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Dia do Maçom. Ops... Dia de reflexão!

Marcelo Chaim Chohfi1

Alegria e comemoração! A Fraternidade Maçônica está em festa - e com razão -


pois é dia 20 de agosto, Dia do Maçom.

Em 1822, às vésperas da proclamação da independência do Brasil, numa sessão


histórica das Lojas “Comércio e Artes” e “União e Tranquilidade”, no Oriente do Rio de
Janeiro, o valoroso Irmão Joaquim Gonçalves Lêdo entoava um inflamado e
contundente discurso reivindicando a proclamação da Independência do Brasil. O
registro da data, em ata, foi do 20º dia, do 6º mês do ano da Verdadeira Luz de 5.822. A
conversão da referida data, para o nosso calendário usual da atualidade, gerou
divergências entre os estudiosos e críticas de diversas ordens.

Se estivéssemos na Escolinha do Professor Raimundo e o personagem Pedro


Pedreira fosse questionado sobre o Dia do Maçom, este certamente diria: Há seríssimas
controvérsias sobre essa data! Tem provas? Então me convença que esta sessão ocorreu
mesmo em 20 de agosto de 1822! Existe ata, registrada em cartório, com expressa
referência ao dia 20 de agosto de 1822? Alguém filmou, fotografou e postou o evento
nos grupos de whatsapp de antigamente? Publicaram entrevista com o Venerável
Mestre das Lojas ou com o Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil no programa
dominical do Fantástico da época! Não? Ora, então não me venha com chorumelas!

Calma, calma! Sem estresse! Não se trata de chacota com a data, mas, apenas
uma tentativa leve e descontraída de mostrar que, não obstante as polêmicas sobre
“cravar” (ou não) o dia correto da sessão histórica - o que parece ter serventia mais
acadêmica e de fidelidade histórica - o mais importante é refletir sobre o significado
comemorativo e intrínseco da homenagem que está enraizada no calendário Maçônico.

Chegou, sem mínima dúvida, o momento de comemorar, em mais um ano, a


ventura (e, por que não, a aventura) de ser Maçom. Sim! Comemorar! Não no contexto
simples e usual da palavra, de soltar foguetes (para o martírio dos cães da vizinhança),
de fazer bolos e quitutes para os convivas, ou mesmo salvar de intermináveis palmas a
algum homenageado. Comemorar, em seu sentido etimológico, implica em
“rememorar” e “de forma conjunta”, principalmente com aqueles que se preocupam
com os mesmos bons princípios e buscam sua evolução espiritualizada, de modo a
conseguir interferir positivamente na humanidade.

Então, se esse é o objetivo, brindemos o dia do culto ao sagrado, em detrimento


do profano. A iniciação Maçônica pode ser vista como um ritual simbólico da morte
dos vícios da vida profana, para o renascimento de uma obra sagrada, a ser regida pelos
desígnios altruístas traçados pelo Grande Arquiteto do Universo.

Mircea Eliade, célebre estudioso da ciência das religiões, em sua conhecida obra
“O Sagrado e o Profano”, nos lembra que: “O mistério da iniciação revela pouco a
pouco ao neófito as verdadeiras dimensões da existência: ao introduzi-lo no sagrado, a

1
M... M... na A...R...L...S... Constância (nº 1.147) e membro da Academia Campinense
Maçônica de Letras (cadeira de nº 31 - Patrono: José Bonifácio de Andrada e Silva).
iniciação o obriga a assumir a responsabilidade de homem. É importante ter este fato
em mente: o acesso à espiritualidade traduz-se, em todas as sociedades arcaicas, por
um simbolismo da Morte e de um novo nascimento.”

Ser Maçom é, portanto, cultuar o sagrado, a espiritualidade, a religiosidade,


independentemente da religião de um ou de outro e, sempre, com respeito a todas elas.
Comemorar o Dia do Maçom obriga, quem o é - e fica o convite a quem comunga dos
mesmos bons ideais espirituais, humanitários e patrióticos - a realinhar seus propósitos
de vida na trilha da retidão moral do altruísmo e da filantropia.

A luta das pessoas de bem, espiritualizadas, livres e de bons costumes não é


fácil. Isso é forçoso admitir. Talvez exista tamanha dificuldade, porque as tentações
profanas sempre estão em promoção na ordem do dia a dia. Isso nos faz lembrar do
conto “A igreja do Diabo”, de Machado de Assis, onde o tinhoso foi comunicar a Deus
que fundaria sua própria igreja. Pregava uma concorrência atrativa e desleal, pois o
povo iria se refestelar atraído pela reabilitação da soberba, da luxúria e da preguiça, em
substituição às virtudes tradicionais. Pregava a luxúria como a mãe da economia, a ira
como a melhor e mais legítima forma de defesa, a gula como fonte da imortalidade, bem
como a inveja como origem de prosperidades infinitas. Amor ao próximo, somente se
tratasse de “amar as damas alheias”. Atrativo, não? E de fato arrebatou multidões, até
notar que muitos de seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Trêmulo
de raiva, voou aos céus e foi ter com Deus, que ouviu sua agonia com infinita
complacência para, ao final, esclarecer: “Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de
algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que
queres tu? É a eterna condição humana.”

A crítica social e bem humorada, típica do realismo machadiano, não foge à


realidade dos Maçons. Todos os homens são constantemente testados às facilidades e
aos desvios viciosos do mundo profano, seja por prazer, conveniência, egoísmo ou
simples falta de alicerces morais. Alguns naufragam - desnorteados e desorientados -
nesta vida fácil e nas vantagens veiculadas na propaganda da “igreja do diabo”. Mas,
convenhamos, nem todos deixam-se levar pela maré dos modismos e dos comodismos.
O fato é que o sarrafo moral sobe, na medida em que cada indivíduo mais se capacita ao
bom uso da razão e do livre arbítrio. Os compromissos sagrados se intensificam, de
acordo com a maior consciência metafísica de cada ser. Se um jovem tivesse que
retratar a vida e os compromissos do Maçom, diria, em sua gíria: “se não quer brincar,
não desce pro play!”. Talvez seja por aí. Somos livres e, por isso, escolhemos conviver
e contribuir para uma Ordem de princípios muito claros, que devem ser seguidos e
praticados em sua máxima possibilidade. Quanto aos bons frutos que isso
proporcionará em prol da humanidade, a história está aí para não nos deixar mentir.
Avante, portanto!

Se é Dia do Maçom, nada melhor do que mais uma imersão em sua escolha de
vida, o que também pode ser ilustrado - simbolicamente - pela conhecida flor de lótus
branca. Algumas culturas orientais da antiguidade chamavam à atenção para o peculiar
ciclo biológico da referida flor sagrada. Sua raiz está fincada na lama e, dali emerge,
atravessando as águas turvas e sujas do rio, até atingir a superfície e a luz,
desabrochando, então, em lindas pétalas alvas e imaculadas, que milagrosamente não se
contaminaram com as adversidades daquele ambiente.
Está aí o busílis! Com todo o respeito do mundo - e o Rousseau que nos perdoe
- mas, o homem não precisa ser sempre produto do meio. O Maçom instruí-se para
construir sua obra social em alicerce firme e virtuoso, o que lhe garante identidade no
seu caminhar por esta experiência (temporária) de vida material. Na doutrina de Carl
Jung, o pai da psicologia analítica, isto seria o atingimento da individuação, ou seja, da
compreensão de que somos únicos e singulares e, como tais, conscientes dos nossos
reais propósitos de vida. O Maçom, usando do popular, não é “coió” e nem “Maria vai
com as outras”, pois, é lapidado na retidão de conduta e na sua fortaleza de identidade
principiológica. Também não está - e disso tenham certeza! - destinado a seguir
qualquer exemplo, a se dobrar diante da doutrinação midiática das massas, ou servir a
interesses que não coincidam com a promoção do bem comum da sociedade. Sua
identidade virtuosa peculiar está fadada, na verdade, a servir de exemplo, não porque
vaidosamente o quer, mas sim por natural consequência de seu agir independente, firme,
reto e solidário.

Não foi à toa que um Mestre assim confidenciou a alguns Irmãos próximos: “A
flor de lótus branca está retratada num quadro, que decora a parede do meu quarto.
Assim, todos os dias acordo e me deparo, necessariamente, com sua beleza, de modo a
também elevar minha consciência quanto à simbologia daquela imagem. Então,
inspirado e renovado em meu propósito de vida, rogo ao Grande Arquiteto do Universo
que me guie nas ações de mais um abençoado dia, firme nos meus bons propósitos, sem
que me deixe contaminar pelas intempéries que certamente aparecerão no caminho, tal
como o faz aquela linda flor.”

Bom! Já deu de prosa por hoje. Feliz Dia do Maçom! Ops… Um ótimo dia de
reflexão!

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