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Disciplina: Ciência Política 2019.

Professor: Valdemar Araújo


Aluno: Arlison Souza

SURGIMENTO, TRANSFORMAÇÕES E PRINCIPAIS PROBLEMAS DA


DEMOCRACIA MODERNA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

É interessante observar a obviedade com que as pessoas encaram a democracia 1.


Aliás, esse deve ser um problema expresso em qualquer que seja o regime político; apenas
uma minoria se interessa em entender as transformações experimentadas pelo sistema
democrático para que ele pudesse ser o que é hoje (dadas as especificidades geográficas e
demográficas), assim como a relação intrínseca que tem com o capitalismo liberal. Ao meu
ver, é esse afastamento/ignorância que de vez em quando acaba por abalar as estruturas do
sistema; a partir do momento que a maioria não entende por completo seu significado e suas
bases, ideias tóxicas e autoritárias, por vezes disseminadas com (falsa) legitimidade
democrática, acham solo fértil.
Um bom exemplo seria a percepção atemporal de que a democracia se resume a
supremacia da maioria sobre a minoria. É bem verdade que assim o era na Grécia Antiga, sua
caracterização direta (autogoverno), onde a polis e o próprio sistema se confundiam,
possibilitaram isso aos gregos. Entretanto, foi também um dos fatores determinantes à queda
de sua civilização. Decisões coletivizadas equivocadas tomadas às pressas, baseadas em
ondas ou ruídos de contexto eram comuns, como diz o Sartori (1994) nesse trecho:

“[...](a democracia grega) consistia essencialmente em ‘voz’; não permitia nem


mesmo concebia ‘saída’; e carecia desastrosamente de filtros e válvulas de segurança.
Em particular o sistema grego não conseguia distinguir ruídos triviais de sinais

1
Na introdução do “Como as Democracias Morrem” (Levitsky e Ziblatt, 2017), os autores chegam a
abordar rapidamente sobre o tema (numa perspectiva geral), mas uma explanação (na perspectiva
acadêmica) mais assertiva está presente no “Uma Teoria Política Comparada” (Powell e Allmond,
1974), também na introdução. Nela, os cientistas falam sobre como o Iluminismo (séc. XVIII)
influenciou a Ciência Política reduzindo-a “...a investigação e exposição da natureza da democracia e
de seus aspectos institucionais e éticos…”, como se o progresso democrático fosse inevitável. Essa
percepção, na academia, muda apenas depois da II Guerra Mundial.
importantes, caprichos do momento e de necessidade de longo prazo.[...]” Sartori
(1994)

Um estado2 que não consegue manter o mínimo de sentido decisório ao longo do


tempo dificilmente será íntimo do progresso. Os gregos não conseguiram de fato achar um
ótimo (ou se aproximar dele) entre os riscos externos e os custos internos decisórios. A
democracia indireta é então uma evolução 3 da democracia de polis; toda complexidade que o
homem vai cultivando historicamente, de cunho econômico, social e cultural resulta na nova
formatação do sistema4.
A profissionalização da política nas democracias indiretas casa perfeitamente com o
modo capitalista de produção, que tem como uma de suas bases exatamente a divisão e a
especialização social do trabalho. Na Grécia, quanto mais participativos os cidadãos se
tornavam, menos tempo tinham para ofícios realmente produtivos, Sartori (1994) resume
bem: “[...] quanto mais perfeita se tornava sua democracia, tanto mais pobres ficavam os
cidadãos. [...]” . Criou-se então o ambiente perfeito para uma disputa de classe autodestrutiva
direcionando o que foi uma a grande civilização à decadência.
Social e culturalmente é interessante notar como se dava a relação dos cidadãos para
com a polis, e como isso afetava a relação que tinham com a percepção de “liberdade”; outro
termo a ser interpretado em seu devido contexto histórico. Bom, já que de fato as minorias se
curvavam as maiorias, não dá para falar de liberdades individuais na democracia de polis.
Sartori (1994) cita o caso de Éfeso sendo expulso por ser “melhor que os outros”, mas
poderíamos também citar, se darmos ele como uma figura histórica real e não uma divagação
platônica, a própria sentença de morte de do Sócrates, morto por falar aos atenienses sobre
novos deuses (conceitos filosóficos). Fica até difícil de imaginar, dada a diversidade de
culturas e subculturas que temos no mundo ocidental moderno esse tipo de coisa dando certo.
Uma boa passagem sobre o assunto seria
2
Sartori as chamam de “cidades-comunidades”, “cidade-Estado” seria impreciso justamente pela
relação simbiótica que tinha o sistema democrático grego e a polis. De fato, quando falamos de
“Estado”, este desenvolve, com o tempo, independência em relação à “sociedade politicamente
organizada”, sendo então anterior ela, diz o autor. Não me pareceu um ponto pacífico na literatura das
ciências políticas, no entanto; Powell Jr. e Almond, em “Uma Teoria de Política Comparada”, ao
descrever infraestruturas políticas diferenciadas, colocam as cidades gregas na categoria de “cidades-
Estados secularizadas”, ou seja, “cidade independentes que possuem estruturas sociais relativamente
complexas”.
3
Evolução no sentido qualitativo mesmo (com os valores atuais de bom/ruim), e não no sentido de
progressão histórica, até porque têm-se mais de vinte séculos de hiato entre uma democracia e outra;
boa parte desse período a percepção que se tinha sobre o sistema não era das melhores exatamente
pelo fracasso estrondoso que foi a experiência grega.
4
Powell Jr. e Almond chama esse processo de “secularização”.
:
“Acima de tudo, as democracias modernas estão relacionadas
e condicionadas pela constatação de que a dissensão, a diversidade e as
"partes" (as partes que se transformaram em partidos) não são
incompatíveis com a ordem social e o bem-estar do organismo político. ”Sartori
(1994)

A liberdade grega então está relacionada ao homem poder agir e atuar politicamente, e
não necessariamente de expressar-se individualmente. É sintomático, por exemplo, que
“‘homem’ e ‘cidadão’ significassem exatamente a mesma coisa”. Justiça seja feita, a
percepção do homem como indivíduo só muda mesmo no século XIX, num processo balizado
pelo cristianismo e desenvolvido na Renascença. Hoje, sob a égide dos valores sustentados
pela Democracia Liberal, atitudes que atentem contra a pessoa humana não são toleráveis.
É com a Reforma que a diversidade começa de fato a ser absorvida pelas sociedades,
começando então a construir os sistemas democráticos modernos. Os esforços dos puritanos
por influência política e social, alinhados com a expansão do capital (onde eles já tinham
certo poderio), ajuda meio que sem querer nessa construção. Inseridos na sociedade em
oposição ao catolicismo, a diversidade passa aos poucos a ser vista não mais de forma
negativa. O processo (inversão na percepção sobre o diverso) é determinante na consolidação
da democracia como concebemos hoje.

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