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DADOS DE ODINRIGHT

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Converted by ePubtoPDF
Copyright © 1957, 2019 by Russell Kirk Legacy, LLC.
Publicado originalmente sob o título:
Russell Kirk’s Concise Guide to Conservatism
 
Introduction Copyright © 2019 by Wilfred M. McClay
Published by arrangement with Regnery Publishing.
 
1ª edição 2021
ISBN: 978-65-89129-01-1
Impresso no Brasil
 
Tradução: Ulisses Teles
Revisão: Cesare Turazzi
Capa: Tiago Dias
Diagramação: Marcos Jundurian
Versão eBook: Tiago Dias
 
-----------------------
 
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Todos os direitos reservados à:
 

Editora Trinitas LTDA


São Paulo, SP
www.editoratrinitas.com.br
 
Sumário

Introdução
1. A Essência do Conservadorismo
2. O Conservador e a Fé Religiosa
3. O Conservador e a Consciência
4. O Conservador e a Individualidade
5. O Conservador e a Família
6. O Conservador e a Comunidade
7. O Conservador e o Governo Justo
8. O Conservador e a Propriedade
Privada
9. O Conservador e o Poder
10. O Conservador e a Educação
11. Permanência e Mudança
12. O que é a República?
Índice de Nomes
 
 
Introdução

Muita tinta foi derramada e incontáveis telas foram


usadas em debate sobre a ilusão chamada
“conservadorismo”. Na verdade, já há algum tempo, o
conservadorismo tem sofrido uma profunda crise de
identidade, especialmente nos Estados Unidos. A
candidatura, a eleição e a presidência de Donald Trump
apenas aceleraram um processo que começou pelo menos
três décadas atrás com o fim do governo Reagan, e
provavelmente muito antes disso. Atualmente, ninguém
parece ser capaz de dizer com confiança o que significa
“conservadorismo”.
 
O problema pode ser inevitável. Pelo fato de os Estados
Unidos serem uma sociedade incomumente líquida, que
valoriza a liberdade mais do que a ordem e que estima a
mobilidade social como uma de suas principais virtudes,
frequentemente não fica claro o que a palavra
“conservador” significa para nós — não tão claro quanto
seria se, digamos, vivêssemos em uma sociedade agrícola
relativamente estática governada por elites estáveis e
sólidas com raízes profundas e bons costumes de convívio
social devidamente estabelecidos. Mas nossa sociedade não
é nada parecida com isso. Portanto, aqueles que vestem o
manto de “conservador” nos EUA de hoje vêm de princípios
surpreendentemente diversos, dos liberais fanáticos que
abraçam a “destruição criativa” do capitalismo não
regulamentado e a reconstrução incessante das instituições
sociais e culturais, até os tradicionalistas que olham o
passado com saudade da solidariedade, da reciprocidade e
da fiel integração da sociedade europeia medieval. Que
base comum poderia haver entre tais extremos? Não é de
admirar que até mesmo seus simpatizantes considerem o
espetáculo do conservadorismo americano confuso e se
afastem dele, perplexos e desanimados.
 
Quando pediam que definisse o conservadorismo, Russell
Kirk frequentemente recorria a uma resposta formulada por
H. Stuart Hughes, historiador intelectual de Harvard: o
conservadorismo é a negação da ideologia. Esta é, na
verdade, uma boa resposta, ou pelo menos o princípio de
uma boa resposta. Mas parte do problema hoje é que
muitos conservadores nos EUA são de fato ideólogos,
aceitem ou não. Eles estão muito mais interessados em
conservar e estender a carreira de certos princípios
ideológicos do que em conservar e perpetuar o complexo
emaranhado do tecido social e as práticas que provaram o
seu valor ao longo das gerações. E para deixar as coisas
ainda piores, os princípios que são conservados costumam
diferir de partido para partido. A força do
“conservadorismo”, portanto, pode ser estendida a ambos
os lados, “a favor” e “contra”, sobre as mais variadas
problemáticas da política pública: a liderança dos EUA no
mundo, o livre comércio, a legalização das drogas, o
casamento gay, os direitos à propriedade privada, restrições
à imigração, os direitos civis e assim por diante. Quem se
surpreenderia ao ver um artigo propondo “a defesa
conservadora da eutanásia” ou se opondo categoricamente
ao princípio de liberdade religiosa com bases
“conservadoras”? Se artigos assim ainda não foram
publicados, é questão de tempo.
 
Esse estado de confusão, no entanto, não é uma tragédia
inevitável. Na verdade, há forte alicerce para termos um
conservadorismo americano equilibrado e totalmente
sensato, e Russell Kirk o estabelece com admirável clareza
nas páginas deste livro robusto, cuja reedição vem
simplesmente na hora certa, bem quando precisamos
recuperar e revitalizar o conservadorismo — não como uma
ideia reinventada, mas como um corpo de sabedoria que
resistiu ao teste do tempo, que se provou inabalável diante
de mudanças precipitadas, motivadas ideologicamente e
que afugenta as paixões da ideologia revolucionária
abstrata com a virtude concreta da prudência.
 
Embora a maneira “kirkiniana” de comunicar ideias seja
bem diferente das fórmulas prontas dos dias atuais, seu
apelo não arrefeceu diante dos ditames da retórica atual.
Para aqueles que estão acostumados a pensar no
conservadorismo sobretudo como uma questão de
concórdia política, apresentado em atraentes tabelas
quantitativas e prosa burocrática carregada de jargões, a
mensagem de Kirk — com seu panorama histórico e
esplendor poético, seu deleite na beleza e na elegância, seu
desdém pelo academicismo em todas as formas, e seu
talento em nos fazer sentir a conexão vital entre nós
mesmos e as histórias de pessoas que já se foram e
realidades do passado — será uma grande e agradável
surpresa.
 
Para Kirk, o conservadorismo não é um conjunto de
aspiração política. É, pelo contrário, dispor-se ao grato
deslumbramento diante do milagre de nossa existência,
chamando-nos a reconhecer as fontes de nosso ser e a lutar
para viver em respeitosa e amável harmonia. Para ele, o
conservadorismo está baseado, em último caso, na ampla
visão de Edmund Burke de “contrato da sociedade eterna”,
entrelaçando os que já se foram, os que ainda vivem e os
que estão por nascer em uma misteriosa tríade de alegrias,
deveres e memórias compartilhadas.
 
Um dos vários mitos sobre o conservadorismo americano
é o de relegá-lo a uma perspectiva complacente por parte
das classes ricas e a padrões à parte da grande história
americana de progresso e avanços individuais. As origens
de Kirk, no entanto, foram humildes e essencialmente
americanas. Ele nasceu em 1918, em Plymouth, Michigan,
em uma família de classe média que passava por
dificuldades e morava em uma casa pré-fabricada que não
tinha nem mesmo banheiro interno. Kirk não teve acesso às
melhores oportunidades educacionais. À semelhança de
muitos dos mais extraordinários americanos, como Abraham
Lincoln e Frederick Douglass, Kirk, para chegar à educação
superior, apostou no insaciável amor pela leitura,
conseguindo um pouco de ajuda das escolas públicas
solidamente tradicionais, que lhe proveram bases para suas
habilidades literárias e de debate.
 
Foi só depois de seus estudos de pós-graduação após a
guerra, na Universidade de St. Andrews, que Kirk se tornou
um pensador conservador completo. E teve tudo a ver com
sua estadia na Escócia. A atmosfera, a tradição, a
paisagem, a arquitetura e o povo daquele país o
encantaram e despertaram sua veia literária. Ele escreveu,
entre outras linhas, três livros, sete narrativas breves e
vinte e cinco artigos acadêmicos durante seus quatro anos
em St. Andrews, estabelecendo um padrão de produtividade
enorme que manteria por mais quatro décadas. Seu mais
importante escrito durante esse período foi sua dissertação
de doutorado, finalmente publicada em 1953 sob o título de
A Mente Conservadora, um daqueles livros verdadeiramente
indispensáveis na história intelectual conservadora
americana e indiscutivelmente a mais importante de todas
as suas obras.
 
É claro que 1953 foi um annus mirabilis para a mente
conservadora americana. Em particular, foi um ano fértil
para livros conservadores. Além da obra-prima de Kirk,
foram também publicados os livros Quest for the
Community, de Robert Nisbet, Direito Natural e História, de
Leo Strauss, e The Genius of American Politics, de Daniel
Boorstin. E nos anos anteriores e posteriores, luzeiros
intelectuais como T. S. Eliot, Ray Bradbury, Christopher
Dawson, Eric Voegelin, C. S. Lewis, Whittaker Chambers,
William F. Buckley Jr. e Francis Graham Wilson publicaram
obras de grande, talvez monumental importância para os
conservadores.
 
Kirk, contudo, fez algo que nenhum desses outros autores
fez. Ele procurou provar que o conservadorismo anglo-
americano não era uma invenção recente, mas que tinha
um passado útil, uma história venerável de pensadores
desde ao menos Edmund Burke, talvez até mesmo bem
antes, e adiante em direção a figuras contemporâneas
como George Santayana e Eliot. Nas palavras de seu
biógrafo Brad Birzer, “na definição [de Kirk] do que é ser
conservador, o poético, o literário e o teológico superavam o
político”. Como Kirk explicou, em 1952, a Henry Regnery, o
editor de A Mente Conservadora, era imperativo
“reconhecer a grande importância, na literatura e na vida,
da religião, da ética e da beleza”. A política, ele falava, “é a
diversão do universitário, e eu realmente tento transcender
a pura política em meu livro”.
 
Não que Kirk ignorasse a política em sua própria vida;
tampouco ele o faria hoje. Mas ele poderia reclamar com
razão, se estivesse em nosso meio agora, que o
conservadorismo tem se empobrecido nos anos recentes
por uma ênfase demasiada em formas politizadas e
ideológicas e pela negligência do domínio da imaginação e
do domínio da cultura mais geral, domínios pelos quais a
sensibilidade conservadora havia sido poderosamente
representada. Hoje, por vezes ouvimos que a política flui da
cultura, uma observação que teria parecido óbvia para Kirk.
Pode ser que a principal tarefa diante dos conservadores e
do conservadorismo seja a transformação de uma cultura
irresponsável, desumana e que nega a vida em uma
realidade mais condizente com nosso legado humano.
 
Para a consolidação de propósito tão digno, este pequeno
livro — originalmente publicado em 1957 sob o título O Guia
de Conservadorismo para a Mulher Inteligente, uma paródia
suave da obra O Guia da Mulher Inteligente para o
Socialismo e para o Capitalismo, de George Bernard Shaw —
é uma contribuição inequivocamente graciosa e vigorosa.
Com prosa evidentemente direta e de fácil leitura, esta obra
é uma maravilha condensada, uma introdução ao núcleo do
conservadorismo americano, tão aprazível quanto
instrutiva. Os leitores que reclamam do estilo
ocasionalmente antiquado e floreado de A Mente
Conservadora ficarão impressionados com a prosa limpa e
acessível desta obra. Kirk, escritor profissional altamente
habilidoso, sabia como escrever apropriadamente em
qualquer situação e para todos os públicos: poderia
escrever tanto Colunas de Opinião quanto contos de terror
ou calhamaços enciclopédicos.
 
Poucos escritores poderiam reivindicar essa capacidade
para si.
 
E o mais incrível de tudo, este livro não exige revisão
dramática mesmo depois de sessenta e dois anos. Esse
próprio fato lhe dá um peso inesperado. Os insights de Kirk
sobre a família, a importância da propriedade privada, a
educação, a religião e vários outros assuntos não só
permanecem sólidos, mas nos dias atuais soam proféticos.
Leia por si mesmo e veja se não concorda. Se essa não é a
prova de que o conservadorismo de Kirk era baseado nas
Coisas Permanentes, não sei mais o que é.
 
Wilfred M. McClay
Wilfred M. McClay detém prêmios e posições na
Universidade de Oklahoma e é diretor do Centro pela
História da Liberdade. Seu livro mais recente foi lançado
sob o título de Land of Hope: An Invitation to the Great
American Story [Terra de Esperança: um Convite à
Grandiosa História Americana (Encounter, 2019).
 
CAPÍTULO 1
 
A Essência do
Conservadorismo

O conservadorismo moderno tomou forma por volta do


início da Revolução Francesa, quando homens, na Inglaterra
e nos Estados Unidos, foram inteligentes o bastante para
perceber que a fim de a humanidade preservar os
elementos de uma vida digna na civilização, um conjunto de
ideias deve resistir ao aparelhamento e ao impulso
destrutivo dos revolucionários fanáticos. Na Inglaterra, o
fundador do verdadeiro conservadorismo foi Edmund Burke,
cuja obra Reflexões Sobre a Revolução na França revirou a
maré da opinião britânica e influenciou de maneira
incalculável os líderes da sociedade no Continente e nos
Estados Unidos. Nos EUA, país recém-formado, os Pais da
República, conservadores pelo preparo e pela experiência
prática, estavam determinados a formar constituições
capazes de guiar sua posteridade no permanente caminho
da justiça e da liberdade. A Guerra de Independência dos
Estados Unidos não foi uma verdadeira revolução, mas a
separação da Inglaterra. Estadistas de Massachusetts e da
Virgínia não tinham o desejo de virar a sociedade de cabeça
para baixo. Em seus escritos, especialmente nas obras de
John Adams, Alexander Hamilton e James Madison, vemos
um conservadorismo sóbrio e posto à prova, baseado no
entendimento da história e da natureza humana. A
Constituição que os líderes daquela geração esboçaram
provou ser o instrumento conservador mais bem-sucedido
de toda a História.
 
Desde Burke e Adams, os principais conservadores têm
adotado determinadas ideias que podemos definir
resumidamente. Os conservadores suspeitavam daquilo que
Burke chamava de “abstrações” — isto é, dogmas políticos
absolutos separados da experiência prática em
circunstâncias particulares. Eles, no entanto, de fato criam
na existência de certas verdades permanentes que
governam a conduta da sociedade humana. A seguir, talvez
sejam estes os princípios centrais que caracterizam o
pensamento conservador americano:
 
1. Homens e nações são governados por leis morais;
essa legislação se origina numa sabedoria que não é
meramente humana — a saber, na justiça divina. Em
sua origem, os problemas políticos são problemas
morais e religiosos. O estadista sábio tenta apreender a
lei moral e governar sua conduta de acordo com ela.
Temos uma dívida moral para com nossos
antepassados, que nos outorgaram nossa própria
civilização, legando-nos o dever moral diante das
gerações futuras. Foi Deus quem colocou essa dívida
sobre nós. Não temos o direito, portanto, de mexer de
forma imprudente com a natureza humana ou com o
delicado tecido de nossa ordem social.
 
2. Variedade e diversidade são características de uma
civilização avançada. Uniformidade e igualdade absoluta
são a morte de todo verdadeiro vigor e liberdade
existencial. Os conservadores resistem com força
imparcial à uniformidade de um tirano ou de uma
oligarquia; eles repudiam a uniformidade daquilo que
Tocqueville chamou de “despotismo democrático”.
 
3. Justiça significa que todo homem e toda mulher têm
o direito ao que lhes pertence — aquilo que é pertinente
à natureza, às recompensas da habilidade e da
integridade pessoais e à propriedade de sua
personalidade. A sociedade civilizada exige que todos
os homens e mulheres tenham direitos iguais perante a
lei, mas essa igualdade não deve se estender à
igualdade de condição: isto é, a sociedade é uma
grande parceria em que todos têm direitos iguais, mas
não posses idênticas. A sociedade justa exige firme
liderança, diferentes recompensas para as mais
distintas capacidades e senso de respeito e dever.
 
4. A propriedade e a liberdade estão inseparavelmente
entrelaçadas; o nivelamento econômico não é progresso
econômico. Os conservadores evidentemente valorizam
a propriedade privada por aquilo que ela é, mas a
valorizam ainda mais porque sem a propriedade
particular todos estariam à mercê de um governo
onipotente.
 
5. O poder é repleto de perigos; portanto, o Estado de
bem é aquele que não só confere e equilibra o poder,
mas também o refreia por meio de constituições e
costumes sólidos. Até onde for possível, o poder político
deve ser mantido nas mãos de indivíduos e instituições
locais. A centralização é comumente um sinal de
decadência social.
 
6. O passado é o grande armazém de sabedoria; como
Burke disse, “O indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia”.
O conservador acredita que é necessário ser guiado
pelas tradições morais, pela experiência social e pelo
complexo e completo conjunto de conhecimento legado
por nossos antepassados. O conservador apela para
além da opinião imprudente do momento, aquilo que
Chesterton chamou de “a democracia dos mortos” —
isto é, a estimada opinião dos sábios que morreram
antes de nós, a experiência da raça. Resumindo, o
conservador sabe que não nasceu ontem.
 
7. A sociedade moderna precisa urgentemente da
verdadeira comunidade: e a verdadeira comunidade
está a um mundo de distância do coletivismo. A
verdadeira comunidade é governada pelo amor e pela
caridade, não pela compulsão. Por meio de igrejas,
associações voluntárias, governos locais e uma
variedade de instituições, os conservadores lutam para
manter a comunidade saudável. Os conservadores não
são egoístas, mas têm espírito público. Eles sabem que
o coletivismo significa o fim da verdadeira comunidade,
pois substitui a uniformidade pela variedade e pela
força em prol da cooperação de boa vontade.
 
8. Quanto aos arranjos das nações, os conservadores
americanos entendem que seu país deve servir de
exemplo para o mundo, mas não o refazer à sua própria
imagem. É lei da política, assim como da biologia, que
todo ser vivente ama sobretudo — mais do que a
própria vida — sua identidade distinta, que o põe à
parte das demais coisas. O conservador não deseja a
dominação do mundo, nem aprecia o prospecto de um
mundo reduzido a um padrão simples de governo e
civilização.
 
9. Os conservadores sabem que homens e mulheres
não são perfeitos, nem suas instituições políticas. Não
podemos fazer o céu na terra, embora possamos fazer o
inferno. Somos criaturas boas e criaturas más num só
conglomerado; e quando ignoramos boas instituições e
negligenciamos os antigos princípios morais, o mal em
nós tende a predominar. Portanto, o conservador
suspeita de todos os projetos utópicos. Ele não acredita
que, pelo poder de leis positivas, possamos resolver
todos os problemas da humanidade. Temos esperança
de tornar nosso mundo tolerável, mas não podemos
torná-lo perfeito. Quando alcançado, o progresso se
encontra debaixo do reconhecimento e da prudência
das limitações da natureza humana.
 
10. Os conservadores estão convencidos de que a
mudança e a reforma não são idênticas: a inovação
moral e política tanto pode ser destrutiva como
benéfica; e se empreendida em um espírito de
presunção e entusiasmo, a inovação provavelmente
será desastrosa. Em alguma medida, todas as
instituições humanas mudam de tempos em tempos,
porque a mudança lenta é o meio de conservar a
sociedade e de renovar o corpo humano. Os
conservadores americanos, contudo, tentam reconciliar
o crescimento e a alteração essenciais à vida com a
força de nossas tradições sociais e morais. Com Lord
Falkland os conservadores se juntam a uma só voz:
“Quando não é necessário mudar, é necessário não
mudar”. Eles entendem que homens e mulheres se
contentam mais quando podem sentir que vivem em
um mundo estável e de valores permanentes.
 
Nos breves capítulos seguintes, falarei sobre esses vários
princípios do conservadorismo, direta ou indiretamente; e
também falarei a respeito da atitude dos conservadores
diante da religião, da família, da educação e de alguns dos
assuntos urgentes da atualidade.
 
O conservadorismo, portanto, não é a mera preocupação
daqueles que têm muitas propriedades e influência; não é a
simples defesa do privilégio e da posição social. A maioria
dos conservadores não é rica nem poderosa. Apesar disso,
muitos deles desfrutam, até mesmo os mais humildes, de
grandes benefícios de nossa república estabelecida. Eles
têm liberdade, segurança individual e no lar, igual proteção
diante da lei, direito aos frutos de seu trabalho e a
oportunidade de atingir o máximo do seu potencial. Eles
têm o direito de personalidade na vida e o direito de consolo
na morte. Os princípios conservadores abrigam as
esperanças de todos na sociedade. O conservadorismo é um
importante conceito social para todos os que desejam
justiça imparcial, liberdade individual e todos os amáveis e
antigos caminhos da humanidade. O conservadorismo não é
simplesmente uma defesa do “capitalismo”. (“Capitalismo”,
na verdade, é um termo cunhado por Karl Marx, que tinha a
intenção inicial de deixar implícita a ideia de que a única
coisa que os conservadores defendem é um grande
acúmulo de capital privado). Mas, sim, o verdadeiro
conservador defende vigorosamente a propriedade privada
e o livre comércio, tanto para benefício próprio quanto
porque esses são meios que alcançam fins grandiosos.
 
Esses grandes fins são mais que econômicos e políticos;
estes envolvem a dignidade, a personalidade e a felicidade
humana. Envolvem até mesmo a relação entre Deus e o
homem, pois o coletivismo radical de nossa era é
fortemente hostil a qualquer outra autoridade: o radicalismo
moderno detesta a fé religiosa, a virtude privada, a
personalidade tradicional e a vida de satisfações simples.
Nossa geração ameaça tudo o que vale a pena conservar.
Fazer mera oposição impensada aos eventos atuais,
agarrando-nos em desespero ao que ainda temos, não será
suficiente nesta era. O conservadorismo instintivo deve ser
reforçado pelo conservadorismo pensado e imaginativo.
 
CAPÍTULO 2
 
O Conservador
e a Fé Religiosa

Nem todas as pessoas religiosas são conservadoras; nem


todos os conservadores são pessoas religiosas. O
cristianismo não prescreve nenhuma forma especial de
política. Ao longo da História, houve radicais famosos que
seguiram fielmente o cristianismo — embora a maioria não
o seguisse. Ao mesmo tempo, não poderia haver
conservadorismo sem uma base religiosa, e, em nossa era,
são os conservadores que majoritariamente defendem a
religião.
 
Quintin Hogg, talentoso conservador inglês do século XX,
em seu pequeno livro The Case for Conservatism [“Em
Defesa do Conservadorismo”] ressalta dizendo que “Não há
nada que eu despreze mais do que um político que procura
vender sua política pregando a religião, a menos que seja
um pregador que tente vender seus sermões falando de
política”. No entanto, ele continua e afirma que o
conservadorismo e a religião não podem ser mantidos em
compartimentos separados, e que o verdadeiro
conservador, em seu âmago, é um homem religioso. A
influência social do cristianismo tem sido nobremente
conservadora, e outras religiões majoritárias também
exercem influência conservadora, como o budismo, o islã e
o judaísmo.
 
Desde a sua fundação, os EUA depositam um senso de
consagração religiosa sobre nossas instituições políticas.
Quase todos os que assinaram a Declaração de
Independência e praticamente todos os delegados da
Convenção de Filadélfia eram homens religiosos. Desde o
princípio da república, presidentes têm invocado o poder e a
misericórdia de Deus em seus discursos solenes. A maioria
dos nossos principais estadistas e escritores conservadores
eram homens profundamente religiosos — George
Washington, episcopal; John Adams, unitarista; James
Madison, episcopal; John Randolph, episcopal; John C.
Calhoun, unitarista; Orestes Brownson, católico; Nathaniel
Hawthorne, congregacional; Abraham Lincoln, teísta devoto,
embora independente; e muitos outros. “Sabemos e
sentimos internamente que a religião é a base da sociedade
civilizada, e a fonte de todo bem e todo conforto”, escreveu
Edmund Burke.
 
Agora, o conservador é a pessoa que vê a sociedade
humana como um contrato imortal entre Deus e o homem,
e entre as gerações que já passaram, a geração que vive
agora e as gerações que ainda estão por vir. É possível
conceber tal contrato e ter um senso de dívida para com
nossos antepassados e de dever para com nossa
posteridade, mas só se, antes, houver um pleno senso de
sabedoria e poder eternos. Lidamos com caridade e justiça
com nossos companheiros, homens e mulheres, apenas
porque cremos que a vontade divina nos ordena a assim
fazê-lo, e a nos amarmos uns aos outros. O conservador
religioso está convencido de que tem um dever a cumprir
diante da sociedade, e de que o governo justo é governado
pela lei moral, uma vez que, à sua maneira humilde, o ser
humano participa da natureza divina e do amor divino. O
conservador acredita que o temor de Deus é o princípio da
sabedoria.
 
O conservador deseja conservar a natureza humana —
isto é, preservar homens e mulheres verdadeiramente
humanos à imagem de Deus. As terríveis ideologias radicais
de nosso século, como o comunismo, o nazismo e seus
aliados tentam eliminar a raiz e os ramos da religião porque
sabem que a religião é uma sólida barreira contra o
coletivismo e a tirania. A pessoa religiosa tem poder e fé; e
o coletivismo detesta a força e a fé. Por toda a Europa e a
Ásia, a verdadeira resistência ao coletivismo provém de
homens e mulheres que acreditam que há uma autoridade
maior do que o Estado coletivista: essa autoridade é Deus.
 
A sociedade que nega a verdade religiosa não tem fé, não
tem caridade, não tem justiça nem qualquer tipo de
restrição sobre os próprios atos. Hoje, talvez ainda mais do
que no passado, muitos americanos entendem a conexão
íntima entre a convicção religiosa e o governo justo, e,
aprofundando seu juramento de fidelidade, chegam a dizer:
“uma nação sob Deus”. Há um poder divino maior do que
qualquer poder político. Quando ignora a autoridade divina,
a nação, intoxicada com o seu próprio poder descontrolado,
logo comete fanatismos nacionalistas, práticas que
tornaram o século XX tão terrível.
 
Toda religião, seja qual for, é passível de corrupção; e em
nosso tempo, muitos tentam nos persuadir de que a religião
cristã apoia algum tipo de coletivismo sentimental, uma
“religião humanitária”, na qual a ideia cristã de igualdade
perante os olhos de Deus é convertida em uma igualdade
social e econômica sombria, forçada pelo Estado. No
entanto, basta examinar os credos do cristianismo e a
tradição cristã para perceber que o ensino cristão não apoia
essa interpretação. O que o cristianismo oferece é redenção
pessoal, e não um sistema de revolução econômica. A
pessoa humana é a grande preocupação da fé cristã —
como pessoa, e não na vaga posição de “Povo”, ou de
“Massas”, ou de “Desprivilegiados”. E quando pregam a
caridade, os cristãos têm em mente a doação voluntária
daqueles que têm para aqueles que não têm, e não a
compulsão estatal que tira de alguns para beneficiar outros.
“Os estadistas que trabalham para inventar uma riqueza
comum a todos e sem pobreza”, comenta o velho Sir
Thomas Browne, “furtam o objeto de nossa caridade; eles
não só ignoram as propriedades do cristão individual, mas
também se esquecem da profecia de Cristo”. A religião
cristã ordena que façamos ao próximo aquilo que faríamos
para nós mesmos, e não o emprego do poder político para
forçar o nosso próximo a entregar sua propriedade.
 
Toda religião majoritária, seja qual for, sofre ataques de
heresias. No ano do Manifesto Comunista, Orestes Brownson
declarava que o comunismo era uma heresia do
cristianismo; e hoje ele é ecoado por Arnold Toynbee e Eric
Voegelin. O comunismo perverte a caridade e o amor do
cristianismo em uma feroz doutrina de aparelhamento; o
povo é tornado igual por todo o mundo. Não só isso, mas o
comunismo também rechaça a verdadeira igualdade, que é
a igualdade perante o juízo final de Deus. Outras ideologias
que convertem o cristianismo em instrumento para oprimir
uma classe e beneficiar outra, também são heréticas.
 
Outra distorção do cristianismo é a doutrina radical de
que “a voz do povo é a voz de Deus”. Essa, o Lord Percy de
Newcastle escreve, é “a heresia da democracia” — isto é, o
erro desastroso de supor que Deus é simplesmente aquilo
que a maioria pensa dele em determinado momento. O
conservador sabe que o julgamento popular comete erro
após erro; a voz do povo é tudo, exceto divina; ao contrário
disso, a justiça imutável que percebemos imperfeita ou
vagamente, e tentamos imitar em nossas leis humanas, é a
verdadeira fonte de verdade na política.
 
Em terceiro lugar cito a heresia de que a sociedade
terrena pode chegar à perfeição se para esse fim for
modelada por aqueles que governam o mundo, por servos e
cidadão, por decretos e sanções. O cristão sabe que a
perfeição, seja do ser humano, seja da sociedade, jamais
será alcançada neste mundo, mas pode ser encontrada
somente em um reino superior. A ilusão que faz parecer
possível a perfeição terrena se encontra por trás da maioria
dos projetos socialistas e totalitários. O cristão professo não
pode ser um utópico professo. Nossa natureza caída, aos
olhos do cristão sincero, não será redimida até o final de
tudo; portanto, seremos tolos se esperarmos que a
revolução política e econômica trará perfeita justiça e
perfeita felicidade. Homens e mulheres são criaturas boas e
criaturas más num só conglomerado, e mesmo em nosso
melhor, o mal ainda se faz presente; portanto, constituições
políticas, leis justas e convenções sociais são empregadas
para restringir os impulsos malignos. O ser humano à parte
de um governo justo e prudente está entregue à anarquia,
pois o bárbaro se encontra simplesmente sob a pele da
civilização.
 
Simular um paraíso sintético neste mundo, emulado em
uma noção otimista falaciosa da natureza humana, expõe o
povo ao perigo do reinado da irracionalidade. Planos vagos
de governo mundial são comumente afligidos por essa
tolice. Nunca houve uma era ou sociedade perfeita, e nunca
haverá — o conservador religioso sabe disso. Todas as ideias
políticas da humanidade já foram testadas em tempos
passados, mas nenhuma delas satisfez perfeitamente.
 
Isso não quer dizer que o conservador religioso acredita
que todas as eras são iguais, ou que todos os males são
males necessários. Uma era pode ser muito pior do que
outra; uma sociedade pode ser relativamente justa, e outra
relativamente injusta; o povo pode melhorar um pouco sob
o domínio de um governo prudente e humano, e pode
deteriorar imensamente em tempos de insensatez. Mas o
falso evangelho do Progresso como a onda inevitável e
benéfica do futuro — uma doutrina agora destruída pelas
catástrofes do século XX — nunca iludiu o conservador
religioso. Ele não despreza o passado simplesmente porque
é antigo, nem pressupõe que o presente é maravilhoso
simplesmente porque é nosso. Ele julga cada era e cada
instituição à luz de certos princípios de justiça e ordem,
compreendidos em parte por meio da revelação, em parte
por meio da longa e dolorosa experiência da raça humana.
 
O pensador religioso que critica a sociedade atual não
está preso ao simplismo de afirmar que uma época foi pura
alegria, enquanto outra não passou de sofrimento; ele
consegue distinguir e discernir os tempos e seus feitos.
Discernindo com cuidado, é possível ter esperança de
melhorias consideráveis, ainda que seja impossível tornar a
sociedade um lugar perfeito. A história humana consiste no
relato de homens e mulheres correndo o mais rápido que
podem, como Alice e a Rainha de Copas, para se manterem
onde estão. Por vezes somos preguiçosos, e então a
sociedade se afunda em um terrível declínio. Jamais
conseguiremos correr rápido o suficiente para chegar à
utopia. E odiaríamos a utopia se finalmente a atingíssemos,
porque seria infinitamente entediante. O que de fato faz
homens e mulheres amarem a vida é a própria batalha, a
luta para trazer ordem a partir da desordem, a peleja pelo
certo e contra o mal. Se essa luta chegasse ao fim,
morreríamos de tédio. Não é de nossa natureza descansar
contentes, como anjos, eternamente imutáveis. Em certo
sentido, o conservador religioso é utópico, mas em apenas
um sentido: ele acredita que a realidade quase perfeita
existe, mas somente no interior de indivíduos; e quando
alcançada individualmente, a esse estado damos o nome de
santidade.
 
Também não deveríamos ficar descontentes com este
mundo imperfeito. G. K. Chesterton, em seu escrito “A
Balada do Cavalo Branco”, fala sobre como o Rei Alfredo
(um intelectual conservador alguns séculos antes de a
palavra “conservador” ser cunhada) teve uma visão da
Virgem Maria; e quando perguntou a ela sobre o futuro,
Maria lhe disse isto:
 
Não falo nada para seu conforto,
Sim, nada para seu desejo,
Exceto que o céu fica ainda mais escuro
E o mar se eleva outra vez mais.
A noite será três vezes noite sobre você,
E o céu haverá de ser cúpula de ferro.
Você tem alegria sem causa,
Sim, a fé sem esperança?

 
Agora, essas palavras, por toda a sua severidade, fizeram
Alfredo feliz. Porque Alfredo, sendo um líder cristão, sabia
que estamos neste mundo para lutar pelo certo, para
batalhar contra o mal e defender o legado da natureza
humana e da civilização. Esse é o dever conservador de
todos os tempos; e, como escreveu Jefferson, a árvore da
liberdade deve ser regada de tempos em tempos com o
sangue dos mártires.
 
CAPÍTULO 3
 
O Conservador
e a Consciência

O conservador é um egoísta endurecido? Ele acredita no


“individualismo frio” e na exclusão dos deveres tradicionais
para com Deus e com o homem? Resumindo, o conservador
é dotado de consciência? O radical nos diz que o
conservador é um “trapo centrado em si mesmo”, mas
tenho uma opinião diferente.
 
“Não há conexão necessária entre o conhecimento e a
virtude”, escreveu o saudoso John Adams. “A simples
inteligência não está associada à moralidade. Que relação
há entre o mecanismo de um relógio de parede ou de pulso
e o sentimento de bem ou mal moral, entre o certo e o
errado? A faculdade ou qualidade de distinguir entre o bem
e o mal moral, assim como entre a felicidade e a miséria
física, isto é, o prazer e a dor, ou, em outras palavras, uma
consciência — palavra antiga, quase fora de moda — é
essencial à moralidade”.
 
A velha e boa palavra consciência já estava quase fora de
moda quando a República foi fundada, e desde então sofreu
ainda mais; e como Adams sabia, o mundo todo também
sofreu proporcionalmente. Bentham tentou reduzir a
“consciência” a mero egoísmo iluminado; Marx afirmou que
a consciência não tinha função exceto como arma de
expropriação contra os terríveis expropriadores; Freud
acreditava que a consciência não era nada melhor do que o
complexo de culpa derivado em princípio dos contratempos
sofridos na infância. Mas enquanto homens e mulheres
negavam qualquer significado ao mundo e ao conceito de
“consciência”, o mundo começava a experimentar as
consequências desanimadoras de uma filosofia que havia
abandonado o antigo instrumento moral de
responsabilidade privada, a consciência individual, e
tentado substituí-lo por uma equação abstrata de “prazer e
dor” na moralidade, ou por uma noção amorfa de “justiça
social” desassociada dos deveres pessoais e do sentido
pessoal de leis imutáveis do que é certo e errado. As
atrocidades e catástrofes de nosso século, como as
cometidas na Grécia do século V a.C., demonstram o buraco
no qual sociedades sofisticadas caem quando se iludem e
propõem autointeresse astuto, ou novos “controles sociais”
como alternativa satisfatória à consciência.
 
Agora, “consciência”, na definição do dicionário, é “o
reconhecimento inato de certo e errado perante ações e
motivações; a faculdade que decide sobre a qualidade
moral das ações e dos motivos do ser humano, exigindo que
a pessoa se conforme à lei moral”. A consciência é de
domínio particular: não existe “consciência pública” ou um
“Estado de consciência”. A consciência tem dois aspectos:
um que governa a relação entre Deus e o indivíduo, e o
outro que governa a relação entre o indivíduo e o próximo,
homens e mulheres. A maioria dos conservadores —
homens e mulheres que não nasceram ontem e que não
têm medo de reconhecer que nossos antepassados não
eram tolos — crê tanto na realidade da consciência quanto
crê na realidade da verdade religiosa.
 
Ao longo do século XX, radicais têm tentado convencer o
pensamento público de que os conservadores são inimigos
da consciência. O conservador é um monstro do egoísmo,
de acordo com o propagandista radical: o conservador
acredita no ditado “cada um por si e Deus por todos”, o
radical insiste; ele acredita em ganância como princípio, seu
coração está endurecido contra o pobre e desafortunado na
jornada da vida e quando fala de direitos e deveres, não
passa de mero verniz para os próprios interesses egoístas.
Os conservadores, o radical proclama, são de alguma forma
moralmente impuros, cruéis e avarentos, dedicados à
afirmação de que “os conservadores tomarão o poder e
manterão os seus poderosos acima dos demais”.
 
No entanto, a verdadeira posição do conservador
inteligente é o oposto dessa caricatura radical. É claro, há
conservadores egoístas e sem coração, assim como há
radicais egoístas e sem coração: a persuasão política não
pode por si mesma produzir a virtude privada, e todos nós
somos pecadores em algum grau, seja qual for o nosso
partido. Dito isso, a teoria do conservador pensante e sua
prática comum remam a favor da consciência privada,
retendo diante de Deus e da humanidade os direitos e os
deveres que a consciência diligente exige em qualquer
sociedade de qualquer época. Pelo contrário, é o radical
doutrinador dos tempos modernos que nega a fonte divina
da consciência, o senso de responsabilidade pessoal e o
dever tradicional que dá significado à consciência. Alguns
que se dizem conservadores sofrem do vício do egoísmo, do
orgulho e da arrogância das posses, assim como alguns
radicais professos padecem do vício da inveja, da cobiça
dos bens do próximo. Apesar de tudo isso, estamos falando
de princípios sociais, e não de falhas individuais.
 
Certo crítico hostil afirma que o conservador acredita que
todos os problemas sociais estão alicerçados em questões
de moralidade privada. Se compreendida corretamente, é
uma afirmação verdadeira, e o conservador inteligente pode
mesmo se orgulhar dessa convicção. A sociedade será boa,
acredita o conservador, quando tiver homens e mulheres
governados pela consciência, por um forte senso moral  de
certo e errado, pelas convicções inatas de honra e justiça,
seja qual for seu maquinário político; mas será uma
sociedade ruim se tiver homens e mulheres que
permanecem no abandono da moralidade, ignorantes da
consciência, buscando apenas a gratificação da luxúria,
independentemente de quantas pessoas votem ou quão
“liberal” seja sua constituição formal. A justiça e a
generosidade de uma nação não são melhores nem piores
do que as convicções particulares que prevalecem em seus
cidadãos. Aos olhos do doutrinador radical, a Rússia
soviética pode ter uma constituição modelo, embora a
justiça e a generosidade estejam muito mais vivas na Grã-
Bretanha, porque nesta a influência da consciência
particular continua atuante.
 
Visto que o radical moderno tem desconsiderado a
responsabilidade particular na vida moral, política e
econômica, assim também ele deprecia a ideia de
consciência particular. Ao mesmo tempo, também sabe que
ainda há poder na palavra “consciência”, e que não pode
fugir do fato de que a sociedade se deteriora quando não
reconhece padrões permanentes de certo e errado. Assim,
tentando distorcer o termo “consciência” a fim de encaixá-
lo em sua ideologia, o radical frequentemente fala sobre
“consciência social”, embora raramente defina essa
expressão. Seu significado é exposto somente pelo contexto
usado pelo próprio fanático. Por “consciência social” o
radical deixa implícita a crença de que o indivíduo deve se
sentir culpado por ser de alguma forma superior — e mais,
que de alguma forma uma justiça abstrata dita à
humanidade o direito e o dever de manter todos num só
patamar imóvel de igualdade. Mas tenho consciência de que
não estou sendo justo com todos os radicais enquanto
escrevo isto: alguns parecem querer dizer algo melhor
quando afirmam a “consciência social” — eles se referem ao
tradicional dever que os favorecidos e abastados têm de
ajudar os desventurados. Apesar disso, não consigo
entender como essa última aplicação do termo tenha
qualquer vantagem sobre o velho e simples uso da palavra
“consciência”. A consciência sempre governou a caridade.
Receio, então, que, falando de “consciência social”, a
maioria dos radicais queira simplesmente derrubar
estabelecimentos políticos, destruir a propriedade privada e
minar as capacidades privadas superiores.
 
O conservador nunca ergue um muro entre a consciência
individual e a sociedade. À parte das obrigações diante de
Deus e do próprio eu que a consciência dita, a verdadeira
função da consciência é ensinar-nos a lidar justamente com
o nosso próximo, sejam homens, sejam mulheres. Ora, a
sociedade consiste justamente em homens e mulheres
considerados coletivamente. Não pode haver uma espécie
de consciência para lidar com todos aqueles que
conhecemos, homens e mulheres como pessoas, e uma
segunda espécie para lidar com a “sociedade” abstrata,
como se de alguma forma esta não fosse composta por
seres humanos individuais. A consciência é simplesmente
consciência. Ela não é “social” ou “antissocial”. Ela é o
senso de certo e de justiça que ensina o ser humano como
pessoa moral a conviver com outras pessoas morais.
 
O conservador, portanto, não é “antissocial” ou “sem
consciência”. O conservador consciente acredita que a
consciência permanece saudável enquanto lida com os
seres humanos em sua pessoalidade, e deixa de ser
saudável quando se torna abstrata, sentimental, genérica,
institucionalizada, ditada pela impessoal autoridade política.
Muitos daqueles que “abraçam o universo” e falam
vagamente sobre “consciência social” são os menos
confiáveis para serem guardiões do certo e do errado
quando se deparam com deveres pessoais e com a
responsabilidade diante do próximo. O conservadorismo
tem sido chamado de “lealdade ao povo”, em oposição a
um apego ideológico abstrato a estabelecimentos
impessoais de dogmas teóricos. Dessa forma, o conservador
é consciente porque respeita a pessoa verdadeiramente
humana, o indivíduo moral. Ele é caridoso precisamente
porque sabe que a caridade começa em casa; ele é justo
precisamente porque olha para homens e mulheres como
seus irmãos e irmãs, sob o mandamento divino de amor, e
não como unidades em uma economia planejada eficiente.
 
A boa e velha consciência sempre impeliu homens e
mulheres a serem caridosos (“caridade”, se entendida
literalmente, significa “ternura”, e não simplesmente
“alívio”). A caridade sempre ensinou o forte, o sábio, o
trabalhador, o prudente, o afortunado, o rápido, o belo, o
herdeiro de riquezas a socorrer com a caridade de seu
coração e com o máximo de suas habilidades nossos
companheiros, homens e mulheres fracos, desafortunados,
doentes, idosos, perplexos. Nesse sentido, a consciência
sempre foi “social”. O conservador não precisa de nenhuma
nova dispensação para reaprender esses deveres de
caridade, mas está convencido de que o caminho para a
boa consciência é trilhado pela caridade pessoal, por
relacionamentos pessoais e deveres privados — e não pelo
aparelhamento mecânico e impessoal de algum grandioso
plano de Estado. O conservador deseja manter a
consciência, assim como a caridade, perto do lar. Ora, uma
vez que a consciência deixa de ser pessoal, deixa de ser
consciência, sendo transformada em nada mais que
egoísmo iluminado ou lei positiva. O conservador reconhece
que, em alguns tópicos e casos de emergência, a
consciência particular deve trabalhar coletivamente
mediante agências públicas. Ao entender a natureza da
consciência, contudo, ele tenta manter, o máximo que
pode, a operação da consciência como um assunto pessoal
e privado.
 
Quando se engaja na caridade, por exemplo, o
conservador procura primeiramente fazer tudo o que pode
no âmbito pessoal e privado. Quando essa postura se
mostra insuficiente — quando o ato de ajudar a si mesmo e
a cooperação familiar não são suficientes —, ele então se
volta para as agências voluntárias privadas. Quando essas,
por sua vez, também parecem ser insuficientes, ele então
recorre à ação municipal, local e estatal. Se todos esses
recursos de alguma maneira fracassarem, daí ele se volta às
resoluções de esfera nacional. O conservador, contudo, está
inclinado a acreditar que os problemas comuns da
sociedade, exceto em situações de grande emergência,
podem ser solucionados de maneira satisfatória e bastante
humana, com base no alicerce pessoal, local e voluntário de
uma consciência simples, e com fundamentos no senso de
dever que bons homens e boas mulheres têm pelo próximo.
Agora, se essa consciência privada saudável cair na apatia
ou no vício, não fará sentido falar sobre “consciência
social”: não pode haver uma nação em que a moralidade
particular seja má e a moralidade pública, boa.
 
CAPÍTULO 4
 
O Conservador e
a Individualidade

O “individualismo”, bem como o “capitalismo”, é um


termo cunhado por partidários do socialismo. Com essa
palavra os socialistas do século XIX queriam insinuar que
enquanto o socialista está preocupado com a “sociedade” —
isto é, com o bem-estar de todos —, o conservador é um
“individualista” com tamanho orgulho que o faz se
preocupar apenas com o próprio umbigo. Essa caricatura do
conservador já causou muito estrago. Por isso, acredito que
seja importante entender o que o verdadeiro conservador
acredita sobre a individualidade humana e sobre os direitos
privados.
 
Atualmente, a palavra “individualismo” é usada de forma
bastante vaga nos Estados Unidos. Alguns de opiniões
conservadoras prejudicam a si mesmos e sua causa ao falar
e escrever como se o conservador de fato fosse tão egoísta
por princípio quanto o “individualista”, como dizem os
socialistas. Como termo de ciência política, “individualista”
— isto é, a pessoa que professa o “individualismo”, a
ideologia política — refere-se aos discípulos de William
Godwin, Thomas Hodgskin e Herbert Spencer. Agora,
Godwin e Hodgskin eram doutrinadores radicais, e Spencer
— embora haja elementos conservadores em alguns de
seus escritos — jamais teria imaginado chamar-se
conservador.
 
O individualista da escola de Godwin e Hodgskin acredita
que o ser humano é a sua própria lei, que as instituições
sociais estabelecidas — em particular as formas
estabelecidas de propriedade privada — são irracionais, que
a religião tradicional e a moralidade tradicional são em sua
maior parte sem sentido, e que todos devem agir sem
reservas, como bem quiserem. Bom, essas concepções
podem ser tudo, exceto conservadoras. Logo, os americanos
que nutrem inclinações conservadoras e se autodenominam
“individualistas” correm o risco de confundir toda a
discussão e desacreditar o conservadorismo. É possível que
caiam direto nas mãos dos socialistas, que declaram que o
conservador é um individualista sem coração e, portanto,
devoto à competição cruel, perfeitamente egoísta e hostil a
tudo o que é caridoso e louvável neste mundo. O verdadeiro
conservador, no entanto, não pode ser um individualista
genuíno. O pleno individualista é, no sentido estrito do
termo, hostil à religião, ao patriotismo, à herança de
propriedades e ao passado. O conservador, contrariamente
ao individualista, é amigo da crença religiosa, da lealdade
nacional, dos direitos estabelecidos na sociedade e da
sabedoria de nossos antepassados.
 
Logo acima, expliquei um pouco do significado estrito do
termo político “individualismo”. O conservador, porém, é um
individualista no sentido de acreditar na primazia do
indivíduo, no direito que a pessoa humana tem de ser ela
mesma. Quando o Estado presume ter o poder de ir contra
os direitos individuais, o conservador fica ao lado do
indivíduo. O conservador se opõe à teoria de Hegel de que o
Estado de alguma forma existe independentemente das
pessoas humanas individuais que compõem a sociedade. O
conservador acredita que o governo é uma criação da
sabedoria divina e que serve sob a Providência para cuidar
das necessidades humanas. As principais dessas
necessidades humanas são justiça, ordem e liberdade. Se o
Estado político começa a negligenciar os direitos individuais
e estabelece um sistema de “ditadura do proletariado”,
“despotismo democrático” ou “Estado das massas”, então o
conservador se volta contra essa usurpação de autoridade.
Isso porque o conservador acredita que um governo justo
garante aos indivíduos toda a liberdade condizente com a
justiça e a ordem. A função do Estado de justiça é aumentar
a liberdade individual sob a lei, não diminuí-la. Se, em nome
de um “bem-estar geral” abstrato, o Estado reduz a
liberdade ordenada dos cidadãos, então o conservador leva
adiante a causa da individualidade com resolução.
 
Indo direto ao ponto, acredito no conservador como
alguém totalmente a favor da individualidade, dos direitos
individuais, da diversidade na sociedade. O conservador é
igualmente contra o “individualismo” como ideologia
política radical, e contrário aos sistemas políticos que
tornam o indivíduo um mero servo do Estado. O governo
sábio, na visão do conservador, procura garantir dois
grandes princípios relativos à personalidade humana. O
primeiro desses princípios é o de que homens e mulheres de
mente e habilidades notáveis merecem ter protegido o
direito de desenvolver e manifestar personalidades
excepcionais. O segundo desses princípios é o de que
homens e mulheres, no proceder comum da vida, que não
têm a habilidade ou o desejo de realizar coisas
extraordinárias, merecem ter protegido o direito de
proceder tranquilamente com seus deveres e deleites, sem
serem oprimidos por aquelas pessoas de capacidades
extraordinárias. Esses dois princípios, pensa o conservador,
são orquestrados para abrigar e nutrir a individualidade
verdadeira e saudável. O conservador acredita que homens
e mulheres, embora iguais perante a lei, são muito
diferentes em suas capacidades e desejos. Alguns homens e
algumas mulheres são dotados de ambição, energia e
extraordinárias qualidades de mente e coração. Pessoas
assim devem ter o direito de desenvolver seus talentos ao
máximo, contanto que não infrinjam os direitos dos demais.
Mas outros homens e mulheres — e esses são a maioria da
humanidade — preferem viver uma vida tranquila, ordinária
e segura. Estes devem ter o mesmo direito de viver como
quiserem, contanto que não tentem forçar pessoas cheias
de vigor ou talentosas a se submeterem a seus próprios
desejos e prazeres. Quando os direitos de ambos os grupos
são assegurados, logo a sociedade tem um governo justo e
a individualidade humana é corretamente reconhecida.
 
O conservador, portanto, não é um “individualista”
egoísta (segundo a expressão desagradável do socialista),
passando por cima dos direitos e desejos do seu próximo;
nem é um coletivista enfadonho, que deseja reduzir todos
os homens e mulheres mortos de corpo e alma. O
conservador deseja que as pessoas sejam diferentes;
porque um mundo em que todos fossem iguais seria
infinitamente chato, e se afundaria para sua própria
destruição. No entanto, todos precisam ser
substancialmente iguais em algumas áreas da vida. Homens
e mulheres igualmente devem subscrever aos mesmos
princípios morais, prestar igual respeito ao legado de sua
civilização e manifestar a mesma lealdade às instituições
sociais que lhes provêm justiça, ordem e liberdade. O
conservador não tem medo de ser taxado de “conformista”
nessas grandes questões. E quando o revolucionário radical
ou o boêmio inveterado tenta subverter essas convenções
morais e sociais, então o conservador não hesita em
condenar a “individualidade” que culminaria na ruína social.
 
Ou seja, quero dizer que o conservador não é um
anarquista. Ele acredita que o governo justo — como o
governo constitucional dos Estados Unidos, com seus
poderes, freios e contrapesos, equilíbrios e garantias aos
direitos individuais — é uma grande força para o bem. Os
homens que assinaram a Declaração de Independência e os
membros da Convenção de Filadélfia não eram
individualistas — enfaticamente não eram — no sentido de
acreditar que todos os homens e todas as mulheres são
feitos livres ou felizes simplesmente destruindo todos os
antigos padrões morais e instituições políticas. Pelo
contrário, os Pais Fundadores planejaram estabelecer “uma
união mais perfeita” na qual a personalidade individual
prosperaria precisamente porque sólidas estruturas e um
governo prudente restringem o impulso anarquista da
natureza humana. Atuar de acordo com a vontade de
terceiros, sem respeito pelos direitos e vontades do
próximo, não é verdadeira liberdade, e não leva ao
verdadeiro desenvolvimento da personalidade humana
elevada, mas, pelo contrário, conduz a um estado de vida
primitivo, “pobre, desagradável, raso e bruto”.
 
Além disso, afirmo que o conservador não é um
coletivista. Ele acredita que, na medida do possível, homens
e mulheres são livres, e espera que cada um faça suas
próprias escolhas na vida. O conservador não deseja uma
sociedade de insetos, onde as vontades das grandes
massas ficam sujeitas às decisões de uma oligarquia. O
conservador acredita que o Estado existe a fim de prover
justiça, ordem e liberdade para a pessoa humana, e não que
os indivíduos existem para simplesmente servir um Estado
abstrato. Ele acredita que não há verdadeira humanidade se
autoridades políticas, julgando-se onipotentes, decidem
pelo indivíduo. O conservador deseja ver a diversidade rica,
revigorante e interessante de uma sociedade na qual todos
— sujeitos à lei moral e às restrições moderadas de um
governo limitado — possam ser livres e “transparentes”.
 
O conservador sabe que tanto a liberdade sem qualquer
tipo de restrição pode levar à opressão ou à anarquia
quanto o governo sem qualquer refreio pode levar ao
coletivismo. Mesmo sabendo disso, porém, ele acredita que
a melhor e mais efetiva restrição sobre o individualismo
anárquico é a obediência à lei moral e a consciência
individual, ao invés de um exercício constante e perturbador
do poder policial da autoridade política. O conservador
acredita que o governo por si só não tem a capacidade, ao
menos não de forma bem-sucedida, de regulamentar o
egoísmo e o desejo por poder do coração humano. Mesmo
que houvesse uma lei extremamente complexa que
munisse a autoridade estatal de poder para interferir em
todas as áreas da vida privada a fim de eliminar o egoísmo,
a vanglória e a fome por poder, ainda assim sua aplicação
provavelmente não mais que agravaria os males que
pretenderia reprimir. A sociedade só será boa se os
indivíduos que a integram forem bons e verdadeiramente
livres sob a lei moral.
 
A individualidade sem restrições morais ou leis justas
costuma conduzir ao egoísmo excessivo; há muitos
exemplos na história do nosso país. No entanto, o
conservador prefere tentar a reforma do “individualismo
cruel” operando na consciência individual, e não com a
força da polícia estatal. A única forma de reprimir o
egoísmo, diz Aristóteles, é “treinar a natureza mais nobre, e
não desejar mais”. E a única maneira de repelir a inveja é
lembrar as massas de que os talentos extraordinários têm
tantos direitos quanto os talentos ordinários. Há uma
geração, Irving Babbitt expôs a visão conservadora acerca
deste ponto com grande dignidade:
 
O remédio para o homem que está no topo e falha em frear seus desejos
não está, como o agitador quer que acreditemos, no inflamar dos desejos
do homem que está abaixo, nem no ato de substituir a verdadeira justiça
por alguma fantasmagoria de justiça social. Como consequência de tal
substituição, a pessoa estará deixando de punir o indivíduo ofensor para
atacar a instituição da propriedade. A guerra contra o capital depressa se
degenerará, como sempre ocorreu no passado, numa guerra contra a
economia e contra a indústria, batalhando em favor da preguiça, da
incompetência e, finalmente, dos planos de confisco, que professam ser
idealistas, mas são, na verdade, uma subversão da honestidade comum.
Acima de todas, a justiça social é, provavelmente, a mais insalubre em sua
prática de suprimir parcial ou completamente a competição. Sem
competição, é impossível cumprir o propósito da verdadeira justiça — isto
é, que todos receberão de acordo com suas obras. O princípio de
competição, como Hesíodo salientou há tempos, é fundamentado nas
próprias raízes do mundo; há algo na natureza das coisas que chama por
uma verdadeira vitória e uma verdadeira derrota. A competição é
necessária para erguer o homem de sua indolência natural; sem competir,
a vida perde seu entusiasmo e seu vigor. Há somente, como Hesíodo
continua a dizer, dois tipos de competição: aquela que leva à guerra
sangrenta e a outra que é a mãe do empreendimento e das grandes
realizações.

 
Logo, o verdadeiro conservador dedica-se à verdadeira
individualidade, isto é, o direito e o dever que homens e
mulheres têm de serem eles mesmos; o conservador busca
a competição consciente, as diferentes posições, classes e
oportunidades, e uma vida com diversidade, ainda que com
riscos. Ele não busca um “individualismo” doutrinador que
favorece o egoísmo, a ambição privada ilícita e a ideia de
que “os meios justificam os fins”. O conservador combate
tanto esses princípios quanto combate o coletivismo
sufocante. Ele acredita que a sociedade deve encorajar a
verdadeira individualidade e que as armas corretas contra o
individualismo cruel são a consciência privada e as boas
constituições, e não a vigilância política severa de nossa
economia e da vida particular de cada indivíduo. O
conservador não é um ideólogo; isto é, não deseja a mais
absoluta anarquia moral e política, ou um “bem-estar
estatal” oposto à diversidade individual. Ele acredita, pelo
contrário, que a sociedade americana estabelecida no
passado, na qual ambição e ordem pública harmonizavam-
se em um controle mútuo, apresenta a solução ao problema
“indivíduo vs Estado”.
 
Não há sociedade que acabe de uma vez por todas com
as reivindicações conflitantes do governo organizado contra
a ambição privada. O melhor a esperar é uma sociedade na
qual homens e mulheres reconheçam o princípio geral de
que naturezas superiores têm o direito de se desenvolver, e
que naturezas medianas têm o direito a viver com
tranquilidade. Na história de nosso país, o individualismo
cruel já ameaçou derrubar esse princípio. Mas esse tempo
passou; e no presente, o perigo é de o Estado reprimir a
verdadeira individualidade em nome de uma “justiça social”
niveladora. Hoje, portanto, o conservador prudente procura
mais uma vez alcançar o equilíbrio ao apoiar, com toda a
força a seu dispor, os direitos do indivíduo contra as
exigências arrogantes do Estado das massas.
 
CAPÍTULO 5
 
O Conservador
e a Família

“A origem das afeições públicas”, escreveu Burke, “é


aprender a amar o pequeno grupo ao qual pertencemos na
sociedade”. Não sentiremos nenhuma afeição por nosso
país a menos que amemos aqueles que nos são próximos. O
conservador entende que a família é a fonte natural e o
núcleo da sociedade de bem. Ele está consciente de que o
coletivismo aterrador passa a dominar quando a família se
deteriora, cuja essência é o principal instrumento de
instrução moral, educação de fundamentos e vida
econômica saudável. O amor torna a vida digna. A pessoa
aprende a amar com a família, e o amor se esvai quando a
vida em família é comprometida.
 
Atualmente, forças poderosíssimas atuam para diminuir a
influência da família entre nós, e até mesmo para destruir a
família para todos os propósitos exceto a mera procriação.
Algumas dessas forças são materiais e não intencionais:
certos aspectos do industrialismo moderno, que rompe com
a antiga união econômica da família; diversão e transporte
baratos, que encorajam os membros da família a passarem
quase todo o seu tempo fora do círculo familiar; escolas
públicas se vendo no direito de tomar para si uma parte
considerável da instrução que dizia respeito à família. O
verdadeiro conservador procura modificar ou reverter essas
tendências ao lembrar que o amor da família é mais
importante do que o ganho material, e busca criar meios
práticos para reconciliar a unidade familiar com as
exigências da vida moderna.
 
Por outro lado, determinadas forças hostis à família não
são meramente impessoais ou inconscientes, mas em parte
deliberadas, e podem ser contidas por ações inteligentes
nas esferas sociais, educacionais e políticas. A principal
dessas forças sinistras é o desejo deliberado de fazer com
que o Estado político assuma para si praticamente todas as
responsabilidades que uma vez a família já deteve. Esse
movimento é a forma mais minuciosa e desastrosa de
coletivismo. O fato de haver pessoas bem-intencionadas
defendendo esses ideais não os justifica. Todos sabemos do
que o inferno está cheio. O Dr. R. A. Nisbet, importante
sociólogo, em sua obra Quest for Community descreve o
plano dos totalitários, nazistas e comunistas a fim de
destruir a família:
 
O totalitário astuto conhece e compreende bem o poder que os laços de
sangue e a devoção religiosa têm de manter vivos na população os valores
e incentivos que podem, no futuro, servir como alicerce de resistência.
Dessa forma, se fez absolutamente necessário emancipar cada membro da
família, sobretudo os mais novos. Alcançou-se a alienação espiritual dos
laços familiares, e não só por meio de processos negativos como
espionagem e delações, mas também com o enfraquecimento dos
alicerces consanguíneos e com a substituição dos papéis sociais
encarnados na estrutura familiar. As técnicas variaram. O mais essencial,
porém, era a fragmentação da família e de todo agrupamento que
interferia entre o Estado de pessoas como sociedade e pessoas como uma
massa sem mente, sem alma e sem tradição. O que o totalitário deve fazer
para efetuar seu plano é perpetuar o vácuo espiritual e cultural.

 
George Orwell, em sua obra 1984, descreve as crianças
de Londres sendo ensinadas a espionar sistematicamente
seus pais, e louvadas por causarem sua destruição. Essa
desintegração última do amor familiar e de todo tipo de
amor já é realidade nas nações dominadas pelos
comunistas. E se a família continuar a se deteriorar no
restante do mundo, até mesmo a sociedade em que
vivemos poderá entrar em colapso.
 
Algumas das técnicas deliberadas ou quase deliberadas
do Estado de massas para minar a família são estas:
 
1. Tirar dos pais o direito de ensinar os próprios filhos
por meio da adoção estatal de teorias que prescrevem a
“educação integral da criança” em escolas do Estado,
depreciando o ideal de inteligência e dos direitos inatos
dos pais.
 
2. Criar “organizações juvenis” para tirar os jovens da
esfera familiar em suas horas de lazer e doutriná-los na
ideologia do Estado de massas.
 
3. Abolir a herança da propriedade familiar por meio de
impostos confiscatórios de heranças ou mediante
políticas de imposto de renda que deixam uma pequena
margem para a poupança familiar.
 
4. Incentivo planejado do divórcio, da “liberdade sexual”
e “desprivatização das mulheres” por meio de
legislações positivas ou propagandas oficiais, com o
objetivo de enfraquecer os laços da afeição dentro da
família que oferecem uma forte barreira aos desejos do
Estado totalitário.
 
Ainda há outras formas em que a autoridade política é
empregada para transformar a família numa mera
habitação — uma habitação frágil e impessoal. O
conservador se posiciona contra esses ataques deliberados
à família e permanece de pé mesmo diante dos assaltos
menos deliberados da vida moderna. O conservador sabe
que para a família sobreviver, homens e mulheres
inteligentes, crentes de que a família é a grande força em
favor do bem, devem tomar contramedidas rápidas. Junto
ao professor Pitirim Sorokin, ele sabe que a família deve ser
restaurada e reconstruída, e não meramente louvada em
termos vagos. Nas palavras do Dr. Sorokin:
 
A família [...] deve tornar-se uma união de corpos, almas, corações e
mentes em um ‘nós’ coletivo. Sua função basilar, de inculcar profunda
simpatia, compaixão, amor e lealdade em seus membros, não apenas na
relação um com o outro, mas com toda a humanidade, deve ser restaurada
e completamente aprofundada. Trata-se de uma realidade necessária
porque nenhuma outra agência pode cumprir essa função tão bem quanto
a família comum. Essa espécie de família se tornará a pedra angular para
uma nova ordem social criativa.

 
Como sugere o Dr. Sorokin, o conservador inteligente
simplesmente não fica parado. Nesta era em particular, a
tradição e as instituições estabelecidas estão sendo
fragmentadas por forças terríveis, e o conservador precisará
olhar para o futuro, assim como estudar o passado, se
quiser conservar o melhor de nossa herança. Ele deve
restaurar a família a fim de protegê-la da extinção; deve
criar uma nova e melhor ordem social, não cooperando com
o processo cruel de coletivização social, mas infundindo
nova vida nas amáveis instituições da família, da igreja e da
comunidade. A família é a verdadeira comunidade
voluntária, inspirada pelo amor e pelo conhecimento
comum. A única alternativa à família é o Estado totalitário,
governado por forças e poderes centralizadores.
 
O conservador é a favor de muitos tipos de liberdade. Ele
apoia, por exemplo, a liberdade política, sob constituições
justas e equilibradas; a liberdade econômica, sob as regras
da moralidade; a liberdade intelectual, equilibrada por um
senso de responsabilidade intelectual. Há, contudo,
supostas “liberdades” que o conservador inteligente já
conhece e considera anárquicas e malévolas. Ele não
reconhece nenhuma liberdade natural na tomada de bens
alheios, ou na subversão da lei e da ordem, ou na
destruição dos princípios morais que fundamentam a
essência da verdadeira liberdade. E ele nega a quem quer
que seja, indivíduo ou corpo coletivo, o direito à liberdade
de quebrar os sensíveis laços de afeição e interesse que
fundamentam a família. Tal apetite não é liberdade, mas
licenciosidade. Há demandas sociais que simplesmente não
fazem parte da liberdade ordenada, mas, pelo contrário,
negam a essência daquilo que significa ser
verdadeiramente livre: relegar o casamento a não mais que
uma mera forma legal de união sexual, isso se chegar a
tanto; converter o homem e a mulher num mero borrão,
com funções e tarefas idênticas; “libertar” a criança da
influência de seus pais; abandonar os preceitos morais, cuja
essência constitui o acúmulo de sabedoria do povo e da
nação, em prol de algum tipo de “nova moralidade”
coletivista.
 
A família é mais do que um simples arranjo operando em
favor da gratificação dos impulsos sexuais, e mais do que
um mero instrumento acidental de moradia. Acompanhando
as palavras do Dr. Sorokin, “Mais bem-sucedida do que
qualquer outro grupo, a família transforma seus membros
em uma entidade única, com uma reserva comum de
valores, com alegrias e tristezas comuns, cooperação
espontânea e sacrifício solícito”. A família mantém à
distância o coletivismo estéril. A família nos ensina o
significado do amor e do dever, e o que significa ser
verdadeiramente homem e verdadeiramente mulher. A
família é o “pequeno grupo ao qual pertencemos na
sociedade”. O conservador sabe que sem a família, nada de
maior importância na cultura será preservado ou
aprimorado. A família tradicional — que, ao lado de outras
realidades há muito instituídas, é indispensável — nos firma
nessas raízes, sem as quais seríamos todos apenas
pequenos átomos de humanidade solitária, destituídos de
princípios e à mercê do domínio de políticas e leis de ferro.
 
CAPÍTULO 6
 
O Conservador
e a Comunidade

O homem solitário, diz Aristóteles, é uma besta ou um


deus. Visto que poucos de nós somos deuses, vivemos em
comunidades para que não nos tornemos seres bestiais. A
comunidade é um grande bem: possibilita a civilização, o
crescimento moral e, quando enfraquecida, não costuma
ser substituída pela liberdade anárquica, mas pelo
coletivismo sufocante. Aristóteles nos lembra de que somos
seres sociáveis por natureza, que sentem prazer na
companhia de outras pessoas. Portanto, a pessoa que
rompe a verdadeira comunidade priva as demais de grande
parte da natureza humana.
 
Embora nós, americanos, sejamos por natureza amantes
das liberdades individuais e dos direitos privados, somos
também uma nação notoriamente amável e bem-sucedida
em seu espírito de comunidade. Nossa cidadania, nossa
municipalidade e nossos governos distritais; nossas
prósperas associações voluntárias, nossas incontáveis
fraternidades e instituições de caridade: são essas as
formas pelo desejo de uma verdadeira comunidade.
Tocqueville afirmou ter encontrado entre nós, mais do que
na Europa, o desejo genuíno de servir e promover a
comunidade mais forte, apesar de nossa tendência de nos
mudarmos de um lugar para o outro. É a junção da
independência local com a proximidade e a associação
voluntária que torna possível aquilo que Orestes Brownson
chamou de “democracia territorial” nos Estados Unidos —
isto é, o governo local livre, o oposto das democracias
centralizadas e fanáticas que se levantaram na Europa a
partir da Revolução Francesa.
 
Agora, em nosso século, o reformador social radical
detesta a verdadeira comunidade, e gostaria de ver a
sociedade transformada à força em um único molde rígido,
caracterizado por uma administração central, ordens sob
decretos executivos, uniformidade de vida e erradicação de
todas as distinções pessoais e locais. O radical —
especialmente o marxista — sabe que a comunidade
saudável é inimiga de seus planos, porque incentiva a
variedade de opiniões e costumes, abrigando todas as
associações voluntárias que se opõem ao despotismo
centralizado. Portanto, o doutrinador radical, uma vez no
poder, procura eliminar o vigor da comunidade local, como
Hitler tentou fazer na Alemanha e como os comunistas têm
feito de forma assustadoramente minuciosa na Rússia e em
outros lugares.
 
Atualmente, o reformador radical não é o único inimigo da
verdadeira comunidade. Há grandes tendências cegas na
tecnologia moderna e na vida econômica que também
ameaçam a comunidade tradicional: a centralização da
produção e da distribuição, o declínio dos padrões de vida
rural, a movimentação excessiva da população, a
padronização do lazer e dos costumes, o movimento bem-
intencionado (apesar de errado) em muitas paragens em
prol da consolidação das funções políticas e beneficentes
locais em burocracias estatais e federais. Contra essas
influências, não tão diretamente malignas quanto as
doutrinas políticas revolucionárias, mas mais sutis que elas,
o conservador inteligente deve lutar.
 
O verdadeiro conservador tem espírito público: ele
acredita na comunidade. Não quer dizer, no entanto, que
ele seja algum tipo de coletivista. O homem ou mulher de
espírito público neste país acredita em uma República, uma
nação na qual quase tudo é praticado voluntariamente por
indivíduos ou grupos locais, para o benefício do todo. O
coletivista, pelo contrário, acredita no Estado de massas,
uma dominação unitária consolidada na qual a compulsão é
a ordem última, e na qual todo aspecto da vida é
regulamentado por alguma espécie de corporação central,
que, embora seja teoricamente a favor do benefício geral,
atua em prol de grupos exclusivos e classes privilegiadas.
Rompida a comunidade, o coletivismo então usurpa suas
funções, e o retorno à comunidade voluntária se torna
quase impossível.
 
Em uma comunidade genuína, as decisões que afetam
mais diretamente a vida dos cidadãos são tomadas por
governanças locais e de forma voluntária: a aplicação da
justiça, da função da polícia, a manutenção das estradas,
dos edifícios públicos e dos benefícios distribuídos à
comunidade, a coleta de impostos, o gerenciamento das
instituições de caridade e dos hospitais, o estabelecimento
de escolas, a supervisão do desenvolvimento econômico.
Algumas dessas funções são executadas por corpos
políticos locais e outras por associações privadas. Enquanto
se mantiverem sob administrações locais e debaixo de uma
aceitação geral dos cidadãos, essas decisões de fato
formarão uma comunidade saudável. Mas, se
negligenciadas e usurpadas, passarem para as mãos de
uma autoridade centralizada, a comunidade estará sob
grande perigo — e não só a comunidade, mas também os
direitos individuais e o bem-estar social. Tudo o que há de
benéfico e prudente na democracia moderna só é possível
quando por meio de um senso comunitário vital. Se, em
nome de uma “democracia” abstrata, as funções da
comunidade forem atribuídas a uma autoridade central,
então o governo genuíno gerido sob o consentimento dos
indivíduos governados abrirá caminho para um
aparelhamento impessoal e para um processo de
padronização hostil à liberdade e à dignidade humana.
 
As influências que tornam a comunidade saudável ainda
são fortes nos EUA. Temos mais organizações voluntárias do
que qualquer outra nação; costumamos ser zelosos por
nossos direitos locais. Temos uma estrutura constitucional
que coloca muitos impedimentos no caminho do reformador
radical que deseja transformar a sociedade em uma massa
amorfa. No entanto, não podemos ser complacentes.
Podemos perder nossa comunidade se ignorarmos a
realidade.
 
É bastante tentador e cômodo permitir que o poder
centralizado assuma o fardo que necessariamente
acompanha os privilégios da comunidade. Para escapar das
exigências dos impostos locais, toleramos a crescente
mudança nos custos escolares, nas melhorias públicas, nas
cobranças por parte das instituições de caridade e até
mesmo nas funções de polícia do Estado e da administração
pública. De certo modo, já estamos trilhando esse caminho
faz tempo. Nas primeiras fases desse processo, pode
parecer que a maioria dos benefícios da comunidade
permanece retida, ainda que suas responsabilidades, há
muito desfrutadas, sejam transferidas para os ombros de
outra entidade. Talvez décadas ou gerações passem até que
as consequências dessa entrega de direitos e deveres sejam
completamente sentidas. Contudo, qualquer um com o
mínimo de conhecimento histórico pode prever as
consequências desse processo se não for controlado. Albert
Jay Nock, em seu livro Memoirs of a Superfluous Man
[Memórias de um Homem Supérfluo], indicou o curso
natural dos eventos:
 
Maior centralização, burocracia crescente; poder estatal e fé no poder do
Estado cada vez maiores, poder social e fé no poder social cada vez
menores; o Estado absorve uma proporção continuamente maior da renda
nacional; produção decadente; o Estado, em consequência disso, controla
‘indústrias essenciais’, uma após a outra, gerindo-as com corrupção,
ineficiência e paternalismo cada vez maiores, e finalmente lança mão de
um sistema de trabalho forçado. Então, em algum momento deste
processo, uma colisão dos interesses do Estado, no mínimo tão abrangente
e violenta quanto aquela que ocorreu em 1914, resultará em uma
desorganização industrial e financeira severa demais para a frágil
estrutura social suportar; e, a partir disso, o Estado será deixado à ‘morte
do maquinário enferrujado’ e às eventuais forças anônimas da dissolução.

 
Além do mais, posso dizer que essa desintegração da
comunidade e seu controle por uma autoridade centralizada
geralmente acompanham proporcionalmente a deterioração
da cultura e da moralidade, virtudes que parecem florescer
apenas quando a comunidade ensina os padrões da
civilização e da decência.
 
Ora, uma nação não é mais forte do que as várias
pequenas comunidades que a compõem. Uma
administração centralizada, ou um grupo de governantes
selecionados e servidores públicos, ainda que bem-
intencionados e devidamente preparados, não podem
conferir justiça, prosperidade, paz e boa conduta à massa
de homens e mulheres privados de suas responsabilidades e
instituições tradicionais. Esse experimento já foi aplicado
antes, de forma notável na Roma antiga, e foi um desastre.
É o desempenho de nossos deveres que nos ensina a
responsabilidade, a prudência, a eficiência, a caridade e a
moralidade. Se outra pessoa assume esses deveres, ela é
forçada a carregá-los, ou então atrofiamos, socialmente e
moralmente, pela falta de seu exercício. E o corpo
burocrático que assume essas responsabilidades sociais que
até então não lhe competiam não permanece diligente e
com as faculdades mentais sãs por muito tempo. A
sociedade vigente é quem recruta seus governantes e
servidores públicos; eles não escaparão da corrupção e da
indolência se vivem em um período de comunidades
desintegradas.
 
Sem dúvida, por vezes é cansativo trabalhar na diretoria
de escolas locais, ou ter de participar de reuniões
organizadas por instituições de caridade, ou pagar por
melhorias regionais com os fundos locais, ou diminuir o
crime por meio de reformas presenciais. Mas se esses
deveres e responsabilidades forem passados da
comunidade para alguma agência centralizada, em pouco
tempo a comunidade deixará de existir. E se um dia todos
os povos civilizados se virem na necessidade de tomar uma
forma de ação conjunta, voltaremos aos dias do “Bom
Selvagem”: nos encontraremos oprimidos, ao invés de em
uma época de coletivismo. A princípio, essa nova
dominação pode parecer benéfica, mas não será eficiente
nem pacífica após o decorrer de alguns anos.
 
O conservador inteligente, portanto, cumpre seu dever
perante a comunidade — sua cidade, seu país, seu negócio,
sua posição civil, sua união, seu grupo na igreja, seu corpo
profissional, sua escola ou universidade e seu fundo de
caridade. Tudo isso faz parte da verdadeira comunidade. O
conservador não acredita que cumpriu seu dever como
cidadão se meramente votou em favor de legislações
positivas, formuladas com o propósito de manter um corpo
burocrático distante executando as funções de todas essas
associações vitais. A comunidade é essencial à liberdade,
aos direitos individuais e à composição integral da ordem
social e civil. Sem isso, homens e mulheres são rebaixados
a uma posição inferior à humana — ou serão como as
bestas solitárias da frase de Aristóteles, ou se tornarão a
massa servil do Estado unitário. O conservador não se
posiciona como o anarquista, desprezando seus deveres
para com o próximo. O conservador não propõe trocar seu
patrimônio que é a comunidade pela Utopia centralizada.
 
CAPÍTULO 7
 
O Conservador e
o Governo Justo

Jefferson chamou o governo de um mal necessário. A


maioria dos americanos, porém, nunca acreditou nisso de
fato; e aos olhos dos conservadores em geral, o governo é
um bem necessário — enquanto for justo, constitucional,
equilibrado e restrito. A justiça, a ordem e a liberdade
dependem de um equilíbrio satisfatório entre a autoridade
governamental e os direitos individuais. Em tempos de
anarquia, o conservador inteligente procura dar apoio às
reivindicações do governo justo; em tempos de
centralização implacável e consolidação do poder político, o
conservador inteligente permanece em defesa do indivíduo
contra o Estado. Em nossa era e aqui nos EUA, a última
tendência está em vigor, de forma que o conservador
americano atualmente procura restringir a influência das
agências governamentais, mas não apoiar a autoridade
política.
 
Nos anos entre a efetivação da independência americana
e a adoção da Constituição Federal, os problemas eram
diferentes. A Confederação Americana estava sob o perigo
de desmoronar e sua autoridade poderia cair nas mão de
aventureiros, facções radicais ou poderes estrangeiros.
Nossa Constituição Federal, a qual o Sir Henry Maine
chamou de a grande realização política dos tempos
modernos, foi estruturada visando pôr um fim a esse perigo;
e essa Constituição, com pequenas alterações, desde então
tem ajudado imensamente a conservar nossa liberdade
ordenada.
 
O governo justo raramente é uma criação rápida de
pessoas habilidosas: pelo contrário, é a consequência de um
crescimento lento, a experiência de uma nação sob a
Providência. Daí então é que o reformador vigoroso pode
acelerar esse progresso ou, se proceder mal, ferir a
Constituição de uma nação. Contudo, na maior parte das
vezes, as instituições sólidas de qualquer nação são o
produto da experiência histórica. Trata-se de uma verdade
acerca dos Estados Unidos da América, embora nossa
Constituição pareça, em um primeiro momento, ter sido
elaborada no espaço de alguns meses na Filadélfia. Ora,
nossa Constituição Federal, assim como as constituições
originais de nossos vários estados, foi originada sobre um
século e meio de experiência colonial e prática de governo.
Por trás dela estão mais de seiscentos anos de experiência
inglesa, embora o legado todo da civilização clássica e
cristã tenha contribuído para nossas ideias de justiça na
constituição. O entendimento judaico de moralidade; a ideia
romana de lei; o conceito cristão de dignidade humana: os
criadores de nossa Constituição tinham tudo isso em mente.
Homens fortes, piedosos e práticos, muitos deles
intelectuais, os Fundadores da República não pretendiam
tirar da cartola uma constituição para os EUA. Eles
simplesmente expressaram formalmente a experiência
histórica e os preceitos morais da civilização e da terra à
qual pertenciam. Eles estavam orgulhosos por criar uma
nova nação, mas também foram humildes perante a
sabedoria de nossos antepassados. Na obra O Federalista,
talvez a melhor expressão do estadismo prático dos tempos
modernos, Madison, Hamilton e Jay se valeram do conteúdo
da história e da experiência inglesa e colonial para suas
provas e documentos. Em sua obra Defense of the
Constitutions [Em Defesa das Constituições], John Adams
revisou o curso da política a partir dos primeiros estados
gregos até o século XVIII, explicando que o governo
americano era um desenvolvimento prudente, tendo por
defesa o ensino de muitos séculos; e quando o reformador
francês Condorcet louvou os americanos por terem criado
algo completamente novo sobre princípios abstratos, Adams
escreveu: ”Tolice! Tolice!”, uma vez que John Adams, assim
como a maioria dos outros Fundadores da República, sabia
que o único governo realmente justo é aquele que cresce a
partir da experiência moral e social de uma nação.
 
Em nossos dias, o governo britânico e o governo
americano são os exemplos mais bem-sucedidos de governo
justo. O governo britânico parece estar passando por
transformações profundas e sutis, consequência de afastar-
se de toda autoridade e entregá-la nas mãos do Parlamento
ou do serviço civil. O governo americano, no entanto,
apesar do aumento das atividades federais, permanece
visivelmente nos propósitos dos Pais Fundadores: a essência
de nossa Constituição tem sobrevivido às brigas partidárias
de seis gerações. No geral, temos nos abstido dos ajustes
presunçosos com uma forma de governo que funciona bem:
não somos ideólogos ou filósofos de botequim, afligidos pela
desilusão de que nossa racionalidade privada e mesquinha
é superior à experiência da nação. O apego ao nosso
princípio federal (Constituição que reconcilia Estado e
direitos locais com a união em prol da segurança comum)
dominou o pensamento de nossos principais estadistas:
Calhoun ou Webster, Lincoln ou Douglas. A interpretação da
Constituição, ou do ideal da política prudente, varia
amplamente; mas a afeição pelos conceitos gerais que
contextualizam nosso governo permanece constante.
 
Hoje, no entanto, certas mudanças sociais, econômicas e
militares, e os argumentos de uma escola de intelectuais
que prefere a consolidação às liberdades locais e
individuais, desafiam todos os alicerces de nossa estrutura
constitucional. Alguns nos dizem que nossa experiência
histórica é obsoleta. O professor Hartz, de Harvard, insiste
que “ao invés de recapturar nosso passado, devemos
transcendê-lo. Assim como a criança que está em transição
para a adolescência, não há como os EUA voltarem para
casa”. E o professor Hofstadter, de Columbia, nos diz que
“As bases tradicionais estão em plena transformação na
sociedade corporativa e consolidada que exige
responsabilidade, coesão, centralização e planejamento
internacional”. Eles, entre outros, deixam implícito que todo
o conjunto de princípios morais, legados filosóficos e
estabelecimentos constitucionais sobre os quais nossa
sociedade está alicerçada devem ser substituídos por uma
nova dominação. O conservador inteligente, no entanto,
nega essas ideias e com o professor Rossiter, de Cornell,
afirma: “Os americanos podem por fim escutar os conselhos
de seus profundos filósofos e adotar uma teoria política que
dê mais atenção a grupos, classes, opiniões públicas,
poderes e elites, leis positivas, administrações públicas e
outras realidades dos EUA do século XX. No entanto, parece
seguro predizer que o povo, que ocasionalmente se mostra
mais sábio do que seus filósofos, pensará sobre a
comunidade política pela perspectiva dos direitos
inalienáveis, da soberania popular, do consentimento, do
constitucionalismo, da divisão e separação dos poderes, da
moralidade e do governo limitado. A teoria política da
Revolução Americana, uma teoria de liberdade ética e
ordenada, continua sendo a tradição política do povo
americano”.
 
Aqueles que se inclinam ao último ponto de vista
precisam entender claramente o que são os princípios
centrais do governo já consolidado nos EUA. Acredito que
duas ideias centrais tomaram forma em nossa estrutura
política, desde os tempos coloniais até o presente:
 
1. A crença de que homens e mulheres têm o direito
natural de tomar suas próprias decisões na maioria das
situações da vida; assim, os poderes do governo são
devidamente definidos e delimitados. O governo justo
deve assegurar a todos os direitos individuais que
possibilitam a ordem social e civil. Quando usurpa esses
direitos individuais, o governo deixa de ser justo.
Sempre haverá um debate sobre exatamente onde os
direitos individuais acabam e onde os interesses
públicos começam. O pressuposto americano é o de que
o cidadão entrega sua confiança ao Estado, isto é, à
autoridade local, estadual ou federal apenas porque tais
poderes são necessários ao bem-estar comum. A teoria
americana tem sustentado que a autoridade moral e
política reside no indivíduo sob o governo de Deus, e
não em um Estado abstrato. Portanto, o povo confere ao
Estado alguns poderes porque estes são necessários à
defesa comum e à conveniência, e permanece atento ao
exercício dessas forças.
 
2. A crença de que a nossa República deveria ser aquilo
que Orestes Brownson chamou de “democracia
territorial”, isto é, uma nação caracterizada pela
concessão do poder governamental sobretudo às
autoridades locais e estaduais; o poder só é delegado
ao governo federal. Isso é democracia limitada,
“filtrada”, um mundo distante do aparelhamento e da
democracia irrestrita de Rousseau e dos revolucionários
franceses. Temos sido democratas somente no sentido
de acreditar que as preocupações comuns do povo
devem ser consideradas, na maioria das situações, sob
poderes locais; que as decisões públicas devem ser
tomadas pela livre vontade dos cidadãos, encontrando-
se em uma escala humana. Jamais abraçamos a teoria
de que uma democracia centralizada, sem limitações
constitucionais, possa ser um governo justo e livre.
Nosso governo tem funcionado bem porque suas
políticas são planejadas e estruturadas por pequenos
grupos individuais que fazem escolhas locais e assim
influenciam a ação nacional por meio de representantes
constituídos. Nosso governo tem sido um governo justo
e livre por causa de seu elaborado sistema de freios e
contrapesos, que geralmente impede maiorias
intolerantes ou minorias egoístas de impor sua vontade
sobre a nação. Temos deliberadamente nos abstido de
concentrar poder na capital nacional ou no Executivo —
ainda que, a partir de uma lenta sucessão de eventos,
agora tenham se estabelecido em Washington encargos
tão pesados com os quais nem mesmo o presidente ou
o congresso consegue lidar de maneira adequada.
Jamais abraçamos a ilusão de que indivíduos ou
pequenos grupos, agindo a partir de um centro político,
podem administrar de forma benéfica as preocupações
e problemas de comunidades locais e de indivíduos.
 
Os Estados Unidos permanecem modelo de justiça, ordem
e liberdade perante seus aliados ao redor do mundo, pois
cuidam dos direitos naturais de cada indivíduo e se
preocupam com a representatividade do governo federal (e
não centralizador). Acredito que seja perigoso demais
alterar os alicerces deste edifício alicerçado tão bem. As
nações são como árvores: não devemos cortar suas raízes,
embora possamos podar seus ramos.
 
Sinceramente, duvido que as pessoas que nos exortam a
transcender nossas tradições políticas realmente entendam
as consequências de alterar radicalmente as suposições e
instituições sobre as quais um governo bem-sucedido se
fundamenta. Ao “transcender” nossas complexas tradições
e constituições, derivadas da fé cristã e da experiência
social e civil da história inglesa e americana, pessoas assim
logo se encontrariam confrontadas pela necessidade de
reconhecer ou estabelecer algum conjunto alternativo de
tradições e constituições. Contudo, esses reformadores
radicais não apresentam nenhum conjunto de tradições e
constituições. A maioria deles agora rejeita o marxismo;
eles têm consciência, em alguma medida, das deficiências
do racionalismo e do positivismo antigo, e ficam um tanto
envergonhados quanto ao socialismo. Eles próprios
começaram mesmo a confessar a insuficiência da doutrina
progressista. No entanto, esses mesmos radicais têm
preconceitos contra nossa democracia territorial já
estabelecida. Falam sobre planejamento, centralização,
unificação e com isso querem dizer que gostariam de criar
algum tipo de elite de centralizadores e planejadores,
provavelmente governada pelas vagas aspirações do
“socialismo democrático”.
 
A humanidade, porém, não vive ou morre pelas
especulações do “socialismo democrático”. A pessoa que
respeita a experiência histórica de seu país prefere o diabo
conhecido ao diabo desconhecido. Ela não está disposta a
varrer um corpo de instituições e crenças que nos serviu
bem em troca de algum novo tipo de opiniões
predominantes e leis inomináveis por seus próprios
legisladores. O sistema político americano tem preservado
diante do povo americano um alto grau de justiça, ordem e
liberdade, talvez em níveis maiores do que em qualquer
outra nação, com a possível exceção da Grã-Bretanha.
Podemos julgar um governo pelos seus frutos. Nosso
sistema político tem sido evidentemente frutífero. E o
reformador social prudente, acredito eu, fará suas
mudanças conforme essa tradição política, revitalizando as
antigas constituições. Não há para onde fugir, pois sua
única alternativa seria varrer todas as peças do tabuleiro. O
problema é que então ele não estaria jogando o mesmo
jogo ou reformando a mesma nação. Ele não estaria, é
plausível dizer, tratando o povo como uma união de seres
humanos civilizados.
 
CAPÍTULO 8
 
O Conservador e
a Propriedade Privada

Talvez nenhum lema político simplista tenha causado


tanto estrago em nosso tempo quanto a falsa ideia de que
haja um conflito entre os “direitos humanos e os direitos à
propriedade”: visão popularizada nos EUA por Franklin
Roosevelt. Todos os direitos são direitos humanos. Tanto do
ponto de vista da lei quanto do ponto de vista da ética,
animais, plantas e objetos inanimados não têm direitos.
Somente homens e mulheres têm direitos. A “propriedade”
por si só não tem direitos ou privilégios, afinal não é
humana. O que se quer dizer com a expressão “direitos à
propriedade” é, na verdade, o direito que o ser humano tem
de possuir ou adquirir propriedades. Os direitos à
propriedade são direitos humanos, e estão, de fato, entre os
mais importantes. Não há oposição entre os direitos
humanos e os direitos à propriedade privada. Caso surja, o
conflito será entre o direito humano de possuir e adquirir
propriedades e algum outro direito humano real ou fingido.
 
Nenhum princípio na política inglesa ou americana é
melhor estabelecido do que o respeito pelos direitos de ter e
adquirir uma propriedade privada. O governo representativo
surgiu a partir da reivindicação feita por donos de
propriedade de que tinham o direito de serem consultados
pelas autoridades políticas caso suas propriedades viessem
a ser taxadas: essa foi a origem da representação popular
na Europa, e a Câmara dos Comuns do Reino Unido é nada
mais que o melhor exemplo do desenvolvimento de tais
direitos. Nos EUA, na noite da Guerra de Independência, o
principal clamor dos Patriotas consistia em reivindicar que a
propriedade deles estava sendo taxada sem representação.
Nos EUA, assim como na Inglaterra, quase todos
concordaram que homens e mulheres têm três direitos
fundamentais: o direito à vida, o direito à liberdade e o
direito à propriedade privada. Entendia-se que esses três
direitos conferiam coordenação e interdependência, uma
vez que a liberdade, e até mesmo a vida, não poderia ser
assegurada a menos que a propriedade privada fosse
garantida. O esboço original da Declaração de
Independência proclamava que a humanidade havia sido
imbuída naturalmente dos direitos à vida, à liberdade e à
propriedade; a expressão “busca da felicidade” substituiu a
palavra “propriedade” somente na revisão feita por
Jefferson, e a intenção era ampliar, ao invés de negar, os
direitos à propriedade, estes inalienáveis.
 
Os direitos à propriedade privada, portanto, são direitos
antigos e essencialmente humanos. A menos que a
propriedade seja garantida, não pode haver vida civilizada;
porque sem o direito de ter aquilo que a pessoa possui e de
poder aumentar seu patrimônio, não pode haver lazer, nem
melhoria material, nem cultura digna deste nome. Numa
condição de anarquia, em que a propriedade de todos está
à mercê de um depredador forte e cruel, homens e
mulheres se tornam como Caim: suas mãos se voltam
contra todos e as mãos de todos se voltam contra eles. A
vida básica, e até mesmo uma forma de liberdade
rudimentar, eventualmente pode ser possível em um Estado
de anarquia; mas só é possível enquanto homens e
mulheres viverem em um Estado primitivo. A existência da
propriedade, acima das posses pessoais mais básicas, é
possível apenas quando alguma forma de ordem política
garante que o indivíduo conseguirá manter aquilo que é
seu. Na verdade, até mesmo os selvagens reconhecem os
direitos à propriedade, ainda que de forma rudimentar. Um
dos poucos pontos sobre o qual quase todos os teóricos
políticos têm concordado, em quase todas as épocas, é que
o governo foi criado para proteger os direitos à propriedade:
Hobbes e Locke, Rousseau e John Adams estão juntos nesse
ponto.
 
“A propriedade é roubo”, disse o anarquista Proudhon. No
entanto, nenhum estudioso sério da sociedade concordaria
com ele; e, neste ponto, dificilmente algum radical do
século XX defenderia que a propriedade como tal é
prejudicial. Os radicais não desejam abolir a propriedade; o
objetivo deles, ao invés disso, é transferir a propriedade
privada de seus proprietários para o domínio do Estado ou
do coletivo. Se a propriedade não existisse, a vida civilizada
não poderia existir, e uma vez que a propriedade existe,
alguém deve possuí-la, controlá-la, protegê-la e expandi-la.
O radical diz que a propriedade deve ser possuída,
controlada, protegida e aumentada por algum corpo
coletivo — nos tempos modernos, comumente pela
autoridade política central. O conservador, ao contrário, diz
que a propriedade deve ser controlada, protegida e
aumentada por indivíduos e por associações voluntárias.
 
No alvorecer da existência social, boa parte das
propriedades era controlada não por indivíduos, mas por
comunidades; pela pequena vila, tribo ou clã. Em algumas
partes do mundo, as antigas formas coletivas de
propriedade ainda sobrevivem; e onde essas instituições
primitivas ainda subsistem, o conservador não tem o intuito
de atrapalhá-las, a fim de não romper o antigo costume de
pessoas simples sem fornecer um substituto adequado para
seus usos e costumes. Mas no mundo ocidental de hoje, e
na maioria das sociedades civilizadas, a propriedade
privada suplanta proporcionalmente a propriedade coletiva
conforme homens e mulheres têm se tornado mais
civilizados e as sociedades têm progredido culturalmente e
materialmente.
 
A propriedade privada não é um mal que aflige pessoas
sofisticadas, mas, pelo contrário, é um grande bem. Sir
Henry Maine, em sua obra Village Communities, comenta:
“Ninguém tem liberdade para atacar várias propriedades e
ao mesmo tempo dizer que valoriza a civilização. A história
de ambas as coisas não pode ser desassociada”. A
instituição de várias propriedades — isto é, a propriedade
privada — tem sido um dos instrumentos mais poderosos
para ensinar responsabilidade a homens e mulheres,
fornecendo motivos para a integridade, apoiando a religião
e a cultura geral, elevando a humanidade acima do mero
trabalho pesado, dando-nos a possibilidade de pensar e
liberdade para agir com moderação e prudência. Há
vantagens que persuadiram homens e mulheres a
abandonarem a instituição primitiva da propriedade coletiva
em favor da instituição civilizadora da propriedade privada:
ser capaz de manter os frutos do próprio trabalho; ser capaz
de testemunhar o próprio esforço tornar-se permanente; ser
capaz de legar sua propriedade para a própria posteridade;
ser capaz de se erguer da condição natural de pobreza
extrema para a segurança da realização permanente; ter
algo que é de fato seu. A existência da propriedade privada
implica que alguns homens e algumas mulheres serão mais
ricos do que outros, é verdade; mas se não existisse
propriedade privada, não seríamos todos ricos: ao invés
disso, seríamos todos pobres. A manutenção coletiva da
propriedade é uma marca de sociedades pobres nas quais
há pouca propriedade e pouco progresso. “A menos que
estejamos dispostos a afirmar que a civilização é um grande
erro”, Paul Elmer More escreveu, “... a menos que nosso
progresso material seja ao todo um grande erro, devemos
admitir, para nossa tristeza ou para nossa alegria, que as
tentativas por parte do governo ou de instituições de
ignorar a desigualdade podem impedir o movimento de
progresso ou retroceder o mundo ao barbarismo temporário,
mas certamente não serão a causa de maior e mais ampla
felicidade”.
 
A instituição da propriedade privada está enraizada na
desigualdade; mas os homens, embora igualmente morais,
não são iguais em todos os aspectos. Tentar torná-los iguais
destruindo a posse privada prejudicaria a natureza dos mais
fortes e mais vigorosos, mas sem ajudar a natureza dos
mais fracos e menos favorecidos.
 
A propriedade privada, se entendida e empregada
corretamente, não é a causa do materialismo flagrante na
sociedade. Muito pelo contrário: diante do Estado moderno
em que a propriedade privada (com exceções
insignificantes) foi abolida, a União Soviética é a mais
materialista de todas as sociedades que já existiu, e tem
orgulho de seu materialismo. As civilizações de notória
realização espiritual e material, nos tempos antigos e
modernos, sempre foram e são marcadas por um forte
apego à propriedade privada. “A pessoa estremece de
pensar sobre a mortalha desoladora de ansiedade e fúria do
materialismo destrutivo que cairia sobre a sociedade”, More
continua (e, aliás, Paul Elmer More, um dos americanos mais
verdadeiramente civilizados, era um moralista austero e um
pensador cristão devoto), “se as leis fossem alteradas com
o propósito de transferir os direitos predominantes da
propriedade adquirida para o trabalho pelo qual é
conquistada. Ora, quando assegurada, a propriedade pode
ser o meio para um fim; do contrário, será um fim em si
mesma”. Junto com More, o conservador inteligente valoriza
a propriedade não meramente por ela mesma, mas muito
mais por causa da cultura e da alta ordem social e civil que
a propriedade privada fomenta. A propriedade privada
nunca foi tão garantida quanto na Inglaterra Vitoriana: e,
apesar de suas falhas, foi a sociedade de maior realização
moral, intelectual e material. A propriedade privada
raramente ficou mais desprotegida do que na Rússia
Soviética — e poucos serão os sãos a tentarem defender a
cultura comunista hoje. O lazer, base da cultura, floresce
em uma sociedade apegada à propriedade privada, mas é
condenado em uma sociedade dedicada ao materialismo,
como a dos soviéticos. Os comunistas destroem a
propriedade privada, com todos os seus direitos e deveres,
mas a substituem pela busca por materialismos mais
intensa do que o amor pela riqueza atribuído às economias
“capitalistas” (isto é, detentoras de propriedade privada).
 
Um dos principais argumentos dos coletivistas modernos
consiste em dizer que se a humanidade abolisse a
propriedade privada, aboliria a opressão, a desigualdade e a
injustiça. Na verdade, os coletivistas defendem que essa
reforma aboliria o pecado, pressupondo-o como nascituro da
posse privada e da desigualdade econômica. Quando
chegam ao poder, no entanto, as teorias coletivistas são
confrontadas com o fato desconfortável de que nenhuma
sociedade pode existir sem propriedade, e que algumas
pessoas em particular, tanto em uma sociedade livre quanto
em uma sociedade coletivista, devem governar essa
propriedade e alocar sua distribuição.
 
Em uma sociedade livre, essa propriedade é controlada
por uma multidão de indivíduos, e nenhum deles é poderoso
o suficiente para entronizar sua própria vontade sobre a
maioria. Alguns dos que possuem propriedades são
vigorosos autodidatas; outros são bastiões de riquezas
herdadas; outros são humildes e desconhecidos
proprietários de uma casa, de um pequeno negócio e de
algumas ações. Essa variedade torna a sociedade
interessante, assegura a competição benéfica e impede
oligarcas miseráveis de ditar às massas. Em uma sociedade
coletivista, por outro lado, essa propriedade é controlada
por pequenos laços de gerentes, comissários, muito mais
poderosos e normalmente bem menos escrupulosos do que
qualquer empreendedor milionário. A propriedade não
deixou de existir; ela só mudou de administração, e a
dominação coletivista é mais pungente e muito mais
desigual do que a antiga dominação da propriedade
privada. Em resumo, a propriedade privada é essencial à
liberdade. Homens e mulheres precisam comer; se,
contudo, forem economicamente dependentes de um único
mestre, tornam-se escravos dele. Na dominação coletivista,
o Estado é o único mestre e não tolera dissidência. Em
nome da igualdade, o coletivista estabelece uma ordem
política e econômica que sujeita uma grande massa de
indivíduos impotentes à vontade e ao capricho de uma nova
elite gerenciadora. Enquanto a propriedade privada
sobreviver e permanecer saudável, a dominação coletivista
não conseguirá se estabelecer. Mas quando a posse privada
da propriedade é abolida, torna-se praticamente impossível
manter a menor resistência à tirania. A propriedade privada
é, em alguma medida, um fim em si mesma, mas também
um meio para a cultura e para a liberdade.
 
Agora, se o conservador não hesita em afirmar os direitos
positivos da propriedade privada, também não deixa de
reconhecer que a propriedade carrega consigo
responsabilidades. O conservador se junta a Ruskin e
afirma: “Embora se saiba e se declare que o pobre não tem
direito à propriedade do rico, também quero que se faça
conhecido e se manifeste que o rico não tem direito à
propriedade do pobre”. O conservador acredita que cabe à
consciência particular, aos tribunais e ao governo sempre
vigiar para proteger os direitos de cada pessoa e de cada
classe. Não é a riqueza por si que o conservador respeita,
mas os direitos à propriedade, seja grande, seja pequena.
Boa parte da população detém posses pequenas, e sem
estas, as maiores estariam em perigo. O conservador
suspeita da consolidação econômica, do monopólio e
daquilo que se pode chamar de “coletivismo privado”. O
rico tem direitos não porque é rico, mas porque é uma
pessoa, um ser humano; e ao proteger sua riqueza, todas as
demais posses menores também são protegidas.
 
Sim, a propriedade contém seus deveres. Na visão cristã,
a propriedade é outorgada a indivíduos para que possam
servir a Deus e o próximo dispondo a propriedade para bom
uso. Homens e mulheres donos de propriedade têm o dever
moral de manifestar caridade, prudência e simplicidade. E
visto que a posse sempre encoraja nossas tendências
naturais em direção ao orgulho, à presunção, à indiferença e
à indolência, os detentores de riquezas de todas as
gerações precisam ser lembrados do dever de usar sua
propriedade com generosidade e caridade. O Estado
eventualmente pode agir para restringir o rico arrogante,
assim como pode agir para refrear o pobre cobiçoso, mas é
a Providência, junto com as forças privadas, que cria a
propriedade. O Estado não criou a propriedade; ao invés
disso, é seu guardião constituído. Quando o Estado
abandona seu papel de protetor e assume um papel para o
qual não foi projetado — o papel de mestre e alocador de
propriedades —, então o conservador luta para confinar a
autoridade política dentro de seus limites corretos. O
Estado, o conservador pensa, deve interferir nos direitos à
propriedade já estabelecidos somente em tempos de
grande emergência, e então somente para aquilo que é um
bem geral inquestionável. Ao apelar à consciência individual
e à opinião pública, e não à autoridade política, o
conservador procura lembrar ao dono de propriedade tanto
seus deveres quanto seus direitos naturais.
 
CAPÍTULO 9
 
O Conservador
e o Poder

É provável que nenhum outro aforismo político seja tão


citado hoje quanto a observação de Lord Acton, que disse:
“o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe
de forma absoluta”. No entanto, as barreiras contra a
concentração de poder — poder político e poder econômico
— são cada vez mais reduzidas em nosso tempo, em quase
todo o mundo, com pouco protesto efetivo. O conservador,
que tem a intenção de preservar a ordem, a justiça e a
liberdade, faz o que pode para lembrar o mundo moderno
da verdade quanto à afirmação de Acton, e manter as
restrições sobre o poder arbitrário que distinguem a
sociedade livre da sociedade servil.
 
O protesto dos colonos resultou na Guerra de
Independência dos Estados Unidos. Eles afirmavam que o
Parlamento estava usurpando para si os poderes que até
então estavam reservados às colônias. O documento O
Federalista, principal contribuição americana à literatura
política, é permeado pela convicção de que o poder deve
ser restringido, limitado, refreado, contido em equilíbrio. Em
essência, a Constituição Federal é o instrumento para
restringir e equilibrar o poder político: os poderes dos
governos federais e estatais, os poderes da autoridade
política e dos cidadãos, os poderes do executivo, legislativo
e judiciário. O entendimento prático do problema de poder,
manifestado por estadistas americanos como John Adams e
James Madison, deixou sua marca em nossas instituições
até hoje.
 
Politicamente falando, o poder é a habilidade de fazer
aquilo que deseja, independentemente da vontade das
pessoas ao seu redor e do seu próximo. É déspota o Estado
no qual o indivíduo ou um pequeno grupo é capaz de
dominar sem freios as vontades de seus companheiros, não
importando se é chamado de “monárquico”, “aristocrático”
ou “democrático”. A sociedade entra em anarquia quando
cada indivíduo reivindica ser o poder para si mesmo. A
anarquia nunca dura muito, sendo intolerável a todos e
contrária ao fato inescapável de que alguns são mais fortes
e mais sagazes do que outros. Na anarquia, a tirania e a
oligarquia, nas quais o poder é monopolizado por alguns,
sempre desfrutam sucesso. O conservador procura limitar e
equilibrar o poder político para que a anarquia e a tirania
não consigam se erguer. Homens e mulheres, porém, em
todas as eras, são tentados a desconsiderar as limitações
sobre o poder em favor de alguma fictícia vantagem
temporária. É característico do radical pensar sobre o poder
como uma força para o bem, mas só enquanto estiver em
suas mãos. Em nome da liberdade, os revolucionários
franceses e russos aboliram as antigas restrições sobre o
poder. Este, contudo, jamais pode ser abolido, pois sempre
se encontra sob o controle de alguém — na França, no final
do século XVIII, e na Rússia, no começo do século XX, o
poder que os revolucionários consideravam opressivo nas
mãos do antigo regime tornou-se por vezes igualmente
tirânico nas mãos dos novos mestres radicais, que aboliram
restrições ao poder que as monarquias francesa e russa
jamais haviam ousado alterar.
 
Em certo grau, quase todos desejam poder; e para alguns,
o desejo por poder é luxúria e presunção. Nenhuma paixão
é mais poderosa do que essa. O marxismo erra ao exagerar
a importância da motivação econômica na sociedade. De
fato, a maioria dos homens e das mulheres deseja posses
materiais, porém muitos são mais afeiçoados pelo poder do
que pelas riquezas. A riqueza se mantém no centro das
aquisições humanas porque geralmente significa poder. O
conservador, olhando para a natureza humana como um
misto de bem e mal, por vezes alguém capaz de elevada
nobreza, mas sempre de alguma forma defeituosa, sabe que
a sede de poder entre nós jamais será saciada.
Independentemente da prosperidade ou da igualdade e
desigualdade entre homens e mulheres, todos sempre
buscarão o poder. Ao aceitar esse triste fato, o conservador
procura limitar o apetite por poder por meio da instrução
ética e de boas leis.
 
Se a propriedade privada fosse simplesmente abolida,
insistem alguns reformadores radicais, então a humanidade
seria feliz: porque a propriedade, argumentam eles, é a raiz
de todos os males. Se o privilégio social fosse simplesmente
abolido, afirmam outros reformadores radicais, então a
humanidade seria emancipada da inveja e da ambição
injusta; porque o privilégio, eles pensam, é a fonte da
desumanidade para com o próximo. Essas eram as noções
que tendiam a dominar a era progressista do século
passado, e que ainda permanecem influentes, embora
falaciosas. O inescrupuloso busca a propriedade não tanto
por sua essência, mas por causa do poder que normalmente
a propriedade confere. O inescrupuloso busca o privilégio
muito mais por causa do poder do que por mera ostentação.
Se elementos já característicos da civilização ocidental
como a propriedade privada, o privilégio particular e todas
as velhas motivações para a integridade e incentivos à
diligência fossem abolidos amanhã, o feroz atrito entre o
homem e o seu próximo ainda persistiria. Na verdade, essa
mesma abolição provavelmente causaria ainda mais fúria,
pois é quando tão só o poder permanece como prêmio à
ambição que então será desejado com maior ardor e
buscado com profunda crueldade. E, repito, ninguém jamais
conseguirá abolir o poder. Assim como a energia, o poder
não se dissipa, mas meramente muda de forma.
 
No terrível romance 1984, George Orwell descreve uma
sociedade não mais distante que uma geração de nossa era,
na qual a única gratificação restante para as naturezas mais
fortes e mais talentosas é a posse do poder. A religião se foi;
o privilégio, no sentido antigo, se foi; a propriedade privada
se foi; o aprendizado liberal se foi; a vida familiar se foi; a
arte se foi; a filosofia se foi; o contentamento simples se foi.
E, ainda assim, permanece a feroz motivação para o
sucesso, isto é, a fome de poder. Naquela sociedade, ainda
há uma sensação de prazer: a sensação de pisar para
sempre no ser humano. E os mestres daquela sociedade
apreciam tanto essa sensação que a consideram uma
compensação mais do que suficiente para tudo o que foi
perdido.
 
Este é o triunfo do impulso diabólico, a ascendência do
Orgulho, a indulgência da vontade de dominar o próximo
que o ensino cristão sempre procurou subjugar. Mas o
quadro apresentado por Orwell não é mera fantasia. Temos
visto nos últimos quarenta anos a realização desse regime
horrível em grande parte do mundo. Um membro socialista
do Parlamento, que voltou de uma visita à nação da Polônia,
declarou recentemente que havia presenciado na Polônia
Soviética o cumprimento literal da fantasia de Orwell. Todas
as antigas restrições de poder foram abolidas, bem como
todas as velhas motivações para a integridade. O resultado
foi uma sociedade à parte em que o governo mais déspota
do século XVIII era superficialmente liberal. Todos os lemas
humanitários dos comunistas não tiveram peso quando
colocados na balança contra o poder puro. Entre um povo
que, como os americanos, estava acostumado há muito
tempo com restrições e equilíbrios praticamente
inconscientes — a ponto de quase esquecerem que
controles e restrições do tipo existem — há uma tendência
perigosa de negligenciar o grave problema do poder. Boa
vontade, reformas econômicas e lemas liberais podem
remediar todas as doenças herdadas pela carne, argumenta
o doutrinador progressista; e muitos americanos, protegidos
pelos costumes nacionais e por constituições sólidas contra
os riscos mais extremos da busca por poder, aceitam esses
argumentos sem muitos questionamentos. Dessa maneira,
por exemplo, nossa política internacional tende a se
degenerar em mera generosidade econômica — apropriação
após apropriação em favor da assistência material para
“países subdesenvolvidos”, ou recursos repletos de boas
intenções, acompanhados de assistência técnica, voltados
aos líderes da Ásia e da África, na crença de que se
batalharem para subir ao padrão de vida americano, a
desordem interna e a hostilidade internacional abrirão
caminho para uma sociedade de bem.
 
Apesar disso, há casos em que a assistência material
direcionada a outras nações pode trazer benefícios
consideráveis. Mas presumir que a mera reforma econômica
por si só é capaz de levar paz às nações significa ignorar
todo o velho problema relacionado ao poder. E esse
problema, mais cedo ou mais tarde, se recusará a ser
ignorado. Isso acontece porque o ganho econômico não é o
maior desejo da maioria dos estadistas ou da maioria das
nações. Prestígio, glória e especialmente o poder são
motivos mais fortes. Em nações razoavelmente prósperas,
sacrificar um pouco de prosperidade em favor de grande
poder parece frequentemente valer a pena: dessa forma,
Hitler com sucesso persuadiu os alemães a substituir a
manteiga por armas. Entre as nações profundamente
afundadas na pobreza, a possibilidade de verdadeira e
duradoura melhoria na condição material é tão remota que
estas quase sempre abandonam prontamente essa dolorosa
batalha em favor da emocionante busca por poder.
 
Nesse aspecto os soviéticos se mostram mais espertos do
que nós. Porque, embora os comunistas professem o
“materialismo dialético” e o engrandecimento material das
massas, na realidade os mestres da Rússia Soviética sempre
fazem um jogo cruel de poder, cujo desejo é a dominação, e
não a prosperidade universal. Eles sabem como aproveitar o
antigo apetite pelo domínio das populações. Prometemos
dez vezes mais assistência econômica aos “países
subdesenvolvidos” do que os russos; entregamos cem vezes
mais do que prometemos; e ainda não temos sucesso em
nossa competição contra a trama comunista na Ásia e na
África. Isso porque os russos têm jogado o jogo do poder,
enquanto temos inocentemente praticado o materialismo
que os russos pregam. E uma vez que os vigorosos anseiam
mais por poder do que por riquezas, os soviéticos têm
evocado intensas reações na natureza humana que nós,
americanos, por vezes ignoramos.
 
Agora, o conservador reflexivo não recomenda que
modelemos nossa conduta de acordo com as tramas
soviéticas, ainda que bem-sucedidas. Ele não acredita que o
incentivo inescrupuloso da fome por poder seja uma tática
legítima de interesse nacional, mas percebe que não
podemos nos dar ao luxo de ignorar as antigas inclinações
do coração humano, não obstante na política internacional
ou na política nacional. Homens e mulheres desejam
prestígio, glória, poder: muito bem, aceite o fato e tente
direcionar esse anseio para formas de justiça, de ordem e
de liberdade. O poder, se corretamente nutrido, limitado e
canalizado, é o meio pelo qual se pode alcançar todas as
melhorias necessárias. Em si mesmo, o poder não é moral
ou imoral: tudo depende dos motivos pelos quais o poder é
empregado e das instituições que fiscalizam seu abuso.
Tratar outras nações como se o único desejo delas fosse
material é insultá-las profundamente; e ainda que aceitem
nossa ajuda sob tais circunstâncias, estas se ofenderão com
nossa presunção, ou se valerão de nossa assistência para
jogar seu próprio jogo de poder. Contudo, quando
corretamente refreado e equilibrado, o poder é respeitado e
admirado; o exercício do poder irrestrito e sem escrúpulos é
temido e invejado; mas o poder negligenciado é
desprezado. Essas considerações, acredita o conservador,
deveriam influenciar nossa política externa.
 
E nossa política doméstica também deveria ser governada
por um verdadeiro entendimento da natureza do poder.
Homens e mulheres não são naturalmente bons. Pelo
contrário, o bem e o mal estão interligados por natureza; e
quando o bem predomina, normalmente predomina pela
virtude da imitação, do hábito e da obediência a leis justas.
Se extintos os costumes, as decências e as leis de
antigamente — independentemente de quão generosa e
humanitária for a justificativa —, a frágil vantagem do bem
sobre o mal pode ser contornada e o antigo desejo por
poder solto para então colocar em prática sua antiga
corrupção. As restrições constitucionais, os direitos dos
estados, o governo independente e local, os limites
impostos sobre a autoridade executiva, a interpretação
rígida das leis: todos esses instrumentos que servem para
limitar e equilibrar o poder por vezes parecem antiquados e
perturbadores, particularmente em uma era de rápida
expansão econômica. O impulso do doutrinador progressista
é varrer essas barreiras para então praticar sua reforma.
 
A natureza humana, no entanto, também é antiquada e
perturbadora; e quando os usos e costumes das
providências constitucionais que controlaram a ordem, a
justiça e a liberdade entre nós nesses três séculos são
desconsiderados, surge todo tipo de problema e discórdia,
raramente antecipado pelo doutrinador progressista. O
problema de fixar a responsabilidade na união gigante; o
problema de fixar a responsabilidade na corporação
gigante; a dificuldade de reconciliar o planejamento em
uma grande escala com a falibilidade de qualquer intelecto
humano — esses e muitos outros dilemas estão bastante
relacionados ao apetite humano por poder e ao princípio
conservador de que é melhor não fazer algo do que por
meios que possam colocar em perigo toda a complexa
ordem social e civil. A ordem, a justiça e a liberdade não são
produtos da natureza; pelo contrário, são artifícios humanos
elaborados e desenvolvidos lenta e dolorosamente a partir
da experiência de muitas gerações. A ordem, a justiça e a
liberdade não toleram que o poder se liberte de suas
antigas algemas. Seria difícil ter uma energia tão forte que
fosse capaz de transformar o mundo em algo novo, e não a
usar; mas ainda mais difícil é restaurar o equilíbrio de
influências a que damos o nome de sociedade livre.
 
CAPÍTULO 10
 
O Conservador
e a Educação

Para o conservador inteligente, o propósito da educação é


claro: desenvolver as faculdades mentais e morais do
indivíduo, para o seu próprio bem. Agora, esse processo de
cultivar a mente e a consciência de jovens (aqui falo da
educação no sentido de “educação escolar”, embora seja
bem verdade que a educação autodidata deveria continuar
durante a maior parte da vida do homem ou da mulher) tem
certos propósitos menores e benefícios secundários. Um
desses propósitos menores é instruir os jovens nas crenças
e costumes que possibilitam a ordem social e civil decente.
Outro desses objetivos menores é inculcar certas
habilidades e aptidões que ajudarão os mais novos quando
estes se tornarem adultos. Ainda outro é o desenvolvimento
de hábitos de sociabilidade, isto é, ensinar meninos e
meninas a participar de forma natural na sociedade. E ainda
há outros propósitos e benefícios.
 
Apesar de tudo, os conservadores não se esquecem
daquele objetivo essencial e do principal benefício da
educação formal, que é criar pessoas inteligentes e boas.
Por si mesmas, as escolas não podem criá-las. A família e a
comunidade exercem influência direta sobre as inclinações
naturais ou a falta delas nos jovens, sobre o fato de serem
sábios ou tolos, bons ou maus. As escolas, contudo, ajudam
no processo. E se negligenciarem essa função primária em
favor de mecanismos vagos como “atividades em grupo”,
“desenvolvimento da personalidade”, “aprender fazendo”
ou “absorver boas maneiras em sociedade”, logo essas
mesmas instituições se tornarão ambientes prejudiciais.
 
O conservador sempre pensa primeiro no ser humano
individual. O que é ruim para indivíduos é ruim para a
sociedade. Caso a maioria dos homens e mulheres seja
relativamente boa e inteligente, a sociedade em que vivem
não será má. Portanto — especialmente nesta hora em que
Ortega y Gasset chama de “era das massas” este tempo em
que a padronização de várias formas de coletivismo
ameaçam todo o conceito de verdadeira personalidade
individual — o conservador nunca deixa de enfatizar que a
escola existe primariamente para ajudar a melhorar o
entendimento e a moral dignos de pessoas comuns. A
escola não é meramente uma instituição de custódia que
mantém crianças em um cativeiro tolerável enquanto seus
pais estão ocupados em qualquer outro lugar. Tampouco é
um lugar onde jovens aprendem como ganhar dinheiro para
o futuro. Nem é a escola um simples meio de doutrinação
para determinada atitude social aprovada. Não, a escola é
muito mais importante: trata-se de uma instituição que tem
por objetivo transmitir disciplinas intelectuais e morais
sólidas à nova geração. O conservador não teme o abuso da
palavra “disciplina”. Sem disciplina, homens e mulheres
desperdiçam a vida em injúrias e em ociosidade. A melhor
forma de disciplina é a disciplina própria; a autodisciplina
mental e ética é o que as escolas tentam transmitir aos
alunos.
 
Aos olhos do radical moderno, porém, fiel a seus próprios
princípios basilares, a educação formal é algo bem diferente
daquilo que o conservador imagina. Para o radical —
comunista, fascista, socialista, ou qualquer tipo de ideólogo
radical — a escola é um instrumento de poder. É um meio
de endoutrinar o jovem com o que o radical acredita ser o
conceito de boa sociedade. Na opinião do radical, a escola
existe para trabalhar em prol da “sociedade”, e não
primariamente em favor do indivíduo. E o estudioso, na
opinião do radical, não deve perder seu tempo buscando a
Verdade, mas, pelo contrário, lhe cabe pregar doutrinas
socialmente aprovadas aos jovens, ou avançar a luta de
classes, ou planejar um mundo melhor. O radical pensa na
escola como um meio de melhorar, ou ao menos de mudar,
a sociedade como um todo. Para o radical moderno, a
simples ideia de encorajar o desenvolvimento de talentos
particulares pelo puro caráter privado é incômoda. Ele
pensa na escola como um meio de avançar em direção a
alguma forma de coletivismo. Os olhos do radical moderno
só conseguem enxergar as árvores, mas não a floresta. A
pessoa privada e seus argumentos pouco importam para
ele; as massas amorfas são tudo.
 
Agora, é claro que existem pessoas de visões políticas
radicais entre nós hoje que não abraçam a teoria radical da
educação que descrevi acima. Mas estes são radicais
inconsistentes, bem como existem conservadores
inconsistentes. Ora, se o único objeto real da vida é o
melhoramento material das massas, hipoteticamente
alcançado pela igualdade de condições, então não há razão
para encorajar o desenvolvimento da forte opinião privada e
da rígida mente individual. O coletivismo não requer fortes
personalidades e um alto nível de cultura particular, mas
conformidade inquestionável aos dogmas seculares do
coletivismo. Os educadores radicais mais consistentes e
diretos, como o professor Theodore Brameld, confessam
essa verdade e nos exortam a converter as escolas em
dispositivos de propaganda para o ensino de doutrinas em
que “todo mundo pertence a todo mundo” e de que uma
pessoa é tão boa quanto a outra, ou talvez um pouco
melhor. Muito francamente, autodenominam-se
Reconstrucionistas Sociais — educadores que colocariam as
escolas para construir uma nova sociedade coletivista.
Educando a juventude e implantando nas crianças suas
crenças, lealdades e o apego emulado por doutrinas
coletivistas, eles pretendem romper com todas as antigas
crenças e fidelidades. Se tivessem a oportunidade, alguns
deles diriam que “a religião da democracia” deveria
substituir as convicções religiosas nas quais quase todas as
escolas tiveram origem. Eles não querem intelectos
reverentes ou inquisitivos, mas mentes submissas e
uniformes.
 
Quando teorias ruins como essas são apresentadas ao
público americano com roupagens feias, o público
prontamente as rejeita. Mas o público americano ainda não
rejeitou algo mais sutil, menos distinguível e — a longo
prazo — talvez tão perigoso quanto outras teorias: as mais
recentes ideias pedagógicas de John Dewey. Embora Dewey
misture bom senso e falácias em suas teorias, as falácias
tornaram-se praticamente o dogma educacional oficial de
nosso país, enquanto o bom senso ou foi esquecido, ou
perdeu seu significado por circunstâncias sociais
modificadas. Dewey queria que as escolas públicas se
tornassem o meio de tornar a população americana
homogênea. Hostil à religião tradicional (embora às vezes
fizesse algum tipo de elogio), Dewey esperava que o
secularismo radical e agressivo nas escolas tomasse o lugar
dos conceitos religiosos que fundaram a moral e política
americanas. Hostil às obras da imaginação mais elevada,
propôs substituir os estudos literários e as disciplinas
intelectuais que haviam dado à educação americana seu
sólido caráter por metodologias de “esforço em grupo” e
“aprender fazendo”.
 
As teorias e a influência de Dewey não podem ser
examinadas em detalhe aqui; não faz muito, contudo, que
foram criticadas com inteligência por Canon Bernard Iddings
Bell, pelo professor Arthur Bestor, pelo Sr. Mortimer Smith,
pelo Sr. Albert Lynd, pelo Dr. Gordon Keith Chalmers, entre
outros. O que desejo fazer, porém, é indicar a postura que o
conservador inteligente deve tomar diante da educação
formal. O conservador inteligente combina disposição de
preservar com habilidade de reformar. E, a bem da verdade,
nossas escolas precisam de reforma o mais rápido possível.
Apesar de todo o diálogo sobre “a educação em prol da
democracia”, esses radicais parecem educar em favor da
submissão em massa — a enfadonha doutrinação secular
substitui a mente inquiridora. A República não sobreviverá
com cidadãos incapazes de apreender ideias gerais, ou
mesmo indispostos à leitura e à escrita. O fracasso de
nossas escolas — e em certa medida, de nossas faculdades
e universidades — nos trouxe exatamente até essa
transição. Atualmente, muitos universitários não são
capazes de escrever tão bem uma simples carta quanto um
aluno do sexto ano a teria escrito há cinquenta anos.
 
Assim, o conservador acredita que precisamos falar
menos sobre “dinâmicas de grupo” e “reconstrução social”
em nossas escolas, e fazer mais para restaurar as velhas e
indispensáveis disciplinas como leitura, escrita, matemática,
ciências, literatura imaginativa e história. O conservador
acredita que precisamos trazer de volta disciplinas
essenciais e definitivas e abolir matérias vagas e
superficiais como “estudos sociais” (ministrado como um
curso amorfo e independente) e “comunicações”. Ele
acredita que nossas faculdades e universidades poderiam
se beneficiar com a volta de um aprendizado mais humano
— com as verdadeiras Humanidades, disciplinas criadas
para ensinar compreensão ética e desenvolver a
imaginação elevada. Nossas instituições de ensino precisam
se redimir do vocacionalismo excessivo, da equivocada
ânsia de atrair alunos para dar a todos um diploma, mas
sem educação e com falsas especializações.
 
Certa vez, Alfred North Whitehead observou que o antigo
filósofo ansiava por ensinar sabedoria, enquanto o professor
moderno deseja ensinar unicamente fatos. Fatos isolados,
pensa o conservador, não constituem educação; e
sentimentos vagos, “atitudes sociais aprovadas” têm
relação ainda menor com o verdadeiro processo
educacional. Afinal, a República requer  cidadania dotada do
conhecimento da sabedoria de nossos ancestrais e respeito
por esse saber; a República exige uma cidadania dotada
com a habilidade de formar opiniões e fazer julgamentos. E
para tornar-se verdadeiramente humana a pessoa precisa
compreender as mais puras disciplinas da mente, pois estas
fazem dela um ser racional. O sistema “educacional” que
nem mesmo isso faz não é educativo, e não passa de um
aparelho de propaganda a serviço do Estado.
 
Aliado aos escolásticos medievais o conservador é da
opinião de que nós, modernos, somos anões sobre os
ombros de gigantes — capazes de enxergar mais longe do
que nossos antepassados somente porque nos apoiamos no
grande volume e na enorme força de suas realizações. Se
rejeitarmos a sabedoria de nossos ancestrais, cairemos no
fosso da ignorância. Qualquer um que seja ignorante das
antigas disciplinas que ainda incluem princípios éticos e
encorajam a imaginação ordenada afunda em declínio
cultural e permanece desprotegido dos sagazes ataques em
bando dos manipuladores inescrupulosos.
 
Entretanto, apesar de todas essas falhas na educação
americana do século XX, o conservador sabe que nosso
sistema ainda carrega alguns méritos consideráveis. Com
notável presença entre essas virtudes estão a diversidade e
a competição que ainda sobrevivem entre nossas
instituições educacionais. Não temos apenas escolas
públicas, mas um grande número de escolas privadas e de
escolas apoiadas por igrejas — e os conservadores aprovam
essa saudável variedade. Discípulos de Dewey, como o Dr.
James Conant, nos encorajam a eliminar qualquer instituto
educacional privado ou paroquial e forçar toda a população
a um modelo comum de escolarização, completamente
secularizado e com a intenção de “ensinar democracia”.
 
O conservador se opõe a essas propostas arrogantes. Ao
contrário, pensa que somos privilegiados por escapar da
influência mortificante da uniformidade no processo
educacional. O conservador se alegra com o fato de não
termos só universidades públicas, mas também
universidades particulares já há muito fundadas e dotadas
de boa reputação, centenas de faculdades patrocinadas por
igrejas, oportunidade para experimentos e liberdade de
escolha entre professores e alunos. Se deseja vitalidade
intelectual e originalidade, a nação deve encorajar essa
diversidade; se quiser permanecer estagnada e moldada
pelo secularismo, no entanto, a nação abraçará o design
uniformizador de Dewey e Conant.
 
Toda centralização é suspeita aos olhos do conservador; e
a centralização da estrutura educacional é uma das formas
mais perigosas de centralização. É com hostilidade ferrenha,
então, que o conservador vê propostas de subvenções
federais às escolas públicas. O conservador sabe que quem
paga o violinista é quem dita o tom; e, além disso, a
educação é mais robusta quando apoiada pelo esforço local.
A única informação de fato valiosa extraída da Conferência
de Educação da Casa Branca, em 1955, foi a conclusão de
que nenhum estado da União era capaz de assumir suas
próprias responsabilidades educacionais. Cidadãos comuns,
comunidades locais e os vários estados, o conservador
sabe, são os melhores juízes das necessidades e dos
interesses educacionais de sua região. Quando confrontado
com propostas de consolidação e unificação, o conservador
é sensato e logo suspeita que nas entrelinhas dessas
ofertas está o “Grande Design” de alguém para empregar a
escola como ferramenta a fim de virar a sociedade do
avesso. Mas o conservador não quer virar a sociedade do
avesso. Ele acredita que abusar das escolas com esse
propósito é o mesmo que corromper a educação, cuja
função natural é conservadora, no melhor sentido da
palavra: isto é, a educação formal conserva o melhor do que
foi ensinado e escrito e descoberto no passado, e por meio
de uma disciplina regular nos ensina a nos guiarmos pela
luz da sabedoria de nossos antepassados.
 
Um amigo escocês me escreveu sobre as noções confusas
que amaldiçoam a nossa era: “As pessoas parecem aceitar
premissas que foram rejeitadas pelos sábios ao longo de
todas as eras, e há um horrendo e sinistro estrondo no ar
como de incontáveis cavalos no topo do penhasco em
Gadara”. Todos os bons lugares e pessoas de bem estão
sendo sacrificados, prossegue ele, “não debaixo de uma
malignidade franca, mas sob uma hipocrisia
insuportavelmente enganosa”. A hipocrisia
insuportavelmente enganosa caracteriza muito do que
ocorre com a educação entre nós nos dias atuais. A reforma
conservadora precisa urgentemente retornar aos
pensamentos ordenados e corretos, e restaurar disciplinas
honráveis na educação. E o primeiro passo nessa reforma é
reconhecer o princípio basilar de que a educação é
destinada para a elevação da mente e a consciência
individual. O propósito da educação não é ser um brinquedo
nas mãos dos doutrinadores radicais, muito menos uma
grande farsa que proporcione lucro e prestígio ao que o Sr.
David Riesman chama de “a rede de patrocínio do Teachers
College da Universidade Columbia”. O conservador respeita
as obras do intelecto; já o radical de nossa era parece estar
presunçosamente satisfeito com a hipocrisia e com a
propaganda.
 
CAPÍTULO 11
 
Permanência
e Mudança

A definição mais viva para conservador é a de Ambrose


Bierce, encontrada em sua obra Dicionário do Diabo:
“Conservador: substantivo. Estadista enamorado com males
existentes, distinto do progressista, que deseja substituí-lo
por outros do seu próprio pensamento”. O conservador
verdadeiramente representa o sentimento de simpatia pelo
passado, forças de permanência na sociedade; o
progressista representa o sentimento de glória no futuro,
forças de mudança na sociedade. Uma vez que é o
progressista que deseja a mudança radical da ordem
existente, naturalmente é mais ativo do que o conservador.
Naturalmente é o progressista que escreve panfletos
polêmicos e organiza movimentos de massas; o
conservador, ao menos quando motivado por medo de
mudanças radicais ou alarmado pela decadência de sua
sociedade, tende a confiar nas forças poderosas e estáveis
do costume e do hábito. É essa tendência que deu a John
Stuart Mill a justificativa para chamar os conservadores de
“o partido estúpido”. Logo, Lord Silverbridge, no romance de
Trollope, The Duke’s Children, diz a seu pai, o Duque de
Omnium, a título de desculpa por ter aderido ao Partido
Conservador: “Se comparado a outros homens, sei que sou
um tolo. Talvez seja por saber disso que sou conservador. Os
radicais sempre dizem que para ser conservador a pessoa
precisa ser tola. Então o tolo deve ser conservador”. Porém,
quando o conservador inteligente é levado a sério em seus
pensamentos e ações, com frequência consegue se mover
com poder surpreendente contra seus adversários radicais e
progressistas. Cícero durante a dissolução da República
Romana, Falkland nas Guerras Civis Inglesas, Burke na era
da Revolução Francesa e John Adams nos primeiros anos de
nossa República são exemplos deste poder. E hoje atuam
com esse mesmo propósito os conservadores americanos
que acordaram para a terrível ameaça do Estado totalitário.
 
Existem conservadores estúpidos, assim como existem
progressistas e radicais estúpidos; mas de fato os
conservadores não formam o “partido estúpido”. Dizem que
“conservadorismo é diversão”. O conservador acredita que
a vida, apesar de todas as suas aflições, é boa; e acredita
que a sociedade americana, apesar de todos os seus
defeitos, é sólida em seu âmago. Portanto, ao desfrutar a
vida e nossas antigas instituições, o conservador não
partilha do frenético desejo radical de reinventar a roda. Ele
não acredita que o nosso seja o pior dos mundos, nem que
haverá um mundo perfeito na Terra. Os conservadores
formam o partido estúpido somente no sentido de que
radicais são o partido neurótico: isto é, se alguns
conservadores são enfadonhos e complacentes, alguns
radicais, pelo contrário, são meramente histéricos e
descontentes — Os homens que foram a Davi na Caverna
de Adulão. “Naturalmente”, o falecido professor F. J. C.
Hearnshaw certa vez escreveu, “para o conservador é
suficiente que ele apenas se sente e pense, ou talvez
simplesmente se sente”.
 
Burke comparava o conservador inglês de sua época ao
vasto gado pastando sob os carvalhos ingleses, silencioso e
aparentemente estúpido quando comparado com a miríade
de gafanhotos radicais gorjeando nos prados ao redor deles;
mas quando a verdadeira força é colocada à prova,
acrescentava ele, os gafanhotos são como nada se
comparados ao gado conservador. A realidade permanece a
mesma. Um grande número de conservadores agora
percebe que não será suficiente meramente sentar-se; eles
também precisam pensar e agir. E, acredito eu, esses
mesmos conservadores podem agir com propósito.
 
O fator estupidez é uma das principais acusações contra
os conservadores — embora normalmente se queira dizer
com isso que os conservadores não acreditam que
esquemas abstratos de leis positivas e encontros em massa
possam tornar nosso mundo um paraíso. Outra acusação
frequente contra os conservadores é taxá-los de opositores
do Progresso. E essa acusação tem tanto fundamento
quanto a primeira: isto é, há certa justificativa, embora
superficial; mas quando os verdadeiros princípios
primordiais do conservadorismo são examinados, chega-se
à conclusão de que o conservador inteligente é grosseira e
erroneamente interpretado por seus críticos radicais.
 
O conservador não se opõe ao progresso por pura e
simplesmente se opor, apesar de duvidar muito de que
exista força tal como um Progresso místico, com P
maiúsculo e redondo, operando no mundo. Geralmente,
quando a sociedade progride em alguns aspectos, cai em
outros. O conservador sabe que qualquer sociedade
saudável contém dois elementos, o que Coleridge chamou
de Permanência e sua Progressão.
 
A Permanência em uma sociedade é formada por aqueles
valores e interesses duradouros que nos dão estabilidade e
continuidade; sem Permanência, as fontes do grande
abismo são rompidas, e a sociedade cai em anarquia. A
Progressão em uma sociedade é o espírito e o corpo de
talentos que nos instam à reforma prudente e melhora; sem
essa Progressão, com o povo estagnado, a sociedade cai na
letargia egípcia ou peruana. Portanto, o conservador
inteligente se esforça para reconciliar as reivindicações de
Permanência e as reivindicações de Progressão. Ele acredita
que o progressista e o radical, cegos às reivindicações
justas de Permanência, colocam em perigo toda a grande
herança legada por nossos ancestrais em uma tentativa
precipitada de nos conceder um futuro duvidoso de suposta
felicidade universal. Em suma, o conservador é a favor do
progresso racional e moderado; ele se opõe ao culto do
Progresso, que presume que qualquer coisa nova seja
necessariamente melhor do que tudo que é antigo.
 
O conservador pensa que a mudança é essencial para
uma boa sociedade. Assim como o corpo humano repõe
tecidos velhos por outros novos, o corpo político deve
descartar, de tempos em tempos, algumas de suas velhas
práticas e assumir determinadas inovações benéficas. O
corpo que parou de se renovar começou a morrer. Mas para
o corpo ser saudável, a mudança deve ser contínua e
harmoniosa com a forma e natureza do corpo; ao contrário,
a mudança produz um inchaço monstruoso, um câncer que
devora seu hospedeiro. O conservador cuida para que nada
na sociedade seja completamente antigo, mas também
nada absolutamente novo. Esse é o meio de conservar
nossa sociedade, assim como é o meio de conservação do
nosso corpo físico.
 
No entanto, quanto à mudança e sua natureza que a
sociedade requer, depende do espírito da época e das
condições peculiares dos meios sociais abordados. Uma das
falhas mais habituais do radical é defender de imediato
mudanças perigosas no exato momento em que a mudança
gradativa e moderada já começou. Assim foi na Revolução
Francesa: como Tocqueville escreveu para a sua nação, “No
meio da escadaria, nos lançamos da janela para chegarmos
ao chão mais depressa”. O conservador considera perigosa
qualquer mudança que signifique uma ruptura abrupta com
os interesses e usos já estabelecidos. No entanto, ele
também defende que, se sua existência for inevitável, essa
mudança precisa alcançar benefícios reais e deve resultar
do esforço voluntário de muitos indivíduos e associações, e
não imposta pela presunção de alguma autoridade
centralizadora. Os Estados Unidos mudaram grandemente
desde a fundação da República: algumas dessas mudanças
serviram para o bem e outras para o mal. Mas um dos
principais méritos do nosso país é o de não amarmos a
mudança pelo simples fato de mudar. Nossa prosperidade e
tranquilidade são o resultado proporcional ao fato de que
sempre tentamos conciliar o melhor da antiga ordem com
as melhorias propostas por nossa inventividade. Nossa
mudança tem sido operada pelo trabalho não do Grande
Design de alguém, mas pelos esforços independentes de
muitos homens e mulheres trabalhando de forma prudente.
 
O conservador, porém, sabe que certas realidades
importantíssimas são imutáveis, e afirma que é perigoso
demais mexer com aquilo que provavelmente não pode ser
melhorado. Grosso modo, ele não acredita que possamos
mudar a natureza humana para melhor; há um só tipo de
melhora na natureza humana, e esta é a melhoria interna —
homens e mulheres se aprimorando na esfera particular. O
conservador não crê que possamos melhorar os Dez
Mandamentos como um guia para a virtude, nem que
sejamos capazes de criar a partir do nada uma forma de
governo mais adequada ao nosso temperamento nacional.
Em suma, o conservador acredita que as grandes
descobertas na moral e na política já foram feitas; faremos
bem em aplicar essas verdades, ao invés de buscarmos
vagamente por uma nova dispensação. O conservador
concorda com Burke, que há mais de um século e meio
respondeu àqueles que no século XVIII defendiam uma nova
moralidade e uma nova política: “Sabemos que não há
novas descobertas, e cremos que nenhuma descoberta
deve ser feita na moralidade, nem nos grandes princípios de
governo, nem nas ideias de liberdade, compreendidas bem
antes de nascermos e assim continuarão a existir depois
que o túmulo tiver selado nossa presunção e a sepultura
silenciosa houver imposto sua lei sobre nossa petulante
loquacidade”.
 
Se tivermos de escolher entre os dois, a Permanência é
mais importante do que a Progressão. Entre uma instituição
tradicional e já conhecida por funcionar razoavelmente bem
e uma instituição personalizada e de qualidades
desconhecidas, é mais sábio preferir a antiga e já testada à
nova e não testada. Randolph de Roanoke bradou diante de
uma Câmara dos Representantes assustada: “Senhores,
encontrei a pedra filosofal! Eis no que consiste: jamais, não
sem o maior acinte, perturbar algo que esteja em repouso”.
O elaborado tecido que convém chamarmos de ordem social
e civil — o complexo de hábitos morais, estabelecimentos
políticos, direito consuetudinário e meios econômicos — foi
erigido ao longo de muitos séculos por um processo
doloroso e trabalhoso de tentativa e erro. É o resultado dos
filtros de sabedoria, “da democracia dos mortos”, das
opiniões ponderadas e da experiência de muitas gerações
colocada na balança. Se abolirmos esse edifício, dificilmente
conseguiremos reconstruí-lo. A ordem estabelecida que
temos funciona; não temos certeza de que uma nova
ordem, tratada apenas na imaginação, funcionaria. E não
temos o direito de usar a sociedade como se fosse um
brinquedo; o direito de milhões de viventes e de milhões
que ainda nascerão está em jogo aqui. Então, repito,
quando a escolha a ser feita se mostra clara, é sábio preferir
a Permanência à Progressão.
 
Mas geralmente não é necessário fazer essa escolha. Por
vezes temos em mãos o poder de combinar progressão
moderada e mensurada com as vantagens presentes na
sociedade estabelecida. O conservador prudente não se
esquece do dever de unir-se à disposição de preservar a
habilidade de reformar. O caráter conservador americano
permitiu que crescêssemos de alguns milhões de pessoas
em colônias na Costa Atlântica para uma grande nação de
180 milhões de habitantes, que se estende do Ártico ao
Caribe e das bases na África às bases na Coreia. Trata-se de
progresso genuíno, mas dentro dos moldes da tradição. Ao
realizar esse progresso, temos preservado a moral e as
instituições sociais com as quais nossa República começou
de maneira quase intacta. Esse é o ideal conservador da
relação satisfatória entre permanência e mudança. Os
grandes princípios perduram; é apenas sua aplicação que se
altera.
 
Canon Bernard Iddings Bell, uma geração atrás — quando
quase todos que queriam ser à la mode se
autodenominavam progressistas — estabelece uma
descrição precisa e impiedosa do progressismo moderno
que conheço:
 
Para ser breve, o progressista é alguém que acredita que o ser humano é
bom e confiável por natureza, e que tem certeza de que tudo vai melhorar
pela mera passagem do tempo, basta livrarmos nossa vida dos tristes
desajustes sociais provocados por antigas perversidades que, é claro, não
existem mais. Evidentemente, o progressista é aquele que pode libertar a
mente humana das inibições da religião sobrenatural. O progressista
acredita que o homem é um sujeito nobre sem alma e como tal certamente
reterá para si as mais sublimes criações da cultura como uma espécie de
subproduto do autointeresse esclarecido, ou, como diria o grosseiro, do
fato de “ficar com um olho no peixe e outro no gato”. Na educação, o
progressista olha com admiração “o bebê humano intocado” e procura
instruí-lo não com as disciplinas necessárias, mas sim deixando-o fazer o
que quiser. Na política, acredita que terá o maior bem social possível se
der seu voto de confiança a todos e sempre direcionar as políticas públicas
de acordo com essa confiança.

 
Já basta do progressista. O conservador é um ser muito
diferente. O conservador sabe que não nasceu ontem. Ele
está ciente de que todos os benefícios de nossa complexa
civilização são o resultado do frágil engenho de muitas
gerações, criação de esforços, esmeros e sacrifícios. Não é
“por mero lapso de tempo” que tudo fica cada vez melhor;
quando as coisas melhoram, é porque homens e mulheres
conscienciosos, trabalhando dentro da estrutura da
tradição, têm lutado bravamente contra o mal e a preguiça.
O progresso, embora muito raro na História, é real, mas é
obra do artifício, da engenhosidade e da prudência humana,
e não um maquinário automático. E o progresso só é
possível se finalmente empreendido em bases seguras de
permanência.
 
CAPÍTULO 12
 
O que é a
República?

A palavra “república” significa elementos públicos, a


comunidade, o bem-estar geral em moldes políticos. A ideia
de República se encontra no coração do pensamento
conservador americano. Não mais conhecemos a monarquia
desde 1776, e sempre suspeitamos da “democracia pura” —
isto é, do governo das massas, sem defesas constitucionais,
sem proteção para as minorias e sem instituições
representativas. Como Calhoun disse, nosso governo é,
obviamente, uma República, uma democracia
constitucional, contrária à democracia absoluta; e […] a
teoria que a considera um governo da mera maioria
numérica baseia-se em um equívoco grosseiro e infundado”.
 
O objetivo do Estado coletivista é abolir as classes, as
associações voluntárias e os direitos individuais, engolindo
todos no borrão sem forma da “vontade geral” e da
absoluta igualdade de condições — a igualdade, isto é, de
todos, exceto do conluio que regulamenta o Estado. O
objetivo da República, ao contrário, tem sido reconciliar
classes, proteger associações voluntárias e nutrir direitos
individuais. Não reconhecemos qualquer “vontade geral”,
mas apenas a vontade de cidadãos privados e grupos
legítimos. Não buscamos igualdade de condição, mas
apenas igualdade de direitos legais — o princípio clássico de
justiça, de que “cada um recebe o que lhe cabe por direito”.
 
Para os americanos, a boa comunidade significa o estado
em que homens e mulheres podem seguir seu próprio
caminho, sujeitos apenas aos ditames da moralidade e das
regulamentações necessárias para a administração da
justiça. Reservamos aos indivíduos um vasto corpo de
direitos, conferimos aos governos locais e estaduais os
poderes necessários para a manutenção da ordem e para o
cumprimento de deveres que nenhum indivíduo ou
associação voluntária pode realizar, delegamos ao nosso
governo federal não mais que alguns poderes explícitos,
que tratam de questões além da competência geral dos
estados. E embora esse arranjo original de direitos e
poderes tenha sido alterado em certa medida desde a
fundação da nossa República, em geral, essas teorias de
direito e responsabilidade ainda prevalecem entre nós, e
continuamos a acreditar que a República justa é uma
comunidade na qual todo o possível é deixado nas mãos da
administração privada e local; e na qual o Estado, longe de
destruir classes e associações voluntárias e direitos
individuais, as protege e as respeita.
 
A maioria de nós nunca caiu no erro de acreditar que
“comunidade” significa “coletivismo”. Pode-se dizer que
nossa liberdade e prosperidade compartilhadas têm sido
nutridas por uma salutar negligência da noção de soberania
central absoluta. Essa casta conservadora original de nossas
políticas não partiu de nós. Não fomos encantados pela
falácia de que a vontade do povo é a vontade de Deus: para
nós, pelo contrário, a República de sucesso é marcada pela
sólida segurança contra a vontade e contra o apetite de
maiorias temporárias e irracionais.
 
Em suma, nossa República é um complexo de liberdades
individuais e locais. Seu grande mérito não tem sido a
igualdade, mas a liberdade. Ainda assim, há sinais de que a
afeição pública por essa República e o ato de compreendê-
la estão diminuindo em nossos dias. Por vezes parece que
nos aproximamos da condição em que Cícero encontrou a
República Romana em sua época. Ele descreveu aquela
decadente comunidade em seu tratado intitulado A
República:
 
Muito antes da nossa própria era, os costumes de nossos ancestrais
moldaram homens admiráveis, e por sua vez estes eminentes defenderam
os meios e as instituições de seus antecessores. Entretanto, nossa época
herdou a República como uma bela pintura de dias já passados, cujas cores
já desbotam com a idade; e nossa geração não só se negou a restaurar as
cores da pintura, mas também não preservou sua forma e seus elementos.
Para o que nos servem, hoje, os caminhos antigos nos quais a comunidade,
eles perguntam, foi fundada? Nós os vemos tão perdidos no esquecimento
que não são meramente figuras negligenciadas, mas esquecidas. E o que
tenho a dizer sobre os homens? Nossos costumes pereceram por falta de
homens que se levantassem em sua defesa, e agora somos chamados a
prestar contas, para que sejamos acusados de crimes capitais, compelidos
a defender nossa própria causa. Com nossos vícios, ao invés de sorte,
retemos a palavra “república” muito depois de termos perdido a realidade.

 
Para que nós, americanos, também não retenhamos
apenas a palavra “república”, mas não a realidade,
precisamos realizar o dever conservador de restaurar em
nossa geração a compreensão de liberdade e ordem que
tem expressado e encorajado nosso teor nacional. Esse é
um dos principais objetivos deste pequeno livro.
 
Hoje, quando muitos usam a palavra “liberdade”, usam-na
no sentido dos revolucionários franceses: liberdade da
tradição, de instituições sociais estabelecidas, de crenças
religiosas, de responsabilidades e deveres inalienáveis. Mas
não era nesse sentido que os Fundadores da nossa
República compreendiam a liberdade. Para eles, a liberdade
e a ordem não eram opostas; ao contrário, eles sabiam que
não se pode ter liberdade duradoura sem ordem, e que não
pode haver nenhuma ordem justa sem um alto nível de
liberdade individual. É essa compreensão de liberdade que
devemos restaurar, se desejamos que nossa República dure.
 
O conservador se esforça para preservar elementos
antigos e grandiosos. Ele se esforça por preservar as
tradições religiosas e morais que nos elevam acima das
bestas. O conservador se esforça por preservar o legado da
civilização ocidental, a sabedoria dos nossos antepassados,
que nos fazem mais do que bárbaros. E ele se esforça para
preservar a ordem social civil, política e econômica que foi
desenvolvida por meio da experiência e da tentativa de
muitas gerações, e que nos confere uma medida tolerável
de justiça, ordem e liberdade. No presente século, o
conservador é particularmente zeloso em preservar a
liberdade. Não nos expomos nem à carestia nem à anarquia.
Estamos, contudo, em perigo quase iminente de perder as
liberdades que nos tornam verdadeiramente humanos.
Portanto, o conservador moderno tende a enfatizar as
reivindicações de liberdade, ainda que em outra época
precisasse enfatizar as reivindicações de caridade e
responsabilidade. E, caso se mantenha fiel aos seus próprios
princípios, o conservador não se esquece de que a liberdade
sempre está unida à responsabilidade.
 
Nos capítulos anteriores, falei o mínimo sobre economia
política, sobretudo porque creio que a economia tem sido
enfatizada demais em nossa geração. Não acredito que a
grande disputa no mundo moderno seja simplesmente entre
duas teorias econômicas, o “socialismo” e o “capitalismo”,
como Bernard Shaw tentou convencer as mulheres na
geração passada. Não, mas creio que a verdadeira luta seja
entre a sociedade tradicional, com sua herança religiosa,
moral e política, e o coletivismo (representado por qualquer
outro nome) com sua paixão por reduzir a humanidade a
uma mera massa amorfa de produtores e consumidores
idênticos. Em resumo, embora haja muito mais envolvido
nessa luta do que meras questões de lucro, salários e
gestão, hoje somos ameaçados por um coletivismo
econômico, o qual, se triunfar entre nós, dará fim não
apenas a uma economia livre, mas a todo tipo de liberdade.
Portanto, acredito que valha a pena escrever um pouco
sobre as necessidades de liberdade econômica.
 
Sem liberdade econômica, torna-se inviável manter
qualquer outra esfera de liberdade. A República é mais
importante do que qualquer sistema econômico especial, e
ainda assim a perdurará sem uma economia
substancialmente livre. Existem duas principais razões por
que — dadas as condições atuais dos EUA e nossas
instituições políticas — a liberdade econômica é essencial à
preservação da liberdade em geral: para a liberdade
intelectual, para as liberdades civis, para o governo
representativo, para a liberdade de caráter privado. Em
primeiro lugar, é porque homens e mulheres só podem
desfrutar liberdades externas se não estiverem sujeitos a
nenhum mestre único e absoluto de sua subsistência. A
segunda é que a integridade comum exige recompensas
comuns, e isso falta na economia coletivista (chamada de
“capitalista” ou “consumista” ou “socialista”, ou o que for),
ou seja, faltam as velhas motivações para a integridade, as
antigas razões para uma conduta responsável.
 
Antes de tudo, algumas palavras sobre a primeira
motivação. Homens e mulheres precisam comer. Se
dependentes de um poder solitário ou de um único
indivíduo para sua subsistência, significa que são escravos.
Esses homens e essas mulheres só poderão atuar na esfera
prática se debaixo da influência desse mestre. Se o mestre
é o Estado, não há alternativa: precisarão obedecer, ou
viverão de vento. E o Estado, por sua impessoalidade, é um
mestre muito mais severo, mais desprovido de caridade e
generosidade do que qualquer senhor feudal.
 
Dizer que o Estado “democrático” não priva liberdades é
brincar com as palavras. O Estado democrático, assim como
qualquer outra estrutura, é gerido por indivíduos, com as
mesmas falhas herdadas por toda a humanidade,
especialmente a tendência de se perder por poder.
 
Supor que o Estado em massa sempre será justo e
generoso com seus escravos é supor que talvez exista, em
todos os níveis, uma classe de reis-filósofos superior à
fragilidade humana, purgada da luxúria, da inveja e da
ambição mesquinha. Mas nos EUA de hoje não temos tal
classe; na verdade, por vezes parece que nossa sociedade
faz o que pode para abolir esse sentido de responsabilidade
herdada e de grande honra que compensa a sociedade
patriarcal ou feudal por sua falta de liberdade individual. É
mais provável que, como sugere George Santayana,
seríamos súditos de uma série de oligarcas esquálidos,
desprovidos de um grande senso de responsabilidade. A
República teria perecido.
 
Agora, algumas palavras sobre a segunda razão. A
maioria das pessoas não age, e não pode agir, em
consideração ao bem-estar geral. Em qualquer economia,
nossa natureza indolente e orgulhosa exige incentivos.
Alguns sempre agirão por altruísmo, mas não serão
numerosos o suficiente para sustentar a economia moderna,
uma vez que os antigos incentivos de avanço, ganho e
aquisição de propriedade foram subtraídos. Essa triste
verdade brilhou sobre a mente dos socialistas mais sérios
na Inglaterra, desanimados com as falhas de sua própria
criação, levando-os a diálogos sinistros sobre “novos
incentivos” — recompensas e punições.
 
Para que haja a preservação de qualquer tipo de
liberdade, a economia deve ser consideravelmente livre.
Repito que muitas discussões populares sobre questões
econômicas são obsoletas, pois, especialmente nos EUA,
fundamentam-se no pressuposto de que ainda vivemos nas
condições do século XIX, caracterizado pela pressão popular
sobre o suprimento alimentício. Mas os problemas reais do
século XX são diferentes das dificuldades do século XIX,
sobretudo na esfera econômica e em alguns pontos mais
difíceis de abordar. O dever conservador é reconciliar a
liberdade individual com as reivindicações da tecnologia
moderna e tentar humanizar uma era em que o
consumismo consome o consumidor.
 
O triunfo da tecnologia, embora tenha resolvido
problemas materiais na presente era americana, criou
novos problemas. Mas não precisamos continuar
marchando, como se impulsionados por algum destino
inevitável, em direção a uma completa coletivização da vida
econômica, o ideal socialista do século XIX, já
desmascarado. Não podemos mais nos dar ao luxo de nos
curvar diante da ideologia. Pensar é um processo doloroso,
mas somente por meio do pensamento a ideologia pode ser
controlada; nenhum ideólogo jamais foi derrotado em seu
próprio terreno, exceto por outro ideólogo. É vão apelar para
uma “liberdade” teórica do século XIX. E ainda pior é supor
que por simplesmente repetir as palavras “liberdade”,
“democracia” e “progresso”, consegue-se reconciliar um
sistema de consolidação econômica impessoal com as
antigas liberdades pessoais de nossa civilização. Aquele que
Sidney Hook chama de “liberal ritualista” parece pensar que
tudo o que temos de fazer para manter nossa liberdade é
continuar reclamando e ignorar que estamos perdendo
nossa liberdade. No entanto, muitos desses mesmos liberais
ritualistas aplaudem os próprios processos econômicos e
sociais que estão reduzindo o domínio da liberdade. Espero
que os conservadores façam mais do que isso.
 
Não podemos simplesmente nos entregar à corrente dos
eventos, aplicando a solução pragmática de analisar cada
caso a partir de méritos passageiros. As políticas atuais
tendem diretamente ao estabelecimento de um coletivismo
econômico, sob um nome ou outro, hostil à República.
Certas medidas de tributação, por exemplo, mais notórias
na Grã-Bretanha, mas diferindo apenas em grau nos EUA,
operam para destruir a empresa privada na antiga acepção
do termo, para abolir a herança de propriedade e o senso de
responsabilidade que a acompanha, a fim de substituir em
longo prazo a compulsão estatal pelas antigas motivações a
favor da integridade.
 
Parece haver pouca reflexão de peso sobre as
consequências de manter impostos sobre heranças em sua
taxa atual. No entanto, agora constituem confisco e são um
imposto sobre o capital, e não uma contribuição voluntária
da renda para a manutenção da República. Uma sociedade
tão rica como a nossa pode se permitir tolerar homens e
mulheres ricos — e pode se dar ao luxo de encorajar, de
fato, o legado e a herança de grandes propriedades.
Nenhuma instituição social faz mais para desenvolver uma
liderança decente e um senso de responsabilidade do que a
herança de grandes propriedades e dos deveres que as
acompanham.
 
Tocqueville, observando há 125 anos a hostilidade
americana em relação à riqueza herdada, observou que
grandes fortunas conferem benefícios de muitos tipos a
toda a sociedade — na liderança, no incentivo às Artes, no
apoio às Letras, na criação de novos empreendimentos —,
enquanto uma infinidade de competências mesquinhas, dos
farrapos às riquezas e de volta aos farrapos em uma única
geração, encoraja apenas a arrogância e o gasto de
riquezas em ostentações evanescentes e confortos carnais.
Não estou sugerindo que o remédio para todos os nossos
males esteja na revogação do imposto sobre heranças.
Apenas afirmo que precisamos repensar sobre problemas
dessa natureza e libertar nossa mente dos lemas
ideológicos.
 
Uma vez que a riqueza herdada vem acompanhada de
responsabilidades para com a comunidade, o mesmo
acontece com as velhas disciplinas de poupança e
economia, aprimoramento pessoal e propriedade privada.
Alguns dos americanos mais inteligentes, em todas as
classes e ocupações, agora estão cientes da ameaça que
representa a irresponsabilidade na vida econômica, que
logo se comunica com a vida política: a irresponsabilidade
dos gerentes de grandes corporações, a irresponsabilidade
dos funcionários públicos detentores de breve autoridade
sobre a qual há pouca restrição, a irresponsabilidade de
sindicalistas que ascendem a posições elevadas sobretudo
mediante as artes da demagogia.
 
A República não dura para sempre com o capital moral e
social de seus antecessores. O senso de responsabilidade é
produzido por lições severas, pelo risco individual e pela
responsabilidade privada, pela educação humanizadora, por
princípios religiosos, por direitos e deveres herdados. A
República cujos líderes são como moscas de verão não pode
esperar obter integridade diante do povo, uma vez privada
das antigas motivações para a integridade. Essa mesma
instituição republicana se voltará em desespero ao
administrador-herói, à figura nebulosa em algum lugar no
cume — e, no final, o mesmo administrador-herói não estará
mais lá, e não mais será encontrado.
 
Não só o processo de consolidação econômica e o
funcionamento do direito positivo que diminuem o sentido
de responsabilidade pela guarda da liberdade ordenada na
República. Outras medidas, mais tecnológicas do que
diretamente políticas, operam para fazer do homem um
servidor-máquina, com muita ociosidade, mas pouco lazer
verdadeiro, livre no sentido de que ninguém o oprime
diretamente, mas servil no sentido de que foi privado dos
velhos interesses e esperanças da vida — falhando em se
desenvolver, permanece perpétua criança. No equilíbrio
atual dos Estados Unidos da América pode parecer que
proporcionamos às massas uma grande medida de
prosperidade econômica, mas sob quase nenhum custo de
liberdade. Penso, porém, no que esta República e todo o
mundo se transformarão daqui a cinquenta anos.
 
Não sendo debatedores de quinta série, os conservadores
não apresentam soluções fáceis e simplistas para todos
esses descontentamentos. O conservador apenas afirma
que o primeiro passo para curar uma doença é diagnosticá-
la corretamente. Proponho que de nenhuma outra forma
encontraremos a felicidade pessoal senão mediante o
esforço, e digo que o trabalho servil, embora
economicamente lucrativo, é inconciliável com a liberdade
social. Junto de John Henry Newman, em sua resposta a Sir
Robert Peel há mais de um século, não ofereço nenhuma
nova ideologia, mas apelo para os princípios da moral e da
política já conhecidos da humanidade há muito tempo. “Não
estou propondo medidas, mas expondo uma falácia e
resistindo a um fingimento. Que reine o benthamismo, se os
homens não tiverem aspirações; mas não lhes diga que
sejam românticos para então os consolar com a glória”.
 
Afinal, a liberdade é uma aspiração romântica, desejada
com seriedade apenas por uma minoria de homens e
mulheres. (As aspirações românticas, devo acrescentar, são
o que fazem a vida valer a pena). Apenas uma minoria
sente claramente o chamado da responsabilidade. No
entanto, perdida essa liberdade e essa responsabilidade, a
liberdade comum e a segurança das grandes massas
desvanecem na esfera econômica e política. Alguns entre
nós não desejam ser consolados com as glórias do
Admirável Mundo Novo. A economia política teve seu início
na obra de filósofos que, quaisquer que fossem suas
deficiências, estavam preocupados sobretudo com a
extensão da liberdade. A economia política prova estar em
decadência quando não chega a ser melhor do que um
pedido de desculpas depois de reduzir homens e mulheres a
uma condição de servilismo próspero.
 
O sucesso da República dos Estados Unidos e a
preservação de nossas antigas liberdades foram alcançados
em parte pela aversão nacional a separar a teoria da
prudência. Nenhuma outra sociedade teve problemas tão
complexos quanto os nossos, mas nenhuma antes da nossa
era teve tamanha riqueza de conhecimento disponível e
tamanha margem econômica para a resolução de
problemas. A análise do real significado de liberdade e o
exame da natureza da responsabilidade estão à disposição
do povo americano, custando não mais que um pouco de
nosso tempo ocioso. No entanto, mesmo tendo isso em
vista, muitos de nós parecem preferir vagar irracionalmente
pela letargia do Diabo, operando maquinários
supervisionados por comissários.
 
Progressistas e radicais não nos oferecem solução para
nossas grandes dificuldades: ou se contentam em
acompanhar a corrente dos acontecimentos, ou nos
conclamam a remar mais rápido que a correnteza, aquilo
que eles próprios chamam de Progresso, a qual o
conservador conhece pelo nome de Decadência. Embora os
progressistas e radicais tenham se esquecido do significado
de República, os conservadores, que não nasceram ontem,
sabem que homens e mulheres têm livre-arbítrio. Uma
República morre apenas quando seus cidadãos
negligenciam a sabedoria de seus ancestrais e os métodos
da correta razão. Há mais conservadores entre nós do que
bons homens em Sodoma; e acredito que, se Deus quiser,
os conservadores ainda hão de prevalecer.
 
Um dos mais eloquentes pensadores do conservadorismo
americano foi uma mulher, Agnes Repplier. A senhorita
Repplier não pretendia trocar a realidade da República dos
EUA por alguma utopia dos coletivistas. Por amar seu país,
escreveu: “Se o patriotismo se tornar uma emoção
expansivamente benevolente de modo a tornar os homens
dispostos a viver e morrer por algo concreto como um rei ou
um país, não teremos mais nada ao que recorrer, exceto ao
amor sexual, que mesmo sendo um forte desejo individual,
ainda assim carece de amplitude e escopo de propósito. O
amor sexual deixou Troia em chamas, mas não edificou
Roma, nem garantiu a Carta Magna, nem formou a
Constituição dos Estados Unidos”. O amor da República
protege todos os nossos outros amores. Tamanho amor vale
o sacrifício.
 
Índice de Nomes

 
A
Acton, Lord - Capítulo 9
Adams, John - Capítulos 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 11
Alfredo, Rei - Capítulo 2
Aristóteles - Capítulos 4 e 6
 
B
Babbitt, Irving - Capítulo 4
Bell, Bernard Iddings - Capítulos 10 e 11
Bentham, Jeremy - Capítulo 3
Bierce, Ambrose - Capítulo 11
Brameld, Theodore - Capítulo 10
Brownson, Orestes - Capítulos 2, 6 e 7
Burke, Edmund - Introdução, Capítulos 1 e 2
 
C
Calhoun, John C. - Capítulo 2
Chesterton, G. K. - Capítulos 1 e 2
Cícero - Capítulos 11 e 12
Coleridge, S. T. - Capítulo 11
Conant, James - Capítulo 11
Condorcet, Marquês de - Capítulo 7
 
D
Dewey, John - Capítulo 10
 
F
Falkland, Lord - Capítulo 1
Freud, Sigmund - Capítulo 3
 
G
Godwin, William - Capítulo 4
 
H
Hamilton, Alexander - Capítulo 1
Hartz, Louis - Capítulo 7
Hearnshaw, F. J. C. - Capítulo 11
Hegel, W. F. - Capítulo 4
Hitler, Adolf - Capítulo 6 e 9
Hodgskin, Thomas - Capítulo 4
Hofstadter, Richard - Capítulo 7
Hogg, Quintin - Capítulo 2
Hook, Sidney - Capítulo 12
 
J
Jay, John
Jeferson, Thomas - Capítulos 2, 7 e 8
 
L
Lincoln, Abraham - Introdução, Capítulos 2 e 7
 
M
Madison, James - Capítulos 1, 2 7 e 9
Maine, Sir Henry - Capítulos 7 e 8
Marx, Karl - Capítulos 1 e 3
Mill, John Stuart - Capítulo 11
More, Paul Elmer - Capítulo 8
 
N
Newman, John Henry, Cardeal - Capítulo 12
Nisbet, R. A. - Capítulo 5
Nock, Albert Jay - Capítulo 6
 
O
Ortega y Gasset, José - Capítulo 10
Orwell, George - Capítulo 5
 
P
Peel, Sir Robert - Capítulo 12
Percy de Newcastle, Lord - Capítulo 2
Proudhon, P.J. - Capítulo 8
 
R
Randolph de Roanoke, John - Capítulo 2
Repplier, Agnes - Capítulo 12
Riesman, David - Capítulo 10
Roosevelt, Franklin D. - Capítulo 8
Rossiter, Clinton - Capítulo 7
Rousseau, J.-J. - Capítulos 7 e 8
Ruskin, John - Capítulo 8
 
S
Santayana, George - Introdução e Capítulo 12
Shaw, George Bernard - Introdução
Sorokin, Pitirim - Capítulo 5
Spencer, Herbert - Capítulo 4
 
T
Tocqueville, Alexis de - Capítulos 1, 6 e 12
Toynbee, Arnold - Capítulo 2
Trollope, Anthony - Capítulo 11
 
V
Voegelin, Eric - Introdução e Capítulo 2
 
Table of Contents
Créditos & Direitos
Sumário
Introdução
1 - A Essência do Conservadorismo
2 - O Conservador e a Fé Religiosa
3 - O Conservador e a Consciência
4 - O Conservador e a Individualidade
5 - O Conservador e a Família
6 - O Conservador e a Comunidade
7 - O Conservador e o Governo Justo
8 - O Conservador e a Propriedade Privada
9 - O Conservador e o Poder
10 - O Conservador e a Educação
11 - Permanência e Mudança
12 - O que é a República?
Índice de Nomes

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