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Boletim 53 /dezembro 2012 1

BOLETIM DA CMF Nº 53 DEZEMBRO 2012 ISSN: 1516-1781

Editorial..............................................................................................................................................2
sumário

Michol em novembro: lembranças do canto coral.................................................................................2


Roza Santos

Festas do Divino em São Luís: um retrato de Grupo.............................................................................3


João Leal

Bumba-meu-boi: tradição e modernidade..............................................................................................8


Ester Marques

Corpo Fechado......................................................................................................................................................9
Reinaldo F. Soares Jr.

“Pagar noite” ou “pagar tambor”: a circulação de encantados, pais e filhos de santo


em Codó (MA) ......................................................................................................................................................11
Martina Ahlert

Salve o Rei da Bandeira! A performance do Caboclo da Bandeira em São Luís-MA.................................14


Heriverto Nunes Mendonça Junior

JANELA DO TEMPO: A Procissão dos Ossos...................................................................................17


Astolfo Serra

RESUMOS E RESENHAS................................................................................................................17
GP MINA

NOTICIAS.........................................................................................................................................18
Rosa Santos

PERFIL DE CULTURA POPULAR: Maria Michol Pinho de Carvalho.............................................20


Sergio Ferretti

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CNPJ 00.140.658/0001-07 EDIÇÃO
CONSELHO EDITORIAL Mundicarmo M.R. Ferretti
DIRETORIA Lenir Pereira dos S. Oliveira Sergio Figue iredo Ferretti
Presidente: Sérgio Figueiredo Ferretti Zelinda de C. Lima
Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos
Vice-Presidente: Keila Cristina Santana Pereira
Mundinha Araújo REVISÃO DE TEXTO:
1ª Secretário: Roza Maria dos Santos
2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti Roza Maria dos Santos Joelma Baldez
Sergio Figueiredo Ferretti Diagramação:
1º Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira
Zelinda de Castro Lima Riba Silva
2º Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite VERSÃO INTERNET:www.cmfolclore.ufma.br
Correspondência
Comissão Maranhense de Folclore As opiniões publicadas em artigos
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2 Boletim 53 / dezembro 2012

Editorial MICHOL EM NOVEMBRO: LEMBRANÇAS DO CANTO CORAL1


Roza Santos2

O
Boletim da Comissão Maranhense Michol resolveu nos deixar em novembro, no começo das festividades natali-
de Folclore nº 53 não irradia a mes- nas. Sim, nesse período, ela reunia os corais para o Concerto Para o Menino, com
ma alegria dos lançados nos anos corais infantis, e Cantata Natalina, com os corais de adultos. No primeiro sábado
de novembro, vozes masculinas, noutro sábado, vozes femininas; e, na sequência,
anteriores no mês de dezembro. Apesar do juntavam-se todos os naipes para ensaio geral. O Projeto de Natal do Governo do
“clima” natalino soprando naquela direção, a Estado, criado por Michol, no formato que colocou o canto coral em cena, começou
CMF sofreu em novembro mais uma grande na programação natalina de 1999, do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira
perda, com o falecimento de Michol, um de Filho, em que, além da montagem de um presépio, na Galeria Zelinda Lima, no
Prédio de Exposições, atual Casa da FÉsta, e da II Exposição Arvoredo – concurso
seus membros mais expressivos e dedicados. de árvores natalinas criadas por pessoas da comunidade – criou-se o Projeto Viva o
As palavras de Roza Santos e de Sergio Fer- Menino Jesus, promovido pelo Governo do Estado, através da FUNCMA, realizado
retti sobre Michol, que iniciam e encerram com o apoio da Comissão Maranhense de Folclore, no período de 24 a 26 de dezem-
esse número do Boletim, estão impregnadas bro. Na véspera de Natal daquele ano, foram apresentados, no pátio do Convento
das Mercês (a Igreja do Desterro estava em reforma) e nas igrejas do Carmo, de São
deste sentimento. João, de Santo Antônio, do Rosário e da Sé, concertos com os corais da Ufma,
O número 53 traz um artigo sobre a Festa Vila Lobos, São João, Antônio Rayol, São Luís e os corais infantis Kid’sVoices
do Divino em São Luís, do professor João in Harmony/Icbeu e São João Infantil, seguido de um cortejo natalino com a
Leal, da Universidade Nova de Lisboa, anali- participação dos grupos corais, Banda do Bom Menino do Convento das Mercês e
personagens característicos dos festejos natalinos, como reis magos, anjos e pastores.
sando dados cadastrais da Superintendência O encerramento do evento realizou-se no adro da Igreja da Sé com um concerto
de Cultura Popular do estado, e um artigo coletivo. Nascia, assim, a Cantata Natalina. Nos dias 25 e 26, apresentaram-se gru-
da professora Ester Marques, da Ufma, sobre pos natalinos de Pastores em sete bairros onde foram implantados o Projeto Viva:
tradição e modernidade no Bumba-meu- Liberdade, Vinhais, Anjo da Guarda, Vila Embratel, João Paulo, Bairro de Fátima
e Madre Deus. A programação do Projeto Viva o Menino Jesus encerrou-se em 14
-boi – as duas manifestações folclóricas mais de janeiro, com o ritual da Queimação de Palhinhas no pátio do CCPDVF (Bole-
importantes do Maranhão. tim 15/CMF – Notícias, dez.1999). Em 2000, o grupo Encantando com as Mãos,
Em seguida, são apresentados três traba- formado por crianças e adolescentes com necessidades especiais, e, em 2001, os
lhos: o de Martina Ahlert, sobre a organiza- grupos Unimed, Voices in Harmony/ICBEU (juvenil/adulto) e Veteranos da Ufma
(lê-se Madrigal Santa Cecília) aumentaram as vozes da Cantata. No Natal de 2003,
ção de festejos de santos e encantados em surge o I Concerto para o Menino, abrindo, oficialmente, dia 12 de dezembro a
Codó; o de Heriverto Martins Junior, sobre programação natalina do Governo do Estado, com a participação de 400 vozes de
a performance do Caboclo da Bandeira em 10 corais infantis: Encantando com as Mãos, FUNAC (Florescer e Lírios do Vale),
rituais realizados em terreiros de São Luís, São Joãozinho, Kid’sVoices in Harmony, Amor e Vida, Angellu’s Vox, Quialtera/
Paz e Bem, Filhos do Rei, Recriando o Lúdico/Descobrindo o Saber e Canto dos
e o de Reinaldo F. Soares Jr. sobre “corpo Rouxinóis. Os corais concentraram-se na Praça Valdelino Cécio; seguiram em
fechado” em Cururupu. cortejo pelas ruas do Giz, João Gualberto e Portugal e apresentaram concerto de
Em Janela do Tempo, um texto de Astolfo músicas natalinas nas janelas e portas da Casa do Maranhão, na Rua do Trapiche.
A programação natalina nesse formato tomou conta da cidade! Novembro passou a
Serra evoca tradições maranhenses ligadas
ser o marco dos festejos com os ensaios; o início de dezembro marcado pelas vozes
aos mortos que já não são mais encontradas de crianças e adolescentes abrindo a programação natalina nas sacadas, janelas e
em São Luís, como a Procissão dos Ossos, portas do Palácio do Comércio, antigo Hotel Central, no Centro Histórico, com o
onde o autor reproduz descrições de João “Concerto para o Menino; na segunda quinzena de dezembro, acontecia a “Cantata
Natalina” com os corais adultos. Era assim, tudo organizado, com detalhes. Para os
Lisboa, versos de Augusto Golin e lendas a
corais infantis, o “Concerto para o Menino” e, para os adultos, “Cantata Natalina”.
respeito daquela procissão. Nós, digo nós porque como cantora do Madrigal Santa Cecília estive presente
Em Resumos e resenhas, foram disponibi- em todas as Cantatas, apresentávamos concertos nas Igrejas do Centro Histórico
lizados resumos de três dissertações de mes- – Igrejas das Sé, do Rosário, de Santo Antônio, de São Pantaleão, dos Remédios,
de São João, de Santana, do Carmo e do Desterro. Os concertos nas igrejas se-
trado: duas de Ciências Sociais – de Bruno
guiam um roteiro que, ao término da apresentação de cada grupo, juntavam-se
Azevedo sobre música de seresta, analisando aos outros e saíam em cortejo para a próxima Igreja, tendo a frente personagens
narrativas e espaços sociais da música brega da cena natalina e a Banda do Bom Menino, e os comerciantesda Rua Grande
e choperias de São Luis; e de Maria Zenaide eram brindados com o canto coral. Ao chegar na Igreja do Carmo, cantávamos
três músicas na escadaria e seguíamos em cortejo rumo à Igreja do Desterro, numa
Costa, sobre festa em Pindaré-Mirim como
alegria contagiante, cantando Linda Estrela, Anoiteceu, Feliz Natal, acompanhados
fenômeno social, privilegiando o binômio pela Banda do Bom Menino. De lá, seguíamos em caminhada para a Escadaria do
festa – identidade – e uma dissertação do Teatro João do Vale, na Praça Nauro Machado, onde acontecia o encerramento
Mestrado Interdisciplinar Cultura e Socie- com o grande concerto de 500 vozes dos corais: Antônio Rayol, Som das Águas,
Arte e Canto, ICBEU, UFMA, COLUN Vox, Madrigal Santa Cecília, Madrigal da
dade da UFMA, de Flávia Andresa Oliveira
Emem, Maranatha, Villa-Lobos, São João, Kid’sVoices in Harmony, São Joãozinho
de Menezes, sobre a comicidade na Reisada e o Encantando com as Mãos, que, com luvas brancas, canta interpretando com
de Nazaré do Bruno/Caxias-MA. as mãos. Em 2007, é realizada a última versão desse projeto natalino, “nos moldes
Em Notícias, foram destacados eventos Michol de fazer evento”, promovido por mais de uma década pelo Governo do
Estado, sob a coordenação da Superintendência de Cultura Popular/CCPDVF,
de grande importância na área de folclore e com a participação da Comissão Maranhense de Folclore. Maria Michol Pinho
de cultura popular ocorridos no Maranhão, de Carvalho (*22out.1949 +12nov.2012) inseriu o canto coral nas festas natalinas
no segundo semestre de 2012. da religiosidade popular maranhense, desconstruindo o imaginário das pessoas de
Esperando estar de volta em 2013, com que essa modalidade de canto a quatro vozes – soprano, contralto, tenor e baixo
– é um canto para ouvidos afinados com a música clássica. Obrigada Michol. O
mais dois números do Boletim de Folclore, canto coral agradece.
a CMF deseja a todos um Feliz Natal! 1 Versão ampliada do texto publicado no Jornal O Imparcial, Coluna Opinião, dia 24 nov. 2012.
2 Radialista, amiga e cantora; membro da CMF.
Boletim 53 /dezembro 2012 3
FESTAS DO DIVINO EM SÃO LUÍS: UM RETRATO DE GRUPO
João Leal3

A
s Festas do Divino Espírito Santo O cadastro De forma a melhorar a informação sobre
têm sido uma das expressões da O cadastro de Festas do Divino da o primeiro item – uma vez que me pa-
cultura popular do Maranhão Superintendência da Cultura Popular receu que o número de festas realizadas
que tem sebeneficiado de apoios es- consta de um conjunto de pastas orga- por pessoas era desproporcionado relati-
taduais, encaminhados através da Su- nizadas por município. O número total vamente ao número de festas realizadas
perintendência da Cultura Popular da dessas pastas é de 27. A pasta que consti- por terreiros –, recolhi informação oral
Secretaria Estadual da Cultura. Um tal tui o ponto de partida para a análise pro- adicional sobre mais de metade das fes-
facto reflete a importância que as Festas posta neste artigo refere-se aos “Bairros tas constantes do cadastro, que permi-
do Divino possuem no Maranhão, es- de São Luís” e desdobra-seem um con- tiram tornar mais realista a informação
pecialmente em São Luís, cidade onde junto de outras pastas, correspondentes sobre esse ponto.6 Essa recolha permitiu
muitas festas integram, em plano de a um total de 45 bairros. Abrindo cada também identificar algumas repetições
relevo, o calendário ritual dos terreiros uma destas pastas, acede-se à informa- de informação, bem como um certo nú-
de Tambor de Mina. Mas reflete também ção – organizada numa folha Excel – mero de festas que, embora listadas em
o modo como, a partir dos anos 1960, sobre as festas que têm lugar em cada 2000 e 2001, tinham, entretanto, deixado
diferentes expressões das culturas popu- bairro. Nalguns casos essa folha Excel de se realizar. Não foi assim levada em
lares do Maranhão foram cooptadas pelo é acompanhada de algumas fotografias conta a informação respeitante a 14 do
poder político estadual como emblemas (não datadas e não legendadas). Quanto total de 93 folhas Excel integradas na
identitários do estado. à informação contida na folha Excel, pasta “Bairros de São Luís”. Desta forma,
A concessão de apoios às festas pela reporta-se na sua esmagadora maioria o universo trabalhado reporta-se a um to-
Superintendência da Cultura Popular a 2009, mas muitas folhas possuem, tal de 79 festas referentes a 42 bairros de
envolve uma dinâmica mais ou menos também, dados relativos ao início dos São Luís. Deve, entretanto, ser referido
estabilizada de pedidos escritos, critérios anos 2000 (2001, 2002) e nalguns casos que nem sempre os responsáveis pelas
para a distribuição dos apoios, envio de – 13 – a informação disponível é relativa festas responderam a todos os itens do
convites, etc. Em resultado dessa dinâ- apenas a esses anos. Em cada folha Excel cadastro, pelo que, em relação a alguns
mica, a Superintendência da Cultura a informação está organizada de acordo deles, o universo considerado é inferior
Popular tem acumulado informação com as seguintes entradas: ano a que se a 79 festas.
de conjunto sobre as Festas do Divino. reporta a informação sobre a festa; quem Os números usualmente referidos
Em 2009, essa informação foi trabalha- promove a festa (instituição, entidade, para as Festas do Divino na cidade São
da de forma sistematizada por Beatriz pessoa); nome do festeiro (e contatos); Luís são algo díspares e só uma pesquisa
Pimentel, dando origem a um cadastro ano de início da festa; motivo da festa mais fina poderá quantificar com maior
de Festas do Divino no Maranhão, a que (obrigação, devoção, promessa); progra- exatidão as festas. O que o cadastro for-
tive oportunidade de aceder em 2011, mação da festa, incluindo as datas da sua nece é uma aproximação a esse exercício
no decurso da minha primeira estada realização; figuras do cortejo. No caso de quantificação a partir das festas que
em São Luís, dedicada à pesquisa dessas de festas de obrigação, tendencialmente beneficiaram de apoios estaduais para
festas.4 relacionadas com os terreiros de Tambor a sua realização. Nessa medida, ainda
Este artigo parte da análise dos de Mina, solicita-se também a identifica- que possa não ser esse o número exato
dados do cadastro para propor uma ção da entidade associada à festa.5 de festas, a informação do cadastro
aproximação de conjunto – um retrato A informação referente a cada um fornece uma base razoável para uma
de grupo – sobre as Festas do Divino na destes itens do cadastro tem um valor caracterização das festas em São Luís,
cidade de São Luís. Nele, começo por desigual. Nalguns casos não é completa: que, entretanto, poderá – e deverá – ser
sumarizar algumas das características por exemplo, nem todas as folhas Excel afinada em pesquisas posteriores.
do cadastro, indicando algumas das suas têm informação sobre a programação Estas deverão também dedicar es-
virtualidades e limitações e esclarecendo da festa e as figuras do cortejo. Noutros pecial atenção a algumas das limitações
a metodologia de trabalho que segui. casos, a experiência, entretanto, acumu- da informação do cadastro, referentes,
Procedo depois à análise dos dados lada no decurso da minha pesquisa de sobretudo, ao carácter incompleto e, por
do cadastro, procurando identificar campo, tornou claro que a informação vezes, pouco exato da informação sobre
algumas características mais salientes fornecida pelo(a)s festeiro(a)s não era o motivo da festa (obrigação, promessa,
das festas. Por fim, indico algumas vias necessariamente exata, sobretudo no devoção) e, no caso das festas de terrei-
possíveis de pesquisa decorrentes da tocante à identificação da instituição, ros, à indicação da entidade para quem
análise proposta. entidade ou pessoas que promovem a a festa é promovida. Os dados referentes
festa e à indicação do motivo da festa. à programação da festa deverão também
3 Prof. Dr. Departamento de Antropologia - CRIA (Universidade Nova de Lisboa).
4 Agradeço a Sebastião Cardoso e a Beatriz Pimentel o acesso aos dados do cadastro, bem como o esclarecimento de dúvidas a seu respeito. Este artigo insere-se
numa pesquisa em curso financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (Portugal), através do projetoPTDC/CS-ANT/100037/2008. Em 2011 recebi
também apoio financeiro da Direção Regional das Comunidades (Governo Regional dos Açores) para a minha deslocação a São Luís. No âmbito deste projeto
realizei um total de 5 meses de trabalho de campo em São Luís em 2011 e 2012. Esse trabalho de campo envolveu pesquisa mais detalhada com Festas do
Divino num total de 5 terreiros: Casa das Minas, Casa Fanti-Ashanti, Terreiro Fé em Deus, Terreiro São Sebastião, Casa Ilê Oshé Obá Izô. Agradeço a todo
(a)s os pais e mães de santo deste terreiros, bem como a inúmeras caixeiras (em particular a Dona Jaci e Dona Luzia) o apoio na pesquisa, que não teria sido
também possível sem os conselhos e apoio de Sérgio e Mundicarmo Ferretti, Jandir Gonçalves, Marise Barbosa, Ana Célia Martins e Ester Marques. Agradeço
a Dulcinea Gil o cuidado colocado na elaboração dos gráficos que acompanham este artigo.
5 O termo festas de “obrigação”, embora usado no cadastro, não é um termo de utilização geral nos terreiros de São Luís. Por seu intermédio visa designar-se o
modo como a Festa do Divino é uma obrigação da mãe ou pai de santo para com uma entidade religiosa afro-brasileira devota do Divino Espírito Santo ou do
santo (ou santa, ou invocação de Nossa Senhora) associado à festa.
6 Essa recolha de informação oral foi conduzida junto de duas caixeiras do Divino (Dona Ana Maria e Dona Jaci) e da Superintendência da Cultura Popular
(especialmente a Sebastião Cardoso). Agradeço a toda(o)s a informação fornecida.
4 Boletim 53 / dezembro 2012

Continuação

merecer uma atenção especial, uma vez taque para os bairros do Anjo da Guarda
que na maioria dos casos, reportam-se e Liberdade (8 cada), Coroadinho (5),
exclusivamente à festa, sem indicação de Monte Castelo e Maracanã (4), Centro,
outros rituais que possuem uma relação São Cristóvão e Vila Embratel (3). A
funcional com ela. maior parte das festas surge a partir dos
Com estas ressalvas, o cadastro per- anos 1970 (gráfico 1). Até então, existiam
mite desde já esboçar um bom retrato apenas 20 festas. Nos anos 1970 e 1980,
de grupo das Festas do Divino na cidade o número de festas mais que duplica –
de São Luís. A importância deste retrato de 20 para 47 –, mas a década de maior
deve ser sublinhada. As festas do Divino crescimento é a década de 1990, com um
em São Luís têm sido objeto de várias total de 19 novas festas, número que cai
pesquisas. Algumas delas centram-se em para 12 nos anos 2000.
Festas do Divino precisas (GOUVEIA,
1997, 2001; PAVÃO, 2003; SILVA, 1997). Gráfico 4. Entidades associadas
Outras, embora não dedicadas especifi- às festas
camente às festas, contêm informação
relevante sobre elas, como é o caso de Os dados do cadastro relativos às
muitos livros, artigos, monografias e dis- entidades para quem as festas são rea-
sertações sobre terreiros de Tambor de lizadas são relativamente incompletos:
Mina onde têm lugar Festas do Divino apenas existem indicações relativa-
(BARRETTO, 1967; CARDOSO, 2001; mente a um total de 43 festas, isto é,
EDUARDO, 1948; FERREIRA, 1987; a pouco mais de 50% do total de 79
FERRETTI, M. 2000, 2009; FERRET- festas. Dessas 43 festas, 24 referem um
TI, S. 1995, 2009; LINDOSO, 2007; santo católico – ou uma santa ou uma
Gráfico 2. Tipos de festas
PAVÃO DA SILVA, 1999; PEREIRA, invocação de Nossa Senhora – como a
1979; SANTOS & SANTOS NETO,
Do total de 79 festas recenseadas no entidade a quem a festa é dedicada e
1999). Outras pesquisas têm incidido
cadastro, cerca de 2/3 – isto é, um total 19 referem uma entidade pertencente
sobre as caixeiras do Divino, mas con-
de 61 – são promovidas por terreiros de ao universo das religiões afro-brasileiras
têm obviamente informação importante
religiões afro-brasileiras (cf. gráfico 2). As (gráfico 4). Entre os santos católicos,
sobre as festas em si (BARBOSA, 2006;
restantes 17 resultam de promessas ou destacam-se São Sebastião (4 referên-
CARVALHO, 2005; PACHECO et al.,
devoções de pessoas individuais. Entre cias cada) e São Cosme e Damião, Santa
2005) e existe já um conjunto razoável os terreiros, 51 são terreiros de Tambor
de estudos dialetológicos sobre as festas Bárbara e Santana (3 referências cada).
de Mina e 10 de Umbanda. Entre as entidades afro-brasileiras, os
(ROCHA, 2010a, 2010b;SANTOS et al.,
2010). Neste quadro geral, não obstante a voduns são os mais mencionados (10
existência de alguns estudos de conjunto referências), seguidos dos caboclos (4)
(CARVALHO 2010a, 2010b; FERRET- e dos gentis (3).
TI, S. 1999, 2005, 2007), nota-se a falta Já sobre as datas de realização das
de informação mais abrangente e siste- festas, os dados do cadastro – referentes
mática sobre as festas. Este artigo tem a um total de 73 em 79 festas – voltam
justamente a ambição de ajudar a suprir a ser mais expressivos (gráfico 5). Os
essa lacuna. meses mais fortes para a realização das
Festas do Divino são os meses de maio
e junho. Estas festas – em número de 19
– são geralmente festas que convergem
para o Domingo de Pentecostes, cuja
data – como se sabe – é variável de ano
para ano. O período de julho a setembro
é também um período importante na
Gráfico 3. Tipos de festas realização das festas, com um total de
31 festas distribuídas por 3 meses. Em
Estes dados devem ser confrontados outubro apenas se realiza uma festa,
com os respeitantes à indicação dada mas a partir de novembro o ritmo de
pelo(a)s festeiro(a)s sobre o motivo que realização das festas volta a aumentar:
preside à realização da festa. Embora a 9 em novembro, 4 em novembro/ de-
maioria dos responsáveis pelas Festas do zembro, 6 em dezembro e 3 em janeiro.
Gráfico 1. Anos de criação das festas
Divino – 43 em 79 – responda ser a obri- Os meses que medeiam entre final de
As festas gação a razão para a festa, 34 indicam a janeiro e a Páscoa – fevereiro, março,
Como ficou atrás indicado, o núme- devoção ou a promessa (cf. gráfico 3). A abril – são meses de paragem das Festas
ro total de Festas do Divino na cidade discrepância entre o número de festas do Divino, que são novamente retoma-
de São Luís constantes do cadastro é de por obrigação (43) e o número de festas das em força com a aproximação do
79, distribuídas por 42 bairros, com des- em terreiros (61) deve ser sublinhada. domingo de Pentecostes.
Boletim 53 /dezembro 2012 5
Continuação
tambor de crioula, etc. Entre essas re- das festas ao calendário dos terreiros.
ferências suplementares sobre o script Por essa razão, embora conheçam um
ritual das festas, há, entretanto, algumas pico no período do Pentecostes, as
que merecem um destaque especial. É o festas do Divino distribuem-se ao longo
que se passa com a realização, nos pró- de quase todo o ano, com particular
prios terreiros, de missas com batizados incidência nos períodos situados entre
(3 referências) ou de rituais relacionados julho e setembro e novembro e janeiro.
com os bois de encantado (2 referências). Embora os dados do cadastro sejam,
Mas é, sobretudo, o que se passa com a neste ponto, algo incompleto, tanto a
indicação – em 16 casos – dos toques literatura existente como a minha pró-
de Tambor de Mina como integrando a pria experiência de campo sugerem que
estrutura ritual das Festas do Divino. Se, esta distribuição anual das festas separa-
Gráfico 5. Calendário na maioria desses toques, a referência -as em dois grandes grupos: festas cuja
anual das festas que surge é à entidade afro-brasileira referência católica é exclusivamente o
associada à festa, noutros, esses toques Espírito Santo – a maioria das festas que
O cadastro também recenseia in- são apresentados como homenageando têm lugar no Pentecostes – e festas cuja
formação sobre os personagens e a o santo – ou santa, ou invocação de Nos- referência católica é simultaneamente
estrutura ritual das festas: mas em sa Senhora – associado(a) à festa. o Espírito Santo e um santo (ou santa,
muitos casos essa informação é omissa ou invocação de Nossa Senhora) – cele-
ou existe alguma flutuação no seu grau Tendências gerais bradas, maioritariamente, ao longo do
de pormenor. Apesar de tudo, é possível Apesar das limitações de que possa restante ciclo anual. No meu diário de
indicar algumas grandes tendências. sofrer, a informação do cadastro permite campo, chamei as primeiras de “Festas
A maioria das festas indica como per- surpreender alguns aspetos estruturan- do Divino só” e as segundas de “Festas
sonagens principais da festa o impera- tes das Festas do Divino na cidade de do Divino e” (exemplo: “Festa do Divino
dor e a imperatriz, o(a)s mordomo(a)s São Luís. Alguns desses aspetos têm e Santana”, “Festa do Divino e São Luís”,
régio(a) e mor, um bandeireiro (embora sido sublinhados nos estudos disponí- etc.). Tanto este último tipo de festas
este tenha designações variáveis) e um veis, outros nem tanto. Começarei pelos como o seu desdobramento ao longo do
número variável de bandeirinhas. Mas primeiros. ano são também específicos de São Luís
nalguns casos, em vez do imperador e A informação do cadastro permite Por intermédio dos dados do cadas-
da imperatriz (ou simultaneamente a confirmar a importância das festas do tro, somos também confrontados com
eles) existe um rei e uma rainha. São Divino em São Luís e por extensão no um script das festas que revela uma
também muitos os casos de festas que Maranhão. A comparação com Santa Ca- certa constância, quer quanto aos seus
indicam a existência de um terceiro tipo tarina, um dos estados brasileiros onde personagens principais, quer quanto à
de mordomo(a)s: mordomo(a)s celestes as Festas do Divino têm uma expressão sua sequência ritual. Tal como a litera-
ou mordomo(a)s de linha. Existem mais relevante, é esclarecedora. Lá, no tura disponível tem posto em evidência,
depois referências – menos expressivas conjunto do estado, o número de festas imperador, imperatriz, mordomo(a)s
– a outros personagens que integram os é de cerca de 70 (Nunes 2007), enquanto régio(a) e mor, bandeireiro e bandeiri-
cortejos das festas, com destaque para os só em São Luís, estamos a falar de per- nhas – cargos rituais desempenhados
anjos (ou anjinhos) e para as figurações to de 80 festas. Se admitirmos que no por crianças e adolescentes – são os
das três virtudes cardeais: Fé, Esperança estado do Maranhão o número total de personagens centrais das festas que
e Caridade. Nalgumas festas surgem festas poderá andar – de acordo com as reservam também às caixeiras um papel
também princesas, damas de honor (ou estimativas mais correntes – em cerca de de grande relevo cerimonial. Entretanto,
de honra), aias, juízes e juízas, damas e 150, estamos a falar do Maranhão como parece existir, em muitas festas, uma
vassalos. Para algumas festas são refe- uma das áreas de maior concentração de capacidade de acrescentar, a esses car-
ridas personificações de santo(a)s que Festas do Divino Espírito Santo ao longo gos base, outros que, possuindo embora
acompanham o cortejo e algumas fichas da sua geografia atlântica (formada por denominações variáveis, partilham entre
mencionam também as madrinhas e os Portugal Continental, Açores, Madeira, si uma comum referência onomástica
padrinhos do mastro. Brasil, EUA, Bermuda e Canadá). E à realeza. O mastro e a tribuna surgem
Os dados sobre a estrutura ritual das estamos também a falar da cidade de também como centros fundamentais
festas são relativamente regulares no São Luís como o território urbano onde da coreografia das festas, cuja estrutura
tocante à identificação do script básico as festas apresentam maior densidade. base segue um modelo conhecido, relati-
das festas: abertura da tribuna; busca- A centralidade dos terreiros de reli- vamente constante: abertura da tribuna;
mento e levantamento do mastro; missa, giões afro-brasileiras – particularmente buscamento e levantamento do mastro;
procissão e rituais junto à tribuna no dia dos terreiros de Tambor de Mina – na re- dia da festa, com missa, cortejos, ritual
da festa; derrubamento do mastro. As alização das Festas do Divino da cidade da tribuna e almoço para os Impérios e
referências aos toques de caixa – incluin- de São Luís é outro ponto já sublinhado para os convidados; levantamento do
do alvoradas – são também recorrentes pela literatura disponível e que é confir- mastro. O modo como em todo este
e muitas fichas indicam o número de mado pelos dados do cadastro. Trata-se conjunto de sequências as caixeiras
caixeiras que tocam na festa. Mas depois de uma particularidade das Festas do desempenham um papel fundamental
a informação é muito variável de festa Divino de São Luís, cuja importância deve ser também assinalado.
para festa. Nalguns casos há referências deve ser sublinhada. Ao lado de pontos já formulados
ao carimbó das caixeiras, noutros refere- Em resultado dessa associação na literatura disponível, o cadastro das
-se ao almoço do dia da festa, noutros entre Divino e Mina, existe também festas do Divino de São Luís permite re-
ainda mencionam-se radiolas de reggae, uma estreita associação do calendário ferenciar outros aspetos menos trabalha-
6 Boletim 53 / dezembro 2012

Continuação

dos. O primeiro prende-se à cronologia Nossa Senhora): mas o que a literatura na série que cobre os anos 1993-2003,
de surgimento das festas. Sabe-se – des- existente e a minha própria pesquisa de o número de referências a toques de
de pelo menos Otávio Eduardo (1948) campo sugerem é que mesmo nesse caso Tambor de Mina como integrando
– que a presença das Festas do Divino existe uma articulação entre devoção ca- a programação das Festas do Divino
nos terreiros de Tambor de Mina de São tólica e devoção religiosa afro-brasileira, não ultrapassava em média os 17%. Se
Luís era já relevante nos anos 1940. É entre Espírito Santo, santo e entidade olharmos para os dados de 2011, essa
também conhecido que foi, entretanto, afro-brasileira. Quem já fez pesquisa percentagem sobe,entretanto, para 30%.
em décadas mais recentes que o número em terreiros sabe que essa articulação Isto é, também aqui se encontra a mes-
de festas do Divino – particularmente pode não ser imediatamente revelada ma tendência para o enfraquecimento
em terreiros – se multiplicou. Os dados ao estudioso. Por maioria de razão, do evitamento das articulações entre
do cadastro permitem mapear com parece ser algo que muitos pais e mães Mina e Divino. Se alguns pais e mães de
maior rigor esse processo de crescimento de santo têm dificuldade em admitir na santo – alguns deles bem conhecidos –
das festas, mostrando que, embora com elaboração de pedidos de financiamento continuam a não inscrever os toques de
raízes históricas, o particular relevo que formulados junto de um organismo ofi- Mina nos convites – embora eles tenham
as festas conhecem em São Luís, resulta cial (mesmo que este seja coordenado lugar e sejam considerados pelas pessoas
em larga medida de um movimento de por pessoas que transitam no circuito como parte integrante da festa – um nú-
expansão recente. religioso afro-brasileiro). O baixo número mero crescente de país e mães de santo
O segundo aspeto prende-se com de entidades afro-brasileiras referidas no deixou de ter problemas em assumir essa
os modos de articulação entre festas do cadastro também se insere neste padrão articulação entre Divino e Mina.
Divino e Tambor de Mina. Este ponto já de evitamento de conexões entre Divino Quais as razões para esse evitamen-
foi anteriormente sublinhado mas mere- e Mina. E é de acordo com o mesmo to – nos casos em que ele persiste – é,
ce ser reforçado. Se não fossem as festas padrão que talvez possa ser entendido o pois, uma das questões importantes para
de terreiro, as Festas do Divino teriam também baixo número de pais e mães de análise futura. Nalguns casos – essa
uma expressão quase residual na cidade santo que indicam toques de Tambor de explicação foi-me dada por muitas pes-
de São Luís. São também os terreiros Mina como fazendo parte da festa. Na soas – poderá decorrer do modo como
os responsáveis pela transformação das realidade, tanto as festas que pesquisei, as Festas do Divino são assimiladas ao
festas num ritual que, em vez de se como festas estudadas por outros pes- catolicismo como religião hegemônica
confinar ao período de Pentecostes, se quisadores sugerem que essa articulação e vistas, nessa medida, como um pro-
estende ao longo de quase todo o ano. é bem mais frequente do que se pode jeto de credibilização “branqueadora”
Dito isto os dados do cadastro permitem depreender dos dados do cadastro. dos terreiros de Tambor de Mina, que
levantar alguns pontos suplementares Os dados que acabei de apontar não a aceitação da mistura poderia com-
sobre a relação entre Divino e Mina. significam que não haja um número prometer. O facto de se poder detetar
De facto, esta relação – apesar da sua significativo de terreiros que assumam uma tendência recente no sentido da
importância – não é em muitos casos a ligação entre Divino e Mina. Mas aceitação da mistura poderia, pelo seu
tão transparente assim. sugerem que, para muitos outros, o evi- lado, indicar que as razões subjacentes
Comecei por me dar conta do facto tamento é a atitude dominante. a esse projeto – sentimento de discrimi-
quando fui confrontado, numa primeira nação, interiorização dos estereótipos
análise do cadastro, com um número que Direções de pesquisa hegemônicos – são agora sentidas como
achei excessivo – e todas as pessoas com Uma das direções de pesquisa fu- menos constrangedoras. Noutros casos,
quem falei me disseram o mesmo – de tura que emerge da análise dos dados porém, o evitamento da articulação
festas promovidas por pessoas: 50 num do cadastro tem justamente a ver com entre Mina e Divino pode resultar de
total de 94. Foi em resultado dessa estra- a explicação desta oscilação entre reco- opções anti-sincréticas de alguns pais e
nheza que fiz depois passar pelo crivo da nhecimento e evitamento das articula- mães de santo: como me diziam alguns
informação oral os dados respeitantes a ções entre Divino e Mina. Alguns dados deles “Divino é Divino, Mina é Mina”. A
essas festas, o que me permitiu constatar suplementares a esse respeito devem afirmação era de ordem doutrinária: são
que grande parte delas era afinal pro- ser referidos. Assim, entre 2001/ 2002 coisas separadas que não se misturam.
movida por terreiros. Em muitos casos, e 2009, aumentou em 12 o número de Isso não impede que – pelo menos nos
foi-me dito que isso poderia resultar de pais e mães de santo que substituem a casos que estudei – a articulação entre
informações deficientemente transmiti- promessa (ou devoção) pela obrigação Mina e Divino não estivesse lá, mas,
das. Mas, na maioria dos casos, o que me como motivo principal para a realização no plano discursivo, a preocupação era
foi dito é que alguns responsáveis pelas da festa. Um tal facto sugere que essa com a manutenção de fronteiras entre
festas – basicamente pais e mães de san- atitude de evitamento das articulações catolicismo popular – as Festas do Divi-
to – tinham dificuldades em assumir essa entre Mina e Divino tem tendência para no – e religião afro-brasileira – o Tambor
ligação entre terreiros de Mina e Festas se enfraquecer. de Mina.
do Divino. É na mesma linha que pode É no mesmo sentido que apontam Este é um primeiro feixe de ques-
ser interpretada a discrepância entre alguns dados resultantes da análise de tões. O segundo, que não deixa de estar
o número de festas de terreiro (61) e o convites para Festas do Divino, arqui- ligado com o anterior, tem a ver com
número de festas de obrigação (43) que vados no Centro de Cultura Popular os dados sobre a expansão recente das
assinalei atrás. Claro que muitas festas Domingos Vieira Filho. O número de Festas do Divino realizadas em terreiros.
de terreiro são realizadas também em convites é baixo e deixa de fora alguns Quais são os mecanismos que explicam
resultado de promessas ou como forma anos. O período que vai entre 1993 a essa expansão? Uma resposta possível é
de devoção ao Espírito Santo e/ou a 2003 está completo, mas posteriormente aquela que foi sugerida anteriormente:
um santo (ou santa, ou invocação de só encontrei convites para 2011. Ora, as festas funcionariam como instrumen-
Boletim 53 /dezembro 2012 7

Continuação

to de credibilização “branqueadora” dos UFMA. São Luís, 2001. no Maranhão: Um Estudo Etnográfico do
terreiros. Muitas pessoas também suge- CARVALHO, Luciana (Ed.). Divino toque Modelo Ritual do Ilê Ashé Ogum Sogbô.
riram a importância da implementação do Maranhão. Rio de Janeiro: Centro 2007. Dissertação (mestrado em Ciencias
das políticas de apoio estadual às festas Nacional de Folclore e Cultura Popular/ Sociais) – UFMA. São Luís, 2007.
como motivo para a sua multiplicação. IPHAN, 2005. NUNES, Lélia Silva. Caminhos do Divi-
Os terreiros teriam assim acesso a re- CARVALHO, Maria Michol. O Divino no. Um Olhar sobre a Festa do Espírito
cursos que seriam importantes para as Maranhense no Espaço Sagrado das Ca- Santo em Santa Catarina. Florianópolis:
suas atividades. Mas esta explicação não sas de Culto Afro I. Boletim da Comissão Editora Insular, 2007.
bate certo com o facto de o montante Maranhense de Folclore, n. 46, 9-12, 2010a. OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e Voduns
desses apoios serem, para a grande --------. O Divino Maranhense no Espaço nos Terreiros de Mina. São Luís: Secretaria
maioria das festas, insignificante, face Sagrado das Casas de Culto Afro II. Bole- Estadual da Cultura, 1989.
tim da Comissão Maranhense de Folclore, PACHECO, Gustavo; GOUVEIA, Cláu-
ao volume total de despesas requeridas
n. 47, 9-12, 2010b. dia; ABREU, Maria Clara. Caixeiras do
pela sua realização. O que não quer di-
EDUARDO, Otávio da Costa. The Negro Divino Espírito Santo de São Luís do
zer que as políticas estaduais não sejam
in Northern Brazil.A Study in Accul- Maranhão. Rio de Janeiro: Associação
importantes. Mesmo que o dinheiro
turation.Seattle – London: Universityof Cultura Caburé, 2005.
não seja assim tanto, elas podem ter Washington Press, 1948. PAVÃO, Jacira. Festa do Divino no
tido um efeito de alinhamento dos FERREIRA, Euclides Menezes. Casa Terreiro das Portas Verdes. In: NUNES,
terreiros com uma expressão da cultura de Fanti-Ashanti e seu Alaxé. São Luís: Izaurina (Org.), Olhar, Memória e Refle-
popular a que o estado reconheceu um Editora Alcântara, 1987. xões sobre a Gente do Maranhão. São Luís:
valor patrimonial acrescido. Mas pode FERRETTI, Mudicarmo. Desceu na Comissão Maranhense de Folclore, 2003
ser que, a par destas explicações, sejam Guma. O Caboclo no Tambor de Mina. (1998). p.171-174.
necessárias outras. Seria importante São Luís: EDUFMA, 2000. PAVÃO DA SILVA, Jacira, 1999, Tambor
verificar a relação entre a expansão dos --------. Identidade e Resistência em um de Borá. A Representação do Índio na
próprios terreiros – que acompanha o Terreiro de Mina de São Luís – MA: a Mina Maranhense. 1999. Monografia de
crescimento da cidade de São Luís – e a Casa de Nagô; In: VASCONCELOS, História – UFMA. São Luís, 1999.
expansão das festas. Dado o modo como, Marcio (org.). NagonAbioton. Um Estudo PEREIRA, Nunes. A Casa das Minas.
já nos anos 1940, a ligação entre festas Fotográfico e Histórico sobre a Casa de Contribuição ao Estudo das Sobrevivên-
e terreiros era um dado adquirido em Nagô. São Luís: Edição do Autor. 2009. cias do Culto dos Voduns do Panteão Da-
São Luís, é natural que a organização p. 10-23. omeano, no Estado do Maranhão, Brasil.
das festas fosse vista pelos pais e mães FERRETTI, Sérgio. Repensando o Sin- Petrópolis: Vozes, 1979 (1944).
de santo que criaram os seus terreiros a cretismo. Estudo sobre a Casa das Minas. ROCHA, Maria de Fátima Sopas. A Co-
partir dos anos 1960 como fazendo parte São Paulo: EDUSP; São Luís: FAPEMA, roa do Rei/ A Crôa do Divino. Variação
do template cerimonial de um terreiro 1995. Lexical nos Cânticos e Depoimentos
de Tambor de Mina. Seja como for, há --------. La FêteduDivin chez leTambour sobre a Festa do Divino Espírito Santo.
outro aspeto importante a ter em conta de Mina. In: Conferência da SociétéIn- In: RAMOS, M. C.; BEZERRA, J. R. M.;
na resposta a esta questão. Os terreiros ternationale de SociologiedesReligions, ROCHA, M. F. S. (Org.). O Português
não podem ser vistos como lugares onde 25, Louvain, 1999. (Comunicação)Dispo- Falado no Maranhão. Múltiplos Olhares.
nível em <htpp//www.ufma.br/canais/ São Luís: EDUFMA, 2010 a. p. 120-131.
a agencialidade das pessoas se limita à
gpmina/textos/10.htm>.Acesso em 07 --------. O Divino Espírito Santo d’Aquém
resposta a constrangimentos e pressões
jul. 2007. e d’Além Mar: Estudo Terminológico In:
vindos de cima. Se calhar as Festas do
--------. Festa do Divino no Maranhão. In: AZEVEDO, M. J. M.; LIMA-HERNAN-
Divino estão nos terreiros, também,
CARVALHO, L. (Org.), Divino Toque DES, M. C.; ESTEVES, E.; FONSECA,
porque - dada a sua importância em do Maranhão. Rio de Janeiro: Centro M. C.; GONÇALVES, O.; VILELA,
São Luís (e no Maranhão de uma forma Nacional de Folclore e Cultura Popular/ A. L.; SILVA, A. A. (Org.), Língua Por-
geral) - elas foram identificadas como IPHAN, 2005, p. 23-31. tuguesa: Ultrapassar Fronteiras, Juntar
um instrumento de particular eficácia --------. Sincretismo e Religião na Festas Culturas. Évora: Universidade de Évora,
nos processos de comunicação entre do Divino. Comunicação apresentada ao 2010 b. p. 144-165.
homens (e mulheres) e deuses que estão Encontro Internacional sobre o Divino, SANTOS, Maria do Rosário; SANTOS
no cerne do Tambor de Mina. Sendo São Luís: SESC, 2007. NETO,Manoel dos. Boboromina. Ter-
assim, o que há também que pesquisar é --------. Querebentâ de Zomadônu. Etnogra- reiros de São Luís. Uma Interpretação
o modo e as razões porque isso acontece. fia da Casa das Minas do Maranhão. Rio Sócio-Cultural. São Luís: SECMA –
de Janeiro: Pallas, 2009. SIOGE, 1989.
Referências GOUVEIA, Cláudia. O Reinado de Vó SANTOS, Wendel; SANTOS, Julian;
BARBOSA, Marise. Umas mulheres que Missã. Estudo da Festa do Divino em um DIAS, Denise. Vô Cantar Avoradinha
dão no couro. As caixeiras do divino no Terreiro de Mina. 1997. Monografia de do Divino Espírito Santo: um Estudo
Maranhão. São Paulo: Empório de Pro- Ciências Sociais – UFMA. São Luís, 1997. Lexicológico da Festa do Divino no Mara-
duções e Comunicações, 2006. --------. As Esposas do Divino. Poder e Pres- nhão”, RAMOS, M. C.; BEZERRA, J. R.
BARRETTO, Maria Amália. A Casa de tígio na Festa do Divino Espírito Santo M; ROCHA, M. F. S. (Org.), O Português
Fanti-Ashanti em São Luís do Maranhão. em Terreiros de Tambor de Mina de São Falado no Maranhão. Múltiplos Olhares.
1987. Tese (Doutorado em Antropologia)- Luís – Maranhão. 2001. Dissertação (Mes- São Luís: EDUFMA, 2010. p. 132-143.
-UERJ. Rio de Janeiro,1987. trado em Antropologia) - Universidade SILVA, Josimar, 1997, Festa do Divino Es-
CARDOSO JR., Sebastião. Nagon Abio- Federal de Pernambuco. Recife, 2001. pírito Santo do Goiabal: uma Abordagem
ton: um estudo sobre a Casa de Nagô. LINDOSO, Gerson. Pluralismos e Diver- Histórica. 1997. Monografia de História
2001. Monografia (Ciências Sociais) – sidade Afro-Religiosa em Terreiros de Mina – UFMA. São Luís, 997.
8 Boletim 53 / dezembro 2012

BUMBA-MEU-BOI: TRADIÇÃO E MODERNIDADE


Ester Marques7

1Apresentação ca o julgamento e constitui a opinião. Por põe a coesão social é a que também leva à
isso, a ética nasce sempre da vontade que fragmentação do conjunto, ao conflito entre
Tema recorrente entre os que tomam é intenção sobre algo ou alguém. o individual e o coletivo. Nesta perspectiva,
o Bumba-meu-boi como objeto de análise Essa intenção, por sua vez, leva à refle- falar de memória é falar de identidades múl-
cultural, a relação entre a tradição e a mo- xão sobre as possibilidades do agir que deve tiplas, definidas pelas tendências advindas
dernidade presume à partida uma ligação ser sempre consciente. As possibilidades de da própria subjetividade de cada um. Mas,
espaço-temporal entre elas. A tradição ação resultam, portanto, na capacidade de será que a multiplicidade de identidades e
significando tudo o que está no passado e julgar o que é melhor para o homem e para de papéis que o sujeito assume na sua vida
a modernidade, tudo o que está no presen- os outros homens que o rodeiam. E, por resulta em alguma consistência ética da
te. Para além deste senso comum, e já do fim, passada essa fase de julgamentos, a memória? Produz, como pergunta Ulpiano
conhecimento de todos, evocamos as duas ação que resulta deste processo é a escolha de Menezes, alguma consciência política?
categorias como atemporais, presentes que deve levar em consideração os meus/ A primeira questão é que a memória é
em todas as épocas e em todos os locais, os teus/os nossos interesses, a partir das seletiva, é inclusiva, é exclusiva e, sendo as-
dependendo do papel social que cada um características como o bom, o belo, o bem, sim, é um mecanismo de esquecimento pro-
assume na relação. o ethos ou costume/hábito, a legalidade, a gramado. O que isto quer dizer? Que nesse
De fato, como duas categorias que legitimidade, o altruísmo e a eticidade, isto processo de seleção, inclusão ou exclusão
coexistem em todas as épocas e espaços, é, um modo de ser ético. (registro, retenção, reciclagem, eliminação),
como elas se articulam para estabelecer Sendo assim, é a linguagem que garante a memória se sustenta na cultura para saber
a experiência que sedimenta a memória? as escolhas, que permite diversificar a ex- o que é para ser lembrado (rememorado) e
Primeiro, quando o indivíduo consegue periência intrassubjetiva (comigo mesmo); o que é para ser esquecido; o que é para ser
articular a abstração ou percepção (senso- intersubjetiva(com os outros); e extrassub- dito e visto e o que não é; o que é para ser
rial) do mundo material com a produção jetiva, ou seja, com o mundo instituindo modificado e o que não é. Toda memória
de um conhecimento sobre esse mesmo significados e produzindo sentidos a cada é ação e é também representação e, nesta
mundo, ou seja, quando consegue organizar ação. Em outras palavras, é a linguagem, perspectiva, a sua natureza subjetiva se
eventos/fenômenos, tendo como base a por meio da experiência, que sedimenta a confunde com a sua natureza objetiva.
intenção, a previsão e a razoabilidade que cultura e, por sua vez, elabora a memória Mais do que nas outras camadas de
tem da realidade. É esta organização que social (o conhecimento das coisas, o modo cultura, é na cultura folclórica que a remi-
nos permite falar de cultura, um processo de fazê-las e as intenções de como fazê-las), niscência, isto é, a memória esquecida é
resultante da singularização dos fenômenos, porque pressupõe interlocutores dialogan- ação quando os gestos e comportamentos
do reconhecimento da linguagem como do sobre os seus interesses individuais e que fundamentam determinado ritual são
parte deste processo e da articulação da coletivos. rememorados a cada repetição. Ao longo do
experiência com a memória para formar a tempo, embora o ritual continue a ser rea-
identidade tanto individual quanto coletiva. 3 Cultura e Memória lizado os seus sentidos vão desaparecendo
(memória como representação) ou adotando
2 Razão Humana e Intenção Ética Mas, a cultura também é capaz de fan- novos significados e novas funções, resultan-
tasiar a realidade, através do imaginário e, do sempre em recombinações dos vestígios
Todos os seres da natureza possuem ao contrário do que se pensa, a fantasia não das lembranças passadas e presentes.
um determinado tipo de razão quaisquer está contraposta à memória, mas se alimen-
que sejam estes seres. Todos os seres so- ta dela, combinando e recombinando os 4 Tradição e Modernidade
ciabilizam o seu comportamento com os dados da realidade. Ao tornar este processo
pares; dominam um determinado tipo de dinâmico, a fantasia amplia a memória infi- Daí que tratar de um tema como esse,
linguagem; desenvolvem práticas de poder nitamente, além da experiência individual tendo como exemplo o Bumba-meu-boi,
semelhantes ou dessemelhantes no do- para formar a coesão social – necessária para exige um esforço complementar para
mínio onde se encontram; adotam rituais criar as condições de pertencimento. Nesta além da simples relação entre um passado
e padrões de moral, de alimentação, de análise, a memória que nos interessa aqui é que se desfez e um presente que se refaz
sexualidade e de relação com os parceiros e a memória coletiva que se fundamenta nas permanentemente. Primeiro, só podemos
com a comunidade envolvente. O homem redes de interação, baseadas na comunica- complementar a relação entre esses dois
se encaixa nesta análise como mamífero, ção humana. termos se pararmos de pensar em resgatar
mas a sua condição humana permite que Daí que, podemos dizer que a memória o folguedo como se ele tivesse fugindo da
ele continue desenvolvendo sua razão de é histórica, porque está sempre vinculada história. O máximo que conseguimos com o
um modo diferenciado dos demais seres a uma experiência, a uma cultura. A his- nosso segundo olhar é recuperar suportes da
da natureza. Mas, então, partindo desse tória não é a disciplina do passado, mas da memória que são capazes de fazer a ponte
pressuposto, qual é a diferença entre a razão diferença. Claro que ela necessita do pas- entre uma memória feita de experiência
dos animais e a do homem? sado para identificar e explicar a diferença, vivida e uma memória externalizada na sua
É que o homem é o único animal que, porque pela diferença se compreende a objetividade.
não somente cria as regras e normatiza o transformação, a dinâmica que rege nossas Só quem conhece o universo simbólico
agir, mas avalia, seleciona, valoriza e trans- vidas. Sem uma ideia do passado que asse- (dificuldades no aprontamento, organização
gride essas mesmas regras, em conformi- gure divisar os sentidos, os mecanismos, as do ciclo ritualístico, relações de poder, de
dade com os seus interesses individuais. E, lógicas, os vetores, os agentes da diferença parentesco, redes conviviais de solidarie-
de que modo, ocorre a transgressão dessas e da transformação, a mudança é ininteli- dade) do bumba-meu-boi, é capaz de com-
regras? A partir da dimensão ética da sua gível, é apenas um fator de angústia. Ora, é preender a sua forma de ser e de estar no
experiência, o que ocorre por meio da a noção de passado corrente entre nós e as mundo, de ser daquela forma e não desta,
linguagem, isto é, da produção de sentidos relações com ele tecidas que estão em crise. de se comportar de uma maneira e não de
que é a base da comunicação humana. É a Esta crise, no entanto, revela o outro outra. Sem esse universo, a experiência
linguagem que permite as escolhas, provo- lado da moeda. A mesma memória que pro- vivida na comunidade vai, aos poucos, se

7 Profa. do Departamento de Comunicação da UFMA; pesquisadora de cultura popular; membro da CMF.


Boletim 53 /dezembro 2012 9

Continuação

transformando em experiência objetivada, uma resposta diferente, mas o problema tristezas ou medos que possamos desenvol-
que se dá fora das pessoas, como se elas não persiste. Se partimos da ideia de que o que ver se não encararmos o problema de frente.
pertencessem àquele lugar, como se não interessa é a diferença, como analisar tanta Só não podemos perder a complemen-
fizessem parte daquele contexto, daquele igualdade ou homogeneidade, já que, por tariedade do olhar (para o passado e para o
mundo vivido. mais que tentemos mudar, trabalhamos futuro) que a memória exige. Precisamos
Em vez de uma memória social, histó- com a categoria do sotaque, por exemplo. passar por entre os muitos olhares que vão
rica e coletiva, temos os lugares de memória Esta categoria inclui todos os grupos que compor esta relação complementar para
(estética fulgurante; musicalidade trans- se assemelham no ritmo, nos instrumentos constituir a identidade a ser salvaguardada
formada; efeitos narcotizantes resultantes utilizados, nos adereços, nas formas de pelo folguedo. A expressão das identidades
das coreografias, influências endógenas e cantar, dançar e teatralizar, na organização individuais, próprias da Sociedade Civil,
exógenas), como diria o historiador Pierre dos seus rituais. deve servir para que a própria Sociedade
Nora, que condensam a memória como Mas, se prestarmos um pouco mais de Civil se renove numa perspectiva coletiva.
espetáculo, como performance e como lu- atenção, verificamos na homogeneidade,
gar de fala. Por outro lado, e apesar disso, a vestígios tanto da memória vivida, como da
própria dinâmica da cultura ao reconfigurar memória objetivada, já que a organização 5-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
a memória em outros parâmetros possibilita delas no presente exige um presente circu-
a criação de novos sentidos, a partir das lante, cujo tempo que não é mais contínuo BARBERO, Jesús Martín. Tecnicidades,
necessidades do presente. e retilíneo, mas volátil e flutuante e cujo identidades, alteridades: mudanças e
No caso do Bumba-meu-boi, não existe espaço exige um domínio sobre a concor- opacidades da comunicação no novo sé-
tradição fora do presente. O passado serve rência, uma autonomia financeira, política culo, In: Sociedade Mediatizada. Rio de
como referência, como memória vivida ou social, resultante do seu poder e uma Janeiro: Mauad X, 2006, p. 51-79.
no nosso esquecimento, mas só podemos rapidez nas decisões que o tornam sempre BRETON Philippe. A utopia da comu-
pensar em tradição se esta for capaz de uma referência para os outros grupos. nicação. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.
conjugar várias temporalidades ao mesmo São essas pequenas referências, tiradas MARQUES, Francisca Ester de Sá. Expe-
tempo. Isto significa que só podemos propor aqui e ali, observadas neste ou naquele gru- riência estética e cultura popular: o caso
alguma referência para o Bumba-meu-boi se po que nos permitem dizer que o Bumba- do bumba-meu-boi. São Luís: Edufma,
partirmos da contemporaneidade que junta -meu-boi manter-se-á ainda por um bom 1998.
o passado e o presente na mesma tempora- tempo como o folguedo que lembramos MIRANDA, Danilo Santos de. Ética e
lidade para desvelar o futuro, ou seja, só po- hoje, apesar das mudanças. Esse olhar posi- cultura. São Paulo: Perspectiva, 2004.
demos analisar as transformações que estão tivo parte do princípio de que os portadores OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Caminhos
ocorrendo no folguedo se tivermos como da memória (os donos, proprietários ou da identidade: ensaios sobreetnicidade e
base os vestígios dos modelos que lembra- organizadores) ou dos lugares da memória multiculturalismo. São Paulo: Fundação
mos. Mas, quais são mesmos os modelos que têm consciência da crise e de que é preciso Editoria da Unesp; Brasília: Pararelo 15,
lembramos? Como enquadrar as mudanças observá-la com duas perspectivas: um olhar 2006.
que estão ocorrendo no folguedo como par- para trás, para o passado (qualquer que seja SILVA, Luiz Martins da.Ética na comu-
te da memória experiência ou da memória ele!) que sirva como referência ética e um nicação. Brasília: Casa das Musas, 2008.
objetiva? Não seria melhor falarmos, então, olhar para frente, para o futuro, de modo WOLTON, Dominique. Pensar a Comunica-
de uma memória em circulação? que a proposta ou as propostas do presente ção. Lisboa: Difel, 1999
Cada uma destas questões exige de nós possam suportar todas as angústias, alegrias,

Reinaldo Freitas Soares Júnior9

N
o município de Cururupu, os imaginário dos cururupuenses. Segundo É preciso explicar que muitas as
moradores acreditam na crença a crença local, a flechada ocasiona febre, enfermidades podem ser de origem es-
do corpo fechado que, segundo moleza no corpo e até morte.10 piritual. Segundo o entendimento dos
os mesmos, é uma espécie de imunidade Uma senhora da região me contou cururupuenses, muitas doenças podem
a algumas enfermidades físicas, psíquicas, que em quem possui o corpo fechado ser ocasionadas por ações não “comuns”
e espirituais. nada entra, nem espírito, nem enfermi- que fogem às explicações da lógica me-
Acredita-se que determinados in- dade. Ela me informou que existem dois dicinal, ocasionadas por esses seres que
divíduos nascem com o corpo fechado, planos de seres que podem atuar sobre constituem o imaginário dos indivíduos.
enquanto outros não. O indivíduo que as pessoas, o hundino e o astral. Os que Mas há doenças que são fruto de traba-
não possui o corpo fechado, mas, ao pertencem ao plano astral seriam os seres lho11, ou seja, de indivíduos que, dentro
contrário; ou seja, aberto, seria propício do céu, de cima, já os pertencentes do do imaginário deste município, são dota-
a doenças e a uma série de infortúnios. plano hundino, seriam os de baixo, como dos de capacidades “extra-comuns” para
Desde enfermidades de origem física às Mãe d’Água. Segundo ela, aqueles que realização de determinadas ações, das
de origem espiritual: mal olhado, flechada não nascem com o corpo fechado podem, mais variáveis possíveis.
de Mãe d’Água, ataque de outros seres de por meio da ação de um indivíduo,fechar Entre as consequências das ações ou
origem sobrenatural que fazem parte do o corpo. atuações dos seres não pertencentes ao

8 Ensaio construído com informações de moradores do município de Cururupu no período de Julho a agosto de 2011.
9 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA.
10 Para maior esclarecimento sobre Mãe d’Água, ver no Boletim da CMF de numero 43 (www.cmfolclore.ufma.br ) uma descrição dessapersonagem que faz
parte das muitas histórias contadas pelos cururupuenses.
11 A palavra trabalho é muito utilizada pelos cururupuenses, significando uma espécie de serviço magico ou espiritualprestado por alguém mediante pagamento.
O trabalho está relacionado à crença de que se pode intervir na vida comum por meio magico.
10 Boletim 53 / dezembro 2012

Continuação

nosso senso comum, mas ao imaginário Outro elemento que necessita de Senhor Deus, Pai Misericordioso,
dos cururupuenses, estão a enxaqueca, esclarecimento é que não existe uma ca- onipotente e justo, que enviaste ao
febre, indisposição, visões de pessoas ou racterística física, ou algo visível em uma mundo o Vosso Filho Nosso Senhor Je-
animais e seres de difícil descrição, como sus Cristo para salvação nossa, atendei
pessoa para saber se ela possui o corpo
a nossa oração, dignando-vos ordenar
também uma capacidade, por muitos não fechado. Só os indivíduos dotados de de-
ao espírito mau ou aos espíritos, que
desejável, de ouvir determinados sons e terminada aptidão podem perceber essa atormentam este vosso servo (dizer o
vozes. Segundo um dos nossos informan- característica, como pajés, curandeiros, nome da pessoa), que se afastem daqui,
tes, o problema não está simplesmente benzedeiras e outras. As pessoas que não saiam do seu corpo.
em ver ou ouvir esses supostos seres, mas pertencem a essas classificações perce- Entregastes a São Pedro as chaves dos
no tipo de atuação que os mesmos fazem. beriam tal característica pela imunidade segredos dos céus e da terra dizendo-
Foi-nos informado que há pessoas que os a doenças e a outros infortúnios, que se -lhe: “O que ligardes na terra será liga-
vêem, conversam com eles e não sofrem acredita não ocorrer com as pessoas que do nos céus, o que desligastes na terra
nenhuma espécie de dano, seja físico ou será desligado nos céus.” (O oficiante
tem o corpo fechado.
psíquico. No entanto, algumas pessoas com a chave na mão direita faz um
Os mesmos indivíduos que podem
só de sentirem a sua presença já passam sinal no peito da pessoa – ou em sua
fazer um trabalho para prejudicar uma própria – como se estivesse fechando
mal. De acordo com algumas explicações pessoa possuem a capacidade de intervir uma porta).
de nosso informante, algumas pessoas não de forma benéfica para a possível vítima, Em vosso nome, Príncipe dos Apósto-
precisão ver ou ouvir esses seres, apenas incluindo a ação de fechar o corpo. Há los, Bem-aventurado São Pedro, fecha
sua presença já os faz sentirem-se mal. determinados procedimentos que indi- a porta desta alma, para que nela não
Senti a necessidade de lhe perguntar víduos realizam para tal. Uma das nossas entre os espíritos das trevas.
como é possível perceber a presença informantes disse que existem orações, Os poderes infernais não prevalecerão
desses seres; ele explicou que as pessoas rezas, ou preparação de certos amuletos, sobre a lei de Deus, São Pedro fechou,
sabem. As de corpo aberto sentem cala- está fechado. De agora em diante, o
como uma bolsinha que o indivíduo usa
frios, palpitação, descritos, por alguns, demônio não poderá mais entrar neste
no pescoço, pendurada em um cordão corpo, templo do Espírito Santo. Amém.
como aceleração do batimento cardíaco, ou no bolso de qualquer peça de roupa.
tremedeira nas pernas e alguns desmaios.
Este tipo de trabalho é denominado Fazer o sinal da cruz. Vá de retro sata-
As pessoas de corpo fechado parecem
por eles de trabalho de proteção. Tentei nás. Rezar um Credo, um Pai-Nosso,
ter uma imunidade a esse tipo de atuação,
obter detalhes sobre essas práticas, mas uma Salve-Rainha (DUMONT, 2012,
esses seres não lhes proporcionam mal es- p. 207-208).
a resistência foi grande, por parte dos
tar. Ao contrário, de uma pessoa que não
informantes. Perguntei como era a for-
possui essa proteção supostamente natu- Pode se constatar que, para rezar a
ma da bolsinha, se continha algo nela e
ral, se não for realizado um trabalho para oração transcrita, não se precisa só de pa-
que tipo de procedimento lhe dava esse
ela, pode chegar a falecer ou enlouquecer. lavras e gestos, mas também de elementos
poder, mas a senhora só me disse que era
Uma terceira informante nos contou o materiais como uma chave, instrumento
pequena [a bolsa].
caso de uma jovem que não conseguia que simboliza o fechamento do corpo,
manter diálogo com pessoa alguma, por Sobre as orações e rezas, perguntei
quais as palavras e como elas são reali- sendo que a utilização da mesma indica
conta de tantas vozes que ouvia “em sua a existência de analogia do corpo com
cabeça”. Segundo ela, é comum vê-la zadas e a resistência foi a mesma. Uma
das informantes disse que não conhecia. uma porta aberta que precisa ser fechada.
falando sozinha na rua. Outra nos disse Todavia, há especificidadesem cada
que Mãe d’Água possui a tendência de Em um segundo encontro,afirmou-nos
ser desconhecedora desses detalhes. caso de fechamento de corpo, exigindo
levar as pessoas para os rios, e, se estas se a realização de atividades peculiares a
encontrarem sozinhas, podem se afogar; Tentei obter essa informação, mas a sua
relutância persistiu. Ela disse que não cada um deles. Segundo uma de nossas
porém não nos foi contado nenhum relato
poderia me dar essa informação, mas informantes, esta ação é relativa tanto à
de afogamento por esse tipo de atuação.
me contou que alguns curadores e pajés pessoa que precisa do tratamento quanto
No entanto, como já mencionamos,
fazem uso da oração de São Cipriano12, à que realiza o trabalho, ou seja, os pro-
não são apenas os seres sobrenaturais que
que isso não é para todos e que nem todos cedimentos dos indivíduos que realizam
atuam sobre os indivíduos, há pessoas
manuseiam esse tipo de oração. Por conta a atividade não são os mesmos. Além
dotadas de determinados tipos de habili-
dessa revelação, fomos atrás da oração, disso, as pessoas que possuem o corpo
dades que podem realizar trabalhos com
que parece ser a transcrita a seguir, pre- abertoe precisam fechá-lo nem sempre
fins dos mais específicos para prejudicar
cedida da recomendação encontrada no conseguem resolver esse problema com
outros, por inveja, ou até mesmo a mando
livro consultado: um único desses procedimentos men-
de um terceiro.
Como mencionamos anteriormente, cionados. Há casos em que é necessáriaa
um indivíduo pode ter o corpofechado por Obs.: Antes de iniciar a oração, quem realização de um trabalho mais longo e
meio da ação de outro, ou seja, de forma
for rezá-la deverá fazê-la em tom baixo, detalhado ou que, inclusive, exige um
em primeiro lugar um Credo. Depois período de reclusão social, que o indiví-
não natural, sendo que se acredita que segure em sua mão direita uma chave,
alguns nascem com esta proteção. No duo fique retido na casa daquele que está
se for em caso de doença, faça uma realizando o trabalho para ele.
entanto, de acordo com o que ouvimos cruz na testa da pessoa (ou em sua
dos nossos informantes esse possível dom própria testa, se estiver clamando por
não é passado hereditariamente. Um pai você) para quem você vai rezar, outra REFERÊNCIA:
ou uma mãe pode ou não possuir filhos cruz na boca, e por último uma cruz DOMONT. Pierre. São Cipriano, o legí-
com o corpo fechado, mesmo se ambos no peito, as cruzes deverão ser feitas timo. Adaptação de Pierre Dumont. 11.
possuírem o corpo fechado. com a chave. ed. São Paulo: Madras, 2012.

12 A fonte que utilizamos é uma adaptação de Pierre Domont, por isso, acreditamos que possa não ser a mesma que fazem uso os cururupuenses, até porque
de acordo com nossa informante alguns possuem essas orações em cadernos ou em uma simples folha de papel, alguns acreditam que possuir o livro de São
Cipriano m sua casa possa trazer infortúnios.
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Martina Ahlert13

C
onsultas, trabalhos, pais e mães de santo. A escolha da entidade homena- trabalho, permitem a realização da noite
de santo renomados, exposi- geada pode ter relação com o santo que de tambor.Na cidade, as redes de ajuda
ção midiática e diversos outros nomeia a Tenda, com promessas, com também se espraiam além da própria
elementos contribuem para a fama da aniversários de confirmação de croa16 família e da vizinhança, quando pais e
cidade de Codó como terra da macumba ou com a ausência de festejo para deter- mães de santo pedem patrocínio em lojas
e da encantaria. Na antropologia, Codó minado santo na cidade. A santa mais ou mesmo auxílio a pessoas de famílias
é referida como cidade berço da religião festejada nas tendas codoenses é Santa tradicionais e com cargos políticos. Es-
afro-brasileira conhecida como Terecô Bárbara, chefe da Encantaria, celebrada, tes últimos, muitas vezes, são acionados
ou Tambor da Mata, religião de transe, como em outras cidades maranhenses, no para ajudar com o transporte de pais
onde são incorporados encantados e tem início do mês de dezembro. e filhos de santo que, vindos de outras
destaque a família de Légua Boji Buá da Os festejos indicam a tenda como tendas e de diversas partes do município,
Trindade, entidade residente nas matas um “... espaço mobilizador de uma rede deslocam-se para prestigiar alguma tenda
da região (Ferretti, M., 2000; 2001; Barros, de relações que inadvertidamente o em festejo. Em alguns festejos, a escolha
2000; Araújo, 2008). transcende” (MOTA, 2009, p.182). E, dos “noitantes”, ou seja, de um grupo de
Atualmente a cidade tem tendas que neste sentido, neste texto, eu gostaria de pessoas responsável por oferecer comidas
se definem como de Terecô, Umbanda falar sobre a organização dos festejos e de e bebidas, servidas depois da reza e da
ou Candomblé, com pais de santo que uma das características fundamentais dos ladainha, é uma das estratégias utilizadas.
possuem iniciação e experiências nestes mesmos: receber as tendas visitantes. Em Fala-se com muito orgulho de como o
diferentes pertencimentos religiosos. Co- Codó, se fala em “pagar noite” ou “pagar festejo “não falhou nenhum ano” mesmo
nheci Codó em setembro de 2010 e per- tambor” quando se visita uma tenda pela quando as condições financeiras não per-
maneci residindo na cidade durante o ano qual se foi, antes, visitado. É uma espécie mitiam servir nada além de café para as
seguinte, com o intuito de desenvolver a de contradádiva que se efetua na partici- visitas. A ausência de recursos, portanto,
pesquisa de campo que serve de base para pação dos festejos pela cidade. não impossibilita pais e filhos de santo de
a escrita da minha tese de doutorado em realizar as rezas e os festejos. Apesar disso,
“Então tem muita festa”
antropologia. No período em que morei receber os visitantes em uma casa bonita,
na cidade, estima-se que existiam entre Os festejos fazem parte das obriga- com muito bolo, chocolate e refrigerante
200 e 250 tendas14 de religiões afro-brasi- ções feitas com os encantados e das pro- sempre me pareceu parte tão constituinte
leiras no perímetro urbano do município. messas aos santos. Em torno dos mesmos da festa quanto a obrigatoriedade cíclica
Isto significa dizer que existe, em Codó, organiza-se o calendário dos pais e mães do ritual. Nesta perspectiva, por ocasião
um grande número de festejos, já que de santo, já que são as datas a partir das do festejo de um pai de santo, opera-se
pais e mães de santo costumam realizar quais se pensa o orçamento do ano e uma transformação na casa e na tenda,
toques de tambor ou giras dedicados aos também os encontros entre membros da que passam por um investimento na
encantados e aos santos. família que moram distante. A realização beleza da aparência exterior, das suas
Neste texto gostaria de discorrer, ain- de um festejo, em Codó, exige uma articu- paredes, das bandeirolas que decoram
da que brevemente, sobre estes “festejos” lação de diferentes fontes de recursos, de o teto. Em cada festejo que se repete, é
realizados nas tendas de pais e mães de forma que são articuladas redes de ajuda preciso haver inovações na decoração das
santo. As tendas, como são chamados os para efetivar estes eventos. tendas, nas flores, nas toalhas do altar -
terreiros na cidade, estão localizadas nos Luiza é mãe de santo de uma peque- que acompanham a feitura das roupas
fundos ou nas laterais das casas de pais e na tenda chamada Santa Helena e tem 72 novas de cada ano.
mães de santo, ocupando, muitas vezes, anos. Festeja, há mais de cinquenta anos, Para falar sobre esta transformação
o mesmo terreno no qual vivem estas pes- uma noite de tambor para São Francisco no espaço das casas e das tendas dos pais
soas e seus familiares. Cada tenda possui de Assis. Com a intenção de realizar o e mães de santo, recorro novamente à
suas atividades específicas, mas todas elas seu festejo faz uma reserva mensal do Luiza. Em 2010, cerca de um mês antes
realizam uma festa maior, denominada dinheiro que recebe como pensão desde do festejo, Luiza contratou um rapaz para
festejo15, para determinado encantado ou a morte do marido. Além deste dinheiro, pintar as paredes da Tenda Santa Helena
santo. O festejo principal de cada salão é Luiza conta com a ajuda de familiares e e desenhar nelas algumas imagens de ca-
do próprio pai ou mãe de santo da casa, amigos, que por intermédio de doações boclos e de anjos. Ainda pintou o quarto
mas, existem outros festejos menores que (de alimentos, velas, foguetes) e também de Sebastiãozinho - um dos encantados
podem ser da responsabilidade de filhos de disponibilização do seu tempo e do seu que recebe e que possui um pequeno

13 Antropóloga, doutoranda em Antropologia Social na Universidade de Brasília e professora substituta do Departamento de Antropologia da Universidade
Federal do Paraná.
14 A Secretaria de Cultura e Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Codó estima que se pode encontrar um número aproximado de 200 tendas no município,
sejam elas de Terecô, Candomblé ou Umbanda. A Associação de Umbanda, Candomblé e Religiões Afro-brasileiras de Codó e Região realizou um levantamento
sobre a quantidade destes locais e afirma que foram encontradas mais de 250 tendas.
15 É difícil estimar a quantidade de festejos realizados na cidade de Codó. Excluindo aqueles realizados por pessoas que não são das religiões afro-brasileiras e que
fazem novenas e festejos para os santos (e não são poucos), se temos uma média de 250 tendas na cidade e se supostamente cada uma delas tivesse apenas um
festejo de três dias por ano, teríamos uma média superior a duas tendas tocando tambor por dia. Essa suposição serve apenas para pensarmos na intensidade
e na frequência das festas nas tendas, já que o número é maior, afinal muitas tendas festejam mais de uma vez por ano e, muitas vezes, os festejos têm mais
de três dias (isso sem tratarmos de toques e giras realizados ‘normalmente’ e não considerados festejos).
16 A confirmação de croa é percebida, por muitos dos interlocutores da pesquisa, como o momento da iniciação de uma pessoa no Terecô. Acontece quando o
encantado se afirma como aquele que chefia a cabeça do médium – já que no Terecô os médiuns recebem mais de um encantado.
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Continuação

quarto nos fundos do salão - e o letreiro uma desuas irmãs, quem costura várias que moram dentro das casas são retira-
com o nome da Tenda, que fica na parede das roupas na máquina de costura que dos dos seus altares e colocados sobre os
da cozinha, já que o salão fica contíguo fica na cozinha da mãe de santo. andores, que decorados com flores e fitas
a casa. A decoração do salão de Luiza se O investimento na beleza das tendas coloridas, seguem carregados por homens
completou com as bandeirolas coloridas, e das roupas é fundamental na preparação e mulheres os trajetos que desenham em
verdes, amarelas e brancas, que preenche- dos festejos e envolve diversas pessoas das seus bairros ou nas principais ruas da
ram todo o espaço do teto. relações de pais e mães de santo. Esta cidade. As pessoas seguem as procissões
Se as tendas passam por uma transfor- ajuda também é importante durante a com velas nas mãos, rezando o terço, ento-
mação na sua apurada decoração, antes do própria realização das festas, que podem ando alguma música cantada em capela,
festejo também se costura a roupa nova. A ter uma duração variada. Basicamente, por carro de som ou tocada por músicos e
roupa das mulheres, para os rituais, é for- existem três ‘tipos’ de festejo que são mais instrumentos de sopro e percussão.
mada de blusa e saia, enquanto os homens recorrentes: os festejos que tocam para Pensando nas procissões, caminhadas
usam calça, camisa ou bata. As roupas va- um santo ou encantado homenageado e movimentos de tomada de rua, realizadas
riam entre as tendas, especialmente no que e duram apenas uma noite de tambor, a partir do festejo, vemos que se a incor-
concerne aos acessórios que são pedidos sendo formado, normalmente, por uma poração dos encantados tem como lugar
pelos encantados e que os personalizam – reza, ladainha, bolo e refrigerante e depois ‘específico’ o ritual dentro da Tenda, eles
como os chapéus de couro. Nem todas as seguido pelo tambor até o amanhecer também tomam o espaço da rua e pas-
tendas dançam com uma farda padrão (ou (podendo terminar em frente a casa, na seiam pela cidade. Assim, na passeata da
seja, com todos os filhos de santo vestidos rua do pai de santo); festejos de nove programação da festa de Mestre Bita do
iguais) e pelo que contaram alguns dos in- noites de reza, sendo que nas últimas três Barão, quando conversava com crianças
terlocutores da pesquisa, essa padronização delas toca-se tambor, tendo um santo ou “carregadas” (incorporadas) por algumas
parece ser uma inovação cada vez mais encantado como homenageado; festejos filhas de santo, percebi que elas mesmas
recorrente na cidade. de nove noites, com tambor sendo tocado iriam participar da passeata. Tal episódio
A noite da roupa nova é considerada todas as noites, nos quais se homenageia aconteceu no âmbito do “festejo de agosto”
a mais importante pelos organizadores diversas entidades. da Tenda Rainha Iemanjá20 e nele filhos
do festejo e a escolha da roupa envolve Como as tendas estão localizadas, na de santo e encantados caminharam e
a participação dos pais, mães e filhos de maior parte dos casos, nos terrenos das dançaram nas principais ruas da cidade, in-
santo, e também dos próprios encantados. casas dos pais e mães de santo, durante terrompendo o trânsito e o comércio local.
Na casa de Luiza, ela mesma costura uma os festejos as próprias casas são ocupadas Nas caminhadas que fazem parte da
miniatura da ‘roupa nova’ do ano seguin- pelos visitantes. São nelas – e também nas programação dos festejos, os encantados
te, que passa pelo aval das suas filhas de casas dos vizinhos, que os filhos de santo se apresentam pelas ruas estendendo o
santo. Na casa de Mestre Bita do Barão, se arrumam, colocando a indumentária caráter de ritual para a cidade. Como
considerado o maior pai de santo da cida- do tambor e se preparando para a entrada continuam atualizando as suas histórias
de, em cuja casa Luiza também “brinca”17 no salão. Como os terecozeiros são notí- de vida (FERRETTI, M., 2000), podemos
com suas filhas de santo, quem escolhe a vagos, nos festejos o tambor começa a ser dizer que atualizam a própria experiência
cor da roupa nova do ano seguinte é uma tocado depois da meia noite, anunciado em Codó, que em alguns casos, é um dos
das entidades que ele recebe, a princesa pelos foguetes. Os dançantes e seus en- seus ‘palcos’ de existência há muitos anos.
Isaurina, que vem apenas em agosto, por cantados ocupam o salão com passos de Assim, ao interromperem o comércio
ocasião de seu festejo. dança rápidos e executados intermitente- da rua mais movimentada da cidade, o
Comprar o tecido e costurar as mente. O tambor é silenciado apenas na cotidiano participa da programação do
roupas é sempre assunto presente nas manhã ou mesmo tarde do dia seguinte. ritual e o ritual se torna parte da rotina
conversas que antecedem as festas. As A festa não se restringe à tenda e à casa do cotidiano - na medida em que os
rendas nas saias e nas blusas são mais ca- dos pais de santo, ela também toma a rua. festejos saem da Tenda e ocupam, com
ras do que os quase oito metros de tecido Não raras vezes a rua da casa é fechada seus personagens, a cidade (CARDOSO,
que podem ser utilizados na confecção de a partir do cair da noite, pois se trata do 2007). Os festejos, desta forma, ocupam
uma saia nova. As tendas se organizam de local onde é instalado o bar, as mesas e o casas, tendas e ruas de Codó. A partir
maneira diversa para a compra das roupas palco da seresta. Em muitos festejos, ao deste momento, eu gostaria de falar de
das filhas de santo, dos abatazeiros18 e ca- mesmo tempo em que o tambor é tocado, uma circulação que também acontece em
baceiros, além das pessoas da diretoria19. acontece algum forró animado por músi- virtude dos festejos, a das tendas que se
É comum que o tecido seja comprado ‘de cos e dançarinos. A festa na rua acontece visitam durante as festas, “pagando noite”.
uma vez só’ em uma loja do comércio da concomitantemente ao festejo na Tenda.
“Pagar noite” ou “pagar tambor”
cidade, para que não se corra o risco de ele Outro momento em que os festejos
terminar e não se ter acesso. Luiza parcela que não se restringem a casa e à Tenda Pais e mães de santo recebem convi-
o valor dos panos para as roupas novasem do pai ou mãe de santo, são as procissões. tes e visitam casas de outros pais de santo
uma loja no centro de Codó e repassa a As procissões promovidas por paróquias por ocasião da realização dos seus festejos.
suas filhas. Elas lhe pagam em parcelas, da Igreja Católica de Codó são as maiores As tendas visitantes podem ser da própria
“para que não fique pesado para ninguém”. da cidade; contudo, muitos dos festejos cidade de Codó ou de cidades vizinhas.
Cada pessoa é responsável pela costura de realizados pelas religiões afro-brasileiras Quando são da própria cidade, em mui-
sua roupa, mas na casa de Luiza é Dica, também tem procissão. Nelas, os santos tos casos, os “brincantes” se deslocam a

17 Brincar é sinônimo de “baiar” e dançar, e acredito que tenha relação com um dos ‘nomes’ pelos quais o Terecô é conhecido, que seja, “Brinquedo de Santa
Bárbara”.
18 Abatazeiros são os homens que tocam tambor nas tendas, também chamados de tamborzeiros.
19 Cada tenda possui alguns cargos de diretoria, que podem variar de uma tenda para a outra. Algumas destas funções são as de presidente, madrinha, padrinho
e fiscais, por exemplo.
20 O Festejo aos Santos e Orixás da Tenda de Mestre Bita do Barão é o maior da cidade. São nove noites, com programação noturna e diurna e recebe espectadores
e tendas visitantes.
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pé, à noite, para as tendas que festejam. O ato de visitar as tendas durante os com pais, mães e filhos de santo, assim
Caminham usando roupas civis e trocam festejos é chamado de “pagar noite” ou como com seus encantados. Busquei
de roupa, em muitos casos, no próprio- ainda “pagar tambor”, como me disse Mãe descrever como os festejos, realizados nas
salão visitante, ou, quando ela é muito Beata, mãe de santo da cidade: muitas tendas de pais e mães de santo da
pequena, nas casas de vizinhos do pai ou cidade, são centrais para pensar a forma
mãe de santo. Não é difícil reconhecer um E tem o festejo da Nilza. E quando termi- como se vive as experiências ligadas às
grupo que se desloca para um festejo, por nou o da Nilza tem o do Café, lá em cima. religiões afro-brasileiras da cidade. Santos,
causa das grandes sacolas de roupa que E quando terminar tem o da Teresa Célia, encantados e orixás são homenageados
comportam as blusas e saias para “baiá”. lá em cima, dia vinte e nove de setembro, nos festejos e a partir destas trocas com as
tudo fazendo Terecô. E tudo sabendo
Depois de estarem prontos para o entidades, também homens e mulheres se
que esse povo vem pra minha festa, que é
“tambor”, o pai ou mãe de santo visitante duas noites cheias de gente (...). O pessoal engajam em um sistema de trocas.
entra no salão conduzindo a sua corrente vem duas noites, então eu tenho que ir Fazer uma “festa bonita” envolve de-
no salão que visita. Antes de começarem duas noites na casa deles. Se eles vêm corar tendas e casas, assim como preparar
a dançar, dão duas ou três voltas no sa- uma noite, eu vou uma noite. Se eles vêm roupas novas costuradas especialmente
lão, apenas caminhando. O pai de santo duas noites eu tenho que ir duas noites. para estes eventos. Contudo, uma festa
Porque uma coisa é a primeira, “Oh, eu
visitante é saudado no microfone por bonita também implica na presença
vim na festa da senhora”, todo mundo
alguma pessoa da casa e é comum que vem. Cada um vem duas noites, cada pai dos visitantes. A participação nas festas
seja convidado para cantar alguns pontos. de santo. A festa do Mundiquinho e a da de outros pais de santo garante ainda a
A partir daí, participam da festa até o Mariquinha são as primeiras, porque eles visita dos mesmos quando da realização
momento em que se retiram, o que pode festejam Santo Antonio, e aí Jesus, São dos próprios festejos, num movimento
acontecer no meio da noite ou apenas ao João, e eu, São Pedro. E o pessoal vem
todinho. Porque cada um tem uma festa
chamado na cidade de “pagar noite” ou
amanhecer. “pagar tambor”. Desta forma, a beleza e
em um mês, e esse mês é que tem mais.
Durante o tambor, as pessoas (normal- Então tem muita festa(Beata, entrevista a boa recepção aos visitantes sempre me
mente pais e mães de santo ou pessoas em 07/09/2011). pareceu fundamental para pais e mães de
importantes de suas casas) se revezam santo por ocasião de suas festas.
puxando os pontos, assim como os tam- Os festejos são ainda um momento
A fala de Mãe Beata deixa explícita
borzeiros alternam entre si o toque do interessante porque desenham trajetos
a quantidade de festejos que acontecem
tambor, levando-o para fora da tenda para na cidade, quando os terecozeiros e seus
na cidade, além de chamar atenção para
continuamente reaquecer sua membrana. as ‘regras’ estabelecidas entre as tendas encantados se colocam sobre a rotina,
Desta maneira, o tambor segue sendo to- que são visitadas e consequentemente interrompendo fluxos, destacando-se
cado durante toda a madrugada, pratica- se visitam. Trata-se de um sistema de com músicas e foguetes, convidando
mente sem interrupções. Algumas filhas dádivas 21 e contradádivas, no qual as para a visita às tendas. Funcionam ainda
de santo param de dançar para descansar pessoas trocam suas presenças e dos seus como momento de encontro, não apenas
por algum tempo em cadeiras ou camas encantados, como mais uma caracterís- entre as pessoas, mas também entre os
da casa do pai de santo dono da festa. tica – juntamente com a decoração, a seus encantados, que aqui no mundo dos
Em festejos que recebem tendas visi- comida, as roupas novas – de uma “festa “pecadores” vem dançar.
tantes de outras cidades ou que provêm bonita”. Neste sistema livre e também
de povoados no interior do município, os obrigatório, tal como sugere Mauss (2003), Referências bibliográficas:
participantes ficam hospedados na casa encantados, pais e filhos de santo vão ARAÚJO, Paulo Jeferson Pilar. Umbandização,
do pai ou mãe de santo que os convidou. criando percursos na cidade, tendo por cadombleização: para onde vai o Terecô? In:
Durante a pesquisa de campo, eu vi pais base o “baiá Terecô”, atividade central na SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEI-
de santo que deslocavam sua própria fa- vida de muitas pessoas de Codó. RA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES, 10.,
mília para um cômodo da casa, recebendo Receber tendas visitantes é também 2008. São Paulo. Anais... São Paulo: ABHR /
os visitantes em quartos e mesmo na sala. um sinal de prestígio do pai de santo e por UNESP, 2008.
isso elas são apresentadas com honrarias, BARROS, Sulivan Charles. Encantaria de
Outras vezes são construídos galpões
Bárbara Soeira: a construção do imaginário do
onde os “brincantes” podem armar suas destacando a importância de sua chegada. medo em Codó/MA. 2000. 163f. Dissertação
redes e deixar seus pertences. Quando As mesmas honrarias são retribuídas nas (Mestrado em Sociologia) – Universidade de
o pai de santo tem melhores condições falas dos pais de santo visitantes. Em Brasília, Brasília, 2000.
financeiras e dispõe de espaço, existem uma reunião da Associação de Umbanda, CARDOSO, Vânia. Narrar o mundo: estórias
quartos (normalmente de taipa) constru- Candomblé e Religiões Afro-brasileiras do povo da rua e a narração do imprevisível.
de Codó e Região, pais e mães de santo In.:Mana, Rio de Janeiro, v.13, n.2, p.317-
ídos com a finalidade de receber filhos 345, out. 2007. Disponível em <revistas.
de santo que vivem em outras cidades presentes conversavam sobre as dificul-
dades que encontravam em relação ao usp.br/cadernosdecampo/article/downlo-
e tendas de outros pais de santo. Nestas ad/43289/46912>. Acesso em 20 jan. 2011.
apoio de iniciativas da Prefeitura Mu- FERRETTI, Mundicarmo.Desceu na guma:
situações, aumenta o consumo de comida
nicipal e como resposta a essa situação, o caboclo no tambor de mina em um terreiro
na festa, porque é comum que a tenda
um dos pais de santo presente enfatizou de São Luís – a Casa Fanti-Ashanti. 2 ed. rev.
que convida, ofereça as refeições para
a necessidade de prestigiar os festejos e, e atual. São Luís: EDUFMA, 2000.
seus convidados. No maior festejo da desta forma, o trabalho dos “irmãos”, no --------. Encantaria de Barba Soeira: Codó, Capi-
cidade, na Tenda Rainha Iemanjá, em caso, os outros pais de santo da cidade. tal da magia negra? São Paulo: Siciliano, 2001.
2011, havia 27 tendas visitantes, prove- Notas finais MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. In:
nientes, além da própria cidade de Codó, Antropologia e Sociologia. São Paulo: Cosac
Neste pequeno texto, procurei discor-
de 11 diferentes cidades do Maranhão e Naify, 2003. p. 183-314.
rer sobre notas etnográficas da pesquisa MOTA, Christiane. Pajés, curadores e encan-
do Piauí. Algumas destas tendas ficaram de campo que realizei, durante um ano, tados. Pajelança na Baixada Maranhense. São Luís:
hospedadas na casa do pai de santo. na cidade de Codó, quando pude conviver EDUFMA, 2009.

21 Segundo Mauss, “Ademais, o que eles trocam não são exclusivamente bens e riquezas, bens móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São, antes de
tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, e nos quais
a circulação de riquezas não é senão um dos termos de um contrato bem mais geral e bem mais permanente. Enfim, essas prestações e contraprestações se
estabelecem de uma forma, sobretudo voluntária, por meio de regalos, presentes, embora elas sejam no fundo rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra
privada ou pública” (2003, p. 190-191).
14 Boletim 53 / dezembro 2012

SALVE O REI DA BANDEIRA!


A performance do Caboclo da Bandeira em São Luis – MA
Heriverto Nunes Mendonça Junior22

A
performance cultural surge ce; pois, na atualidade, a manifestação Richard Schechner (2002) também
com a idéia de analisar as ações popular, principalmente a de caráter aponta algumas funções que a perfor-
performáticas que remetem ao festivo e religioso ritualístico, vem ga- mance cultural exerce:
cotidiano e também às diversas ma- nhando espaço como objeto de inves- • Entreter
nifestações sócioculturais. Por conta tigação dos estudos de performance. • Fazer alguma coisa que é bela
desta abertura, este ensaio abordará O conceito de performance tem sido • Marcar ou mudar identidade
a performance ritual do Caboclo da discutido ha décadas por teóricos da • Fazer ou estimular uma comunidade
Bandeira no Tambor de Mina, religião área, como Jorge Glusberg, Renato Co- • Curar
afro maranhense. hen, Richard Schechner, Zeca Ligiéro • Ensinar
Pelo fato dessa religião ter modelos entre outros. • Persuadir ou convencer
e performances ritualísticos diversos, Esse termo vem se ampliando • Lidar com o sagrado
focalizo minha pesquisa em três casas substancialmente, não só por estar en- É importante ressaltar que a perfor-
que durante esse artigo serão chama- trelaçado a várias linguagens artísticas, mance ritual aqui pesquisada, segundo
das de terreiro “A”, “B” e “C”. como teatro, música, dança, cinema e Schechner e Turner, não libera um
Evandro Ghedin, diz que: outras, mas também por estar presente significado preexistente que esteja ador-
desde as ações dos rituais sagrados e mecido no evento, mas a própria expe-
O processo de pesquisa resulta de seculares, até mesmo nas atividades co- riência é constitutiva de significados,
fina e apurada percepção do mundo, tidianas, corriqueiras. Essa perspectiva porque está atualizando experiências
sistematizado por meio de uma atitude garante que a performance acontece
metódica, efetuando no texto produzi-
de eventos passados que, ao serem dra-
quando há ação, interação e relação matizados, ativam-nos e dão-nos vida,
do, uma comunicação do olhar posto
com atenção sobre determinado objeto entre seres, ou seja, quando alguém colocando a experiência em circulação.
investigativo. mostra / faz algo a outro(s). Para tal, como no Tambor de Mina que
Assim, tanto o processo de constru-
Este artigo é fruto de todo esse pro- entendo que quando “atuados”, ou
ção da pesquisa quanto o processo cesso de pesquisa que dura três anos incorporados os adeptos tornam-se ca-
de investigação do objeto fazem sobre Tambor de Mina, performance pazes de reunir forças da natureza e da
arte de um mesmo exercício inter- e estudos sobre cultos afro- brasileiros. comunidade para expressar sua religião,
pretativo que busca penetrar nas
relações socialmente construídas para
criando núcleos mais densos de realida-
PERFORMANCE E RITUAL de e energia, implicando participação,
compreendê-las, explicá-las e interferir
em sua constituição. [...] Portanto, “o mobilização, emoção; eliminando o
olhar deseja sempre mais do que o lhe A performance surge com a idéia indivíduo na busca e na participação
é dado a ver” (NOVAES, 1997, p. 9), e de aproximação entre vida e arte. A da natureza sobrenatural.
essa almejada passagem da percepção partir da década de 60, no campo das Percebo ainda que mais importante
do objeto para seu conhecimento
artes, diversos artistas procuram que- que interpretar um ritual é compreen-
implica interpretação, para que possa
haver compreensão. O olhar atiça o
brar a noção fundamental de arte en- der como ele se processa, como seus
desejo de ler o implícito, busca o que quanto representação como “idéia de atores o agenciam. Com isso, com
não é aparente. É justamente aquilo reconstituição de um presente vivido isso meu enfoque na performance do
que o jogo de sombras e luzes revela ou imaginário” (LOPES, 2003, p. 7). Caboclo da Bandeira no Tambor de
e esconde que o olhar quer ver. Ou É essa uma das tensões fundamentais Mina, Religião Afro-Maranhense ainda
melhor, ele busca muito mais o que as
do termo: “fazer ou refazer o presente”. pouco estudada neste campo.
sombras escondem por trás dos vazios
luminosos do que aquilo revelado de
Em cima dessa contradição, a vanguar-
pronto pela visão. Com base no visível, da artística americana desenvolveu seu CABOCLO NO TAMBOR DE MINA
o olhar quer ver o invisível. Com base projeto de dissolução entre arte e vida,
no objeto visto, quer ver o que não buscando uma experiência direta e O Tambor de Mina, ou simples-
pode ser visto imediatamente. De opondo-se à representação. mente a “Mina”, manifestação de ma-
passagem, poder-se-ia dizer que é esse
Esta abertura da performance triz africana, surgiu no Maranhão em
desejo de ver o invisível, perpassado
pelo questionamento e pela reflexão, para o cotidiano ampliou o olhar para meados do séc. XIX. Seu marco inicial
que desperta o pensamento. Vê-se diversas manifestações sócioculturais, foi a fundação pelas mãos de africanas
com os olhos, mas só se sabe o que as culminando, como esclarece Lopes da Casa das Minas Jejê, consagrada ao
coisas são por meio do pensamento. (2003), na criação em u niversidades de vodun “Zomadonu” (desta casa não
(GHEDIN, 2008, p. 71, 73-74). departamentos “Performance Studies”, saiu nenhum outro terreiro com o
onde privilegia-se os estudos interdis- mesmo modelo ritualístico) e da Casa
Busco, através das minhas impres- ciplinares. Os estudos da performance de Nagô consagrada ao orixá “Xangô”,
sões no campo, mostrar esse olhar do privilegiam a investigação do momento ambas ainda em funcionamento. A
pesquisador, relatado nessa citação vivo, da relação do performer com o partir de então, outros terreiros foram
acima a partir do prisma da performan- público. abertos em São Luís-MA.
22 Ator-pesquisador,arte-educador formado em Licenciatura em Teatro pela UFMA,membro do grupo de pesquisa religião cultura e popular coordenado pelos
professores Sérgio Ferretti e Mundicarmo Ferretti e da Cia Miramundo de Teatro.
Boletim 53 /dezembro 2012 15
Continuação

Segundo Mundicarmo Ferretti, “SEU BANDEIRA” E OS Um símbolo que me chamou bas-


as entidades do Tambor de Mina, as BANDEIRANTES” tante atenção nos terreiros “A” e “B”
quais também conhecidas como “en- são os lenços que são amarrados na
cantados”, podem ser classificadas e Bandeirantes é o nome dado às testa e nos braços dos adeptos que es-
descritas como: entidades que pertencem à família do tão incorporados com entidades dessa
a) divindades africanas: voduns Rei da Bandeira, que também são ho- família na qual seriam os seus signos.
(entidades dahomeanas) e orixás (en- menageadas em festas especificas nos São lenços de várias cores, sendo que,
tidades iorubanas). Entre os voduns terreiros “A”,”B” e “C”. João da Mata, as cores que predominam são verde
cultuados nas casas pesquisadas, os também conhecido como Caboclo e amarelo, remetendo à bandeira do
mais conhecidos são: Doçú, Avereque- da Bandeira, Rei da Bandeira (Rei da Brasil. Durante a pesquisa transcrevi
te, Badé, Sogbô e Abê. Entre os orixás Itália) é uma entidade que comanda a também alguns cânticos relacionados
mais cultuados, são: Ogum, Oxóssi, Família de Bandeira, os Bandeirantes. a essa família:
Xangô, Iansã, Nanã e Iemanjá. Neste No livro: “Orixás e Voduns”, escrito
terreiro, o termo vodun também é “Boa Esperança é um rei encantado (2x)
em 1989 pelo pai de santo já falecido
usado para designar tanto as entidades Ele é croado nas ondas do mar (2x)”
Jorge Itacy de Oliveira, o autor escla-
Dahomeanas como as Iorubanas;
rece o processo de encantaria dessas
b) gentis: nobres encantados, geral- “Eu sou Caboclo da Bandeira, João da Mata
entidades e em que locais essas divin- falado (2x)
mente europeus. Entre os fidalgos e os
dades dominam: Na presença de Cristo, onde eu fui bati-
gentis mais conhecidos, destacam-se:
Rei da Bandeira, Dom João, Dom Luís, zado (2x)
Rei Sebastião, Dom Pedro Angaço, É uma família de encantados, nobres e Eu sou Caboclo da Bandeira da folha do ariri
mestiços. Segundo a tradição oral, João Eu sou Caboclo da Bandeira, pedra de
Rainha Dina, Rainha Rosa (geralmente da Mata (Rei da bandeira) é um nobre
associados a orixás e santos católicos); Itacolomy”
português, que se encantou no Brasil,
c) gentilheiros: fidalgos não con- nas águas do Maranhão. Seu reinado
“Estava no morro de areia vendo a orquestra
fundidos com orixás como: Rei da é na pedra de Itacolomy onde domina
passar (2x)
Turquia, Vandereji, Légua Boji;. grande extensão do mar e a entrada
do Golfão Maranhense. Também é Era o Rei da Bandeira, chamando seus
d) caboclos: os caboclos da mina filhos pra rodar (2x)”
chamado de Rei Boa Esperança. (OLI-
não são considerados nem índios nem
VEIRA, 1989, p. 44).
espíritos de mortos (eguns), embora “Vim por mar,vim por terra mas cheguei
tenham tido vida terrena e, às vezes, nesse pais (2X)
têm ligações com grupos indígenas. João da Mata era recebido por Jor- Salve o Rei da Bandeira que veio da Itália
Apesar de muitos serem de origem no- ge Itacy de Oliveira e é uma entidade e chegou no Brasil(2X)”
bre, geralmente são associados a aldeias muito presente nos terreiros de mina
e conhecidos como de fora do palácio. em São Luis do Maranhão. “Seu João da Mata levantou sua bandeira (2X)
e) índios: entidades que não falam Veja como é tão bonito ver seus filhos na
bem o português, nem pautam sua Dizem que essa linha foi introduzida trincheira(2X)”
conduta pelas normas de bom com- no Maranhão no antigo Terreiro do
portamento. Geralmente não vem ao Egito. Daí passando para o Terreiro Percebi que os cânticos da Família
de Belém (Apeadouro) como Dona
terreiro em dia de toque. de Bandeira remetem às ondas do
Marcelina, mais onde demonstrou
f) meninas ou tobossis: entidades seu maior poder foi no antigo Terreiro mar, à pedra de Itacolomy e, também,
femininas infantis para as quais tam- do Engenho Velho do Tirirical, de principalmente, ao líder dessa família,
bém são realizadas festas especiais. mãe Celestina, hoje extinto. É uma Caboclo da Bandeira.
Os encantados e caboclos recebi- família muito cultuada no Maranhão A performance de “Seu João da
dos nos terreiros diferem dos voduns e hoje em expansão em outros estados. Mata” e de seus filhos, os “Bandeiran-
e orixás, porque não pertencem ao Dominam os rochedos, baías, igarapés, tes”, é marcada por alguns sons emiti-
ilhas, terras firmes. São mais caçadores
panteon africano, logo não podem e pescadores que guerreiros. (OLIVEI-
dos pelos adeptos em transe com enti-
ser incluídos na categoria de voduns e RA, 1989, p. 44). dades dessa família; esses sons podem
orixás. São diferentes dos orixás devido ser chamados, também, de esturros
ao fato de não serem forças cósmicas e ou brados; são entidades consideradas
Nos terreiros “A” e “B”, Caboclo
dos voduns por não fazerem parte da guerreiras, e alguns dos bandeirantes
da Bandeira e sua família de encan-
família real do Dahomé, divinizadas podem vir, também, em rituais desti-
no culto Mina Jeje, e por não serem tados são homenageados no dia 8 de nados às entidades indígenas.
grupos africanos vindo para o Brasil fevereiro,dia de São João da Mata santo Segundo o terreiro “C”, que se
(FERRETTI, M. 1994, p. 116). comemorado no calendário católico, difere dos terreiros “A” e “B” em termo
Percebi que os terreiros de Tambor já no terreiro “C” é comemorado no da nacionalidade do Caboclo da Ban-
de Mina são detentores de uma certa dia 19 de novembro (Dia da Bandeira). deira, ele não seria um nobre italiano
autonomia de culto, podendo realizar Percebi, nos três terreiros analisa- (branco), e sim um índio brasileiro de
formas e rituais diferentes para as en- dos, que “Seu Bandeira” e seus filhos, muita força espiritual; por conta disso
tidades cultuadas,como as entidades quando manifestados, são entidades é chamado de rei pelo fato de ter um
caboclas que se diferem de compor- aparentemente sérias e também muito grande espírito de liderança e ser muito
tamento e “formas” dependendo de energéticas, tanto na dança, quanto na respeitado pelos outros encantados no
cada casa. forma de cantar e se comportar. “mundo da encantaria”.
16 Boletim 53 / dezembro 2012

Outro ponto em que os terreiros constituição simbólica religiosa do afro-brasileiras do Maranhão. São Luís:
pesquisados se diferem é o fator físico contexto deste rito nesta casa é algo S.n., 1999. (artigo).
dessa entidade. Segundo os terreiros impossível para um único estudo, pois GHEDIN, Evandro. Questõesde método
“A” e “B”, Caboclo da Bandeira apare- seria necessário buscar a compreensão na construção da pesquisa em educação.
ceria na forma de um nobre, trajando deste mundo a partir das suas dimen- São Paulo: Cortez, 2008.
roupas de realeza e com um aspecto sões plásticas, dramáticas, gestuais, GLUSBERG, J. A arte da performance-
corporal mais maduro (com a idade linguísticas, antropológicas, musicais, Tradução de Renato Cohen. São Paulo:
mais avançada). Já segundo o terreiro religiosos, filosóficos etc. Perspectiva, 1987.
“C”, ele teria aspectos indígenas: cabe- No entanto, é possível uma apre- LIGIERO, Zeca. O conceito de “mo-
los lisos na altura dos ombros, anda sem sentação de elementos fundamentais trizes culturais” aplicado às práticas
camisa e usa uma calça verde, com os deste universo, refletindo sobre os performáticas de origens africanas na
pés descalços. significados que caracterizam os seus diáspora americana. In: CONGRESSO
Percebi, nas três casas pesquisadas, aspectos performáticos na representa- DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
que, nos finais dos toques,para Caboclo ção simbólica religiosa que constitui o PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO EM
da Bandeira e sua família, geralmente Tambor de Mina como as famílias de ARTES CÊNICAS, 5. (Criação e reflexão
essas as entidades não ficam bebendo e encantados cultuadas nesse ritual. crítica). 2005. Belo Horizonte, Anais... Belo
Horizonte: UFMG, 2008.
conversando com as pessoas que foram
assistir aos rituais (diferente de outras REFERÊNCIAS LINDOSO, Gerson Carlos Pereira. Plu-
entidades,como por exemplos os “fi- ralismos e diversidade Afro-Religiosa
BIÃO, Armindo. Um mesmo estado de
em terreiros de mina no Maranhão: um
lhos de légua”). Mesmo assim consegui graça: o teatro e o Candomblé da Bahia.
estudo etnográfico do modelo ritual do Ilê
conversar com “Seu Bandeira” e alguns Urdimento – Revista de Estudos Sobre o
Ashé Ogum Sogbô. São Luís: S.n., 2007.
de seus filhos algumas vezes. Durante Teatro na América Latina, Florianópolis,
(dissertação).
estas conversas, fiz laços com algumas v.2, n.1, p.3-12, 1998.
LOPES, Antônio Herculano. Performance
entidades e, também, consegui in- CARDOSO JUNIOR, Sebastião. Jorge
e História. In: O percevejo - Revista de
formações importantes para a minha Babalaô: Tambor de Mina do Maranhão.
teatro, crítica e estática, Rio de Janeiro:
pesquisa, como características, cores São Luís: S.n., 2003. (folheto).
UniRIO, ano 11, n. 12, 2003.
preferidas, formas comportamentais CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em
MEDEIROS, Patrícia Karla. O movimento
e objetos utilizados por dessa família Ciências Humanas e Sociais. 7 ed. São
e o gesto na dança do Tambor de Mina.
complexa de encantados. Paulo: Cortez, 2005.
Boletim da Comissão Maranhense de
COHEN, Renato. Performance como Folclore, n. 45, dez. 2009.
CONSIDERAÇÕES FINAIS linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1989.
MENEZES, Flávia Andresa Oliveira de.
FERREIRA, Euclides Menezes. Candom- Espacialidade e gestualidade: a prática
Este ensaio resultou da pesquisa blé, Lei Complexa. São Luís: Estação e performativa dos caretas e dos brinque-
de campo feita durante cerca detrês Produções, 1990. dos da reisada. São Luís. Universidade
anos de pesquisa no Tambor de Mina ______. Tambor de Mina em conserva. Federal do Maranhão. Departamento de
em São Luis- MA, tendo inicio como São Luís: Estação e Produções, 2002. Artes. São Luís, 2008. Não publicado.
bolsista do PIBIC sob a orientação do FERRETTI, Mundicarmo. Santa Bárbara OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e Voduns
professor Sergio Ferretti, frequentando no Tambor de Mina. Boletim da Comissão nos terreiros de Mina. São Luís: VCR
o grupo de pesquisa “GPMina: Religião Maranhense de Folclore, n. 45, dez. 2009. produções e publicidade, 1989.
e Cultura Popular”,dando-me maior ______. Boto e mãe d’água em águas ma- PIRES, Cassia Rejane Batista. A coreira
suporte no que tange ao envolvimento ranhenses. Ciências Humanas em Revista, do Tambor de Crioula do Maranhão:
com o campo pesquisado. São Luís, v. 1, n. 2, p. 89-98, dez. 2003. performance e jogo. Rio de Janeiro: S. N.
Tambor de Mina é uma religião ______. Desceu na Guma: o Caboclo no 2009 (dissertação).
afro-maranhense que vem sendo muito Tambor de Mina. São Luís: EDUFMA, RODRIGUES, Graziela Estela Fonseca.
estudada por antropólogos, historia- 2000. Bailarino – Pesquisador – Intérprete:
dores e cientistas sociais com olhar ______. De segunda a domingo, etno- processo de formação. Rio de Janeiro:
voltado mais para outros aspectos da grafia de um mercado coberto. Mina, FUNART, 1997.
etnografia, existindo ainda poucos tra- uma religião de matriz africana. São Luís: SCHECHNER, Richard. Performances
balhos focando seus aspectos cênicos SIOGE, 1985. Studies: Na introduction. Londres; Nova
e performáticos. ______. Maranhão Encantado: encanta- York: Routledge, 2002.
É necessário haver um olhar mais ria maranhense e outras histórias. São Luís:
______. O que é performance. In: O Per-
apurado para a observação do Tambor UEMA Editora, 2000.
cevejo - Revista de Teatro, crítica e estética.
de Mina, não somente o olhar etno- ______. Mina, uma religião de origem Rio de Janeiro: UNIRIO; PPGT; ET, ano
gráfico, mas também o olhar artístico, Africana. São Luís: SIOGE, 1985. 2, n. 12, p. 25-50, 2003.
pois a riqueza em elementos teatrais ______. Terra de Caboclo. São Luís: SHAPANAN, Francelino. Entre caboclos
que essa religião tem, é de uma variável SECMA, 1994. e encantados. In: PRANDI, Reginaldo
enorme. FERRETTI, Sérgio. Querebetã de Zoma- (Org.). Encantaria brasileira: o livro dos
No universo do Tambor de Mina, dônu: Etnografia da Casa das Minas do mestres, caboclos e encantados. Rio de
a performance está presente desde as Maranhão. 2 ed. São Luís: UFMA, 1996. Janeiro: Pallas, 2001.
imagens representativas dos santos ______. Repensando o sincretismo. São TURNER, Victor W. O processo ritual:
católicos no altar até as construções Paulo: EDUSP; São Luís: FAPEMA, 1995. a estrutura e enti-estrutura. Tradução
coreográficas musicais com seus usos, FERRETTI, Sérgio F.; FERRETTI, de Nancy Campi de Castro. Petrópolis:
significados e funções. Desvendar toda Mundicarmo M. R. Transe nas religiões Vozes, 1974.
Boletim 53 /dezembro 2012 17

A PROCISSÃO DOS OSSOS23


Astolfo Serra24

E
ntre as procissões antigas de de negro e branco, e a tropa com as Das nuvens transparentes...
São Luis, e já desaparecidas, armas em funeral. Mais choroso e carpido geme o bronze”
Durante o transito dobravam os sinos (...)
uma se destaca, merecendo “Desfilando o cortejo se divisa
de todas as igrejas.
especial menção. Por longa rua o numeroso povo
É a celebre Procissão dos Ossos. Antecipei-me a ir receber a procissão O envolve em turbilhoes as rochas
ao recolher-se; e quando ao desembo-
Para descreve-la, neste Guia, não Ao suspirar, tremulam, na noturna
car no principio da rua São Pantaleão Brisa gelada, que dos túmulos sopra;
há melhor meio do que fazer este o fúnebre cortejo derramou-se por ela O triste salmodiar dos sacerdotes
capitulo com transcrição de uma afora com um estreito e apertado canal, A espaços ressoar se escuta apenas”.
das mais belas paginas dos Folhetins lá do alto da igreja, as luzes dos infindos (...)
de João Lisboa. O turista terá dessa círios e archotes se me afiguraram uma
maneira, dois prazeres: o da novidade só chama ateada e imensa, ou a super-
fície de um rio de fogo, que caminhava Essa, a procissão dos ossos, de
do ato, e o do saber, que o estilo do que escolhi ainda a seguinte lenda:
cintilando e flutuando, como flutuam e
clássico maranhense assim provoca: cintilam as águas de um rio verdadeiro Um certo maranhense incréu, desses
se as dardejas o sol meridiano” pedreiros-livres de outrora, que sempre
“Na véspera do dia de finados, logo Há a proposito dessa procissão uns tinham um riso de escárnio para as cou-
ao anoitecer, sai a procissão chamada
dos ossos. Dir-se-ia que as almas do
versos do poeta provinciano Augusto sas da Religião, assistia, certa feita, do
purgatório, não satisfeitas do sufrágio Frederico Golin: janelão de sua casa de azulejos, a uma
dos inumeráveis fieis que acodem ao dessas soleníssimas procissões. Uma
lugar, onde repousam os corpos aban- “Pelos ares vibrando o bronze chora,
donados, saem, sob a forma visível E em monótono som triste reboa; velhinha toda coberta de luto passou
e palpável dos ossos a solicitar pelas Ao cair do sol, tíbio crepúsculo, bem perto da janela por onde espiava o
ruas as orações dos tíbios remissos ou A terra tinge de cinzentas sombras. ateu. Parou, ali um minuto, e pegando
enfermos, que se deixam ficar em suas Fiéis ao templo acodem...”
na mão daquele homem, antes que este
casas. Eu vi descer o fúnebre préstito (...)
por uma das principais ruas: eram ex- “À lembrança dos mortos é sagrada se refizesse da surpresa, segredou-lhe:
tensas filas de irmandades e padres, de Este dia de luto: os sacerdotes -“Segure esta vela por favor!”
círios, lanternas e archotes; na frente Entoam fiéis nênias sacrossantas, Quando abriu os olhos, o incrédu-
iam armados, como em troféu, a ima- No templo do Senhor de dó vestido;
lo que julgara pegar um círio aceso,
gem do Senhor crucificado e vários E em procissão os restos verdadeiros
painéis de santos; no fim, o sarcófago Da fraca humanidade se transportam”. tinha, com espanto, segurado uma
que encerrava os ossos, coberto de um (...) canela de defunto...
pano negro com uma cruz de galões “De todo a terra se cobriu de trevas, Rezam as crónicas, que, no outro dia,
mortuários, e carregado aos ombros Só negra escuridão reina no espaço,
os sinos de São Pantaleão dobravam do-
de vários irmãos da Misericórdia; Apenas lá da parte do ocidente
logo após, a musica militar, choroso O crescente da lua esparge a custo lentemente pelo descrente, que morrera,
e sentida, a imensa multidão vestida Frio, baço clarão, por entre os crepes, logo em seguida, fulminado...

Resumos e Resenhas25
DISSERTAÇÕES RESUMO se insere, para, posteriormente, analisar
Discussão sobre a convivência dos a manifestação em si, descrevendo suas
MENEZES, Flávia Andresa Oliveira. A elementos religiosos (sarados) e cômicos etapas rituais, os elementos sagrados que
comicidade na r(e)isada: o riso em seus na manifestação cultural Reisada, enfo- estão no seu entorno e que a justificam,
aspectos simbólicos e sociais em um grupo cando um grupo do povoado Nazaré do bem como a estrutura da apresentação,
de Nazaré do Bruno/Caxias-MA. DIS- Bruno em Caxias/Maranhão, analisando traçando um paralelo à noção de ´com-
SERTAÇÃO. Mestrado Interdisciplinar. o personagem Careta e sua atuação nos munitas´ para compreender o grupamen-
Programa de pós-graduação Cultura e momentos de reza e procissão de Santos to, a de ´liminaridade´ para identificar o
Sociedade. São Luis, UFMA, 2012. 144 Reis. Buscou-se caracterizar de maneira personagem Careta. A análise da perfor-
p. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Fer- geral a manifestação, identificando seu mance deste personagem nos momentos
nandes Corrêa surgimento e descrevendo o local onde de enfoque do estudo foi feita a partir das

23 Transcrito de Serra, Astolfo. Guia Histórico e sentimental de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro:Editora Civilização Brasileira, 1965, p.97-99.
24 Escritor e político maranhense falecido em 1978; Foi membro da Academia Maranhense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, e
ministro do Tribunal Superior do Trabalho.
25 GPMina e Projeto Baixada Maranhense
18 Boletim 53 / dezembro 2012

Continuação

percepções dos brincantes e da assistên- mação na constituição deste tipo de festa e pológico sobre a Festa em Pindaré-Mirim
cia a respeito do ato de rir em situações no surgimento de uma nova música. Com no Maranhão, cidade que tem aspecto
cerimoniais, onde pudemos identificar a base em entrevistas com os agentes envol- peculiar por sua miscigenação. As festas
forma como o Careta é percebido como vidos em seu surgimento e continuidade, populares e religiosas – pela cadência,
personagem detentor de uma licença me- o trabalho narra a história das serestas na regularidade, estilo e número tão grande
diada pelo entendimento geral de que a capital maranhense, seus artistas e espaços – afirmam a alma e o espírito festeiro de
comicidade é um elemento fundamental de realização conhecidos como choperias, sua população. Os dados da pesquisa fo-
para manutenção da manifestação e legi- sob a hipótese de que tanto artistas quanto ram obtidos através de trabalho de campo
timada pelo uso do figurino e da máscara. espaços são estigmatizados. Por fim, é realizado nos anos de 2004, 2005, 2006
discutida a construção de uma identida- e 2007; confrontamos com fontes sobre
AZEVEDO, Bruno da Silva. Em ritmo de musical maranhense, que opera uma a história do Maranhão e obras da área
de seresta. Narrativas e espaços sociais da exclusão simbólica da música brega e das de antropologia. O viés privilegiado na
musica brega e choperias em São Luis do serestas, como parte do que seria a música análise foi o binômio festa-identidade,
Maranhão. DISSERTAÇÃO. Mestrado do Maranhão. caminho teórico em que concentramos
em Ciências Sociais. São Luis, UFMA, nossas bases para compreender a festa
2012, 174p. Orientadora: Profa. Dra. COSTA, Maria Zenaide. A festa em imbricada no cotidiano, enquanto lugar
Mundicarmo M. R. Ferretti Pindaré-Mirim: nos trilhos da historia a de construção de identidades. Neste
RESUMO afirmação de uma identidade. DISSER- sentido, busquei ao longo da análise ve-
Análise dos movimentos relacionados TAÇÃO. Mestrado em Ciências Sociais. rificar a festa como um fenômeno social
à música e às festas de seresta em São Luís São Paulo, PUC-SP, 2008, 274p. que, repleto de sentidos, cria espaço de
do Maranhão, a partir da influência do RESUMO transformação das pessoas em sujeitos
teclado musical eletrônico com progra- Esta dissertação é um estudo antro- sociais participantes.

Notícias26
TITULAÇÃO BUMBA-MEU- BOI Clube Cultural de Bumba-meu-boi para o jardim do Palácio dos Leões,
de Zabumba e Tambor de Crioula do onde o ato da titulação – entrega de
A 30 de agosto de 2012, o Bum- Maranhão; Instituto São Marçal; e os certificados aos grupos – foi realiza-
ba-meu-boido Maranhãorecebeu representantes dos grupos de sotaque do pela Ministra da Cultura, Ana de
certificação de Patrimônio Cultural de Bois de Orquestra; da Baixada; de Hollanda, pelo presidente do Institu-
do Brasil. A solenidade foi parte do Matraca; de Zabumba; de Costa de to do Patrimônio Histórico e Artístico
II Fórum Bumba-Meu-Boi do Mara- Mão; e o representante dos grupos Nacional, Luís Fernando de Almeida,
nhão: Patrimônio Cultural do Brasil, de Bois de Caxias. com a presença da governadora do
ocorrida no Teatro Alcione Nazareth, Após a instalação do Comitê Estado, Roseana Sarney, da secretária
do Centro de Criatividade Odylo Gestor da Salvaguarda do Complexo de estado da Cultura, Olga Simão, da
Costa Filho, organizado pela Supe- Cultural do Bumba-meu-boi do Ma- superintendente Regional do Institu-
rintendência Regional do IPHAN, ranhão, ocorreu a apresentação dos to do Patrimônio Histórico e Artístico
com apoio do governo do Estado. A representantes das instituições que Nacional-IPHAN, Kátia Bogéa, do
programação do Fórum foi dividida firmaram cooperação técnica, e de presidente da Fundação Cultural
em dois momentos: o primeiro no pessoas quese reúnem para discutir do Município de São Luís, Euclides
Teatro Alcione Nazarée o segundo eelaborar um Plano de Salvaguarda Moreira Neto e demais autoridades
nos jardins do Palácio dos Leões. No- quecontemple as demandas dos gru- estaduais e municipais. A Ministra da
Teatro, sob coordenação do IPHAN, pos de Bumba-meu-boi do estado.A Cultura, Ana de Hollanda, fez entrega
a cerimônia começou com recepção seguir, houve oslançamentos do vídeo das placas e certificados.
dos participantes, seguida daabertura ‘São Marçal: a festa dos Bois da Ilha’, Com a conquista do título, o
e assinatura do Termo de Cooperação produzido pelo Instituto São Marçal Bumba-meu-boi passou a integrar
Técnica, pelos titulares da Institui- e pelo IPHAN/MA; e da Cartilha o rol dos 23 bens registrados como
ções que compõem oComitê doPlano ‘Bumba-meu-boi do Maranhão: Patri- Patrimônio Cultural do Brasil, sendo
de Salvaguarda: IPHAN; SECMA; mônio Cultural do Brasil’,produzida o quinto bem cultural inscrito no
FUNC; Secretaria de Caxias; CMF; pelo IPHAN, que informa: como Livro de Registro das Celebrações
UFMA/Grupo Pesquisa Religião e se deu o processo de coleta de todo do IPHAN. O dossiê sobre o Bumba-
Cultura Popular; Federação Estadual material produzido sobre o Bumba- -meu-boi do Maranhão foi apresenta-
Folclórica e Cultural do Maranhão; -meu-boi e sobre o significado do ato. do pelo relator Luiz PhelipeAndrès,
União de Bois de Orquestra; Central Após essas cerimônias, convi- conselheiro da Câmara Imateriale
de Bumba-meu-Boi Costa de Mão; dados e autoridades deslocaram-se aprovado pelo Conselho Consultivo

26 Roza Santos – radialista aposentada; membro da CMF.


Boletim 53 /dezembro 2012 19

Continuação

do Patrimônio Cultural, durante nordestino. O folclore maranhense res estão silenciosos. Ainda que esteja
reunião do IPHAN, em Brasília,que passa a ser referência para as criações “encantada nas Praias dos Lençóis”,
concedeu o título de Patrimônio Cul- das artes cênica, plástica, poética, mu- lamentamos que Maria Michol Car-
tural do Brasil ao Complexo Cultural sical e literária desse grupo de jovens valho tenha se encantado tão cedo...
do Bumba-meu-boi do Maranhão–por sonhadores. A partir de 1980, o atore Deixando conosco esse lamento
ser um bem cultural que apresenta produtor cultural Nelson Brito passa de saudade. Permanecerá porém a
diversidade nos aspectos: música, a coordenar o LABORARTE e a ofe- memória da grande folclorista, pes-
religiosidade,indumentária, instru- recer à comunidade oficinas e cursos quisadora e mulher comprometida e
mentale até comportamental. nas diversas áreas da arte popular. apaixonada com e pelas tradições de
Para que o Bumba-boi mara- Nessas quatro décadas, agregaram-se nosso povo, de seu povo maranhense.
nhense recebesse o título, a Superin- aos feitos artísticos do LABORAR- Pesquisadora arguta, fazia de sua
tendência do IPHAN no Maranhão TEo reconhecimento e divulgação prática uma importante “toada” em
realizou um trabalho de quatro anos dos mestres populares, como mestre prol do Folclore Nacional. A todos
reunindo e organizando o material Felipe, no Tambor de Crioula; Dona os familiares, amigos, pesquisadores
coletado e produzindo documentação Teté, no Cacuriá; Mestre Patinho, que agora cantam a “toada de des-
complementar. na Capoeira; e o resgate do popular pedida”, desejamos força e acolhida
Vale lembrar que essa mesma Carnaval de rua e infantil com o Car- fraternal para juntos atravessarmos
certificação – Patrimônio Cultural do naval de Segunda, citando apenas o esse momento”.
Brasil – foi dada ao Tambor de Crioula que mais é divulgado pela mídia. Em Lourdes Macena, Simone Castro
do Maranhão, no ano de 2007. 2007, o LABORARTEtorna-sePonto e Osvaldo Barroso (Diretoria da Co-
de Cultura, por meio do convênio missão Nacional de Folclore).
40 ANOS DO LABORARTE com o Ministério e oferece oficinas
de dança popular, Tambor de Criou- Morreu João Francisco dos Santos,
O movimento artístico que deu la, percussão e teatro para jovens da em 20 de novembro de 2012–Dia da
origem ao Laborarteiniciou quando rede pública de ensino do estado. Consciência Negra. Esse militante do
jovens estudantes inseridos no cená- O Casarão do LABORARTE, que movimento negro, um dos fundadores
rio musical, literário e teatral de igreja fica na Rua Jansen Müller, Centro, do Centro de Cultura Negra,nasceu
reuniram-separa pesquisar e estudar é referência para artistas locais e de em 02 de junho de 1936. Marcou a sua
a cultura popular maranhense, bus- outros estados que pretendem pes- passagem pela Terra com a luta contra a
cando entender os diversos sotaques quisar, participar de oficinas ou trocar desigualdade do povo negro e seu passa-
da musicalidade, dança e comédia experiências com artistas das diversas mentonaquele dia emblemático. Morreu
do povo que os rodeavam. Os jovens áreas de arte maranhense. aos 78 anos, vítimade câncer de próstata
de então, hoje ícones das artes mara- contra o qual lutava desde 2004. Membro
nhenses: Tácito Borralho, teatrólogo PERDAS fundador do PDT, tendo como ideais
e professor da UFMA;César Teixeira, consolidar as “lutas libertárias”do povo
compositor; Regina Teles, bailarina; Morreu Maria Michol Pinho de negro, lutou pela criação de um conselho
Murilo Santos, ícone do cinemae Carvalho, dia 12 de novembro de municipal para tratar das questões do
professor da UFMA;Sergio Habibe, 2012, de parada cardiorrespiratória, negro em 2003. A partir desse Conselho,
cantor/compositor;ValdelinoCécio, em Fortaleza. Micholparticipou da re- consolidou as bases para a criação da Se-
poeta, produtor cultural; Mundinha organização da Comissão Maranhen- cretaria de Estado de Igualdade Racial em
Araújo, cantora, pesquisadora, mi- se de Folclore, em 1992, e, a partir de 2007, da qual foi secretário por escolha da
litante do movimento negro e uma então, foi membro ativo na Diretoria comunidade negra militante, no governo
das fundadoras do CCN; e Laura da CMF. Admirada pelos membros Jackson Lago.João Francisco, na política,
Vitor, educadora e atriz;entre outros. das Comissões Estaduais de Folclore, esteve ao lado de Leonel Brizola, Jackson
Coordenadospor Tácito Borralho – principalmente após a realização,em Lago, Neiva Moreira, citando os presi-
jovem seminarista apaixonado pelas São Luís, do X Congresso Brasileiro de dentes do partido. Como militante da
artes,educador religioso, prometido Folclore, em 2002, que serviu de inspi- igualdade racial no Maranhão, aliou-se a
à IgrejaCatólica para ser padre –, ração aos congressos subsequentes. A Abdias Nascimento, reconhecido nacio-
fundam, em 1972, o LABORARTE mensagem da Comissão Nacional de nalmente como militante do movimento
– Laboratório de Expressões Artísticas, Folclore, apresentada a seguir, revela negro, Magno Cruz, Ivan Rodrigues e a
num período em que o Brasil vivia o carinho, a admiração e o respeito outros militantes não tão conhecidos do
sob a ditadura militar e queas notícias conquistado por Michol: Centro de Cultura Negra que mudaram
do sucesso da música Carcará, do a forma do negro se ver na sociedade
maranhense João do Vale, aplaudida “Maranhão meu tesouro meu ludovicense. João Francisco dos Santos
no Teatro Opinião do Rio de Janeiro, torrão...” Hoje o “torrão maranhense” foi velado na sede do PDT, na Rua dos
ecoava de norte a sul como música perdeu um grande tesouro! Está triste Afogados-Centro, e sepultado no Cemi-
de protesto ao regime, mexendo com e silencioso! As matracas, maracás, tério Parque da Saudade, nos Vinhais.
o orgulho de ser maranhense, de ser pandeirões, orquestras, mãos, tambo-
20 Boletim 53 / dezembro 2012

PERFIL POPULAR
Maria Michol Pinho de Carvalho
(22/10/1949 – 12/11/2012)
Sergio Ferretti – Presidente da CMF

N
os últimos anos, buiu para a dinamização deste
a cultura popular importante setor. Dirigiu, por
maranhense tem vários anos, o Centro de Cultu-
perdido vários expoentes ra Popular Domingos Vieira Fi-
importantes. MARIA MI- lho, onde promoveu inúmeros
CHOL PINHO DE CAR- eventos como apresentações de
VALHO é um destes. É bumba-meu-boi, de tambor de
difícil falar sobre Michol, crioula, de cortejos da festa do
pois ela era muito conhe- Divino, de corais, de grupos fol-
cida e querida na área de clóricos do interior, de diversas
cultura, tanto como pes- festas populares, como bailes
quisadora quanto como de carnaval, queimação de pa-
militante e batalhadora em lhinhas, realização de oficinas e
prol da cultura popular no concursos e uma série de outras
Maranhão. atividades, que ela fazia com
Sua dissertação de grande dedicação e capacidade
mestrado sobre o Bum- de organização.
ba-meu-boi, “Matracas Ultimamente, Michol era
que desafiam o tempo”, doutoranda da Universidade de
defendida na Escola de Aveiros, em Portugal, e estava
Comunicações da UFRJ e elaborando tese, comparando a
publicada em 1995, é, até Festa do Divino Espírito Santo
hoje, um dos melhores e nos Açores e em São Luís, com
mais completos estudos a orientação da Profa. Dra.
sobre o boi do Maranhão Maria Manuel Baptista. Estava
vários volumes da coleção Memória
e precisa ser reeditada. também coordenando junto ao De-
Michol era, sobretudo, uma de Velhos: depoimentos – uma con- partamento Municipal de Cultura
pessoa de ação, mas publicou vários tribuição à memoria oral da cultura de São Luís uma pesquisa para o re-
capítulos de livros editados pela popular maranhense e outros livros gistro dos Blocos Tradicionais como
CMF e por outras instituições do da CMF; organizando o X Congres- patrimônio cultural pelo IPHAN,
Maranhão; colaborou em diversas so Brasileiro de Folclore, que foi trabalho concluído com a colabora-
obras produzidas em outros estados; realizado com grande êxito em São ção de Lenir Oliveira e encaminhado
divulgou vários trabalhos no Boletim Luís, reunindo mais de 800 partici- para apreciação daquele órgão.
da Comissão Maranhense de Folclore; pantes. Organizou também diversos Maria Michol teve uma vida
e teve várias publicações em Anais seminários de estudos e oficinas de intensa, dedicada inteiramente à
dos muitos congressos de que par- cultura popular e agilizou uma série cultura popular. Sua vitalidade, sua
ticipou. de convênios e parcerias da CMF alegria, seu estilo de vida contagiava
Em 1992,Michol ajudou a reor- com diferentes órgãos, contribuindo a todos. Com sua morte, o Maranhão
ganizar a Comissão Maranhense de para conseguir recursos e prestígio perde uma incansável militante das
Folclore, em cuja diretoria assumiu para a nossa Comissão de Folclore. causas populares e das coisas da nos-
diversos cargos. Colaborou em todas Na Secretaria de Cultura do Es- sa cultura. Seu prematuro falecimen-
as atividades da CMF desde aquela tado do Maranhão, Michol ocupou to deixa na memória e no coração de
data, tendo contribuído na edição diversos cargos relacionados com a seus muitos parentes e amigos uma
do Boletim de Folclore; coordenado área de Cultura Popular e contri- lacuna que não pode ser preenchida.

Secretaria de estado da Cultura

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