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Direção Geral
Henrique Yillibor Flory
Editor
Luciana Salgado G. Moreira
Capa e Editoração Eletrônica
Rodrigo Silva Rojas
Revisão
R. S. Causo
DEDICATÓRIA
Dados Internacionais de Ca talogação na Publicação (CIP)
(Acácio José Santa Rosa, CRB-8/157)
AC
ARTE & CIÊNCIA
EDITORA
R. Treze de Maio, 71
Bela Vista/SP - CEP 01327-000
Tel.: 11 - 3257-5871
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palavra da pesquisa histórica, porque as normas têm elas próprias
11111 íi111 que as justifica. Na verdade, elas constituem o fio condutor
da prática. O fim a que se destinam em determinadas circunstânci
as convida, ou mesmo impõe, se preciso, a infração. Não se pode,
portanto, excluir a prática do campo de observação. Também não
se pode reconstituir a regra a partir dela. Devemos atribuir o papel
a que cabe tanto a uma como a outra. Para o período ora estudado, II - VESTÍGIOS DA EDUCAÇÃO DA MULHER EM
ou seja, anterior às reformas pombalinas, no século XVIII, como PORTUGAL NO SÉCULO XVIII
afirma Nóvoa (1987, p. 53), tem que se "inventar" fontes, "sendo
2.1 Ausência de oficialização educacional: ocaso ou
necessária uma grande criatividade, recorrendo-se a fontes
descaso?
iconográficas e a peças de teatro, a roteiro de viajantes, e a docu
mentos pertencentes à congregações, à memórias diversas e aos
De acordo com Fernandes (1994, p. 14) um traço que chama a
arquivos religiosos"8• De certa forma, as bibliografias por mim le
atenção de quem relê o discurso pedagógico público em Portugal
vantadas, organizadas, selecionadas, seguidas de leitura e análise,
nos finais de Setecentos é a ausência de referências críticas à situa
caminham nessa direção. Por esta razão, faço uso do termo "vestí
ção real do ensino9 • Para esse pesquisador, faltam estudos históri
gios" sobre a Educação de mulheres portuguesas do período
cos sistemáticos sobre a educação feminina.
setecentista. Esta opção de trabalho vem confirmar as indicações
Nas cartas de António Rib�_i.w_.dos� S_antoêi_ analisadas por. �,c,.r-,
de Nóvoa (1987).
Fernandes, encontram-se reclam�çõ�� q_e_qu�ã.2_�tiam boa
escolas de educação em Portug_al, e..ª1_ribuía essa situação à Le�
1ª.!20 do Estado, que até então, pão..b.,avia se preocupado em criar
ki
e
sobre a quest�ca�_on� Deix;;. "i êi�ucação "ao ;;m das'
águas, cuidando apenas de formar o corpo de um sexo e cultivar
muito a memória do outro, eram, para Santos, os grandes defeitos
da educação da mocidade setecentista"(Fernandes, 1994, p. 134•).
A situação do ensino em Portugal estava entregue à arbitra
riedade dos mestres na medida em que não havia regulamento que
d -
os obrigasse a seguir procedimentos pedagógicos eficazes.
De acordo com Adão, "não havia nessa época, um método uni
forme para as escolas de ler, escrever e contar". (Adão, 1996, p. ':;ff;, º
86) 10
�
" Rogério FERNANDES possui mais de quinze obras relativas à história da Educação
em Portugal. A mais recente Os caminhos do ABC: Sociedade Portuguesa e Ensino das
Pnºmeira.s Letras. (Porto: Porto Editora, 1994), constitui-se obra de referência na área,
refere-se à investigação de vários aspectos educacionais do legado pombalino à
reestruturação oitocentista, entre eles, os conteúdos, os valores e as práticas pedagógi
cas.
'º Áurea ADÃO escreveu Esta.do Absoluto e ensino das primeiras letras. As escolas régias
0
' Vr1·: NÓVO/\, António. Anais do l Encontro de História da Educação em Portugal. Lis- (1772-1794) Lisboa, Gulbenkian, 1997. Trata-se de uma tese de doutoramento, assen
11011: V11r11ldadc de Psicologia e Ciências da Educação, 1987. tada numa base considerável de informações arquivísticas, abundante bibliografia e de
preciosas informações acerca de fontes manuscritas e impressas, nomeadamente sobre
manuais e livros escolares pesquisados durante dez anos.
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uanto à educação formal para as mulheres, a celebrada r:::: texto A menina discreta dafábrica nova (1789) 12 • Entre os vários
pombalina nã.o as contemplou, "nem sequer na abertura de personagens aparecia a menina estudiosa, sobre a qual a criada di
c�gios particulares "iLopes, 1989, p.98).Não houve escolas reg1- zia para seu pai: "Por mim estude ela quanto quiser. Porém olhe
a1; para meninas até o final do século XVIII."Na verdade, o ensino senhor: eu sempre ouvi dizer a minha avó que a mulher era sábia se
feminino não mereceu então, dos meios governamentais uma aten arrumava um até dois baús de roupa." (Costa, 1973, p. 15) E a irmã,
ét.··Slºes�ecial, c��endo a orde1�s religiosas provenientes da França
_ _
garota vulgar, criticava-a desta maneira: "Olhe mana, eu não sei
P(Prsulmas �1tação) o mento de terem concorndo para a educa essas ciências de fábrica nova, mas em lugar dessas suas loucuras
,1,(/.0 de algumas raparigas portuguesas." (Adão, 1996, p.87) com que nos seca, sei muito bem bordar, coser, fazer meia, e tudo o
Dessa forma, se o leitor procurar informações sobre a trajetó que é preciso a uma pessoa para ser útil à sua família." (Adão, 1996,
ria de estabelecimentos escolares femininos oficiais, encontrará re p.85)
ferências apenas ao final do Séc.XVIII, nos idos de 1790. ,....���
Emerge nessa cena teatral, a função, a representação social"F°'� 4 �
A reforma pombalina, de 6 de novembro de 1772, foi omissa _çonstruída p�ra o gênero feminino· a a�ên,ci� de es�udos. A m .::, "q "1...�
no que se refere ao ensino feminino.Ainda que a consulta da Real _!her que fugisse aos padrões estabelecidos tmha dificuldade d��
Mesa Censória de 3 de agosto do mesmo ano apontasse a necessi manter sua individualidade.Sua capacidade de resistência e de trans
dade de criação de escolas femininas, nada de concreto ocorreu. formação foi, freqüentemente, testada mormente entre as próprias
Talvez porque essas escolas viveram das sobras do dinheiro reco mulheres.
lhido dos impostos do Subsídio Literário, e das poucas professoras Oficialmente, o assunto da educação feminina somente foi
�
que se dispuseram a lecionar: "Seriam aplicados na distribuição de retomado muitos anos mais tarde. Adão (1996, p.88), registra que�
algumas mestras de ler e escrever destinadas às meninas órfãs e isso ocorreu face à uma representação "cuja proveniência desconhe��
pobres." (Adão,1996, p.85) cemos a 25 de fevereiro de 1790 (grifo nosso) " 1 • Nessa mesma data, �
3
Naquela época, muitos portugueses resistiam ao fato de se a Real Mesa Censória criava um parecer favorável para a instala-
oferecer às mulheres, erudição. As poucas que alcançaram uma edu ção de 18 mestras na Corte, designadas para ensinar gratuitamen-
cação mais aperfeiçoada, foram motivo de crítica e deboche de ho te às meninas:
mens e mulheres que as rodeavam.
Os folhetos de cordel'' que traziam ao público as polêmicas
da época, ironizavam a situação das meninas que estudavam. O
"José Daniel da COSTA (1757-1832) foi membro da Nova Arcádia com o nome de
mais citado entre os autores é José Daniel da Costa, que publicou o Josino Leiriense. Freqüentemente encontramos publicado esse nome nos folhetos de
cordel. Autor de inúmeros panfletos que comentam o seu tempo, de anedotas e folhe
" Com particular relevo no século X V III, mas estendendo-se por um período de tempo
t'ins, de versos tortos e jocosos, de livros de passatempo. É no terceiro volume das suas
que inicia no século XVI até o século XX, circularam em Portugal, como em outros Himas, Teatro Cómico de Pequenas Pe ças. Lisboa, 1789, que encontram-se quinze à vinte
países, pequenos folhetos ou papéis volantes, que são expressões vivas de uma cultura
phginas constituindo, praticamente, todo o seu teatro. O mais comentado ente os estu
popular e tradicional. Assumindo formas diversas - pequenas peças de teatro, diálo
diosos portugueses sobre a crítica à educação feminina é A menina Discreta da Fábrica
gos, cartas, textos em verso, pequena narrações ou ainda reflexões pessoais sobre uma
Novo. COSTA, José Daniel Rodrigues da. 6 entremezes de cordel. Direção da Coleção de -
questão - estes papéis apresentavam uma grande variedade de temas, com tendência �
Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.
:111 repetir-se e perpetuar-se, como se repetem e pérpetuam edições e reedições dos '" Adão refere-se a um documento encontrado nh Torre do Tombo, Ms.L. 1102391, s.d. ��., '°C:&,
111cs111os folhetos. Um tipo de publicação bem definido - impressão imperfeita, papel de , '+c::_
Nesse documento, diz-se que a idéia de solicitação para educação feminina partiu do� q �
1116 qualidade, variações ortográficas por vezes menos ortodoxas - populares no tom e _
padre Pedro de Carvalho, para a suges;ão da� 18 i nestras: "Do zelo com quep rocurava � �
110 rnnteúdo, estes folhetos são bem a expressão de uma cultura não-oficial e profünda- , �
11 educação de men111as desamparadas . ADAO,, Aurea. Estado absoluto e enszno das prz- -e:'.,¼(.,.
11,�nt'c ligada, quer ao cotidiano concreto da vida das pessoas, quer ao seu imaginário
111eiras letras, 99. Fernandes, nu entanto, afirma em seu trabalho que essa exposiçãol,.. t,._,"'-t
rol('I ivn de raízes ancestrais e profundas. Sob forma gráfica semelhante surgem, porém v
111,0nima e até agora inédita, teria partido do sacerdote Joaquim José dos Santos, que 'if--
gl"11cros diversos de temas e textos. Ver: SILVA, Maria Regina Neves Xavier Amorim
\'1'11v11rcs da. "Mulher em folhetos volantes portugueses". ln: Mulher na sociedade portu
ll'ria uma casa de Educação para Mulheres no Sítio do Junqueira. Quem teria conven""' "1, !f
l' idoa Rainha D. Maria a dar um parecer favorável? Ver: FERNANDES, Rogério. Oi""'l1 -�
g,111,<11: visno histórica e perspectivas atuais. Actas do Colóquio. Coimbra: Instituto de _ .
m·,11.mlws do ABC, p.173.
l li.�16ri11 1•:conl'lmica, Faculdade de Letras, 20 a 22 de março de 1985.
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34 35
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S11a Magestade Hey por bem aprovar, que se estabeleçam as �·11neiras mestras so vieram a ser adm1t1"das em 1816, quando o
[scolas de Meninas, e que pelo Cofre do Subsidio Literário se lhe ensino masculino estava Já regulamentado e em funcionamento nor
dem os ordenados competentes, ou sejam como de Mêsa arbitra, ou mal." Quais seriam os motivos do descaso da implantação da edu
cação feminina oficial: o ocaso? o descompromisso? O silêncio per
como pela experiência se julgar em proporção ao prestimo, e servi
ço de cada huma das Mestras. E por quanto não he muito praticavel,
manece na documentação encontrada até o momento. Que as futu
que huma só Mestra possa ensinar a muitas Meninas, que ellas de
vem saber, de ler, e escrever, defiar, de cozer, de bordar, e de cortar, ras pesquisas no campo da História da Educação Portuguesa pre
a Mêsa tomará esse ponto em consideração ou para dividir estes encham essas lacunas.
ensinos de sorte que huma das Mestras sejam para Cozer, e fiar,
outras para bordar, e Cortar, e outras para ler, e escrever, mas todas
com obrigação de ensinarem a Doutrina Christam, ou para regular 2.2 A Educação recomendada
por outro modo este estabelecimento de maneira que seja praticavel
na execução. Outro sim hey por bem que a Caza, que com tanto zelo Como o ensino feminino não se encontrava oficializado, no
tem fundado, e promove no Sitio da Junqueira junto de Galeria o século XVIII, a literatura de que se tem conhecimento sobre a edu
sacerdote Joaquim José dos Santos, para educação de Meninas, sede cação das mulheres pode ser observada por me10 CleplTl5ticações
pelo mesmo Subsídio a quantia anuual de duzentos e vinte mil réis, realizadas por muitos homens, tidos como ilustres na éJ;Loca, em
que elle aplicará a seu arbitrio e beneficio da educação, que até ago
livros, cartas, cenas e teatrais. Alguns o fizeram por solicitações d"';;
ra tem sustentado gratuitamente. N.S. da Ajuda s I de Março de
1790. Para o Principal Abranches. (Arquivos Nacionais da Torre do
amigos, outros por encomenda de autoridades ou mesmo como puro
Tombo, Livro no. 364 do Ministério do Reino, fls. 54-54 v.) diletantismo. Eram homens de diferentes níveis educacionais, cul
iJ'�
turais e econômicos.
Os pesquisadores portugueses da área educacional feminina,
A ;nfecio,;dade salada! fem;n;na ,evelac-se-ía no mesmo pa- recomendam algumas leituras, por serem significativas para estu
recer. Constava na proposta que os professores do sexo masculin-; dos deste tipo, além de se constituírem em um caminho percorrido
receberiam 90$000 réis e as mestras 60$000 mil réis. Portanto, as por muitos. No entanto, como afirma Adão:
Y
�� professoras receberiam 30$000 a menos que os seus colegas de pro
fissão, realizando, contudo, as mesmas tarefas educativas. Também Na segunda metade do século XVIII, poucas são as obras que
estariam, estas professoras, proibidas de admitirem alunos do sexo tratam exclusivamente da educação das meninas; algumas destina
casadoi ras e, por
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vam-se somente à formaç ão e aconsel hament o das
masculino e subordinadas aos veredictos dos padres e ministros
conseguinte, não abordavam o ensino que deveria ser dado às mais
-JLª-U!..f!.2derem pinistrar aulas. Em 31 de maio de 1790, a proposta
ovas. ( 1996, p. 261)
foi aprovada, com algumas indefinições. Uma delas, relativa aos ���
ordenados. Não indicava os valores a serem pagos, apenas que es
tariam sob a responsabilidade das reservas do Subsídio Literário.
),eb ;J.,6J No início do século XVIII a mulher foi subalternizada, fato
,
gue não provocou em Portugal nenhuma convulsão social, porém
A rroposta, destituída de sentid.o, mencionava '!2gam�� , foram- se a itan-
a artir da segunda metade e ao longo do século
umas das 18 mestras deveriam ensmar a coser, fiar, bordar, cor-
do ondas, provando que nem todos eram acor es com esse d�
---------
tar e outras a ler e escrever, mas todas, sem exceção, deveriam ê� t
- - ,de submissão. Tr�grandes hoID.ens,d,a_cultur.a.d�p.gca setecentis �,
si.13llr a Doutrina Cristã. es: Luís Antón io� �
escreveram suas idéias sobre como educar as mulher
Aprovada pela Real Mesa Censória, a proposta para a educa- ir?._ dE;_ Q!lvei é!,_�- �
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� ( 1 �h_Ribeiro Sanche�Ll.2_6_?2...:. <,;.....C .!v�
çno feminina em l.1Q9, entretanto, não saiu do P..e_P�
(12_.5_!). � �i..
i11icT;1tiva por quase trinta anos. Adão (1996, p. 85) ;firma: "estas
• "'I�-
36 37
2.3 Verney e a educação feminina
38 39
Si.o rarissímas, no s livros de Histórja, as menções àedw:;,fü2_0 Lopes (1989, p. 93) afirma que Verney (1952) nada apresen-
feminina no_Bra_sil C olonial. Eu mesma, quando redigia minha dis tou de novo para a transformação da vida feminina em sociedade.f'-. ,;
./
sertação de mestrado, em 1987 no Brasil, Educação da Mulher no Suas recomendações foram as mesmas de autores anteriores a ele.,; f 4?
Brasil-Colônia (1996), deparei-me co m a mesma pro blemática. Ob Porém, o mérito de Verney (1952) foi de ter tido a coragem d� �
servando essa lacuna, interessei-me pela o bra de Luís Ant onio reservar, exclusivamente, em uma de suas cartas sobre o método
Verney, O Verdadeiro Método de Estudar(1952) e sua propo sta rela de estudar, algumas folhas ao problema da faíta de educação femi...:
tiva ao "Apêndice so bre o estudo das mulheres". Naquela época, nin_a em PortuggiCÊ certo que se;do·u� apêndice, refere-se a uma
procurei fazer um paralelo de sua o bra com a de Jo sé Lino Coutinho parte anexa, distinta do que escreveu em seu método pedagógico
(1849) e com a do Bispo Azeredo Coutinho (apudOliveira, 1973). mais aprofundado. Um acréscimo ao que percebia so bre a p o breza
A meu ver, ambos so freram influência do s estudos de Verney (1952) na instrução de mulheres portuguesas e a necessidade em educá-
e de seus antecessores, ao conceberem e divulgarem a proposta do las.
método pedagógic o das educandas brasileiras 16• �ªSéculo das Luzes" acreditava só haver progresso para,°�
.
b_o mem.f.J k!s ta.edilícação..s..o.cia.Lp.er..meio..de..u...1I1..a.pro füncla renova-;e�
Se no Brasil a influência do Verdadeiro Método de Estudar(1952)
no período setecentista foi até o momento pouco explorada, em ção cultural, no que diz respeito àeducação �� sexo feminino, 1_2o_i-1to�
_
Portugal causo u polêmica e foi motivo de vários artigo s em revis co se alterava. No amDiente d o minanteda C ontra-Reforma, quN
tas e livro s. No entanto, os autores que fazem referência a O verda penetrava lenta e difusamente nos alvores do Setecentismo em Por'.:?o�
deiro método de estudar (1952) tratam dos vári os ramos do conheci tugal, a educação da mulher foi posta de lado .
-1"�'
mento abordado s por Verney, estabelecendo um silênci o abso luto Nesses estudos e no contexto do Iluminismo francês, a teoria
elativo ao "A êndice so bre o estudo das mulheres", rarissimamente a ação educativa vêm a ser instrumento s privilegiado s de trans
L, rJJJfJJi:.
-�1
Ypr1$i l�cla_ç_ o mo uma-p1:op.os-ta inoya o ra 12<1.Üi a e_dLJç-aç[o da mu formação cio ho mem, da mulher e da sociedade, tal como testemu
lher em Portug.?1' 7• nham o s ideário s pedagógicos desse perí odo. �y (1952) reco
-N e�- -- nhecia a urgência em determinar um novo sentido 2ara o estudo v�
ir/J das muíheres portuguesas. ,....\
'" No Brasil, as influências do Verdadeiro Método de Estudar, de Luís Antonio Verney, A realidade esco 1arnêsse país revelava um completo despr�- -e,,
referem-se a duas propostas de ensino: a obra "Cartas sob1-e a educação de Cora", escrita
no primeiro quartel do séc. XIX ( 1849) por José Lino Coutinho, professor de Medicina, "·º à educação das mulheres, conduzindo a um anaítabet1smo_gene
e nos Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, em Olinda, Pernambuco, rnlizado: "pouquíssimas sabem ler e esêrever: e muíto meno s fazer
redigidos pelo Bispo D.José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho em 1798. Aliás
Azeredo Coutinho, apesar de ser brasileiro, viveu e estudou por muito tempo em Portu 11111bas as coisas correctamente." (Verney, 1952, carta 16, ap.10-15,
gal. Nasceu em 174-3, em Campos-RJ e licenciou-se em Cânones na Universidade de p. I !27) Quais as causas dessa ocorrência? Haveria fundamento para
Coimbra. Na vida do Reino, impregnou-se das idéias iluministas, vindo para o Brasil na
década de noventa com o objetivo de dedicar-se à educação da mocidade brasileira. Ver: 01-1 portugueses c onsiderarem as mulheres intelectualmente inferi-
COUTINHO, José Lino. Cartas sobre a educação de Cora, seguidos de um catecismo moral. 111'(•s, e conseqüentemente não lhe permitirem serem educadas em
(Bahia: Carlos Pongetti, 184-9), e sobre Azeredo Coutinho ver OLIVEIRA, Betty. As
refàrmas pombalinas e a educação no Brasil. São Carlos: UFSCar, 1973. (mimeogr). 1·st ahelecimento s esco lares?
17 ANDRADE, António Alberto Banha de. A,refàrma pombalina dos estudos secundários
Verney (1952) responderia como um Iluminista ap oiado no
(1759-1771) Contribuições para a história da pedagogia em Portugal. 2 v., Coimbra.
Por ordem da Universidade, 1981-1984, encontra-se a citação: "se nem os homens 1111"ionalismo: Se a razão é faculdade especificamente humana, per
sabiam ler e escrever, as mulheres então para quê?" (p. 39) É pois, sobre o fato de que t1•11r� t,1nto a homens co mo a mulheres. Para ele. o sexo feminino ��
-
não se preocupavam com isso, nem homens, nem mulheres, que acredito que era rara a
t'IH'rnltrava-se na ignorância, em Portugal, p orque até aquele m o-
alfabetização feminina. Em outras obras do mesmo autor� Contributos para a história da ,,..,
mentalidade portuguesa (Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1982) e Verney e a 1111•1110 ;1 educação não se estendia de mo do i_ ual, mas diferenciado �
,·11t1'(• ambos os �':!;!:.os. A diferença decorre, segun o o autor, "Ua tl
pr(!feção de sua obra (Lisboa: Ministério da Cultura e da Ciência/Secretaria de Estado e
da Cultura, 1980), não há menções ao "Apêndice sobre os estudos para mulheres", o que
revela um provável descaso com o tema. 1plirn<;:\o e exercício que um (sexo) tem e outro não tem" (Verney,
111/i'.I, (';1rta 16, Ap. 10-15, p. 125).
40 41
O problema seria tornar evidente o preconce
ito que o gênero fine o papel da mulher em duas�s J�idades: " ... este é o fim.
ma s culin o nutria pela educação feminina. Verney ( 1952
) acredita para que a Pro_y..1.êI.ênc�s.,pJ>_s no mundo: para ajudarem = oLmark
va que não bastava apenas propor uma reforma educi"t:iva; era pre
- dos ou parentes, empregando- se na; �oi;;, s d�é sti-;;=a; -�o mesmo
ciso mostrar como se geravam os equívocos e as idéias pré-conce- s
tempo q�'"e'" ele sêãpTiêãm às de forã." "(Vê1-=iíey, 1952, carta 16, Ap.
--� pelos homens. Pela via das capacidad
es da"'?azão, toda a dis 10-15, p. 137) Reforçava com essa definição, o espaço feminino res
�inação é ilegítima e injusta. Configurar-se
-ia um ato insano ao trito à esfera privada e o masculino à esfera pública. Definia ainda
não se educar as mulheres. De acordo com Verney (1952): "Pelo
quais eram as mulheres que deveriam utilizá-lo: as mães, as espo-
que toca à capacidade é loucura persuardir-se que as mulheres te
sas e as freiras. As solteiras, nem pensar!_çom isso, sem r.erce�
nham menos que os homens. Elas não são de outra espécie no que A::,..,
reforçava o preconceito ao qual fizera in�meral> críticas. Impedia,c.:9.1�.
toca à alma." (Verney, 1952, carta 16, Apêndice 10-15, p. 125)
dessa maneira, e abertura plena às múltiplas condições das �ulhe-:, ��
O autor da proposta do estudo para mulheres �
solicitava aos re s gue viviam no século XVIII. Nem toda s er._am mães, esposas ou er...,�
horne�não considerassem as mulheres inferiores pelo fato de ----- ...... 'C
freiras. Seu método a s e:iscluía, o que sjgnificava um paradoxo em .1
se e ncontrarem em est�do de ! norância, pois apes
ar dos esforço;
-
g_ relação ao ideal de liberdade no qual acreditava.
;;Jücativos@e se forneciam aos rapazes, muitas vezes
.,_;,.,.-- - �les contj_: Como deveria ser essa educação preparatória da vida domés-
nuayam ignorantes. Nesse sentido, o que se poderia dizer sobre /l?
as i
� � _ religiosa da mulher? Ver_ney (1952) recomendava u:11ª área G:7�
a e
meninas a quem s�e impedia completamente o acesso ao estudo?
m1cial de formação geral, seguida de uma formação especifica em
Verney (1952) mostrava, sem qualquer hesitaç
ão, que a dife Ç1!llilra geral e dÕméstica. Nos funcla,!TI�nto�da educação as �� ,,...
rença de sexo não podia legitimar uma desigualdade de oportuni '...
lh�s deveriam estudar os_pr.hneiros elementos da escrita, feitura
dades educativas. Ambos os sexos deveriam aperfeiçoar-se no Ver
� aritmética, ™re_nq_o a p_roce ssos !itdicos e)ntegr.ad.o.s u�ipa_
dadeiro método de estudar, que deveria conter o novo espírito cultu
cotidiana das meninas. Esse_ensino primeiro relacion!!::"�.LeS.;
ral. Se a mulher tivesse o direitQj escolarizaç� ela participaria da
treitamente às li@s de catecismo e à icÕn-;grafia religiosa. O pre
reaI1aade educativa. Aliás, acrescenta Verney, sempre que ocorre
�portunidades educati;a�so de u� cursor do O verdadeiro método de estudar rec�mendaria, aÍnda, em
------- - --
bom método, como se
venhcava de modo exemplar e�nulheres célebres, "vê-se;�
lher discorrer tão bem como os homens" (Verney, 1952, carta 16,
relação à educação básica, um maior aprofundamento à introdu�
�ramática, já que elas só teriam acesso à ed�caçã3 em� Em
contrapartida, Õsmeninos daquela época têriam acesso às escolas,
Ap.J-15, p.126).
e portanto, estudariam muito mais.
Infelizmente, o método de Verney, em decorrên
cia do contex Às meninas �oram ministradas noções de artes doméstis_as,
to histórico em que estava inserido, utilizou como critério para a �
"estudos mais próprios das mulheres", segundo expressão de Verney�'?.,
necessidade da educação feminina apenas as ditas qualificações "na
mava que:
- --
turais" das mulheres: o de serem "boas EJ,!ei' e "boas e.s.po�as". Afir-
(1952) e que denota um estudo discriminatório. Aprenderiam esses_
ofícios "d;;ulher" J!imultªo_earo�1Te:"a1
os_ est�s �istóricos (gre-
go�, romanos e portugueses). A história, por conseqüência, evoca:
�
...elas, principalmente as mães de família, são as nossa �ia "famosos ex�mplos de to'das as. virtudes morais, próprias para
s mestras nos regular as acções e animá-las". Entre esses exemplos, haveria a ci-
primeiros anos de vida: elas nos ensinam a língua;
elas nos dão as tação de alguma figura feminina? Quais ações seriam dignas de
primeiras idéias das coisas. E que coisa boa nos
hão-de ensinar, se
elas não sabem o que dizem? (1952, carta 16, Ap.I0 enaltecimento naquele período? Vern ey (1952) afirmava que os
-15, p.124)
exemplos "confirmam qualquer pessoa na fé e religião". Esses es
A educação de aperfeiçoamento para si própria e stava tudos complementares seriam ministrados apenas às men�a�
fora de
cogitação! Baseado na autoridade conferida por Rollin, Verney de- estratos sociais superiores.
42
4·3
�:Jl
r•
ai.
45
44
2.4 Ribeiro Sanches e a educação das meninas 18 q
nh a conhecimento do Verdadeiro Método de Estudar, estudo con�
temporâneo a o seu. A novid ade é que avança um pouco quando �
r� � Sa nches (1922) preconizava educa ção apena s par a a s mulhe �ita-a_:po§tilhi)idade da existência da "solteirona". Verney (1952)
�:; res oriund as da nobrez a portugues;- Tin��I:!._C!io d�ue
o acesso é m ais tax ativo quando reconhece, em seus estudos, apenas a possi
�ndizagem escolar da s mull1eres de ca madas m ais baix as re=::- bilid ade de as mulheres serem mães, espos as ou freira s. Em Cartas
�
't'{�� presentasse um perigo à _estrutur a vigent;. Um amigo clãnobreza-
rJhv· sobre a educação da Mocidade(l 759/60) tr atou da questão educ acio-
solicit ava-lhe opinião sobre como deveri a ser a educa ção de sua nal feminina r apid amente, e sempre com a preocupa ção de ver a
filha . Ribeiro S anches ( 1922), em carta de 1754, de cunho mor alis mulher como aquel a que cuida inicialmente da vid a do menino. A
48
+9
creio que não há nada mais frágil que a mulher. Nisto aparceiro ordem de aduladores é densa e esta ordem de damas rara, daí as
com Cícero que reputava a mulher incapaz de emitir um bom pare mulheres doutas e prodigiosas. (Oliveira, 1922, p. 150)
cer. Era dentro deste princípio a lei romana lhe impunha um pro-
� cura or no tocante à educação dos filhos." (Oliveira, 1922, p. 218) Seriam tão incomuns as mulheres sedentas de saber nessa épo
...
��f}'P- Cavaleiro de Oliveira (1922) considerava uma mulher sábia ca em Portugal? Não estaria exagerando Cavaleiro de Oliveira, que
(O P ão inútil como um cavalo de circQ, e não lhe�econhecia sua capa foi contemporâneo a Teresa Margarida da Silva e Orta, e outras
Jgt!, (?' cic�ra �ac��io ;i;;trato. A dedicação do gênero feminino mulheres esclarecidas desse período, ao fazer as afirmações acima?
��pf"ciência era no sentido de ser amável e adorável, inteirando-se do Verney (1952), contemporâneo ao Cavaleiro de Oliveira, dizia que
rJf"' bem e do dever, firmando-se nos mandamentos de lealdade e fide- "muito poucas sabiam -ler e escrever e não conhecia uma única que o
lidade a união absoluta com o homem. "Ao homem, infelizmente, fizesse correctamente?" (grifo nosso) Brincando ou tratando seria
tanto em Cavaleiro de Oliveira, como em outros que escreveram mente da condição feminina, reproduziam com todas as letras, o
sobre educação, não há menção sobre o que podiam ou não reali discurso normativo que a sociedade impingia: mulher não deve ser
zar." (Lopes, 1989, p. 94) Deveriam eles também se manter fiéis aos letrada.
mandamentÓs de fidelidade? O que diriam se uma mulher os com Exageros à parte, não havia de fato, até aquele momento, ne
parasse a um asno? Cavaleiro de Oliveira concluía sua reflexão afir nhum estabelecimento escolar do gênero, que pudesse propQiçio:
mando que �es deveriam ser ponderadas,_e__� nar uma educação cuidada e planejada
- --às mulheres, até o final do_
e inteligência seriam como o sal na cozinha; nem muito, nem pou �éculõ XVTII.
50 51
duzia o mesmo discurso normativo relativo à condição feminina da menta musical, segundo os preceitos do solfejo, pois seriam prepa
sociedade setecentista: radas para serem as futuras esposas cultas e boas donas de casa.
Essas "novidades" aconteciam em Portugal influenciadas pela edu
Não queremos a mulher escrava; mas também não a queremos cação ocorrida na França.
licenciosa. [. . .] e para isso é preciso educá-la e instruí-la. Mulher Infelizmente, como o Colégio das Ursulinas da Vila de Perei
livre é somente aquela, que, educada e instruída no amor de Deus e ra mantinha um vínculo muito estreito com os Jesuítas, o Marquês
ao próximo, sabe ser donzela honesta, filha obediente, irmã extre de Pombal, que os execrava, pretendeu desativá-lo. Em conversas
mosa, esposa fiel, e mãe carinhosa. Enquanto essa, que corre solta e
com as responsáveis, decidiu mantê-lo com recursos advindos de
sem pejo pela estrada do vício, é escrava do pecado e do demónio,
que são os maiores tiranos da alma e do corpo. (Adão, 1996, p. 189) outros recolhimentos extintos. As freiras foram obrigadas, inclusi
ve, a trocar de hábito, usando então o de Santo Agostinho. Quando
D. Maria assumiu o colégio, após a morte de D. José e da destitui
ção do Marques de Pombal, "o colégio estava próximo de sua ruí
na, reduzido ao apuro de quase terminar a sua existência". (Adão,
1996, p. 189) Apesar de problemas que, certamente, enfrentaram
com o poderoso ministro, o Colégio de Pereira era de muita
credibilidade. De várias partes do reino vinham meninas estudar
naquele local. O preço era avultado para a época: 40$000 réis anu
ais. Iniciou-se como internato, mas, em virtude da procura, atendia
alunas externas.
Adão afirma que semanalmente as alunas eram avaliadas, por
meio de sabatinas, "ensinando-lhes, e suprimindo os conhecimen
tos, a que as Mestras não podiam chegar". As freiras também aca
baram com o antigo costume das alunas usarem invariavelmente
hábitos de lã, passando a usar roupas comuns, caseiras, para que
pudessem aprender a cuidar das suas roupas e apresentar-se ao
mundo. Era uma educação útil, tanto que ensinavam formas de
cumprimento, maneiras de portarem-se diante da comida, da bebi
FIGURA 2 - A educação foi o primeiro espaço público onde as mulheres puderam atuar. da, além de outras boas maneiras, "que apesar de minuciosas, reve
Professoras ou mães professoras, ela moldam a cidade. Fonte: George Adolphus Storey lam a boa ou má educação de quem as pratica" ( 1996, p. 189).
(1834-1919), The blue girls ofCanterbury. ln Michelle Perrot, Mulheres Públicas, 1998.
Na Ordem da Visitação ( 1876), criada no Convento de Belém
para o ensino das meninas nobres, aprendia-se a ler, escrever e con
Quanto ao conteúdo de ensino, havia uma distinção entre o
tar, a fazer rendas e bordados, Francês, Italiano, Latim, Gramática
que se ensinava às alunas internas ou pensionistas, oriundas de
Portuguesa e Geografia. Além destas matérias, as alunas deviam
estratos sociais mais elevados, e às alunas externas, sem recursos
ser instruídas "nas boas artes, que lhes são próprias, e instilando
financeiros. Ambas aprendiam, para além de ler, escrevei� contar,
lhes os mais puros sentimentos de piedade, e de religião" (Adão,
trabalhos de costura, bordados e rendas, doutrina cristã e elemen
1996, p. 189).
tos de civilidade, .latim, e inglês. Às mulheres mais ricas, acrescen
Adão afirma que essa ordem religiosa, ao observar que as me
tava-se o francês, o italiano, o canto, e o manejo de algum instru-
ninas, nos finais do século XVIII, estavam num estágio mais atra-
52 53
sado do que o sexo masculino, preparou um conjunto de compên Tomara que visse este rebanho de cordeirinhas arrancada da boca
dios para o uso de suas educandas, de autoria do Padre Teodoro de do lobo [. ..] Ahi estão agora instruindo-se em tudo que convém a
Almeida e uma freira. Ao contrário das Ursulinas, essa instituição huma Mãi de famílias; depois casão com officiaes; contribue-se-lhes
não aceitava alunas externas e, durante alguns anos, não gozou de com alguma cousa para o seu estabelecimento, e fica uma família
muita credibilidade na nobreza, para educar suas filhas. "Parece talvez bem util á Religião, e á Sociedade. (Peixoto, 1991, p. 143)
que os objetivos a que se propunha não estavam sendo seguidos,
quando abusavam da fraqueza da educandas, para convencê-las a Nos finais do século, em 1790, como já mencionado anterior
seguir a vida de clausura." (Adão, 1996, p. 262) mente, o padre Joaquim José dos Santos fundava a Casa da Educa
Além desses estabelecimentos, foram criados mais dois, da ção das Meninas, na Junqueira (Lisboa). Pouco se sabe até o mo
Congregação das Ursulinas. Em 1777, o Colégio de Vianna21 ,e em mento sobre essa instituição. Adão (1996, p. 195), menciona-o como
1784, o Colégio das Chagas de Braga, em decorrência dos bons "local onde se ensinava a ler e escrever, piano e canto. Era uma
serviços prestados pelas freiras dessa congregação em Vila de Pe obra de cunho filantrópico."
reira. Esse último foi auxiliado financeiramente pelo Frei Caetano Quanto às mestras de ensino particulares, parece que ensina
Brandão22 • Esse Frei conhecia perfeitamente a realidade escolar vam algo semelhante ao conteúdo ministrado nos conventos.
em Portugal na segunda metade do século XVIII, nomeadamente, Em 1784, uma francesa moradora em Lisboa, ensinava "com
o abandono, o analfabetismo e a discriminação pela educação da toda a perfeição a falar, ler, escrever, e contar, em Português, e em
mulher. "Não havia, para esse arcebispo, qualquer fundamento em Francês: como também a coser, bordar e mais qualidades que com
considerar a mulher intelectualmente inferior e, desse modo, en pletam uma educação cristã, e civil" (Adão, 1996, p. 262).
contrar uma justificação para afastá-la do sistema escolar." (Peixo De qualquer forma, tanto Ribeiro Sanches (1922), quanto Luís
to, 1991, p. 90) Antonio Verney (1952), Frei Caetano Brandão (1790) e os estabe
Em vários de seus escritos, Frei Caetano Brandão (apud Pei lecimentos religiosos e mestras particulares de educação, comun
xoto, 1991 ), retomava, freqüentemente, a questão da necessidade �avam dos mesmos princípios: à mulher não interessava, nem a
educativa da mulher. Para tanto, avançava com duas "necessidades abertura de espírito e nem a clarificação das idéias que o estudo lhe
fundamentais": a primeira relacionava-se com a formação de boas podia proporcionar. Todos concordavam em conceder às mulheres
mães, a segunda referia-se à formação boas esposas: o acesso a apenas certas matérias.
Para os portugueses, ela deveria aprender algumas habilida
des e conhecimentos, pois, além de companheira do homem a quem
deveria facilitar e tornar agradável a vida, deveria também educar
21
No período em que estive em Portugal, recebi das mãos do P rofessor Rogério
Fernandes um exemplar recém editado do livro de Manuel Inácio ROCHA, O real o �ênero masculino. Devia-se conhecer, mas não em profundidade,
colégio das Chagas (Instrução de meninas em Viana I 778-1884). Governo Civil de Viana do pois certos conhecimentos tornar-se-íam perigosos ou, inúteis para
Castelo, 1996. Rocha investiga a instituição que constituiu a primeira aula pública do
11 condição feminina. De acordo com Lopes:
sexo feminino existente em Viana, e que foi, também, a mais importante e eficiente
instituição de ensino de meninas no Norte do Douro, durante mais de um século Trata
das circunstâncias da fundação do Colégio das Ursulinas, sobre sua vida interna, sobre
Tal convicção inseria-se perfeitamente no pensamento da época,
o tipo de educação ministrada e os métodos e programas de ensino.
"Frei Caetano Brandão fundou vários estabelecimentos de ensino, entre eles o Colégio segundo o qual a instrução deveria ser distinta consoante o grupo
S.Caetano ( 1791-1991). Atuou no Brasil, em 1788 (Pará), na criação de um colégio social a que se destinava. O Pressuposto da necessidade de limitar o
para a educação de meninas pobres e orlas. Em Portugal, além do Convento das Ursulinas
saber de acordo com o estatuto social e a função a desempenhar,
de Braga, instalou em 1798 20 escolas para o ensino de meninas pobres no Recolhi
mento de Tamanca, nas f�eguesias de S.Lázaro, Sé, entre outros. Foi considerado um apoiando-se na inutilidade e no perigo decorrente do acesso ao co
dos maiores pedagogos do século XVIII, em Portugal. Ver: PEIXOTO, José Carlos nhecimento por parte dos estratos inferiores, era uma das idéias
Gonçalves. Pensamento Social e Pedagógico de Frei Caetano Brandão. Braga: Gráficas do
Diário do Minho, 1991.
caras aos homens das luzes. (1989, p. 96)
54,
55
Não eram as mulheres do século XVIII um grupo social de 2.6 Mulheres em pele de homens
marcado, restrito e condicionado a obter apenas a educação que à
época lhe convinha? O século XVIII impõe a marginalização da esfera pública
para as mulheres, "que se constitui [ ... ] a partir das sociabilidades
Como mencionado anteriormente, instalar-se-ía o primeiro
masculinas, e depois, com a Revolução, a rejeição da sua cidadania"
colégio para educar me_ninas, no Convento da Visitação ( 1 782).
No entanto, mesmo nesse lugar, o objetivo das freiras era (Chartier, 1995, p. 46). Nesse sentido, é preciso fazer uma releitura
professá-las e não educá-las para a convivência em sociedade. dos papéis que as mulheres deveriam desempenhar, evitando-se a
Quanto às mulheres do povo, permaneceriam ainda na escu armadilha de uma história linear, como a de D. António da Costa,
que traça a progressiva conquista de autonomia e de igualdade fe
ridão e na submissão.
mininas, demarcadas por combates heróicos e figuras exemplares.
Apesar de parecer à primeira vista que não havia avanços para
Vestir-se de homem foi um recurso muito utilizado pelas mu
a educação feminina, os autores citados acima inovaram em rela
ção à obra de D. Francisco Manuel de Melo apud Peixoto, 1991, lheres para terem acesso ao mundo masculino, estendendo até o
século XIX. Até essa época, fez-se pouca questão de as mulheres
denominada Carta de Guia dos Casados ( 165 1 ). Nesta obra, a mu
aparecerem no relato histórico, o qual, na verdade, ainda está pou
lher passava a tutela dos pais para a tutela ainda mais apertada do
co constituído. As que foram aparecendo, registradas pelos cronis
marido, devendo viver em reclusão completa, "inclusivamente com
tas, são quase sempre excepcionais por sua beleza, virtude, heroísmo
a capela em casa, sem confidentes, sem criadagem da sua confiança
ou, pelo contrário, por suas intervenções tenebrosas ou nocivas,
pessoal, vigiada estreitamente nas suas relações e despesas, sem
suas vidas escandalosas. Como afirma Perrot: "A noção de
cultura literária e artística" (p. 145).
excepcionalidade indica que o estatuto vigente das mulheres é o do
As mudanças que ocorreriam na vida das mulheres da socie
silêncio que consente com a ordem." (1995, p. 13)
dade portuguesa, a partir da segunda metade do século XVIII, se
riam conseqüências da nova sociabilidade urbana que surgia, de
D. António da Costa não fugiu a esta regra. Nos finais do
Século XIX, escreveria um livro sobre a Mulher em Portugaf-3, no
correntes das influências Iluministas francesas. As perspectivas
qual é possível observar exemplos de mulheres que mostraram seus
abertas pelos inovadores eram ainda muito limitadas. Chama-se a
·onhecimentos e atos de heroísmo. Por limite de espaço, descreve
atenção para a necessidade da mulher aprender, mas deveria fazê
rei alguns em que, muitas vezes, não há datas dos gestos anuncia
lo muito mais pelos seus filhos, pela sua casa, pelo seu marido, que
dos. Apesar do enaltecimento, são esses relatos que permitem a
por si própria, pela sua efetiva emancipação.
rnntraposição ao discurso normativo de que as mulheres pouco
Lopes, autora do excelente estudo Mulheres, espaço e sociabili
.�nbiam ou arriscavam.
dade ( 1989), anunciava que vinha da França a moda adotada em
Portugal, a qual exigia mulheres prendadas para pertencerem aos Como as mulheres não participavam dos acontecimentos pú
hlicos e como a política interior e exterior (guerras, diplomacia), os
novos grupos sociais que iam brotando. De fato, não foi a escola
documentos administrativos e as crônicas do poder as remetiam a
que abriu as portas da esfera pública para as mulheres, mas a soci
abilidade. Nascia, a partir da segunda metade do século XVIII, uma
" () livro de D. António da Costa, único exemplar na Biblioteca Nacional de Lisboa, foi
nova mulher em Portugal: mais fina no falar e no agradar. As mu , 1111N11ltado por mim, mediante autorização da bibliotecária-chefe. Encontra-se em mau
lheres que se destacaram nesse período, o fizeram sempre às escon i'HI 11,lo de conservação, amarrado por uma cordinha. Foi publicado após sua morte,
111111•111,ado. Em alguns lugares, há apenas os títulos e os apontamentos principais. É
didas ou acompanhadas do consentimento de pais, irmãos e mari 1111111 obra densa e rara, de suma importância para o conhecimento da mulher portugue
dos. •11. 1° 01110 filha, mãe, educadora, escritora, soberana, entre outras. Inicia-se citando as
1 11 l1111"ir11s rainhas portuguesas até as mulheres de vulto, contemporâneas à sua vida. O
J II 11d11l0 da edição póstuma foi destinado a uma criança desvalida, a quem ele protegia
, 1•il111'11vn. COSTA, D. Antonio da. A mulher em Portugal. Lisboa: Nacional, I 892.
57
56
um lugar secundário, omitiam-se ou encobriam-se, muitas vezes, Um dia cortou os cabelos, colocou-se em roupas de rapaz, e
as atitudes femininas ditas masculinas. transformou-se em António. Costa ( 1892), descreve a trajetória de
Como exemplo da mulher que se assume cm trajes de homem Antónia carregada de qualificativos femininos, sem notar que se
para ser corajosa, conta Costa (1 S92), o caso de D. Maria de Sequeira, Antónia de fato os acentuasse, poderiam percebê-la um homosse
mulher de Antônio da Cunha Souto Maior, desembargador que re xual. Certamente Antónia, para garantir seu futuro como homem,
gressava do Brasil a Portugal. representou com muita masculinidade seu papel, pois nunca foi des
Parece que na manhã de 20 de março de 1 714, Gaspar dos coberta. Ao contrário, quando ela percebeu que havia despertado o
Santos, Comandante da nau Nossa Senhora do Carmo, ao navegar amor de uma mulher, resolveu revelar seu segredo. Nesse sentido,
no litoral da Bahia, avistou três navios, com cento e trinta canhões, a narrativa de Costa peca em suas premissas:
enquanto a nau deles tinha apenas vinte e oito. Eram corsários
argelinos:
Sae de casa ás escondidas, e eil-o grumete n'uma caravella
Quando começou o combate, apareceu D. Maria de Sequeira, desmandando Mazagão. O mundo é vasto, e o espírito ainda mais
bradando que a rendição seria morte certa. Aplaudido o seu brado, vasto do que o mundo. Em Mazagão o grumete da caravella trans
apareceu em trajes de homem [grifo nosso], colocando-se como com forma-se em soldado. Estimavam-n-o pela sua boa índole. Nas ruas
batente atuante. Travaram luta dia e noite, ora lutando contra os os da cidade esgrimia com tanta graça, que o mudou para cavallaria o
combatentes, ora auxiliando com curativo_s os que haviam sido feri Capitão. Quando faltava a lenha e o farro, eil-o a cavallo com a sua
dos. Quando a noite veio interromper a luta, ela com as suas pretas espingarda, dirigindo audazmente a sortida. Nas investidas contra
e duas judias, a fazer cartuxos, que iam já faltando. (Costa, 1892, p. os Mouros mandavam-n-o na dianteira por seu valor e perspicácia.
26) Tudo isto concorreu para laurear a fama d'este militar, distincto
como um valente, e de trato gentil como donzella. Franquearam-se
Depois de muita resistência, os argelinos, assustados com o as casas principaes a esse moço, que por sua galanteria enfeitiçava
enfrentamento, foram embora. Ao chegarem a Portugal, o Rei D. as damas. N'uma d'essas casas tão requestrada foi por certa menina,
João V, ao invés de reconhecer o ato de bravura e coragem de D. que se considerou o casamento como justo!
Houve elle então de representar a sua comedia, porque nem po
Maria de Sequeira, entregou ao capitão do navio a condecoração
dia, para não levantar suspeitas, recusar a sua mão, nem, por impos
do Hábito de Cristo e uma tença. Essa atitude mostra muito mais sível, dar esperanças... ( 1892, p. 34)
do que Costa (1892) desejaria: embora a mulher em situações ex
tremas, para destacar-se em atos de bravura devesse vestir-se como O caso complicou-se. Naquele momento, sua felicidade era o
homem, nem mesmo nesses trajes obtinham reconhecimento ofici seu perigo. Vendo que não havia outra saída, a jovem Antónia pro
al. Era preciso ser, de fato, do sexo masculino, ou parecer que era. curou o governador e revelou-lhe o segredo que manteve na Cava
Foi o caso de Antónia Rodrigues, ou a Antóninha, como a chama laria Portuguesa: era mulher. O Governador, espantado e por que
vam. Quando pequena, fora trazida para Lisboa p�r sua mísera mãe, não dizer, decepcionado, mandou-lhe deixar a farda e voltar a ser
que a entregou aos cuidados de outra filha mais velha, casada na mulher. Acabara-se aí seu valor como prestadora de serviços a Por
capital. Quando cresceu, percebeu ser pesada à irmã, e foi pensan tugal. Voltava a viver como todas as mulheres daquele tempo, den
do ºem uma forma de manter-se às suas expensas. Aos doze anos de tro de casa, cuidando dos afazeres domésticos. Foi enviada para
idade, disse para si mesma: "Pois uma mulher não há de servir para viver junto a uma família nobre em Portugal.
nada neste mundo?" (Costa, 1892, p. 26) Ao constatar que muito Antóninha Rodrigues ganhou notoriedade, e muitos em Lis
pouco conseguiria sendo mulher naquela sociedade, resolveu si boa queriam conhecê-la pelos seus atos. Se até ali, enquanto rapaz,
mular-se de homem. eram as mulheres que a desejavam, agora transformada em uma
58 59
2. 7 Mulheres, casadas e solteiras escrevendo...
veu apenas dezessete anos, mas "o suficiente para ser autora de , 111-.�n, com prêmio, para a apresentação de uma tragédia de assun-
vários livros de Philosophia Moral e Rethorica Moderna". (Costa, 1892, 111 d1· interesse nacional. Ganhou-o com o trabalho intitulado
p. 165) Auta, filha de professor da Universidade de Lisboa, que ''( h1111i:i", de interesse agrícola portug4ês. No texto ela solicitava
estudou Teologia e Direito Canônico e foi nomeada pela Rainha D. ,p11•, r11sn ganhasse o prêmio, que o entregassem a quem conseguis-
Leonor, dama de leitura na Corte, e que, levada para o Convento de ,, 1•111·011ln1r o remédio que acabasse com a ferrugem que se insta-
Madre de Deus, professou. 1111·11 1111s oliveiras e as danificava. Ganhou uma medalha de ouro no
11tl111 111- (·inqüenta mil réis, um valor extraordinário por essa ins-
1•1! 111,no, t· 11 Academia imprimiu três edições muito concorridas e
62 63
esgotadas da peça teatral. Sismondi, ao analisar sua obra, com todas mulheres que foram destaque, o foram por seus méritos e
influências nitidamente francesas e iluministas, afirmou que: capacidades. Algumas, que viveram durante o século XVIII, con
temporâneas ao Marquês de Pombal, além de destacarem-se como
N'este genero de composições, em que as mulheres raras vezes se mulheres, escritoras, deixaram seus vestígios de rebeldia. É o que
teem estreado, a Condessa de V imieiro apresentou as qualidades se segue no próximo capítulo.
que distinguem o seu sexo, uma grande pureza de gosto, uma gran
de delicadeza de sentimentos, e o interesse da paixão de preferência
ao das circunstâncias... No desfecho, como em toda a peça, seguiu as
regras do Theatro francez, parecendo na vivacidade do diálogo ter
tomado antes por modelo a Voltaire, do que a Corneille e Racine.
(Sismondi, apud Costa, 1892, p. 258)
Ela não tinha notado que eles vieram como junta médica para
testar seu juízo. Percebendo que era isso, pelos olhares especiais, a
Condessa sorrindo-se foi intercalando differentes assumptos, até lhe
cahir a propósito o caso de Joanna-a-doida, doida só no pensamento
dos que não a sabiam avaliar. Os doutores supplicavam em espírito
ao pavimento da sala que se abrisse para os sumir! .... Sem antes ela
oferecer a cada um um mimo de prata. ( 1892, p. 261)
64 65
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PALEST RA QUE DE HUMA PARA OUT RA JANELLA DIAS, B. Malícia das mulheres - malícia dos homens contra a von
TI VERÃO DUAS VEZINHAS A'CERCA DOS DEZESTRADOS tade das mulheres: embargos, que os homens põem á primeira par
FINS DOS SEUS DOTES EM PODER DE SEUS PERDULÁ te. Mostra-fe os males de que são causa. Parte Segunda. Escrita
RIOS MARIDOS. Por J.M.C. Lisboa: Na Officina de Francisco por M.D.M.C.D.M.A.E.C. Lisboa: Na Officina de Francisco Borges
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