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Análise Psicológica (2000), 2 (XVIII): 191-201

Dinâmicas grupais na adolescência (*)

MARIA GOUVEIA-PEREIRA (**)


ISAURA PEDRO (**)
VIRGÍLIO AMARAL (**)
MARGARIDA ALVES-MARTINS (**)
FRANCISCO PEIXOTO (**)

1. INTRODUÇÃO ganha no sentido da pertença, da solidariedade


entre os membros do grupo, confirmando assim
Diversos estudos demonstram que o fenóme- a parcela do auto-conceito que deriva da partilha
no de agrupamento dos adolescentes advém da de uma identidade grupal.
iniciativa e necessidade dos próprios adolescen- Esta importância, é, aliás, comprovada por al-
tes, sendo, como argumenta Claes (1985), um fe- guns estudos empíricos que mostram a adesão de
nómeno universal. quase todos os adolescentes a um grupo – formal
O grupo de amigos assume para os adolescen- e/ou informal (Cavalli & De Lillo, 1988; Gou-
tes importância a vários níveis: suporte instru- veia-Pereira, 1995; Olbrick, 1984; Palmonari,
mental e emocional, ajuda na resolução das ta- 1990; Sedas Nunes, Machado Pais & Schmidt,
refas desenvolvimentais e na construção da iden- 1989).
tidade (Alves-Martins, 1998; Gouveia-Pereira, Foram atribuídas várias hipóteses explicativas
1995, 1998; Palmonari, Pombeni & Kirchler, para a importância dada pelos adolescentes ao
1990, 1991, 1992; Sherif, 1984). Segundo Cotte- grupo de pares. Por um lado, pode dever-se aos
rel (1996), o grupo proporciona experiências «vazios de sociabilidade deixados por outras
emocionais positivas, através da aceitação e re- instituições como a família e a escola» (Macha-
conhecimento do indivíduo, como alguém que do Pais, 1996, p. 90); por outro lado, pode dever-
contribui para as finalidades de existência do -se ao facto de encontrarem no grupo, um espaço
próprio grupo, e, em contrapartida, o indivíduo privilegiado de identificação com os seus pares,
podendo conversar sobre os mesmos problemas
e angústias, sobre as suas incertezas e sentimen-
tos sem o controlo dos adultos. Tal como assina-
lam Palmonari, Pombeni e Kirchler (1990, 1991,
(*) Esta investigação teve o apoio da Fundação para 1992) e Sedas Nunes et al. (1989), diríamos que
a Ciência e a Tecnologia (PRAXIS/PCSH/C/ PSI/92/ o grupo é uma entidade de socialização, na qual
96).
(**) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis- os adolescentes adquirem valores e competên-
boa. Unidade de Investigação em Psicologia Cognitiva cias que lhes servem de guia para o seu compor-
do Desenvolvimento e da Educação. tamento.

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Nos dias de hoje, e no contexto português, a grupo. Para Tajfel (1983), a noção de identidade
escola emerge como um espaço privilegiado na social, tornou-se crucial para explicar os fenó-
formação do grupo de pares, dado que, os ado- menos de favoritismo face ao ingroup e de dis-
lescentes passam grande parte do dia no contexto criminação face ao outgroup. É nesta linha de
escolar. Assim, as interacções com os colegas da pensamento que emerge a teoria da identidade
escola, e consequentemente a constituição dos social, salientando o funcionamento das relações
grupos com esses mesmos colegas assume uma intergrupais.
particular relevância. A constituição dos grupos, A identidade social constrói-se através das
confinada ao espaço escolar, tem a sua dinâmica comparações sociais entre o grupo de pertença e
determinada por esse mesmo espaço e pelos va- os outros grupos considerados relevantes ao ní-
lores que lhe estão subjacentes, nomeadamente vel das dimensões – atributos e características
os valores relativos ao sucesso escolar. grupais – que permitam uma diferenciação posi-
De acordo com Machado Pais (1996) os gru- tiva do ingroup. Os sujeitos tendem a adoptar es-
pos formados na escola podem constituir uma tratégias de maximização das diferenças entre o
forma de participação social, no sentido da ade- ingroup e o outgroup de modo a assegurar a dis-
são a determinadas actividades e da construção tintividade positiva do ingroup, sendo este pro-
de «fachadas grupais» de grande valor simbóli- cesso, que está na base da protecção, preserva-
co. Estas «fachadas grupais» reforçam a coesão ção e acentuação da positividade da identidade
do grupo e aparecem associadas a designações social dos seus membros. Assim, os indivíduos
específicas das diferentes identidades construí- tendem a manter-se como membros de um gru-
das no âmbito de cada um dos grupos. po e/ou procurar pertencer a novos grupos, desde
Há que referir que a construção da identidade que os mesmos contribuam para aspectos po-
grupal se realiza num contexto relacional espe- sitivos da sua identidade social, i.e., os indiví-
cífico, em que as avaliações dos grupos e as au- duos agem de modo a manter ou reforçar a sua
to-imagens resultam de um processo de inter- auto-estima (Tajfel, 1983).
acção, de recíprocas comparações e categoriza- Ainda no campo da dinâmica intergrupal, al-
ções sociais. guns estudos realizados por Palmonari et al.
Palmonari et al. (1992), partindo do pressu- (1989, 1990 e 1992) no âmbito da adolescência,
posto de Turner (1987) quanto à auto-categori- mostram claramente o processo atrás referido, ou
zação, sustentam que a relação que o adolescente seja, todos os sujeitos se consideram mais pró-
estabelece com o seu grupo influencia a redefi- ximos do seu grupo do que dos outgroups. Os re-
nição do self, do ingroup e do campo social mais sultados destes estudos mostraram, também, que
amplo, como sejam os outros grupos. quando os outgroups são percepcionados como
Efectivamente, todos os actores sociais, no- pertencendo a campos de experiência totalmente
meadamente os adolescentes são confrontados diferentes do seu próprio grupo, por exemplo o
frequentemente com situações que os obrigam a grupo de «drogados», são considerados em ter-
comportar-se de acordo com as suas pertenças mos estereotipadamente negativos, sobretudo
grupais, mesmo quando a sua identificação ao pelos adolescentes com elevada identificação
ingroup não é ainda considerada muito elevada ao seu grupo de pertença. O sistema de valores
(Tajfel, 1983). A pertença e a percepção do in- destes adolescentes parece ficar mais ameaçado
group é construída a nível cognitivo, avaliativo e com grupos, cujos membros têm comportamen-
emocional, e é com base nessa percepção, que o tos considerados muito diferentes do seus, no-
sujeito constrói a sua identidade social e a forma meadamente os que têm comportamentos adicti-
como percepciona os outros grupos. vos.
Desde os estudos de Sherif (1966), que diver- Deste modo, no contexto escolar, muitas ve-
sos autores, argumentam que a percepção que o zes, o repetido insucesso pode levar, tal como
sujeito constrói dos outgroups assenta, frequen- propõem Robinson e Tayler (1976, 1981), à
temente, em características negativas. A pertença adesão a um grupo com valores diferentes da
grupal parece implicar atitudes de rejeição e de cultura escolar, exactamente para protecção da
desvalorização face a elementos que não fazem auto-estima.
parte do seu grupo e à sobrevalorização do seu Assim, considerando estes pressupostos teóri-

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cos definimos como nosso objectivo, identificar tes temas: a constituição do grupo, o local de en-
a percepção que os adolescentes têm do seu contro, as temáticas das conversas em grupo, a
grupo de pares e dos outros grupos, no contexto relação intra e intergrupal, a percepção de visibi-
específico de um estabelecimento escolar na lidade dos seus grupos e dos outros grupos, a
área de Lisboa. Para analisar essa percepção, forma como caracterizam os grupos e as preo-
procurámos contemplar a formação e o percurso cupações dos adolescentes.
do grupo, locais de encontro, dimensões identi-
tárias e avaliativas, e em função destas, compre- 2.3. Procedimentos
ender a diferenciação relativamente aos outros
grupos. As entrevistas foram realizadas na escola, e ti-
Para tal realizámos, um estudo que teve por veram uma duração média de aproximadamente
base a utilização de metodologias qualitativas 1 hora. Foram gravadas e transcritas textualmen-
com entrevistas aprofundadas, tendo como preo- te, sendo posteriormente realizada uma análise
cupação caracterizar os grupos de adolescentes a de conteúdo, a partir da qual emergiram algumas
frequentar os 7.º e 9.º anos de escolaridade. dimensões de análise:
- História do grupo: formação, tempo de exis-
tência e constância do grupo;
2. MÉTODO
- Local de encontro: dentro e fora do contexto
escola;
- Actividades realizadas em grupo: dentro e
2.1. Sujeitos fora do contexto escola;
- Relações grupais: relações intra e intergru-
O nosso estudo incidiu sobre 11 grupos de
pais;
adolescentes, totalizando 42 alunos de ambos os
- Caracterização dos outros grupos: «Caro-
sexos (18 rapazes e 24 raparigas), dos quais 22
chos/Fumadores», «Surfers», «Blacks»,
frequentavam o 7.º ano de escolaridade, com ida-
«Engraxadoras», «Grandalhões/Grupo dos
des compreendidas entre os 11 e os 14 anos, e 20
mais novos» e «Hippies»;
frequentavam o 9.º ano, com idades a incidir en-
- Preocupações.
tre os 14 e os 17 anos.
Para constituir esta amostra, escolheu-se alea- Seguidamente apresentaremos os dados rela-
toriamente um sujeito em cada turma e pediu-se- tivos às dimensões acabadas de referir, exempli-
lhe para trazer consigo três dos seus amigos mais ficando com excertos das entrevistas.
próximos. Definiram-se, assim, 6 grupos do 7.º
ano em que 3 são formados por adolescentes do
mesmo sexo e 2 por rapazes e raparigas. No 9.º 3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
ano constituiram-se 5 grupos, dos quais 3 são
formados por adolescentes do mesmo sexo e 2
de ambos os sexos. Dos grupos do 7. º ano de es- 3.1. História do grupo
colaridade, 14 adolescentes apresentam sucesso
escolar e 8 insucesso e no 9.º ano, 12 adolescen- No que respeita à história do grupo, tivemos
tes apresentam sucesso escolar e 8 insucesso. em conta as dimensões relativas à sua formação,
tempo de existência e constância dos sujeitos no
2.2. Instrumento grupo.
Relativamente à formação do grupo começá-
Na recolha de dados utilizámos a entrevista mos por constatar que no 7.º ano, esta, tem a ver
semi-directiva com pequenos grupos, com o com a dinâmica da escola, ou seja com o per-
objectivo de facilitar a emergência de um discur- curso dentro da mesma turma, dependendo a
so mais espontâneo sobre a vivência dos sujeitos continuação dos adolescentes no grupo do facto
nos seus grupos e as relações estabelecidas com de transitarem de ano.
os outros grupos. No 9.º ano, à excepção de um grupo, todos os
O guião de entrevista incidiu sobre os seguin- outros se formaram no âmbito da escola. O gru-

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QUADRO 1
Excertos das entrevistas relativas à História dos Grupos

7.º ANO 9.º ANO

Formação «Encontramo-nos no 5.º ano e come- «Ela mais uma colega moram ao pé da
çámos a conviver a partir daí.» minha casa e eu comecei a vir com
elas... depois cá na escola começámos
«Conhecemo-nos na turma porque a andar juntas.»
nos sentávamos juntos e trocavamos
desenhos do Dragon Ball.» «Conhecemo-nos do bairro... desde pe-
queninas... é que frequentávamos a ca-
tequese juntas.»

«Já viemos do 5.º e 6.º ano com alguns


conhecimentos.»

Tempo de existência «Formou-se este ano, eu entrei este «Acho que foi no 7.º ano que nós nos
ano para a turma.» conhecemos.»

«(Existe) há 3 anos.»

Constância «Foram entrando e saindo em fun- «Somos da mesma turma desde o


ção das turmas... algumas pessoas 7.º ano.»
saíram deste grupo e foram para
outros.» «Andamos juntas desde o 7.º ano, mas
comecámos a andarmos mais a partir
«Eramos de grupos diferentes e de- do 8.º.»
pois juntámo-nos.»

po que é excepção, constitui-se pela vizinhança socialização dos adolescentes em grupos de pa-
dos seus elementos e por frequentarem em con- res.
junto a catequese.
Verifica-se, assim, que, quer no 7.º ano quer 3.2. Local de encontro e actividades realiza-
no 9.º ano a grande maioria dos grupos se cons- das em grupo
trói no contexto escolar e em particular no con-
Os adolescentes do 7.º ano, contrariamente
texto das turmas. Mas se por um lado, a escola
aos do 9.º ano, encontram-se quase exclusiva-
assume um papel determinante na formação dos
mente dentro da escola, possivelmente, pelo
grupos, por outro, as amizades que unem estes
facto de nesta faixa etária serem ainda conside-
adolescentes não são suficientemente sólidas rados pelos pais como muito novos para se jun-
para lhes permitirem uma amizade continuada, tarem em locais públicos. As referências a locais
independentemente da reprovação. externos à escola prendem-se, apenas, com idas
Quanto às dimensões tempo de existência e a festas de aniversário ou encontros no trajecto
constância no grupo, os dados obtidos reforçam para a escola.
esta ideia, confirmando-se a relevância da esco- No que respeita às actividades em grupo, para
la, como contexto privilegiado para a formação e os adolescentes mais novos, o grupo, assume

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QUADRO 2
Excertos das entrevistas relativas aos locais de encontro

Local de Encontro 7.º ANO 9.º ANO

Dentro da escola «Em frente dos pavilhões... no bu- «Em frente dos pavilhões... é o melhor
fete... temos 3 banquinhos e senta- sítio que há cá na escola, é o mais
mo-nos lá.» sossegado.»

Fora da escola «É muito raro encontrarmo-nos fo- «Encontramo-nos no café... às vezes


ra da escola porque os pais não nos vamos ao cinema.»
deixam sair juntos.»

«Encontramo-nos na paragem do
autocarro e no caminho para a es-
cola.»; «Encontramo-nos nas
festas de anos.»

QUADRO 3
Excertos das entrevistas relativas às actividades no grupo

O que Fazem 7.º ANO 9.º ANO

Dentro da escola «Passear pela escola e dar voltas e «Falamos de música, de filmes, con-
mais voltas a conversar.»; «Brinca- tamos anedotas e conversamos.»
mos.»

Fora da escola «Festas de anos.» «Vamos ao cinema, vemos televisão e


ouvimos música.»; «Conversamos so-
bre coisas do quotidiano... família, na-
morados, escola... problemas.»

uma função lúdica, mais associada à partilha de centes estabelecem dentro do seu grupo, e com
jogos e brincadeiras. os outros grupos existentes na escola.
Já no 9.º ano, os adolescentes encontram-se Ao nível intragrupal, quer no 7.º ano quer no
fora do contexto escolar, como seja, idas ao café 9.º ano, salienta-se a existência de um clima de
e ao cinema. Ressalta-se também a importância, abertura e de bem-estar, que dá segurança aos
do conversar, quer sobre actividades e gostos adolescentes e possibilita a partilha das suas
que partilham, como a música e o cinema, quer vivências e sentimentos.
sobre problemas comuns, como as relativas à fa- No que respeita às relações intergrupais, ao
mília, namoros e escola. nível do 7.º ano, os grupos são formados me-
diante dimensões de diferenciação relativamente
3.3. Relações grupais a outros grupos, que se prendem com: o modo de
vestir, a idade e o género sexual. Estas são as di-
No que diz respeito às relações intra e inter- mensões enunciadas com mais frequência por es-
grupais, caracterizamos a relação que os adoles- tes adolescentes.

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QUADRO 4
Excertos das entrevistas relativas às relações intra e intergrupais

Relações grupais 7.º ANO 9.º ANO

Intragrupais «Nós no grupo damo-nos bem, es- «Nós juntos somos capazes de fazer
tamos sempre na reinação.» tudo, de dizer tudo. Agora sozinhos,
encolhemo-nos todos, não temos cora-
gem para nada.»

Intergrupais «No grupo das hippies há umas «No ano passado não nos dávamos
muito convencidas, pensam que muito bem com um grupo de rapari-
são as maiores... vestem-se todas gas que aí estava.»
da mesma maneira.»
«Nós gostamos de jogar futebol e ou-
(O grupo dos mais velhos e maiores) tros grupos gostam de tocar viola... nós
«dizem ‘Vocês não entram aqui’ (...) gostamos de um tipo de música e eles
e depois entramos e depois temos gostam de um outro tipo.»
que fugir.»
«Nós somos muito acanhados e mais
«Os rapazes andam sempre todos sossegados... (há grupos diferentes do
juntos.» nosso) que são mais extrovertidos, não
têm problemas com os outros, qualquer
coisinha dizem palavrões.»

«Eles andam sempre juntos e fumam...


vão para um lado estão a fumar, vão
para outro estão a fumar.»

«Para entrar nesse grupo (‘tias’) é pre-


ciso vestir roupinhas da Benetton e
coisinhas assim.»

No 9.º ano a diferenciação relativamente a referência faz-se a 4 grupos: «fumadores», «que-


outros grupos aparece associada a características ques», «grandalhões»/«grupo dos mais novos» e
comportamentais, tais como comportamentos «hippies», enquanto no 9.º ano surgem estes
ligados ao tabaco, e ainda, a formas de estar e grupos, à excepção dos «queques», e aparecem
gostos. ainda os «surfers», as «engraxadoras», e os
É também de salientar que os adolescentes «blacks», pressupondo uma percepção mais dife-
pertencentes aos grupos, quer do 7.º ano quer do renciada dos outgroups existentes na escola.
9.º ano, não se consideram reconhecidos enquan- Passamos, assim, a apresentar alguns excertos
to grupos da escola. Os grupos não são denomi- relativos à caracterização dos grupos dentro da
nados por um determinado nome, e, não se per- escola (Quadro 5).
cepcionam com uma particular visibilidade no O grupo dos «fumadores» embora caracteriza-
contexto escolar. do, quer pelos adolescentes do 7.º ano quer pelos
do 9.º ano, os mais novos caracterizam-nos de
3.4. Caracterização dos outros grupos um modo mais descritivo, enquanto os mais ve-
lhos se centram em dimensões mais avaliativas.
Relativamente ao modo como os adolescentes Foi caracterizado um grupo em termos de
percepcionam os outros grupos, no 7.º ano, a idade, o grupo dos «grandalhões/mais novos»

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QUADRO 5
Excertos das entrevistas relativas à caracterização de grupos dentro da escola

Caracterização de 7.º ANO 9.º ANO


Outgroups

«Carochos/Fumadores» «São os que andam a fumar.» «Têm a mania que são alguma coisa,
são umas chaminés, sentem-se supe-
riores porque fumam.»

«Surfers» «Há aqueles que têm a mania que são


bons, como são surfers são bons. Não
há quem os aguente.»

«Blacks» «Essas são as piores colegas que nós


podemos ter.»

«Engraxadoras» «Essas estão sempre ao pé da ‘stora’,


é demais, parecem umas tolas.»

«Queques» «São o grupo dos caloiros, só que-


rem brincar com os bonecos e ver o
Dragon Ball, são os putos queques.»

«Grandalhões»/«Grupo «São grandalhões... repetentes...» «Os mais novos... esses são os ‘pitos’...
dos mais novos» a esses apetece andar à carolada.»

«Hippies» «Os hippies... vestem-se todos da «Elas são mais extrovertidas, não têm
mesma maneira.» problemas com os outros... A maneira
de vestir, a maneira de falar, as músi-
cas, são diferentes.»

que é descrito pelos adolescentes mais novos «queques» «são o grupo dos caloiros, só querem
como os repetentes, enquanto para os mais ve- brincar com os bonecos, e verem o “Dragon
lhos, o grupo é referido como «os mais novos» e Ball”».
são descritos como sendo «os pitos… a esses Os «surfers» as «engraxadoras» e as «blacks»,
apetece é andar à carolada»). como se pode ver no Quadro 5, são apenas ca-
Quanto ao grupo dos «hippies», os adolescen- racterizados pelos alunos do 9.º ano, mediante
tes do 7.º ano caracterizam-nos pelo modo de avaliações muito negativas.
vestir, enquanto os do 9.º ano para além do as- Assim, comparando a caracterização que os
pecto descritivo, salientam, igualmente, aspectos adolescentes dos 7.º e 9.º anos fazem dos dife-
de natureza comportamental. rentes grupos existentes na escola, constatamos
O grupo dos «queques» só é referido pelos que os alunos do 9.º ano, mobilizam uma dimen-
alunos do 7.º ano. Para estes adolescentes os são mais avaliativa e simultaneamente mais

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depreciativa. Contudo, essa dimensão avaliativa colar, pode desenvolver-se uma cultura alterna-
e depreciativa, não implica uma exclusão no tiva às culturas escolares.
relacionamento com os colegas dos outros Ainda no âmbito da diferenciação encontra-se
grupos, como se verifica no 7.º ano. Para os um outro caso particular no 9.º ano de escolari-
adolescentes do 7.º ano a necessidade de pro- dade, onde um dos grupos entrevistado se des-
tecção da sua identidade, parece implicar uma taca dos restantes pelos sentimentos de inferio-
maior exclusão e impermeabilidade das frontei- ridade. Esta dimensão manifesta-se na maneira
ras grupais. como o grupo se descreve e como acha que é
Verificamos, no entanto, que no quadro desta descrito, percepcionando atributos que lhe são
diferenciação intergrupal, quer no 7.º ano quer atribuídos de que é exemplo a seguinte afirma-
no 9.º ano, surgem grupos com uma visibilidade ção: «eles acham que nós somos fatelas». Talvez,
sustentada por comportamentos, valores e activi- não seja de negligenciar o facto deste grupo ser
dades exteriores à escola. constituído por raparigas de uma minoria étnica.
No 7.º ano constata-se a identificação de um Este grupo percepciona-se com base em atribu-
grupo de alunos repetentes, que faz parte duma tos que lhes são conferidos por outros grupos da
escola, apresentando-se com uma imagem infe-
turma que a escola classifica como a pior. Os
riorizada.
elementos deste grupo, rotulam-se a si próprios,
como malfeitores, «só ouvem música maluca» e
acham que têm maus comportamentos. Este gru- 3.5. Preocupações
po na relação com os outros afirma, inclusive, Questionaram-se, ainda, os adolescentes sobre
adoptar comportamentos agressivos («os putos as suas preocupações e os aspectos que mais va-
queques estão sempre a sofrer…»); utiliza uma lorizam. Damos conta de excertos de entrevistas
linguagem específica e assume-se com ocupa- relativos a estes aspectos no Quadro 6.
ções exteriores à escola já pertencentes ao mun- Os adolescentes do 7.º ano, quando questiona-
do do adulto, nomeadamente trabalhar nas dos sobre o que na sua opinião é mais importante
«obras» ao fim-de-semana («às vezes, ao sábado para os jovens, referem a importância dos as-
e domingos vou “bulir” para as obras... Dar no pectos relacionais e questões relativas à escola.
duro faz bem»). A diferenciação neste grupo Por outro lado, o grupo anteriormente referido
passa pelo assumir de atributos alternativos e como pertencente à pior turma da escola, tem
contrários à cultura escolar, permitindo-lhe a ma- preocupações de natureza diversa, tais como
nutenção de uma auto imagem positiva. Esta «não se meterem na droga» e «não contraírem
constatação vem ao encontro do modelo compre- Sida».
ensivo de Robinson e Tayler (1976, 1981), se- Quanto às preocupações dos adolescentes do
gundo o qual, face a situações de insucesso es- 9.º ano, mantêm-se as que dizem respeito aos

QUADRO 6
Excertos das entrevistas relativas aos valores e preocupações dos adolescentes

7.º ANO 9.º ANO

Preocupações «A amizade está acima de tudo.» «Darmo-nos bem uns com os outros...
«Se não tivermos amigos sentimo- darmo-nos bem com a família.»
-nos sozinhos.» «Ter boas notas.»
«Estudar e portarmo-nos bem nas «Não nos metermos em certos vícios
aulas.» porque há alguns grupos que se metem
«Não nos metermos na droga e não na droga.»
contrair Sida.» «Entrar para a Faculdade... ter dinheiro
e uma boa profissão.»

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aspectos relacionais e aos resultados escolares. Relativamente às relações intragrupais cons-
No entanto, aparecem novas preocupações – o tata-se, uma vez mais, que é muito importante
corpo, o consumo de substâncias adictivas, a rea- para todos os adolescentes estar em grupo. O
lização profissional, a entrada para a faculdade e grupo evita a solidão, permite falar de tudo, fazer
o dinheiro. coisas que não se fazem quando se está sozinho
e de se divertirem. O grupo para estes adoles-
centes, assume funções de partilha de vivências,
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS nomeadamente as ocorridas no contexto escolar
e familiar, expressas nas suas conversas quoti-
Uma primeira constatação que se pode fazer a dianas. Constitui-se ainda, como um espaço de
partir dos resultados apresentados, é que a for- «estar», ganhando por isso, tal como Cotterel
mação dos grupos é fortemente influenciada pe- (1996) e Kirckler et al. (1991) referiam, um
la dinâmica escolar, nomeadamente no que se re- sentido de pertença e de construção da identida-
fere à constituição das turmas. Com efeito, ex- de social dos adolescentes.
cepção feita a um único grupo do 9.º ano o qual Constata-se também que a maioria dos gru-
tem na sua génese relações de vizinhança, todos pos, quer do 7.º ano quer do 9.º ano, não se per-
os outros se constituem no interior da turma. cepciona com visibilidade no contexto escolar,
Estes resultados permitem, assim, evidenciar ou seja, não se considera reconhecido enquanto
que a escola assume, para além da sua função re- grupo. Isto não significa, no entanto, que estes
lacionada com a aprendizagem, uma outra asso- grupos sejam desprovidos daquilo que Sherif
ciada ao estabelecimento de relações entre pares, (1984) designa por produtos colectivos, como,
uma vez que é igualmente a escola o local privi- por exemplo, a forma como se vestem ou as re-
legiado de encontro com os elementos do grupo. gras que definem os comportamentos aceitáveis
No que se refere a este aspecto, apenas os ado- e reprováveis em relação aos elementos do ‘in-
lescentes do 9.º ano se encontram também fora group’ e do ‘outgroup’.
do contexto escolar, enquanto nos do 7.º ano os Ao nível das relações intergrupais, os resulta-
encontros se confinam à escola, excepto ir à dos evidenciam que a forma como os adolescen-
festa de anos dos amigos. Tal com outros estudos tes se diferenciam dos outros grupos é diferente
salientam (Palmonari, 1990) os adolescentes consoante se encontram no 7.º ano ou no 9.º ano.
mais novos (primeira fase da adolescência), não Os do 9.º ano apresentam uma maior capacidade
adquiriram ainda a autonomia, nomeadamente ao de diferenciação quando comparados com os
nível de deslocação, confinando-se deste modo do 7.º ano e, diferenciam-se dos outros grupos
as relações entre os adolescentes a um maior através de dimensões, quer avaliativas quer de
controlo por parte dos pais. natureza mais comportamental, enquanto os do
No que se refere às conversas no seio do gru- 7.º ano, apenas o fazem através desta última di-
po verificam-se algumas diferenças entre os mensão.
adolescentes do 7.º ano e os do 9.º ano. Os mais Embora a diferenciação se concretize diversa-
velhos têm conversas entre si mais elaboradas e mente para os adolescentes dos 7.º e 9.º anos,
diversificadas, o que se deve, provavelmente, ao esta permite, igualmente, para ambos os grupos,
facto, de se encontrarem num nível cognitivo assegurar a distintividade positiva do seu grupo,
mais desenvolvido, o que se repercute na forma sendo este processo, de acordo com a teoria da
como o adolescente se coloca face a si próprio e identidade social, que contribui para a constru-
ao mundo que o rodeia. ção de uma identidade social positiva (Tajfel,
Embora o grupo assuma funções de suporte 1978, 1983).
diferentes consoante a idade dos adolescentes, De uma forma geral, os adolescentes no pro-
esse convívio possibilita a construção de amiza- cesso de diferenciação intergrupal, atribuem es-
des e desempenha um papel emocional e instru- tereótipos na sinalização e descrição dos grupos,
mental de crucial significado no desenvolvi- o que corrobora os resultados obtidos por Ma-
mento do adolescente (Palmonari et al., 1989; chado Pais (1996).
Sedas Nunes et al., 1989; Gouveia-Pereira, No que respeita às preocupações são comuns
1998) . aos adolescentes do 7.º ano e do 9.º ano as rela-

199
cionadas com os resultados escolares e com os Gouveia-Pereira, M. (1998). Os adolescentes e os pais:
aspectos relacionais – família e amigos. Os ado- Diferentes percepções acerca do grupo de pares. In
M. Alves-Martins (Ed.), Actas do IX colóquio de
lescentes do 9.º ano apresentam algumas preo-
psicologia e educação (pp. 71-97). Lisboa: ISPA.
cupações de natureza diversa, como por exemplo Havighurst, J. R. (1951). Developmental task and edu-
as dificuldades em entrar na faculdade, conse- cation. New York: Longmans, Green.
guir uma profissão de que gostem e evitar com- Kirchler, E., Palmonari, A., & Pombeni, M. L. (1991).
portamentos de risco (envolverem-se com drogas Sweet sixteen. Adolescent’s problems and the peer
group as source of support. European Journal of
e contraírem Sida). Uma explicação possível
Psychology of Education, 6, 541-563.
para estas preocupações estarem mais presentes Machado Pais, J. (1996). Culturas juvenis. Lisboa: Im-
neste grupo, pode ser devida ao facto de serem prensa Nacional Casa da Moeda.
mais velhos e estarem mais próximos dessa rea- Olbrich, E. (1984). Adolescence. A period of crisis or
lidade social. Note-se que é também no grupo coping? In. E. Olbrich, & E. Todt (Eds.), Problems
of adolescence. Berlin: Springer.
dos adolescentes mais velhos do 7.º ano (um gru-
Palmonari. A. (1990). L’ adolescenza: Identità e svilup-
po) que se evidenciam também maiores preocu- po. In P. Amerio, P. Boggi Cavallo, A. Palmonari,
pações ligadas a comportamentos de risco. Por & M. L. Pombeni (Eds.), Gruppi di adolescenti e
outro lado, este tipo de preocupações pode-se ar- processi di socializzazione (pp. 13-31). Bologna: Il
ticular com o conceito de tarefas de desenvolvi- Mulino.
mento (Havighurst, 1951), na medida em que en- Palmonari, A., Pombeni, M. L., & Kirchler, E. (1989).
Peergroups and evolution of the self-system in
tre as diversas tarefas que os adolescente têm de adolescence. European Journal of Psychology of
resolver, algumas prendem-se com as relações Education, 4, 3-15.
interpessoais (construir relações estáveis com Palmonari, A., Pombeni, M. L., & Kirchler, E. (1990).
um grupo de amigos) e com tarefas sócio-insti- Adolescents and their peer groups: A study on the
tucionais (completar com sucesso a escolaridade significance of peers, social categorisation process
and coping with developmental tasks. Social
e integração no mundo do trabalho) (Palmonari Behaviour, 5, 33-49
et al., 1990, 1991; Gouveia-Pereira, 1995). O Palmonari, A. , Kirchler, E., & Pombeni, M. L. (1991).
modo como o adolescente enfrenta estas preocu- Differential effects of identification with family
pações ou tarefas, dependerá do suporte que and peers on coping with developmental tasks in
tem à sua disposição, sabendo que o grupo de adolescence. European Journal of Social Psycholo-
gy, 21, 381-402.
pares desempenha um papel fundamental neste Palmonari, A., Pombeni, M. L., & Kirchler, E. (1992).
âmbito. Evolution of the self-concept in adolescence and
social categorisation processes. European Review
of Social Psychology, 381-402.
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200
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Palavras-chave: Grupo de pares, identidade social,
adolescência.
RESUMO

Diversos estudos têm evidenciado que o grupo de ABSTRACT


amigos assume para os adolescentes importância a vá-
rios níveis: suporte instrumental e emocional, ajuda na Several studies showed that adolescent peer group
resolução das tarefas desenvolvimentais e na constru- play an important role at different levels: they are a
ção da identidade (Alves Martins, 1998; Gouveia-Pe- source of instrumental and emotional support, deve-
reira, 1995, 1998; Palmonari, Pombeni & Kirchler, lopmental tasks resolution and construction of identity
1990, 1991, 1992; Sherif, 1984). Na linha dos traba- (Alves Martins, 1998; Gouveia-Pereira, 1995, 1998;
lhos de Tajfel (1982, 1983) acerca das relações inter- Palmonari, Pombeni & Kirchler, 1990; 1991; 1992 &
grupais e segundo Cotterel (1996), o grupo proporcio- Sherif, 1984). Following the research of Tajfel (1982,
na experiências emocionais positivas, através da acei- 1983) on intergroup relations and the findings of Cot-
tação e reconhecimento do indivíduo, em contrapar- terel (1996) it is stated that the group gives positive
tida, o indivíduo ganha no sentido da pertença, da so- emotional experiences through acceptance and re-
lidariedade entre os membros do grupo. Definimos co- cognition of the individual, and the adolescent gains
mo objectivo analisar a percepção que os adolescentes the feeling of belonging and solidarity between group
têm do seu grupo de pares e dos outros grupos, num members. The goal of the present study is to analyze
estabelecimentos escolar na área de Lisboa. Para ana- the adolescent’ perception of their peer. The formation
lisar essa percepção, procurámos contemplar a for- and history of the peer group, meeting places, dimen-
mação e o percurso do grupo, locais de encontro, di- sions of identity and of evaluation were analyzed in
mensões identitárias e avaliativas, e em função destas, order to better understand the groups’ identity in rela-
compreender a diferenciação relativamente aos outros tion to other groups.
grupos, junto de 42 adolescentes. Participants were 42 adolescents from the 7th and
A amostra foi constituída por 42 adolescentes a fre- the 9th year of secondary school. In order to collect the
quentar os 7.º e 9.º anos de escolaridade. Para a reco- data qualitative group interviews were conducted.
lha dos dados utilizaram-se metodologias qualitativas Results showed that group formation is strongly
com entrevistas de grupo aprofundadas. influenced by school dynamics. School year plays a
Os resultados evidenciam que a formação dos gru- role at the level of the perception of intergroup rela-
pos é fortemente influenciada pela dinâmica escolar. tions. Adolescents from 9th year show a greater capa-
Ao nível das relações intergrupais a forma como os city for differentiation in relation to other groups wile
adolescentes se diferenciam dos outros grupos é dife- younger students only differentiated the other groups
rente consoante se encontram no 7.º ano ou no 9.º ano. through behavior dimensions.
Os do 9.º ano apresentam maior capacidade de dife- Key words: Peers groups, social identity, adolescen-
renciação relativamente aos outros grupos, e diferen- ce.

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