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HISTÓRIA
12/06/2017
Como o modelo de colonização lançou as bases para a difusão da corrupção, que seguiu encontrando
terreno fértil para se manter na esfera pública, alimentada pela falta de punição e pela manutenção de
elites no poder.
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A cordialidade da elite do município de Curuzu enganou Policarpo Quaresma. No início, o personagem central da
obra de Lima Barreto chegou a pensar que a intimação assinada pelo simpático presidente da Câmara era apenas
uma brincadeira. Mas o documento era uma vingança. Ao se recusar a entrar no jogo da corrupção local,
Policarpo se tornou alvo de represálias.
No romance de 1911, a corrupção na esfera pública não surge como fenômeno novo, mas aparece como mal
característico da sociedade, o qual a República não demonstra interesse em suprir. As represálias sofridas por
Policarpo escancaram o uso do patrimônio público para interesses privados.
Tolerada pela Corte e ignorada pela Justiça, a corrupção encontrou, desta maneira, em solo brasileiro, condições
propícias para sobreviver e se difundir na cultura do novo país durante a sua formação.
Sem uma ruptura real com as práticas patrimonialistas e clientelistas, depois das duas primeiras grandes
mudanças no sistema político – a independência e a proclamação da República – a corrupção continuou
ganhando terreno em instituições públicas e no cotidiano brasileiro.
"Desde a colônia, temos um Estado que nasce por concessão, no qual a instituição pública é usada em benefício
próprio. A corrupção persiste no Brasil devido a essa estrutura de colonização", diz a historiadora Denise Moura.
Plantando a semente
Diante da dificuldade de encontrar súditos dispostos a deixar o conforto da Corte em troca de aventuras no
território selvagem recém-descoberto, a concessão de cargos foi o mecanismo usado por Portugal para garantir
seu domínio e explorar as riquezas da nova colônia.
Para os que aceitavam vir ao Brasil, esses cargos trariam não somente prestígio social, mas, principalmente,
vantagens financeiras. Durante o período colonial, o pagamento de propinas a governantes e funcionários reais
era uma prática tolerada e até regulamentada por lei.
A colonização com as concessões institucionalizou na sociedade a percepção do bem público como privado. Ao
ganhar um cargo público do rei, os beneficiários tornavam-se donos destes postos e, com o aval da Corte, os
utilizavam para o favorecimento próprio, além de amigos e familiares.
Essas práticas foram se difundido por todo o país durante os mais de três séculos do período colonial e, com a
manutenção da mesma elite no poder depois da independência do país, em 1822, elas continuaram a encontrar
um terreno fértil para prosperar.
"A diferença em relação ao Antigo Regime era que a Coroa não concedia mais mercês que implicavam em gastos
de dinheiro público. Ela usava apenas a moeda simbólica dos títulos de nobreza para premiar as pessoas. Mas as
práticas clientelistas, ou seja, o favorecimento dos amigos à margem da lei, eram vistas pelos chefes políticos
como indispensáveis para manter e conquistar apoio político", afirma o historiador José Murilo de Carvalho.
Pouco mudou neste cenário 67 anos depois da independência, em outro grande momento da histórica política do
Brasil: a proclamação da República, em 1889. De acordo com Carvalho, o patrimonialismo e o clientelismo,
embora entrassem em conflito como os valores republicanos, continuaram presentes no novo sistema.
"Os valores republicanos, sobretudo a valorização da coisa pública e sua distinção da coisa privada, até hoje não
foram totalmente absorvidos no Brasil por ricos ou pobres. A proclamação da República implicou mudança na
forma de governo, não nos valores", ressalta o historiador.
Fontes históricas sugerem, por exemplo, a continuidade da prática de pagamentos de propina, como no caso de
concessões para construção de ferrovias durante a Primeira República.
Apesar da propagação de determinadas práticas, ocorreu ao longo da história uma mudança na maneira como
essas ações eram vistas pela sociedade. Um exemplo seria o pagamento de propina: que foi tolerado no período
colonial e que, mais tarde, passou a ser considerado corrupção. Há também uma transformação na percepção da
própria corrupção em si.
De acordo com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, a partir da década de 1880, o Império passa pela primeira vez
a ser acusado por prática de corrupção, com casos sendo noticiados na imprensa. As acusações dizem respeito,
porém, ao sistema – e não ao indivíduo.
A percepção da corrupção associada ao sistema predominou durante o Império e a Primeira República. Segundo
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Carvalho, nesta época, na visão de quem denunciava a prática, a monarquia ou a república eram corruptas por
não promoverem o bem público e serem consideradas despóticas e oligárquicas.
Somente a partir de 1930 começa uma mudança neste entendimento, que culmina na alteração do seu sentido,
em 1945, com a criação da União Democrática Nacional (UDN), que passou a associar a corrupção a indivíduos.
Anos depois, acusações de corrupção individual resultaram na queda de Getúlio Vargas, acusado de ter criado um
mar de lama no Catete.
Mesmo com a mudança de percepção, com indivíduos sendo acusados nominalmente, a corrupção continuou
encontrando terreno para se manter presente na esfera pública. Essa persistência, de acordo com especialistas, se
deve principalmente à impunidade.
"Outro fator que contribuiu para a situação atual, inédita no que se refere à dimensão adquirida pela corrupção,
foi a tradição de impunidade dos poderosos, essa sim, presente desde a Independência, e que atribuo à
fragilidade dos direitos civis. Vários privilégios protegem os poderosos, como o foro privilegiado, a prisão especial,
as múltiplas possibilidade de recurso e a capacidade de contratar advogados caros", afirma Carvalho.
Segundo Moura, a impunidade, assim como a corrupção, também faz parte da cultura brasileira e impediu o
combate a essas práticas ao longo da história. A historiadora afirma que estão ocorrendo avanços nos últimos
anos, mas uma verdadeira mudança ainda deve demorar para acontecer.
"A sociedade avançou muito no sentido de punir, mas não dá para varrer em poucos anos uma cultura. Não
devemos esperar que a corrupção, no caso brasileiro, será suprimida da noite para o dia. Para mudar uma
mentalidade são necessários séculos", ressalta Moura.
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