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Disciplina: Etnomusicologia
Professor: Pr. Dr Guilherme Vincens
Aluno: Wesley Souza Silva
Orientador Dr. Guilherme Vincens
Data: 04/07/2022
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A Festa do Divino Espírito Santo é uma das várias manifestações da religiosidade católica que se popularizaram em diversas
regiões ocidentais, sobretudo européias, a partir da Idade Média. Esta festividade é celebrada cinqüenta dias depois da Páscoa,
em comemoração à representação da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. 22 A festa de Pentecostes, tal como é
denominada liturgicamente, irá surgir a partir de profecias milenaristas divulgadas principalmente por um monge cisterciense
de nome Joaquim de Fiore (SILVA, 2000, p. 22).
Paula (1979). Segundo ele ainda, “havia muitas festas, mas a principal era as Cavalhadas” que
teve seu fim em 1938.
Era uma festa da religiosidade católica que faz parte do Congado2 que se subdivide em
oito categorias: Caboclinhos, Candombe, Catopés, Congo, Marujada, Moçambique, Vilão e
Cavalhada. Atualmente na cidade só existem três grupos de Congado, três Ternos de Catopês,
dois grupos de Marujos e um grupo de Caboclinhos na cidade.
Segundo registros a Cavalhada entrou em extinção na região desde a década de 1938,
mas ainda podemos encontrar alguns registros em jornais da época que foram preservados que
registram o acontecimento e em livros de autores da cidade. Segundo Hermes de Paula (1979,
pg.159) em seu livro Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes a Cavalhada é
caracterizada por uma luta entre mouros e cristãos. Ele afirma que:
Em geral é composta por 24 cavaleiros, podendo ter mais ou menos. Coopera para maior
realce da “Festa de Agosto”, mas não acompanha o “Reinado”; entretanto, toma parte
nos mastros à noite, dando ao cortejo uma imponência especial. Os cavaleiros, solenes,
vestidos de uma túnica branca, de espada à cinta, conduzindo lanternas e o pisar resoluto
dos cavalos inquietos, soprando, constituem um espetáculo deveras atraente. Devido à
túnica branca ser substituída por anágua, esse acompanhamento de cavaleiros noturnos é
conhecido com o nome de camisada. (PAULA, 1979.pg. 159).
Queiroz afirma que a Cavalhada em Montes Claros ganhou destaque nos festejos da
cidade, principalmente pela classe de pessoas com maior poder aquisitivo e de maior ascenção
social (QUEIROZ,2005.pg. 42).
No centenário na cidade o Doutor Hermes de Paula, pessoa muito influente na cidade,
desejou reviver a festa, então no ano 1957 ele recriou a festa. Foi uma dramatização que
ocorreu no campo do Ateneu, os registros e as entrevistas confirmam, depois dessa data, não
foi encontrado nenhum registros da manifestação na cidade de Montes Claros.
“Culturalmente, Montes Claros possui grande diversidade de manifestações populares,
sendo uma das mais importantes referências do Estado” (QUEIROZ, 2005, p. 39). As
Cavalhadas na cidade eram as festas de maior tradição, a mais bonita e que alcançava o ponto
mais alto das festas de agosto. Um festejo que durava três dias e que abarcava os senhores da
alta sociedade como corredores. A disputa pelos lugares de reis, cristãos e mouros eram
bastante disputada, pois naquela época era importante correr a tão esperada Cavalhada. A
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O Congado é uma importante manifestação da cultura popular brasileira, tendo em vista o amplo número de grupos
existentes pelo país, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina, Goiás e Minas
Gerais. Os grupos de Congado realizam seus festejos durante quase todo o ano em grande parte do território brasileiro, dando
vida e forma a suas diferentes expressões rituais através de músicas, danças e coreografias diversas que constituem a
manifestação (QUEIROZ, 2005, p.28).
cidade inteira parava para prestigiar a disputa entre mouros e cristãos. Os melhores cavalos e
amestrados eram exibidos pelos senhores na competição, cada um queria o melhor. As roupas
mais caras e belas era destaque durante toda a festa (GRAÇA, 2007).
Encontra-se também no enredo da manifestação, um dos principais personagens, uma
princesa cristã onde todo cenário teatral gira entorno. Hermes de Paula descreve o motivo que
gera a luta:
O jovem e impetuoso rei mouro se apaixona pela princesa cristã e vai pedi-la em
casamento, que é aceito sob condições do pretendente se batizar e se tornar cristão.
A contra proposta não agrada ao rei mouro, que assalta o castelo, rouba a princesa e
foge com ela. À vista disso, o rei cristão resolve fazer guerra aos mouros e os leva
de vencida, prendendo o rei mouro, que arrependido se deixa batizar e promete
fidelidade à princesa. Em seguida se realiza o jogo das argolinhas – confraternização.
(PAULA, 1979, p.159,160).
Por ser uma representação teatral, existia um enredo de falas para os principais
personagens. Três meses antes da festa começavam os ensaios para decorar os discursos que
aconteciam aos domingos em um campo fora da cidade. Os combates tinham início com os
cristãos alinhados em uma fileira lado a lado em um dos extremos da praça, com os cavaleiros
de frente voltados para dentro, estando os cavaleiros a começar pelo embaixador à esquerda
do rei, e obedecendo esta mesma formação, do outro lado da praça os mouros se postavam
(PAULA, 1979, p.164,165). Em seguida os dois reis partem simultaneamente um contra o
outro, atravessando a praça em diagonal se encontrando no meio da praça onde cruzam as
lanças, e continuando na mesma direção, vão de encontro aos adversários passando em frente
os cavaleiros, voltavam na mesma direção para o seu campo encontrando-se novamente no
meio da praça onde cruzam as lanças e se recolhem, formando desta maneira um trajeto na
figura de oito, sendo assim esta parte do combate é chamado de “Oito de Conta”. Os
embaixadores fazem o mesmo trajeto seguido por cada par de cavaleiros, após o ultimo par os
reis recomeçam o jogo com garruchas de tiro de festim, e para finalizar esta parte realizam o
mesmo jogo utilizando espadas (PAULA, 1979, pg.164).
Após o término da primeira parte da apresentação, o autor relata o acontecimento da
“Quebra Garupa”, onde os reis avançavam um contra o outro e encontravam-se no meio da
praça, cruzavam as armas e empinava os seus cavalos, assim retornavam para o seu próprio
grupo. Os embaixadores e cavaleiros aos pares faziam o mesmo, repetindo-se o ato com
garruchas e espadas.
Em seguida era apresentada a parte do combate que se denominava “Alcacilhos”, onde
em cada ângulo da praça colocava-se uma baliza e sobre ela se encontrava uma cabeça
humana feita de massa, que representava um soldado, dois mouros e dois cristãos O rei cristão
saia a galope e passando pelas balizas derrubava as “cabeças” com a ponta da lança, logo que
passava pela segunda baliza, era perseguido pelo rei mouro que chegando ao campo dos
cristãos derrubava com sua lança as cabeças das balizas cristãs, sendo assim perseguido pelo
embaixador cristão. O ciclo ai se processando com sucessão alternada de cavaleiros mouros e
cristãos, e recomeçava com o rei cristão utilizando a garrucha depois a espada (PAULA, 1979,
pg.164, 165).
Chegando ao fim da representação dos combates, os cavaleiros em pares voltavam a
realizar o “oito de conta”, apresentando também o “quebra garupa”. De acordo com o autor,
neste ponto os mouros fogem perseguidos pelos cristãos até as ruas de trás da igreja da Matriz,
e voltam amarrados pelas mãos com um laço, cada mouro escoltado por um cristão. Preso o
rei mouro se deixa batizar, ajoelha-se aos pés da princesa jurando fidelidade (PAULA, 1979,
pg.165).
Logo após o fim do combate, em uma manifestação de paz e alegria os cavaleiros se
juntavam para começar o jogo que era intitulado como “Tirada das Argolinhas”, momento em
que os cavaleiros interagiam com o público. Em seu texto o autor Hermes de Paula (1979)
descreve como era realizado este momento da manifestação:
“Cada um dispõe de algumas argolinhas enfeitadas com fitas, para oferecer a um amigo,
quando consegue êxito. O ato de oferecimento é algo solene – o herói vai, ladeado por dois
cavaleiros levando a argolinha na ponta da lança” (PAULA, 1979, p.165). Segundo o autor a
pessoa homenageada retribui com algo de valor ou uma cédula amarrando na fita que enfeita.
Assim termina as apresentações e ao final do dia os cavaleiros se juntam ao cortejo para
levantamento dos mastros.
A religiosidade da Cavalhada está ligada ao Congado que “[...] é um festejo de devoção a
santos católicos, em que elementos religiosos, musicais, plásticos, cênicos e coreográficos de
tradições populares luso-espanholas e indígenas, são somados a aspectos característicos de
cultos e ritos da cultura africana” (QUEIROZ, 2005, p. 28).
Queiroz afirma que “Atualmente, o ritual congadeiro em Minas Gerais acontece durante
festejos em homenagem a santos como Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa
Efigênia e Divino Espírito Santo” (QUEIROZ, 2005, p.38). Ele ainda assegura que “a época
de realização dos festejos varia conforme o calendário de cada região do Estado, acontecendo
mais frequentemente entre os meses de agosto e outubro” (QUEIROZ, 2005, p.38).
A música no enredo da manifestação
Assim, a música do Congado tem o seu uso e função durante o ritual, do ponto de
vista “ideal”, voltado essencialmente para a religião, ou seja, a contemplação do
sagrado. No entanto, as músicas particulares do Congado, aquelas que são utilizadas
durante o ritual para devoção de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino
Espírito Santo, sempre estão rodeadas, de certa forma, por outras expressões
musicais “profanas” que, no dia-a-dia dos congadeiros, são importantes e têm usos e
funções, por vezes distintos das músicas “tradicionais”, mas não menos importantes
para os integrantes do Congado (QUEIROZ, p. 131).
Não é diferente nas Cavalhadas. Hermes de Paula (1979, p. 165) afirma que todas as
corridas dessa manifestação era realizada com música, e todas essas músicas eram em ritmo
de galope. “O termo Galope designa uma dança rápida originária da Europa Central, tocada
em compasso binário, cujo ritmo sugere o galope de um cavalo. Designa também uma figura
pontuada seguida da figura que vale metade daquela” (ENSICLOPEDIA TEMÁTICA).
Segundo o autor essas músicas eram executadas pela banda Euterpe Montes-Clarence que
desde o início de sua criação comparece nessas festividades populares. Paula afirma que “Para
os cavaleiros a festa se inicia com os ensaios, uns três meses antes, aos domingos [...]. Em
quase todos os ensaios a música é executada, como medida econômica, por uma sanfona;
somente nos dois últimos dias a banda de música comparece” (PAULA, 1979, p. 165). O
autor em seu livro apresenta a música preferida do galope:
FIGURA 3: Música Galope, Parte Cantante.
Fonte: Livro Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes, 1979.
Com base na pesquisa realizada e em todo levantamento histórico, ficou evidente que a
manifestação de cultura popular conhecido como Cavalhada esteve presente na região de
Montes Claros somente até o ano de 1938, sendo recriada pelo historiador Hermes de Paula
em 1957 no centenário da cidade.
Não foram encontrados registros de quando se deu o inicio dessa prática na cidade. Por
motivos como a interferência da urbanização e desenvolvimento da cidade, as Cavalhadas
deixou de existir na região norte mineira, consequentemente deixou lacunas nas “Festas de
Agosto” e nas práticas folclóricas.
https://www.youtube.com/watch?v=bNt71CY-7HA
REFERÊNCIAS
BUENO, Marielys Siqueira. Festa: o dom do espaço. Revista Hospitalidade, São Paulo, ano
III, n. 2, p. 91-103, 2. sem. 2006.
MARTINS, Saul. Congado: Família de Sete Irmãos. Belo Horizonte: SESC, 1988.
PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Rio de Janeiro:
s.n., 1979.
PAULA, Hermes de. As origens de Montes Claros: depoimento de Hermes de Paula. In.:
MONTES CLAROS EM FOCO. Ano XII, n°36, agosto,1979.
QUEIROZ, Luís Ricardo Silva. Performance musical nos ternos de Catopês de Montes
Claros. 2005. 236 f. Tese (Doutorado em Música na área de concentração em
Etnomusicologia)–Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.