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Boletim 51 / dezembro 2011 1

BOLETIM DA CMF Nº 51 DEZEMBRO/ 2011 ISSN: 1516-1781


Editorial ...................................................................................................................................................... 2
SUMÁRIO

Maranhão de Todos os Santos ....................................................................................................................... 2


Sebastião Cardoso Junior/SECMA

Presépio e queimação de palhinhas ................................................................................................................ 3


Sergio Ferretti

O Terecô de Imperatriz é uma sagrada brincadeira de gente grande? .............................................................. 3


Maria da Glória F. Freitas

Depois da obrigação: Carimbó, Bambae de Caixa e Cacuriá no Maranhão ..................................................... 8


Mundicarmo Ferretti

Chegança no Maranhão (cont.) .................................................................................................................................... 10


Pedro Mendengo Filho

Mascaras e Bailes no Canaval ....................................................................................................................... 14


Josimar Mendes Silva

Observando e Anotando: Onde morreu Jesuíno Brilhante ............................................................................ 15


Raimundo Rocha

JANELA DO TEMPO: Uma luz vermelha anuncia tainha-frita ................................................................................. 16


Astolfo Serra

As festas juninas: O Bumba-boi ................................................................................................................... 17


Aymoré de Castro Alvin

Cantiga de amor e de saudade à Praia Grande .............................................................................................. 18


João Mouchrek

RESUMOS E RESENHAS ........................................................................................................................................... 19


GP Mina

NOTÍCIAS ................................................................................................................................................. 19

PERFIL DE CULTURA POPULAR: Mariinha, um modelo na umbanda maranhense ................................ 20


Mundicarmo Ferretti

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CNPJ 00.140.658/0001-07 EDIÇÃO
CONSELHO EDITORIAL
Mundicarmo M.R. Ferretti
DIRETORIA 2011/2013 L enir PPereira
ereira dos SS.. Oliveira Roza Maria dos Santos
Presidente: Sérgio Figueiredo Ferretti Maria Michol PP.. de Carvalho Zelinda de Castro Lima
Vice-Presidente: Keila Cristina Santana Pereira Mundicarmo M.R. Ferretti REVISÃO DE TEXTO:
1ª Secretário: Roza Maria dos Santos Mundinha Araújo Joelma Baldez
2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti Roza Maria dos Santos DIAGRAMAÇÃO:
1º Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira Sergio Figueiredo Ferretti Riba Silva
2º Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite Zelinda de Castro Lima VERSÃO INTERNET:: w ww
INTERNET .cmfolclore.ufma.br
ww.cmfolclore.ufma.br
Correspondência
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE As opiniões publicadas em
CASA DE NHOZINHO artigos assinados são de
Rua PPortugal,
ortugal, 185 – PPraia
raia Grande inteira responsabilidade de
CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão seus autores, não comprome-
Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 tendo a CMF
2 Boletim 51 / dezembro 2011

Editorial “Maranhão de Todos os Santos”1


O Boletim 51 encerra o ano de 2011 trazendo artigos
sobre variados temas da cultura popular e do fol-
clore maranhense. Começa com a Semana de Cultura
Semana da Cultura PPopular
2011 - SECMA
opular

B
Popular, realizada este ano no mês de setembro pelo eirando os quatrocentos anos de colonização católica em
Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho des- terras maranhenses, o governo do estado, através da Secreta-
tacando a influencia do catolicismo popular e do culto ria de Estado da Cultura, e de sua Superintendência de Cultura
aos santos, em particular. Prossegue falando de brinca- Popular promovem a Semana da Cultura Popular 2011, com o
deiras tradicionais maranhenses - Carimbo de Velha, tema “Maranhão de Todos os Santos”, com exposição, palestras,
Bambaê de Caixa, Cacuriá, Terecô e Chegança -, algumas oficinas e programação cultural.
delas mais religiosas e outras mais profanas, umas pro- Desde a fundação de nossa capital, com a presença dos capu-
movidas atualmente por diversos grupos e outras quase chinhos franceses, e depois com a intensa catequese dos jesuítas,
desaparecidas, umas atreladas à temporada junina, outras a cultura maranhense ficou marcada com ricas características do
ao Carnaval e outras ao festejo do Divino Espírito Santo. catolicismo popular, sendo refletida em quase todas as manifesta-
Traz também um artigo sobre ritos natalinos ções da nossa cultura. A Festa do Divino, tradição da corte portu-
realizados em terreiros, residências e repartições publicas guesa que é difundida de todas as formas e cores em todo o terri-
da capital maranhense que atuam na área de cultura – a tório maranhense. O Tambor de Crioula, louvor a São Benedito
queimação de palhinhas do presépio. Mas esse número e lamentos dos nossos antepassados nas senzalas. O Bumba-Meu-
do Boletim dá também destaque às brincadeiras Boi que celebra o mês de junho através dos santos juninos: Santo
realizadas no Maranhão nas temporadas junina e Antonio, São João, São Pedro e São Marçal. As Danças e Jornadas
carnavalesca com um artigo sobre Bumba-boi na cidade de São Gonçalo, as Romarias de Ribamar, os vaqueiros de São
de Pinheiro, na Baixada, e outra sobre os controvertidos Raimundo dos Mulundus, as ladainhas das famílias e dos terrei-
bailes de mascara que já foram famosos no Carnaval ros em louvor aos santos, voduns e encantados. Todas essas ex-
maranhense. pressões estão repletas de religiosidade popular, da fé de um povo
Um dos artigos incluídos nesse numero do Boletim que nunca deixa de festejar seus Santos e que traz no rosto a
nos transporta a um tempo em que, em São Luís, uma marca dessa tradição.
luz vermelha na frente de uma casa anunciava a venda O Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho realiza
de peixe frito. Outro nos permite penetrar nas vasta programação para destacar este aspecto importante de nos-
lembranças de um migrante do Rio Grande do Norte sa Cultura Popular:
sobre o cangaço e outro nas lembranças de um
descendente de libanês sobre a antiga Praia Grande, na
HOMENAGEM a mestres e pesquisadores da Cultura Popular
capital maranhense, que deverá ser também cantada em
prosa e em versos no próximo ano, quando serão EXPOSIÇÃO “Santos e Santeiros”
comemorados os 400 anos de São Luís. OFICINAS
Continuando a divulgação de trabalhos de conclusão Oficina de escultura sacra
de cursos de graduação e de pós-graduação e de Oficina de ladainhas
publicação sobre cultura popular maranhense e sua PALESTRAS:
difusão em outros estados brasileiros, o Boletim 51 fornece São Benedito e os Tambores do Maranhão – Prof. Dr. Sergio
o resumo de uma tese de Doutorado em Políticas Publicas Ferretti
sobre a Praia Grande, e um livro sobre o Mestre Irineu e Bumba-Meu-Boi – Patrimônio do Brasil – Prof. Izaurina
o Santo Daime, baseado em dissertação de Ciências Nunes
Sociais, publicado com apoio da UFMA, e uma
Os santos no Tambor de Mina – Profa. Dra. Mundicarmo
monografia de Especialização em História do Maranhão Ferretti
sobre festa de santo padroeiro em povoado negro da
Aspectos simbólicos da Festa do Divino – Beatriz Pimentel
Baixada maranhense.
Em notícias foi dado destaque a eventos realizados O Ciclo Natalino no Maranhão – Profa. Ester Sá Marques.
em São Luís ou previstos para o primeiro semestre de PROGRAMAÇÃO CULTURAL
2012: o lançamento de um livro sobre o cômico no bumba Dia 12 – Ladainha de São Benedito; Tambor de Crioula de
meu boi da Fé em Deus, destacando a historia de um Maracujá; Tambor de Mina – Terreiro de Iemanjá; Tambor
seus palhaceiros principais – Seu Betinho. Anuncia de Crioula de Mestre Apolônio
também a realização em São Luís do XIII Simpósio Dia 13 – Ladainha de São João; Teatro: Lendas do Mara-
Nacional da ABHR, que deverá reunir pesquisadores de nhão; Bumba-Meu-Boi do Mestra Dionísio; Bumba-Meu-Boi
diversas instituições e de diversos estados para discutir de Axixá
esse fenômeno social fundamental para quem deseja Dia 14 - Ladainha de Santo Antonio; Show: Doutrinas –
compreender o Brasil. Roberto Ricci; Tambor de Mina – Terreiro Mãe Oxum; Blo-
O Boletim 51 da CMF termina com o perfil popular co Afro “Abiéié Mailô
de Mariinha, mãe de santo da Tenda Santa Terezinha, Dia 15 – Império e Caixeiras de São Luís de França; Império
sediada no bairro do Angelim, em São Luís, onde e Caixeiras de de São Cosme e Damião; Baile de Caixa – Fé
encantados do tambor de mina, da cura/pajelança e do em Deus; Tambor de Crioula de Tamatatiua
terecô, juntamente com as entidades espirituais da Dia 16 - Ladainha no Presépio; Reis do Maracanã; Pastor de
umbanda são reverenciados e invocados na solução de Dona Elzita; Jornadas de São Gonçalo de Humberto de Campos.
problemas diversos e onde cultura popular maranhense
e religiões de matriz africanas se entremeiam e se 1 Transcrito do folder distribuído durante a Semana da Cultura Popular,
reforçam mutuamente. realizada de 12 a 16 de Setembro de 2011, em São Luis, na Casa de
Nnhozinho e no CCPDVF – Auditório Rosa Mochel, Galeria Zelinda
Lima, Pátio da Superintendência de Cultura Popular.
Boletim 51 / dezembro 2011 3

PRESÉPIO E QUEIMAÇÃO DE PALHINHAS2


Sergio Ferreti3

N o Maranhão, a época do Natal, em di


versas residências particulares, em
igrejas, em praças e nos terreiros de mina, é
Canto da Queimação de Palhinha de diversos presépios de São Luís4

assinalada pela montagem de um presépio.


Na Casa das minas, o presépio é arma- Queimamos, queimamos Refrão
do na varanda de danças ou guma, atrás do As nossas palhinhas Adeus meu menino...
lugar onde se sentam os tocadores de tam- Com cravos e rosas Adeus meu menino
bor. Fica exposto da véspera do Natal até José e Maria
E flor da lapinha
meados de janeiro. (...) Até para o ano
No dia de se desmanchar o presépio, é Neste mesmo dia
feita a festa de queimação das palhinhas, Refrão
também realizada em terreiros de mina e Adeus meu menino Refrão
em casas de família de São Luís. Adeus meu amor Adeus meu menino...
Em 1982, a queimação das palhinhas Até para o ano
da Casa das Minas foi feita na véspera da Se nós viva for Adeus meu menino
festa de São Sebastião, a 19 de janeiro. A Queira abençoar
ladainha foi cantada na varanda de danças, Até para ano
As nossas palhinhas
diante do presépio, e acompanhada por um Dia de Natal
Já estão se queimando
conjunto de quatro ou cinco músicos que
E as pastorinhas Refrão
tocam em quase todas as festas. Acenderam
velas no presépio, que foi também incensa- Ficaram chorando Adeus meu menino...
do, vieram alguns voduns e, ao fim da ladai-
nha, queimaram as palhinhas, ou folhas de Refrão É com grande saudade
murta e unha-de-gato que o enfeitavam. Os Adeus meu menino... Que nos retiramos
voduns foram retirando as imagens e as en- De junto daquele
tregaram a um casal que as recebeu sobre A quem tanto amamos
Adeus meu menino
uma toalha branca. Este haveris de ser o ca- Maria e José
sal de padrinhos do presépio do ano seguin- Refrão
Até para o ano Adeus meu menino...
te, e contribuiria para pagar as despesas com
fogos, músicos, doces etc. Os voduns tam- Se Deus quiser
bém escolhem aqueles que, entre eles, será o Viva o padrinho
padrinho do presépio no ano seguinte. De- Refrão Viva a madrinha
Adeus meu menino... Viva o menino
pois foram oferecidos aos presentes doces e
Na sua lapinha
r4efrigerantes. A mesa estava enfeitada com
um bolo grande em armação de isopor, re- Adeus meu menino Adeus meu menino
presentando uma igreja, oferecido pela Até outra vez Nascido em Belém
madrinha desse ano. Durante a queimação,
Até para o ano Até para o ano
os músicos tocaram músicas apropriadas,
No dia de Reis Para sempre amém
acompanhadas pelos presentes (...).

O TERECÔ DE IMPERATRIZ É UMA SAGRADA


BRINCADEIRA DE GENTE GRANDE?5
Maria da Glória F. Freitas6

A o realizar um inicial Estudo Explo


ratório em uma comunidade de
afrodescendentes, de parceiros nas
que
Norbert Elias (1994, p. 31) afirma assim, num contexto mais amplo, da histó-
ria de toda a rede humana em que cresce e
vive. Essa história e essa rede humana estão
[...] o indivíduo sempre existe, no nível mais presentes nele e são representadas por ele,
crenças de uma cosmologia integrante
fundamental, na relação com os outros, e quer ele esteja de fato em relação com as
de religiões de matriz africana, é possí- essa relação tem uma estrutura particular outras pessoas ou sozinho.
vel perceber que o escutado, visto, in- que é específica de sua sociedade. Ele ad-
dagado e concluído é o retrato de um quire sua marca individual a partir da histó- Ao observar, indagar, registrar e es-
modo de viver em comunidade. ria dessas relações, dessas dependências, e crever sobre tais vivências religiosas,

2 Extraído de FERRETTI, Sergio. Querebentã de Zomadônu: etnografia da Casa das Minas do Maranhão. S3ª Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2009, p. 147-148.
3 Dr. Antropologia; Pesquisador de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.
4 Colaboração de Onezinda de Araujo Pinheiro – São Luís-MA
5 Apresentado no Congresso Luso-Afro-brasileiro - CONLAB, realizado em Salvador, de 7 a 10 de agosto de 2011.
6 Maria da Glória Feitosa Freitas é Professora da UFMA/CCSST–Imperatriz; e-mail: mariadagloriaff@hotmail.com
4 Boletim 51 / dezembro 2011

CONTINUAÇÃO

submergi ao encontro dos referentes Minhas iniciais inserções neste uni- de Meião e Tambor e ainda outro ins-
culturais desta comunidade, liderada verso mostraram uma gama diversa de trumento metálico tocado sentado,
por Dona Cota, a Mãe de Santo desta referentes simbólicos religiosos de ori- conhecido como tarol ou lata. E há o
comunidade. Geertz (1989, p. 10) de- gem africana, indígena e católica. E que uso de maracás.
clara que a cultura não é um poder, concordam com a afirmação de Lindoso Os participantes, homens e mu-
“algo ao qual podem ser atribuídos ca- (2008, p. 267): lheres, falam bastante da festa princi-
pal do ano e que nesta casa é dedica-
sualmente os acontecimentos sociais, os
Tambor de Mina, Terecô, Umbanda, a da a Nossa Senhora Santana. É impres-
comportamentos, as instituições ou os Cura ou Pajelança e mais recentemente o sionante o ritmo acelerado das danças
processos; ela é um contexto, algo den- Candomblé são as referências em termos
dos terecozeiros, e suas roupas contri-
tro do qual podem ser descritos de for- de religiosidade afro no Estado do Mara-
buem para uma impressão estética
nhão, marcada muitas vezes pela diversida-
ma inteligível – isto é, descritos com impressionante deste movimento in-
de, principalmente no ‘modo de fazer reli-
densidade”. gioso’ ou nos modelos rituais dos contex- tenso de giros nas suas vestimentas. E
O Terecô maranhense é uma mani- tos de cada terreiro. Pai Flávio apresenta a festa que é brin-
festação religiosa conhecida como tam- car o terecô:
bor de mata, Brinquedo de Barba So- Tratarei de apresentar a especificidade
eira e ainda por Verequete. Estudiosos do Terecô em Imperatriz, já que o Terecô Quando alguém diz que vai ali brincar um
apurados do tema afirmam que sua ori- nascente na localidade codoense de Santo Terecô ela está querendo dizer que vai de-
Antônio dos Pretos é uma votar os seus orixás. Às vezes a gente diz
gem rural remonta ao século XIX e ao que vai brincar o Terecô porque se a gente
município maranhense de Codó, em [...] religião afro-brasileira de Santo Anto- disser assim: ‘Eu vou para a macumba!’, a
uma comunidade quilombola denomi- nio, também denominada ‘Barba Soeira’, pessoa sente um pouco de exclusão. E diz
nada São Antonio dos Pretos. Araújo mata ou terecô, tal como apresentada pe- assim: ‘Não, eu vou brincar o Terecô! Ou
los autores comentados, possuía no passa- seja ‘Eu vou dançar o Terecô e vou devotar
(2008) afirma que o Terecô apresenta- os meus orixás, vou dá passagem na minha
do, muitas diferenças em relação à Mina
ria elementos jeje-nagô7 e já Mundicar- jeje (Daomé) e a Mina nagô da capital: pe- corrente’! Eu vou brincar o Terecô, ou seja,
mo Ferretti, prestigiosa pesquisadora dras de assentamento guardadas em caixas que é através da dança, da incorporação, o
do tema na cidade de Codó, considera de madeira (‘urna’); poste central no barra- guia vem para retirar as energias negativas
cão (‘guna’); toque realizado com um só do médium. Tudo acontecendo naquele
a existência de uma origem banto 8 tambor, de uma só membrana (tambor da espirito de alegria, com amor, com sua in-
(2000, p. 90). Convivendo com a mani- mata) com maracás (cabaças sem revesti- dumentária, com aquela alegria, tomando
festação do Terecô em Imperatriz, in- mento de malha de contas), berimbau e os seus banhos, cultuando. Passamos nove
pífaro etc. Mas também possuía muitos noites baiando, rodando, baiando, brincan-
dagaria se a cultura indígena e o cato-
pontos em comum com a Mina mais tra- do o Terecô porque para a gente ali é nor-
licismo não entrariam como elementos dicional de São Luís: o encantado era quem mal, não cansa, porque não é a gente, esta-
associados aos de matriz africana. Pai dava o seu nome; só se batizavam os mé- mos incorporados. É de longa duração.
Flávio, Pai Pequeno da Casa de Dona diuns, dois anos após estarem recebendo Começou a meia noite e foi até de manhã.
seus guias; os terreiros tinham pedra de
Cota, afirmou que o Terecô de Impera-
castigo; e parece que a religião não era con- E há uma característica da intensi-
triz veio de Codó e, narrando sua histó- fundida com curandeirismo (‘magia cura-
ria de vida, elucida o que é o Terecô: tiva’) nem com feitiçaria (trabalho para o
dade dos movimentos e da duração da
mal ou ‘magia negra’) (FERRETTI, M., festa. No dia 23 de abril, a festa come-
[...] o Terecô para mim é uma dança para 2001, p. 105). çou um pouco depois da meia noite e
festejar, louvar os nossos orixás e os nossos ainda tocavam no amanhecer do dia.
encantados, nossa encantaria, eu descobri Percebi, na Casa de Dona Cota, a Rodopiam em torno do salão em uma
desde criança. Eu me identificava com o existência pedra do castigo ou mãe boa dança circular animada e com uma
trabalho espiritual, com o jeito. Eu sem- e observei que, na abertura dos traba- expressão de harmonia. Este girar in-
pre morei perto de um terreiro da Dona lhos, na madrugada do sábado de ale- cessantemente ao redor do salão pare-
Joana e Seu João de Sarah que já morre-
luia de 2011, cada mediúm que incor- ce a produção de um bom encontro
ram, todos dois, e sempre eles me chama-
porava um encantado passava junto à entre os médiuns e dos médiuns com
vam para colocar os nomes nas velas por-
que eles eram analfabetos, não sabiam es- pedra e batia suas palmas da mão ali. os encantados. É necessário abrir as
crever nada e eles me chamavam para colo- As pessoas presentes informavam que rodas, dar passagem aos devires. Deleu-
car os nomes nas velas para ajudar a fazer aquela era a pedra do castigo e expli- ze e Guattari (2005, p. 116) comentam
afirmação para eles e eu ajudava aquilo dali cavam que, se o mediúm estivesse em a possibilidade de nos encontros
e quando precisava procurar um banho, débito com sua entidade, ali era o lu-
alguma coisa e eu ia lá procurar porque eles gar de um acerto de contas. Existe a [...] entreabrimos o círculo, nós o abrimos,
não sabiam devido a idade e eles não sabi-
Guna ou porte central no barracão e deixamos alguém entrar, chamamos al-
am ler e nem escrever. E eu me identifi-
quei. Mas um dos encantados de Dona Jo-
ali o grupo encerrou, formando um cír- guém, ou então nós mesmos vamos para
culo, com uma mão apoiada na Guna fora, nos lançamos. Não abrimos o círculo
ana, o Seu João Diúna, ele dizia que eu iria do lado onde vêm acumular-se as antigas
ser Zelador de Santo9. E eu dizia: Não, e rezaram prece ligada ao catolicismo forças do caos, mas numa outra região, cri-
rapaz, eu sou só simpatizante, eu gosto para encerrar a atividade, às seis da ada pelo próprio círculo. Como se o pró-
muito, não tem nada a ver. Eu tinha sete manhã. Existem três tambozeiros, dois prio círculo tendesse a abrir-se para um fu-
anos de idade. tambores tocados de pé, denominados turo, em função das forças em obra que ele

7 Jeje-Nagô é o termo utilizado para designar a fusão das culturas Jeje, dos povos vindos do Togo, Gana e Benin (fon, ewe, mina, fanti, ashanti) e Nagô (aos que
entendiam o idioma yoruba), principalmente nas religiões de matriz africana onde são cultuados tanto voduns e Orixás.
8 Castro (2001, p.169) afirma que o termo banto relaciona uma extensa família linguística africana e referente aos habitantes do lado sul da linha do Equador
(Congo, Angola, Moçambique, Quênia, Zimbábue, Zâmbia, África do Sul).
9 O mesmo que Pai de Santo para os umbandistas.
Boletim 51 / dezembro 2011 5
CONTINUAÇÃO

abriga. E dessa vez é para ir ao encontro de sábado de aleluia a volta dos nossos encan- A festa é um momento de agradecimento.
forças do futuro, forças cósmicas. Lança- tados, que estiveram suspensos buscando Para nós a vida baiando o Terecô, brincan-
mo-nos, arriscamos uma improvisação. Mas força em Aruanda. Eles vão buscar mais do, a vida seria eternamente uma festa por-
improvisar é ir ao encontro do Mundo, ou força, mais energia positiva para puder tra- que a nossa vida tem que ser uma festa, já
confundir-se com ele. Saímos de casa no fio zer e transmitir para as pessoas que estão que estamos aqui, nesta passagem de pou-
de uma cançãozinha. Nas linhas motoras, com eles. Então esses 40 dias é uma prepa- ca estadia aqui no plano terrestre, mas é
gestuais, sonoras que marcam o percurso ração, uma revitalização de forças para pu- uma festa para nós. Então o Terecô tem
costumeiro de uma criança, enxertam-se ou der conseguir a missão. A lição que os en- que ser aquele momento de festa e conta-
se põem a germinar ‘linhas de errância’, com cantados nos trazem é de a vida continua. mos com a nossa festa dos nossos mento-
volteios, nós, velocidades, movimentos, ges- Eles trazem... colaboram, trazem lições de res espirituais, sempre tem aquela festa que
tos e sonoridades diferentes.” vida, trocam experiências, orientam. Quan- a gente faz.
tos e quantos não chegam às nossas mãos
Os encantados do Terecô de Impe- pessoas vítimas de suicídios, drogas, doen- Como esclarece Mikhail Bakhtin
ratriz não são de origem africana, não ças, pessoas manifestadas por energia nega- (1993, p. 7):
são voduns (ligados ao Tambor de Mina) tiva demais e então se consegue ajudar. E
você vê que eles é gratificante, porque eles As festividades (qualquer que seja o seu
e nem orixás (ligados ao Candomblé). vão e agradecem através da força espiritu- tipo) são forma primordial, marcante, da
A encantaria maranhense é composta al, da força espiritualista por toda essa for- civilização humana. Não é preciso conside-
dos seres humanos desencarnados, ou ça que trazem eles, a confiança... rá-las nem explicá-las como um produto
seja, mortos, e que desapareceram ou das condições e finalidades práticas do tra-
se encantaram (viraram invisíveis). No Maranhão, o Tambor de Mina, balho coletivo nem, interpretação mais vul-
Conversei com o encantado do Pai religiosidade de matriz africana muito gar ainda, da necessidade biológica (fisioló-
gica) de descanso periódico. As festivida-
Flávio (Pai Pequeno da Casa de Dona presente em São Luís, também não fun- des tiveram sempre um conteúdo essenci-
Cota) e fui esclarecida por ele (o en- ciona no período de quaresma. As enti- al, um sentido profundo, exprimiram sem-
cantado conhecido como Zé Mineiro) dades religiosas do Tambor de Mina, os pre uma concepção do mundo.
de que ele havia se encantado em uma voduns, não se manifestam nesta épo-
mina, em Belo Horizonte. Ele disse ain- ca, na Casa de Minas – localizada na Ouvindo os participantes da festa,
da que Dona Joaquina, outra entidade Rua São Pantaleão, na Madre Deus - fa- é recorrente uma expressão uníssona,
incorporada por Pai Flávio, tinha sido moso terreiro de tambor de Mina funda- dizem todos que vieram participar da
encantada em um engenho de cana, e do por africanos no século XIX e de cul- brincadeira de Terecô ou vieram brin-
era Légua Buji Buá Ferreira da Santís- to aos voduns em São Luís, como afirma car Terecô. E dançam numa alegria com
sima Trindade. Essas entidades cantam Sérgio Ferretti (1995, p. 159) – renomado os encontros com os outros brincantes.
as suas músicas e os demais médiuns pesquisador do tema no Maranhão: Ao falar do Terecô, é como uma brin-
acompanham, cantando e dançando. E cadeira que todos o reconhecem.
essas músicas, chamadas de pontos, fa- Os voduns não vêm, e na Quaresma não se Os médiuns iniciantes ou experien-
mexe em nada deles. Se morrer alguém da tes chamam de brincadeira a dança-ri-
lam do lugar de sua encantaria. Então,
casa neste período, os rituais fúnebres fi-
ele narrou a sua ligação com o Terecô tual e giram incessantemente ao som
cam transferidos para depois. Não é conve-
na infância: niente empreender longas Viagens e não se dos tambores aquecidos temporaria-
deve chamar pelos voduns que estão ausen- mente e fora do salão junto à fogueira.
Eu quando eu tinha sete anos e ia lá à casa tes. Indagados para onde vão na Quares- E Pai Flávio anuncia que o
de Dona Joana e Seu Zé Sara não ia para ma, os voduns dizem que nesse tempo, são
brincar, como uma criança de sete anos lembrados na terra os sofrimentos de Evo- Terecô é uma dança, uma brincadeira, mas
brinca ao redor do terreiro, eu ia para assis- vodum Jesus, com jejuns e penitências. Eles uma brincadeira sagrada para nós, aonde
tir, era próximo, era do outro lado da mi- não gostam de tristezas e sofrimentos, que vamos cultuar os nossos orixás e devotar os
nha casa, às vezes ia pedir uma proteção é coisa dos humanos e preferem ficar des- nossos antepassados, o nosso povo, pedindo
para Dona Joana, ia pedir um benzimento cansando. Dizem que tiram férias, que es- a proteção na corrente de cura, na corrente
e ela me dava, preparava um banho e mi- tão de quarentena e que não ficam disponí- de daquilo que tiver ao nosso alcance para
nha mãe nunca interferiu nisso. Ela sem- veis para qualquer coisa. Nesse período não aqueles que necessitam, através da prece, da
pre dizia: ‘Parece que você vai ser tereco- se coloca água nem outra coisa para eles no oração, da descarga, dos banhos. O Terecô é
zeiro?’ quarto dos santos. Só varrem e acendem feito com alegria, com alegria. E a alegria
luz de vela. Em São Luís, na Quaresma pelo fato de sermos criados por Olorun e
Visitei a casa de Dona Cota, na sa- não se realizam festas nas casas de mina, então se Olurun nos criou, ele nos criou
ída de um período de parada, por todo como até pouco tempo em toda a cidade. para sermos livres e para sermos felizes.
o tempo da quaresma cristã católica, Alguns terreiros que adotam rituais de Então é uma dança sagrada, mas é uma brin-
Candomblé eventualmente organizam cadeira, dizemos que é uma brincadeira,
em 2011. E o Pai de Santo Pequeno da brincar os nossos tambores, cultuar as nos-
uma saída de iaô, que é criticado pelo povo
Casa, Pai Flávio, nascido em 1975, ex- de mina. sas divindades, mas é sagrado para nós.
plica o que são esses 40 dias para o povo
do Terecô: Já no Terecô de Imperatriz, os filhos Ouvir o relato de Pai Flávio, nar-
de santo de Dona Cota ficaram recolhi- rando sobre Terecô, leva-nos a concor-
Paramos na quaresma para descansar e re- dar com Ecléa Bosi (1994, p. 90) sobre
dos por todo o dia de sexta-feira da pai-
ver as nossas vidas, meditar, buscar nosso
interior, tipo fazer uma reflexão, é uma xão, deitados no chão. Chegada a meia- o fato de o narrador estar presente ao
retrospectivamente espiritual nas nossas vi- noite e, com o acontecimento da che- lado do ouvinte:
das para que no sábado de aleluia a gente gada do sábado de aleluia, levantaram
possa celebrar essa vida com os orixás de e rezaram um rosário, tomaram banhos Suas mãos, experimentadas no trabalho,
uma maneira pura, saudável, de uma ma- fazem gestos que sustentam a história, que
neira que você possa estar em sintonia com de ervas preparados por a mãe de santo dão asas aos fatos principiados pela sua voz.
o sagrado para nós que são os orixás e os e a festa começou. E Pai Flávio explica Tira segredos e lições que estavam dentro
nossos encantados. Nós comemoramos no o sentido da festa para a sua religião: das coisas, faz uma sopa deliciosa das pe-
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CONTINUAÇÃO

dras do chão, como no conto da carochi- vel, além de se basearem na dogmática pen-
Hum ajuntamento de escravos, que houve
nha. A arte de narrar é uma relação alma, tecostal tradicional, aproveitaram tanto o
olho e mão: assim transforma o narrador medo da macumba, da feitiçaria, da magia nesta Villa, pelas oitavas do pretérito natal,
sua matéria, a vida humana. descerão dos Engenhos do distrito desta
negra e de certos preconceitos presentes no
Villa vários escravos de todas as naçõens, e
imaginário e na memória popular quanto a
unindo-se em três corporaçones com mui-
São adultos brincantes, é o que se própria expansão, visibilidade pública e in-
tos desta Villa, segundo sua nação, forma-
fluência cultural dos cultos afro-brasileiros.
desprende das falas deles no decorrer (MARIANO, 1999, p.115-116).
rão três diferentes ranchos, de atabaques, e
do ritual ou em conversas nos interva- fizeram os seus costumados brinquedos,
ou danças, a saber, os geges, no sítio Sergi-
los para aquecer os tambores. Walter Habitantes das precárias vilas peri- mirim, os Angolas, por detrás da Capella
Benjamin (2002, p. 85) reflete sobre o féricas da segunda maior cidade do em- de Rozario, e os nagôs e Uças, na rua de
brincar infantil no adulto: pobrecido estado nordestino são publi- detrás, junto ao Alambique que tem ren-
camente insultados em seus direitos de da, Thomé Correa de Matos, sendo este
Não se trata de uma regressão maciça à ranxo o mais luzido, vestidos em meio cor-
manifestação religiosa, e percebi, nes- po, com hum grande atabaque, e alguns
vida infantil quando o adulto se vê tomado
por um tal ímpeto de brincar. Não há dúvi- te Estudo Exploratório inicial, que são adereçados com algumas peças de ouro, e
da que brincar significa libertação. Rodea- desrespeitados de seus direitos de cida- continuarão com suas danças não só de dia
das por um mundo de gigantes, as crianças dania por uma construção social que mas ainda grande parte da noite, banquete-
criam para si, brincando o pequeno mun- não os admite, até por serem afrodes- ando-se em húa caza vizinha a dita situa-
do próprio; mas o adulto, que se vê acossa- ção, que se achava vazia, na mesma rua de
cendentes e empobrecidos. Jurandir detrás, e ahi ouve muito que beber, a custa
do por uma realidade ameaçadora, sem
perspectivas de solução, liberta-se dos hor-
Freire Costa lembra que o dos mesmos pretos do dito brinquedo.
rores do real mediante a sua reprodução (REIS, 2001, p.357)
miniaturizada. A banalização de uma exis- [...] conjunto de interesses médico-estatais
tência insuportável contribuiu considera- interpôs entre a família e a criança, trans-
O relato policial, datado de 1809,
velmente para o crescente interesse que formando a natureza e a representação das
jogos e livros infantis passaram a despertar características físicas, morais e sociais des- denomina brinquedo o conjunto visível
após o fim da guerra.. ta última. As sucessivas gerações formadas de danças na festa das diversas nações
por uma pedagogia higienizada produziram observadas. No mesmo documento,
Os brincantes de Terecô, iniciados o indivíduo urbano de nosso tempo. Indi-
haverá uma referência de uma visita
viduo física e sexualmente obcecado pelo
na Religião e praticantes em Impera- seu corpo; moral e sentimentalmente cen- intolerante à festa, feita por um padre,
triz, no Sul do Maranhão, vivem em trado em sua dor e seu prazer; socialmente atualizando que certas versões do cris-
um cenário de profunda intolerância racista e burguês em suas crenças e condu- tianismo sempre foram intolerantes às
religiosa, o que já é fato antigo. E Pai tas. (COSTA, 1983, p. 214)
manifestações culturais das populações
Flávio narra como eram os anos 1980 de africanas no Brasil:
sua infância em Imperatriz: Todas as narrações de situações pre-
conceituosas passam ou são esquecidas Hé certo que estando a corporação dos
Naquele tempo se dizia que Terecô era coisa temporariamente ao ouvir um toque de nagôs, e Uças no maior calor da sua dança
do demônio e eu ia para a igreja, era coro- tambor? Obviamente que os depoimen- na tarde de hum referidos dias, se endere-
inha, dizia que iria ser padre, foi uma épo- çou a eles com zello Apostolico a Revdo.
ca que eu passei... depois dessa época eu tos são do amargor constante desta per-
Pe. Ignacio dos Santos, para impedir a dita
gostava de ir, ia escondido, entrava escon- seguição religiosa nos dias de culto co- dança, cuja diligência foi inútil, pois os di-
dido nas casas, tinha medo, repressão, por mum e nos dias de suas grandes festas. tos pretos não atenderão respondendo-lhes
que diziam: ‘Ali tem um Terecô só tem o
que não presta’.
E Pai Flávio declara ser “feliz na Um- com palavras menos decentes, e que afinal
banda, pois é onde eu vejo acontecer a lhe disseram que seos senhores tinhão toda
partilha, sinceramente nós não escon- a semana para se divertirem e que eles ti-
Atualmente, evangélicos vão às suas nhão nella hum só dia, e que se retirasse,
portas e gritam impropérios contra a demos o que somos, nós somos aquilo e aliás levaria o que lhe dessem, e assim se
casa e seus participantes, passam um nos apresentamos na sociedade como retirou o dito Pe. apelando para Deos.
óleo ungido à porta para que o que nós somos e nós merecemos respeito por (REIS, 2001, p. 357)
chamam de “casa do satanás” deixar de as nossas pessoas”.
funcionar. Essa situação é já bastante Recolho agora relatos inscritos em ar- Walter Benjamin lembra que o
difundida no Brasil, e é possível refle- tigo publicado por João José dos Reis e adulto
tir sobre ela, com Mariano: que apresenta detalhadamente o cuida-
[...] ao narrar uma experiência, alivia o seu
do do aparato de segurança do Estado coração dos horrores, goza duplamente uma
Se os evangélicos identificam as entidades
da Umbanda, os deuses do Candomblé e
em acompanhar os brinquedos dos felicidade. A criança volta a criar para si
os espíritos do Kardecismo com os demô- africanos no nascedouro do século XIX, todo o fato vivido, começa mais uma vez
no início. Talvez resida aqui a mais profun-
nios, os neopentecostais vão bem mais longe na Bahia. O documento referido é um
ao vê-los como responsáveis diretos por da raiz para o duplo sentido nos jogos ale-
Ofício do Capitão Comandante de mães10: repetir o mesmo seria o elemento
uma infinidade de males, infortúnios e so-
frimentos. A partir disso, o combate à Milícias de Santo Amaro ao Capitão-Mor verdadeiramente comum. A essência do
macumba, aos exus, guias, pretos-velhos e Francisco Pires de Carvalho e Albuquer- brincar não é um ‘fazer como se’, mas um
orixás tornou-se um de seus principais pila- ‘fazer sempre de novo’, transformação da
que e, nesta escrita, a autoridade
res doutrinários. Mas para que esse diálogo experiência mais comovente em hábito.
contrastivo com os adversários fosse possí- comunica que foi informado acerca de (BENJAMIN, 2002, p. 101)

10 No alemão Spiele significa tantos jogos quanto brincadeiras. O verbo spielen agrupa os significados de brincar, jogar e representar.
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O empenho coletivo de manter a mentalidades onde o representado cede lu- Interessada na narrativa sobre o Te-
Casa de Nossa Senhora Santana con- gar ao apresentado. No ato da apresenta- recô enquanto uma brincadeira foi
duzida por Dona Cota (Irenilde Torres, ção existe o espaço da inteligência sensível, possível, ouvir sobre a dor por perten-
nascida em 1961)11 em alegre funcio- espaço aqui compreendido como o lugar cer a uma religião de origem afro-bra-
aberto à criação. Criar é da ordem da apre-
namento, diante de um cenário de ex- sentação, cultuar – notadamente a memó-
sileira. Selligman-Silva, falando sobre
pansão de Igrejas Evangélicas para to- ria das feridas e das marcas – insere-se no os descaminhos dolorosos dos tempos
dos os lados dos bairros periféricos im- campo das representações. As representa- da ditadura brasileira – com prisões ar-
peratrizenses é uma atitude política de ções emergem muitas vezes como alheias bitrárias e repressão a qualquer ativi-
ao próprio sujeito – sujeitos da memória –
lutar por cidadania e pode ser entendi- dade criativa –, discute que é possível
pois foram pensadas, arquitetadas, imagi-
da como um apelo de que só existe uma nadas, celebradas em nome de [...] a apre- pensar que “a memória dos explorados
vida comunitária suficientemente livre sentação é o lugar da invenção. Inventar é tão violentada quanto essa própria
“de perturbações e tensões se todos os um outro sujeito, múltiplo, multiplicador, camada da sociedade” (2003, p. 38).
um sujeito que encontra sua força na apre-
indivíduos dentro dela gozarem de sa- Então, narrar e escrever é das mais
sentação em detrimento de uma represen-
tisfação suficiente; e só pode haver uma tação que só representa a si mesma. Apre- salutares tarefas aos que são excluídos
existência individual mais satisfatória sentar é também apresentar outros espa- do direito a viver livremente a sua cul-
se a estrutura social pertinente for mais ços da memória: memória-acontecimen- tura. É o caso dos terecozeiros, que
livre de tensão, perturbação e conflito” to, acoplada ao esquecimento ativo, dissi- teimam em não parar de animadamen-
dente, artístico (LINS, 2000. p. 15).
( ELIAS, op. cit, p.17). te brincar!
Essa alegria por participar da brin-
cadeira é de tanta intensidade quanto o
narrar sobre as situações em que são in- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
comodados por intolerância religiosa dos
vizinhos evangélicos. É evidente que um ARAÚJO, Paulo Jeferson Pilar. Umbandização, Candobleização: para onde vai o
trabalho tão inicial aponte só algumas terecô? Disponível em: <http://www.abhr.org.br/wp-content/uploads/2008/12/
araujo-paulo.pdf>. Acesso em 02 jun. 2011.
conclusões prévias. Mas já os dados co-
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o
letados levam ao encontro com essa du-
contexto de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi. São Paulo: Hucitec; Bra-
pla certeza: sorriem com o encontro para
sília: Editora da Universidade de Brasília, 1993.
brincar Terecô e sofrem com a chegada BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a Educação. Tradu-
às suas portas de grupos de evangélicos ção: Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas cidades, Ed. 34, 2002.
em insultos e provocações difíceis de BOSI, Ecléa. Memórias e Sociedade – lembranças de velhos. São Paulo: Companhia
suportar. Tal etnografia tão incipiente das Letras, 1994.
conclui que o pesquisador CASTRO, Yeda Pessoa de. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afrobrasilei-
ro. Rio de Janeiro: Topbooks Editora, 2001.
[...] enfrenta, de fato – a não ser quando COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: Graal,
(como deve fazer, naturalmente) está se- 1989.
guindo as rotinas mais automatizadas de
coletar dados – é uma multiplicidade de
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução:
estruturas conceptuais complexas, muitas Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Ed. 34, 2005. (Coleção Trans.,
delas sobrepostas ou amarradas umas às v.4).
outras, que são simultaneamente estra- FERRETTI, Mundicarmo. Encantaria de Barba Soeira: Codó, Capital da magia
nhas, irregulares e inexplícitas, e que ele negra? São Paulo: Siciliano, 2001.
tem que, de alguma forma, primeiro apre-
___________. Desceu na guma: o caboclo no tambor de mina em um terreiro de São
ender e depois apresentar. E isso é verda-
de em todos os níveis de atividade do seu Luís– a Casa Fanti-Ashanti. 2 ed. rev. e atual. São Luís: EDUFMA, 2000.
trabalho de campo, mesmo o mais roti- FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sincretismo: Estudo sobre a Casa das Minas.
neiro: entrevistar informantes, observar São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; São Luís: FAPEMA, 1995.
rituais, deduzir os termos de parentesco, GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos
traçar linhas de propriedade, fazer o cen- e Científicos Editora, 1989.
so doméstico... escrever seu diário. Fazer
LINDOSO, Gerson Carlos Pereira. Pluralismos e diversidade afro-religiosa em
etnografia é como ler (no sentido de ‘cons-
truir uma leitura de’) um manuscrito es- terreiros de Mina no Maranhão: um estudo etnográfico do modelo Ritual do Ilê
tranho, desbotado, cheio de elipses, inco- Ashé Ogum Sogbô. 295f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universida-
erências, emendas suspeitas e comentári- de Federal do Maranhão – São Luís, 2007.
os tendenciosos, escritos não como os si- LINS, D. Memória, esquecimento e perdão (Per-Dom). In: Memória e Construções
nais convencionais do som, mas com exem- de identidades. Rio de Janeiro: 7 letras, 2000. p. 09-15.
plos de comportamento modelado.
(GEERTZ, 1983, p. 7)
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Bra-
sil. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
Lins comenta que o ato de trans- NORBERT, Elias. Sociedade dos Indivíduos. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar Ed., 1994.
mitir comporta a capacidade de lem-
REIS, João José. Batuque Negro. In.: JANCSÓ, István; KANTOR Iris (Orgs.). Fes-
brar e de esquecer:
tas: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa, v. I. São Paulo: Hucitec/EDUSP,
Imprensa Oficial, 2001.
O esquecimento, ao libertar o espaço da
criação e da renovação, pode abrir via da SELIGMANN-SILVA, M.(Org.) História, memória, literatura: o testemunho na
mudança social e permitir a evolução das era das catástrofes. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
11 Em 17 de maio de 2011 acorreu o falecimento de Dona Cota. A menos de um mês dos acontecimentos aqui narrados a Comunidade de Umbanda de
Imperatriz ouvia o toque dos seus tambores alertar para a saída de seu corpo em direção ao sepultamento e que a casa fechava para luto por sete meses e neste
momento acontecerá o Tambor de choro, instante em que são os objetos pertencentes à Mãe de Santo falecida são despachados e a casa reabrirá.
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DEPOIS DA OBRIGAÇÃO:
CARIMBÓ, BAMBAÊ DE CAIXA E CACURIÁ NO MARANHÃO
Mundicarmo Ferretti12

E xiste no Maranhão uma série de brin


cadeiras populares tradicionais, execu-
tadas depois da Festa de Espírito Santo, pe-
das entre pessoas de
mesmo sexo ou
entre homens e
las caixeiras (com ou sem instrumento mulheres, por oca-
musical), ou que, embora sem ligação dire- sião do “buscamen-
ta com aquela festa, são realizados com cai- to do mastro”.
xas – instrumentos musicais típicos da Fes- Como na capi-
ta do Espírito Santo. Entre as mais conhe- tal maranhense a
cidas, podem ser citadas: maioria das Festas
1) o Carimbó, como o realizado atual- do Divino é realiza-
mente na Casa das Minas (sem cai- da em casas de culto
xa) e na Casa de Nagô (PACHECO afro-brasileiro ou
et al., 2005); são promovidas por
2) o Bambaê da Caixa que, em Caja- pessoa ligadas a elas,
pió e São Bento, é também conhe- algumas caixeiras
cido como Farra-de-Caixa e que, as- podem receber, du-
sim como o Tambor de Crioula, tem rante a brincadeira,
umbigada ou punga (VIEIRA FI- um guia espiritual
LHO, 1958, p.15); da Mina, Cura, Te-
3) o Caroço, de grande expressão em recô ou Umbanda,
Tutoia (RODRIGUES, 1983); que gosta de brinca-
4) o Lelê de Caixa ou Forró de Caixa, deira e de bebida
encontrado em Maxixe, povoado do alcoólica. Por causa
município de Mirinzal; da participação
5) o Cacuriá, originário de Baiacu, po- desses encantados,
voado de Guimarães, estilizado em vez por outra
São Luís por Alauriano de Almeida podem ser cantadas
– o Seu Lauro (1973), por Dona ali músicas do
Teté (1986) e, depois, apresentado repertório daquelas
por muitos grupos folclóricos ou de denominações
dança de São Luís - como o de Tou- religiosas, o que
rinho (1987) (MEMORIA DE VE- contribui para dei-
xar claro a relação
LHO, p. 73-93) - e de outras capi-
existente entre
tais - como o de Dona Elisene
aquelas brincadei-
(1992), de Brasília (DELGADO,
ras, o catolicismo
2005) e o de Tião Carvalho, em São
popular e as
Paulo.
religiões afro-brasi-
Em algumas regiões do estado, como
leiras. Um bom
em Ingaura, na ilha de São Luís, a brinca- Foto de Sergio Ferretii
exemplo dessa inter-
deira de caixeiras do Espírito Santo é de-
cessão é a música “Mas tu na sabe”, apre- quentemente em salões de curadores e em
nominada Terecô, termo mais usado na ca-
sentada como Caroço no LP Musica do terreiros de Mina, no ritual denominado
pital como sinônimo de Tambor da Mata –
Norte – V.2, da Marcus Pereira (1976), e a “Baião” – realizado para entidades femini-
religião de origem africana típica de Codó
música “Sou eu Rosa Menina”, classifica- nas:
(FERRETTI, M. 2001). do ali como “Baralho” (brincadeira do anti-
Terecô, ô Terecô/ Terecô, mamãe Terecô
go Carnaval maranhense) e como Cacuriá, “Sou eu rosa menina
Quando eu cheguei nessa casa/ Reparei no CD “Rosa Reis – Pajelança”, do LABO- da folha da juçareira
pros quatro cantos RARTE (1977). “Mas tu na sabe” é cantada da folha do juçaral”
Ai, quê, quê/ Ai, quê, quê/ Ai, quê, quê/ no Terreiro de Yemanja, do falecido Jorge (Rosa Reis – Pajelança, 13)
Querequê/ Ai, quê, quê Itaci, e em outros de São Luís para uma
Aqui mora uma devota/ Do Divino Espíri- encantada da família de Dom Luis, Rei de Não sabemos quando o Carimbó foi
to Santo/ Ai, quê, quê (...) introduzido na Festa do Espírito Santo da
(Terecô de Ingaura – CD: Brincando no
França.
Arraial IV). Casa das Minas Jeje e da Casa de Nagô,
“Mas tu não sabe – embalar neném (bis) ambas abertas em meados do século XIX.
Perguntem a Maria Antônia como se em-
Essas brincadeiras, mesmo quando re- Mas sabe-se, pelos pedidos de licença para
bala neném “
alizadas por caixeiras do Espírito Santo, (Musica do Norte – V.2, 4B) fazer festas de santo, apresentados pelos
costumam ser jocosas e irreverentes, tal terreiros de São Luís aos órgãos policiais,
como ocorre frequentemente nas realiza- “Sou eu Rosa Menina” é cantada fre- no final do século XIX e início do século

12 Dra. Antropologia; Pesquisadora de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.


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CONTINUAÇÃO

XX, que havia, por parte dos organizadores deiras das caixeiras do Espírito Santo e em cos, sem o vinculo religioso encontrado nas
das festas, grande preocupação em garantir outras brincadeiras de caixa, assumiram brincadeiras populares tradicionais. Fora do
nessas festas “ordem e respeito a moral proporções maiores no Cacuriá de Dona Teté, contexto da Festa do Divino ou das casas
pública”. Por essa razão, acreditamos que dança de pares produzida pelo LABORAR- de Mina mais antigas, a brincadeira de cai-
naquela época o Carimbó das Caixeiras dos TE e realizada como espetáculo. Essa xa corre mais solta, tornando-se mais sen-
terreiros da capital era uma brincadeira “bem brincadeira, embora muito aplaudida e co- sual e maliciosa. Apesar do Cacuriá de Dona
comportada”, bastante diferente da que se nhecida fora do Maranhão, chegou a ser Teté com o LABORARTE, hoje o mais co-
vê nos dias de hoje. considerada uma “depravação” por Seu nhecido, ser iniciado com uma cantoria do
Atualmente, na Casa das Minas - terrei- Lauro, seu primeiro estilizador, que a trouxe Divino e de Dona Teté ser pessoalmente
ro jeje, o Carimbó é realizado à tarde, um dia de Guimarães-MA para o encerramento da devota do Espírito Santo, pode ser realiza-
após o encerramento da festa, portanto após Festa do Espírito Santo: “o Cacuriá é uma do em qualquer época, em qualquer lugar e
o derrubamento do mastro e a transferência festa séria, uma brincadeira religiosa do para um público sem devoção ao Espírito
das posses ao novo império. As palmas Divino Espírito Santo” (depoimento publi- Santo.
substituem o toque de caixas. A brincadeira cado em MEMORIA DE VELHO, V.5, p.
se estrutura em torno da serração do mastro, 81). REFERÊNCIAS
quando de serrote na mão, as caixeiras e
Fui na praia pegar siri
demais participantes da festa, cantando e siri me mordeu eu sacudi BRINCANDO NO ARRAIAL - IV.
dançando, serram o mastro – tronco de e os peixinhos da Camboa São Luís: FUNC, 2002. f.17. 1CD.
árvore derrubado no dia anterior em torno começaram a rir DELGADO, Ana Luiza de Menezes.
do qual se cantou e tocou caixa, muitas vezes, Só precisa rebolar?: uma investigação
nos dias anteriores. Várias letras das músicas Ô mulata bonita, ai
cadê teu varão, ai sobre performance e dinâmica cultu-
cantadas têm duplo sentido, sendo a inter- me pega me beija, ai ral na tradição do Cacuriá. 169f. Dis-
pretação maliciosa facilitada pelos movimen- me bota no chão sertação (Mestrado em Antropologia)
tos da dança, pelos gestos e pelas expressões (Cacuriá de Dona Teté - Rosa Reis – Paje- – UFPE/ANTROPOLOGIA –. Reci-
faciais. lança)
fe, 2005.
Por razões históricas e geográfica, a FERRETTI, M. Encantaria de “Bar-
Eu sou Mestre Quirino – serrador
cultura do Maranhão tem mais afinidade ba Soeira”: Codó, capital da magia ne-
Serra o pau Quirino – serrador
com a do Pará do que com os estados nor- gra?. São Paulo: Siciliano, 2001.
Serra o pau no meio – serrador
Eu também sei serrar – serrador destinos. Não temos conhecimento de es- FERRETTI, Sergio (Org.). A dança do
Eu também quero pau – serrador tudos comparativos entre as estruturas Lelê na cidade de Rosário no Mara-
(PACHECO et al., 2005, p.63) musicais dessa variedade de danças mara- nhão. São Luís: FUNC; Rio de Janei-
nhenses ligadas à Festa do Espírito Santo ro: FUNARTE-DAC-MEC, 1977.
A Casa das Minas permite no Carim- ou com utilização de caixas (instrumento MEMÓRIA DE VELHOS: DOI-
bó, embora de modo controlado, o uso o tocado obrigatoriamente naquela festa) e o MENTOS – Uma contribuição à me-
bebida alcoólica, como registrado nesses Carimbó do Pará. Será que o Carimbó dos mória oral da cultura popular mara-
versos recolhidos naquele terreiro: terreiros de Mina da capital maranhense, o nhense. V.5. São Luís: CCPDVF; CMF,
Bambaê de Caixa e o Cacuriá de Guimarães 1999.
Ô dona da casa eu sou da fuzarca e outras brincadeiras de caixa existentes no PACHECO, Gustavo; GOUVEIA,
se não tiver copo eu bebo na garrafa Maranhão são o mesmo Carimbo do Pará? Cláudia; ABREU, Maria Clara. Caixei-
(PACHECO et. al., 2005, p.63) Ou será que a pluralidade de nomes dados ras do Divino Espírito Santo de São
no Maranhão às brincadeiras com caixa, Luís do Maranhão. Rio de Janeiro:
Na Casa de Nagô o Carimbó é realiza- ligadas ou não a Festa do Divino, correspon- Associação Cultural Caburé, 2005. 2
do com caixas e dura o dia todo. Num pas- de a tipos especiais de música e de dança? CD.
sado ainda próximo tinha como atração Nosso conhecimento da realidade e os REIS, Rosa: Pajelança. São Luís: LA-
principal uma disputa de mulheres que, ao dados aqui analisados nos levam a afirmar BORARTE, 1997. 1 CD.
som da música, requebravam se abaixavam que: não existe no Maranhão uma unifica-
RODRIGUES. Jocy. Escalas modais
para apanhar, com a boca, um lenço coloca- ção na denominação das brincadeiras de
da folcmúsica do Maranhão no Ca-
do no chão ou uma garrafa de bebida. Tal caixeiras do Divino ou das danças de caixa, e
roço de Tutoia (Subsídios). São Luís:
como descrito por Seu Lauro, em depoi- que existe nessas brincadeiras grande varie-
Edições UFMA, 1983.
mento gravado pelo Centro de Cultura Po- dade de ritmos, danças e cantos. Como
pular, essa tradição era encontrada nos an- lembramos anteriormente, músicas como SANTOS, Roza Maria. A festa do divi-
tigos Carimbós por ele observados em São “Sou eu rosa menina”, classificada por uns no de São Luís e Alcântara – danças de
José de Ribamar-MA, na porta da igreja como Cacuriá, por outros como Baralho, é reverencia. Boletim da CMF. São
(MEMORIA DE VELHO, V.5, p. 83). cantada em salões de curadores, pajés e em Luís, n. 36, dez. 2006, p.13-14.
Transcrevemos a seguir versos de uma das terreiros de Mina, em rituais de Cura e VIANA, José de Ribamar (Papete). Pa-
músicas cantadas na Casa de Nagô: Baião. jelança, danças e tambores do Mara-
Embora, pelo menos em sua origem, a nhão. In: MÚSICA POPULAR DO
Galinha preta no tronco da jurubeba maioria das brincadeiras de caixa a que nos NORTE v. 2. Discos Marcus Pereira,
se tu quer pega referimos aqui seja um momento profano 1976. 1 LP.
(PACHECO et. al., 2005, p.62) de uma festa religiosa ou um divertimento VIEIRA FILHO, Domingos. A lingua-
de devotas do Espírito Santo, hoje muitas gem popular do Maranhão. 2. ed. rev.
Nos últimos anos, a jocosidade e a irre- delas são produzidas como espetáculo, por e ampl. São Luís: [s.ed], 1958.
verência, que sempre existiram nas brinca- companhias artísticas ou grupos folclóri-
10 Boletim 51 / dezembro 2011

continuação

CHEGANÇA NO MARANHÃO
Pedro Mendengo Filho13

zem saudações ao dono da casa ou a algum vela ou outras denominações locais), onde o
santo, de preferência São Benedito, e à pla- destino lhe reserva a marginalização, pela fal-
téia. A dança é acompanhada apenas por ta qualificação profissional.
maracás de latas15. Nessa derrocada cultural, observa-se que
essas festas surgem, mais tarde, distorcidas, e
Conforme revelação da autora, a repre- o pior de tudo isso, estilizadas, quase em total
sentação da Marujada em Caxias é compos- perda de seu ritual original. Isto seria inevitá-
ta de vários figurantes, pertencentes às vári- vel, pois só acontece isso pela necessidade
as classe sociais, seduzidos, decerto, pelo adaptativa desses novos migrantes, na assimi-
prestígio dos uniformes que arrastam fre- lação das estruturas culturais e sociais da re-
quentemente nestas apresentações, algo mis- gião onde a manifestação floresce desbotada.
ter do exército e da marinha, para o orgulho Um sugestivo artigo, contido na obra Folclore

D ando continuidade a texto anterior,


publicado no Boletim 50 da CMF14, ana-
lisaremos a Chegança no Maranhão, estado
de grande número de amantes da farda que
dá vida ao seu bailado:
Nacional de Alceu Maynard Araújo (2004)16,
salienta que o auto representativo de um com-
bate entre cristãos e mouros, ao cruzar o terri-
onde exerceu grande influência na cultura lo- A Dança do Marujo, em Caxias, é com-
tório nacional, foi se transfigurando principal-
cal. A data de sua chegada é incerta pelo fato posta de sete partes independentes entre si,
mente no Centro, Sul e Sudeste do país:
de não existir nenhum registro digno de men- que são apresentadas com diálogos canta-
dos ou falados. Essas partes são: Mora (Rei
ção. Nas cidades de Viana e Penalva, o que se A história da colonização do Brasil nos
Mouro), Piloto, Chiquito, Capitão-Gene-
sabe até os dias atuais, é que ainda existem ral, Rizinga, Mestre-Patrão e Bandereiro. mostra que ele é um país onde houve dis-
cadernos escritos em português arcaico, con- A dança inicia-se pela saída da nau portu- persão demográfica. Não é de se estranhar,
tendo todas as partes dessa encenação, cuida- guesa do porto (Mora ou Rei Mouro). Nes- portanto, que o fenômeno da dispersão te-
dosamente guardados pelos remanescentes ido- sa parte há o confronto entre o chefe de nha se dado também com a memória cole-
sos, grandes entusiastas desse espetáculo ro- divisão e os embaixadores, na tentativa des- tiva. Acreditamos que a marujada tenha
tes serem convertidos ao cristianismo e fi- sido trazida por nortistas, “nordestinos do
manceado; verdadeiros guardiões desse ritual,
naliza com o batizado dos embaixadores. litoral que são uns andejos”. É bem possí-
que fora transmitido por herança familiar. vel, pois é muito maior a mobilidade dos
Encontramos, no artigo Danças populares moradores do litoral do que a dos outros
do Maranhão, - A Marujada, escrito pela pes- Continua a autora, o espetáculo fica
que moram no interior.
quisadora Maria Michol Pinho de Carvalho por conta da coreografia:
(2006) – o qual nos surpreende com valiosas A distinção estabelecida entre Chegança
A dança do Marujo faz parte das festas
informações, no que diz respeito a esta repre- de Marujo e Chegança Nau Catarineta, no
natalinas, podendo prolongar-se até 15 de
sentação dramática –, redesenhadas, as lutas meu entender, é uma questão de estética, de
janeiro. De acordo com informações de
luso-espanholas, inseridas no solo maranhen- Enóquio Sousa, esse folguedo encontra-se, organização e composição de seus elementos
se pelos sertanejos: hoje, totalmente desativado e, portanto, na compreensão de quem recebeu os ensina-
em fase de completa extinção. mentos do ritual da manifestação. Observa-se
A Dança do Marujo ou Marujada, tam- que a primeira absorve os mitos da cultura lo-
bém conhecida como Chegança do Maru- Esta falta de continuidade, ou abandono cal; ou seja, por simbolismo presta homena-
jo, Barca Fandango, os Fandangos, Nau Ca- pelas festas antigas, tem três vertentes de ex- gens aos santos padroeiros da Terra Natal, atre-
tarineta ou apenas Chegança, é de origem lados aos elementos da Nau Catarineta. En-
clusões. Em primeiro lugar, estão nas perdas
portuguesa que se espalhou por todo o Brasil.
de líderes comunitários; em segundo, a falta quanto a segunda obedece somente à estrutu-
Chegou ao Maranhão pelo Piauí e fixou-se
de incentivo por parte do Estado nessa preser- ra do cancioneiro português, em que a lingua-
em Caxias. Os brincantes são do sexo mas-
culino, de idade que varia de 13 a 50 anos vação e a terceira são as apropriações indébitas gem de época lhe legitima.
e, geralmente, são açougueiros, magarefes das terras herdadas pelas comunidades, na Faz mister compreender o que Antônio
e feirantes. força do avanço da nova agropecuária e agro- Lopes (1967, p. 119) deixou como suspeita de
indústria; ditadas por poderosos empresários, violação pelas classes populares nos versos do
A Dança do Marujo apresenta uma coreo- grupos de empresas e grileiros, em suas fami- romance Nau Catarineta, para que os futuros
grafia simples, formada por 2 cordões de geradas migrações internas – advindas do Sul pesquisadores e estudiosos busquem estas
participantes, que pouco falam ou cantam, e Centro-Oeste – em direção às comunidades variações existentes na tradição maranhense.
mas respondem em forma de coro e dan- Podemos mesmo dizer que entraram duas
seculares existentes em terras férteis, por doa-
çam imitando as ondas do mar. Arrumam-
ções coloniais ou imperiais. Locais onde as modalidades de Chegança no Maranhão. A
se em forma de barco, ficando, em uma
culturas antigas ainda se mantêm vivas e in- primeira a se estabelecer foi a Chegança Nau
extremidade, o rei Mouro e seus embaixa-
dores (muçulmanos) e, na outra, o chefe de tactas desde que aqui chegaram. Quanto ao Catarineta, uma epopeia, que contém em si
divisão e seus tripulantes (cristãos). O gru- seu povo: é explorada uma pequena parcela um complexo de lendas e de tradições, de re-
po sai cantando do local de ensaio para o dessa mão de obra barata, enquanto que os miniscências autenticamente históricas e fa-
de apresentação, entoando uma música demais integrantes da comunidade são expul- tores poéticos, místicos e trágicos essencial-
denominada cantiga de rua. Dependendo sos, movidos para as periferias Urbanas/Me- mente portugueses. Vinda diretamente da
do local de apresentação, os brincantes fa- tropolitana (áreas de invasão massificada – fa- Província do Porto para Alcântara; chegando
13 Bacharel e Licenciado em Psicologia; Mestre em História; técnico do IBGE; membro da Academia Vianense de Letras de Viana; membro fundador e
pesquisador da Fundação Conceição do Maracu (Viana-MA).
14 Chegança: um dramalhão de tema náutico apresentado em diferentes manifestações. São Luís. Boletim da CMF, n.50, ago./2011. p. 9-12.
15 CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Danças populares do Maranhão, - “A Marujada”, publicado em 15 abr. 06. Disponível em: <http://
www.culturapopular.ma.gov.br/artigos2.php?.id=19>. Acesso em 12 jan. 2009.
16 ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore Nacional I: festas, bailados, mitos e lendas. Fotografias do autor; desenhos de Oswaldo Storni, Osny Azevedo, do autor
e de outras fontes. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 363 – 364. (Coleção Raízes).
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CONTINUAÇÃO

mais tarde às cidades, vilas e povoados exis- A sola era muito dura, não puderam mastigar. gança maranhense consiste em um ciclo de
tentes nos campos baixos do Pindaré. A se- Então foram tirar por sorte quem haveram de matar, representação. Durante todo o tempo de exi-
gunda foi a Chegança de Marujos, um episó- mas a sorte foi cair no capitão-general bição tem-se a impressão de transformação no
da nau Catarineta da marinha imperial.
dio ornamentado de fatos de pura criação da cenário, no sentido de que cada dia entrosa no
- Trepa, trepa, meu gajeiro, meu gajeirinho real,
imaginação popular, recriados no seu cotidia- episódio central outro episódio ou jornada re-
para ver terra de Espanha, (Olaré) areia de Portugal.
no, com partes dos versos de Nau Catarineta. - Não veja terra de Espanha nem areia de Portugal, ferente aos Mouros, ao Imediato, ao Piloto, ao
Esta viajante do Segundo Império, depois de vejo só espadas nuas, (Olaré) que é para te matar. Mestre e a Marujada. Como não podia deixar
andar pelos sertões do nordeste (Bahia e Piauí) - Trepa, trepa, meu gajeiro, meu gajeirinho real, de ser, as atitudes do Gajeiro sempre inferni-
se estabeleceu em Caxias, onde ainda é ence- vê se vês terra de Espanha, (Olaré) areia de Portugal. zam a viagem.
nada timidamente, com parcos recursos de seus - Alvissas, seu capitão, seu capitão-general, Em quase todos os Estados brasileiros,
adeptos das Zonas Rurais. não vejo terra de Espanha mas praia de Portugal.19
somente se conhece por Chegança algum des-
Vejo três moças donzelas debaixo dum laranjal,
Uma com dedal de ouro, outra com agulha de prata,
ses episódios22. Em outros, dá-se o nome de
“A Nau Catarineta é da Marinha Chegança ao que se denomina Fandango no
a mais bonita de todas, (Olaré) na sua roca a fiar.
Imperial ou é do Rei de Portugal”. - Todas três são minhas filhas, eu faço gosto em Maranhão; isto é, um auto coreografado acer-
te dar aquela que tu quiseres, para contigo casar. ca de guerra entre dois povos africanos, ao
Os versos encontrados nas versões portu- - Eu não quero suas filhas que lhe custou a criar. passo que a palavra fandango naqueles, desig-
guesas, descritas nas obras maranhenses des- Não procuro casamento, sou casado com o mar. na simples dança.
te drama marítimo, romance novelesco ou de - Te dou de ouro e prata o que quiseres levar. O romance A Nau Catarineta sempre exis-
aventura, traduzem todos os esforços de Cel- - Nem com ouro nem com prata
tiu, na tradição maranhense, independente do
so de Magalhães (1849), enfeixados principal- ninguém me venha atentar.
- Já te ofereci o que tenho e tu nada de aceitar.
auto popular, o que não acontece em outros
mente no Romanceiro Geral de Teófilo Braga Estados, onde folcloristas subtraíram do auto
- Quero a nau Catarineta pra nela na vegar.
e no Romanceiro de Almeida Garrett, entre as versões que têm publicado. No Maranhão,
- Esta nau Catarineta é do rei de Portugal,
outros. Em 1873, foi publicado, no periódico O versos do romance reproduziram-se no auto; por
foi ele que me mandou sair nela para o mar.
Trabalho, uma série de artigos subordinados – Vamos, vamos companheiros, vamos já desembarcar, exemplo, os cantos do capitão e do gajeiro. Já
ao título geral de A Poesia Popular Brasileira, larga, larga a catraia, que a maré está preamar na versão vianense os dois versos finais são de
trabalho este que fora produto de estudos so-
um coro da marujada na Chegança.
bre a arte poética, que o autor encontrou na Em Viana, onde procede esta versão do Celso Magalhães23 verificou que A Nau
poesia popular no Maranhão, dos velhos frag- famoso fragmento de poesia popular, cuja ori- Catarineta era o romance mais sabido e repe-
mentos poéticos de várias manifestações po- gem tanto discutiu Teófilo Braga que, depois tido como viera de Portugal. Ele conheceu uma
pulares como a “Chegança”. de haver formulado várias hipóteses, ao final variante maranhense quase igual à lição do
Essa coletânea de poesias deixada por Cel- chegou a conclusão que; o enredo prende-se a Romanceiro Geral de Teófilo Braga. Refere-se
so de Magalhães sobreviveu na tradição oral um ciclo de navegação no Atlântico, enquan- à outra, que ouvira com final semelhante ao
do Maranhão, cujas investigações se limita- to Luís Chaves (1969) o define como narrativa da versão ou redação garrettiana do fragmen-
ram à cidade de São Luís e à região dos Lagos de ordálio marítimo20. Para Antônio Lopes to trágico-marítimo. Apesar de muitas diligên-
do Baixo Pindaré. E, foram eternizadas, a par- (1967, op. cit.), ainda temos muito que investi- cias que fez com sua equipe de pesquisadores
tir das dedicações de Antônio Lopes da Cu- gar sobre essa origem. Em Viana realizou-se
nha17, com o título de “Presença do Romancei- e outros amigos para encontrar essas duas va-
Chegança até, pelo menos, 1898. Já em São riantes do Maranhão, todos os esforços foram
ro” publicada, em forma de livro, pela Editora Luís, essa brincadeira tradicional foi realizada
Civilização Brasileira, em 1967. sem êxito.
até, pelo menos 1910, colhendo-lhe a letra com-
Esta obra serviu de base para Antônio Lo-
pleta. Depois foi retomada. A partir desta data Chegança em Viana
pes, para quem, no seu entender, os versos da
foi reconstruída sem os versos originais ou par-
Nau Catarineta marcam o início de um estudo
te deles. Em Viana, esta encenação dramática que
sistemático dos problemas mais interessantes
A Chegança do Maranhão é o que, em outrora fora atuante, hoje, para o nosso conhe-
da demologia·(folclore). A Presença do Roman-
outras regiões brasileiras, tem os nomes de cimento, só nos restam referências em poucas
ceiro guarda a memória coletiva da ancestrali-
Marujada, Chegança do Mouro, que não se bibliografias. Destacam-se, com maior credi-
dade, que alimenta essa manifestação cultu-
deve confundir com a folgança dos Mouros de bilidade sobre o assunto em questão: Antonio
ral, assim como procura vivenciar a luta do
que trata Sílvio Romero (1883)21. Entretanto, Lopes, Astolfo Serra, Ozimo de Carvalho, Tra-
bem contra o mal, com as origens da cristiani-
além de tudo que foi descrito, temos Os Maru- vassos Furtado e Sálvio Mendonça, dos quais
zação do Brasil colonial.
jos, auto coreografado, baseado essencialmen- citarei os seguintes registros bibliográficos:
Transcrevemos da obra Presença do Ro-
te na viagem da Nau Catarineta, que também - Astolfo Serra, Terra Encantada e Rica24.
manceiro, o artigo 13 “A Nau Catarineta”, co-
lhido em Viana, em 1912, por Antônio Lopes:18 merece destaque. Nesta viagem marítima de As cheganças são curiosidades, que ainda vi-
aventura, o episódio central é o que está sinte- vem na alma de muitas populações ribeirinhas
Sete anos e um dia andou perdida no mar tizado no próprio romance, em todas as suas do Maranhão. O auto é uma representação tí-
a nau Catarineta da marinha imperial. versões completas de aquém e além-mar. Mas pica de época remota, em que aparecem mou-
Acabou a matalotagem, não tinha o que jantar, quem tem papel expressivo nesta tumultuada ros vingativos e prisioneiros sacrificados. Trata-
botaram sola de môlho para depois cozinhar. viagem é o Gajeiro. A representação da Che- se certamente de algum dramalhão antigo, que
17 LOPES, Antônio. Presença do Romanceiro. Versões Maranhenses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
18 Op. cit., p. 115 - 119.
19 Numa versão do Arquipélago da Madeira: - Avisto costa d’Espanha e costa de Portugal. V. AZEVEDO, Álvaro Rodrigues. Romanceiro do Arquipélago da
Madeira. Funchal, 1880.
20 “Síntese da tragédia das navegações do Atlântico – exprime – e de sua metafísica marítima, realçando o elemento maravilhoso cristão e fatores poéticos e
trágicos essencialmente portugueses” (O Ciclo dos Descobrimentos na Poesia Popular do Brasil, Coimbra, 1943).
21 ROMERO, Sílvio. Fandangos ou Folganças. In: _______________. Cantos Populares do Brasil. 2 v. Introdução e notas comparativas: Teophilo Braga. Lisboa:
Nova Livraria Internacional, 1883. p. 168-70.
22 CHAVES, Luís. Gerinaldo. Lisboa: MCMXLI, p. XIII e 168 e seguintes.
23 Colidido por LOPES, Antônio, (op. cit.).
24 SERRA, Astolfo. “Terra Encantada e Rica”. São Luís: [s/ed], 1941. p. 68. (Cópia Xerox da obra original existente na Biblioteca Pública Benedito Leite – São
Luís/MA. Identificação: BAM, 918.121, S487t, Ex: 2).
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se tornou popular no Brasil, nos tempos de El A brincadeira foi caindo em desuso, e creio Na parte dramática, o texto geralmente
Rei Nosso Senhor e que, com o tempo, foi sen- que atualmente só existe no calendário das tra- registrado através da escrita em cadernos, de-
do, aos poucos deturpado, até se tornar essa dições da cidade, apresentando-se esporadica- senvolve o enredo da representação. Os vários
comédia singular, que os caboclos maranhen- mente, com recursos próprios dos participantes. episódios são chamados de jornadas, das quais
ses representam em dias festivos, com os seus O que se sabe da Chegança em Viana é as mais comuns são: “O Embarque” “O Anau
personagens vistosos e o seu ritual simbólico e através de relatos de pessoas mais velhas, (a Perdido”29, “A Rezinga Grande”, “O Contra-
esquisito. A chegança é hoje apenas conheci- memória oral) que ainda guardam vivas as ima- bando dos Guardas-Marinha” ou “Parte dos
da em algumas cidades da baixada maranhen- gens das apresentações. Afirmam estes velhos Guardas-Marinha Passando Contrabando
se, cuja tradição está desaparecendo. saudosos que, até 1940-42, a Chegança ainda Dentro da Embarcação”, “Parte da Agulha de
- Ozimo de Carvalho, Retrato de um Mu- se fazia representar na cidade; tanto isto é ve- Marear ou Rezinga do Gajeiro Grande com o
nicípio25. Destaca que em franca decadên- rídico, como já foi citado, que ainda existe um Patrão e o Contramestre por Causa da Agulha
cia, condenadas a próximo e irremediável de- remanescente desse tempo, o qual guarda ain- de Marear” e “A Mourama ou Combate”.
saparecimento, estão muitas das antigas e tra- da um caderno de anotações com todo o ritual Acrescentam ainda que a Chegança é
dicionais festas, folganças e encenações po- da Chegança de Viana. antiquíssima, reportando-se aos tempos de
pulares. Extintos estão o Fandango lascivo e a ••• Carlos Magno, de quem relembra os feitos,
Chegança heroica, cuja letra e música se per- Um fato importante e, ao mesmo tempo, como lembra a pesquisadora Beatriz Góes
deram e as novas gerações ignoram. bastante curioso é que, durante as várias leitu- Dantas (1976, p. 6). Em alguns casos, têm sido
- Travassos Furtado, Minha Vida Minha ras realizadas para este trabalho, não encon- registrados personagens do auto popular com
Luta26. Menciona que a chegança - é uma trei, nas várias obras categoricamente selecio- nomes de Pares de França ou turcos que com
brincadeira que vem do século XIII, trazida ao nadas e referenciadas, uma que me desse al- eles lutaram. A luta denominada Ferrabrás está
Maranhão por colonos portugueses e espa- guma informação, pista ou indício sobre o ritu- presente em algumas das nossas Cheganças
nhóis. Como festa popular, ganhou a simpatia al que antecede a representação dos Autos da (BARROS, 1921, p. 48 e BRANDÃO, 1961, p.
do povo vianense, representada, preferencial- Chegança ao público (O cortejo, caracteriza- 133) e são frequentes as alusões a princesas
mente, na época carnavalesca. Seu tipo de do coreograficamente por peças que permi- turcas. Considerando a influência desse ro-
dança agradava de modo geral, conquistando tem a locomoção dos dançadores.). A exceção mance de cavalaria em representações popu-
aplausos por onde passavam. foi a obra Chegança – escrita pela pesquisado- lares como Congadas e Cavalhadas (ANDRA-
O grupo era formado de 20 figurantes, bem ra Beatriz Góis Dantas (op. cit., p.10), num bri- DE, 1959, p. 103), e a grande inserção que ele
vestidos, com roupa de veludo e seda, borda- lhante artigo de nome As Partes da Chegança, tem no Nordeste (CASCUDO, 1969, p. 379),
da com lantejoulas. Cada participante tinha o qual trata da Marcha de Rua, aqui transcrito perguntamo-nos até que ponto a encenação
um papel importante na representação. Os na íntegra: de mouros e cristãos da nossa Chegança não
personagens são um Rei, uma Rainha e um As marchas de rua – como são chamadas teria sido influenciada pela gesta carolíngia
Mordomo; este último seguindo à frente com as cantigas de cortejo que permitem o deslo- (DANTAS, 1976, p. 26).
os mouros, e atrás, a marujada. A brincadeira camento do grupo para diferentes lugares – Estas representações populares, que têm
terminava sempre com um combate simulado são constituídas, às vezes, de uma quadra-re- como tema dominante a luta entre mouros e
entre mouros e cristãos. Essa espécie de brin- frão intercalada com estrofes de bravos e va- cristãos, no dizer de Brandão (1974, p. 139), são
cadeira também já desapareceu. lentes guerreiros do mar, durante a vã filosofia as próprias formas que o povo cria e reproduz
- Sálvio Mendonça, Historia de um Meni- descrita nos cancioneiros, das quais são tira- para viver o seu modo de crença, nas mensa-
no Pobre27. A Chegança é dança lasciva do sé- das pelo Piloto ou outros personagem, da hie- gens da Igreja. As origens religiosas dos autos
culo XVIII, introduzida em todo o nordeste bra- rarquia do grupo. populares e sua eminente função catequética
inicial têm sido registradas por vários autores.
sileiro em meados do século XIX, principalmente
Marcha de Rua Desse modo, as Cheganças, a exemplo de ou-
na Bahia e no Maranhão, talvez como reminis-
(versão colhida em Lagarto) tros folguedos que encenam mouros e cristãos,
cência da chegada de D. João VI ao Brasil.
transmitiriam na atualidade não só um modo
Em Viana, a festa era representada na
Quando a aurora vem rompendo de crença, mas também uma mensagem de le-
época do carnaval. Desde dezembro, eram
Por cima do Oriente gitimação social. (DANTAS, 1976, p. 28)
feitos os ensaios, que duravam até fevereiro.
Os marujos correm linha Um dos raros momentos da história dos
O grupo era formado geralmente de gente
Pela direita, marcha em frente bailados que foram consagrados pela Igreja
humilde, que fazia grande sacrifício gastando
A vida dos marinheiros aconteceu quando São Gonçalo foi santifica-
o que não podia, no preparo da indumentária
Que andam de um lado a outro do em 155130. As suas aventuras de protetor
confeccionada com veludo, seda, bordados e de mulheres desamparadas, ao desembarca-
lantejoulas. Tomou parte nela umas 20 pesso- Não se encontram em Olinda
Nem na cidade do Porto. rem no Brasil colonial pelo porto da Bahia -
as, cada qual representando um papel típico: onde essa variação de Chegança se transfor-
o rei, a rainha, o mordomo, os vassalos, os mou- mou em um vibrante e rico canto de louvação,
ros e a marujada. Formavam em cordões, com Acrescentam-se às marchas de rua28, os
cantos de louvação com que saúdam pessoas para serem novenados nas capelas particula-
o rei, a rainha e o mordomo na frente, os vassa- res das fazendas e dos casarões residenciais
los lateralmente, em filas, os mouros e a maru- e santos.
dos centros urbanos -, fizeram dessa louvação
jada atrás. Eu acompanhava o desfile entre os o mais glorioso ato da cristandade, passando a
Entremos nesta nobre casa,Com estas vo-
curiosos para assistir às representações, que ser aderido pelas mais tradicionais e conserva-
zes descansadasLouvores viemos dar,Ao
eram feitas nas residências das famílias por senhor dono da casa doras Igrejas baiana. Sua veneração ganhou
ordem cronológica dos convidados. Termina- Entremos nessa nobre casaCom prazer e um conjunto de ritos, recitados-bailados-can-
va a Chegança com batalha simulada entre alegriaLouvores viemos darA Jesus Filho tados, considerados sagrados, para servirem
mouros e cristãos. de Maria. de motivos de fé até aos lugares longínquos e
25 CARVALHO, Ozimo de. O Homem (XII Capítulo). In: ____________. Retrato de um Município. [S.l.]: [s. ed.], [s. d].
26 FURTADO, Raimundo Nonato Travassos. Minha Vida, Minha Luta. 2. ed. São Luís: Gráfica Aquarela, 2005. p. 172.
27 MENDONÇA, Sálvio. História de um menino pobre. 23. ed. São Luís: Aquarela, 2004. p. 71.
28 A transcrição dos textos evidentemente não é integral. Foram selecionados aqueles que, de acordo com a visão da autora, melhor ilustrariam o enredo
desenvolvido. Isto no caso de entrecho dramático, pois a seleção da marcha de rua foi simplesmente aleatória. Como transcrevemos partes de Cheganças de
diferentes localidades, indicamos sempre a procedência da versão transcrita.
29 O exemplo do que fora observado por Andrade (1959, p. 172); os nossos informantes dizem o anau em lugar de a nau.
30 CF. MAGALHÃES, Arlindo de. São Gonçalo, História ou lenda. (s.l.): Ed. Amarante Magazine, Paróquia de São Gonçalo, 1995. p. 62.
Boletim 51 / dezembro 2011 13
CONTINUAÇÃO

com pouca assistência sacerdotal. Mas a fata- ternalização, a partir de memória e do contex- na (o divino e o demoníaco). Já foi dito, por
lidade do ortodoxismo católico proibiu sua jor- to atual vivenciado. diversas vezes, que a expressão gestual foi a
nada na Nave-Mãe de suas Igrejas, para justi- Nos momentos festivos do Brasil colonial, primeira forma de comunicação do homem. E
ficar o sagrado profanado. foram os cortejos sacros, que teatralizados, se a dança, sua primeira forma de manifestação
No entanto, não foi só em São Salvador tornaram uma realidade na consolidação da fé corporal lúdica. Depois disso, as mudanças das
da Bahia que São Gonçalo do Amarante des- católica. Nessa marcha civilizatória e de evoca- organizações sociais em qualquer cultura no
pontou em fervorosas louvações e extremas ção, os bailados se inseriram na construção so- mundo, principalmente no Brasil, se diversifi-
adorações. No Maranhão, ele foi e continua cial e religiosa de todos que aqui se encontra- caram e enriqueceram, ou desaparecem dian-
sendo até os dias atuais, entre outros Santos vam estabelecidos, que, a depender das influ- te das exigências da contemporaneidade.
de devoção, o mais venerado por homens e ências étnicas, passaram a evidenciar os passos A sensibilidade do século XXI nos permi-
mulheres das áreas rurais, que buscam, em marcantes, especialmente de índios e negros. te perceber que algumas sonoridades tidas
suas adorações, louvações e promessas, os alí- Isto se deve a forma como foi implantada, como estranhas no século passado já estão as-
vios para as mazelas que lhes afligem; pagan- em princípio, a educação na Colônia, sobre a similadas e, muitas vezes, até banalizadas, mas
do as benesses recebidas com o prometido maestria da Ordem dos inacianos, rigorosamen- também recriadas nos ritmos e tempos passa-
“Baile de São Gonçalo”. O seu bailado como te militarizados, verdadeiros Soldados de Cris- dos-presentes; resgatando e fortalecendo, as-
tantos outros que chegaram ao Brasil, no perí- to. Os rigores das disciplinas religiosas eram sim, a nossa diversidade cultural, frente à mas-
odo colonial, perderam as suas tradições religi- tão resguardados, que os alunos dos colégios sificação da Indústria Cultural, através dos
oso-alegórico-educativas nas Igrejas dos cen- dos jesuítas contavam com raríssimas oportu- espetáculos comerciais.
tros urbanos, indo se concentrar nos povoados nidades de diversões. Tão rigoroso era o regi- Estas mudanças nos remetem à origem da
e nas fazendas, onde a religiosidade e o folclo- me que a música nas primeiras escolas do Bra- Chegança, trazida de terras lusitanas e logo
re são mantidos ainda vivos. O escritor Louri- sil era a promovida uma vez por mês, durante
absorvida com força de cultura, no seio de gru-
val de Jesus Serejo Sousa (2002)31, através da a reunião dos alunos para tirar o santo: uma
pos indígenas, de negros e, posteriormente, no
prática de recolhimentos de lembranças, como espécie de patrono das turmas durante o mês
de mestiços. Hoje, como um retrato empoeira-
forma de valorização das memórias e recorda- seguinte. Um importante exercício de regozijo
do, jogado nas lacunas vazias do espaço cultu-
ções de indivíduos por meio de depoimentos, e arte, definido como bailado escolar, em que
ral de Viana, pretendemos resgatar a memória
transcreveu, em sua obra O Baile de São Gon- os jovens tinham oportunidade de dançar en-
referente a sua cultura, em especial a Chegan-
çalo, informações inéditas, que lhes foram pas- tre eles. Foi assim durante muito tempo essa
ça. A palavra Resgatar, por si só, é muito forte
sadas pelos entrevistados, com ajuda de re- obrigação, um puro movimento coreográfico;
para um esquecimento coletivo, diante da pro-
cursos da memória oral. eram verdadeiras escolas de artes e ritmos har-
posta de modernidade da igualdade na dife-
Essas representações seculares aparecem mônicos.
com grande frequência nas regiões onde a força A originalidade da abordagem histórica rença. Para isso, buscamos uma ajuda referen-
laboral dos escravos era mais volumosa; ou seja, da Chegança no Brasil tem, nos escritos do cial, para explicar esse fenômeno. Encontramos
Norte, Nordeste e do Estado de São Paulo para pesquisador Antônio Osmar Gomes (1941)32, essa ajuda na obra de Inês Barbosa de Oliveira
cima. Raramente são encontradas no Sul. Na as sutilezas da grandeza teatral de um drama e Paulo Sgarbi (2002)34 Redes Culturais – Diver-
verdade, com auxílio de especialistas, algumas representado a céu aberto, para que todas as sidade e Educação, no artigo Da diversidade nós
manifestações culturais parecem estar ganhan- camadas sociais tenham acesso às suas ence- gostamos, já que toda unanimidade é burra.
do nova força e voltando com renovado impacto nações. Como o processo cultural é dinâmico, os
ao mundo de nossa cultura. Em certos Estados É comum que se tente explicar a Chegan- valores culturais, na pós-modernidade, passam
como Maranhão, Minas Gerais Paraná e Rio ça pela origem etimológica da palavra ou pela de cultura popular à produção da indústria cul-
Grande do Sul, diversas agremiações sociais são história do seu surgimento. Mas Oneyda Al- tural (Jardim, 2005)35, no sentido que:
formadas com o fito de preservar e divulgar a varenga (1950)33 explica a Chegança, não só
cultura local, rememorando a sua origem. circunscrita aos antigos romances, mas tam- Vivemos num momento em que os valo-
bém difusa na população que acredita nas for- res culturais passaram a ser objeto de con-
Considerações finais ças da natureza, no poder do Santo Padroeiro sumo e fazem parte da economia, geram
empregos em diferentes níveis da socieda-
de sua Terra Natal e nas tradições legadas,
de. Passam a ser administrados pela cha-
É sempre difícil entender o momento atu- hoje, bem preservadas no Nordeste. Oneyda mada indústria cultural36, responsável pela
al e tirar dele as possíveis coerências quando Paolielo de Alvarenga foi uma folclorista de divulgação e consumo de valores culturais
se olha para o passado. Já que esse passado é audição apurada, explicou o que ouviu e o que locais e regionais. A cultura local torna-se
composto de diferentes momentos. Passado sentiu, quando fixou o olhar nas faces dessa objeto de consumo, transforma-se num
este cheio de pegadas e significados, que apon- gente humilde, mas com o coração feliz por bem econômico.
tam as chaves ocultas da nossa formação his- participar dessa dança.
tórica. Estas marcas emitem uma sonoridade Sabe-se, hoje, que os homens dançam por O que se percebe claramente é que este
acústica diante das novas descobertas. Veja- espírito lúdico, socializante, uma espécie de processo permite a expropriação do lúdico e
mos, entretanto, que a música nos permite extravasamento de alegria, comemoração de do espontâneo daqueles que não conseguem
conversar sem tradução, enquanto a dança nos vitórias, celebração de fatos. Dança com sua ser absorvidos por essa chamada economia
leva a externar a sensualidade mais profunda nova expressão estética. Mas também conti- cultural, que se torna cada vez mais globaliza-
da expressão corporal. Neste encontro de emo- nuam dançando de forma oblacional, ritual, da, diante de um mercado em constante ebu-
ções e sensações orientadas, o corpo aceita a homenageando seus deuses e invocando seus lição, provocada pelas mudanças culturais, e
dramaticidade como coadjuvante de sua ex- antepassados, assim como a dualidade huma- nas políticas locais.

31 Cf. SOUSA, Lourival de Jesus Serejo. O Baile de São Gonçalo. São Luís: AML, 2002.
32 GOMES, Antônio Osmar. A chegança, contribuição folclórica do Baixo São Francisco (texto musical). Rio de Janeiro: Liv. Civilização Brasileira, 1941.
33 ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. Porto Alegre: Editora Globo, 1950.
34 Cf. OLIVEIRA, Inês Barbosa de; SGARB, Paulo. (Orgs.) Redes culturais, diversidades e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
35 JARDIM, Antonio de Ponte. Palestra proferida no XI Congresso Histórico-Cultural de Viana e do Meio Ambiente do Rosário de Lagos do Maracu, de 13
a 16 de julho de 2005, no Centro de Treinamento da Diocese de Viana. Realizado pela Fundação Nezinho Soares.
36 A indústria cultural é geralmente controlada pelo poder estatal e opera conjuntamente com empresas privadas nacionais e estrangeiras. Cria e recria um amplo
espaço de trabalho para intelectuais e artistas, no sentido que absorve diferentes profissionais da cultura e das artes. Tem por propósito industrializar o novo,
a novidade, o devir, assim como recriar manifestações culturais existentes, com objetivo de produzir bens de consumo (mercadorias) e gerar lucros. Em geral,
a indústria cultural “organiza-se e altera-se em conformidade com os interesses econômicos e políticos responsáveis pela sua formação” e organização. IANNI,
Octávio. Ensaios de Sociologia da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. P 189-200.
14 Boletim 51 / dezembro 2011

CONTINUAÇÃO

Máscaras e Bailes no Carnaval Josimar Mendes Silva37

A o longo da história da humanida


de, as máscaras foram utilizadas
para os mais diversos fins, de acordo
com a cultura e a religiosidade do povo
que as utilizavam. É um acessório usa-
do para cobrir o rosto com diferentes
propósitos: lúdicos (bailes, carnaval), re-
ligiosos, artísticos, fetiches e de natu-
reza prática (servem de proteção).
Os bailes de máscaras surgiram na
Renascença italiana no século XIV, in-
fluenciados pela popular Commedia
Dell’Arte. Foram os personagens deste
gênero teatral, como arlequim e a Colom-
bina, que serviram de inspiração para os
modelos que conhecemos atualmente.
As fantasias apareceram logo após o
surgimento das máscaras, dando mais vida,
charme e colorido ao carnaval, tanto nos
salões quanto nas ruas. Principais figuras
carnavalescas:
Pierrô – personagem sentimental, tem
como uma de suas principais característi-
cas a ingenuidade.
Arlequim – rival de Pierrô pelo amor
de Colombina, usava traje feito a partir de
retalhos triangulares de várias cores. Repre-
senta o palhaço, o farsante, o cômico. rtins Ribeiro-R
J
Foto Paulo Ma
Colombina – criada de quarto esperta,
sedutora, volúvel, amante do Alerquim; às se usava nessa época era dominó,... Agora a
vezes vestia-se como arlequineta, trajes de le infantil, dando início às famosas mati- pessoa pra não ser reconhecida ia de meia, ia
cores variadas como os do seu amante. Co- nês. Começaram as festas em casas de fa- de luva,... marido dançava com a mulher e o
lombina, como Pierrô e Arlequim, é uma mílias, ao ar livre e até em circo. marido não conhecia que era a mulher dele
personagem da comédia italiana; uma com- Os concursos premiando a mais bela que estava na farra...”38.
panhia de atores que se instalou na França mulher, a fantasia mais bonita e a melhor Os bailes de máscaras espalhavam-se
entre os séculos XVI a XVIII para difun- dança começam em 1909. Os prêmios eram por diversos pontos da cidade, usando no-
dir a Commedia Dell’Arte, forma teatral ori- jóias valiosas, e somente os homens tinham mes como: O Cantareira, Furna do Satã,
ginal com tipos regionais e textos improvi- direito ao voto. Nesta mesma época, a clas- Inferno Verde, Rasga Sunga, Bigorrilho.
sados. se média começava a invadir as ruas com A partir de 1959, os jornais de São Luís
Momo – personagem que personifica outra novidade européia: os desfiles de car- anunciam dificuldades econômicas que
o carnaval brasileiro. Sua figura foi inspi- ros alegóricos, idéia do escritor José de Alen- também afetavam o período carnavalesco e
rada no Bufo, ator português que repre- car. O carnaval crescia a cada ano, passan- provocavam seu empobrecimento. Come-
sentava pequenas comédias que divertia do a fazer parte da realidade cultural do país. çava então uma campanha pelos meios de
aos nobres. Na capital maranhense, São Luís, ha- comunicação com o apoio da igreja e “fa-
No carnaval brasileiro, o entrudo por- via clubes para a classe média como o Cassi- mílias decentes” contra os bailes de másca-
tuguês e as máscaras italianas vêm do perí- no Maranhense, na rua Grande, onde hoje ras, propalando a sua decadência e, ao mes-
odo colonial. O costume de usá-las se acen- é a loja Express. Na atual loja Marisa (anti- mo tempo, pedindo a modernização do car-
tuou no Brasil em meados do século XIX. go Cine Éden) eram realizadas as vesperais, naval.
Somente no início dos anos 1900, foram frequentadas por pessoas de diversos níveis Com o regime militar de 1964, um dos
acrescentados os elementos africanos que sociais. Já o SESI, na rua Grande (hoje Pro- temas do governo era a moralização dos
contribuíram de forma definitiva para o curadoria Geral da Justiça), era o clube so- bons costumes, especialmente da mulher
seu desenvolvimento e originalidade. cial para as pessoas de baixa renda. com a imagem de mães ou moça de família.
O primeiro baile de máscaras que tem Nas festas populares, as mulheres ti- Neste contexto, essas casas de divertimen-
notícia no Brasil foi realizado no Hotel Itá- nham, obrigatoriamente, que usar as más- to passaram a ser repreendidas pela impren-
lia (Rio de Janeiro) em 1840, por iniciativa caras até a meia-noite. Depois daquela hora sa, até que, em 1965, o então prefeito da
de proprietários italianos. seu uso passava a ser opcional. Segundo cidade Epitácio Cafeteira proíbe os bailes
Em 1907, foi realizado o primeiro bai- Dona Celeste Santos: “A fantasia que mais de máscaras...
37 Licenciada em História; pesquisadra de cultura popular; membro da CMF.
37 Ver depoimento publicado em Memória de Velhos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense, vol. 1. São Luís: CMF/FAPEMA, 1977.

p. 89-162.
Boletim 51 / dezembro 2011 15

Observando e anotando:
ONDE MORREU JESUÍNO BRILHANTE39
Raimundo Rocha40

A leitura de uma carta do escritor


Raimundo Nonato da Silva, da-
tada de 01/09/1967, Rio de Janeiro-
deixando o mal por onde passava com
sua horda de malfeitores e desalma-
dos. Raimundo Nonato, desta vez, se
Martins, expoente máximo e que
enobrece a magistratura potiguar, ci-
dadão íntegro, estudioso, inteligen-
RJ, contribuiu para reforçar a dúvi- apresenta investigando a vida do can- te e culto, e, por cujos atributos,
da que alimentamos quanto ao local gaceiro Jesuíno Brilhante, filho de sempre mereceu o respeito e sim-
exato da morte do cangaceiro Jesuí- Patú, então município de Martins, patia de todos os seus conterrâne-
no Brilhante. A história de sua Terra portanto nosso conterrâneo, “o mai- os. Nasce aí na sua afirmação a Ra-
Natal não tem segredos para o autor or cangaceiro do século XIX,” como imundo Nonato, porém, um tercei-
de Zona do Pôr do Sol, especialmente classificara o historiados Gustavo ro local atribuído à morte do herói -
no que diz respeito à chamada zona Barroso 41. bandido patuense.
Oeste, campo das peripécias de ban- Raimundo Nonato, com a dupla Voltemos às páginas 184/185, de
doleiros que infestavam em tempos autoridade de homem de letras e con- Heróis e Bandidos e vejamos a des-
idos, aquela região sertaneja norteri- terrâneo de Jesuíno Brilhante, vai re- crição do episódio ocorrido na casa
ograndense. velar para o Brasil, o que não foi dito do velho Ignácio Seleiro” o qual vale
Raimundo Nonato é um sujeito ou focalizado por Gustavo Barroso, a pena transcrever na íntegra para
incorrigível, filho da serra do Martins, em Heróis e Bandidos, e que perma- que se tenha uma idéia da coragem,
cidade pequena, hospitaleira, exce- nece na memória do povo, em toda a da audácia desse bandoleiro, que
lente pelo seu clima ameno, onde se área que serviu de palco às aventuras soube deixar um halo de admiração
conhece a vida de cada habitante, extraordinárias e audaciosas, pratica- e simpatia, na memória daquela gen-
com todos os pormenores. O autor das por Jesuíno, entre três ou quatro te em toda a zona Oeste potiguar:
de Memória de um Retirante, por isto Estados do Nordeste.
mesmo, indagador, observador, não Escreve Gustavo Barroso, em seu Passando na Vársea de Antônio - diz Gus-
tavo Barroso - Jesuíno encomendou uma
podia deixar de ser bisbilhoteiro. Pes- livro Heróis e Bandidos, às páginas sella ao velho Ignácio Selleiro, ficando de
quisador de água doce, remexe gave- 189/190: vir buscá-la em dia marcado. Chegou uma
tas, papéis velhos empoeirados, lá força da polícia a Caraúbas e o selleiro
Nos últimos dias de dezembro, uma força manhosamente, de acordo com um filho,
atirados sabe Deus quando. Não guar-
guiada pelo Preto Limão conseguiu separá- resolveu fazer prender o cangaceiro, de-
da segredo, “bate logo com a língua lo da Casa da Pedra. Emboscou-se, dispos- morando a entrega da sella até que os sol-
nos dentes”, como se costuma dizer. to a vender cara a sua vida e talvez mesmo dados chegassem. No dia determinado,
É perigoso, engraçado e, às vezes, até a acabar com ela fatigado da tanta luta, no Jesuíno desconfiou da demora do velho
lugar Santo Antônio, entre Caraúbas e em acabar de colocar os ilhós e do seu
inconveniente. Permanece ainda em Campo Grande. Ao se aproximarem os olhar assustado. Ficou de orelha em pé. O
nossa lembrança os repentes gosto- soldados, os velhos companheiros, Manoel seu sentido auditivo apuradíssimo avisou-
sos que divulgou nos seus livros, so- Piry, Pagehú e João Delgado recusaram-lhe o de que vinha gente pela estrada e depres-
bre a dupla impagável de irmãos Chi- obediência, repeliram-no, resolvendo dis- sa. Saltou do cavalo, embebeu a faca no
persar-se. Jesuíno Brilhante, cheio de amar- peito do traidor e entrincheirou-se na casa.
cão e Justino Cocada, Vicente Praxe- go desgosto, foi ao encontro dos inimigos e Quando a tropa surgiu correndo pelo ca-
des, Vitorino da Caeira e tantos ou- morreu, morte digna do vaqueiro exímio, minho, derrubou um soldado com certei-
tros. do cangaceiro heróico que era. ra pontaria. Os outros deram uma descar-
ga. O Brilhante entricheirado continuou a
Vive agora a escarafunchar a vida
Na carta a que nos reportamos matá-los um a um, ora atirando da frente
de cangaceiros. Falou de Lampião. da casa, ora de traz, o que lhes fazia supor
Lampião em Mossoró, é obra indispen- acima, Raimundo Nonato confessa: que havia mais de um inimigo. Retiraram.
sável a quem quer que se dedique ao “Pelópidas afirma que o Brilhante O cangaceiro ganhou o mato e “foi ter à
estudo do banditismo no nosso país, morreu quando foi receber uma sela sua furna (grifo nosso).

mormente sobre a vida daquele que que encomendara.” Reconhecemos o


peso da autoridade e o valor da sua Cabe, nesta oportunidade, regis-
espalhou terror em todo o Nordeste,
afirmação. Dr. Pelópidas foi Juiz de trar uma cena que teria acontecido
durante longos anos, ora matando
Direito durante muitos anos em em Patú, que permanece na memó-
para satisfazer o seu instinto sangui-
nário e perverso, ora saqueando e
39 Nota – Concluído em 02 out. 1967 e publicado no Jornal do Maranhão a 22 out. 1967, p. 6, e no Jornal da Cidade de Pinheiro a 22 out. 1967, p.3. A primeira
metade desse artigo foi incluída por Raimundo Nonato em JESUINO BRILHANTE – O CANGACEIRO ROMANTICO (1844-1879), Rio de Janeiro,
Pongetti, 1970 (p. 189-191). A obra traz a seguinte dedicatória: “A memória de RAIMUNDO ROCHA – nascido em Patú, na mesma gleba de Jesuíno
Brilhante – que tanto me incentivou para fazer este livro e que não chegou a ve-lo publicado porque foi alcançado pelo fim, no meio do caminho. A
homenagem do autor”. Sobre a segunda parte do artigo comentou, em carta de 16/11/1967, seu cunhado José de Aquino: “Muito admira que fatos tão
recentes dêem margem a tamanha divergência entre os historiadores. Acredito que seu artigo tem o mérito de suscitar a questão, ao tempo em que contribui
com um fato novo – a narração de seu padrinho – onde se corrobora a versão da sobrevivência de Brilhante ao episódio da traição di Inácio Seleiro”.
40 Comerciante e escritor nascido em Patu, no Rio Grande do Norte, em 1919, e radicado em São Luís, onde faleceu em 1969. Membro Fundador da
Comissão Piauiense de Folclore.
41 BARROSO, Gustavo (João do Norte). Heróis e Bandidos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917.
16 Boletim 51 / dezembro 2011

CONTINUAÇÃO

ria popular, a qual teve como prota- nenhuma pretenção “publicatória”, Em 1941, vimos a fotografia de
gonista o Brilhante. Ela nos foi trans- como o depoimento de Gustavo Bar- uma caveira, em exposição, em fren-
mitida por meu padrinho Rafael Go- roso, mostram que o célebre bando- te ao Foto Otávio, em Mossoró, com
deiro da Silva, aliás falecido faz pou- leiro Jesuíno Brilhante não “morreu a seguinte inscrição: “CRÂNIO DO
cos meses, prestigioso chefe político quando foi receber uma sela que en- CANGACEIRO JESUÍNO BRI-
de Patú, homem pacato e respeitável comendara.” LHANTE”.
pela sua correção moral. O nosso mestre Câmara Cascu- E José Otávio era jornalista e um
do, cuja autoridade ninguém ousa estudioso, apaixonado pelos proble-
Jesuíno conversava com um amigo, certo contestar, assim descreve a morte de mas de sua Terra.
dia, no fim da feira o sol já se pondo - disse-
me meu padrinho Rafael - no local onde Jesuíno, em sua afamada ACTA Por fim, onde morreu realmente
hoje se ergue a igreja Matriz, quando viu DIURNA (A República Natal-RN, Jesuíno Brilhante? Várzea do Antô-
passar por suas costas, um indivíduo andra- 1942?): nio, Santo Antônio, no município de
joso, com uma criança às costas, acompa-
Caraúbas; ou quando foi receber
nhado de uma mulher. O Brilhante o reco- Em fins de 1879, no sítio “Santo Antonio”
nhecendo, quis investir contra ele dizendo uma sela que encomendara, ou no
município de Brejo do Cruz, na Paraíba,
que ia matá-lo. Seu amigo surpreso e com- água do Riacho dos Porcos, Jesuíno, com sítio Santo Antônio, município de
padecido, o detém: seis fiés, caiu numa emboscada e foi ferido Brejo do Cruz, na Paraíba?”. Tenha a
Não mate este miserável! Basta o que ele
está sofrendo!
de morte. Carregaram-no agonizante. A palavra quem quiser prestar a sua
tropa não o perseguiu. Enterraram no lu-
Jesuíno Brilhante recua dois passos, escarra, gar “Palha”, no meio do mato.
contribuição para que Raimundo
e aponta uma mancha de sangue e furioso: Anos depois, um seu amigo, o médico Fran- Nonato no-la transmita no seu “A
Por causa deste traidor é que estou morto! cisco Pinheiro de Almeida Castro, exumou GESTA DO CANGACEIRO JESU-
o esqueleto, levando a caveira para Mosso- ÍNO BRILHANTE”, pois
Era o filho do velho seleiro que ró. Esteve o crânio na Escola Normal lon-
passava... Este episódio que nos foi gamente. Por ordem do Dr. Castro, o Dr.
Rafael Gurjão entregou-a ao Dr. Juliano Já mataram Jesuíno!
transmitido pelo meu padrinho Ra- Moreira, no Rio de Janeiro. Está possivel- Acabou-se o valentão...
fael Godeiro, em nossa terra, no lo- mente, perdida para os efeitos da identifi- Morreu no campo da honra...
Sem se entregar à prisão...
cal das lutas de Jesuíno Brilhante, sem cação. “Caveira não tem letreiros.

Janela do Tempo
“UMA LUZ VERMELHA ANUNCIA TAINHA-FRITA”42
Astolfo Serra43

S
e à noite, o turista perma crupuloso cuidado para não desagra- ra: a tainha frita.
necer em S. Luís, não dei dar ao freguês. Não tenha receio de se intoxicar,
xe de arruar pelo Ribeirão, Para anunciar a venda do peixe- turista amigo. O peixe é bem cuida-
ou pela rua de Saavedra, onde existe frito, a vendeira não faz alarde. É do. Vem bulindo da pescaria. É lim-
um dos comércios mais típicos da ci- muito procurado o seu mercado. Pa- po com muito asseio e frito em azei-
dade. chorrentamente assentada num tam- te puro. As mãos daquelas negras são
É a venda de peixe-frito. borete, aviva a brasa da sardinha, dei- habilíssimas nesse oficio de fritar. É
Nessas ruas, onde se erguem xa bem frita, corada com arte e espe- uma arte singela, mas que tem o pres-
enormes casarões de dois e até três cialíssimos cuidado. Mais nada. O tigio de alguns séculos.
séculos, há, nos baixos desses sobra- freguês aparecerá inevitavelmente. Se o turista deseja uma nota tí-
dos, toda uma população de negras e Não se fará esperar tainha frita. É pica da cozinha maranhense, não
mulatas, que fritam peixe à porta da muito simples descobrir o ponto de perca essa oportunidade. Deixe
rua, em fogareiros de barro ou de fer- venda. Uma luz vermelha anuncia o anoitecer. Vá pelas ruas do Ribeirão
ro para vender ao público. E uma das peixe-frito. No escuro da rua a lan- ou da Saavedra. Há por ali uma lan-
tradições tipicamente sanluisenses. terninha floresce com simplicidade, terna vermelha? É lá que se vendem
O peixe escolhido é, geralmente, a marcando no vermelho do papel de e que se comem as mais deliciosas
tainha, que é frita em azeite de côco seda da velha lanterna de flandres de todas as tainhas da terra sanlui-
ou gergelim, com muito asseio e es- uma das coisas mais deliciosas da ter- sense.

42 Transcrito de Serra, Astolfo. Guia Histórico e sentimental de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965, p.195-196.
43 Padre que foi ministro do Supremo Tribunal do Trabalho.
Boletim 51 / dezembro 2011 17

AS FESTAS JUNINAS
O Bumba-boi44
Aymoré de Castro Alvin45

O calendário religiosos cultural re-


gistra no mês de junho quatro im-
portantes festas que são celebradas, pra-
bel havia acendido uma fogueira para
anunciar o nascimento do seu filho João.
Embora fragmentários, há, no en-
Abreu, Cel. José Anastácio ou do Cel.
Raimundo Pimenta e depois na casa do
Delegado, Tenente Francisco Castro, o
ticamente em todo país com grande tanto, registros de que os fogos de arti- Chico Castro, Leocádia Maranhão ou
participação popular. Iniciam com as fícios foram incorporados aos festejos do Sr. Lulu Soares, o bumba-boi per-
homenagens a Santo Antonio, pregador juninos, ao longo do século XVIII. corria as ruas da cidade com represen-
eloquente, milagreiro que dá sempre No Brasil, se a riqueza dessas ma- tações de suas histórias feitas nos bair-
uma forcinha nas soluções dos proble- nifestações folclóricas foi introduzida ros da Matriz e no de Alcântara.
mas das moças casadouras. A partir do por negros ou brancos ou se aqui já exis- Pelas notícias eram muito anima-
dia 20, vem as comemorações dos dias tia com os índios, pouco importa. O que das. Segundo Graça Leite, o Ernani e
de São João, São Pedro e São Paulo; e sabemos é que a maior expressão cul- o Chico Leite, Curica, Palmerio Mar-
por fim, São Marçal, fechando assim o tural do período, o bumba-boi, tem a tins, Godi e Jerônimo Peixoto se diver-
ciclo das festas juninas. sua origem aqui, no nordeste, fruto da tiam bastante, observando o desespero
O dia de Santo Antonio, 13 de ju- miscigenação cultural dessas três raças da multidão e dos brincantes com as
nho, é antecedido em geral por deze- que assim concorreram para a forma- chuvas de busca-pés que soltavam, sem
nas de orações que são realizadas em ção deste grande povo. contudo dar atenção à polícia local re-
templos católicos ou nas residências de No Maranhão, a brincadeira hoje presentada pelo Cabo Pedro e Zacari-
devotos. Já os dias dedicados aos outros se encontra espalhada por todo o seu as, que não conseguiam reprimir a brin-
santos são marcados por festejos estri- território, incorporando, ao longo do cadeira, já por diversas vezes proibida.
tamente populares com as mais varia- tempo, variadas influências regionais e Nessa época, destacavam os bois de
das expressões culturais de povos e épo- estilos; o que permitiu a Azevedo Neto Doroteu, de Epifanio Poido, de Aristides,
cas diferentes, dentre as quais se des- dividi-la em grupos, subgrupos e sota- Caetano e Côfo com seu boi de côfo.
tacam, aqui no Brasil, as brincadeiras ques, sendo estes uma característica Nas décadas de 1940 e 1950, Paulo
de bumba-boi, bumba-meu-boi ou boi- individual de cada grupo. Castro deu um cunho empresarial à
bumbá. Além dessas, destacam-se ou- Em Pinheiro, não há registros bem brincadeira. Contratava bumba-boi de
tras, próprias da época como: as qua- definidos sobre o início dos festejos de São Macapá, o boi Portinho, de Guimarães,
drilhas, o tambor de crioula, a dança João com as brincadeiras de bumba-boi. de Penalva, Cururupu, Santa Eulália,
do coco, o forró e muitos outros tipos Sabe-se, contudo, que na década de cujas apresentações eram feitas em
de danças, além de queima de foguei- 1860, o vigário colado da Vila de Santo ambientes fechados para platéias sele-
ras e de muitos fogos de artifícios e do Inácio do Pinheiro, o padre Francisco cionadas pela compra de ingresso.
perigoso costume de soltar balões. Mariano Ferreira, já fazia certas restri- Destes, no entanto, deixou grata
Mas, de todas essas manifestações, ções às manifestações populares como lembrança da época: o boi do Portinho.
a que realmente sobressai pelo forte as brincadeiras ao redor de fogueiras, na As toadas muito bem produzidas, com
apelo popular e comercial, nas regiões praça da Igreja, durante os ofícios reli- invejável enredo e poesia, se compara-
do norte e nordeste, é o bumba-boi que giosos comemorativos do dia de São João. das às muitas que se ouvem hoje, fazi-
marca todo o período que antecede e Outras referências datam de 1872, am do Sr. Rafael, o dono do boi, o ho-
precede o dia de São João. quando da proibição da queima de fo- mem das paradas de sucesso, de vez que
As origens dos festejos juninos se gos, no centro urbano da vila, pelo Pre- suas toadas, além de cantadas o ano
perdem em um passado distante. sidente da Câmara de Vereadores, re- todo, ainda eram tocadas muitas vezes
Os Egípcios, há 3.500 anos, acendi- cém instalada, José Estanislau Lobato, durante o carnaval. O puxador de toa-
am fogueiras e se divertiam em muitas Outras proibições, por sinal, nunca das, o João Botão, era o “pop star” do
danças e bebidas, em homenagem à cumpridas, foram feitas em 1900 pelo momento, quem incendiava o coração
deusa da fertilidade para comemorar a Intendente Cel. João Albino Gomes de das moças que, em comissão e entre
colheita do milho. Esta ocorria no perí- Castro e depois, em 1904, pelo Inten- lágrimas, iam às despedidas do pessoal,
odo correspondente aos nossos meses de dente José Anastácio de Araujo e Sou- quando do retorno ou da faveira ou do
maio e junho, ou mais precisamente no za. Estas já faziam referência explícita porte do Sr. Antenor Correia.
solstício do hemisfério norte, em fins de do uso dos busca-pés pelas sérias quei- E assim, o tempo vai passando atra-
primavera. Essas festas se espalharam maduras que infligiam nos brincantes de vés das gerações que se sucedem, dei-
por diferentes povos e culturas. boi e nas pessoas que iam se divertir. xando uma grata lembrança dos que
Ao longo da Idade Média, elas fo- Nas décadas de 1920 e 1930, as brin- testemunharam tais eventos; cumpre a
ram aos poucos perdendo o cunho estri- cadeiras de bumba-boi continuavam nós transformá-los em histórias para as
tamente pagão e passaram a ser relacio- com as suas características estritamen- gerações vindouras, para que as memó-
nadas com as homenagens que a Igreja te populares. Após as primeiras apre- rias da nossa terra e de nossa gente não
presta a São João. Corria, nessa época, sentações que abriam a temporada re- se percam na capacidade de esquecer
entre diferentes povos cristãos que Isa- alizada na casa do prefeito Josias que o tempo nos impõe.

44 Extraído do livro Coisas da nossa terra: subsídios para a Historia do município de Pinheiro. Coletanea de artigos publicados no Jornal Cidade de Pinheiro de
1921 a 2003, organizada por Francisco José de Castro Gomes. 2004 (p.218-220).
45 Professor da UFMA e membro da Academia Maranhense de Medicina.
18 Boletim 51 / dezembro 2011

CANTIGA DE AMOR E DE SAUDADE À PRAIA GRANDE46


João Moucherek47

Oh, Praia Grande com os teus telhados e paredes azulejadas,


de lindo azulejos, janelas de gradis, movimentos nos portos
que tantasvezes toquei! de embarque e desembarque,
Tenho saudades das belas donzelas Nos armazéns de cabotagem,
nas sacadas transito congestionado,
dos teus velhos sobradões! fico triste!

Para onde foram Outrora,


os teus bondes, eras como um forte coração,
em que eu passeava a acumular riquezas do Maranhão!
quando jovem,
ansioso para passar pelo meretrício Deixaram marcas de progresso, em teu chão,
e olhar mulheres seminuas, de capaciadae,
com supostos sorrisos de honestidade,
pelo amor os Aboud,
ao “pão-de-cada-dia”? líderes dominadores,
em muitas fases,
Por onde anda aquele velho do comércio e da indústria,
que vendia “raspado” como espelho aos concorrentes
na porta da feira,
e que me perguntava: Onde estão os Romão,
“Quer maracujá, e os Joaquim da Casa Ancora?
coco, buriti, Os Santos de Cunha Santos, Jorge Santos,
mamão, caja os Figueiredo, de Figueiredo & Cia.?
ou sapoti”? Os Farias, Moreira & Mendonça,
de Lima Farias e Moreira Sobrinho?
Que-é´do velho Marrhmude Chain, E os seus inesquecíveis pracistas,
O libanes amigo? (esquece-lo não consigo) Pechincha, Benedito Lira, Ferrugem?
Os comerciantes Quantas saudades estão sentindo
Que. Em seu boteco, se reuniam do teu febril aconchego!
Para bate-papos, diariamente?
Eram atraídos Oh, minha triste Praia Grande!
Não so pelo bom paladar O teu por-do-sol, naquele mar bonito,
De sua copa, refletindo o infinito,
Como pelo bom trato dispensado. hoje sofres
a viuvez
E que saudade de Manoel Lages, de uma imprevidência!
Que ti deixou As embarcações que partem do teu porto
Impregnada de exemplos dignos! para o hinterland maranhense,
são naves solitárias,
Oh, minha Praia Grande! cumprindo seus forçados destinos,
Onde estão os teus estivadores como quem perde a luz-da-razão de ser!
terrestres e marítimos,
que eram forças vivas, Depois de batalhas gloriosas,
estivando barcos, lanchas, de penetração no ciclo universal,
batelões e as alvarengas de Booth-Line? o teu cetro se quebrou tristemente,
Que destino teve asa prensa de algodão como um entardecer melancólico...
que trabalhava o nosso algodão de fibra, E, agora,
em resistência sem concorrentes mundiais? estás reduzida
Por que não mais o nosso algodão prensado a um simples projeto,
em fardos de alta densidade retornado às origens!
para exportação?
Triste,
Onde estão as tuas imagens poéticas, diante de ti me vejo.
s teus lampiões, Ajoelho-me.
as tuas seculares escadaris? Beijo o teu chão,
Dormem, certamente, como uma amarga
o sono indolente e triste
dos vencidos! despedida...

Tudo se foi embora, Levanto-me,


como os pássaros do poeta, ando sem rumo,
“em revoada, perdido
para nunca mais voltar”! no teu universo encantador,
e levo comigo
Oh, minha Praia Grande! uma única certeza:
Quando recordo o teu passado, “Estás bem viva,
no meu coração”!

46 Transcrito do jornal Estado do Maranhão – Caderno Alternativo. São Luís. 5/9/1984 – quarta-feira. Exemplar oferecido ao escritor Carlos de Lima com a
dedicatória: “Ao amigo e letrado Carlos de Lima, com abraço e velha amizade de João Mouchrek. 22/4/1989.
47 João Elias Mouchrek, piauiense de nascimento e maranhense de coração, falecido em 17/04/2010, foi um dos fundadores do Moto Club e do bloco Os Vira-Latas.
Boletim 51 / dezembro 2011 19

48
Resumos e Resenhas
SILVA, Geórgia Patrícia da. De Volta à não alcança os dias de hoje. Analisa-se tam- Monografia (Especialização em Historia do
Praia Grande: o “velho” centro com o bém a natureza mutável do patrimônio em Maranhão) – Universidade Federal do Ma-
“novo” discurso. 199 f. Tese (Doutorado em decorrência do uso, desuso e reutilização ranhão -, 2010. Orientadora: Dra. Antonia
Políticas Públicas). – Universidade Federal do espaço urbano, condicionados pelos da Silva Mota.
do Maranhão -, 2011. Orientador: Sergio conflitos em que o espaço é demarcado RESUMO
Figueiredo Ferretti. consoante os interesses das classes domi- Discorre sobre as tradições das comu-
RESUMO nantes. Descreve-se a configuração urba- nidades da Baixada maranhense que pos-
Estudam-se os modos pelos quais, ao na de classes sociais que estão envolvidas suem em seus festejo uma gama de estudos
longo do processo de revitalização do bair- no domínio, produção e disputa do espaço que se volta para a análise de questões como
ro da Praia Grande em São Luís, Mara- no desenrolar das mudanças ocorridas pela diáspora, retorno, identidade, ressignifica-
nhão, os bens culturais foram reapropria- transformação funcional. Abordam-se os ções, fatores que contribuem para que o
dos, demonstrando-se como os mecanismos problemas que a Praia Grande tem enfren- festejo de Santo Antônio contribua para a
utilizados pelo poder público para forjar tado, com ênfase na ausência do poder formação cultural do povoado Rio Gran-
uma identidade sobre o patrimônio edifi- público, que aparece, sobretudo, nas estra- de. A simbologia do festejo nos conduz a
cado contribuíram para mascarar os pro- tégias de promoção da cidade espetáculo, um estudo de caso da terra quilombola do
blemas urbanos da região. Aprofunda-se a enquanto ofusca o esvaziamento urbano Rio Grande, localizada no município de
análise a partir das estratégias de marketing e a racionalidade do capital sobre o centro Bequimão-MA, uma discussão que se pau-
pelas quais a cidade é vendida no mercado antigo. ta em torno dos relatos orais dos comuni-
global, que se consubstanciam em um “car- tários, com o registro da memória coletiva,
tão postal” cuja referência é uma idade de RODRIGUES, Maria Albertina. Rio que objetiva a investigação dos sujeitos
ouro que na Praia Grande é identificada Grande em movimento: tradição e identi- históricos buscando a construção da tradi-
com o período colonial e imperial, mas que dade no festejo de Santo Antônio. 47 f. ção e da identidade do Povoado.

49
Notícias
Livros novos outras histórias ou palhaçadas igualmente
importantes e menos conhecidas, desempe-
neu de Matos, que nasceu em fins do século
XIX no interior do Maranhão e aos vinte
nhadas por personagens cômicos. São as anos imigrou para o Acre, no final do ciclo
CARVALHO, Luciana Gonçalves de. A matanças, comédias, palhaçadas, doidices e da borracha. O trabalho destaca as origens
graça de contar: um Pai Francisco no bum- outras com que Luciana alargou os horizon- maranhenses de mestre Irineu e suas raízes
ba meu boi do Maranhão. Rio de Janeiro: tes da pesquisa e descobriu uma multiplici- entre escravos e indígenas na Baixada Ma-
Aeroplano, 2011, 583 il. dade de formas de atualização em um reper- ranhense. A obra é ilustrada com documen-
tório narrativo diversificado. tos sobre a história e depoimentos de fami-
O livro foi lançado pela autora em São A autora se debruçou sobre a história liares daquele líder religioso.
Luís, na Casa de Nhozinho, com apoio da
de vida de Betinho, um excelente e cativan-
CMF, em dia 27 de outubro de 2011. Nessa
oportunidade, Luciana Carvalho deu uma
te narrador. Os cadernos de anotações e as
conversas com Betinho integram-se num
XIII Simpósio Nacional
visão geral sobre a sua pesquisa, Seu Beti-
nho falou sobre sua experiência e o Prof.
texto composto a duas e a quatro mãos, num da Abhr
desafio à construção da etnografia seme-
Sergio Ferretti, fazendo uso da palavra,
lhante ao que ocorre nos processos de cria- A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
enfatizou a importância da obra e reafir-
ção das histórias do bumba-meu-boi mara- HISTÓRIA DAS RELIGIÕES – ABHR
mou o que já havia declarado em texto pu-
nhense e na perspectiva pós-moderna que realiza em São Luis, no período de 29/05 a
blicado na orelha do livro:
considera o pesquisador e o nativo como 01/06 de 2012, na Universidade Federal do
Este excelente trabalho, fruto da tese autores de representações culturais. Maranhão, seu XIII Simpósio Nacional
de Luciana de Carvalho, defendida no com a colaboração da UFMA (CCH,
IFCS/UFRJ, analisa a trajetória do Pai MOREIRA, Paulo MacRAE, Edward. Eu PPGHIS, PPGCSoc, GPMINA, GP Histo-
Francisco de um boi do sotaque de Zabum- venho de longe. Mestre Irineu e seus com- ria e Religião, GP Estado, Cultura e Teoria
ba, Herbert da Mafra Reis, Seu Betinho, e panheiros. Salvador: EDUFBA – ABESUP; Social), CEHILA, IFMA, CNPq, Paulinas e
do seu modo de contar e interpretar histó- São Luís: UFMA. 2011. 590 pag. Ilust. outras instituições. O XIII Simpósio, que
rias, no cenário do bumba-meu-boi. (...). A tem como tema central Religião, carisma e
pesquisa foi realizada com o boi do grupo Publicado pela Editora da Universida- poder: as formas da vida religiosa no Brasil,
da Fé em Deus, que pertenceu aos finados de Federal da Bahia, Editora da Universida- coincide com diversos eventos em comemo-
Laurentino Araujo e dona Therezinha Jan- de Federal do Maranhão e Associação Brasi- ração aos quatrocentos anos de fundação
sen. Concentrou-se no eixo entre São Luís leira de Estudos Sociais do Uso de Psicoati- da cidade de São Luís. Comemoram-se tam-
e o Norte da Baixada, e incorporou cinco vos, o livro deverá ser lançado em São Luís bém 50 anos da realização do Concílio Vati-
“palhaços” que encenam histórias de vári- no 1º semestre de 2012. Trata-se de uma cano II, 50 anos do Congresso Nordestino
os autores. volumosa dissertação de mestrado elabora- de Evangelização e o centenário de publica-
As histórias narradas fazem parte do da por Paulo Moreira, sob orientação do pro- ção da obra “As Formas Elementares da Vida
repertório do denominado “auto do boi”, em fessor Dr. Edward MacRae, do Programa de Religiosa” de Emile Durkheim, um dos mar-
torno do conhecido relato mítico vivido por Pós-Graduação em Ciências Sociais da cos fundadores dos estudos de Antropolo-
um escravo que pretende saciar o desejo da UFBA. Apresenta muitas informações so- gia na Escola Francesa e das ciências sociais
esposa grávida. Viajando entre São Luis e o bre a história de vida do fundador da reli- da religião. As inscrições serão online no site
interior, Luciana descobriu a existência de gião do Santo Daime, mestre Raimundo Iri- do evento: www.simposio2012.abhr.org.br
48 e 49 Colaboração do GP MINA/UFMA.
20 Boletim 51 / dezembro 2011

PERFIL POPULAR
Mariinha, um modelo na umbanda maranhense
Mundicarmo Ferretti50

M aria José Coelho Sales, mais conhe


cida por Mariinha, é uma das mais
queridas e respeitadas mães de terreiro de
da Santa Terezinha os rituais de tambor
são abertos com o esposo e filhos de Marii-
nha tocando os abatas e o tambor da mata,
umbanda de São Luís. Nasceu em 1942, costumam ser realizados com pontualida-
foi preparada na umbanda pela falecida de e o toque tem qualidade assegurada.
Conceição Moura, a quem esteve ligada Maraiinha realiza ainda, para agradar
desde 1959, participando intensamente a uma de suas entidades espirituais, o ca-
de atividades por ela realizadas até o seu boclo Tombassé, uma brincadeira de bum-
falecimento, ocorrido em 2005. Antes de ba-boi com batismo, no dia 27 de junho,
abrir, em 1982, a Tenda Santa Terezinha, no aniversário de Joãozinho, encantado de
no Conjunto Angelim, "por cobrança do Célia, uma das filhas da Casa, e matança.
caboclo Tombasse", Mariinha já ajudava Tombassé é grande admirador do boi da
as pessoas com seus caboclos. Com a Maioba, pois, conforme nos foi por ela ex-
criação da Tenda, juntaram-se a ela "para plicado, ele é da mata e "caboclo gosta de
prestar caridade": Maria Silva, João de boi de matraca". Por causa da admiração de
Deus, Onorina Moraes-Noca, seus irmãos Tombassé por aquele bumba-boi, Mariinha
de santo, e Antonio França-Totó (todos costuma acompanhá-lo no ensaio redondo
in memorian). A Casa nesses seus 30 anos e morte do boi da Maioba e, no dia 30/06,
de existência tem dado assistência espiri- festa de São Marçal, no bairro do João Pau-
tual a numerosas filhas de santo e tem lo - quando há grande concentração de gru-
atendido a todos que a procuram. Orga- pos de bumba-boi. E, para poder participar
niza durante o ano, na Tenda Santa Tere- da matança do Boi da Maioba, Mariinha
zinha, várias festas em louvor a santos e realiza a morte do boi de Seu Tombassé na
em homenagem a encantados recebidos por 13/5, quando costuma ser realizada na casa segunda quinzena de julho. Apesar de não
ela. E realiza semanalmente, aos sábados, uma brincadeira de Tambor de Crioula; haver gira de umbanda nesses dias, o ritual
Cigana Menina, festejada sem tambor no exige longa preparação e atrai muitas pes-
sessões de caboclo, atendendo aos que a
soas, pois tem toadas próprias e a Casa pre-
procuram em busca de conselho e de alívio dia de Cosme e Damião; Tombassé, filho
para anualmente um mourão ricamente
para as suas aflições. Mariinha é Licencia- do Rei da Bandeira, homenageado na festa
decorado, onde sempre se encontram en-
da em Matemática e tem vários anos de grande da casa, realizada no dia 3/10, data
feites artesanais confeccionados por Ma-
experiência de trabalho em instituições de da festa de Santa Terezinha no calendário
riinha, por Márcia e por outras pessoas de
ensino. católico. A casa festeja também Nossa Se- sua família e do seu terreiro.
As atividades festivas da Tenda Santa nhora da Conceição, no dia 8/12, e realiza, Como geralmente ocorre na umbanda
Terezinha são realizadas com muita dedi- no dia 31/12, uma obrigação na praia. Com da capital maranhense, os toque de tambor
cação. Tudo é feito por ela com muito es- a morte de dona Conceição foram acresci- da Tenda Santa Terezinha incluem doutri-
mero, com a colaboração de seus familia- das ao calendário da Casa duas festas: a de nas cantadas para voduns, como Avereque-
res, filhos de santo, amigos e colaborado- Rompe Mato (15/2), a partir de 2007, e a de te e Badé, e para entidade gentis (nobres,
res. A decoração do salão, as mesas de do- Dom Luís (25/8), a partir de 2008. A de associadas a orixás no tambor de mina),
ces, as lembrancinhas da festa distribuídas Rompe Mato, devido à doação feita por como Dom João e Dom Luis. Nesses to-
aos presentes primam pela beleza e criativi- Dona Conceição, em vida, da estátua do ques são recebidas em transe mediúnico
dade. A ladainha, tirada por ela, e os hinos Caboclo à Mariinha. A festa de Rompe entidades caboclas que não "nasceram"
do catolicismo oficial e popular são canta- Mato era realizada na Tenda São Jorge, de também na umbanda, originarias do Tam-
dos com entusiasmo pela comunidade do dona Conceição, em 28 de outubro. Na bor de Mina, da Cura (Pajelança maranhen-
terreiro e pelas pessoas da assistência. A gira Tenda Santa Terezinha, passou a ser reali- se) ou do Terecô, como Légua Boji, que é
de umbanda é participada por um grupo zada uma semana depois da festa do Cabo- representado em imagem existente na casa
assíduo de filhas da casa e algumas vezes clo da Bandeira. A festa de Dom Luís, 25 desde a sua fundação, como um negro ve-
por pessoas de terreiro amigo ou, como de agosto, veio para a Casa porque, além de lho ligado a atividades rurais, que gosta de
Mariinha, filho de santo de dona Concei- Dom Luis ser "padrinho de cabeça" de beber, dotado de poderes especiais (como a
ção. Durante a sua realização pode se ad- Mariinha, ela já tinha compromisso direto capacidade de se tornar invisível e se trans-
mirar a afinação dos instrumentos e do com a sua realização na casa de dona Con- formar em tronco de árvore - o que parece
canto, a riqueza do repertório, e a beleza da ceição com: Onozinda, Maria Matilde, aludido na imagem existente na Casa).
indumentária e da dança. Magnólia, Pureza, Santa Gorda, estas duas A Tenda Santa Terezinha, como ocor-
Entre as entidades espirituais recebi- já falecidas, e Ana Amélia, filha de Santa re geralmente com outros terreiros de um-
das por Mariinha podem ser citadas: Rei Gorda. Na Tenda São Jorge a obrigação banda de São Luís, não realiza a Festa do
Leão, homenageado no dia 6/1; João da começava ao meio dia. Na Tenda Santa Divino, mas, em 2011, um neto de Marii-
Mata, o mesmo Caboclo ou Rei da Bandei- Terezinha começa às 15 horas, com uma nha foi o Imperador da Festa do Espírito
ra, festejado no dia 8/2, quando ocorre na celebração eucarística seguida de tambor Santo da Casa das Minas e a sua participa-
casa o rito de queimação de palhinhas do e, às 19 horas, ocorre o corte do bolo e dis- ção garantiu o brilhantismo da mesa de
presépio; Preto Velho, reverenciado no dia tribuição de lembrancinhas. Como na Ten- doces e das lembrancinhas distribuídas pelo
Imperador daquele ano.
50 Dra. Antropologia; Pesquisadora de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.

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