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coisas não são tão fixas; que seu significado não é tão explícito e dado e que a sua existência
depende da compreensão e do interesse da maioria das pessoas que lidam, direta ou
indiretamente, com elas.
Por isso, a primeira pergunta a ser feita aqui e agora, nesse momento, é: O que é
literatura?
Todas as respostas que são dadas a essa pergunta ou partem de suas experiências
pessoais com aquilo que vocês identificam como literatura ou partem daquilo que já ouviram
falar (de colegas, de professores, por aí) sobre literatura.
Existe, entretanto, um desafio imposto pelo próprio campo de saberes nos qual a
literatura se insere: e esse campo é a arte.
Aqui, entretanto, uma resposta possível e satisfatória para os objetivos desse curso é:
a literatura e as artes se opõem a um discurso comum. Discurso comum é entendido como um
discurso referencial e comprometido, de maneira sóbria e objetiva, com a verdade do mundo
das coisas. A literatura é uma maneira de estar no mundo, que se concretiza num produto –
texto escrito/falado.
Na história do pensamento ocidental, desde que homem fala e escreve, existe embate
entre um discurso comum (a História, a Filosofia, as Ciências) e o discurso encantatório
(Literário).
Arrisco a dizer que a literatura – assim com as demais artes – fazem o mundo brilhar
por uma outra perspectiva. O mundo, provável, ficaria obscuro demais se houvesse apenas a
gravidade dos saberes ditos científicos.
Sócrates é um filósofo. Ele expõe suas ideias por meio de conversas com os seus
amigos. O tema da República é: como deve ser uma cidade (polis) ideal?
Segundo Sócrates, a cidade ideal deve ser construída por meio de cidadãos ideais,
altamente compromissados com o equilíbrio e com a verdade. A verdade, segundo Sócrates,
só pode ser dada por meio da Filosofia. Portanto, para Sócrates, é o filósofo responsável pelas
diretrizes a compor a boa cidade.
Mas Sócrates apresenta um problema: ele dirá que o poeta, ou seja, aquele que faz
literatura, jamais poderá entrar na cidade. Poetas não seriam de acordo com Sócrates,
cidadãos confiáveis. Uma vez que lidam com a mentira, estimulariam os demais cidadãos a se
afastar da verdade e a por em xeque a própria credibilidade do filósofo. Poetas, para Sócrates,
devem ser banidos da cidade.
TEXTO I
- Firmemos desde logo esse ponto: todos os poetas, a começar por Homero, não passam de
imitadores de simulacros da virtude de tudo o mais que constitui o objeto de suas composições,
sem nunca atingirem a verdade, o que também se dá com o pintor, a que já nos referimos, o
qual, sem nada entender da arte de fazer sapatos, é capaz de pintar um sapateiro que lhe
pareça bom e a quantos desconheçam essa profissão e só percebam as cores e o desenho.
- A mesma coisa, creio, podemos afirmar do poeta que com palavras e frases reveste as
diferentes artes das cores que lhe são próprias, sem entender nada mais além da imitação.
Como consequência, os ouvintes, que apreciam os assuntos apenas pelo efeito das palavras,
ficam convencidos de que ele fala com muita propriedade, quer o ouçam discorrer com metro,
ritmo e harmonia acerca da arte de fazer sapatos, quer sobre a estratégia militar ou o tema
que for, tal o natural fascínio que exerce com os seus recursos. Porém, se despirmos as criações
dos poetas desse colorido musical e as apresentarmos em expressões comuns, bem sabes,
tenho certeza, a que ficam reduzidas. (Livro X).
PLATÃO. A República – Livro X. In.: Souza, Roberto Acízelo (org.). Do mito das Musas à razão
das Letras. Chapecó: Argos Editora, 2015. (Século VI a.C).
TEXTO II
21 DE MAIO - Passei uma noite horrível. Sonhei que eu residia numa casa residível,
tinha banheiro, cozinha, copa e até quarto de criada. Eu ia festejar o aniversário de minha filha
Vera Eunice. Eu ia comprar-lhe umas panelinhas que há muito ela vive pedindo. Porque eu
estava em condições de comprar. Sentei na mesa para comer. A toalha era alva ao lírio. Eu
comia bife, pão com manteiga, batata frita e salada. Quando fui pegar outro bife despertei.
Que realidade amarga! Eu não residia na cidade. Estava na favela. Na lama, as margens do
Tietê. E com 9 cruzeiros apenas. Não tenho açúcar porque ontem eu saí e os meninos comeram
o pouco que eu tinha.
... Quem deve dirigir é quem tem capacidade. Quem tem dó e amizade ao povo. Quem
governa o nosso país é quem tem dinheiro, quem não sabe o que é fome, a dor, e a aflição do
pobre. Se a maioria revoltar-se, o que pode fazer a minoria? Eu estou ao lado do pobre, que é o
braço. Braço desnutrido. Precisamos livrar o país dos políticos açambarcadores.
Eu ontem comi aquele macarrão do lixo com receio de morrer, porque em 1953 eu
vendia ferro lá no Zinho. Havia um pretinho bonitinho. Ele ia vender ferro lá no Zinho. Ele era
jovem e dizia que quem deve catar papel são os velhos. Um dia eu ia vender ferro quando parei
na Avenida Bom Jardim. No Lixão, como é denominado o local. Os lixeiros haviam jogado carne
no lixo. E ele escolhia uns pedaços. Disse-me:
Deu-me uns pedaços. Para não magoá-lo aceitei. Procurei convencê-lo a não comer
aquela carne. Para comer os pães duros ruídos pelos ratos. Ele disse-me que não. Que há dois
dias não comia. Acendeu o fogo e assou a carne. A fome era tanta que ele não pode deixar
assar a carne. Esquentou-a e comeu. Para não presenciar aquele quadro, saí pensando: faz de
conta que eu não presenciei esta cena. Isso não pode ser real num país fértil igual ao meu.
Revoltei contra o tal Serviço Social que diz ter sido criado para reajustar os desajustados, mas
não toma conhecimento da existência infausta dos marginais. Vendi os ferros no Zinho e voltei
para o quintal de São Paulo, a favela.
No outro dia encontraram o pretinho morto. Os dedos do seu pé abriram. O espaço era
de vinte centímetros. Ele aumentou-se como se fosse de borracha. Os dedos do pé pareciam
leque. Não trazia documentos. Foi sepultado como um Zé qualquer. Ninguém procurou saber
seu nome. Marginal não tem nome.
... De quatro em quatro anos muda-se os políticos e não soluciona a fome, que tem a
sua matriz nas favelas e as sucursais nos lares dos operários.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, p.39-41. [1958]
***
Em vez de perguntar a vocês qual é o conceito de literatura, acho que posso perguntar:
a literatura é tão ameaçadora assim?
Aqui, portanto, terei de dar uma definição rasa, pois o vestibular trata de forma rasa o
bicho de sete cabeças que se costuma chamar literatura: Literatura pois é um texto que
trabalha com os desejos e as vontades humanas, com aquilo que no humano é sobrevivente e
atemporal: seus sentimentos, suas sensações, suas percepções e suas mudanças no mundo.
Faz isso numa linguagem particular, num estilo que é próprio daquele que se deixa
simultaneamente encantar-se e se desencantar com o mundo, a quem chamamos de autor,
convidando o leitor para a experiência dessas percepções.
A literatura não promete nem nunca prometeu a verdade para o mundo. A literatura
fracassa perante o mundo. Sobretudo num mundo que preza pela eficácia e estimula o que há
de menos humano em nós. A literatura, entretanto, parece não deixar a peteca cair: lembra-
nos de que “ser menos humano” ainda é uma qualidade do ser homem; e que é nas situações
extremas que teremos de ressignificar os nossos valores, os nossos sentimentos, a nossa
maneira de lidar com o outro
TEXTO III
HOMERO. Ilíada. Trad. Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p.539-40. (Séc. VIII
a.C)
E é pela via cronológica (História da Literatura) que teremos de delimitar a nossa visão.
Como uma forma de cumprir aquilo que os vestibulares nos exigem.
Antes de falar sobre determinados séculos, décadas e anos, falar sobre obras, autores
e contextos, precisamos nos lembrar de que, mesmo em manifestações literárias, é preciso
dominar um determinado vocabulário, uma linguagem técnica. Ou seja, os termos literários.
TEXTO V
Que saudade de minha senhora tenho
Que soidade de mia senhor hei quando me lembro dela como a vi
quando me nembra dela qual a vi e que me lembro que bem a ouvi
e que me nembra que ben'a oí falar; e por quanto bem dela sei,
falar; e por quanto bem dela sei, rogo eu a Deus, que tem para isso o poder,
rog'eu a Deus, que end'há o poder, que me deixe, se Lhe aprouver, a ver
que mi a leixe, se lhi prouguer, veer
logo; porque ainda nunca me fez bem,
cedo; ca, pero mi nunca fez bem, se não a vir, não posso evitar
se a nom vir, nom me posso guardar enlouquecer ou morrer com pesar;
d'ensandecer ou morrer com pesar; e porque ela tem o poder em tudo,
e porque ela tod'em poder tem, rogo eu a Deus, que tem para isso o poder,
rog'eu a Deus que end'há o poder que me deixa, se Lhe aprouver, a ver
que mi a leixe, se lhi prouguer, veer
logo; porque tal a fez Nosso Senhor,
cedo; ca tal a fez Nostro Senhor, de quantas outras no mundo existem,
de quantas outras no mundo som não lhe fez par, juro por Deus, não;
nom lhi fez par, a la minha fé, nom; pois a fez das melhores a melhor,
e poila fez das melhores melhor, rogo eu a Deus, que tem para isso o poder,
rog'eu a Deus que end'há o poder, que me deixe, se Lhe aprouver, a ver
que mi a leixe, se lhi prouguer, veer
logo; porque tal a quis Deus fazer,
cedo; ca tal a quiso Deus fazer, que, se não a vir, não posso viver.
que, se a nom vir, nom posso viver.
D. DINIS. “Que soidade de mia senhor”. In.: MONGELLI, Lênia. Fremosos cantares. São Paulo:
Martins Fontes, 2009, p.68-69. (Século XIII)
TEXTO VI –
JOÃO GRILO - E o senhor vai dar uma satisfação a esse sujeito, me desgraçando para o resto da
vida? Valha-me Nossa Senhora, mãe de Deus de Nazaré, já fui menino, fui homem...
A COMPADECIDA, sorrindo - Só lhe falta ser mulher, João, já sei. Vou ver o que posso fazer. (A
Manuel.) Lembre-se de que João estava se preparando para morrer quando o padre o
interrompeu.
ENCOURADO - É, e apesar de todo o aperreio, ele ainda chamou o padre de cachorro bento.
A COMPADECIDA - João foi um pobre como nós, meu filho. Teve de suportar as maiores
dificuldades, numa terra seca e pobre como a nossa. Não o condene, deixe João ir para o
purgatório.
JOÃO GRILO - Para o purgatório? Não, não faça isso assim não. (Chamando a Compadecida à
parte.) Não repare eu dizer isso mas é que o diabo é muito negociante e com esse povo a
gente pede o mais para impressionar. A senhora pede o céu, porque aí o acordo fica mais fácil
a respeito do purgatório.
A COMPADECIDA - Isso dá certo lá no sertão, João! Aqui se passa tudo de outro jeito! Que é
isso? Não confia mais na sua advogada?
JOÃO GRILO - Confio, Nossa Senhora, mas esse camarada enrolando nós dois.
A COMPADECIDA - Deixe comigo. (A Manuel.) Peço-lhe então, muito simplesmente, que não
condene João.
MANUEL - O caso é duro. Compreendo as circunstâncias em que João viveu, mas isso também
tem um limite. Afinal de contas, o mandamento existe e foi transgredido. Acho que não posso
salvá-lo.
A COMPADECIDA - Dê-lhe então outra oportunidade.
MANUEL - Como?
A COMPADECIDA - Deixe João voltar.
SUASSUNA, Ariano. O auto da compadecida. Rio de Janeiro: Agir, 2005, p.147-157 [1955]
***
Colocar no quadro, para a próxima aula, a linha do tempo sobre a história da literatura
brasileira.