominadores, porque vários enxergam mais
que um só – a visão é ampliada.
É interessante que Pedro dá o contraponto aos
dominadores: “não como dominadores dos que lhes
foram confiados, mas sendo exemplos para o reba-
nho”. Para combater a tendência a dominar, aprenda
110 a ser. Se você é, já possui o requisito para liderar al-
guém: o exemplo. Quando você lidera mais com seu
testemunho do que com palavras, exigências ou do-
minação, os frutos são discípulos maduros, que tam-
bém aprendem a ser antes de fazer. Se acontece de
faltar o líder, esses discípulos são capazes de seguir
a missão, e a Igreja permanece.

Quanto a você, meu filho, fortifique-se na graça que há


em Cristo Jesus. E o que você ouviu de mim na presen-
Jesus, um Pai de família

ça de muitas testemunhas, isso mesmo transmita a ho-


mens fiéis, idôneos para instruir a outros.
2Timóteo 2.1-2

Uma liderança plural deseja a expansão do Rei-


no, e não uma recompensa para um ou outro. Quer
que todos cheguem ao pleno conhecimento de Deus,
e não só o mais espiritual.
Líderes de uma igreja paternal são chão, e não
teto, então delegam, porque entendem não serem
donos de todos os talentos nem responsáveis por
todos os serviços. Se você está fazendo mais do que
deveria, sua obra está aquém do que poderia ser – é
muito possível que outro faria melhor. Mas também
há outro aspecto: você pode estar bloqueando o
serviço, o sacrifício e processo de aprendizado de
outra pessoa.
O líder dominador não gera continuidade, por-
que vive em função de seus próprios sonhos e proje-
tos. Esse é o tipo de pessoa que mata, se for preciso,
para ver seus projetos saindo do papel. Não é assim
que devemos andar!
Quem resolve fazer tudo sozinho atrapalha o
movimento orgânico de um corpo, no qual são ne-
cessários muitos membros para ter-se bom funcio-
namento. Na liderança, a lógica é a mesma: não dá
111 para todos serem mão, nem todos serem pescoço.
Por outro lado, se formos muitos, porém sincroniza-
dos, teremos uma liderança saudável e, consequen-
temente, uma Igreja saudável.
Se o maior posto de governo, o divino, não pos-
sui um só líder, mas três... não restam argumentos
contrários. O padrão do céu não é de governo indivi-
dual, nem de um só centralizando todas as funções.
É isso.
Igreja que Jesus inaugurou na Terra

A lógica é simples: seja paternal, não tenha


medo de que outros cresçam com você ou até mais.
Nossos ministérios serão cada vez mais poderosos à
medida que perdermos o medo de que os discípulos
voem. Existe uma porção em meu irmão que eu não
tenho, e eu preciso dela para construirmos juntos
algo digno ao nosso Senhor!
“Mas, Alessandro, eu sou vítima dessas lideran-
ças autoritárias... não consigo confiar em igrejas,
porque elas são feitas de pessoas muito erradas. Eu
só quero Jesus!”. Eu realmente compreendo quem
se sente assim, por isso escrevi este livro. Se você é
um desses, preciso lembrar-lhe de Pedro, que tam-
bém só queria Jesus, mas não a família de Jesus...
Os próximos capítulos destilarão cura, ao mes-
mo tempo que apontarão estratégias muito práticas.
Não quero, contudo, seguir sem antes orar. Vamos?
Senhor Jesus, não existe nenhum outro que
ame a Igreja como o Senhor. Batize-nos com esse
mesmo amor. Dê-nos, ainda, um coração que não se
ofende. Dê-nos um coração igual ao Teu!
Jesus, não existe oura pessoa que tenha sofrido
tanto quanto o Senhor por Sua igreja. Você foi o mais
injustiçado. Por isso, oro por mim e por meus irmãos
para que façamos toda injustiça provocada a nós
tornar-se uma oportunidade de manifestar Sua vida.
112
Cure nossas feridas e dores. Derrame de Seu
amor paternal em nossos corações. E que, em nos-
sos irmãos, nós encontremos uma família! Amém.
Jesus, um Pai de família
FAMÍLIA QUE
DISCIPULA

Não subestime o poder do corpo

Quem não toca no Corpo não experimenta o que


emana dEle. Por isso, não congregar é um atentado
contra si mesmo, é privar-se de ser abençoado.

Quem se isola busca interesses egoístas e se rebela


contra a sensatez.
Provérbios 18.1 (NVI)

Não é sábio viver sozinho. Esse versículo de


Provérbios é contundente: quem se isola atenta
contra a sensatez. E o pior: quem abandona a Igre-
ja porque se feriu acaba caminhando para longe da
própria cura.

Tendo ouvido a fama de Jesus, a mulher chegou por


trás, no meio da multidão, e tocou na capa dele. Porque
dizia: “Se eu apenas tocar na roupa dele, ficarei curada.”
Marcos 5.27,28

Aquela mulher, que sofria há mais de uma dé-


cada com hemorragia, não tocou a cabeça de Je-
sus, e sim as vestes que cobriam Seu corpo. Profe-
ticamente, a cura só veio quando ela tocou o Corpo
de Jesus. Unção e vida fluem do Corpo! Quando
Tomé passou a crer na ressurreição? Quando tocou
o corpo de Jesus:
E logo disse a Tomé:
— Ponha aqui o seu dedo e veja as minhas mãos. Esten-
da também a sua mão e ponha no meu lado. Não seja
incrédulo, mas crente.
João 20.27

Há poder fluindo do Corpo de Cristo e quem


não o toca também não recebe o que ele tem a ofe-
recer. Quem decide não tocar na Igreja nem ser to-
115 cado por ela escolhe não acessar os tesouros e os
milagres dela. A verdade é que minha vida espiritual
jamais será plena apenas no quarto de oração, por-
que o plano somente se completa na comunhão com
o Corpo.
Não se deve subestimar o poder de ser Igreja.
Não é um ajuntamento comum, mas sobrenatural.
Jesus nunca deixará de honrar Seu plano familiar
– a Igreja é a extensão dEle mesmo, de quem Ele é,
e isso não é brincadeira. Há um poder incalculável
Família que discipula

escondido e reservado a quem decide viver e ser


família espiritual.
A Igreja possui a plenitude de Cristo em si: “igre-
ja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo
enche em todas as coisas” (Ef 1.22,23). Com olhos na-
turais, talvez vejamos erros e falhas, porém, com os
olhos de Cristo, enxergamos a família de Deus, meio
pelo qual Cristo continua operando Sua obra na ter-
ra. Por isso, há poder fluindo do Corpo. A plenitude de
Cristo está na Igreja, e isso é poderosíssimo.

Pai dos órfãos e das viúvas é Deus em sua santa mora-


da. Deus faz com que o solitário more em família; liberta
os cativos e lhes dá prosperidade; só os rebeldes habi-
tam em terra estéril.
Salmos 68.5,6
Deus faz o solitário andar em família! Irmãos, eu
tenho plena convicção de que toda pessoa deseja ser
parte. Parte de uma família, parte de um propósito,
parte do que Deus faz. O Senhor é Pai dos órfãos, Pai
das viúvas, Pai dos rejeitados, Pai dos que precisam
de Pai. Não há resistência em Deus! Quando encon-
tramos esse lar, essa família, descobrimos prosperi-
dade, como diz o versículo – prosperidade que nem
todo o dinheiro do mundo traria. No entanto, o chão
116 do solitário é estéril. Seremos sempre infrutíferos e
incompletos enquanto permanecermos sozinhos.

Relacionamento, não método


Uma das grandes fontes de cura e amadureci-
mento é o discipulado. É bom lembrar que a Grande
Comissão não apenas ordenou que houvesse evan-
gelismo, mas que se fizessem discípulos de todas as
Jesus, um Pai de família

nações, então discipular não é nenhuma invenção


recente, mas uma ordem que o próprio Cristo deu.
Muitas igrejas, entretanto, só experimentaram
o discipulado dos métodos – alguns um tanto ma-
lucos. Qual o foco dos métodos? Resultados. Qual
o foco do discipulado? Que Cristo seja formado em
nós, então isso extravase, de dentro para fora, trans-
formando o mundo.

É bom ser sempre zeloso pelo bem e não apenas quan-


do estou com vocês, meus filhos, por quem, de novo,
estou sofrendo as dores de parto, até que Cristo seja
formado em vocês.
Gálatas 4.18,19

Paulo fala aos gálatas que sofre dores de parto


para que Cristo seja gerado neles. Antes, chama‑os
de “filhos”. O discipulado paternal quer fazer os fi-
lhos crescerem em Cristo, e não anotar números
na planilha de resultados. Há um encontro entre a
necessidade de não só falar de Jesus, mas trans-
formar as pessoas em discípulas dEle, com uma
qualidade inerente ao bom discipulador: ele é pa-
ternal como Jesus.
Vamos por partes. O que é discipulado? É o
processo de todo cristão se tornar como Cristo, de
Cristo ser gerado no cristão. Não se trata de um
117 processo humano, não é uma jornada para alcançar
sucesso em nossas igrejas. Não, discipulado é o pro-
cesso de seguir a Cristo e ser como Ele é. E o Senhor
usa a Igreja e os irmãos para promover isso em cada
um de nós.
Ao facilitador desse processo, chamamos de
discipulador, porém o discípulo não pertence ao dis-
cipulador, e sim a Jesus – que ninguém ocupe o lugar
que é dEle. Discipulador é, de fato, um instrumento
usado por Jesus para conduzir à maturidade. Contu-
Família que discipula

do, sendo o discipulado o caminho que todo cristão


trilha, devemos lembrar que o Senhor desse cami-
nho é Jesus, e não o discipulador.
É natural nascerem semelhanças entre discipu-
lador e discípulo, mas o objetivo do discipulado é que
Cristo seja formado no discípulo, e não que o líder
ganhe um clone. Se é parecido com o líder, que o seja
porque, primeiro, o líder parece com Jesus!
Repito o que disse em outro contexto: não há
como dar o que não se tem. Por outro lado, se você
é, você é capaz de gerar a partir daquilo que você
já se tornou. Esse ciclo de ser, então gerar é o ciclo
do discipulado.
Em que ambiente ele acontece? Em uma sa-
linha na igreja? Meu irmão, discipulado é vida na
vida, é ser perto de alguém até que ele também seja.
Uma vida abrindo espaço para que outra vida viva
bem perto e, então, uma possa beber da água viva
que jorra do interior da outra. Se Jesus disse que o
Reino de Deus está dentro de nós (Lc 17.20,21), o que
pode sair de nós quando nos permitimos ser toca-
dos? Cultura do Reino!
Para ficar bem fácil de entender, basta fixar os
olhos em nosso exemplo maior, nosso modelo, o me-
lhor discipulador que existe: Jesus Cristo.

118 Respondeu-lhes: Vinde e vede. Foram, pois, e viram


onde Jesus estava morando; e ficaram com ele aquele
dia, sendo mais ou menos a hora décima.
João 1.39

O discipulado de Jesus não era baseado em


uma apostila, apesar de não ser errado usar uma. O
Mestre dizia “vinde e vede”, convidando os discípulos
à sua casa. Ele os chamava a ver onde vivia, como vi-
via. Era como se dissesse: “aprenda comigo enquan-
Jesus, um Pai de família

to eu vivo”.
A maioria dos sermões que Cristo pregava era
voltada a multidões. Os mais chegados, contudo,
eram alunos do cotidiano, aprendiam vendo Jesus
viver. Obviamente, viam que, aquilo que Ele pregava,
Ele também vivia.
Pronto a um pequeno confronto? Líder, o que
seu discípulo aprenderia se você o trouxesse para
tão perto quanto Jesus trazia os Seus? Seu discípulo
perceberia que, na prática, você vive o que prega, ou
enxergaria duas posturas diferentes, uma no púlpito
e uma em casa?
O discipulado de Jesus sempre foi baseado em
relacionamento. Repetirei, sem medo de ser feliz:
é quem Jesus é, eternamente três, em uma dança
perfeita de três Seres vivendo um relacionamento
eterno e imparável. Cristo é formado em nós quando
nos relacionamos, sendo Sua família espiritual – e o
discipulado é parte fundamental. Praticar o discipu-
lado de Jesus é viver relacionamento com pessoas,
convidando-as a ser parte de nossa vida.
Se formamos apenas uma amizade com o discí-
pulo, não nos diferenciamos de qualquer outro ami-
go. Se somos apenas mestres das Escrituras para
alguém, não haverá diferença entre nós e os profes-
sores de um seminário. Nossa função, enquanto dis-
119 cipuladores, é unir as duas coisas: amizade e ensino.
Contudo, se não houver vida, se o discípulo não
puder imitar a vida de seu discipulador – seja porque
o líder não se parece com Cristo seja porque não foi
gerada uma abertura para relacionamento –, esta-
mos falhando em fazer discipulado. Se alguém imi-
tar a Cristo, ficará parecido com o Pai. E se imitar
você, ficará parecido com Cristo? Se sua vida não
confirma sua unção, não precisamos de sua unção,
meu amigo.
Família que discipula

Nosso relacionamento deve ser semelhan-


te ao que Jesus tinha com seus discípulos e que o
próprio Jesus tem com o Pai, na Trindade. Nesse
ambiente de convivência, o discípulo não é um alu-
no meu, nem funcionário, nem membro de minha
equipe ministerial – meu discípulo é minha família,
sangue do meu sangue.

Assim também nós, conquanto muitos, somos um só


corpo em Cristo e membros uns dos outros.
Romanos 12.5

Note que o versículo de Romanos mostra que


não somos apenas membros de Cristo, mas mem-
bros uns dos outros. Assim, o relacionamento e o
transmitir da vida de Jesus deve ser uma via de mão
dupla, com coração humilde, ensinável e amoroso
de ambas as partes. No contato, na convivência, no
caminhar junto, o cristão de mais envergadura é
ouvido, mas não o único com direito à palavra. Aliás,
quem não sabe ouvir nem merece ser ouvido. O que
deve acontecer é uma troca, uma abertura por parte
do discípulo, mas também do discipulador.

Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por hu-


mildade, considerando cada um os outros superiores
120 a si mesmo.
Filipenses 2.3

Afunilaremos tudo isso até que se torne muito


prático, porém creio que o quadro já está se forman-
do. O verdadeiro discipulado não é refém de agenda-
mento mensal – isso pode ser mentoria, treinamen-
to, mas não discipulado, não o discipulado de Jesus.
O modelo de Cristo é viver junto, é comunhão entre
discípulo e discipulador em diversos momentos e
Jesus, um Pai de família

circunstâncias. Juntos na oração, juntos no estudo,


juntos na hora de comprar um pão, juntos no jantar
com a família, juntos no culto, juntos numa ida ao
banco. Assim, escoa do líder o que ele vive e, da co-
munhão, nascem frutos.
Enquanto tudo que temos são poucos minutos
na semana para ler juntos uma cartilha, não esta-
mos experimentando discipulado. Se você só encon-
tra um suposto discípulo quando marcam um café,
ele ainda não é seu discípulo. Discípulos são família,
e família sempre está reunida. Vida na vida!
Quando falamos de formar Cristo em alguém,
o objetivo não é treinar a pessoa em uma área es-
pecífica de atuação. Então não se deve confundir o
treinamento de um cantor ou de um pregador com
discipulado. Discipulado é a junção de “vinde e vede”
com “vida na vida”, até que Cristo seja formado.
Por fim, é necessário passar à qualidade do dis-
cipulado de Jesus: paternal. Chamando seus discí-
pulos de filhinhos, mas também trazendo correção.
Dividindo longas caminhadas e jornadas em meio à
multidão, mas também compartilhando o Jardim.
Vivendo milagres, mas também caminhando até a
cruz. O modo como Jesus demonstrava liberdade
ao ensinar Seus discípulos, muitas vezes de forma
enfática como quando chamou Pedro de Satanás,
121 indica uma construção de intimidade que só se vê
em família.
Paternidade demanda intimidade. Paternidade
é liberdade para falar e tratar de coisas das quais
nos envergonhamos, as quais não abrimos com
qualquer pessoa – então fazemos isso em família,
como se um filho estivesse abrindo o coração ao seu
pai. De onde você tirou isso, Alessandro? De um dos
exemplos bíblicos mais belos de paternidade espiri-
tual: Paulo e Timóteo.
Família que discipula

Paulo queria que Timóteo fosse em sua companhia e,


por isso, circuncidou-o por causa dos judeus daqueles
lugares; pois todos sabiam que o pai dele era grego.
Atos 16.3

Timóteo foi circuncidado por Paulo. É difícil pen-


sar em algo mais íntimo e constrangedor do que se
deixar circuncidar por aquele que lidera você espi-
ritualmente. Foi isso que Paulo fez, porque Timóteo
era como um filho. Paulo tocou no mais íntimo de
Timóteo. E por que Paulo fez isso? Como um disci-
pulador paternal, o apóstolo enxergou não apenas
aquele momento, mas o futuro ministerial de seu fi-
lho espiritual, que encontraria mais portas abertas
entre os judeus caso fosse circuncidado.
Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, pelo mandato de
Deus, nosso Salvador, e de Cristo Jesus, nossa espe-
rança, a Timóteo, verdadeiro filho na fé, graça, mise-
ricórdia e paz, da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus,
nosso Senhor.
1Timóteo 1.1,2

O fato de acessar a intimidade do discípulo não


dá ao discipulador o direito de considerar-se supe-
122 rior nem de expor a nudez de seu filho espiritual. É
por isso que precisamos buscar ser como Jesus,
para que manifestemos paternidade no discipula-
do como Ele fez. Ele sabia exatamente a medida, a
dose, o momento, o jeito, enxergando muito mais
que o agora. Assim como um pai toma decisões
pensando em décadas adiante, um discipulador
guia com discernimento profético e desejo intenso
de impulsionar o discípulo ao pleno cumprimento
do propósito divino.
Jesus, um Pai de família

Já vimos características de uma igreja pater-


nal, agora estamos vendo as mesmas característi-
cas como bases de um bom discipulado, o discipu-
lado que Jesus fazia e, depois, os apóstolos também
fizeram. Uma vida na vida que, progressivamente,
gera intimidade, como de um pai com um filho. Então
o cristão mais experiente se torna um canal de Deus
para chegar aos quartos escuros, aos cômodos fe-
chados, às vergonhas escondidas do discípulo. Para
envergonhá-lo? De maneira nenhuma. O objetivo é
que, em intimidade, se construa um ambiente segu-
ro para a confissão de pecados e tentações, passo
inegociável para que exista cura.

Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e


orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode,
por sua eficácia, a súplica do justo.
Tiago 5.16
É essa cura, de um confessando ao outro, de
um orando pelo outro, enquanto ambos vivem pelo
Senhor, que emana do Corpo. Não se engane: esse
nível de restauração não se alcança sem uma vida
de discipulado. Você pode ser muito abençoado fre-
quentando cultos e até fazendo parte de um ministé-
rio, mas você só chegará à plena maturidade quan-
do permitir que, em um discipulado, o lado de dentro
seja profundamente acessado.
123 A vida de Jesus corre em todo o Seu Corpo, e
não apenas em pastores. Você não precisa ter seu
pastor como seu discipulador, porque a seiva passa
por muitos galhos, e não só pelo ramo pastoral. E
mais: nunca se coloque num pedestal com relação
ao discipulado, porque quem conhece menos a Bí-
blia ou é convertido há menos tempo que você, ainda
assim, possui Jesus, e é de Jesus que você precisará
para sempre.
Talvez você não viva discipulado por achar que
Família que discipula

ninguém está à altura de seu conhecimento ou ex-


periência. Um alerta: você está à beira de um preci-
pício. Se você não é capaz de receber de alguém que
sabe menos, além de não estar obedecendo à ordem
de considerar todos superiores a si, está com a ex-
pectativa no lugar errado. Jesus é tudo em todos, e
não tudo em alguns supercrentes.

No qual não pode haver grego nem judeu, circuncisão


nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém
Cristo é tudo em todos.
Colossenses 3.11

Se você é um pastor, lembre-se de que a auto-


ridade vem da vida, então empodere pessoas que
vivem, coloque-as para discipular, e não apenas os
eloquentes e bons oradores da Palavra. Por outro
lado, busque em Deus direção, porque Ele não habi-
ta caixinhas. Talvez a vontade dEle esteja em lugares
não convencionais, em jeitos nada óbvios, em pes-
soas consideradas improváveis.
Acima de tudo, líderes ou liderados, é funda-
mental que voltemos a honrar o discipulado. Esse
chamado não é sazonal, mas para todo o tempo, até
que Ele venha. Cristo precisa ser formado em cada
um de nós, e a maneira bíblica de fazer isso é me-
124 diante um discipulado que acontece em relaciona-
mento, não na execução de meros métodos.
De um lado, uma pessoa cuja autoridade foi
reconhecida pelo Corpo – pelo testemunho, e não
apenas por conhecimento, embora este também
seja indispensável. De outro, alguém que está dis-
posto a ter a vida transformada, pronto a expor
todo o necessário à transformação. Em uma via de
mão dupla, discipulador e discípulo doam e rece-
bem – ainda que o discipulador ocupe posição de
Jesus, um Pai de família

governo, o governo é exercido em favor do discípu-


lo, e não com superioridade.
Ainda sobre o discipulador, vale salientar que
ninguém é profundo o suficiente, ou maduro demais,
para que não precise de Jesus. Discipuladores não
podem ser os mais arrogantes; antes, devem ser os
mais sedentos e humildes.
Encaixando algumas peças, estamos falando da
vida de uma Igreja paternal. Nela, há vida na vida, re-
lacionamento, e não um ajuntamento de pessoas ar-
madas no Jardim. Em meio a essa cultura paternal,
estabelece-se, então, governo em favor, no qual uns
se dispõem a cuidar e outros, a serem cuidados, em
um discipulado conforme o modelo de Jesus.
Se restaurarmos a saúde dos discipulados em
nossas igrejas, não encontraremos apenas resulta-
dos, mas o céu na terra, a vontade de Deus – revelada
na Palavra – sendo satisfeita: uma família espiritual
que ama, corrige, direciona e vive comunhão, até
que todos sejam um e unidos com o Pai, o Filho e o
Espírito Santo.

Transparente e vulnerável
A comunhão é, em si mesma, uma chave de
125 transformação, uma ferramenta que molda o ho-
mem ao formato de Cristo. É necessário, entretan-
to, destrinchar o significado de comunhão, para
compreender como ela deve ser mantida, segundo
as Escrituras.

A mensagem que dele ouvimos e que anunciamos a vo-


cês é esta: Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. Se
dissermos que mantemos comunhão com ele e andar-
mos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade.
Se andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos
Família que discipula

comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus,


seu Filho, nos purifica de todo pecado.
Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós
mesmos enganamos, e a verdade não está em nós. Se
confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para
nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.
1João 1.5-9

A Bíblia é como um campo de tesouros. Alguns


explícitos, outros escondidos pelo próprio Deus, que
nos convida a desvendá-los pelo Espírito. Convido
você a olhar com olhos espirituais a esse texto, ajus-
tando o foco de suas lentes, porque há “profundida-
de da riqueza, tanto da sabedoria como do conheci-
mento de Deus” (Rm 11.33).
Deus é luz. Se almejamos ser como Ele e servi-Lo,
não há caminho possível sem luz. E o que a luz faz? Re-
vela. A luz mostra aquilo que, no escuro, não era pos-
sível ver. João não alivia: quem diz que mantém comu-
nhão com o Senhor, mas anda em trevas, não passa
de mentiroso.
Em seguida, vem uma parte explosiva: aqueles
que decidem andar na luz que Ele é mantém comu-
nhão uns com os outros. Ei, você ainda está aí? Você
consegue sentir o impacto dessa verdade? Pode
doer como um soco no estômago: “Peguei o livrinho
da mão do anjo e o devorei. Na minha boca, era doce
126 como mel; quando, porém, o comi, o meu estômago
ficou amargo.” (Ap 10.10).
A verdade é que luz e comunhão com a famí-
lia espiritual caminham de mãos dadas. Não é com
alegria que digo isto, mas há muitos vampiros em
nossas igrejas. Gente que não se expõe à luz, mas
quer cantar no louvor, quer pregar, quer ser missio-
nário, quer, quer, quer. São crias de sanguessuga:
“A sanguessuga tem duas filhas, que se chama Dá e
Dá” (Pv 30.15). Pedem que tudo lhes seja dado, mas
Jesus, um Pai de família

não entregam nada, não deixam que a luz que há na


comunhão brilhe sobre suas vidas, sobre seus cora-
ções, sobre quem realmente são.
Quem recusa a comunhão da família espiritual
habita as trevas. E, pior ainda, é chamado pela Bíblia
de mentiroso, quando se autodenomina conhecedor
de Deus – não há como conhecer Jesus e não ser ilu-
minado pela luz que Ele mesmo é. E Ele é comunhão,
Ele é família. Viver com Ele e com a família dEle signi-
fica viver na luz.
Andar nessa luz, por sua vez, é deixar transpa-
recer quem somos, é deixar que nossas imperfei-
ções sejam vistas por nossos irmãos, é não fingir ser
o que não é. Quem anda na luz é de verdade, e não
uma maquete. A luz descobre o encoberto, e assim
nascem os transformados, os filhos maduros, que
reconhecem pecados e sabem pedir ajuda.
Você sabe o que acontece com quem anda na
luz da comunhão? Acabamos de ler juntos a res-
posta: “Se andarmos na luz, como ele está na luz,
mantemos comunhão uns com os outros, e o san-
gue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”
(1 Jo 1.7). A comunhão purifica! A comunhão limpa!
A luz da comunhão traz o pecado escondido à tona,
para que seja trabalhado!
“Ah, mas eu não tenho pecados grandes. Já
127 sou crente há muito tempo”. Vou usar as palavras
de João para responder a quem ousa pensar assim:
“Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós
mesmos enganamos, e a verdade não está em nós”
(1 Jo 1.8). E o texto continua:

Se dissermos que não cometemos pecado, fazemos


dele um mentiroso, e a sua palavra não está em nós.
1João 1.10
Família que discipula

Todos, sem exceção, precisam abandonar peca-


dos, e Deus criou o ambiente adequado para isso: a
Igreja paternal, aquela que Jesus inaugurou com Sua
vida, morte e ressurreição. Uma família espiritual de
muitos irmãos, construída sobre um fundamento só-
lido não apenas de evangelismo, mas de discipulado,
criado e mantido mediante relacionamento.
Por que viver comunhão? Porque é nela que se
encontra a luz, ou seja, longe dela, não é possível en-
xergar bem – nem a si mesmo nem aos outros. Se
alguém está enxergando a si mesmo além da conta,
precisa de mais comunhão. Se alguém só vê defei-
to em tudo e em todos, inclusive em sua igreja local,
é provável que tenha se distanciado da comunhão.
Quer enxergar direito? Viva comunhão!
E como vivemos comunhão? Com luz, revelan-
do o escondido de nós mesmos, enquanto estamos
em família. Transparência e vulnerabilidade são ele-
mentos sem os quais o discipulado não gera vida,
sem os quais o pecado não é tratado em sua raiz.
A superficialidade na vida de Igreja nunca foi
plano do Criador. Vimos até aqui o quanto Ele se inte-
ressa por intimidade, por ser tão próximo a ponto de
ser um. Como viver unidade sem deixar-se ser toca-
do, sem tornar-se vulnerável?
Mais que isso, você está pronto a ser assim,
128 transparente? Você está disposto a ser vulnerável a
pessoas? Você deseja, verdadeiramente, obedecer a
ordem de Jesus de ser discípulo e fazer discípulos,
tocando e deixando-se ser tocado pelo poderoso
Corpo de Cristo?
Se sim, quero trazer esperança: há confronto, há
uma dor natural no arrependimento, mas isso nada
mais é que a cruz, aquela que Jesus disse ser obriga-
tória a quem almeja ser chamado de discípulo dEle.
Jesus, um Pai de família

Jesus dizia a todos:


— Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo,
dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser
salvar a sua vida a perderá; e quem perder a vida por
minha causa, esse a salvará.
Lucas 9.23,24

O que estou propondo aqui nada mais é que


ser como Jesus. Ser vulnerável e transparente é ser
como Ele, viver comunhão é ser como Ele.
Talvez, enquanto lê estas palavras, você esteja
incomodado com a ênfase ao fato de a comunhão
ter impacto direto em livrar-nos de pecados, então
proponho a reflexão sob este prisma: o de sermos
como Ele.
O que é pecado? Não se trata apenas de fazer
algo ruim, mas de não estar vivendo o que Deus nos
propõe a viver – simplesmente porque não quere-
mos viver essa vida. Parar de pecar é muito mais
que parar de consumir pornografia, por exemplo,
mas ter a mente redimida a respeito de sexo. Ou seja,
ser santo não é comportar-se bem, mas ser como
Jesus. E a comunhão da família carrega um poder
de transformar-nos em quem Ele é, e não somente
vencer um comportamento errado.
A Igreja de Jesus é uma família de pessoas sem
129 máscaras, vulneráveis, tratáveis e, então, santas. Tão
seguras de quem são, tão seguras de que Deus as
ama, que não têm medo da opinião alheia. Mesmo
que aconteça de alguém se mostrar insensível com
suas fraquezas, tudo bem – os parecidos com Jesus
não se ofendem.
A comunhão é luz! A comunhão é o fogo que
nos mantém puros como Jesus! Repito a pergunta,
porque ela deve atingir o mais íntimo de nossos co-
rações: como viver unidade e o poder da comunhão
Família que discipula

sem tornar-se vulnerável e transparente, sem dei-


xar-se ser tocado?

Fira-me o justo
Você deseja, de todo o coração, ser discípulo de
Jesus? Então precisa estar disposto a ser cuidado
por outras pessoas, na família chamada Igreja. Você
precisa estar disposto a expor a si mesmo às neces-
sárias correções.
Siga o raciocínio: você não se torna discípulo
tocando apenas a cabeça, que é Cristo, mas tam-
bém a extensão da cabeça, que é Seu Corpo. Em
Sua soberania, o Criador decidiu criar seres que
se tornam semelhantes a Ele não apenas mediante
relacionamento com Ele próprio, mas também por
meio da comunhão com outros homens. Dessa luz
que emana da comunhão, nascem os filhos de Je-
sus, parecidos com Ele, um com o Pai, mas também
um com os irmãos.
O parágrafo anterior resumiu o que falamos
neste capítulo, acerca de uma família que discipula.
O discipulado, portanto, é inegociável e possui um
papel central na comunhão planejada pelo Senhor.
Ele, em quem cremos, em quem depositamos fé e de
130 quem professamos ser filhos, é comunhão e possui
um plano eterno de estabelecer o que Ele é em uma
família hoje chamada de Igreja – e isso não se gera
apenas em cultos e conferências, mas numa cultura
de comunhão e discipulado.
Também já vimos que discipulado é relaciona-
mento, e não método. Isso significa que uma vida
tocando outra vida é mais efetivo para que Cristo
seja formado em nosso interior do que usar fórmu-
las e depender apenas de agendamentos, mesmo
Jesus, um Pai de família

que seja necessário usá-los como estratégia. Seja


antes de fazer, e isso trará frutos quando você fizer
qualquer coisa, inclusive quando discipular. Sendo
assim, ter comunhão, em família, e aceitar liderar e
ser liderado por um irmão são passos em direção à
transformação profunda de nossas vidas, de dentro
para fora.
Apesar desse destaque ao relacionamento,
nossos olhos devem continuar em Jesus e no mo-
delo que Ele estabeleceu para a família espiritual,
enquanto esteve aqui: o discipulado de Cristo não
passa pano nem varre a sujeira para baixo do tapete;
pelo contrário, confronta. Há amizade, mas assuntos
difíceis não são evitados em nome de uma política de
boa vizinhança. Quem decide ser transparente e vul-
nerável no discipulado inevitavelmente atrairá con-
fronto – e isso é bom.
“Como é bom, você está louco?”. Não, só estou
bíblico. Vamos lá:

Mas agora me alegro, não porque vocês ficaram tris-


tes, mas porque essa tristeza os levou ao arrependi-
mento. Pois vocês foram entristecidos segundo Deus,
para que, de nossa parte, não sofressem nenhum dano.
Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimen-
to para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a
tristeza do mundo produz morte.
131 2Coríntios 7.9-10

Se um dia alguém pregou para você que triste-


za nunca vem de Deus, bem-vindo à luz: existe uma
tristeza segundo Deus, que é o arrependimento. Em
uma cultura de discipulado, haverá dor a cada con-
fronto, e essa dor é parte do trabalhar dEle em nós
– sem a tristeza do arrependimento, não há a alegria
da transformação. Antes, cruz. Depois, vida.
Um discipulado sem confronto não é discipula-
Família que discipula

do, basta olhar para o relacionamento de Jesus com


Seus doze amigos. Apesar de Cristo se mostrar amá-
vel e, às vezes, até enigmático em Seus ensinos, ao
mesmo tempo Ele sabia a hora de ser muito direto
e confrontar. O interessante é que, mesmo após dis-
cipulados pesados, com palavras extremamente du-
ras, a maioria dos discípulos permaneceu com Ele.
O alinhamento de nossas vidas vem pelo con-
fronto, mas a resposta correta só vem com arre-
pendimento – lembrando de toda dor e tristeza
que ele traz consigo, fazendo o arrependido, mui-
tas vezes, chorar amargamente ao reconhecer o
erro. É por isso que devemos reconhecer que exis-
te uma batalha constante entre o arrependimento
que devemos expressar quando somos confronta-
dos no discipulado e o orgulho que não quer que
nos curvemos nunca.
Há, contudo, certas coisas que contribuem para
que o orgulhoso nunca se dobre, e uma delas é a
abordagem do discipulador.

Ou será que você despreza a riqueza da bondade, da to-


lerância e da paciência de Deus, ignorando que a bon-
dade de Deus é que leva você ao arrependimento?
Romanos 2.4

132 Esse trecho do capítulo 2 de Romanos carrega


como título “O justo juízo de Deus”. O tema desse en-
sino de Paulo é juízo, contudo o apóstolo não diz que
o juízo gera arrependimento.
Cave comigo agora, porque há um tesouro es-
condido: não se corrige alguém apenas com uma
palavra de juízo. Juízo não gera arrependimento
nem leva ao alinhamento necessário. É a bondade
de Deus que conduz ao arrependimento, meu amigo,
a bondade. Por onde essa bondade flui? Por homens,
Jesus, um Pai de família

por discipuladores!
Por que a Igreja permanece igual depois de cer-
tos confrontos? Porque as palavras de alinhamento
são despejadas com dedo apontado. “Se pecar, vai
para o inferno”. “Se transar antes do casamento, seu
casamento será falido, fadado ao fracasso”.
A Igreja tem trabalhado com ameaças, e o re-
sultado de ameaça é medo. Ninguém permanece fir-
me em Jesus tendo o medo como alicerce, mas sim
quando O ama de todo o coração. Por amá-Lo, deci-
de obedecer, e não por ter medo das consequências.
Não me entenda mal, todo erro traz a reboque
coisas ruins, sejam internas sejam externas. O que
está em questão aqui é o verdadeiro arrependimen-
to, que é fruto da bondade divina e da abordagem
bondosa de discipuladores, e não da ameaça de juí-
zo. As consequências, embora existam, não são o
foco, o foco é o amor a Jesus. Quem O ama mais que
tudo, mais até que a própria reputação, aceita o con-
fronto, porque quer logo consertar tudo que pode
mantê-lo afastado do Aba.
Quando o discipulado está submerso nas águas
da bondade de Deus, a ferramenta do confronto não
é o juízo – o juízo é conhecido e devidamente ensina-
do, porém nunca usado como arma, mesmo no mais
duro confronto. Sabe o que acontece quando você
133 confronta com bondade, misericórdia e amor? Você
quebranta o coração orgulhoso, ao invés de endure-
cê-lo ainda mais. Misericórdia e amor rompem ca-
deias de altivez.
Jesus retirou as pedras das mãos dos julgado-
res, demonstrou amor e, então, confrontou: “não
peques mais” (Jo 8). É assim que nasce o arrependi-
mento verdadeiro, quebrantando o orgulho do cora-
ção para gerar mudança de atitude.
Ainda será necessário, em um ambiente seguro,
Família que discipula

tocar a intimidade. Jesus conduzirá o tom de cada


conversa, inclusive aquelas que precisam abrir feri-
das, porque isso é discipulado. Porém nada deve ser
feito sem bondade. A mesma bondade que flui dEle
deve fluir de nós, em cada confronto. Um confronto
em amor pode mudar o destino de uma pessoa, as-
sim como um confronto baseado somente em juízo
pode destruí-la.
Agora que deixamos clara a postura adequada
do discipulador na hora de confrontar, falemos do
discípulo. Imagine um de nós chegando diante de
Deus, no dia do Juízo Final, com a seguinte alegação:
“Oi, Deus. Estou aqui para justificar minha fal-
ta de mudança. Não foi à toa, eu até gostaria de ter
mudado, mas fui ferido por meus discipuladores.
Eles me atacaram o tempo todo, juízo atrás de juí-
zo, e nunca me trouxeram uma palavra de bondade.
Quando mais precisei de colo, eles me bateram com
duras palavras.”
Pode parecer um exemplo um pouco pitoresco,
mas se pudéssemos visualizar o que nossas respos-
tas de hoje projetam para o amanhã, talvez seríamos
surpreendidos. A maneira como respondemos hoje
diz muito sobre o que virá amanhã, e devemos ouvir
essa voz para reavaliar a nós mesmos.
Apesar de o objetivo deste livro ser incentivar
134 uma família de discipuladores saudáveis e maduros,
o discípulo nunca deve jogar a responsabilidade de
sua vida nas mãos do discipulador. E se o discipula-
dor errar? Ou melhor, e se o discipulador já errou?
De nós, discípulos, o Senhor espera arrependi-
mento. O confronto pode não ter vindo da maneira
correta, mas temos um justo Juiz encarregado de
julgar quem nos confrontou errado. A pergunta é:
qual tem sido minha resposta aos confrontos?
Aquele que deseja ser como Jesus aprende
Jesus, um Pai de família

em qualquer tempo. O mais espiritual se rende pri-


meiro, perdoa primeiro, se arrepende primeiro. Ao
maduro, toda injustiça é uma oportunidade de ma-
nifestar Cristo!
Mais uma vez, o arrependimento vai de encontro
ao orgulho. Se nos mantemos orgulhosos a ponto de
não aceitarmos uma palavra de alinhamento – a que
foi passada com bondade ou a de forma infeliz –, não
estamos aptos ao Reino de Deus. O arrependimento
está entrelaçado ao Reino, é inseparável.

Daí em diante Jesus começou a pregar e a dizer:


— Arrependam-se, porque está próximo o Reino dos
Céus.
Mateus 4.17
Quando Adão pecou, jogou a culpa em Eva, que,
por sua vez, culpou a serpente. Essa é uma clássica
demonstração de orgulho diante do confronto: não
há admissão de culpa, mas sim uma tentativa de co-
locar outro culpado na jogada.
Quando alguém da nossa família espiritual che-
ga até nós com uma crítica, especialmente o disci-
pulador com quem estamos construindo um relacio-
namento de confiança, o maldito orgulho do nosso
135 coração caído tenta ressuscitar e gritar. Se deixa-
mos que o orgulho prevaleça na hora do confronto,
ele não permitirá que o arrependimento entre em
cena. Os bons em argumentos e justificativas são
normalmente terríveis em arrependimento e mu-
dança de vida.
É importante entender que não receber con-
fronto é o mesmo que se declarar autossuficiente.
Observe a resposta que Deus deu a uma Igreja que
se orgulhou de não precisar de nada:
Família que discipula

Você diz: ‘Sou rico, estou bem de vida e não preciso de


nada.’ Mas você não sabe que é infeliz, sim, miserável,
pobre, cego e nu.
Apocalipse 3.17

Laodiceia não conseguia ver a própria nudez,


porque se achava autossuficiente. Já falamos antes
e vale repetir: se quer enxergar bem, então viva na
luz da comunhão, porque certamente haverá con-
fronto para cada área revelada pela luz. E que nossa
resposta seja a de um coração que, voluntariamen-
te, se humilha! A humildade e o reconhecimento do
erro são os primeiros passos da mudança de atitu-
de, da transformação.
Sim, nós precisamos uns dos outros para que
todo orgulho se dobre. Nós precisamos ser confron-
tados para que a dor do arrependimento faça nosso
íntimo sangrar e receber o remédio celestial. Que
um justo me fira, mas eu não permaneça igual!

Fira-me o justo, e isso será um favor; repreenda-me, e


será como óleo sobre a minha cabeça, a qual não há
de rejeitá-lo. Continuarei a orar enquanto os perversos
praticam maldade.
Salmos 141.5
136
É isso. Em uma Igreja paternal, o discipulador
fere o discípulo com uma vara de repreensão, mas
isso é recebido como um favor, como um óleo sobre
a cabeça. Por favor, não siga sem refletir e orar para
ter esse coração ensinável, que se ajoelha quando é
confrontado ao invés de se erguer com pedras nas
mãos. Deseje o óleo sobre sua cabeça!
Acredito, de todo o meu coração, que essa cul-
tura de alinhamento nos mantém humildes e devida-
Jesus, um Pai de família

mente podados, para que demos ainda mais fruto. O


discipulador deve construir esse lugar seguro, para
acessar o coração do discípulo. Já o discípulo precisa
abrir-se humildemente, sendo transparente e vulne-
rável, para que, se necessário, seja quebrado em con-
frontos – e possa, por fim, levantar algo inabalável.
Imagine uma Igreja de discípulos assim, ape-
nas imagine. Há relacionamento, uma vida vivendo
em contato com a outra, gerando mudanças a par-
tir da transferência de uma cultura no cotidiano.
Há também discipulado paternal, com um cuidado
preocupado com o destino, não só imediatista. Há,
ainda, confronto na mesma mesa em que se divide
o pão. O alinhamento, entretanto, é mergulhado em
bondade por parte do discipulador e seguido de uma
resposta humilde e arrependida do discípulo. Que
Igreja gloriosa!
Como confiar em pessoas
Preciso compartilhar com você algo simples
que carrego comigo. Quando falamos de discipula-
do e sermos vulneráveis, tanto como disicipuladores
quanto discípulos, é natural que sintamos medo, re-
ceio de confiar em pessoas e terminar magoados.
A chave para que vençamos isso é simples: não
espere nada! Gerar expectativa em pessoas é o pri-
137 meiro passo da frustração. Expectativa é aquilo que
projetamos a respeito de alguém ou algo; então, se
não acontece exatamente como idealizamos, acaba-
mos ferimos. Ou seja, quem cria expectativa quase
sempre se frustra.
Segunda dica simples, porém poderosa: não
deixe de fazer o que Cristo faria só porque alguém
não está fazendo o mesmo. Sermos amáveis, trans-
parentes e puros é exatamente o que Cristo é; se, ao
sermos assim, outros retribuirem com pedras e trai-
Família que discipula

ções, bem-aventurados somos, pois nos assemelha-


mos ao Mestre.
Não limite o seu cristianismo ao imitar aquele
que não imita Jesus. Sempre existirão os que, vendo,
logo esquecem; ouvindo, tapam os ouvidos. Nós, po-
rém, permaneceremos atentos e seguindo o Cordei-
ro, carregando nossa cruz, como ovelhas obedientes.

Ainda existe uma cruz


Não sou um dos irmãos Grimm nem estou es-
crevendo um conto de fadas. Estou plenamente cien-
te de que cada um destes capítulos acerca da Igreja
de Jesus exige de nós nada menos que tudo. Viver
uma Igreja paternal só é possível a mortos, dispos-
tos a ressuscitar não a sua própria vida, mas a de
Cristo. Jesus inaugurou essa família no madeiro, e é
na cruz que ela deve ser sustentada.
Discipulado genuíno, estabelecido por uma fa-
mília que discipula – e não uma empresa que deseja
treinar bons funcionários –, só se mantém com cruz.
Quem não decide pela cruz, não suportará viver dis-
cipulado, quer seja discípulo quer seja discipulador.
Ninguém pode ser discipulado ou discipulador
se, antes, não for discípulo de Cristo. E Jesus disse
138 claramente que só é discípulo quem toma a cruz,
então não devemos criar expectativas diferentes: se
nossa pregação de evangelismo não fala de morte
para o eu, talvez nunca seremos capazes de colher
frutos dignos de arrependimento no discipulado.
Não engane no evangelismo, então você terá
liberdade para viver e estabelecer o discipulado de
Jesus, aos pés da cruz. E reveja se você mesmo não
foi enganado quando foi evangelizado!
Meus amigos, vamos refletir nisso. Primeiro, al-
Jesus, um Pai de família

guém precisa ser salvo; depois, discipulado. A base


de uma e outra coisa é a cruz. Se, antes, maquiamos o
evangelho ao não salvo, depois, durante o discipulado,
corremos o risco de estar tentando tornar discípulo
alguém que ainda nem se tornou filho de Deus.
Como cristão e líder, qual é a raiz dos frutos que
você tem dado? Peço que você faça essa pergunta
a si mesmo, lembrando-se de Jonas, que obedeceu,
ainda que de forma tardia, mas em seguida demons-
trou guardar no coração certas reservas quanto à
vontade de Deus de salvar Nínive. É possível dar fru-
tos de obediência, de cumprimento de princípios,
mas sem um coração cravado na cruz.
Quando falo de cruz, falo de morrer antes de dar
fruto, porque “se o grão de trigo, caindo na terra, não
morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”
(Jo 12.24). E essa mensagem de cruz começa mudan-
do o nosso interior, depois extravasa e começa a en-
charcar os que estão ao nosso redor. Ou seja, a men-
sagem de cruz primeiro nos muda, depois nos habilita
a realizar a obra de Deus na Igreja e no mundo.
Tudo aquilo que o Senhor deseja que façamos,
primeiro Ele nos torna. O processo não é o que esta-
mos fazendo, mas quem estamos nos tornando. Se
nos tornamos os discípulos que tomam a cruz, nós
frutificamos discípulos também mortos.
139 A cruz existe e deve ser a base da nossa vida, da
nossa pregação, do nosso discipulado, da Igreja que
estamos nos tornando nEle. Ainda dá tempo de ajus-
tar o foco e mirar o fruto de uma vida crucificada, ao
invés dos resultados. Vamos?
Família que discipula
MINHA CASA,
UMA CASA DE
DISCIPULADO

Pregação da vida comum

Antes de passar a termos muito práticos, era neces-


sário estabelecer fundamentos. Agora é hora de vi-
sualizar, de apalpar, de sentir o cheiro do que é viver
em uma família espiritual e de como atrair pessoas
para aumentar essa família.
Em primeiro lugar, qualquer ambiente é passível
de alcançar pessoas e testemunhar aquilo que você
vive em Jesus. Os discípulos que estavam com Cristo
aprendiam dEle no barco, na sinagoga, nas estradas,
na casa de um, na casa de outro, ao ar livre, no Jar-
dim, no monte, na hora de pagar imposto, na hora de
ler as Escrituras, na hora de montar acampamento,
na hora do sono, na hora da vigília. O discipulado não
deve ser refém dos gabinetes da igreja, mas aconte-
cer em qualquer espaço, a qualquer hora.
Como hoje há uma onda de oito ou oitenta, já
enfatizo que a ideia não é que o discípulo fique 24h
com o discipulador, mas que existe a possibilidade de
o discípulo, ao estar com você em situações cotidia-
nas, ser abençoado. Por quê? Porque assim as bases
do discipulado são fraternais, e não institucionais.
Além disso, essa visão amplia o alcance do que
vem antes do discipulado, que é o evangelismo –
você prega com sua vida enquanto está no trabalho,
na faculdade, pagando uma conta, comprando um
pão. Seu viver testemunha sobre Cristo e torna-se a
única Bíblia que muitos estão lendo. A diferença em
sua própria conduta prega e aproxima pessoas inte-
ressadas em uma vida como a sua.
Nós romantizamos a pregação do evangelho,
enclausurando-a às igrejas ou definindo que ela só
deve acontecer em campanhas de evangelismo nas
ruas. No entanto, boa parte dos convertidos não res-
ponderam a pregações de igreja ou de rua, mas a
relacionamentos – cultos e conferências podem ter
sido parte, mas geralmente houve uma pessoa por
141 trás, que os convidou, que estava vivendo por perto e
testemunhou de Cristo.
O evangelho que sua vida prega possui muito
mais poder do que uma mensagem que não é vivida.
Nesse sentido, cada pessoa que você conhece é uma
oportunidade de expressar o amor de Deus que está
em você, que já tem transformado seu coração, suas
atitudes e sua família.
Comece amando as pessoas com quem você
tem contato e vivendo a vida de Deus próximo a elas.
Minha casa, uma casa de discipulado

Quando vier a oportunidade de falar do evangelho,


sua vida confirmará a mensagem. Depois disso, é
muito mais provável que a pessoa esteja aberta a
conhecer sua igreja. Lembre-se, contudo, de que o
objetivo não é ganhar um membro, mas ganhar um
irmão, mais uma pessoa interessada em conhecer
Jesus e ser transformada por Ele.
Evangelizar na vida comum é pregar com a
vida. Da mesma forma, discipular no cotidiano é dei-
xar fluir naturalmente o amor de Deus que já opera
dentro de nós. Seja gentil com todos, em qualquer
lugar, transparecendo Cristo.

Nisto todos conhecerão que vocês são meus discípulos:


se tiverem amor uns aos outros.
João 13.35
Você notou que a base é a mesma, relaciona-
mento, tanto para evangelismo como para discipu-
lado? Porque é assim que se constrói um ambiente
seguro, confiável, seja para apresentar Jesus a al-
guém que nunca teve contato, seja para impulsionar
um cristão maduro a um lugar ainda mais alto no re-
lacionamento com Cristo.
É possível que muitos de seus amigos não cris-
tãos jamais aceitariam, logo de cara, um convite
142 para ir à igreja, mas é provável que topariam jantar
em sua casa. Dividindo a mesa com eles, você tam-
bém está partilhando o ambiente harmonioso do
seu lar, os princípios por trás das atitudes de cada
membro da família, o governo que escorre dos pais,
a obediência com a qual respondem os filhos.
Nesse ambiente da vida comum, você pode per-
guntar como seu amigo está, dar conselhos de for-
ma sutil e não religiosa, demonstrar amor e acolhi-
mento – porque é isso que uma família faz. Depois de
Jesus, um Pai de família

um tempo, talvez haja espaço também para exortar


condutas erradas. E nada disso aconteceu dentro
das quatro paredes da igreja.
Cristo sendo formado em sua casa pode ser
o ímã que atrairá seus amigos, o impulso para que
deem um passo em direção à salvação. Da mesma
forma, o caráter dEle em você também será trampo-
lim aos seus discípulos, em direção à próxima glória,
“de glória em glória” (2Co 3.18).
Viva perto de pessoas e deixe-as acessarem sua
vida. Então, pregue, mesmo que sem usar palavras.

Como viviam os convertidos


E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comu-
nhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma ha-
via temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por
meio dos apóstolos.
Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em
comum.
Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo en-
tre todos, à medida que alguém tinha necessidade.
Diariamente perseveravam unânimes no templo, par-
tiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições
com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus
e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto
isso, o Senhor lhes acrescentava, dia a dia, os que iam
sendo salvos.
143 Atos 2.42-47

Não subestime o poder de um trecho da Palavra


de Deus. Esses seis versículos, que aparecem na Bí-
blia logo após o título “Como viviam os convertidos”,
carregam bases da igreja primitiva, as mesmas que
podem e devem ser replicadas hoje para sermos uma
família espiritual que discipula de forma saudável.
Doutrina comum. Existia uma base doutrinária, e
os convertidos a conheciam bem. Podemos dizer que
Minha casa, uma casa de discipulado

não caminhavam sem ensino, sem fundamento. Veja


como o escritor de Hebreus fala desses princípios:

Por isso, deixando os princípios elementares da dou-


trina de Cristo, avancemos para o que é perfeito, não
lançando de novo a base do arrependimento de obras
mortas e da fé em Deus, o ensino de batismos e da
imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do
juízo eterno.
Hebreus 6.1,2

Uma família espiritual saudável caminha e per-


severa sobre um trilho doutrinário. Não há uma ba-
gunça quanto ao ensino da Palavra de Deus, mas
fundamentos sólidos. Questões como arrependi-
mento, fé, batismo, imposição de mãos, ressurreição
dos mortos e juízo eterno devem ser tema tanto das
mesas que a família espiritual partilha no dia a dia
como também dos momentos programados de en-
sino bíblico no discipulado.
Veja bem, não estou falando de uma doutrina
que desejamos ou inventamos. Não fomos convida-
dos a criar uma nova mensagem, apenas a replicar
a mesma pregação do início de todas as coisas, en-
charcada com o frescor atual do que Deus está ope-
rando. A doutrina de nossas igrejas deve ser bíblica,
fugindo de interpretações pessoas ou até mesmo
144 opiniões históricas. Dessa maneira, teremos uma
comunidade sólida.
Comunhão. A segunda coisa na qual persevera-
vam era a comunhão. Já batemos muito nessa tecla,
mas não sem motivo – é um padrão divino. Uma igre-
ja saudável não só incentiva a comunhão, mas perse-
vera nela. Isso, é claro, inclui o discipulado.
No partir do pão e nas orações. Aqui vemos
dois aspectos da comunhão: a mesa, que fala de vida
Jesus, um Pai de família

comum compartilhada, e o secreto, que também


deve ser partilhado. O texto, então, abre um leque
acerca dessa comunhão:

ƒ Em cada alma havia temor, e não em uma só


ƒ Prodígios e sinais acompanhavam a vida apos-
tólica, demonstrando que são fruto de comu-
nhão vertical e horizontal
ƒ Os que criam viviam juntos, não apenas congre-
gavam juntos
ƒ Eles tinham tudo em comum, vendendo tudo
para ajudar o outro, sempre que necessário
ƒ Diariamente perseveravam unânimes, sendo
um, o que demonstra manutenção da comunhão
ƒ Vivam como família tanto no templo quanto de
casa em casa, então não estavam confinados às
paredes de uma igreja
ƒ Dividiam refeições, a vida comum
ƒ Faziam tudo isso com alegria e singeleza de co-
ração, sem peso
ƒ Não deixavam de louvar juntos a Deus, em uma
adoração coletiva, e não apenas individual
145
ƒ Esse estilo de vida era testemunho ao mundo, a
ponto de os primeiros cristãos conquistarem a
simpatia de todo o povo
ƒ Enquanto isso... o Senhor aumentava a família.

Preciso enxergar a mim mesmo, individualmen-


te, enquanto parte dessa coletividade. As bases de
uma igreja saudável levam em conta sempre o outro
e o nós, nunca somente o eu. Meus próprios planos
Minha casa, uma casa de discipulado

continuam sendo feitos e submetidos, no secreto, ao


Senhor, porém não me considero autossuficiente,
como se ninguém mais importasse a não ser Jesus
– talvez esse tenha sido o grande erro de Pedro: que-
rer Jesus, mas não a Igreja de Jesus.
Quando vemos esses princípios na descrição
da igreja primitiva, não estamos vendo uma suges-
tão de como fazer Igreja. Se não somos como a igre-
ja apostólica, estamos fazendo qualquer outra coisa,
menos Igreja.

Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma con-


solação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há
entranhados afetos e misericórdias, completai a minha
alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais
o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo
sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória,
mas por humildade, considerando cada um os outros
superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista
o que é propriamente seu, senão também cada qual o
que é dos outros.
Filipenses 2.1-4 (ARA)

Como viviam os convertidos? Em entranhados


afetos. Em uma unidade de pensamento, de amor,
de alma, de sentimento, na qual não há espaço para
partidarismo ou vanglória, porque cada um dá van-
146 tagem ao outro, considera o outro superior. Enquan-
to um tem em vista o interesse do outro, o outro visa
ao interesse do um, assim ambos crescem.
Não se pode negar que o padrão bíblico para a
Igreja dos convertidos é muito mais ancorado em
relacionamento que entretenimento. É muito mais
família que empresa. É muito mais vida comum que
conferência. É muito mais lado a lado que hierarqui-
zado, ainda que respeitando governo e cultivando
uma cultura de honra. Não, contudo, sem uma base
Jesus, um Pai de família

sólida da doutrina.
Que fique claro, então, que uma Igreja de dis-
cipulado saudável, apesar de ter foco em relacio-
namento, nunca ignora o ensino. Vamos ver como
esses dois pontos podem surgir não apenas na vida
comum, mas abrindo as portas de nossa casa.

Cultura da hospitalidade
Se somos uma família, devemos começar fa-
zendo o que uma família natural faz: gastar tempo
juntos. Há uma vida comum a ser compartilhada, e
isso não se limita ao ambiente da igreja local. Então,
à medida que crescemos na revelação do que é ser
Igreja, cresce o contato entre nossa família natural
e nossa família espiritual, consideradas as devidas
proporções e prioridades.
Por que estou falando de família natural aqui?
Porque é impossível viver discipulado fora do am-
biente de nossos lares. A hospitalidade é bíblica e ca-
paz de gerar os entranhados afetos que Paulo des-
creveu aos Filipenses.

Não se esqueçam da hospitalidade, pois alguns, prati-


147 cando-a, sem o saber acolheram anjos.
Hebreus 13.2

Isso também está na sua Bíblia? Porque aqui


na minha está bem claro: a hospitalidade é um va-
lor do Reino de Deus. Devemos ser hospitaleiros, e o
próprio Deus nos honra se obedecermos – podemos
acabar recebendo anjos em nossas casas.
Há, sim, uma interpretação literal, de que é pos-
sível anjos irem até nosso endereço. Existe, porém,
Minha casa, uma casa de discipulado

outra possibilidade de entendimento: Deus envia an-


jos à casa daqueles que decidem ser hospitaleiros e
hospedam seus irmãos. Uau! A hospitalidade provo-
ca o céu, que envia anjos à casa do hospitaleiro! Não
sei você, mas eu quero viver as duas coisas. Eu me
animo de receber anjos ou irmãos que atrairão an-
jos, tanto faz.
E sempre chega a hora do “como”. Vamos en-
tender, então, como ser hospitaleiros, para não fazer
de qualquer jeito.

Sejam mutuamente hospitaleiros, sem murmuração.


1Pedro 4.9

Não murmurar é uma regra que vigora sem


parar, mas principalmente quando se trata de hos-
pitalidade. Para evitar esse mal, você precisa ajustar
expectativas, porque receber gente em casa dá tra-
balho. Gente come, suja, bagunça, faz barulho, mas é
impossível viver junto sem essa bagunça – é possível,
contudo, alcançar um equilíbrio. Como? Estabele-
cendo algumas regras simples.
É isso mesmo, crie um manual de sobrevivência
do discipulado para a sua casa. Se achar boa a estra-
tégia, cole lembretes na cozinha e no banheiro, para
que o discípulo se sinta parte da casa, inclusive na
148 hora de limpar e organizar. Peça, sem medo, colabo-
ração de seus discípulos.
Ao mesmo tempo que você chama o discípulo a
dividir o trabalho, trabalhe seu próprio ânimo. Fazer
de nossa casa uma casa de discipulado requer de
nós bom ânimo, senão viramos aquele estereótipo
de tia chata que não deixa ninguém andar descalço
porque deixa pegadas no chão encerado, ninguém
pode comer fora do retângulo da mesa para não ge-
rar farelos, ninguém pode nada porque isso e aquilo.
Jesus, um Pai de família

Na prática, peça ajuda; no íntimo, preserve o ânimo


e amor por servir sua família espiritual. Eu garanto:
será mais leve.
Vamos imaginar juntos uma possibilidade. Você
e sua esposa receberão um casal, que passará o fim
de semana com vocês. Dependendo da intimidade
e da própria situação financeira do momento, sugi-
ram, com antecedência, dividir as despesas de mer-
cado. Peçam que ambos tragam toalhas de banho e
utensílios de higiene. Fixem um recadinho educado
no banheiro: não deixe cabelo no ralo, limpe a pia
após escovar os dentes, recolha o lixo quando esti-
ver lotado.
Parece bobagem, mas esse partilhar também é
viver em família. Não deixe de receber por causa do
trabalho, apenas organize tudo para não sobrecar-
regar ninguém. Eu pergunto: se Jesus pedisse para
jantar em sua casa, você negaria para não ter tra-
balho? Quero acreditar que além de não negar, você
cozinharia uma comida deliciosa, arrumaria uma
mesa incrível, prepararia uma boa música para dei-
xar ao fundo, criando um ambiente agradável.
Dentro de nosso orçamento e condições, pode-
mos ser excelentes hospitaleiros. A verdade é que
devemos agir com todos que visitam nossa casa as-
sim como agiríamos se Jesus fosse nos visitar.
149
“Porque tive fome, e vocês me deram de comer; tive
sede, e vocês me deram de beber; eu era forasteiro, e
vocês me hospedaram; eu estava nu, e vocês me vesti-
ram; enfermo, e me visitaram; preso, e foram me ver.”
— Então os justos perguntarão:
“Quando foi que vimos o senhor com fome e lhe demos
de comer? Ou com sede e lhe demos de beber? E quan-
do foi que vimos o senhor como forasteiro e o hospe-
damos? Ou nu e o vestimos? E quando foi que vimos o
senhor enfermo ou preso e fomos visitá-lo?”
Minha casa, uma casa de discipulado

— O Rei, respondendo, lhes dirá:


“Em verdade lhes digo que, sempre que o fizeram a
um destes meus pequeninos irmãos, foi a mim que o
fizeram.”
Mateus 25.35-40

Desde que comecei a entender esses princípios,


sempre recebi pessoas em minha casa. Lembro-me
de montar escalas de visita, estabelecendo em que
dia eu receberia quem. Pode parecer engraçado,
mas foi – e ainda é – assim.
Certa vez, um amigo, ministro do evangelho,
perguntou se poderia dormir em minha casa, por-
que desejava experimentar mais do Senhor, e foi.
Espisódios como esse são recorrentes em minha
história, pela graça de Deus – pessoas sedentas de
encontros com Jesus vêm até minha casa. No dia
seguinte, quando acordei, meu amigo estava pálido,
olhando para mim. Ele perguntou: “Foi você que veio
durante a noite e colocou a mão em minha cabe-
ça?”. Eu não fizera nada. Ele teve consciência, então,
de que um anjo o havia visitado e ministrado sobre
sua vida.
Sei que para alguns é difícil crer em tais mani-
festações, porém isso não as classifica como falsas.
Outra vez, ainda em meu tempo de faculdade, outro
150 amigo foi dormir em minha casa. Eu o estava aju-
dando por causa de suas crises na área sexual. No
dia seguinte, também com espanto, ele me disse:
“Eu não sei o que aconteceu, mas é como se alguém
tivesse vindo, durante a noite, e levado todas as mi-
nhas crises embora”. Oh, como eu amo a presença
de Deus!
A hospitalidade e a vida comum ensinam mais
do que imaginamos, transformam mais do que ima-
ginamos. Eu convido você a abrir mão de seu confor-
Jesus, um Pai de família

to, vez ou outra, para experimentar o amor de Deus


fluindo na hospitalidade.

Equilíbrio do tempo
“Alessandro, então você está falando para eu
desapegar, desencanar de vez e deixar minha casa
cheia o tempo todo?”
Ei, exagerado, calma aí. Nem oito nem oitenta.
Você deve abrir sua casa, mas não desequilibrar o
seu lar!
Você precisará conciliar família natural e famí-
lia espiritual, de forma sábia. Casamento, filhos, pro-
fissão, ministério, cada coisa em seu devido lugar de
prioridade e com a dedicação devida de tempo. Sabe
quem consegue fazer isso? O discípulo maduro, meu
amigo. Maturidade é saber decidir o que fazer e
quando fazer, considerando o que é mais importan-
te, mas sem excluir todo o resto.
Falta tempo? Não, o que falta é propósito.

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para


todo propósito debaixo do céu.
Eclesiastes 3.1

Há tempo para todo propósito, então defina


151 propósitos, assim será mais natural repensar a de-
dicação do tempo. Tenha propósitos claros, então
organize o tempo por prioridades. Se você quiser
estabelecer como propósito o viver, de verdade, uma
família espiritual, então organize-se para isso: quais
dias da semana e em que horários você abrirá sua
casa? Quais dias serão só da sua família natural?
Qual o limite entre as responsabilidades ministeriais
e a sua profissão, para que tudo termine bem feito?
É o que Jesus fazia, é simplesmente como Jesus
Minha casa, uma casa de discipulado

andava. Ele viajava muito, mas tinha tempo para pa-


rar e conversar com uma samaritana. Ele se retirava
para orar, mas deixava que uma multidão interrom-
pesse Seu secreto – sem comprometê-lo, já que logo
voltava ao Seu tempo sozinho com o Pai. O Mestre
pregava às multidões, mas reunia os discípulos para
explicar-lhes melhor as mensagens. Acredite: Jesus
tinha tempo até para dormir, mesmo que fosse em
um barco, no meio de uma tempestade. O que é isso?
Conciliar tudo, com sabedoria.
Precisamos entender que não é possível nem
saudável fazer tudo ao mesmo tempo. Há dias com
pendências diferentes, e devemos reconhecê-las. É
muito fácil entrar no modo automático e perder o
controle do tempo, arriscando aquilo que deveria
ser prioridade. Não é brincadeira – aliás, pode ser
fatal para determinadas áreas.
A velha dica de manter uma agenda, física ou
virtual, cabe muito bem. Escreva o que é prioridade
e divida seu tempo, de modo que partes inegociáveis
de nossa vida não sejam deixadas de lado – em espe-
cial, sua família e seu secreto. Inclua também o tra-
balho, a faxina da casa, as férias.
Talvez, antes deste livro, você nem entendia dis-
cipulado como parte da vida diária. Agora, ele tam-
bém deve constar em sua agenda, não todos os dias,
152 mas em muitos. No começo, é natural que pareça en-
gessado, porque você está trazendo para perto pes-
soas que antes viviam a uma certa distância. Com o
tempo, virará hábito. Você até sentirá falta quando a
casa não estiver cheia de discípulos, de discipulado-
res, de amigos, de sua família espiritual.
Com tudo isso estabelecido, ainda se mantenha
flexível, porque sempre haverá imprevistos e urgên-
cias. Se você havia reservado a noite para ter um
tempo só seu, mas percebeu que um discípulo pre-
Jesus, um Pai de família

cisa conversar, chame-o para jantar, assistir um fil-


me, orar juntos – ajuste a planilha, porque você está
a serviço do Rei, e não do Excel.
Seja feliz, leve e, sempre, amigável. Entenda que
sua vida é uma só, por isso organizar tempo e prio-
ridades é um conselho prático. A chave espiritual é:
seja integral. O Alessandro de casa é o mesmo do
Alessandro da igreja que é o mesmo do Alessandro
do trabalho. Assim, não será pesado ou doloroso fo-
car em um ou outro, pois todas as coisas são, na ver-
dade, uma só: Cristo em mim.
O segredo aqui é o tal do equilíbrio. Não viver
só para a família espiritual, esquecendo de casa e da
profissão, mas também não viver só pela sua casa e
por suas ambições profissionais, deixando de lado o
Corpo de Cristo. É possível conciliar tudo, com a aju-
da do nosso amigo, Espírito Santo.
Se posso deixar um conselho com relação ao
equilíbrio do tempo, é este: não viva pela demanda
da terra, mas pelo propósito do céu. Você que é pas-
tor ou líder deve estar pensando agora: “Se deixar,
as ovelhas tomam todo o meu tempo”. E é isso mes-
mo! Uma ligação tarde da noite pedindo ajuda, uma
pessoa encarando um divórcio, outra enferma, um
velório aqui, um nascimento ali. Em grandes igrejas,
o cenário se multiplica.
153 Alguns casos são, de fato, muito sérios. Por
estes, larguemos as 99. Não se sinta, contudo, na
obrigação de atender todos os chamados, resolver
todas as coisas, abraçar o mundo inteiro sozinho.
Trate primeiro aquilo que está ao seu alcance, en-
quanto busca delegar outros casos a líderes ou ami-
gos. Alguém pode ir no seu lugar, e está tudo bem. O
importante é não viver nem fazer nada por temor de
homens. Ame pessoas, mas tema a Deus.
Minha casa, uma casa de discipulado

Por acaso eu procuro, agora, o favor das pessoas ou o


favor de Deus? Ou procuro agradar pessoas? Se ainda
estivesse procurando agradar pessoas, eu não seria
servo de Cristo.
Gálatas 1.10

Com esse versículo no coração, pergunte ao Se-


nhor o que fazer e o que deixar de fazer. Assim como
Jesus não se movia por demandas humanas, mas fa-
zia ou dizia apenas o que primeiro recebia direto do
Pai, que nosso secreto nos empodere para filtrar as
demandas. É impossível atender todos, mas é perfei-
tamente possível aprender a discernir as priorida-
des do céu. É impossível atender todos, mas é divina-
mente possível amar todos.
Partir do pão: não só, mas também
Vida comum, entranhados afetos, cultura da
hospitalidade, equilíbrio do tempo. Não é pouco para
processar, eu sei – mas ainda não acabou. Acredito
que tenha ficado claro que tudo precisa convergir no
relacionamento, no que nós chamamos de “vida na
vida”. Para que nossa casa seja esse lugar discipula-
do, surge a necessidade de abrir não só nossa vida,
154 mas nossa agenda, equilibrando tempo e prioridades.
Embora esse partir do pão, de casa em casa,
seja a regra na família de Jesus, é necessário enten-
der que não só de jantares e convivência vive o ho-
mem espiritual, mas da Palavra de Deus.

Então Jesus disse aos judeus que haviam crido nele:


— Se vocês permanecerem na minha palavra, são ver-
dadeiramente meus discípulos, conhecerão a verdade,
e a verdade os libertará.
Jesus, um Pai de família

João 8.31,32

O discipulado nunca será completo sem o ensino


das Escrituras. Depois de termos colocado o método
no seu devido lugar, agora é possível olhar para ele de
forma saudável. O método não substitui o relaciona-
mento, mas pode ser servo de um bom discipulado.
Existem diversos métodos para o ensino bíblico,
então não me atrevo a fechar as portas. Vou falar de
apenas algumas maneiras, sem nenhuma pretensão
de esgotar um assunto tão amplo e importante.
Uma ideia, por exemplo, é propor ao seu discí-
pulo que vocês estudem, juntos, um livro da Bíblia.
Vocês podem combinar de ler um capítulo por dia
e ter um encontro semanal para conversar sobre o
que foi lido. Algumas perguntas podem ficar pré-es-
tabelecidas, para que as respostas sejam comparti-
lhadas: quem escreveu o livro, qual o contexto histó-
rico, qual o público-alvo, quais princípios eu enxergo
em cada capítulo, como aplicá-los em minha vida.
É tão simples quanto poderoso. Se cada um
leva seu caderninho com as anotações da leitura e
vocês gastam um tempo comparando respostas,
não apenas há um estímulo pelo conhecimento da
Bíblia, mas uma oportunidade de acessar a vida do
discípulo, para ajudá-lo a praticar o que está lendo.
155 E, é claro, o discipulador também sai transformado
dessa experiência – você pode ter lido a Bíblia inteira
97 vezes, mas a fonte da Palavra é inesgotável.
Se você faz discípulos que são apaixonados pela
Palavra de Deus, você está gerando cristãos está-
veis, que permanecerão fiéis ao Senhor no dia mau.
Além disso, o objetivo de gerar Cristo em alguém é
inalcançável sem o Verbo, sem a Palavra em pessoa
– sem contato com a Bíblia, não há pleno conheci-
mento de Jesus e, ainda, há grandes riscos de for-
Minha casa, uma casa de discipulado

mar crentes voláteis, que se deixam levar por quais-


quer ventos de doutrina.
Seja intencional em derramar o que carrega de
ensino das Escrituras. Seja intencional em ser espi-
ritual, e não apenas natural. Como dito antes, disci-
pulado sem Bíblia é só amizade, mas a verdadeira
família compartilha tanto o pão natural quanto o
pão espiritual.
Coloque alimento espiritual em sua mesa, e não
apenas pizza. Não pense em pendurar decorações
na casa antes de ter construído o chão, o funda-
mento. Ofereça bases firmes como a Rocha. Ensine,
como se ensinasse seu filho.
Ninguém me deve nada
Ser discípulo e discipular exigem renúncia. Nem
tudo serão flores, então tome a sua cruz, sem com-
pará-la com a de ninguém – carregue a sua, meu fi-
lho, e siga Jesus. Diariamente, negue a si mesmo. Ao
invés de satisfazer apenas a si próprio, sirva a Deus e
à Noiva, até encontrar a plena satisfação de estar no
centro da vontade dEle. Aliás, não se iluda: enquanto
156 você não morrer, você não desfrutará do sabor da
ressurreição e da vida. Não, não há alegria que se
compare com a que está reservada aos mortos em
Cristo, vivos para Deus.
Por que esse lembrete da vida de cruz bem ago-
ra? Porque tudo o que estou propondo para que você
viva enquanto família de Jesus, enquanto discípulos
e discipuladores, deve desconsiderar recompensa.
Você não vive família espiritual para ser visto. Você
não discipula para ser elogiado por isso. Nada do
Jesus, um Pai de família

que fazemos pelo Corpo pode esperar algo em tro-


ca. Fazemos o que fazemos por Cristo e pelo Corpo,
e não por nós mesmos.
Temos tudo de que precisamos no Filho. Não
há nada, absolutamente nada, que alguém possa
fazer por nós comparável ao que Ele é e ao prazer
de conhecê-Lo.

Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas por


todos nós o entregou, será que não nos dará graciosa-
mente com ele todas as coisas?
Romanos 8.32

Se está faltando satisfação em seu interior,


você precisa ler meu outro livro, amigo, que fala do
nosso principal chamado de conhecer Jesus. O que
você está lendo aqui é uma convocação a quem já
descobriu o sentido de sua própria existência no
relacionamento íntimo com Ele: agora apascente,
cuide das ovelhas, ame a Noiva, viva em uma família
espiritual. Isso também é conhecer Jesus, o Cristo
que foi Pai de muitos discípulos e fundador da Igreja
como uma família.
Quando há prazer e satisfação nEle e em Sua
noiva, não faz sentido cobrar nada de ninguém. Co-
nhecer Jesus e ser Sua família já são a própria re-
157 compensa, ou seja, não precisamos ser premiados
fazendo isso. Não precisamos de reconhecimento
humano por ter uma vida devocional bem estabele-
cida, assim como não temos necessidade de aplau-
sos por sermos discípulos ou discipuladores.

Não fiquem devendo nada a ninguém, exceto o amor


de uns para com os outros. Pois quem ama o próximo
cumpre a lei.
Romanos 13.8
Minha casa, uma casa de discipulado

Nunca, mas nunca mesmo, imponha um peso


de dívida sobre as costas de seus discípulos. A única
dívida que temos uns para com os outros é o amor, e
isso significa que não é nosso papel cobrar pelo que
fazemos – nem elogios, nem palavras de afirmação,
nem resultados, nem honras, nem “obrigados”.
A gratidão geralmente se expressa em ondas.
No momento seguinte a uma demonstração de
agradecimento pode vir silêncio absoluto, sumiço
e até menosprezo. Contudo, se a resposta negativa
ou a falta de resposta de alguém ainda nos move ou
afeta, é bem possível que não estejamos satisfeitos
apenas com o amor do Pai.
Aqueles que se ofendem com a falta de honra
terão problemas quando a glória vier – ficarão or-
gulhosos. Estamos aos pés de Jesus, fascinados por
Seus olhos... não temos tempo para ofensas. A glória
é dEle!
Grave em seu coração a seguinte frase: nin-
guém me deve nada. Com esse coração, vá executar
qualquer serviço em benefício do Corpo de Cristo.
Dessa forma, deixaremos as pessoas livres – elas são
de Jesus, não nossas.
E sabe o que mais? Isso de tira de nossos lom-
bos um fardo enorme. A vida de Igreja se torna bem
158 menos pesada! Só existe frustração porque houve
expectativa. Se sua expectativa está nEle, e não em
homens, seu coração não desmaiará por decepções.
Se um não responde como você esperava, ou ou-
tro faz tudo diferente do que você ensinou, tudo bem.
Se aquele outro que você gastou um tempo enorme
de investimento saiu e ainda saiu falando mal de você,
tudo bem. Nem Jesus teve bom retorno de todos, e eu
não estou falando apenas de Judas, o traidor:
Jesus, um Pai de família

Ao entrar numa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez le-


prosos, que ficaram de longe e gritaram:
— Jesus, Mestre, tenha compaixão de nós!
Ao vê-los, Jesus disse:
— Vão e apresentem-se aos sacerdotes.
Aconteceu que, indo eles, foram purificados. Um dos
dez, vendo que estava curado, voltou dando glória a
Deus em alta voz e prostrou-se com o rosto em terra
aos pés de Jesus, agradecendo-lhe. E este era samari-
tano. Então Jesus perguntou:
— Não eram dez os que foram curados? Onde estão os
nove? Não se achou quem voltasse para dar glória a
Deus, a não ser este estrangeiro?
Lucas 17.12-18

Relacionamentos abusivos podem surgir desse


sentimento de que o outro está em dívida com você
ou lhe deve algo. Abra os olhos! Ninguém com quem
nos relacionamos nos deve nada! O que fizermos a
alguém, façamos por amor, sem esperar nada em
troca. É assim que construiremos conexões saudá-
veis e vínculos firmes.
Pense em como Deus age com você. Ele obriga
que você obedeça? Aos mandamentos inflexíveis,
que nunca serão passíveis de negociação, Ele não
força uma resposta. Pelo contrário, enquanto revela
a verdade e aponta o caminho, Ele espera que você
159 obedeça porque O ama, e não porque se sente obri-
gado ao cumprimento de regras.
Nossos amigos, discípulos ou discipuladores,
têm o direito de fazer escolhas e, às vezes, não fa-
zemos parte delas. Pessoas errarão conosco, mas
ninguém nos deve absolutamente nada. Seja livre de
prisões emocionais e apegado ao Amor perfeito.
Deixe que seus discípulos o amem e amem Je-
sus, então expressem esse amor por meio de res-
postas. Saiba, porém, que se você os prender a dí-
Minha casa, uma casa de discipulado

vidas de honra e gratidão, é muito improvável que


a resposta deles tenha raízes no amor. O resultado
é um edifício construído sobre bases instáveis, que
pode desabar a qualquer instante.
IGREJA MADURA

Porque amo, sirvo


Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser após-
tolo, separado para o evangelho de Deus.
Romanos 1.1

A palavra grega traduzida como “servo” é doulos,


que significa “escravo”. Paulo introduz a carta aos ro-
manos chamando a si mesmo de escravo de Cristo.
Gregos e romanos escravizavam de forma per-
manente e forçosa. Paulo, embora tivesse cidadania
romana, era judeu de nascimento e fora educado
sob costumes hebreus (Fp 3.5). Pela Lei de Moisés,
os escravos tinham o direito de receber liberdade
após sete anos de serviço.

— Se você comprar um escravo hebreu, ele trabalhará


para você durante seis anos; mas no sétimo ano será
livre, de graça. Se chegou solteiro, irá embora sozinho;
se era homem casado, a mulher irá com ele. Se o dono
lhe der uma mulher, e ela der à luz filhos e filhas, a mu-
lher e seus filhos serão do dono do escravo, e ele irá
embora sozinho. Porém, se o escravo expressamente
disser: “Eu amo o meu dono, a minha mulher e os meus
filhos; não quero ser livre”, então o dono do escravo o
levará aos juízes, e o fará chegar à porta ou à ombreira
da porta, e o seu dono furará a orelha dele com um fu-
rador; e ele será seu escravo para sempre.
Êxodo 21.2-6
Inúmeras vezes, Deus lidou com situações
que não necessariamente expressavam Sua von-
tade – poligamia, por exemplo. Quando lemos uma
lei divina sobre escravidão, portanto, é equivocado
interpretar que havia um respaldo do Senhor para
que homens fossem escravizados. Isso é espremer
a Bíblia até pingar uma interpretação forçada.
Como um Deus zeloso, o que Ele estava fazen-
do era ensinar um povo a manter princípios até em
161 situações que só seriam mudadas em gerações pos-
teriores. Para lidar com a escravidão daquele tem-
po, Deus estabeleceu um princípio de misericórdia:
a libertação a cada sete anos. Hoje, é impensável e
abominável escravizar, mas o princípio da misericór-
dia permanece, porque é um atributo divino, é quem
Deus é – misericordioso.
É bom que esse ponto fique claro para que nin-
guém se levante dizendo que Deus é um senhor de
escravos, como os que vemos em dramas cinema-
Igreja madura

tográficos. Por outro lado, também é imprescindível


entender que Ele pagou o preço para nos comprar e
ser nosso Senhor. Então, quando cremos em Jesus
e pedimos que seja não só Salvador, mas Senhor de
nossas vidas, estamos fazendo exatamente a mes-
ma coisa que o servo mencionado em Êxodo: “Eu
amo o meu dono, não quero ser livre”. Nós nos tor-
namos escravos por amor, e Ele passa a ser, de fato,
nosso dono.
Quando Paulo se autodenomina escravo, está
reconhecendo esse senhorio de Cristo sobre sua
vida. É como se dissesse: “Antes, eu era escravo do
mau e do pecado. Hoje, continuo escravo, porém
quem me comprou foi o Filho de Deus. Meu dono é
o meu Amor, meu Redentor, meu Jesus”. É uma de-
claração de submissão total, porém não imposta – a
escravidão é uma escolha de amor, como a escolha
do escravo hebreu que amava seu amo.
É interessante que Paulo ressalta o fato de ser
escravo de Jesus exatamente antes de falar de sua
vocação ao apostolado, de sua separação para o
evangelho de Deus. Ele estava ligando sua submis-
são a Deus, como escravo, ao serviço que fazia pela
expansão da Igreja.

162 Porque eu sou o menor dos apóstolos, e nem mesmo


sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a
igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou.
E a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã.
Pelo contrário, trabalhei muito mais do que todos eles;
todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo.
1Coríntios 15.9,10

E agora cheguei ao ponto: é assim que se iden-


tifica o maduro na fé, pelo alto nível de renúncia e
servidão não apenas a Deus, mas à Igreja. Criança
Jesus, um Pai de família

só faz o que quer, maduro renuncia seus direitos por


amor aos outros – é isso mesmo, aos outros, e não
somente ao Senhor. Imaturos se ofendem com o
convite da cruz, maduros se entregam à morte tanto
por Jesus quanto pelo povo de Jesus. Se uma pessoa
demonstra agonia ao ouvir falar de preço, esforço,
renúncia e cruz, não a coloque para liderar pessoas
na família espiritual – é uma criança na fé.

Como está escrito: “Por amor de ti, somos entregues à


morte continuamente; fomos considerados como ove-
lhas para o matadouro.” Em todas estas coisas, porém,
somos mais que vencedores, por meio daquele que
nos amou.
Romanos 8.36,37
O amor a Deus se expressa pelo amor ao Seu
povo. Esse padrão é bíblico e está presente em di-
versos textos, mas um, em especial, faz crescerem
espinhos instantaneamente na cadeira de quem o lê:

Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odiar o seu irmão,


esse é mentiroso. Pois quem não ama o seu irmão, a
quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. E o
mandamento que dele temos é este: quem ama a Deus,
que ame também o seu irmão.
163
1João 4.20,21

Reservo-me o direito de nem explicar esses ver-


sículos, de tão explícitos que são. Apenas vou direto
ao ponto: não existe amor verdadeiro a Deus sem
amor à Igreja e aos irmãos. Sim, somos escravos de
Cristo, mas também escravos do Corpo dEle, que é a
Igreja. Paulo, escravo de Cristo, mas também após-
tolo da Igreja de Jesus.
Igreja madura

O apóstolo entendia tão bem essa verdade, que


é impossível falar sobre ser servo – portanto, escra-
vo – da Igreja sem mencionar seus escritos. Aqui vai
mais um:

Estou cercado pelos dois lados, tendo o desejo de partir


e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor.
Mas, por causa de vocês, é mais necessário que eu con-
tinue a viver.
Filipenses 1.23,24

Diferente daquela primeira reação de Pedro,


que abandonou seus irmãos em nome de ir ver o que
aconteceria com Jesus, Paulo amava tanto a Igreja
que entendeu a necessidade de continuar na terra,
vivo, podendo arregaçar as mangas e trabalhar pelo
Corpo, mesmo sendo incomparavelmente melhor
estar com Jesus. Meu Deus, isso é forte demais! Pau-
lo, por alguns minutos, colocou na balança seu amor
a Jesus e o amor à Igreja.
É mais ou menos assim: porque amo meu dono,
escolho ser seu escravo e servi-lo; da mesma forma,
porque amo a família do meu dono, escolho ser es-
cravo dela e servi-la.
Vamos a mais um pouco de Paulo, pode ser?

Pois não me envergonho do evangelho, porque é o po-


164 der de Deus para a salvação de todo aquele que crê, pri-
meiro do judeu e também do grego.
Romanos 1.16

Talvez você esteja perguntando como servir a


Igreja, como trabalhar por ela, tendo em vista quem
você é e o “pouco” que pode oferecer. Trago uma boa
notícia: não é nada sobre você. O meio pelo qual você
e eu servimos aos homens é o evangelho. Não há o
que inventar ou relativizar, porque o evangelho é su-
Jesus, um Pai de família

ficiente. Não precisamos mexer nele para torná-lo


mais agradável ou mais impactante. Ele é exatamen-
te o que é. A nós, cabe apenas anunciá-lo.
Note que o apóstolo não afirmou que o evange-
lho possui poder, mas que é o próprio poder. Nós po-
demos nos atualizar, utilizar ferramentas e estraté-
gias diferentes, mas nunca tentar salvar e abençoar
por outros meios que não o puro evangelho de Deus.
Não foram os apóstolos que criaram esse evan-
gelho – eles apenas o receberam. O que pregavam e
que nós devemos continuar pregando foi concebido
na eternidade. Você ainda lembra do começo deste
livro, quando citamos o “evangelho eterno” (Ap 14.6)?
Esse evangelho é plenamente suficiente e capaz.
E, é claro, a pergunta que não cala: como servir
a Igreja e o mundo com o evangelho? Conhecendo-o,
tanto no relacionamento pessoal com Jesus quanto
com Sua palavra. O verdadeiro cristão, que escolhe
ser escravo de Cristo e da Igreja, é profundamente
comprometido com as Escrituras.
Essa soma, de um coração escravo com com-
prometimento bíblico, é o fundamento para servir
com excelência a família espiritual. Com uma dosa-
gem altíssima de morte, o servo não se dói nem se
custa quando trabalha por pessoas. Sustentado so-
bre os firmes alicerces da verdade, esse servo tam-
165 bém não se abala em dias maus – ou diante de más
doutrinas e ensinos absurdos que assediam cons-
tantemente a Noiva.
Escravos de Deus, da Igreja e do evangelho: esse
é o padrão. Não apenas devemos ter pessoas assim
em nossas comunidades, mas devemos nos tornar
essas pessoas. Muitos têm ganhado voz por serem
bons comunicadores. Não! Precisamos aprender a
ouvir quem ouve a Deus! A Igreja precisa ouvir quem
deu a vida pela causa. Que Deus nos livre de comu-
Igreja madura

nicar o evangelho sem ter nossas mãos envolvidas


com Sua obra.
Quando o culto de domingo acaba, os ouvintes
voltam à rotina e podem viver suas vidas como bem
desejam – menos o pastor que pregou a mensagem.
Ele se expôs, se fez vulnerável. A mensagem que ele
pregou agora o pregará. São esses homens e mulhe-
res que devemos ouvir.
Em um mundo movido pela internet, todos de-
fendem uma opinião. A verdade é que não precisa-
mos de tanta opinião, o que necessitamos é de mais
escravos por amor, homens e mulheres que dão
suas vidas à causa chamada Igreja. Eu quero ser
um desses!
Pastores, deem voz a esses escravos. Discípu-
los, ouçam a voz desses não apenas conhecedores,
mas praticantes da Palavra. Esse é o caminho para o
estabelecimento de uma Igreja madura.

Até ser desnecessário


Você deve ter percebido que o assunto culmi-
nou, quase que sem querer, em liderança. No en-
tanto, não deixe que esse título pesque dentro de
166 você conceitos ou experiências ruins, porque não
estamos falando dos líderes que você teve, mas de
discípulos que, conforme se tornam parecidos com
Cristo, acabam liderando com a própria vida. Pelo
testemunho, ensinam com autoridade.
Na verdade, todo bom discípulo, em diferentes
proporções e até mesmo sem ganhar título algum
em sua igreja, acaba liderando o mundo. É o prin-
cípio divino de governo, que se manifesta no lar, no
trabalho e, também, na Igreja. Então vamos seguir
Jesus, um Pai de família

abordando características de um bom líder, porque


elas não estão ligadas ao cargo ou à função, mas à
vocação universal de fazer discípulos – o “Ide” de Je-
sus é para todos.

E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para


profetas, outros para evangelistas e outros para pas-
tores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos
santos para o desempenho do seu serviço, para a edi-
ficação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos
à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de
Deus, ao estado de pessoa madura, à medida da esta-
tura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos
como crianças, arrastados pelas ondas e levados de
um lado para outro por qualquer vento de doutrina,
pela artimanha das pessoas, pela astúcia com que in-
duzem ao erro.
Efésios 4.11-14
Em primeiro lugar, nenhum ministério serve o
ministro, mas sim a Igreja. Você não é pastor para
embelezar seu LinkedIn, mas para a edificação do
corpo de Cristo. Quem trabalha pela Igreja com o
objetivo de formar currículo está trabalhando erra-
do. E é bem possível que se frustre quando chegar a
hora de mudar de cargo ou função ministerial.
Hoje, Deus pode colocar você para liderar uma
igreja, mas amanhã pedir que entregue tudo. E aí? E
167 se Jesus pedir que eu largue o violão? E se chegar a
hora de você passar às mãos de outra pessoa o pro-
jeto que você levantou com muito suor?
Duas coisas precisam estar bem resolvidas
dentro de nós. A primeira é que ministérios pos-
suem prazo de validade: então não devemos traba-
lhar para eternizá-los – o novo de Deus pode chegar
a qualquer momento. A segunda é o tipo de constru-
ção que levantamos enquanto líderes: ela se susten-
ta sem nós?
Igreja madura

Preste muita atenção: no verso acima, vemos os


cinco ministérios sendo ensinados por Paulo, tendo
eles cinco um prazo de validade, “até que cheguemos
à maturidade”. Não trabalhe para seu ministério du-
rar para sempre, mas faça justamente o contrário:
trabalhe para tornar-se desnecessário. Trabalhe
para amadurecer os que estão ao seu redor.
O imaturo não consegue sair de cena, mas o
maduro trabalha para ser desnecessário. É assim
que devemos liderar, dando tudo de nós hoje, ao
mesmo tempo que preparamos tudo para quando
nós não estivermos mais no cenário.
Ache alguém e dê tudo a ele, sem esperar nada
em troca. Ajude essa pessoa a amadurecer, faça
dela um discípulo maduro, depois continue – con-
tinue você mesmo a perseguir o caráter de Cristo.
Ache, então, outro irmão e dê tudo a ele. Conforme
você dá tudo, você também garante que sempre re-
ceberá, do Senhor, algo novo e fresco.
Essa é uma estratégia de discipulado maduro.
O líder imaturo gera dependentes, porque é carente.
Já o maduro gera discípulos independentes e, como
ele, também maduros. Assim, o discípulo gerado é,
na verdade, um novo líder, que pode facilmente subs-
tituir seu discipulador e discipular outros.
Quando há intencionalidade da parte do líder no
168 sentido de não se perpetuar no atual cargo, a expan-
são acontece livremente, porque há um desapego
aos títulos. O importante é não apenas ser maduro,
mas gerar maduros, assim a Igreja se torna uma fa-
mília de reis e sacerdotes. Não só pastores e líderes
governam, mas todos, mesmo os que exercem go-
verno sem título de liderança. Assim vive uma Igreja
madura, na qual se trabalha “até que todos chegue-
mos”, e não só para que o pastor ou o ministro de
adoração cheguem.
Jesus, um Pai de família

Maduros são os mortos


A maturidade deixa rastros. Quando os identi-
ficamos, podemos cravar: um maduro passou por
ali. Sobre alguns desses rastros, nós já falamos
bastante: habilidade de não se ofender, nunca fu-
gir dos processos, ser disposto à cruz, mostrar-se
manso, humilde e generoso. Em 1 Timóteo, há uma
lista interessante:

Fiel é a palavra: se alguém deseja o episcopado, exce-


lente obra almeja. É necessário, pois, que o bispo seja
irrepreensível, esposo de uma só mulher, moderado,
sensato, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar; não
dado ao vinho, nem violento, porém cordial, inimigo
de conflitos, não avarento; e que governe bem a pró-
pria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o
respeito. Pois, se alguém não sabe governar a própria
casa, como cuidará da igreja de Deus? Que o bispo
não seja recém-convertido, para não acontecer que
fique cheio de orgulho e incorra na condenação do
diabo. É necessário, também, que ele tenha bom tes-
temunho dos de fora, a fim de não cair na desonra e
no laço do diabo.
1Timóteo 3.1-7

169 Essas qualificações necessárias para avali-


zar um líder são nada mais que demonstrações
de maturidade. A cada dia, tenho mais certeza de
que, para crescer em maturidade, não há atalhos:
é preciso morrer.

Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim


de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo; logo,
já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. E esse
viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de
Deus, que me amou e se entregou por mim.
Igreja madura

Gálatas 2.19,20

O lema da maturidade poderia ser este: “já não


sou eu quem vive”. Essa é a mentalidade do escravo.
Meus amigos líderes, nós não somos senhores! Nós
não fomos chamados a comandar igrejas, mas a ser-
vi‑las com nossas vidas, custe o que custar – mesmo
que custe tudo!
O imaturo vive para si mesmo, para satisfazer‑se,
incapaz de dizer não a qualquer de seus desejos. O
maduro é morto, então consegue pensar e considerar
o outro superior.
Algo me assusta atualmente: sem perceber,
temos usado nossas igrejas locais para alavancar
talentos pessoais, quando deveríamos fazer o con-
trário, nossos talentos pessoais à serviço de nossas
comunidades. Uma banda começa ministrando em
sua igreja local, mas esperando conseguir agendas –
quando menos se espera, tais músicos não aparecem
mais na igreja. Errado! Que Deus reposicione nossos
corações! O maduro está morto para suas vontades.
Não confunda essa postura com mediocrida-
de, porque há uma vida, para os mortos em Jesus,
que é abundante. A diferença é que quem se coloca
na cruz diariamente dá vantagem ao outro ao invés
de exigir seus direitos – então as bênçãos o perse-
170 guem, ao invés de serem perseguidas por ele. Não
fazemos nada por recompensas, ninguém nos deve
nada. Tudo que recebemos é a mais pura definição
de graça.
Quanto mais cedo entendemos que nossas vi-
das não são nossas, assim como os nossos discípu-
los não nos pertencem, mais cedo chegamos à ver-
dadeira maturidade. Líderes maduros lideram com
autoridade não porque possuem um diploma em
uma escola de liderança, mas porque foram aprova-
Jesus, um Pai de família

dos nos testes de caráter de Deus, nas provas que fo-


ram aplicadas na vida, no exercício de morte diária.
Não há maior respaldo à liderança que uma ma-
turidade alcançada em Deus, por meio de uma vida
de cruz. Fomos chamados a provar de toda a glória
e todas as conquistas de Cristo, mas primeiramente
somos convidados à Sua cruz.
Eu poderia terminar este tópico com um para-
doxo bíblico: morramos todos, para então viver. É
uma ótima frase de efeito, além de ser carregada da
verdade do evangelho. Porém, para nosso atual con-
texto, faz-se necessário afunilar: morramos todos,
para então liderar.
Agora sim, vamos subir o último degrau.
Quem Deus envia
Enfim, chegamos. Minha esperança é que você
tenha sido marcado até aqui e continue um pouco
mais, nos parágrafos a seguir. Que você seja radi-
calmente incendiado por estas palavras. Que o Se-
nhor visite você e abra seus olhos para que contem-
plem Suas promessas insondáveis!
Na virada do ano de 2019 para 2020, o Senhor
171 me visitou e disse: “Ensine sobre estas três palavras:
discipulado, maturidade e envio”. Desde lá, tenho
sido sacudido e revirado por elas. A princípio, podem
parecer simples, porém carregam muito poder. No
processo deste livro, gastamos muito tempo falando
de discipulado e de maturidade, então reservei o fim
para tratar de envio.
É evidente que existe uma expectativa da cria-
ção, que anseia pela manifestação dos filhos de
Deus. Tal expectativa será plenamente satisfeita
Igreja madura

com o aparecimento glorioso de Jesus Cristo, mas


já começa a receber cumprimento a partir de nosso
posicionamento enquanto membros de Sua família.
As Escrituras mostram um desejo intenso do pró-
prio Deus de usar Seus filhos para a restauração de
todas as coisas; porém, a pergunta que devemos fa-
zer é: quem Deus usa? Quem Deus envia?

A ardente expectativa da criação aguarda a revelação


dos filhos de Deus.
Romanos 8.19

Os filhos ansiados pela criação são descitos


com a palavra grega huios. Seu principal sentido é
de “filhos maduros”, que são iguais ao Pai. A criação,
portanto, não clama por qualquer filho, mas pela ma-
nifestação dos filhos maduros de Deus. Não os filhos
mesquinhos, não os filhos sedentos por títulos. Não!
Os ansiados são os filhos que experimentam em seu
próprio corpo as marcas do evangelho e o poder da
ressurreição, filhos que carregam em si o poder de
uma vida reta, à imagem e à semelhança de Jesus.

No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado


sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas ves-
tes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele.
Cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com
172 duas cobria os pés e com duas voava. E clamavam uns
para os outros, dizendo:
“Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a
terra está cheia da sua glória.”
Os umbrais das portas se moveram com a voz do que
clamava, e o templo se encheu de fumaça. Então eu dis-
se:
— Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de
lábios impuros, e habito no meio de um povo de lábios
impuros; e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos
Exércitos!
Jesus, um Pai de família

Então um dos serafins voou para mim, trazendo na mão


uma brasa viva, que havia tirado do altar com uma pin-
ça. Com a brasa tocou a minha boca e disse:
— Eis que esta brasa tocou os seus lábios. A sua iniqui-
dade foi tirada, e o seu pecado, perdoado.
Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia:
— A quem enviarei, e quem há de ir por nós?
Eu respondi:
— Eis-me aqui, envia-me a mim.
Então ele disse:
— Vá e diga a este povo: “Ouçam; ouçam, mas sem en-
tender. Vejam; vejam, mas sem perceber.”
Isaías 6.1-9

Como eu amo esse texto! Amo o fato de Isaías ter


visto o Senhor, amo o fato de Isaías entender que os
anjos não apenas cantavam a Deus que Ele é Santo,
mas cantavam tal verdade uns aos outros. Sim, uns
aos outros! Assim como nós desfrutamos da gloriosa
santidade de Deus mediante a comunhão, assim tam-
bém é no céu. Amo ainda o fato de Isaías ver a terra
cheia da glória do Senhor. Meu Deus, que dia!
A pergunta que deveria atravessar o peito de
qualquer cristão sério é: “A quem enviarei?”. Que-
ridos irmãos, Deus sempre teve seguidores, sem-
pre teve um povo, sempre teve canções e sempre
173 foi adorado. Por que, então, Ele pergunta “A quem
enviarei?”? Para mim, fica óbvio que o Senhor não
envia todos.
Em uma reação parecida com a de Pedro quan-
do viu Jesus ressuscitado, Isaías diz: “Eu! Envia-me a
mim!”. Eu teria respondido a mesma coisa. Mas, não
é só isso, é necessário haver uma identificação com
a etapa anterior à pergunda sobre o envio – antes de
colocar-se à disposição, Isaías reconheceu sua inca-
pacidade, sua impureza: “Ai de mim! Estou perdido!
Igreja madura

Porque sou homem de lábios impuros, e habito no


meio de um povo de lábios impuros; e os meus olhos
viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!”.
Amigos, somos incapazes não apenas porque
pecamos, mas porque nos falta capacidade para
fazer a obra de Deus. O imaturo tentará fazer pela
força do braço, mas o maduro clamará pela graça
divina! Ai de mim! Ai de mim! O chocante é perceber
que Deus não negou a incapacidade de Isaías, ape-
nas respondeu com fogo.
Ei, por favor, fique comigo agora. Esteja aqui
com 100% de você, então leia isto: Deus não tem a
intenção de enviar meninos. Avivamento não é para
crianças. Deus envia quem foi lavado pelo fogo, for-
jado e amadurecido por processos. Você entende
isso? Deus conta com os maduros! E maduros não
são aqueles que sabem tudo, mas são os que con-
fiam acima de tudo, não se ofendem nunca e per-
doam rápido.
Há, sim, muita gente autoenviada, sem raízes
profundas no evangelho nem vida no Corpo. Estes
geralmente reclamam da própria Igreja, protestam
o protestantismo. Não digo que não haja resultados
entre tais cristãos infantis, porém não há fogo sobre
eles nem sobre o que estão construindo. O mundo
não espera nem é transformado por eles. O envio
174 respaldado pelo céu vem a quem primeiro queimou
e, depois, viveu em chamas pelo Noivo e pela Noiva.
Quer ser enviado? Queime por Jesus e deixe-se
queimar em discipulado e vida na família espiritual.
Eu sonho que essa maturidade esteja não apenas
nos líderes, mas em todos os critãos que são forma-
dos por eles, então teremos uma Igreja de maduros!
O desejo profundo do meu coração é que, se
você chegou até aqui, já esteja apaixonado pela Igre-
ja como eu decidi estar. A Igreja, os filhos, os herdei-
Jesus, um Pai de família

ros do legado de Jesus, os filhos huios: a estes, Cristo


deseja enviar por toda a terra! Vamos? Vamos?

CRISTO, NOSSO SENHOR, no evangelho de S. Ma-


teus, ao ouvir a confissão de Simão Pedro, que, antes
de todos os outros, abertamente O reconheceu como
sendo o Filho de Deus, e pelo fato de perceber a mão
secreta de Seu Pai, chamou-o (numa alusão ao nome
dele) de pedra, sobre a qual Ele construiria a Sua Igreja
tão forte que as portas do inferno não prevaleceriam
contra ela. Nessas palavras há três pontos dignos de
nota: primeiro, que Cristo teria uma Igreja neste mun-
do. Segundo, que essa Igreja seria fortemente comba-
tida, não apenas pelo mundo, mas também pelas forças
e poderes supremos de todo o inferno. E, terceiro, que
essa Igreja, apesar de todo o esforço do demônio e de
toda a sua malícia, continuaria.
John Foxe, em “O livro dos Mártires”
Essa é a Igreja de Jesus, formada por Seus fi-
lhos maduros, discípulos da cruz, dispostos a mor-
rer e perseverar até o fim, sabendo que a Igreja
não terá fim, mas continuará por toda a eternidade!
Isso me incendeia, meu amigo, põe meu coração
em chamas...
Vamos lá! Esta é a hora de sermos uma família
de pessoas impossíveis de ferir, imparáveis, madu-
ras e parecidas com Cristo. Ele enviará essa família
175 madura nestes dias, os dias do fim. Nós saíremos por
todas as nações a preparar o terreno para a segun-
da vinda de Jesus. Em breve, Ele virá, e nós estamos
pavimentando Seu caminho com corações madu-
ros, incendiados, tratados e cheios de amor pelo que
Ele ama!
Seja lá onde você estiver agora, oro para que,
destas palavras, flua uma transferência de encargo
e convicção. Que sua vida nunca mais seja a mesma.
Que seu coração seja expandido e transferido a um
Igreja madura

novo nível de amor a Deus e aos irmãos.


Com toda certeza, não haveria outro jeito de
terminar este livro – precisamos orar juntos:

Meu amigo Jesus, aqui estamos, depois de


tantas páginas de meditação, diante da Santíssi-
ma Trindade. Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito
Santo, por favor, façam esta mensagem encarnar
em nós. Façam correr em nossas veias as Suas ver-
dades. Atravessem-nos com a Sua mensagem. Pai,
ensine-nos a amar!
Oh, Deus! Não queremos mais viver nossas
próprias vidas! Espírito Santo, ensine-nos as coisas
ocultas em Deus e leve-nos aonde ninguém foi. Deus,
amadureça Seu povo e, então, envie-nos por toda
terra, por todas as cidades, para nossas famílias.
Você é digno de cada centímetro, cada metro, cada
quilômetro deste planeta!
Que, de maneira sobrenatural, meus irmãos,
após lerem este livro, não deixem de ser tocados e
até incomodados por Sua presença, por Sua unção.
Nós te amamos! Obrigado, Senhor. Seu é o rei-
no, o poder e a glória, para sempre. Amém!

176
Jesus, um Pai de família

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