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Copyright © 1957, 2019 by Russell Kirk Legacy, LLC.
Publicado originalmente sob o título:
Russell Kirk’s Concise Guide to Conservatism
Introduction Copyright © 2019 by Wilfred M. McClay
Published by arrangement with Regnery Publishing.
1ª edição 2021
ISBN: 978-65-89129-01-1
Impresso no Brasil
Tradução: Ulisses Teles
Revisão: Cesare Turazzi
Capa: Tiago Dias
Diagramação: Marcos Jundurian
Versão eBook: Tiago Dias
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PIRATARIA É PECADO E TAMBÉM UM CRIME
RESPEITE O DIREITO AUTORAL
O uso e a distribuição de livros digitais piratas ou cópias não autorizadas
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Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB07/6477
Todos os direitos reservados à:
Introdução
1. A Essência do Conservadorismo
2. O Conservador e a Fé Religiosa
3. O Conservador e a Consciência
4. O Conservador e a Individualidade
5. O Conservador e a Família
6. O Conservador e a Comunidade
7. O Conservador e o Governo Justo
8. O Conservador e a Propriedade
Privada
9. O Conservador e o Poder
10. O Conservador e a Educação
11. Permanência e Mudança
12. O que é a República?
Índice de Nomes
Introdução
Agora, essas palavras, por toda a sua severidade, fizeram
Alfredo feliz. Porque Alfredo, sendo um líder cristão, sabia
que estamos neste mundo para lutar pelo certo, para
batalhar contra o mal e defender o legado da natureza
humana e da civilização. Esse é o dever conservador de
todos os tempos; e, como escreveu Jefferson, a árvore da
liberdade deve ser regada de tempos em tempos com o
sangue dos mártires.
CAPÍTULO 3
O Conservador
e a Consciência
Logo, o verdadeiro conservador dedica-se à verdadeira
individualidade, isto é, o direito e o dever que homens e
mulheres têm de serem eles mesmos; o conservador busca
a competição consciente, as diferentes posições, classes e
oportunidades, e uma vida com diversidade, ainda que com
riscos. Ele não busca um “individualismo” doutrinador que
favorece o egoísmo, a ambição privada ilícita e a ideia de
que “os meios justificam os fins”. O conservador combate
tanto esses princípios quanto combate o coletivismo
sufocante. Ele acredita que a sociedade deve encorajar a
verdadeira individualidade e que as armas corretas contra o
individualismo cruel são a consciência privada e as boas
constituições, e não a vigilância política severa de nossa
economia e da vida particular de cada indivíduo. O
conservador não é um ideólogo; isto é, não deseja a mais
absoluta anarquia moral e política, ou um “bem-estar
estatal” oposto à diversidade individual. Ele acredita, pelo
contrário, que a sociedade americana estabelecida no
passado, na qual ambição e ordem pública harmonizavam-
se em um controle mútuo, apresenta a solução ao problema
“indivíduo vs Estado”.
Não há sociedade que acabe de uma vez por todas com
as reivindicações conflitantes do governo organizado contra
a ambição privada. O melhor a esperar é uma sociedade na
qual homens e mulheres reconheçam o princípio geral de
que naturezas superiores têm o direito de se desenvolver, e
que naturezas medianas têm o direito a viver com
tranquilidade. Na história de nosso país, o individualismo
cruel já ameaçou derrubar esse princípio. Mas esse tempo
passou; e no presente, o perigo é de o Estado reprimir a
verdadeira individualidade em nome de uma “justiça social”
niveladora. Hoje, portanto, o conservador prudente procura
mais uma vez alcançar o equilíbrio ao apoiar, com toda a
força a seu dispor, os direitos do indivíduo contra as
exigências arrogantes do Estado das massas.
CAPÍTULO 5
O Conservador
e a Família
George Orwell, em sua obra 1984, descreve as crianças
de Londres sendo ensinadas a espionar sistematicamente
seus pais, e louvadas por causarem sua destruição. Essa
desintegração última do amor familiar e de todo tipo de
amor já é realidade nas nações dominadas pelos
comunistas. E se a família continuar a se deteriorar no
restante do mundo, até mesmo a sociedade em que
vivemos poderá entrar em colapso.
Algumas das técnicas deliberadas ou quase deliberadas
do Estado de massas para minar a família são estas:
1. Tirar dos pais o direito de ensinar os próprios filhos
por meio da adoção estatal de teorias que prescrevem a
“educação integral da criança” em escolas do Estado,
depreciando o ideal de inteligência e dos direitos inatos
dos pais.
2. Criar “organizações juvenis” para tirar os jovens da
esfera familiar em suas horas de lazer e doutriná-los na
ideologia do Estado de massas.
3. Abolir a herança da propriedade familiar por meio de
impostos confiscatórios de heranças ou mediante
políticas de imposto de renda que deixam uma pequena
margem para a poupança familiar.
4. Incentivo planejado do divórcio, da “liberdade sexual”
e “desprivatização das mulheres” por meio de
legislações positivas ou propagandas oficiais, com o
objetivo de enfraquecer os laços da afeição dentro da
família que oferecem uma forte barreira aos desejos do
Estado totalitário.
Ainda há outras formas em que a autoridade política é
empregada para transformar a família numa mera
habitação — uma habitação frágil e impessoal. O
conservador se posiciona contra esses ataques deliberados
à família e permanece de pé mesmo diante dos assaltos
menos deliberados da vida moderna. O conservador sabe
que para a família sobreviver, homens e mulheres
inteligentes, crentes de que a família é a grande força em
favor do bem, devem tomar contramedidas rápidas. Junto
ao professor Pitirim Sorokin, ele sabe que a família deve ser
restaurada e reconstruída, e não meramente louvada em
termos vagos. Nas palavras do Dr. Sorokin:
A família [...] deve tornar-se uma união de corpos, almas, corações e
mentes em um ‘nós’ coletivo. Sua função basilar, de inculcar profunda
simpatia, compaixão, amor e lealdade em seus membros, não apenas na
relação um com o outro, mas com toda a humanidade, deve ser restaurada
e completamente aprofundada. Trata-se de uma realidade necessária
porque nenhuma outra agência pode cumprir essa função tão bem quanto
a família comum. Essa espécie de família se tornará a pedra angular para
uma nova ordem social criativa.
Como sugere o Dr. Sorokin, o conservador inteligente
simplesmente não fica parado. Nesta era em particular, a
tradição e as instituições estabelecidas estão sendo
fragmentadas por forças terríveis, e o conservador precisará
olhar para o futuro, assim como estudar o passado, se
quiser conservar o melhor de nossa herança. Ele deve
restaurar a família a fim de protegê-la da extinção; deve
criar uma nova e melhor ordem social, não cooperando com
o processo cruel de coletivização social, mas infundindo
nova vida nas amáveis instituições da família, da igreja e da
comunidade. A família é a verdadeira comunidade
voluntária, inspirada pelo amor e pelo conhecimento
comum. A única alternativa à família é o Estado totalitário,
governado por forças e poderes centralizadores.
O conservador é a favor de muitos tipos de liberdade. Ele
apoia, por exemplo, a liberdade política, sob constituições
justas e equilibradas; a liberdade econômica, sob as regras
da moralidade; a liberdade intelectual, equilibrada por um
senso de responsabilidade intelectual. Há, contudo,
supostas “liberdades” que o conservador inteligente já
conhece e considera anárquicas e malévolas. Ele não
reconhece nenhuma liberdade natural na tomada de bens
alheios, ou na subversão da lei e da ordem, ou na
destruição dos princípios morais que fundamentam a
essência da verdadeira liberdade. E ele nega a quem quer
que seja, indivíduo ou corpo coletivo, o direito à liberdade
de quebrar os sensíveis laços de afeição e interesse que
fundamentam a família. Tal apetite não é liberdade, mas
licenciosidade. Há demandas sociais que simplesmente não
fazem parte da liberdade ordenada, mas, pelo contrário,
negam a essência daquilo que significa ser
verdadeiramente livre: relegar o casamento a não mais que
uma mera forma legal de união sexual, isso se chegar a
tanto; converter o homem e a mulher num mero borrão,
com funções e tarefas idênticas; “libertar” a criança da
influência de seus pais; abandonar os preceitos morais, cuja
essência constitui o acúmulo de sabedoria do povo e da
nação, em prol de algum tipo de “nova moralidade”
coletivista.
A família é mais do que um simples arranjo operando em
favor da gratificação dos impulsos sexuais, e mais do que
um mero instrumento acidental de moradia. Acompanhando
as palavras do Dr. Sorokin, “Mais bem-sucedida do que
qualquer outro grupo, a família transforma seus membros
em uma entidade única, com uma reserva comum de
valores, com alegrias e tristezas comuns, cooperação
espontânea e sacrifício solícito”. A família mantém à
distância o coletivismo estéril. A família nos ensina o
significado do amor e do dever, e o que significa ser
verdadeiramente homem e verdadeiramente mulher. A
família é o “pequeno grupo ao qual pertencemos na
sociedade”. O conservador sabe que sem a família, nada de
maior importância na cultura será preservado ou
aprimorado. A família tradicional — que, ao lado de outras
realidades há muito instituídas, é indispensável — nos firma
nessas raízes, sem as quais seríamos todos apenas
pequenos átomos de humanidade solitária, destituídos de
princípios e à mercê do domínio de políticas e leis de ferro.
CAPÍTULO 6
O Conservador
e a Comunidade
Além do mais, posso dizer que essa desintegração da
comunidade e seu controle por uma autoridade centralizada
geralmente acompanham proporcionalmente a deterioração
da cultura e da moralidade, virtudes que parecem florescer
apenas quando a comunidade ensina os padrões da
civilização e da decência.
Ora, uma nação não é mais forte do que as várias
pequenas comunidades que a compõem. Uma
administração centralizada, ou um grupo de governantes
selecionados e servidores públicos, ainda que bem-
intencionados e devidamente preparados, não podem
conferir justiça, prosperidade, paz e boa conduta à massa
de homens e mulheres privados de suas responsabilidades e
instituições tradicionais. Esse experimento já foi aplicado
antes, de forma notável na Roma antiga, e foi um desastre.
É o desempenho de nossos deveres que nos ensina a
responsabilidade, a prudência, a eficiência, a caridade e a
moralidade. Se outra pessoa assume esses deveres, ela é
forçada a carregá-los, ou então atrofiamos, socialmente e
moralmente, pela falta de seu exercício. E o corpo
burocrático que assume essas responsabilidades sociais que
até então não lhe competiam não permanece diligente e
com as faculdades mentais sãs por muito tempo. A
sociedade vigente é quem recruta seus governantes e
servidores públicos; eles não escaparão da corrupção e da
indolência se vivem em um período de comunidades
desintegradas.
Sem dúvida, por vezes é cansativo trabalhar na diretoria
de escolas locais, ou ter de participar de reuniões
organizadas por instituições de caridade, ou pagar por
melhorias regionais com os fundos locais, ou diminuir o
crime por meio de reformas presenciais. Mas se esses
deveres e responsabilidades forem passados da
comunidade para alguma agência centralizada, em pouco
tempo a comunidade deixará de existir. E se um dia todos
os povos civilizados se virem na necessidade de tomar uma
forma de ação conjunta, voltaremos aos dias do “Bom
Selvagem”: nos encontraremos oprimidos, ao invés de em
uma época de coletivismo. A princípio, essa nova
dominação pode parecer benéfica, mas não será eficiente
nem pacífica após o decorrer de alguns anos.
O conservador inteligente, portanto, cumpre seu dever
perante a comunidade — sua cidade, seu país, seu negócio,
sua posição civil, sua união, seu grupo na igreja, seu corpo
profissional, sua escola ou universidade e seu fundo de
caridade. Tudo isso faz parte da verdadeira comunidade. O
conservador não acredita que cumpriu seu dever como
cidadão se meramente votou em favor de legislações
positivas, formuladas com o propósito de manter um corpo
burocrático distante executando as funções de todas essas
associações vitais. A comunidade é essencial à liberdade,
aos direitos individuais e à composição integral da ordem
social e civil. Sem isso, homens e mulheres são rebaixados
a uma posição inferior à humana — ou serão como as
bestas solitárias da frase de Aristóteles, ou se tornarão a
massa servil do Estado unitário. O conservador não se
posiciona como o anarquista, desprezando seus deveres
para com o próximo. O conservador não propõe trocar seu
patrimônio que é a comunidade pela Utopia centralizada.
CAPÍTULO 7
O Conservador e
o Governo Justo
Já basta do progressista. O conservador é um ser muito
diferente. O conservador sabe que não nasceu ontem. Ele
está ciente de que todos os benefícios de nossa complexa
civilização são o resultado do frágil engenho de muitas
gerações, criação de esforços, esmeros e sacrifícios. Não é
“por mero lapso de tempo” que tudo fica cada vez melhor;
quando as coisas melhoram, é porque homens e mulheres
conscienciosos, trabalhando dentro da estrutura da
tradição, têm lutado bravamente contra o mal e a preguiça.
O progresso, embora muito raro na História, é real, mas é
obra do artifício, da engenhosidade e da prudência humana,
e não um maquinário automático. E o progresso só é
possível se finalmente empreendido em bases seguras de
permanência.
CAPÍTULO 12
O que é a
República?
Para que nós, americanos, também não retenhamos
apenas a palavra “república”, mas não a realidade,
precisamos realizar o dever conservador de restaurar em
nossa geração a compreensão de liberdade e ordem que
tem expressado e encorajado nosso teor nacional. Esse é
um dos principais objetivos deste pequeno livro.
Hoje, quando muitos usam a palavra “liberdade”, usam-na
no sentido dos revolucionários franceses: liberdade da
tradição, de instituições sociais estabelecidas, de crenças
religiosas, de responsabilidades e deveres inalienáveis. Mas
não era nesse sentido que os Fundadores da nossa
República compreendiam a liberdade. Para eles, a liberdade
e a ordem não eram opostas; ao contrário, eles sabiam que
não se pode ter liberdade duradoura sem ordem, e que não
pode haver nenhuma ordem justa sem um alto nível de
liberdade individual. É essa compreensão de liberdade que
devemos restaurar, se desejamos que nossa República dure.
O conservador se esforça para preservar elementos
antigos e grandiosos. Ele se esforça por preservar as
tradições religiosas e morais que nos elevam acima das
bestas. O conservador se esforça por preservar o legado da
civilização ocidental, a sabedoria dos nossos antepassados,
que nos fazem mais do que bárbaros. E ele se esforça para
preservar a ordem social civil, política e econômica que foi
desenvolvida por meio da experiência e da tentativa de
muitas gerações, e que nos confere uma medida tolerável
de justiça, ordem e liberdade. No presente século, o
conservador é particularmente zeloso em preservar a
liberdade. Não nos expomos nem à carestia nem à anarquia.
Estamos, contudo, em perigo quase iminente de perder as
liberdades que nos tornam verdadeiramente humanos.
Portanto, o conservador moderno tende a enfatizar as
reivindicações de liberdade, ainda que em outra época
precisasse enfatizar as reivindicações de caridade e
responsabilidade. E, caso se mantenha fiel aos seus próprios
princípios, o conservador não se esquece de que a liberdade
sempre está unida à responsabilidade.
Nos capítulos anteriores, falei o mínimo sobre economia
política, sobretudo porque creio que a economia tem sido
enfatizada demais em nossa geração. Não acredito que a
grande disputa no mundo moderno seja simplesmente entre
duas teorias econômicas, o “socialismo” e o “capitalismo”,
como Bernard Shaw tentou convencer as mulheres na
geração passada. Não, mas creio que a verdadeira luta seja
entre a sociedade tradicional, com sua herança religiosa,
moral e política, e o coletivismo (representado por qualquer
outro nome) com sua paixão por reduzir a humanidade a
uma mera massa amorfa de produtores e consumidores
idênticos. Em resumo, embora haja muito mais envolvido
nessa luta do que meras questões de lucro, salários e
gestão, hoje somos ameaçados por um coletivismo
econômico, o qual, se triunfar entre nós, dará fim não
apenas a uma economia livre, mas a todo tipo de liberdade.
Portanto, acredito que valha a pena escrever um pouco
sobre as necessidades de liberdade econômica.
Sem liberdade econômica, torna-se inviável manter
qualquer outra esfera de liberdade. A República é mais
importante do que qualquer sistema econômico especial, e
ainda assim a perdurará sem uma economia
substancialmente livre. Existem duas principais razões por
que — dadas as condições atuais dos EUA e nossas
instituições políticas — a liberdade econômica é essencial à
preservação da liberdade em geral: para a liberdade
intelectual, para as liberdades civis, para o governo
representativo, para a liberdade de caráter privado. Em
primeiro lugar, é porque homens e mulheres só podem
desfrutar liberdades externas se não estiverem sujeitos a
nenhum mestre único e absoluto de sua subsistência. A
segunda é que a integridade comum exige recompensas
comuns, e isso falta na economia coletivista (chamada de
“capitalista” ou “consumista” ou “socialista”, ou o que for),
ou seja, faltam as velhas motivações para a integridade, as
antigas razões para uma conduta responsável.
Antes de tudo, algumas palavras sobre a primeira
motivação. Homens e mulheres precisam comer. Se
dependentes de um poder solitário ou de um único
indivíduo para sua subsistência, significa que são escravos.
Esses homens e essas mulheres só poderão atuar na esfera
prática se debaixo da influência desse mestre. Se o mestre
é o Estado, não há alternativa: precisarão obedecer, ou
viverão de vento. E o Estado, por sua impessoalidade, é um
mestre muito mais severo, mais desprovido de caridade e
generosidade do que qualquer senhor feudal.
Dizer que o Estado “democrático” não priva liberdades é
brincar com as palavras. O Estado democrático, assim como
qualquer outra estrutura, é gerido por indivíduos, com as
mesmas falhas herdadas por toda a humanidade,
especialmente a tendência de se perder por poder.
Supor que o Estado em massa sempre será justo e
generoso com seus escravos é supor que talvez exista, em
todos os níveis, uma classe de reis-filósofos superior à
fragilidade humana, purgada da luxúria, da inveja e da
ambição mesquinha. Mas nos EUA de hoje não temos tal
classe; na verdade, por vezes parece que nossa sociedade
faz o que pode para abolir esse sentido de responsabilidade
herdada e de grande honra que compensa a sociedade
patriarcal ou feudal por sua falta de liberdade individual. É
mais provável que, como sugere George Santayana,
seríamos súditos de uma série de oligarcas esquálidos,
desprovidos de um grande senso de responsabilidade. A
República teria perecido.
Agora, algumas palavras sobre a segunda razão. A
maioria das pessoas não age, e não pode agir, em
consideração ao bem-estar geral. Em qualquer economia,
nossa natureza indolente e orgulhosa exige incentivos.
Alguns sempre agirão por altruísmo, mas não serão
numerosos o suficiente para sustentar a economia moderna,
uma vez que os antigos incentivos de avanço, ganho e
aquisição de propriedade foram subtraídos. Essa triste
verdade brilhou sobre a mente dos socialistas mais sérios
na Inglaterra, desanimados com as falhas de sua própria
criação, levando-os a diálogos sinistros sobre “novos
incentivos” — recompensas e punições.
Para que haja a preservação de qualquer tipo de
liberdade, a economia deve ser consideravelmente livre.
Repito que muitas discussões populares sobre questões
econômicas são obsoletas, pois, especialmente nos EUA,
fundamentam-se no pressuposto de que ainda vivemos nas
condições do século XIX, caracterizado pela pressão popular
sobre o suprimento alimentício. Mas os problemas reais do
século XX são diferentes das dificuldades do século XIX,
sobretudo na esfera econômica e em alguns pontos mais
difíceis de abordar. O dever conservador é reconciliar a
liberdade individual com as reivindicações da tecnologia
moderna e tentar humanizar uma era em que o
consumismo consome o consumidor.
O triunfo da tecnologia, embora tenha resolvido
problemas materiais na presente era americana, criou
novos problemas. Mas não precisamos continuar
marchando, como se impulsionados por algum destino
inevitável, em direção a uma completa coletivização da vida
econômica, o ideal socialista do século XIX, já
desmascarado. Não podemos mais nos dar ao luxo de nos
curvar diante da ideologia. Pensar é um processo doloroso,
mas somente por meio do pensamento a ideologia pode ser
controlada; nenhum ideólogo jamais foi derrotado em seu
próprio terreno, exceto por outro ideólogo. É vão apelar para
uma “liberdade” teórica do século XIX. E ainda pior é supor
que por simplesmente repetir as palavras “liberdade”,
“democracia” e “progresso”, consegue-se reconciliar um
sistema de consolidação econômica impessoal com as
antigas liberdades pessoais de nossa civilização. Aquele que
Sidney Hook chama de “liberal ritualista” parece pensar que
tudo o que temos de fazer para manter nossa liberdade é
continuar reclamando e ignorar que estamos perdendo
nossa liberdade. No entanto, muitos desses mesmos liberais
ritualistas aplaudem os próprios processos econômicos e
sociais que estão reduzindo o domínio da liberdade. Espero
que os conservadores façam mais do que isso.
Não podemos simplesmente nos entregar à corrente dos
eventos, aplicando a solução pragmática de analisar cada
caso a partir de méritos passageiros. As políticas atuais
tendem diretamente ao estabelecimento de um coletivismo
econômico, sob um nome ou outro, hostil à República.
Certas medidas de tributação, por exemplo, mais notórias
na Grã-Bretanha, mas diferindo apenas em grau nos EUA,
operam para destruir a empresa privada na antiga acepção
do termo, para abolir a herança de propriedade e o senso de
responsabilidade que a acompanha, a fim de substituir em
longo prazo a compulsão estatal pelas antigas motivações a
favor da integridade.
Parece haver pouca reflexão de peso sobre as
consequências de manter impostos sobre heranças em sua
taxa atual. No entanto, agora constituem confisco e são um
imposto sobre o capital, e não uma contribuição voluntária
da renda para a manutenção da República. Uma sociedade
tão rica como a nossa pode se permitir tolerar homens e
mulheres ricos — e pode se dar ao luxo de encorajar, de
fato, o legado e a herança de grandes propriedades.
Nenhuma instituição social faz mais para desenvolver uma
liderança decente e um senso de responsabilidade do que a
herança de grandes propriedades e dos deveres que as
acompanham.
Tocqueville, observando há 125 anos a hostilidade
americana em relação à riqueza herdada, observou que
grandes fortunas conferem benefícios de muitos tipos a
toda a sociedade — na liderança, no incentivo às Artes, no
apoio às Letras, na criação de novos empreendimentos —,
enquanto uma infinidade de competências mesquinhas, dos
farrapos às riquezas e de volta aos farrapos em uma única
geração, encoraja apenas a arrogância e o gasto de
riquezas em ostentações evanescentes e confortos carnais.
Não estou sugerindo que o remédio para todos os nossos
males esteja na revogação do imposto sobre heranças.
Apenas afirmo que precisamos repensar sobre problemas
dessa natureza e libertar nossa mente dos lemas
ideológicos.
Uma vez que a riqueza herdada vem acompanhada de
responsabilidades para com a comunidade, o mesmo
acontece com as velhas disciplinas de poupança e
economia, aprimoramento pessoal e propriedade privada.
Alguns dos americanos mais inteligentes, em todas as
classes e ocupações, agora estão cientes da ameaça que
representa a irresponsabilidade na vida econômica, que
logo se comunica com a vida política: a irresponsabilidade
dos gerentes de grandes corporações, a irresponsabilidade
dos funcionários públicos detentores de breve autoridade
sobre a qual há pouca restrição, a irresponsabilidade de
sindicalistas que ascendem a posições elevadas sobretudo
mediante as artes da demagogia.
A República não dura para sempre com o capital moral e
social de seus antecessores. O senso de responsabilidade é
produzido por lições severas, pelo risco individual e pela
responsabilidade privada, pela educação humanizadora, por
princípios religiosos, por direitos e deveres herdados. A
República cujos líderes são como moscas de verão não pode
esperar obter integridade diante do povo, uma vez privada
das antigas motivações para a integridade. Essa mesma
instituição republicana se voltará em desespero ao
administrador-herói, à figura nebulosa em algum lugar no
cume — e, no final, o mesmo administrador-herói não estará
mais lá, e não mais será encontrado.
Não só o processo de consolidação econômica e o
funcionamento do direito positivo que diminuem o sentido
de responsabilidade pela guarda da liberdade ordenada na
República. Outras medidas, mais tecnológicas do que
diretamente políticas, operam para fazer do homem um
servidor-máquina, com muita ociosidade, mas pouco lazer
verdadeiro, livre no sentido de que ninguém o oprime
diretamente, mas servil no sentido de que foi privado dos
velhos interesses e esperanças da vida — falhando em se
desenvolver, permanece perpétua criança. No equilíbrio
atual dos Estados Unidos da América pode parecer que
proporcionamos às massas uma grande medida de
prosperidade econômica, mas sob quase nenhum custo de
liberdade. Penso, porém, no que esta República e todo o
mundo se transformarão daqui a cinquenta anos.
Não sendo debatedores de quinta série, os conservadores
não apresentam soluções fáceis e simplistas para todos
esses descontentamentos. O conservador apenas afirma
que o primeiro passo para curar uma doença é diagnosticá-
la corretamente. Proponho que de nenhuma outra forma
encontraremos a felicidade pessoal senão mediante o
esforço, e digo que o trabalho servil, embora
economicamente lucrativo, é inconciliável com a liberdade
social. Junto de John Henry Newman, em sua resposta a Sir
Robert Peel há mais de um século, não ofereço nenhuma
nova ideologia, mas apelo para os princípios da moral e da
política já conhecidos da humanidade há muito tempo. “Não
estou propondo medidas, mas expondo uma falácia e
resistindo a um fingimento. Que reine o benthamismo, se os
homens não tiverem aspirações; mas não lhes diga que
sejam românticos para então os consolar com a glória”.
Afinal, a liberdade é uma aspiração romântica, desejada
com seriedade apenas por uma minoria de homens e
mulheres. (As aspirações românticas, devo acrescentar, são
o que fazem a vida valer a pena). Apenas uma minoria
sente claramente o chamado da responsabilidade. No
entanto, perdida essa liberdade e essa responsabilidade, a
liberdade comum e a segurança das grandes massas
desvanecem na esfera econômica e política. Alguns entre
nós não desejam ser consolados com as glórias do
Admirável Mundo Novo. A economia política teve seu início
na obra de filósofos que, quaisquer que fossem suas
deficiências, estavam preocupados sobretudo com a
extensão da liberdade. A economia política prova estar em
decadência quando não chega a ser melhor do que um
pedido de desculpas depois de reduzir homens e mulheres a
uma condição de servilismo próspero.
O sucesso da República dos Estados Unidos e a
preservação de nossas antigas liberdades foram alcançados
em parte pela aversão nacional a separar a teoria da
prudência. Nenhuma outra sociedade teve problemas tão
complexos quanto os nossos, mas nenhuma antes da nossa
era teve tamanha riqueza de conhecimento disponível e
tamanha margem econômica para a resolução de
problemas. A análise do real significado de liberdade e o
exame da natureza da responsabilidade estão à disposição
do povo americano, custando não mais que um pouco de
nosso tempo ocioso. No entanto, mesmo tendo isso em
vista, muitos de nós parecem preferir vagar irracionalmente
pela letargia do Diabo, operando maquinários
supervisionados por comissários.
Progressistas e radicais não nos oferecem solução para
nossas grandes dificuldades: ou se contentam em
acompanhar a corrente dos acontecimentos, ou nos
conclamam a remar mais rápido que a correnteza, aquilo
que eles próprios chamam de Progresso, a qual o
conservador conhece pelo nome de Decadência. Embora os
progressistas e radicais tenham se esquecido do significado
de República, os conservadores, que não nasceram ontem,
sabem que homens e mulheres têm livre-arbítrio. Uma
República morre apenas quando seus cidadãos
negligenciam a sabedoria de seus ancestrais e os métodos
da correta razão. Há mais conservadores entre nós do que
bons homens em Sodoma; e acredito que, se Deus quiser,
os conservadores ainda hão de prevalecer.
Um dos mais eloquentes pensadores do conservadorismo
americano foi uma mulher, Agnes Repplier. A senhorita
Repplier não pretendia trocar a realidade da República dos
EUA por alguma utopia dos coletivistas. Por amar seu país,
escreveu: “Se o patriotismo se tornar uma emoção
expansivamente benevolente de modo a tornar os homens
dispostos a viver e morrer por algo concreto como um rei ou
um país, não teremos mais nada ao que recorrer, exceto ao
amor sexual, que mesmo sendo um forte desejo individual,
ainda assim carece de amplitude e escopo de propósito. O
amor sexual deixou Troia em chamas, mas não edificou
Roma, nem garantiu a Carta Magna, nem formou a
Constituição dos Estados Unidos”. O amor da República
protege todos os nossos outros amores. Tamanho amor vale
o sacrifício.
Índice de Nomes
A
Acton, Lord - Capítulo 9
Adams, John - Capítulos 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 11
Alfredo, Rei - Capítulo 2
Aristóteles - Capítulos 4 e 6
B
Babbitt, Irving - Capítulo 4
Bell, Bernard Iddings - Capítulos 10 e 11
Bentham, Jeremy - Capítulo 3
Bierce, Ambrose - Capítulo 11
Brameld, Theodore - Capítulo 10
Brownson, Orestes - Capítulos 2, 6 e 7
Burke, Edmund - Introdução, Capítulos 1 e 2
C
Calhoun, John C. - Capítulo 2
Chesterton, G. K. - Capítulos 1 e 2
Cícero - Capítulos 11 e 12
Coleridge, S. T. - Capítulo 11
Conant, James - Capítulo 11
Condorcet, Marquês de - Capítulo 7
D
Dewey, John - Capítulo 10
F
Falkland, Lord - Capítulo 1
Freud, Sigmund - Capítulo 3
G
Godwin, William - Capítulo 4
H
Hamilton, Alexander - Capítulo 1
Hartz, Louis - Capítulo 7
Hearnshaw, F. J. C. - Capítulo 11
Hegel, W. F. - Capítulo 4
Hitler, Adolf - Capítulo 6 e 9
Hodgskin, Thomas - Capítulo 4
Hofstadter, Richard - Capítulo 7
Hogg, Quintin - Capítulo 2
Hook, Sidney - Capítulo 12
J
Jay, John
Jeferson, Thomas - Capítulos 2, 7 e 8
L
Lincoln, Abraham - Introdução, Capítulos 2 e 7
M
Madison, James - Capítulos 1, 2 7 e 9
Maine, Sir Henry - Capítulos 7 e 8
Marx, Karl - Capítulos 1 e 3
Mill, John Stuart - Capítulo 11
More, Paul Elmer - Capítulo 8
N
Newman, John Henry, Cardeal - Capítulo 12
Nisbet, R. A. - Capítulo 5
Nock, Albert Jay - Capítulo 6
O
Ortega y Gasset, José - Capítulo 10
Orwell, George - Capítulo 5
P
Peel, Sir Robert - Capítulo 12
Percy de Newcastle, Lord - Capítulo 2
Proudhon, P.J. - Capítulo 8
R
Randolph de Roanoke, John - Capítulo 2
Repplier, Agnes - Capítulo 12
Riesman, David - Capítulo 10
Roosevelt, Franklin D. - Capítulo 8
Rossiter, Clinton - Capítulo 7
Rousseau, J.-J. - Capítulos 7 e 8
Ruskin, John - Capítulo 8
S
Santayana, George - Introdução e Capítulo 12
Shaw, George Bernard - Introdução
Sorokin, Pitirim - Capítulo 5
Spencer, Herbert - Capítulo 4
T
Tocqueville, Alexis de - Capítulos 1, 6 e 12
Toynbee, Arnold - Capítulo 2
Trollope, Anthony - Capítulo 11
V
Voegelin, Eric - Introdução e Capítulo 2
Table of Contents
Créditos & Direitos
Sumário
Introdução
1 - A Essência do Conservadorismo
2 - O Conservador e a Fé Religiosa
3 - O Conservador e a Consciência
4 - O Conservador e a Individualidade
5 - O Conservador e a Família
6 - O Conservador e a Comunidade
7 - O Conservador e o Governo Justo
8 - O Conservador e a Propriedade Privada
9 - O Conservador e o Poder
10 - O Conservador e a Educação
11 - Permanência e Mudança
12 - O que é a República?
Índice de Nomes