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Boletim 49 / junho 2011 1

BOLETIM DA CMF Nº 49 JUNHO 2011 ISSN: 1516-1781


SUMÁRIO

Editorial ....................................................................................................................................... 2

A fé do povo: rezas e orações ........................................................................................................ 2


Zelinda Lima

Quem faz a festa? Discutindo gênero e sexualidade na reisada de Nazaré do


Bruno/Caxias-MA ....................................................................................................................... 3
Flavia Andresa O. de Menezes

Casa das Minas: a Festa do Divino sem Dona Celeste.................................................................. 6


Roza Santos

Jogo social e brincadeira popular: a brincadeira de casinha ......................................................... 7


Keyla Santana

Miolo de Boi: brincante, brincante-manipulador e dançador ...................................................... 9


Tácito Freire Borralho

Imbarabô: a performance ritual do Tambor de Mina do Ilê Axé Ogum Sogbô ........................... 13
Heriverto N. Mendonça Junior

JANELA DO TEMPO: Boi ...................................................................................................... 16


Victor Gonçalves Neto

NOTICIAS – Roza Santos ......................................................................................................................... 17

PERFIL DE CULTURA POPULAR – Carlos de Lima ........................................................... 20


Sergio Ferretti

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CNPJ 00.140.658/0001-07 EDIÇÃO
CONSELHO EDITORIAL
Mundicarmo M.R. Ferretti
DIRETORIA Lenir Pereira dos S. Oliveira
Roza Maria dos Santos
Presidente: Lenir Pereira dos S. Oliveira Maria Michol P. de Carvalho
REVISÃO DE TEXTO:
Vice-Presidente: Maria da Glória G.l Correia Mundicarmo M.R. Ferretti Joelma Baldez
1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros
2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti Roza Maria dos Santos DIAGRAMAÇÃO:
1º Tesoureira: Eliane Gaspar Leite Sergio Figueiredo Ferretti Riba Silva
2º Tesoureiro: Roza Maria dos Santos Zelinda de Castro Lima VERSÃO INTERNET: www.cmfolclore.ufma.br
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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE As opiniões publicadas em artigos
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2 Boletim 49 / junho 2011

A FÉ DO POVO: REZAS E ORAÇÕES


1

Editorial Zelinda Lima2


O Boletim 49 começa com uma oração
a Santo Antônio destinada a moças
casadouras, recolhida por Zelinda Lima, e
A reza, ou oração, é feita com determinadas palavras,
acompanhada de procedimentos e gestos rituais e que se destina a
com um texto sobre São João Batista, prevenir, afastar, ou curar os males que afligem o gênero humano.
publicados por ela em Rezas, Benzimentos e Dirigida a Deus, ou aos Santos.
Orações. São João comanda os festejos do mês Há santos especialistas nas suas funções, segundo acreditam os
de junho, que sacodem toda a cidade de São devotos: para achar coisas perdidads, São Brás e São Longuinho;
Luis e atraem muitos turistas ao Maranhão. arranjar marido para moças e solteironas, Santo Antonio; Santa
É difícil separar nessa temporada o que é Barbara e Sai Jerônimo livram das tempestades e dos raios; São
sagrado e o que é profano, pois não há nada Lázaro cura as feridas; São Gonçalo do Amarante, dançando com
que não tenha uma raiz no culto aos santos e os sapatos cheios de pregos, resgatava para Deus as mulheres que
na devoção popular aos inseparáveis Santo andavam pelo mau caminho; e São Expedito resolve os casos
considerados impossíveis...
Antonio, São João, São Pedro e São Marçal.
Há rezas para o próprio beneficiário rezar; outras em que entra
E, como várias entidades não africanas
em cena o rezador, passando o paciente a ser rezado.
cultuadas nos terreiros maranhenses são
Frequentemente, as rezas são feitas diante do altar doméstico, em
também devotas desses santos ou são a eles
presença dos santos, as velas acesas, e obedecendo ao debulhar das
associadas, muitas delas são também
contas do rosário. Outras exigem local, dia e hora propícios (sendo
homenageadas nessa época do ano e são 3, 7, 9 e 13, os principais números cabalísticos) para que produzam
escolhidas para batizar grupos folclóricos que o efeito requerido.
se apresentam nos arraiais organizados pelas As rezas tem um objetivo: pedir a Deus ou aos santos certos
Secretarias de Estado e Municipais de benefícios, como, por exemplo:
Cultura: Bois, Danças Portuguesas e outros.
O Boletim 49 termina com o perfil de Carlos Reza para conjurar males e perigos
Lima, apresentado por Sergio Ferretti, em
justa homenagem a um dos grandes Com Deus me deito, com Deus me levanto,
folcloristas maranhense, que partiu em maio com a graça de Deus e do Divino Espírito Santo
desse ano, deixando muita saudade e uma (Rezar pela manhã e à noite para livrar-se de contratempos).
grande lacuna na área de cultura.
Nesse número, o Boletim da Comissão Oração de Santo Antonio • (Souto Maior)
Maranhense de Folclore reúne um artigo
sobre a Reisada de Nazaré do Bruno/Caxias- Pelos vossos milagres; pelas vossas palavras quando falavas; pela
MA, tema também tratado por Flavia defesa do vosso pai, um pedido eis-me fazer. Abrandai a ira do mar,
Andresa em trabalho publicado no Boletim o sopro do vento, o negrume da noite, a chama abrasadora do sol, a
48; um artigo sobre Festa do Divino, de frialdade da lua, a voracidade das feras, o horror dos desertos. Depois
autoria de Roza Santos, onde a autora de tudo isso abrandai o que de mais empedernido existe sobre a
expressa sua preocupação com a terra: o coração dos homens. Oh! Meu milagroso Santo Antonio,
continuidade daquela festa na Casa das fazei com que aquele por quem meu coração chama, ouça a minha
Minas com o desaparecimento de dona voz e, ouvindo-a, vá aos pés de Deus Nosso Senhor comigo, vossa
Celeste Santos, responsável pela festa humilde devota. Amém.
naquele terreiro por tantos anos. Foram “Com essa oração, já se casaram num só dia oito mil moças que
também incluídos nesse número 49 dois já haviam passado dos trinta e cinco anos”.
trabalhos sobre Bumba-boi: o de Tácito
São Joao Batista • 24 de Junho
Borralho sobre “Miolo de Boi” e o de Victor
Gonçalves Neto, na seção “Janela do Tempo”,
São João Batista pertencia a uma família sacerdotal. Isabel, sua
sobre Boi no Piauí na década de 1950.
mãe, prima da Santíssima Virgem, descendia de Aarão. Seu nome,
O Boletim 49 traz também um oportuno anunciado por um Anjo a seu pai Zacarias, significava “Deus é
trabalho de Keyla Santana sobre brincadeira favorável” e Jesus mesmo disse que “entre os nascidos de mulher
de criança – com casinha de boneca; um não há maior que João”.
texto de Heriverto Mendonça Junior sobre Fez muitas conversões em Israel e, cheio do Espírito Santo, foi o
performance ritual do Tambor de Mina em precursor de Jesus. Anunciando a vinda do Salvador, João era – a
um terreiro de São Luis, de tradição renovada voz que clama no deserto e exortava ao arrependimento e à conversão,
– o Ilê Axé Ogum Sogbô; e, em Notícias, e dava o batismo, daí seu nome de Batista.
Roza Santos, divulga uma série de eventos Opondo-se ao relacionamento sacrílego de Herodes e sua
significativos para a área de cultura ocorridos sobrinha, foi decaptado. O rei ofereceu a Herodíade, numa bandeja,
no Maranhão de janeiro a junho de 2011. a cabeça do Batista, fato celebrado liturgicamente a 29 de Agosto.
O povo prefere representar São João como um menino, tendo ao
Agradecendo o apoio dos nossos leitores e
colo um cordeiro, baseado no anuncio do mesmo João: Bendito o
colaboradores, prometemos estar de volta no
que vem em nome do Senhor!
mês de Agosto com mais um número do
Boletim da CMF que, com ele atingirá o 1 Texto publicado originalmente em Rezas, benzimentos e orações: a fé do povo. São
número 50, o que para nós é motivo de Luís: 2008, p. 11; 40; 80.
2 Pesquisadora de Cultura Popular e autora dos livros “Pecados da gula: comeres e beberes
grande orgulho e satisfação.
da gente do Maranhão”, “Rezas, benzimentos e orações: a fé do povo” e outros. Membro
Titular da Comissão Maranhense de Folclore.
Boletim 49 / junho 2011 3

QUEM FAZ A FESTA? DISCUTINDO GÊNERO E SEXUALIDADE


NA REISADA DE NAZARÉ DO BRUNO/CAXIAS – MA
3

Flávia Andresa Oliveira de Menezes4

O
presente trabalho é uma pri- rado o dia de Santos Reis. periência significativa, mediante o recalca-
meira abordagem a respeito Identificado os personagens dessa mento dos impulsos libidinais primários,
inclusive a dependência radical da criança
dos aspectos relacionados a história, Maria, Jesus, José e os 3 Reis em relação ao corpo materno. (BUTLER,
gênero e sexualidade identificados na Magos, já tem-se 5 homens e apenas 1 2003, p.121)
Festa de Reis, mais especificamente na mulher, faltando acrescentar, as figu-
Reisada realizada no povoado Nazaré ras de Herodes e seus soldados. Talvez
do Bruno, pertencente ao município de este fato histórico possa explicar por-
Caxias/MA. O objetivo de tal artigo é que, na apresentação da reisada estu-
identificar se existe uma divisão de pa- dada, todos os integrantes da brinca-
péis entre indivíduos de sexos diferen- deira são homens ficando reservado a
tes, quais suas obrigações e de que for-
uma mulher o papel de carregar a ima-
ma seus papéis se cruzam. O trabalho
gem do santo, o que pode estar ligado
foi construído a partir de uma metodo-
à idéia de maternidade, amparo e pro-
logia de pesquisa participante, usando
teção dada a este gênero. Conforme
como forma de coleta de dados a obser-
vação realizada durante a festa ocorri- explica Bordo, citando Foulcault:
da no dia 05 de janeiro de 2011, bem Mulheres carregando o “Santo”Fonte:
(...) Foucault salienta constantemente a pri-
como a utilização de dados disponíveis mazia da prática sobre a crença. Não essen- Arquivo pessoal, anos 2008 e 2011.
no estudo monográfico “Espacialidade cialmente através da “ideologia”, mas por Essa dependência infantil é refor-
e gestualidade: a prática performativa meio da organização e da regulamentação
çada na guarda da mulher sobre o San-
dos caretas e brinquedos da reisada”, do tempo, do espaço e dos movimentos de
nossas vidas cotidianas, nossos corpos são to e essas simbologias são expressas no
apresentado em 2008 pela autora deste
treinados, moldados e marcados pelo cu- comportamento dos brincantes quan-
artigo. Para reflexão dos pontos obser-
nho das formas históricas predominantes do do deslocamento do grupo entre a
vados, foram referenciados alguns dos de individualidade, desejo, masculinidade e porta de uma casa em que vão brincar
textos trabalhados pela professora San- feminilidade. (BORDO, 1997, p.01)
dra Nascimento na disciplina Corpo, e outra, ou seja, quando acaba deter-
Cultura e Sociedade, do Mestrado Cul- minada apresentação e o grupo tem
A história da humanidade é marca-
tura e Sociedade da UFMA. que sair, a primeira questão levantada
da por muitas figuras masculinas, e sabe- é “cadê a mulher do Santo?”. Enquan-
Desta forma, os pontos elencados se das lutas femininas ocorridas na con-
aqui não são construções fechadas, to ela não sai da casa e toma a frente
quista de diversos direitos usufruídos rumo ao outro ponto, os integrantes
apenas uma tentativa de problemati- pelas mulheres na contemporaneidade.
zação e busca de explicação sobre gê- também não saem.
Desta forma, é possível compreender No entanto, acredita-se que, den-
nero e sexualidade na reisada.
como historicamente, tradições de mas- tro dessa estrutura social, vão se mes-
culinidade são repassadas e papeis de clar as noções de papéis sexuais classi-
Identificando os papeis femininos
feminilidade são definidos na esfera ficados de uma forma binária e dos pa-
e masculinos na organização e
cotidiana. O que nesta manifestação, péis executados e compreendidos como
execução da festa
identifica-se como um pouco mais pró- uma complementaridade. Visto que,
No povoado Nazaré do Bruno, loca- ximo da visão das Feministas da Femi- grosso modo, as mulheres não parecem
lizado a cerca de 60 km do município nitude, na qual Descarries (2000, p.22) demonstrar as mesmas inquietações
maranhense Caxias, acontece uma descreve como uma teoria do feminino- que as feministas igualitárias e estudi-
manifestação conhecida por todos na materno que privilegiaria a reapropria- osos de gênero mostram sobre a posi-
localidade como Reisada, ou Reisado ção do território e do imaginário femini- ção da mulher, numa escala social, e
de Careta. Trata-se de uma brincadei- no, próprios a experiência do corpos se- sua reivindicação de igualdade de di-
ra do período natalino, que tem por xuado e da procriação. Buscados em reito. Pois, quando questionado a al-
peculiaridade a presença de figuras Maria, ideal de mãe e mulher. gumas mulheres, se sabiam de alguma
mascaradas denominadas Caretas e de Um outro ponto de discussão e com- que tinha brincado na reisada, ou se
outros personagens como a Burrinha, preensão é a Lei Paterna, proposta por tinham vontade de sair, respondiam
o Boi, o Peão e o Babau, bem como a Lacan e explicada da seguinte forma “não” a ambas as perguntas.
ocorrência de apresentações durante a por Judith Butler: Cabe discorrer aqui sobre como se
última semana de dezembro e primei- dá de forma mais “naturalizada” 5 a
ra semana de janeiro de cada ano, mais Segundo Lacan, a lei paterna estrutura toda aceitação, ou mesmo a vivência, pelas
especificamente de 24 de dezembro, a significação lingüística, chamada “o Sim- mulheres envolvidas com a reisada, dos
data que marca as vésperas do nasci- bólico”, e assim se torna o princípio organi-
zador universal da própria cultura. A lei
papéis que devem desempenhar, os
mento de Jesus Cristo, a 06 de janeiro, cria a possibilidade de uma linguagem sig- quais são essencialmente marcados
quando, na tradição cristã, é comemo- nificativa, e consequentemente de uma ex- como femininos, destacando quais são
3 Artigo apresentado à prof.ª Dr. Sandra Nascimento como trabalho de conclusão da disciplina Corpo, Cultura e Sociedade, ministrada em 2010.2, no
Mestrado Interdisciplinar Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
4 Licenciada em Educação Artística, habilitação em Artes Cênicas; mestranda do Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade, ambos na UFMA, com
projeto intitulado “A comicidade na Reisada: o riso sob aspectos simbólicos e sociais”, pesquisa orientada pelo prof. Dr. Alexandre Corrêa; membro da CMF.
5 Entendendo-se o natural como uma construção socialmente e historicamente definida.
4 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

aqueles reservados aos homens; pois, ço e entoar a ladainha para Santos e execução dos animais que serão pre-
conforme Scott (s/d, p.02), quando tra- Reis, o que ilustra a conexão entre os parados.
ta das diversas utilizações e enfoques papéis femininos e masculinos na ma- Chegando a noite do dia, as mulhe-
do campo de estudo gênero, evidencia: nifestação, apesar de marcadamente res providenciam a alimentação de to-
delimitados. dos, os homens se preparam para sair
‘Gênero’ como subtítulo de ‘mulheres’ é para apresentação em algumas casas do
igualmente utilizado para sugerir que a in- povoado, no ano de 2011, apresentaram-
formação a respeito das mulheres é neces-
sariamente informação sobre os homens,
se em dois locais, e, no retorno, já se
que um implica no estudo do outro. encontravam algumas mulheres em
frente ao altar coordenando os proce-
A autora ao explicar esta abordagem dimentos da ladainha. Neste momen-
considera que esta se faz útil no senti- to, muitas pessoas que acompanhavam
do de afastar o “mito” das separações a brincadeira uniram-se a esta ativida-
das esferas sexuais, passando o termo de. Apenas dois caretas mantiveram-
Rezadeira diante do altar.
gênero a ser utilizado para referir-se às Fonte: Arquivo pessoal, 2011 se fantasiados e permanecem no mo-
relações sociais estabelecidas entre os mento religioso tentando subverter a
sexos, e completa o uso do ‘gênero’ co- No retorno à localidade, as obriga- concentração dos envolvidos com o ri-
loca a ênfase sobre todo o sistema de ções vão se dividir no que tange à or- tual. O papel dessas figuras neste mo-
relações que pode incluir o sexo, mas ganização necessária às apresentações mento é aproveitar-se das falas das re-
não é diretamente determinado pelo que serão realizadas no dia 05 e 06 de zas para fazer trocadilhos e piadas, rin-
sexo nem determina diretamente a se- janeiro, no próprio povoado. Serão pre- do do que falam e incitando o riso nos
xualidade (ibid. Grifo nosso). Aqui, paradas as comidas que alimentarão os demais presentes.
compreende-se que os papéis dentro da integrantes e visitantes, bem como as
reisada não estão completamente sepa- que comporão o leilão, a ser efe-
rados, podendo ser entendidos como tuado durante a noite. São lei-
complementares, até certo ponto. loados bolos de trigo e de tapio-
Como já exposto acima a manifes- ca, assados de frango, carne de
tação ocorre no ciclo natalino. No en- boi e de porco com farofa.
tanto, esses dias de apresentação, de- As adolescentes e crianças
nominados pelo grupo como dias de de ambos os sexos ficaram res-
jornada acontecem numa sistemática ponsáveis por organizar a tenda Homens preparando espaço e pelando porco.
espírita de umbanda, onde, na Fonte: arquivo pessoal, 2011.
de deslocamento entre municípios e
povoados. O grupo desloca-se até Ti- madrugada, seria realizada uma
mon, cidade vizinha à Caxias/MA e baila8. Aos homens, após o descanso da A sexualidade discutida
Teresina/PI, e, a partir daí, vem fazen- noite de apresentações, pois geralmente na reisada
do apresentações nas portas das casas ficam até 05h brincando na portas das
e recebendo ‘esmolas’6. Desta forma, casas, ficaram reservadas as funções de Aproveitando o gancho existente
fazendo o caminho de volta, o que se aplanar o terreno onde seria realizada entre as discussões de gênero e sexua-
explica conforme fala de brincante ci- a apresentação da noite, em frente à lidade, utilizar-se-á o momento para
tada por Menezes (2008, p.40), que diz casa do responsável pela brincadeira, abordar alguns aspectos referentes ao
que os Reis Magos, quando re- foco de estudo do projeto pro-
tornaram da visita ao menino posto ao Mestrado Interdiscipli-
Jesus, estavam pobres e tiveram nar Cultura e Sociedade, que
que voltar pra casa pedindo es- trata dos aspectos relacionados
molas. ao riso e ao seu caráter subversi-
Como também já exposto, no vo na manifestação estudada. No
grupo, participam apenas ho- entanto, após os estudos sobre gê-
mens7, como instrumentistas e nero e sexualidade, pode-se per-
dançarinos-atores, que fazem os ceber que a subversão presente
personagens de Careta, os quais na manifestação não se encon-
respondem pelo nome de Ma- tra apenas na explosão do riso ou
cambira, Muncunzá, Tapioca e da vontade de sorrir, por algum
Miudinha, e outros denominados trocadilho, mas também em di-
passos (Burrinha, Boi, Peão e versos elementos que expõem a
Babau). No mesmo período da existência de um caráter lascivo
jornada, as mulheres que ficam na brincadeira.
no povoado têm a responsabili- Mulheres preparando comida e espaços. Destacam-se dois exemplos
dade de todos os dias rezar o ter- Fonte: arquivo pessoal, 2011. bastante significativos. O primei-

6 Como são chamados os pagamentos efetuados pelo promesseiro que contratam a reisada para apresentar em sua porta, pode ser em dinheiro, farinha, bebida, dentre outras.
7 Em janeiro de 2011, pôde-se observar na cidade de Caxias o encontro de reisados, onde foram observados 4 grupos de Caretas, um formado apenas de
crianças, um pertencente à sede Caxias, e os outros dois de povoados diferentes, Lavra e Riachão. Dentre estes, apenas no grupo de Riachão, identificou-se
a presença de uma mulher que brincava com a personagem Burrinha.
8 Termo que utilizam para se referir ao toque, ritual de umbanda.
Boletim 49 / junho 2011 5
CONTINUAÇÃO

ro refere-se a uma ocasião de encena- pelo universo mítico religioso, que, após ra abordagem sobre os pontos estuda-
ção, quando é feita a “morte do care- o cristianismo, veta tais formas de ex- dos e discutidos na disciplina Corpo,
ta”, na qual, no momento final da apre- pressão. Cultura e Sociedade, que aqui através
sentação, é determinado que o careta No entanto, a partir dos estudos de da provocação da professora ministran-
falecido só ressuscitará após tomar uma história do teatro, pode-se identificar tes foram levados a reflexão dentro do
injeção9, em que se coloca por debaixo que o corpo cênico das expressões cul- objeto de estudo elencado, apesar de
das palhas do “morto” o rei, como se turais, ora aceito mais tarde pela igre- inicialmente entendidos como distan-
fosse “enfiá-lo” no ânus do careta que ja, ora expulso novamente para as pra- tes do universo em questão, foram fun-
se encontra deitado no chão (MENE- ças e ruas, incorpora e reproduz tem- damentais para a ampliação na forma
ZES, 2008, p.87)10. O outro, se refere à poralmente algumas gestualidades. de pensá-lo.
música cantada para o personagem Embora não se possa afirmar isto cate- Desta forma, para o atual momen-
burrinha, que possui vários versos, um goricamente, no entanto, se são iden- to, é de fundamental importância o
deles diz: “a burrinha do meu amo tem tificados alguns usos materiais, como adentrar em questões de gênero e se-
uma saia de veludo (bis)/ Por baixo da a presença de máscaras e as notícias xualidade para compreender o fazer e
saia dela tem um bicho cabeludo (bis)/ de figuras bufônicas em espetáculo a prática de subversão através das fa-
A burrinha tome, tome/ Tome, tome, teatrais no interior das igrejas durante las, canções e gestos dos caretas da rei-
tome lá” (ibid, p.57). a Idade Média, é possível fazer tal su- sada estudada.
Na tentativa de identificar como posição. Os pontos aqui levantados tratam
tais elementos passam a integrar ex- Desta forma, aqui também é neces- de uma incitação à maior discussão e
pressões culturais, dando a elas um sário destacar que se tratam de corpos, necessidade de aprofundamento e com-
cunho profano-religioso, encontrou-se que precisam ser entendidos como provação dos pontos aqui destacados,
nas discussões de Michel Foulcault agentes de cultura, conforme citação que ainda devem se encarados como
uma pista, quando o autor destaca que abaixo: hipóteses preliminares.
a sociedade na:
O corpo - o que comemos, como nos vesti-
Antiguidade grega e romana, na qual a se- mos, os rituais diários através dos quais Referências Bibliográficas
xualidade era livre, se expressava sem difi- cuidamos dele - é um agente da cultura.
culdades e efetivamente se desenvolvia (...) Como defende a antropóloga Mary Dou- BORDO, Susan R. O corpo e a
o cristianismo que teria pela primeira vez glas, ele é uma poderosa forma simbólica,
uma superfície na qual as normas centrais, reprodução da feminilidade: uma
na história do ocidente, colocado grande
interdição à sexualidade (FOUCAULT, as hierarquias e até os comprometimentos apropriação feminista de Foucault
2004, p.62) metafísicos de uma cultura são inscritos e in: JAGGAR, A; BORDO. S.
assim reforçados através da linguagem cor- (Orgs). Gênero, corpo e
poral concreta. O corpo também pode fun-
Não que ele tenha formulado esse conhecimento. Rio de janeiro:
cionar como uma metáfora da cultura.
princípio moral, da proibição do sexo (BORDO, 1997, p.01) Rosa dos Tempos. 1997
pelo prazer, pois o autor destaca que o
estudioso Paul Veyne identificou que, Mesmo como um elemento de “con- BUTLER, Judith P. Problemas de
gênero: feminismo e subversão da
muito antes do cristianismo esses pa- trole social”, ele pode ser agente de um
identidade. Rio de Janeiro:
drões morais já existiam, não sendo questionamento e de um desafiar de
Civilização Brasileira, 2003.
praticados apenas por uma pequena tais paradigmas vigentes. O corpo do
elite. No entanto, o cristianismo teria careta fala explicita e implicitamen- FOUCAULT, Michel (1926-1984).
tido o papel de criar um conjunto de te, reforça padrões de comportamen- Ética, sexualidade, política. Rio de
novos mecanismos de poder para incul- to, ao mesmo tempo em que aponta Janeiro: Forense Universitária,
car esses novos imperativos morais (Ibid, caminhos contrários. Possui um vestir, 2004.
p.65). uma maneira de se movimentar e uma
Ora, uma vez que se vêm presentes forma característicos de um determi- SCOTT, Joan. Gênero: uma
aspectos diretamente ligados à sexua- nado grupo, os dos Caretas de Reisa- categoria útil para análise histórica.
lidade nas brincadeiras de reis, no que dos do município de Caxias. s/n, s/d. Disponível em: HTTP://
tange as suas falas, gestos e canções, www.dhnet.org.br/direitos/textos/
supõe-se que o próprio indivíduo, no Considerações Finais generodh/gen_categoria.html.
decorrer do seu desenvolvimento, não Acesso em 07/01/2005
dissociando religião e sexo, faz uso per- Após discorrer sobre as práticas da
sonagens mascarados, ou com rosto brincadeira estudada no povoado Na- MENEZES, Flávia A. O. de.
semi-encoberto. Desta forma, com a zaré do Bruno, é importante compre- Espacialidade e Gestualidade: a
ocultação da identidade do indivíduo ender que muitos dos aspectos desta- prática performativa dos caretas e
cados tratam-se de especificidades do brinquedos da reisada. São Luís:
que navega por esses dois mundos, en-
UFMA/DEARTE, 2008
contra artifícios para proclamar “livre- grupo social elencado para aplicar tais
(monografia não publicada)
mente” esta sexualidade, transitando proposições. No entanto, esta primei-

9 No reisado do povoado Riachão, ocorre que os caretas antes de aplicar a injeção apóiam o rei na altura do órgão genital fazendo movimentos com as mão
aludindo à ação de masturbação.
10 Rei – nome dado a um bastão carregado pelos caretas que possui em uma das suas extremidades uma tira de borracha, usado como chicote para espantar
cachorros e como elemento cênico em algumas danças.
6 Boletim 49 / junho 2011

CASA DAS MINAS: A FESTA DO DIVINO SEM DONA CELESTE


11

Roza Santos12

“No primeiro Pentecostes, depois da Divino é uma devoção de nochê Se- Viana; Boi de Pindaré II, de Gago; e Tambor
morte de Jesus, cinqüenta dias depois pazim e é uma obrigação (preceito, de Crioula “Amor de São Bendito, da Fé em
da páscoa, o Espírito Santo desceu dever) da Casa. Nochê sepazim é a Deus.
sobre a comunidade cristã de princesa da família Davice, filha do A Casa das Minas surgiu na primeira
Jerusalém na forma de línguas de fogo; Rei Dadarro e casada com o príncipe metade do século XIX, fundada por negros
todos ficaram cheios do Espírito Santo Daco-Donu. Ela portanto representa africanos jeje. É um grande Templo em que
e começaram a falar em outras línguas, a imperatriz e a festa é organizada em os voduns se reúnem em famílias,
conforme está nas Sagradas Escrituras sua homenagem pois ela adora o estabelecidas em partes específicas da casa,
(Ato dos Apóstolos 2,1-4). Divino Espírito Santo. Dona Celeste espaços sagrados de cada família:
(Pentecostes é uma palavra que vem diz que ela dá esmolas aos pobres e
do grego e significa “qüinquagésimo”). doentes da família de Acossi e por isso voduns da família de Davice; voduns
na Festa do Divino as crianças da família de Savaluno; voduns da
A Festa do Divino no Maranhão é uma representando imperadores, quando família de Dambirá (voduns jeje); e
festa de devoção e ritual ao Divino Espírito voltam da procissão, distribuem esmo- voduns da família de Quevioçó que é
Santo relacionado a Pentecostes que celebra las aos pobres na entrada da casa. nagô, eles são hóspedes de Zomado-
a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos O carisma de Dona Celeste a fez nu que deu o lugar a eles. Averequete
e seguidores de Cristo. Pentecostes é o nome e Abê (são nagôs) fazem o papel de
dado para o dia em que comemoramos a toquens, são mensageiros. A parte da
solenidade do Espírito Santo. Na Casa das Casa destinada a eles (da família
Minas, na Casa de Nagô, em Alcântara, Quevioçó) são os dois quartos à
citando as mais conhecidas, obedecem o esquerda do corredor de entrada
calendário litúrgico da Igreja. (Ferretti,1985),
A Festa do Divino da Casa das Minas, em
2011, tem conotação grandiosamente
espaço da casa em que Dona Celeste, que
saudosa: o encerramento de um ciclo de festa
do Divino realizado por Dona Celeste. O pertencia ao vodum Averequete morava. Ela
ritual iniciou dia 29 de maio com abertura da nasceu em São Luís em 13 de abril 1924 e
tribuna e buscamento do mastro; frequentou a Casa das Minas desde 1945,
levantamento do mastro, dia 1º de junho, e dançou na Casa em junho de 1950 e meses
prosseguiu até dia 14 quando se deu o após a morte de mãe Andresa, foi para o Rio
serramento do mastro e carimbó das caixeiras. de Janeiro, onde trabalhou até 1967. Morando
Nesse ínterim, acontecem vários rituais que no Rio, ajudou a organizar várias festas do
culminam no Domingo de Pentecostes. Mas Divino. Voltou a São Luis em 1968, tomou a
a grande lacuna, neste ano, é a ausência de frente da realização da Festa do Divino e, a
Dona Celeste. Ela sabia movimentar devotos partir de 1976, quando Dona Amélia assumiu
e devotas do Divino Espírito Santo de todas a chefia do culto, compartilhava a direção da
as camadas sociais, propiciando interação conhecida no Brasil e no exterior. Ela tinha a casa, encarregando-se dos aspectos
entre as pessoas chamadas de elite e as menos visão das grandes mulheres, sempre à frente administrativos e materiais. Era a relações
favorecidas. Transformava a Festa do Divino do seu tempo, o que nos permitiu gravar um
públicas.
num tempo de partilha e congraçamento disco com as caixeiras. Em 1989, enquanto
Este ano, o convite veio assinado por Dona
entre pessoas de vários níveis sociais e produtora do programa Santo de Casa da
Rádio Universidade, eu e Jurandir Serra, Denil Prata Jardim, chefe espiritual da Casa;
intelectuais. Além de organizar a festa era
também a caixeira-régia – aquela que sonoplasta, acompanhamos todas as etapas Euzébio Pinto, neto de Dona Amélia Pinto e
comanda, junto com a caixeira-mor, o grupo do ritual da Festa do Divino – abertura da huntó (tocador-chefe); Edna Cardoso Lima e
de caixeiras que tocam em festas do Divino e tribuna ao derrubamento do mastro - exigência Onezinda Pinheiro, assissis (tratamento dado
é responsável pelo cumprimento do ritual da de Dona Celeste para nos dar a licença para às pessoas amigas da Casa) que já assinavam,
festa - cargo assumido por Jacy Gomes Santos, produzirmos o disco. A equipe da Rádio há quarenta anos, com Dona Celeste, as cartas-
conhecida como Dona Jacy, caixeira-régia de Universidade colocou, pela primeira vez, convites para coleta de donativos para a festa.
várias festas em São Luis e sobrinha de Dona caixeiras da Casa das Minas num estúdio de A Programação da Festa do Divino da Casa
Celeste. gravação, fato inédito na história da casa. das Minas prosseguiu:
Dona Cecé, como era carinhosamente Participaram Maria Farias (caixeira-régia, na Dia 12 – Domingo de Pentecostes -
chamada, possuía carisma das Grandes época) voz e caixa; Celina Rodrigues Pachedo, Alvorada ao pé do mastro, às 5h; Missa na
Mães-de-Santo brasileiras. Carisma que gerou, Ivete Rodrigues Sousa, Laudelina Apolonia Igreja de Santana , às 8h, e cortejo dos Impérios
após sua morte, em 25 de outubro de 2010, Medeiros (Lalá), Maria Cesarina dos Passos até a casa das Minas; Almoço dos Impérios,
incertezas quanto a continuidade da Festa Lisboa e Maria Celeste Santos (Dona Celeste),
12h; Toque de Caixas ao pé do Mastro, às
do Divino na Casa das Minas. A festa é no coro e caixas. Todo processo, que
17:30h; Jantar dos Impérios, às 19:30, e em
obrigação da casa, quando começou é difícil antecedeu a gravação foi registrado em Akai -
seguida Ladainha.
precisar, como a maioria das manifestações gravador de rolo -, na operação de áudio de
populares religiosas, mas os registros e Jurandir com apoio técnico de Cristina Lima Dia 13 – Derrubamento do Mastro, às
depoimentos das vodunsis no livro e Álvaro Junior, o que resultou no Disco 19:30h; Jantar dos Impérios, às 20h; Ladainha,
Querebentan de Zomadonu, nome africano Batuque Universo (1993), em vinil, com às 20:30h; e Fechamento da Tribuna e posse
da Casa das Minas (Ferretti, 1985), afirmam: direção e produção de Jurandir Serra e Roza aos impérios, às 21:30h;
Santos, um produto da Radio Universidade Dia 14 – Serramento do mastro e carimbo
Na casa das Minas a festa do Divino é FM, em que foram gravados: cânticos do das caixeiras com arroz de toucinho e camarão
uma tradição antiga e o pessoal diz Divino Espírito Santo da Casa das Minas; Boi seco, às 17:30h; e Tambor de Crioula, às 19
que ela sempre foi feita. A festa do de Zabumba do Monte Castelo, de Antero horas.

11 Publicado originalmente no Jornal Pequeno. São Luis, domingo, 12/6/2011, CAD. Opinião, p. 4.
12 Radialista Aposentada e membro da Comissão Maranhense de Folclore.
Boletim 49 / junho 2011 7

JOGO SOCIAL E BRINCADEIRA POPULAR:


A BRINCADEIRA DE CASINHA
Keila Santana13
“O brinquedo é o mudo diálogo da criança
pela sociedade. Assim é que durante a parte do rol de diversões principalmen-
com seu povo” te das crianças que ainda não entra-
Walter Benjamin escravidão, o garoto negro participava
das brincadeiras como cavalo e era açoi- ram na pré-adolescência que vai dos 11
RESUMO: Este artigo trata de uma tra- tado pelo garoto branco, filho de seu aos 14 anos. Após esta fase, a brinca-
dicional brincadeira popular: a casinha. colonizador, numa reprodução fiel ao deira vira “infantil, coisa de criança”15,
Nele abordamos os aspectos que envol- quadro social da época.14 sendo substituída por jogos eletrônicos
vem sua realização bem como sua inci- Apesar disto, a brincadeira infan- ou interativos no computador. Além
dência no conjunto das brincadeiras in- til não deve ser vista como uma cami- disso, esta ruptura demonstra a neces-
fantis, além de relacionar a prática da sa-de-força, já que apesar da configu- sidade que o pré-adolescente possui de
brincadeira com os elos sócio-culturais que ração fixa que possui, orientada por rí- rescindir com aquilo que, para ele, re-
atravessam esta forma de brincar. Numa gidos padrões-culturais, também entra presenta o mundo infantil e do qual
outra perspectiva, analisaremos o movi- em jogo a individualidade do sujeito, ele quer se libertar, como pressuposto
mento da brincadeira na transição sócio- com sua capacidade de sublimar a brin- para sua entrada no mundo adolescen-
histórica pela qual passamos para assim cadeira, a partir de sua própria inter- te/adulto.
podermos compreender as nuances que pretação diante da realidade. Para Uma das entrevistadas, de 12 anos,
envolvem suas modificações. A pesquisa Walter Benjamin, essa característica do e já na fase pré-adolescente ratificou
foi realizada em 2010 nos bairros do Anil comportamento humano está associa- esta afirmação ao informar que já não
e do Coroadinho, em São Luís. Incluiu da ao sentimento de libertação que este brinca mais de casinha por se conside-
trabalho de campo com crianças e entre- possui ao vivenciar a brincadeira, como rar ‘grande’ para a brincadeira. Neste
vistas com a pesquisadora Zelinda Lima. uma espécie de subversão da realida- sentido, o ‘grande’ pode ser traduzido
CONSIDERAÇÕES INICIAIS de que, a partir do jogo, é sublimada tanto em seu valor objetivo, de que a
em ideal do mundo desejado.
As brincadeiras infantis sempre fize- criança, em sua nova configuração cor-
No presente estudo, buscaremos
ram parte das práticas culturais inseri- poral, portanto maior, já não mais se
analisar a brincadeira de casinha a par-
das no conjunto de atividades humanas. enquadra no padrão corporal “baixo”
tir de seu funcionamento na dinâmica
Apesar de ser impossível definir datas das outras crianças, como também o
entre o real e o lúdico, na internaliza-
precisas que impliquem em sua origem, ção das regras e comportamentos soci- ‘grande’ pode ser traduzido por ‘adul-
sabe-se que algumas brincadeiras como ais, além de situar a brincadeira no ta’ no sentido de que a brincadeira não
o jogo de peão e carretel chegaram a csontexto atual dos brinquedos indus- pertence mais ao seu universo pessoal.
alguns grupos por ocasião da chegada trializados e dos jogos eletrônicos. Esse dado também nos mostra que
de colonizadores europeus. Outras, O grupo de crianças utilizado para um dos elementos que identifica a for-
como as brincadeiras de imitar animais, a pesquisa possui um perfil múltiplo e mação do grupo está relacionado ao
sobrevivem como reminiscências indí- variado quanto a definição de origem, fato de todos ali possuírem idades equi-
genas. Muitas outras se misturaram na gênero e classe social e é composto por valentes e não muito díspares umas das
dinâmica inter-relacional de convivên- 4 crianças com idades entre 7 e 9 anos, outras, o que no jogo de aceitação/ne-
cia entre os diversos grupos étnicos. De sendo 3 meninas e 1 menino. Esta pre- gação do indivíduo com o grupo impli-
todo modo, estas brincadeiras são aspec- ponderância feminina já traz em si um ca em normas rígidas ditadas por fato-
tos da cultura popular que carregam indício do caráter feminino que a brin- res definidos pela dinâmica do grupo e
consigo características em comum, que cadeira adquiriu ao longo do tempo, que o ajudam a construir sua coesão
a definem como tradicionais, como a onde brincar de casinha virou “coisa de interna. Neste caso, a idade é o ele-
oralidade, a transmissão de geração a menina” e os meninos encontram re- mento que deve qualificar quem pode
geração e o anonimato de seus autores. sistência à brincadeira tanto por parte ou quem não pode compor o grupo e
Em diferentes culturas, para além das próprias meninas quanto por parte participar da brincadeira.
de seu aspecto lúdico, as brincadeiras dos pais, que vêem na brincadeira um
funcionam como internalização das instabilizador da constituição do traço Contando uma história
práticas culturais, onde são inscritas as masculino da criança. Porém, o que se
formas de convivência em grupo, defi- sabe é que anterior a este tabu, os me- De acordo com as crianças entre-
nição de papéis sociais e dinâmicas de ninos participavam da brincadeira sem vistadas, a história em torno da qual
sociabilidade. A partir daí, as crianças que houvesse qualquer resistência. gira a brincadeira consta de uma bo-
são estimuladas a vivenciar, na forma neca-mãe16, podendo esta ser solteira
de brincadeira, os comportamentos BRINCAR DE CASINHA ou casada (neste último caso se houver
desejáveis que elas tenham quando É COISA SÉRIA! menino na brincadeira) com 1 ou 2 fi-
adultas, o que favorece a manutenção lhos, cuja situação econômica é privi-
da ordem natural das coisas, de acordo No grupo pesquisado, pode-se per- legiada.. Esta noção pode ser lida em
com a moral e os costumes prescritos ceber que a brincadeira de casinha faz dois níveis; o sociológico, que reflete
13 Keyla Santana é atriz, arte-educadora, mestranda em Cultura e Sociedade e membro da Comissão Maranhense de Folclore.
14 Ver FREIRE.Gilberto.Casa Grande & Senzala.Rio de janeiro: José Olympio, 1984.
15 Conforme depoimento de uma das entrevistadas.
16 Referente às brincadeiras onde as bonecas cumprem papel de adultas.
8 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

uma noção de mundo associado aos zes, as meninas não gostam de fazer
po que separa a brincadeira de casi-
bens materiais, em grande parte esti- papéis masculinos. Um elemento que
nha de ontem e de hoje. Durante
mulados pelo marketing agressivo das pode influenciar nesta configuração é,
muito tempo esta brincadeira era a
grandes indústrias do entretenimento. atualmente, a pouca existência de
principal atração das meninas tidas
Num sentido subjetivo, esta relação põe meninos em brincadeiras de casinha.
o individuo face a uma oposição entre como ‘comportadas’ e em geral os pais
Ao ser perguntado sobre sua participa-
o que se possui e o que se deseja pos- não gostavam de ver meninas e meni-
ção na brincadeira, o único menino, de
suir, o que o obriga a ficar frente à al- nos brincando juntos por acharem
9 anos, afirma que brinca apenas por
teridade de sua constituição enquanto que isso incitava uma aproximação
não ter muitas outras opções, já que é
sujeito, e, portanto, face a sua subjeti- indevida entre os gêneros. Além dis-
o único menino daquele núcleo fami-
vidade. so, a rua muitas vezes era vista como
liar e por ter se esgotado suas possibili-
Outra característica da brincadei- dades de brincar sozinho. Outro ele- lugar inadequado para as “meninas de
ra chama atenção para o fato de que mento fundamental para entendermos família”, numa contraposição entre a
as bonecas que a compõem, possuem esta configuração é que 2/3 do grupo casa e a rua já tão bem descrito pelo
como profissão carreiras bem vistas so- não possui referência paterna e tem antropólogo brasileiro Roberto da
cialmente, em geral as das áreas médi- como núcleo familiar principal a mãe Matta.
cas e do Direito, refletindo visões de ou os avós o que reflete a ausência da As bonecas, além de muito bem
mundo do grupo social que participam. figura do pai inclusive na brincadeira. cuidadas, ganhavam vários tipos de
Com isso, pretendem, além de status bajulação, como festas de aniversário,
social, independência econômica, o Brincar de casinha hoje chás da tarde, etc. Na geração do plás-
que nos leva a concluir que antigas tico, as bonecas de porcelana viraram
noções que caracterizavam o papel da Atualmente, muitos sites na inter- relíquias de colecionadores adultos e
mulher, tanto na sociedade quanto na net possuem jogos que imitam a brin- as bonecas de padrão europeu e norte-
brincadeira, vem acompanhando as cadeira de casinha em campo virtual. americano que tem na Barbie o seu
mudanças na dinâmica do papel mu- Para muitas crianças do grupo estas são melhor exemplo ofuscaram as bonecas
lher no grupo social. Ao caracterizar a mais interessantes, pois há mais opções de pano, conhecidas como bruxas, que
boneca como independente, tanto so- viraram objetos de museu. Praticamen-
de configuração da brincadeira, assim
cial quanto financeiramente, a crian- te esquecidas ficaram as bonecas de
como o fato de a boneca ser animada
ça reflete em seu pensamento a nova pano em tamanho quase natural, que
apresentar uma possibilidade mais ‘real’
configuração do papel da mulher na imitavam as moças em seus pormeno-
no jogo das ilusões propostas pela tec-
atualidade e se distancia das antigas res: seios, sexo, boca e sensualidade.
nologia. Por outro lado, afirmam que
histórias onde a boneca-mãe devotava-
há pouco espaço para criação de histó- Essas eram de todas as formas, cores e
se ao lar e aos cuidados com marido e
rias já que elas já vem semi-prontas pela ao gosto do cliente.
filho e suas principais tarefas resumi-
empresa fabricante do game. A este Depois desta, muitas outras bone-
am-se aos afazeres da casa.
respeito Walter Benjamin, traz impor- cas e casinhas, virtuais ou reais, conti-
Num outro aspecto, pode-se obser-
tantes contribuições ao pensar a brin- nuam a existir na vida não apenas de
var que, quando o número de partici-
cadeira no contexto das sociedades pós- crianças, mas na memória viva de mu-
pantes é grande, são os mais velhos que
a organizam, um outro indício de como industriais, em que o brincar, bem lheres de todas as idades que, nos mo-
a brincadeira de casinha reproduz pa- como o brinquedo, modificam-se con- mentos de reencontro com sua alma de
drões de comportamentos desejáveis às sideravelmente por causa da produção menina, reencontram sua boneca sen-
crianças, como uma forma de primei- em massa. Se, antes dessa dita socie- tada no chão, fingindo-se mulher.
ro contato com os modelos adotados dade, as próprias crianças ou seus pais
em sociedade e, desde cedo, assimila- produziam os brinquedos; com a indus- Referencia Bibliográfica
do no contexto de algumas brincadei- trialização, cada vez mais abriu-se uma
distancia entre ambos. Além disso, as BENJAMIN, Walter. Reflexões: a
ras infantis. Neste caso, as relações de
respeito e obediência devotadas as cri- dimensões dos brinquedos foi aumen- criança, o brinquedo, a educação.
anças mais velhas do grupo que, em tada, eles se tornaram imensos, fato que São Paulo: Summus, 1984.
função da idade, estabelecem uma re- tinha como objetivo gerar um grande CASCUDO, Câmara. Dicionário
lação hierárquica onde mais velhos são apelo comercial, ocasionando não ape- do folclore brasileiro. 11ª ed. São
obedecidos e tidos como naturalmen- nas impactos negativos entre as crian- Paulo: Global, 2001.
te mais capazes de comandar o grupo. ças, mas também entre as crianças e
FREUD, Sigmund – Além do Prin-
Em relação ao papel masculino pre- seus pais, quando estes não tinham
cípio do Prazer. Rio de Janeiro: Ima-
sente na brincadeira, verificamos que, condições financeiras de comprar o
brinquedo endeusado pela propagan- go, 1998.
na estrutura familiar, na qual as bone-
cas se inserem, nem sempre existe a da de massa. FREIRE, Gilberto.Casa Grande &
figura paterna e, quando existe, possui Senzala.Rio de janeiro: José Olym-
papel secundário. De acordo com o MEMÓRIAS DE HOJE pio, 1984.
grupo, isto é ocasionado por dois moti- E DE ONTEM KLEIN, M. A Psicanálise de Cri-
vos: 1 – decisão coletiva por parte do anças. (1932). Rio de Janeiro: Ima-
grupo; 2) quando não há meninos na Naturalmente muitas foram as mu-
go, 1997.
brincadeira, já que, na maioria das ve- danças que ocorreram na linha do tem-
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Miolo de Boi:
brincante, brincante-manipulador e dançador
Tácito Freire Borrelho17
Qualquer nome que se atribua ao caravelas durante as viagens que resultaram A partir disso, pode-se perceber a
indivíduo que atua como o manipulador do no descobrimento do Brasil. Essas Tourinhas existência de duas versões dramatúrgicas para
elemento animado que é o objeto “boi”, no eram jogos de disputa que implicavam em o folguedo. Uma para o auto, esquema similar
folguedo Bumba-meu-Boi no Maranhão estará grande folgança e continham a simulação da a Commedia dell’Arte, outra para a morte do
sempre sujeito a uma fecunda discussão. morte de um boi, artefato de vime ou madeira Boi, esquema de teatro primitivo, puro ritual
Identificado por alguns estudiosos da área leve, mas não se constituía em um auto com celebrante, iniciados e fiéis.
das Artes Cênicas como boneco, por outros, encenado.
O que caracteriza o folguedo no Maranhão
como máscara ou ainda, como prefere chamar
não é só o período em que ele acontece.
a antropóloga Maria Laura V.de Castro “Não seria falso aceitar-se a idéia de que
houve um momento em que se deu um Embora se dance Boi durante todo ano como
Cavalcanti (2006,71), “boi artefato”, esse objeto
animado é a figura central do folguedo. possível enlace entre os autos natalinos ou apresentação compacta, suas brincadas se
No presente trabalho, pretendo esboçar reisados e esse brinquedo, o que veio resultar concentram no período junino, durante o
um recorte no que se pode observar da atuação numa forma híbrida: o Boi de Reis, solstício do verão, época propícia para a
desse indíviduo que manipula o Boi, quanto brincado no calendário natalino, celebração de todos os seus rituais. Uma das
a seus procedimentos gestuais e formas de principalmente no Nordeste. A evolução suas fortes características é o modo de
desse folguedo novo aponta para várias apresentar-se, mantendo convencionalmente
relacionamento (atitudes- gestos -
direções, inclusive as que podem ser
movimentos) com o objeto em questão; de a encenação de um auto ou apresentando
identificadas como bumba meu boi.”
como, em alguns “sotaques”, os miolos se (BORRALHO, 2006, p.163). apenas a sua revista musical. Outra, é a sua
comportam com relação a animação/ profusão de sotaques.
manipulação ou exibição do referido objeto. Acredita-se que a chegada desse folguedo Essa organização de grupamentos ou
ao Maranhão deu-se por volta de 1701 com o conjuntos de bumbas por sotaque é uma
O que é o Boi e como se caracteriza o ciclo do gado. E o que mais alimenta essa determinação letrada, conceituação de
folguedo Bumba-meu-Boi crença são indicadores de complicadas estudiosos e não dos nativos, embora estes se
referências aos personagens típicos da lida utilizem do termo em seu cotidiano para
O Boi, esse artefato de madeira leve, com o gado em fazendas, como o fazendeiro identificar formas de “falas” das brincadeiras
geralmente construído com “vergontas de (o amo),o vaqueiro, o capataz, o rapaz, dentre
canela-de-veado” e buriti, tendo a cabeça ou outras manifestações que expressem
outros, que povoam as trama dos autos do algum tipo de sonoridade. Sotaque é por
esculpida em um bloco de madeira Bumba-meu Boi.
igualmente leve, porém maciça, recebendo definição o modo distinto de falar o mesmo
O folguedo vai se estruturando idioma e talvez o termo que mais se prestou a
como acabamento um par de chifres naturais progressivamente e assumindo características
polidos e enfeitados com ponteiras de metal essa classificação dos conjuntos de bumba e
de apropriação de componentes regionais;
brilhoso (metal nobre ou niquelado). É que não foi difícil de ser apropriada pelos
estabelece um ritual que se espalha por todo
realmente confeccionado para ser um boneco o Estado e está contido no ciclo da brincadeira participantes diretos do folguedo.
(ou boneco – máscara), um objeto animado. e que, salvo raras variantes, acontece de
Sua cobertura em veludo preto todo acordo com o seguinte calendário: A atuação do miolo por sotaque,
rebordado de lantejoulas, canutilhos, Sábado de Aleluia – Primeiro ensaio do no Maranhão
miçangas e paetês, da face à cauda. Ostenta Boi
um determinado ícone na testa que varia de 13 de junho (dia de Santo Antônio) - Nuclear grupos de estruturas similares por
estrela, rosa, ostensório, escudo de time de Ensaio Redondo; sotaque é um traço de contemporaneidade.
futebol a brasão de estado ou brasão nacional. 23 de junho (véspera de São João) - Porém, em pleno século XXI, existem
O acabamento perfeito para esse boneco é a Batizado do Boi; expressões bastante particulares desse
sua barra, espécie de saia comprida que 24 de junho a 25 de Julho – Brincadas folguedo, em diferentes povoados do Estado
esconde o seu manipulador. Na brincadeira (apresentações); do Maranhão. Grupos que não poderão
maranhense a forma de esculpir esse boneco 26 de Julho (dia de Santana) – Morte do encaixar-se em nenhum “sotaque” distinto e
sofre uma diferença considerável de sotaque Boi, encerramento da brincadeira. que poderiam ser considerados grupos de
para sotaque. Ao que estudiosos convencionaram “não sotaques” ou de “sotaque isolado”.
“O Bumba-meu-Boi é uma expressão de chamar de auto, os brincantes denominam Os grupos que pertencem aos diferentes
teatro popular viva, que se reinventa, que se sotaques estão assim localizados:
matança, comédia ou palhaçada, de acordo
transforma, enquanto mantêm sua tradição” SOTAQUE DA BAIXADA, nos municípios
com os sotaques e com as regiões das quais se
(BORRALHO, 2006, p.159). Em verdade, o de Pindaré, Viana, Matinha, Penalva,
originam. No Maranhão, o folguedo tem Olinda dos Castro, São João Batista,
folguedo como é brincado no Maranhão segue
características que permitem compreendê-lo Bequimão, São Vicente de Ferrer,
uma ritualística que obedece a um calendário
como teatro popular, teatro musical,teatro Alcântara,etc.;
comum a todos os conjuntos pertencentes aos
dramático, teatro de bonecos, teatro de atores SOTAQUE DE ZABUMBA, nos
diferentes sotaques (pelo menos aqueles
e bonecos ou simplesmente espetáculo municípios de Cururupu,Guimarães,
sediados na ilha de São Luís). Assim se
teatral.É impossível negar sua teatralidade. Cedral, Porto Rico do Maranhão, Central,
descreve o ciclo da brincadeira: “BATISMO
Todos os conjuntos de boi costumam Mirinzal, etc;
(re-nascimento) iniciação / VIDA (brincadas)
ensaiar a brincadeira considerando como SOTAQUE DE ORQUESTRAPA, nos
/MORTE”. Isso nos autoriza pensar que esse municípios da Axixá, Morros, Presidente
folguedo extrapola a condição de simples partitura uma sequência dramática que
poderá ser encenada ou não mais que servirá Juscelino, Cachoeira Grande, Rosário (e
dança dramática, de uma simples encenação povoado de São Simão, em Rosário), etc;
metafórica com a duração de uma hora de como roteiro nas apresentações.
SOTAQUE DE PANDEIRO DE COSTAS
apresentação. Se existe um roteiro dramático existe
DE MÃOS, nos municípios de Cururupu,
Tem-se informação através dos Anais do implicitamente uma dramaturgia, mesmo
Serrano do Maranhão, etc;
10º Congresso Brasileiro do Folclore realizado inexistindo uma escritura. Há sim, um roteiro SOTAQUE DE MATRACA (OU BOI DA
em 2002 que as “Tourinhas” portuguesas, bem dramático que se transmite oralmente e que ILHA),nos municípios de São Luis, Icatu,
como alguns outros autos, eram brincadas nas vai se estruturando durante os ensaios. Paço do Lumiar, Iguaiba, Raposa, etc.
17 Dramaturgo, ator, diretor, mestre e doutorando em Teatro; Professor da UFMA-CCH-DEART.
10 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

O que caracteriza cada sotaque, é o tipo de. A tudo isso chamamos :Vida. Quando basta apenas saber carregar um objeto
de instrumental que compõe seu conjunto, a energia cessa, ‘aparentemente’, acontece cuidadosamente e dançar ao som de um
as variantes de ritmo, a construção das toadas, a imobilidade. E, o corpo assim ‘imóvel’ batuque. Como cada sotaque possui uma
a sua coreografia, o desenvolvimento do auto, suscita outra realidade. Ao cessar total da estrutura de boneco (o Boi ) diferente, no
a utilização de elementos animados entre os energia, chamamos: Morte.” (AMARAL, tamanho, formato e desenho externo, seu
seus personagens e principalmente o perfil 2005, p.16-17). manipulador terá que se adequar a essas
de construção do Boi. A dança de cada peculiaridades. Na verdade, a idade é o menos
sotaque tem um estilo próprio mesmo que os O que Ana Maria Amaral afirma é que “os importante. O que pode determinar mesmo é
passos coreográficos em algum momento elementos utilizados no teatro de animação não a compleição física e a altura do indivíduo, a
posam desenhar um traço que demonstre uma são vivos em si, mas transmitem vida ao serem sua agilidade corporal, sua dedicação ao
ligeira semelhança com passos de outro animados”. E por estar contido nisso o mistério folguedo (sendo um promesseiro ou não) e seu
sotaque. Vida e Morte, essa ligação entre duas espírito dançador.
É na construção do boi, seu tamanho, realidades opostas faz operar a magia que se O que tenho observado constantemente
formato do seu bojo, e na coreografia do vislumbra no teatro de animação. entre os miolos, no Maranhão, é a sua
sotaque a que pertence que se definem os É talvez na fruição do encantamento capacidade de concentração, que vai da
seus modos de manipulação e o perfil do seu mágico descrito por atitudes do miolo no introspecção à explosão de alegria, numa
manipulador. desenvolvimento do seu gestual que se possa dança bem humorada, contagiante,
Esse brincante a quem compete animar o compreender as sutilezas do processo da propiciadora de uma plena integração com o
boi, geralmente é chamado de “miolo.” No animação do objeto Boi. Observando público. Há momentos em que as pessoas da
Maranhão é ainda conhecido como “alma”, atentamente vê-se que o objeto está platéia se descobrem afagando o boneco como
“espírito” ou “mulher do boi”; no Nordeste, completamente ligado ao corpo do brincante se fosse um animal vivo, tal é a capacidade
como “tripa,” “miolo” ou “condutor” (no Boi de que o veste, o que proporciona a execução de que o miolo tem de estimular essa ilusão.
carnaval de Alagoas) e “brincador” (no Cavalo movimentos em perfeita sintonia corpo/ No Boi-de-Mamão de Santa Catarina, essa
Marinho); de “miolo” ou “dançador”, em Santa objeto, o que é determinado pela completa questão da idade do manipulador, talvez por
Catarina; de “bucho” e “recheio”, no Mato sinergia entre os movimentos do seu corpo e o se tratar de uma estrutura de boneco única
Grosso. movimento do Boi, que neste caso pode ser para todos os grupos, com arcabouço um
Para que se possa entender o que é um considerado uma máscara. Já quando o miolo pouco resistente e mais pesado, é vista de
miolo de boi, não basta definir o termo “miolo”. precisa levantar o Boi no momento de “rolá- outra forma. Observa Valmor Beltrame:
É necessário compreender a sua função no lo” durante a dança ou simplesmente exibi-lo
folguedo. E como no folguedo a encenação é ao público, destacando-o do corpo, carece de “Vale lembrar que a apresentação do Boi-
um jogo, esse miolo pode ser considerado maior atenção e melhor precisão em sua de-Mamão reúne integrantes de diferentes
simplesmente um brincante. Mas um animação, pois aí ele se configura como um faixas etárias com atribuições distintas e
brincante-dançador. Aquele que tem a boneco. E nos fala: “Em ambos os casos, o que fundamentais para a sua realização. Um
responsabilidade de animar (dar vida, temos é uma parte inanimada, representada pelo iniciante dificilmente entra na brincadeira
movimentar, exibir) o boi. Fazê-lo correr, boneco ou pela máscara,e uma parte animada para dançar debaixo da figura principal. É
brincar, dançar, dar e buscar afeto da platéia e com vida racional, representada pelo ator- comum antes de animar o Boi, que o
manipulador.” (AMARAL, 2005, p.20). integrante atue com bonecos-máscaras com
(inclusive um “capim”, óbolo em dinheiro ou
No folguedo, o manipulador do Boi, o menor complexidade e tempo de
bebida), fugir, morrer e ressuscitar.
miolo, tem logicamente energia própria, vida participação em cena [...]. Isso supõe
Fica clara a irrefutável necessidade de dominar os saberes relativos à atuação de
uma relação entre miolo e Boi que vá além da racional mas não é ele o personagem. Já o Boi,
o elemento animado, não tem vida nem cada figura e ao mesmo tempo passar por
cumplicidade e da parceria, de uma relação etapas a serem superadas, nas quais o dan-
tão harmônica capaz de confundir por existência real, mas é sim o personagem
çador se apropria melhor do modo de atu-
momentos homem e objeto. Uma relação que durante todo o tempo. Isto nos permite
ar, adquirindo a segurança necessária para
define claramente a teatralidade executada entender que no teatro de animação que se
dançar debaixo de Boi...” (BELTRAME,
nos espetáculos de animação. O Boi, esse realiza no folguedo, o miolo interpreta e se 2007, p.168-169).
boneco grande que pode ser chamado por expressa com outra imagem. “Transfere
uns de “boneco-máscara” cumpre energia. Sua imagem não está na cena. O Essa observação deixa transparecer que
perfeitamente seu papel de figura central do boneco neutraliza a presença do ator o miolo em questão ali denominado “dançador”
espetáculo. Por mais que suas feições [brincante], como se o eliminasse.” (AMARAL, é treinado, podendo ser qualquer homem que
busquem um traço fortemente realista, 2005, p.21). se proponha atuar com tal. No Maranhão, há
apresenta-se exatamente como um simulacro, Em verdade, no folguedo, essa certa semelhança no que diz respeito a
enfeitado e rígido, mas manifestando uma neutralização transita com uma certa participar do folguedo, não especificamente
precisa ilusão de vida gerada pela duplicidade durante todo o espetáculo. O da animação de objetos/personagens, na
manipulação, resultado da energia do público jamais duvida de que o Boi é um objeto brincadeira.
brincante, que nesse caso, age como um ator- que está sendo animado por um sujeito, às Durante o Encontro de Estudos e
manipulador. vezes, bem oculto, mas não esboça surpresa, Pesquisa dos Elementos Animados do
nem demonstra sinais de desencantamento Bumba-meu-Boi do Maranhão, realizado em
“O Teatro de Animação trabalha com a quando o miolo se mostra durante a função, 2006, pelo Grupo Casemiro Coco (DEART-
matéria concreta, que pela energia do ator, levantando o Boi acima se sua cabeça, CCH-UFMA), foi registrada a grande
torna-se animada, faz-se personagem. fazendo-o mover-se como se flutuasse ou participação de crianças, adolescentes e
Matéria animada,como a própria palavra como se sua figura fosse projetada por um jovens em todos os sotaques. Segundo a
diz, é todo e qualquer corpo físico que, no alongamento descomunal de suas pernas. Boi pesquisa, essa é uma prática antiga dos
contato com energias sutis do espírito, e miolo se confundem ao ponto do público grupos de Zabumba. “Leandro, 18 anos, miolo
adquire outros significados. Alma é o não aceitá-los como um ser duplo. Sabe-se que o do Boi de Canuto (Zabumba) da Vila Passos,
material, o que ‘não tem peso’ e se miolo está ali, visível ou não, mas o elemento São Luís, (o mesmo Boi do finado Mizico),
manifesta através de elementos físicos, e focal é o Boi. O miolo se esconde e se revela
sua manifestação mais sutil é o movimen-
afirma que começou a brincar com 6 anos no
como um brincante, não como um ator, não posto de vaqueiro. Hoje, com 1,70m de altura,
to. Quando a matéria se move por energia transgride assim nenhuma regra do teatro nem
própria ou acionada por impulso bem magro,é responsável por rolar o boi ‘sem
do folguedo ter que levantar acima dos instrumentos’.”
humano,imediatamente,provoca novos Qual seria o perfil de um miolo? Adulto,
fenômenos[...] A energia que se desprende (BORRALHO, 2006, p.176).
jovem ou criança o miolo é um posto Em 2007, com a realização do Segundo
da matéria cria uma força que a transcen-
masculino privilegiado cujo ocupante não
Boletim 49 / junho 2011 11
CONTINUAÇÃO

Encontro, o mesmo grupo de pesquisadores preferência por miolos crianças ou anteriormente volta a fazer uma outra
encontrou, durante a “boiada de Matinha”, adolescentes. afirmativa para descrever o trabalho do miolo:
(espécie de reunião oficial dos Bois de Sotaque Zé Olhinho, Amo do Boi de Santa Fé, “eu não brinco debaixo do Boi, eu brinco dentro
da Baixada realizado inclusive como concurso participando de uma “Roda de Conversa” do Boi.” Em seu relatório, acerca do que afirma
oficial da prefeitura daquele município), um durante o Segundo Encontro, em 2007, afirma Zé Olhinho, Valmor Beltrame comenta: “A
miolo jovem prendeu a atenção de todos com que cada miolo tem uma coreografia própria, diferença entre debaixo e dentro merece
sua performance. José Américo Aires, 16 nos, “cada miolo rola o boi de um jeito.” Diz que reflexões. Há na expressão ‘dentro’ a idéia de
brinca debaixo do boi desde os 15 anos. em cada região há um modo distinto de “rolar autoria, de animar, de criar como artista. Já, na
Lavrador, filho de família de lavradores (do o Boi” evidenciando a expressão “rolar” como expressão ‘debaixo,’ neste caso específico, indica
Sr. José, de 36 anos e de Etiene Silva Aires de sinônimo de animar ou manipular. “O miolo a presença do artefato, o boneco-máscara/objeto
34 anos), diz que seu irmão de 10 anos também tem que ter prazer e entusiasmo para rolar o e remete a estar submetido á forma.” A
já “rola boi”e sua irmã de 14 anos brinca de Boi”, arremata ele. animação do Boi (que podemos dizer, se dá
Em relatório da pesquisa realizada durante através da manipulação do miolo), pode ser
índia. Sua mãe participa como bordadeira e
o mesmo Segundo Encontro, Valmor Beltrame compreendida como dança, bailado que
acompanhante e seu pai até 2006 era o miolo
assistindo a brincadas num arraial junino em integra animador e objeto de uma forma em
principal do Boi de Santeiro (povoado de
São Luís observa: que se torna possível observar uma partitura
Viana), um grupo de boi comunitário. “Mas
de gestos que se sucedem para tornar a se
nós pagamos promessa.O miolo é sempre um
“As ações de ‘rolar o Boi’, ‘levantar e girar’, repetir de forma harmonicamente ampliada.
pagador de promessa”, diz Seu José. correr e dançar fora do grande círculo O miolo entra para debaixo do Boi
Promesseiro ou não, José Américo, formado pelas índias e outros bailantes são geralmente num movimento sublime, num
afirmando que começou a atuar como o procedimentos recorrentes em diversos gesto respeitoso e conduz o boneco para o
segundo de seu pai no ano anterior, deve ter grupos até mesmo de diferentes sotaques.” centro da apresentação. A partir daí o bailado
omitido que, como seu irmão, já brincava extra- segue uma seqüência de movimentos que
oficialmente dançando debaixo de Boi. Sua Essa observação procede, mesmo por que podem ser observados em quase todos os
dança é um espetáculo à parte e de uma nos movimentos largos estão sempre sotaques, excetuando-se os Bois da Baixada,
perfeição que transcende qualquer presentes desenhos coreográficos comuns a no interior, que deixam por muito tempo a
compreensão sobre treinamento, regras, e todos os sotaques. É na dança que vai se dar cabeça do miolo exposta e arrastam muito a
esquemas coreográficos. a variação, posso dizer mesmo, a forma de parte traseira da barra do Boi. São estes os
Mas parece óbvio que os miolos de Boi manipular o Boi. principais movimentos:
dos diferentes Sotaques apresentem Nos Sotaques de Zabumba e Costas de BALANCEAR: O Boi vai deslizando ao
peculiaridades na forma de realizar suas Mãos, o manipulador está sempre de pé. Usa som das toadas;
danças. O que vai determinar essas diferenças o boneco como um chapéu que faz descer CORRIDA: Forte e suave, longa e breve,
não é o ritmo que acompanha o sotaque, mas, como um grande véu sobre o seu corpo. Mas em volta e no centro da roda, como
decididamente, a construção da carcaça (ou o Boi é um boneco “vivo.” O domínio das mãos continuidade do balanceio;
capoeira) do Boi. Para cada Sotaque, há um que realizam movimentos em perfeita GIRO: Executa em seguida esse
feitio, um tamanho, um perfil. Diria até que coordenação com todo o corpo, exibem um movimento de girar em rotação e transla-
dois Sotaques costumam usar o mesmo tipo complexo movimento rítmico que fazem o boi ção;
de arcabouço, se forem da mesma região. Por dançar elegante e suavemente mesmo quando TREMELICAR: Ao concluir as giradas, o
corre para o público. Nos sotaques da Ilha, da Boi é suspenso e dança em circulo, treme-
exemplo, Bois de Zabumba e de Pandeiro de
Baixada e de Orquestra os miolos partem de licando;
Costas de Mãos, são bois muito pequenos e
uma postura que implica em manter as costas ROLADA: Dando seqüência a tremelicada,
leves e suas viseiras são dois orifícios redondos executa a rolada, numa dança aérea que
à altura do pescoço do boneco; suas barras ligeiramente dobradas, apoiando o boneco
implica em novos giros e volteios;
são abertas atrás,embaixo do rabo do Boi. com os ombros e com as mãos. Para rolar
VALSAR: Agora a coluna do miolo parece
Os Bois de Orquestra tem uma estrutura literalmente o Boi, fica de pé, o que lhe permite deixar o ângulo de 90º de adota o de 45º
mais ampla e ostentam um “cupim” bem inclusive saltar. Nos bois da Baixada sediados passando a dançar como se estivesse
modelado; sua viseira é ampla e tem formato no interior, há outra dinâmica. Se o miolo não valsando. Primeiro sozinho e em seguida
triangular, descendo do “gogó” do Boi até os está em pleno jogo de encenação ou dançando com outros personagens da roda,
ombros, encontrando-se com a barra, em uma apresentação, mesmo com o Boi principalmente vaqueiros, burrinha, índios,
tornando-se o boneco que menos esconde o dentro da roda, ele se exibe quase por inteiro índias, caboclos reais, pai Francisco e mãe
seu manipulador. e o boneco se assemelha a uma capa. Catirina;
Os Bois da Ilha e os Bois da Baixada (os Consegue segurar o Boi, projetando o tórax PINOTAR: Em geral, após os valseios, o
completo, o que possibilita um gesto Boi pinota, isto é, salta;
sediados em São Luis) apresentam um Boi
subsequente de um traçado poético BANZEIRO: Em seguida ao salto, o Boi
médio com viseira triangular pequena na base
inigualável. Como se mergulhasse de costas dá umas voltas imitando com o corpo
do pescoço e barra completa com abertura como se fosse um barco nas ondas do mar;
para dentro do boneco, desaparece meio
frontal. Os Bois da Baixada, do interior do CORRIDA: Volta ao movimento da corrida
agachado e dança como se somente o boneco
Estado tem um formato diferente no e reinicia a dança.
existisse.
arcabouço da carcaça e são cobertos também
de forma diferente. Suas barras, as quais As variadas performances
Como se dá a animação do Boi
chamam também de lençol e varredor, são executadas pelo miolo
colocadas como uma coberta de cama por
A animação executada pelo miolo,
sobre a carcaça, sobrando bastante de um Para executar toda essa partitura gestual,
extrapola quaisquer princípios determinados
lado e outro. Outra peça de “lençol” é o miolo teria desenvolvido um exaustivo
pelo Teatro de Bonecos, com referência a
estendida da nuca para o rabo do Boi, manipulação. Aqui, o manipulador treinamento físico? Ou o estímulo da música,
deixando livre a sua cauda. O couro é transcende os gestos manuais e literalmente a dança, o aquecimento com a cachaça ou o
sobreposto como se fosse um tapete ou um se veste com o Boi, penetra o Boi e de repente, conhaque de alcatrão lhe asseguram o
manto. Ora, o pescoço do boi é totalmente este parece tornar-se a sua pele. Há uma equilíbrio corporal que assume desde a base
descoberto, deixando aparecer o miolo da harmoniosa e equilibrada relação homem/ dos pés descalços e achatados e com
cintura para cima. objeto de difícil e complicada explicação e curvaturas dos joelhos, um retorcer da coluna
São essas estruturas que podem definir o entendimento. Há definitivamente um vertebral em rotações de parafusos, o que
tipo físico de cada miolo. Quanto a faixa etária, “dentro” e um “fora” perceptíveis. Zé Olhinho através de pesquisa do teatro oriental Eugênio
somente o Sotaque de Zabumba tem na mesma roda de conversa citada Barba cognominou de equilíbrio precário.
12 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

São performances que possibilitam ao do auto, segue a partitura descrita acompanhando seu pai. O miolo do Boi de
miolo dar a impressão de deixar o Boi parado anteriormente. Quando há a encenação, o Zabumba, o Leandro, também já brincava boi
no alto e rodar e contorcer-se debaixo dele. miolo assume um papel de manipulador mais desde os seis anos de idade observando
Assim, quando o miolo se exibe, especula-se exigente. Ele é agora um brincante-dançador, certamente os miolos do seu grupo. Então
uma quebra, uma ruptura na intenção de um simples brincador ou um autêntico imitar, reproduzir passos, é um dado
mostrar-se, diminuindo a exposição do objeto ou “titeriteiro”? É nessa hora que se conhece toda importante. Mais importante é juntar a isso
acontece um fenômeno de ampliação gestual, a habilidade de um miolo. Como um mágico um talento despertado por uma espécie de
de interação manipulador-objeto utilizando o ou um contorcionista além de dançar com seus vocação que vai permitir a pessoalidade da
preenchimento do plano “espacial alto”. antagonistas Chico e Catirina, ele tem que performance. Aquilo que não é adquirido mas
O miolo de Boi não é, como vimos, um fazer um Boi dançar ora manhoso, ora arisco; sim exteriorizado pela própria ação do
brincante isolado, pois o Boi não brinca sozinho. e quando morto, o boneco trazido para o meio indivíduo que brinca.
No Maranhão, como também já vimos, as da cena, totalmente vazio, saber entrar no Boi Como observa Valmor Beltrame em seu
brincadas podem acontecer com a encenação sem ser visto pelo público, camuflado por estudo sobre o Boi-de-Mamão:
de um auto ou como um simples musical, outros personagens. Quando o Boi é curado
somente música e dança. Mesmo assim, o Boi ou ressuscitado, tem que saber gemer, fingir “...a técnica pode ser assimilada por todos,
se exibe, interagindo com todo o elenco, num estar despertando e urrar com força e levantar técnica se ensina e se aprende, mas o seu
palco, num tablado ou num terreiro. Só que alegre e dançando. domínio por si só não é suficiente para
além das brincadas de apresentações o Boi tem O período em que um miolo é mais exigido afirmar o trabalho do artista criador. [...] As
também as brincadas do seu ritual próprio como como amimador de um Boi, é na “Morte do trajetórias dos dançadores dos grupos de Boi
o Batizado e a Morte do Boi (matança final Boi”. Ele passa a viver também o drama do demonstram como o conhecimento que
simbolizando o fim do ciclo anual da Boi. São dias de festa em que esse Boi brinca, dominam foi produzido, considerando esses
dois aspectos, que se imbricam durante toda
brincadeira). Aí o miolo precisa ser também (ou dança despedindo-se de pessoas e lugares,
a sua atividade artística: as técnicas herdadas
mais) competente em suas performances. fazendo visitas, etc., até que foge e se esconde.
e o acréscimo de saberes, resultado do
O miolo, no seu trabalho de animador do É procurado, encontrado, laçado e numa processo criativo grupal ou individual do
Boi executa perfeitamente a ação conceituada correria por horas ou mesmo dias, vai artista.” (BELTRAME, 2007, p.166-167).
como performance por Mike Pearson: conseguindo fugir e sendo outra vez laçado e
finalmente trazido em procissão até o mourão. À guisa de conclusão
“A performance é um modo de É um cortejo belo e triste ao mesmo tempo. E
comunicação e de ação, distinto da ação o miolo ali, sendo ele próprio literalmente a Seria talvez um desperdício o
‘normal’ ou ‘cotidiana’, caracterizando-se alma do Boi. Parece que há um sentimento desenvolvimento de um estudo sobre o miolo
por certos tipos de comportamentos e que vai além da interpretação. O miolo parece
diversos registros de engenhosidade[...] A
de boi se não se pudesse fazer disso uma
não mais representar, parece estar vivendo apropriação legítima em favor dos estudos da
performance é uma rede sofisticada de aquilo. Para mim deixa de ser teatro de ator e
contratos, de sistemas signico-cinésicos teatralidade e da dança, transgredindo as
de animação e passa a ser puro jogo regras impostas por escolas e academias,
(movimentos corporais), hápticos (contato
ritualístico. Ao aproximar-se do mourão, o Boi contaminando parâmetros rígidos e fazendo
consigo mesmo e com os outros) e
sempre solta um mugido muito forte (um perceber que em se rompendo as fronteiras
proxêmicos (distância relativa entre os
corpos e de manipulações do espaço-
gemido alto e sofrido) e dá um jeito de soltar- das manifestações artísticas populares, muito
tempo). Ela é autônoma.” (PEARSON, se. Sem correr para muito longe é laçado outra se tem que aproveitar dos conhecimentos e
1995. In: BIÃO, 1999, p.157). vez e amarrado ao mourão. técnicas ali contidos apresentando assim,
O ritual da morte do boi é a partir daí um quem sabe, novos paradigmas para os estudos
Isso não me autoriza chamar o miolo de grito ancestral. Símbolos e signos se imbricam do teatro de ator, do teatro de animação, da
Boi de Performer mas seria bem o termo que até chegar-se a uma leitura mais clara da morte, dança e da dança-teatro. Como, por exemplo,
indicaria melhor sua atuação se pudéssemos quando o Boi ferido no pescoço geme cai de o estudo das partituras de passos
isolá-lo da cena do folguedo. “Em inglês a joelhos e o miolo derrama quantos garrafões coreográficos comparando com técnicas de
expressão performer é normalmente utilizada de vinho tinto estiverem junto ao mourão, por estudos do acervo erudito, entre outros.
para designar o artista cênico[...] No Brasil esta baixo da cabeça do Boi, como se este Proceder um estudo mais detalhado sobre
palavra embora tenha sido muito empregada sangrasse. Ao som de uma toada triste de o trabalho artístico do Miolo de Boi é conhecer
é freqüentemente entendida como despedida e de esperança de “voltar no ano mais profundamente suas funções ou seu
‘improvisação’ [...] Na tradução do livro ‘A que vem”, aquele vinho derramado em bacias, papel de brincante. Talvez chamá-lo de
arte secreta do Ator-dicionário de antropologia vai sendo distribuído entre os convivas. “brincante–baiante”, “brincante-dançador”,
teatral’ optou-se pela expressão ator-bailarino, Observou-se aí a trajetória ritualística dos “brincante-manipulador”, sem esquecer que
para traduzir o temo performer...” movimentos estudados, marcados em função ele é na verdade um artista popular, um
(STRAZZACAPPA, 1997. In: BIÃO, 1999, de um rito de morte, o que exigiu do verdadeiro ator e dançarino, um performer,
p.163). Também essa tradução não condiz manipulador uma maior integração com mas que prefere chamar-se brincante.
com a realidade do miolo. relação ao objeto, que lhe impõe além de uma
Em geral, os miolos de Boi não se consciência física dos atos e passos Referências
consideram artistas cênicos porque eles na coreográficos, uma consciência da função,
sua função, não estão representando, estão quase sacerdotal, que o leva a realizar a magia AMARAL, Ana Maria. O universo das coisas.
ali para brincar, brincar com os outros. Eles da refiguração: o animal sagrado revelado e Móin-Móin, Ano 1, Nº 1, p.14-24. 2005.
executam um jogo, não se exibem como substituído por um objeto-totem que se BELTRAME, Valmor Nini. O ator no Boi- de-
“narcisos” na cena, para os outros, e sim agem oferece a um sacrifício. Mamão: reflexões sobre tradição e técnica.
e reagem, percebem, correspondem ao Móin-Móin, Ano3, Nº 3, p.160-175. 2007.
público, mas distanciam-se, não se Qual o aprendizado do miolo e como BIÃO, Armindo e GREINER, Cristine (org).
comprometem. Seguem sempre o ritual da se dá a transmissão desse conhecimento Etnocenologia, Textos Selecionados. S. Paulo:
brincadeira, os esquemas pré-inventados e Annablume Editora, 1999.
repetidos sem o rigor do compromisso. Podem Como se prepara um miolo, com lhe são BORRALHO, Tácito Freire. Os elementos
refazer-se, na repetição. transmitidas as técnicas de manipulação, os animados no Bumba-meu Boi do Maranhão.
Pode-se pensar assim que o miolo executa passos da dança é possível ensinar? É possível Móin-Móin, Ano 2, Nº 2, p.158-178 . 2006.
diferentes performances de acordo com os aprender? Tudo parece possível. O problema CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de
espaços, tempo e modelos de apresentação e seria o como. No transcorrer deste trabalho, Castro.Temas e Variantes do Mito: sobre a
cumprimento do ritual do folguedo. Durante já vimos como o miolo José Américo e seu morte e ressurreição do boi. MAN A 12 (1):
as brincadas, quando não há apresentação irmão aprenderam a rolar o boi: imitando, p.69-104, 2006.
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“IMBARABÔ”: A PERFORMANCE RITUAL DO


TAMBOR DE MINA DO ILÊ AXÉ OGUM SOGBÔ
Heriverto Nunes Mendonça Júnior18

O presente artigo é fruto de algumas


observações e discussões que
resultam de um ano como bolsista de
cenário, figurino e outras podem ser desloca-
das para a análise de diversos tipos de relações
sociais. Torna-se fácil perceber, então, que
Mina, sendo estática e iniciática, a partir
da incorporação de entidades espirituais
(Voduns, Orixás e Caboclos).
um padre rezando uma missa para um grupo
iniciação científica PIBIc, com pesquisa de fiéis com todos os seus elementos alta-
ainda em andamento sobre a performance mente teatralizados constituem uma situa- Uma das características fundamentais, as-
ritual no Tambor de Mina, esta pesquisa ção de performance e que a análise de tais sim como as demais religiões de matrizes
elementos podem nos dizer muitas coisas africanas praticadas no Brasil, é o transe ou
está vinculada ao projeto do professor Dr.
interessantes sobre a religião católica. a possessão, que usualmente costuma ocor-
Sérgio Figueiredo Ferretti “Religião e rer em rituais onde as entidades espirituais
festas populares”. homenageadas e cultuadas são invocadas e
Para tal, a análise se pauta tanto na É importante ressaltar que não iremos “recebidas” pelos Filhos e Filhas de santo,
averiguação da performance e do Tambor falar de performance teatral, mas sim de Pais e Mães de santo. A identificação afro
de Mina na literatura especializada, através performance ritual que, segundo Tunner, no Maranhão também é conhecida como
da pesquisa teórica, quanto na investigação não libera um significado pré-existente que “brinquedo de Santa Bárbara”, expressão que
esteja adormecido no evento, mas a própria se refere aos toques ou festas de Tambor de
deste rito dentro das práticas realizadas em Mina (FERRETTI, M., 1985, p. 37).
terreiros. No caso deste artigo, o terreiro a experiência é constitutiva de significados,
ser analisado é o Ilê Axé Ogum Sogbô, que porque está atualizando experiências de
Percebemos que os terreiros do Tambor
foi fundado em meados dos anos 80, é uma eventos passados que, ao serem
de Mina são detentores de uma certa
casa de culto afro- brasileiro de Tambor de dramatizados, os ativam e dão vida,
autonomia de culto, podendo realizar
Mina localizada no bairro da Liberdade em colocando a experiência em circulação.
diferentes formas e diferentes rituais para
São Luís – Maranhão. Nas nossas observações de campo,
as entidades cultuadas nessa religião.
A escolha do Tambor de Mina como objetivamos desenvolver uma análise ritual
objeto de pesquisa trouxe a possibilidade do Tambor de Mina em alguns terreiros,
ILÊ AXÉ OGUM SOGBÔ
de análise a partir da performance, tendo como foco “os atores” que fazem
permitindo-nos assim, lançar um olhar parte desse ritual, o espaço onde é realizado,
O “Ilê Axé Ogum e Sogbô” segue o mesmo
interdisciplinar, relacionando a antropologia as entidades (personagens), a música e a
modelo ritualístico do Terreiro de Iemanjá20
às artes cênicas, apoiados nos conceitos dança e sua relação com os mesmos.
onde foi iniciado o seu fundador o Babalorixá
desenvolvidos principalmente pelos autores Airton Gouveia (Pai Airton) e fica localizado
Richard Schechner, Antônio Herculando “OIÁ MINA LASSAÔ”19
no bairro da Liberdade, na Rua Nossa
Lopes, Victor Tunner e Zeca Ligiéro. Senhora das Graças sendo zelado
Segundo Lopes (2007, p. 7), nos últimos O Tambor de Mina ou simplesmente a
“Mina”, manifestação de matriz africana espiritualmente desde sua fundação por esse
anos, a palavra “performance” passou a ter chefe religioso (LINDOSO, 2007, p. 107 e
mais circulação no meio das ciências surgiu no Maranhão em meados do século
XIX. Seu marco inicial foi a fundação pelas 109).
humanas, não somente no que tange nas São realizadas no Ilê Axé Ogum Sogbô
áreas artísticas (teatro, dança etc.) mas mãos de africanas da Casa das Minas (Jejê),
consagrada ao vodun “Zomadonu” (desta festas em homenagem aos santos católicos
também nos trabalhos antropológicos, sendo (Santa Bárbara, Nossa Senhora da
possível analisar grupos étnicos, religiosos casa não saiu nenhum outro terreiro com
o mesmo modelo ritualístico) e da Casa de Conceição, São Jorge, São João e outros)
entre outros a partir dos seus elementos não somente com toque de Mina, mas
cênicos e performáticos. Nesta perspectiva, Nagô consagrada ao orixá “Xangô”, ambas
ainda em funcionamento. A partir de também através de ladainhas, rezas, preces
Herculando Lopes e Zeca Ligiéro
então, outros terreiros foram abertos em e hinos do catolicismo popular, realização
(professores da UNIRIO), tem pesquisas que
São Luís, como o Terreiro do Egito de festas ligadas ao próprio catolicismo
resultaram em artigos e livros que buscam a
(desaparecido) o Terreiro da Turquia, a popular tais como a queimação de palhinhas
junção entre performance e religião.
Casa Fanti-Ashanti, o Terreiro de Iemanjá, e a festa do Divino Espírito Santo (festa
Sobre o uso da terminologia teatral em
o Ilê Axé Ogum e Sogbô em meados dos realizada nesta casa no mês de setembro).
grupos étnicos e religiosos, Lopes (2007, p.
anos 80, entre outros. A casa desenvolve brincadeiras e
8) diz que:
Ferretti, M. (1985, p. 37) analisa a manifestações folclóricas para as entidades
O uso da terminologia teatral não é gratui- matriz afro Tambor de Mina como uma espirituais como o bumba-meu-boi de
ta e aponta para uma das principais origens religião de descendência africana encantado, oferecido neste terreiro para
dos estudos de performance: uma colabo- desenvolvida no Estado do Maranhão e Dominguinhos de Légua e o Tambor de
ração entre teatro e a antropologia, em que praticada em locais especializados e Crioula em homenagem aos pretos-velhos21
palavras como ator, drama, gestual, máscara, específicos para essa finalidade, Casas de (13 de maio).
18 Graduando do 8º período em Licenciatura em Teatro, membro do grupo de pesquisa “Religião e Cultura Popular” coordenado pelos professores Sérgio
Figueiredo Ferretti e Mundicarmo Ferretti, com pesquisa em andamento sobre performance no Tambor de Mina.
19 Cântico gravado e transcrito durante nossa pesquisa de campo no ritual do Ilê Axé Ogum e Sogbô, é um cântico de abertura.
20 O terreiro fundado na segunda metade dos anos 50, particularmente no ano de 1956, tendo suas primeiras instalações em um sítio no bairro do Calhau em
São Luis do Maranhão, pelo finado Jorge Itaci de Oliveira, mais conhecido como Jorge Babalaô ou Jorge da Fé em Deus. Naquela época, meados dos anos
50, esse local era de difícil acesso, tanto para o Pai de santo, quanto para os(as) seus(suas) primeiros(as) filhos(as) de santo e demais pessoas desse grupo afro-
religioso, devido não morarem nessa área e terem que se deslocar até lá, por conta disso, esse terreiro se mudou para o bairro da Fé em Deus e funciona até
hoje neste local (LINDOSO, 2007).
21 Segundo Lindoso, é realizado também na casa de Iemanjá o ritual da “festa dos pretos-velhos”, no dia 13 de maio, uma linha de entidades muito presente na
umbanda implementada por Pai Jorge dentro do seu terreiro, em face de homenagear o seu preto-velho, Pai Joaquim e de rememorar questões atreladas ao
próprio negro brasileiro e a libertação dos escravos, reforçar ainda identidades, etc. (LINDOSO, 2007).
14 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

No Ilê Axé Ogum Sogbô, há também Observamos, com essa citação, a


rochedos, baías, igarapés, ilhas, terras fir-
culto às entidades africanas (orixás e mes. São mais caçadores e pescadores que
variedade de entidades cultuadas nos guerreiros. (OLIVEIRA, 1989, p. 44).
voduns). Quanto aos voduns, citamos os terreiros de Mina, e podemos constatar
jêjes daomeanos, cultuados também na também durante nossas visitas ao campo, No Terreiro de Iemanjá, essa família de
Casa das Minas (Doçú e Sogbô, sendo a diferentes comportamentos, danças, encantados é homenageada no dia 8 de
segunda uma das principais entidades de músicas, e alguns traços de personalidade fevereiro, já no Ilê Axé Ogum Sogbô, há
Pai Airton) e os Cambindas (Boço Von que algumas entidades possuem, dando toques de maneira específica para essa
Dereji, Meméia), e os orixás, sendo o com isso, uma forma de interação social, família, sendo que, em algumas festas, essa
principal desta casa, Ogum – divindade tanto com quem está participando como família é chamada (manifestada).
guerreira considerada chefe do terreiro e adepto do ritual, também com quem está Percebemos que as entidades da família de
o principal santo de seu zelador. somente assistindo. bandeira são entidades aparentemente
É bastante presente também nesse Outra característica do Ilê Axé Ogum sérias e também muito energéticas, tanto
terreiro o culto aos encantados nobres e Sogbô citada por Lindoso (2007), e na dança, quanto na forma de cantar e se
gentis, como Barão de Guaré (entidade presenciada por nós durante as visitas ao comportar no terreiro.
gentil de Pai Airton, Dom Luís Rei de campo, são as saídas de santo (orixás e Um símbolo que nos chamou bastante
França, Dom Felipe, Dom João, entre voduns) “vestidos” ou paramentados atenção são os lenços e as bandeiras do
outros) além de princesas e príncipes, como (enfeitados), de forma especial com a Brasil que são amarrados na testa e nos
o príncipe Ricardinho, e a princesa Flora, própria re-significação dos ritos iniciados braços dos adeptos que estão incorporados
etc. e as “moças” ou “meninas” como a desse terreiro de Mina, que, segundo com entidades dessa família. Os lenços são
Menina do Maracujá e Menina da Ponta relatos de parte do “povo de santo” do de várias cores sendo que, as cores que
d’Areia. Maranhão, são elementos identitários da predominam são verde, amarelo e o
Segundo Lindoso (2007), há nesta casa matriz africana Baiana, o Candomblé. Uso vermelho. Durante a pesquisa,
também o culto a outras diversas de adjá (sineta ritual de várias campânulas) transcrevemos também alguns cânticos
categorias de caboclos divididos por para guiar orixás e voduns incorporados relacionados a essa família.
famílias. É o que Francelino de Shapanan nas saídas, brajás, macans, ritos do padê, Percebemos que os cânticos da família
(2001, p. 319) categoriza como “encantaria despacho de Exú no início do toque, etc. de bandeira remetem às ondas do mar, à
cabocla” subdivida em várias famílias como Lindoso (2007). pedra de Itacolomy e também,
a família de Rei Sebastião (que ele chama O Ilê Axé Ogum Sogbô tem um principalmente, ao líder dessa família,
de Família do Lençol), Turquia, Codó, calendário festivo muito extenso de toques Caboclo da Bandeira.
Gama, Juncal, Mata, dos Marinheiros, das em homenagens a santos católicos e
Caravelas, Bandeira, Baía, João de Lima, entidades, ficando um pouco complicado Festa de São Lázaro: Toy Acossi
presentes nessa Casa de Mina22. de assistimos todos esses rituais, mas
Ainda sobre as entidades cultuadas tivemos participação na grande maioria das A festa de São Lázaro acontece no dia
nesse terreiro, Oliveira (1989, p. 26 e 27) festas realizadas no primeiro semestre de 11 de fevereiro no Ilê Axé Ogum Sogbô e é
distribui as entidades espirituais do 2010 nesse terreiro. realizada em homenagem ao vodun Toy
Tambor de Mina, de acordo com as suas Iremos analisar, em alguns tópicos, Acossi, recebido por uma filha de santo do
famílias: algumas festas assistidas no primeiro terreiro, chamada Angélica. Esse vodun no
semestre de 2010, com ênfase em seus Ilê Axé Ogum Sogbô é considerado o
Povo Jeje: Zomadonu, Toy Doçu, Toy Abi-
digá, Toy Agongono, Daco-Donu, Toy Akos- personagens (entidades) observados vodun da terra e o chefe da família de
sú Alogué, Xapanã Sakpatá, Bosukó, Boça- durante as nossas visitas ao campo. Dambirá, sobre o estado de transe com
labê, Badé, Nana buluku, Toy Jotim, Toy entidades dessa família, Oliveira diz que:
Averequete, Eowá, Toy Polijobi, Toy Lissá, Caboclo da Bandeira:
Abê, Toy Loko. Povo Nagô: Ogum Megê, “João da Mata falado” As criaturas por eles incorporadas, leva-
Ogum Otá, Ogum Mariô, Bessein (Oxu-
das ao estado de transe, ficam todas de-
maré), Nana Biokô, Xangô, Vó Missa, Toy formadas, perdendo por completo a fisi-
Averequete, Badé, Oyá Navezuarina, Oxossi João da Mata, também conhecido como
onomia, com os membros todos crispa-
(Agüê), Logun Edé, Oxum, Eowá, Xapa- Caboclo da Bandeira (Rei da Itália) é uma dos em convulsões, emitem gritos rou-
nã, (Acossú), Boço Jará. Povo Cambinda: entidade que comanda a família de bandeira, cos, babam e se contorcem, tomam água
Légua Bogi Buá, Boço Von Dereji, Boço os bandeirantes. João da Mata era recebido em abundância e azeite dendê e os possu-
Meméia, Boço Lada, Arronoviçavá, Boço ídos só voltam a si depois de fricções de
Indeia. Povo Gentil: Dom Lúis, Rei Sebas- por Jorge Itacy de Oliveira e, em algumas
azeite de dendê e tomar goles do mesmo
tião, Dom Manoel, Dom José Floriano, vezes, é recebido também por Pai Airton, e cânticos em dialetos africanos. (OLIVEI-
Dom Pedro Angaço, Dom João Rei das mas o encantado da família de bandeira de RA, 1989, p. 48).
Minas, Dom João Soeira, Rainha Maria Pai Airton é Seu “Olho D’água”, membro
Bárbara Soeira, Rainha Rosa, Rainha Ma- dessa família de encantados.
dalena, Rainha Dina, Príncipe Orias, Prín- Esse ritual aconteceu durante o dia,
cipe de Oliveira, Príncipe Alteredo, Gelim, começando por uma ladainha católica e logo
Toy Zezinho, João Guerreiro de Alexan- Dizem que essa linha foi introduzida no depois seguida por um banquete (almoço
dria, Princesa Flora, Princesa Luiza, Prin- Maranhão no antigo Terreiro do Egito. Daí
dos cachorros) e pelo toque de Mina.
cesa Rosinha, Menina do Caído, Moça Fina passando para o Terreiro de Belém (Apea-
Somente depois da ladainha é que é inicia-
de Otá, Dona Oruana, Dona Maria Antô- douro) como Dona Marcolina, mais onde do o ritual do almoço dos cachorros no Ilê
nia; Os caboclos: família do Rei Bandeira, demonstrou seu maior poder foi no antigo Axé Ogum Sogbô, onde foram colocadas
família de Rei da Turquia, Família de Codó Terreiro do Engenho Velho do Tirirical, de esteiras de palha no meio do salão de dan-
ou Caxias, Família de Caboclo Roxo, Fa- mãe Celestina, hoje extinto. É uma famí- ças, cobertas por uma grande toalha bran-
mília de João de Lima (Botos), Família da lia muito cultuada no Maranhão e hoje em ca, uma imagem de São Lázaro bem no
Baía. (OLIVEIRA, 1989, p. 26-27). expansão em outros estados. Dominam os centro, uma vela branca acesa do lado des-
22 Nesse terreiro, essas famílias de caboclos são comandadas por entidades espirituais recebidas por seu líder, Pai Airton, como a família da Turquia que é
comandada pelo caboclo João Guará, a família de Codó, por Seu Folha Seca, a família da Gama por Miguelzinho da Gama, a família de Bandeira, por Olho
d’Água e família da Mata por Taquariana,entre outras.
Boletim 49 / junho 2011 15
CONTINUAÇÃO

sa mesma imagem. Logo após os pratos de Observamos que as doutrinas (músicas), Os filhos de santo deram espaço no
comida são trazidos aos poucos no núme- da família de Légua, no Ilê Axé Ogum Sogbô salão para que os Oguns fizessem a sua
ro de 7 para o almoço dos cachorros. (LIN-
falam geralmente de boi, boiada, vaqueiro e performance e realizassem as suas danças
DOSO, 2007, p. 156).
também do município de Codó. Percebemos rituais, Ogum Xorêquê e Ogum de Lê
Logo após o almoço dos cachorros, o isso também na forma dessas entidades dançavam como se estivessem numa guerra
salão é limpo e os filhos de santo se sentam dançarem. Dançam como se estivessem apontando a espada para frente e para o
no chão, todos vestidos de branco. correndo atrás de um boi para laçá-lo, teto se defendendo com o escudo e dando
movimentando muito os ombros e as pernas. gritos que diziam Ogum ê Patacuri.
Após o almoço dos cachorros, algumas fi- É muito contagiante a performance Em um determinado momento, um
lhas de santo ajudadas por um abatazeiro, dessas entidades, que quando em transe filho da casa entrou em transe com orixá
recolhem os pratos, a toalha, a imagem de em seus filhos no Ilê Axé Ogum Sogbô, iorubano Oxossi, orixá da fartura, da caça
São Lázaro e limpam o salão de danças para costumam usar chapéu de couro, de palha e do sustento. Ele dançava como se
o toque de mina para Acóssi Sapatá, quando e alguns chapéus de vaqueiros presentes estivesse em uma mata, correndo com os
tudo está limpo, os filhos de santo, todos
vestidos de branco, sentam no salão e for-
no bumba-meu-boi. O toque para São dedos das mãos apontados e fazendo
mam uma grande roda, no meio fica a ima- Lázaro foi bastante animado e movimentos com as pernas.
gem de São Lázaro, uma vela branca acesa e esteticamente muito bonito e terminou Logo após, as apresentações das danças
um pratinho com quiabos cortados em ro- por volta das 6h da tarde. rituais de Ogum e Oxossi que, em seguida,
delas pequenas. (LINDOSO, 2007, p. 156). foram retiradas do salão de dança,
Festa de Santo Antônio: Ogum começaram a ser homenageadas as
Alguns cânticos em língua africana e Xorôquê e Ogum de Lê entidades nobres e gentis que não são
também, em português, são cantados em entidades africanas. Segundo
homenagem a essas entidades espirituais. A festa de Santo Antônio no Ilê Axé Mundicarmo Ferretti (2000), a presença de
No momento em que esses cânticos são Ogum Sogbô acontece no dia 13 de junho, entidades não africanas no Tambor de
entoados, os filhos de santo entraram em dia em que a Igreja Católica também Mina é explicada pelo próprio contato
transe com as entidades da família de comemora esse santo. Segundo Lindoso negro/africano ou de seus descendentes
Acossi, inclusive o próprio Acossi, em (2007) a festa de Santo Antonio nesse com culturas não africanas.
transe na vodunsi Angélica. Os nobres e gentis no Ilê Axé Ogum
terreiro é dedicada ao orixá Ogum e é
organizada pela Mãe e pelo Pai pequeno da Sogbô são comandados por “Barão de
Nesse instante, em que os filhos de santo Guaré” (filho de Rei Sebastião) que é
entram em transe com os Acossis, imedia- casa Aíla e Leandro. O toque de Mina
tamente se deitam no chão, tremendo neste dia começou por volta das três horas recebido por Pai Airton. Percebemos que,
muito, alguns tem um transe muito vio- da tarde com o cântico entoado pelo Pai de quando os filhos de santo desse terreiro
lento e precisam ser imediatamente conti- Santo Airton Gouveia denominado entram em transe com alguma entidade
dos por pessoas da casa, que não estavam
“Imbarabô”. nobre ou gentil recebem uma bengala de
participando do ritual. São cobertos por tamanho médio e dançam num porte de
lençóis brancos e algumas mulheres do ter- Durante esse cântico, os filhos de santo
supremacia e realeza. Conseguimos
reiro e abatazeiros passam azeite de dendê vão entrando lentamente no salão,
em suas mãos, pés e juntas corporais, afim identificar alguns gentis incorporados em
saudando os abatás (tambores que são
de que os filhos (as) não sintam dores, de- seus “filhos”: Dom Felipe, Dom Henrique,
utilizados no Tambor de Mina). Nesse
pois que saem do transe. (LINDOSO, 2007, Príncipe Ricardino e Rei da Escama
p. 157). instante os filhos da casa dançam em
Dourada. Alguns outros que estavam em
forma de roda, realizando, dependendo das “terra” não conseguimos identificar os
Por último, pai Airton entrou em tran- doutrinas (músicas) que estão sendo nomes. Logo após terem cantado e
se como Nochê Sogbô, sua senhora. Dan- cantadas, gestos e coreografias, como incorporado as entidades nobres e gentis,
çou um pouco, movimentando muito as apontar o dedo da mão direita para o céu e começaram a homenagear e invocar a
mãos, como se fosse uma espécie de abana- imitar um arco e uma flexa com as mãos família de Légua. Esse toque terminou por
dor e depois lhe deram um alguidar cheio etc. volta das sete horas da noite.
de pipocas e Nochê Sogbô começou a jo- No momento do transe do dos pais
gar as pipocas sobre os filhos que estavam pequenos da casa, as suas entidades Ogum CONSIDERAÇÕES FINAIS
em transe com os Acossis e também nas de Lê de Mãe Aíla e Ogum Xorôquê de Pai
pessoas que estavam na assistência. Leandro chegam juntas. No momentos em Este artigo é resultante da pesquisa de
Logo após os filhos, que estavam possu- que eles entraram em transe, as suas campo feita há quase dois anos em terreiros
ídos pelas entidades da família de Acossi, entidades foram conduzidas para fora do de “Mina”, antes de ser bolsista PIBIC e,
voltam para o seu estado normal “puro”, salão de dança. Enquanto isso, o ritual também há quase um ano de pesquisa e
como esse grupo afro-religioso gosta de cha- ainda continuava com várias músicas, envolvimento nas festas do Ilê Axé Ogum
mar. O tambor continuou tocando e os fi- danças, e outros filhos de santo que Sogbô, sendo que este trabalho foi focado
lhos foram trocar de roupas. Quando retor- também entraram em transe, mas nos toques realizados nessa casa, no
naram, estavam vestidos com roupas estam- continuaram no salão. primeiro semestre de 2010. O Tambor de
padas e coloridas e começam a cantar para a Mãe Aila e Pai Leandro apareceram no Mina é uma religião afro-maranhense que
família Codó, a família chefiada por Légua salão de dança com suas vestes rituais vem sendo muito estudada por
Bogi Bua, que no Ilê Axé Ogum Sogbô tem trocadas. Segundo esse grupo religioso, o antropólogos, historiadores e cientistas
como entidade principal, Seu Folha Seca. nome que se dá para essas vestes é de sociais, com o olhar voltado mais para
Percebemos que o “povo de Légua”, paramento. Eles portavam objetos que outros aspectos da etnografia, existindo
como esse grupo afro-religioso também remetem a mitologia de Ogum que é ainda poucos trabalhos focando seus
costuma chamar, são entidades irreveren- considerado o Orixá da guerra e do ferro. aspectos cênicos e performáticos.
tes, alegres, que adoram dançar, cantar e Segundo a cultura iorubana, eles portavam Um fator evidente da manifestação e
conversar com a assistência. expressão religiosa do Tambor de Mina
espada, escudo e capacete.
16 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO
deste grupo estudado é a contextualização pois seria necessário buscar a compreensão Pluralismos e diversidade Afro-Religiosa
com o meio em que está inserido, seja em deste mundo a partir de suas dimensões em terreiros de mina no Maranhão: um
sua forma original através de readaptações plásticas, dramáticas, gestuais, lingüísticas, estudo etnográfico do modelo ritual do Ilê
a padrões, a seu costume e a sua crença e a antropológicas, musicais, religiosas, Ashé Ogum Sogbô. São Luís: S.n., 2007.
prática dos ritos realizados dentro desta filosóficas etc. (dissertação).
casa. Observamos com isso que a riqueza LOPES, Antônio Herculano. Religião e
performática deste ritual tão maranhense REFERÊNCIAS performance ou as performances das
segue em conjunto nos aspectos BASTIDE, Roger. As religiões africanas religiões brasileiras. Rio de Janeiro: Editora
performáticos da música e da dança e da no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1985. Casa de Rui Barbosa, 2007.
relação com o transe, onde elementos são FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e Voduns
re-significados, o corpo ganha outro Guma: o Caboclo no Tambor de Mina. São nos terreiros de Mina. São Luís: VCR
formato; passeando-se no que está sendo Luís: EDUFMA, 2000. produções e publicidade, 1989.
cantado no ritual e nas formas que cada ______. Maranhão Encantado: PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos:
divindade se apresenta. encantaria maranhense e outras histórias. teatro mímica, dança, dança – teatro,
É necessário haver um olhar mais São Luís: UEMA editora, 2000. cinema [tradução de Sergio Paiva]. São
apurado para a observação do Tambor de ______. Mina, uma religião de origem Paulo: Perspectiva, 2005.
Mina, não somente o olhar etnográfico, Africana. São Luís: SIOGE, 1985. SCHECHNER, Richard. O que é
mas também um olhar artístico, pois a FERRETTI, Sérgio. Querebetã de performance. In: O Percevejo. Revista de
riqueza em elementos teatrais que esta Zomadônu: Etnografia da Casa das Minas Teatro, crítica e estética. Rio de Janeiro:
religião tem é de uma variável enorme. do Maranhão. 2 ed. São Luís: SIOGE, UNIRIO; PPGT; ET, ano II, n. 12, p. 25-
No universo do Tambor de Mina 1996. 50, 2003.
realizado no Ilê Axé Ogum Sogbô, LIGIERO, Zeca. O conceito de “motrizes SHAPANAN, Francelino de. Entre
observamos aspectos cênicos e culturais” aplicado às práticas caboclos e encantados. In: PRANDI,
performáticos que vão desde as imagens performáticas de origens africanas na Reginaldo (org.). Encantaria brasileira: o
representativa dos santos católicos no altar diáspora americana. In: Anais do V livro dos mestres, caboclos e encantados.
até as construções coreográficas e musicais Congresso da Associação Brasileira de Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
com seus usos, significados e funções. Pesquisa e Pós Graduação em Artes TURNER, Victor W. O processo ritual: a
Desvendar toda a constituição simbólica Cênicas: Criação e reflexão crítica. Belo estrutura e enti-estrutura [tradução de
religiosa do contexto deste rito nessa casa Horizonte, 2008. Nancy Campi de Castro]. Petrópolis:
é algo impossível para um único estudo, LINDOSO, Gerson Carlos Pereira. Vozes, 1974.

JANELA DO TEMPO
BOI
23

Victor Gonçalves Neto24


-” O meu boi morreu, som das cantorias e debaixo dos estampidos já se encarregou de tomar alguns trocados.
Quê será de mim? dos fogos de São João. Por isso cantam Lá num canto escuro, a “Burrinha” levanta
-”Manda buscar outro, -”Segura o pé, os quadris disformes. O Boi já está
Ó maninha, Segura o pé, novamente de pé e, antes que morra de uma
Lá no Piauí”! Não tenha medo vez, o “cordão” entoa a despedida
Lá vem ele puxado pelo cabresto. Mas é Do buscapé”!
-”Adeus, Rosa,
feito de madeira e coberto de chitão Mas os “caboclos” são valentes e Até um dia!...
vistoso. Vem aos ombros de um cabra forte suportam o tiroteio. Até que o Boi chega e Lá vai ele de volta pro seu rancho.
e é todo enfeitado de espelhos. Só os dois descansa no “terreiro” alguns minutos. É Outras “visitas” que fazer. Os fogos de São
chifres pontiagudos são de boi de verdade. o momento de correr o aluá prá “caboclada”. João espocam pelo ar. No alto, São Pedro
O rabo feito de palha de tucum e o corpo Depois, todos se levantam e a dança tem abre um pouco a porta do Céu e fica
cheio de penas da “Ema” que faz parte do início em redor da fogueira crepitante. olhando invejoso à espera de seu dia. Pela
“cordão”. Vem dando pinotes e mugidos Esse ritmo diferente é o da matraca feito fresta, escapa um relâmpago que mais
longos à frente das filas de “caboclos” que apenas com dois pedaços de madeira. Essa parece buscapé soltado por algum anjo
formam o cortejo fabuloso. Às vezes, voz rouca é do “careta” espantando a vadio. O trovão que ribomba aqui em baixo
algum deles empunha uma Bandeira
turma de crianças. Mas de repente o BOI é igualzinho a tiro de ronqueira escondida
Nacional como se o “bando” fosse um
adoece e cai estertorado. Que será? Só o no matagal. E os “caboclos” continuam sua
exército de vaqueiros. À frente vem o
“Doutor” é quem sabe. E, à vista de todos, é marcha dentro da noite sob as notas do
“Amo” que simboliza a raça valente dos
campeadores nordestinos. Mas não é só ele dado no bicho um clister “prá levantar as coro triunfante
e os “caboclos reais” que o acompanham. forças...” Depois “Pai Francisco” (Chico) -”A Bandeira Brasileira
Aqueles dois atrás são “Mãe Catirina” e “Pai arranca a “língua” do animal (um lenço Foi o meu Boi quem ganhou,
Francisco”. O outro é o “Doutor”. E aquela grande colorido) e sai procurando o dono da Ai, o meu Boi foi quem ganhou”!...
mais distante ainda é a “Burrinha do Meu casa, a fim de receber o pagamento da “visita”.
Amo”. Lá vem ele dançando e correndo ao Dos circunstantes curiosos, “Santo Careta” Assim é o Boi no PIAUÍ.

23 Vila Isabel – Rio, 1953; publicado em GONÇALVES NETO, Victor. Conversa tão somente (Crônicas de outrora e de agora). s/n., Meridiano. Caderno de
Letras. 1957, p. 19-21.
24 Jornalista piauiense radicado no Maranhão. Publicou nos anos de 1950 vários artigos sobre folclore em jornais de São Luís e de Caxias (MA).
Boletim 49 / junho 2011 17

NOTÍCIAS
25

MORTE DO BOI Brasília para apreciação do Conselho Con- REPRESENT AÇÃO


REPRESENTAÇÃO
sultivo do Iphan sobre a solicitação do re-
DE SEU LEGUA gistro. REGIONAL NORDESTE/
MinC
O ritual da Morte do Boi de Seu Légua,
EXPOSIÇÃO ITINERANTE
do Terreiro Iemanjá, na Fé em Deus, sem- O gestor potiguar Fábio Lima é o novo
pre realizado em dezembro, para encerra- JOSUÉ MONTELL
MONTELLO O chefe da Representação Regional Nordes-
mento do ciclo ritual do ano no Terreiro, te do Ministério da Cultura (RRNE/
foi realizado em 22 de janeiro de 2011, de- A Casa de Cultura Josué Montello está MinC). A portaria de nomeação foi publi-
vido ao luto pelo falecimento de uma pes- promovendo exposição itinerante sobre a cada no Diário Oficial da União, dia 24 de
soa da Casa, que reabriu seus trabalhos no vida e a obra do escritor Josué Montello. A março. Sua experiência na gestão pública
dia 9 e bateu Tambor para São Sebastião mostra reúne 48 painéis com fotografias, se deu entre 2007 e 2010, quando foi dire-
nos dias 19, 20 e 21. Como de costume, o recortes de jornal, correspondências e arti- tor adjunto da Fundação José Augusto,
ritual foi precedido de um Tambor de Mina, gos, além de apresentar 150 livros de auto- órgão responsável pela política cultural do
res maranhenses e vídeo-documentário. Em Rio Grande do Norte. Fábio Lima coorde-
quando toda a família de Seu Légua vem à
31de março, a mostra esteve disponível para nará as ações desta Regional, que atua em
terra. Depois todos saíram em busca do boi
visitas no município de Coelho Neto, no oito estados do Nordeste – Alagoas, Ceará,
e do mourão para, em seguida, sacrificar
Teatro Municipal, localizado na Rua Paulo Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí,
simbolicamente aquele boi. Foi um rito
Machado, no Centro. Em breve, devem ser Rio Grande do Norte e Sergipe, à exceção
bonito e interessante! divulgadas as datas da mostra nas cidades da Bahia, que agora tem a sua própria Re-
de Afonso Cunha, Duque Bacelar, Morros presentação Regional. Nesses estados cabe
SARAU E VARAL NA e Itapecuru. A organização da exposição está à RRNE/MinC ser um braço articulador
FONTE DO RIBEIRÃO recebendo propostas para levar a mostra para do Ministério da Cultura, participar da im-
outras cidades maranhenses. Fones: (98) plementação e acompanhamento das polí-
3218-9945 e 8835-2182. ticas culturais; prestar informações sobre
Um varal de fotografias e um sarau com
músicas, poesias, performances teatrais e os programas, projetos e atividades do Mi-
mesa farta realizou-se na Fonte do Ribei- CMF REALIZA OFICINA nistério, bem como orientar e acompanhar
rão, dia 25 de fevereiro. O evento foi outra EM SEDE DE BUMBA- sua implementação.
ação programada de ocupação de um mo- (divulgacao.ne@cultura.gov.br)
MEU -BOI
MEU-BOI
numento público, por artistas, para que as
autoridades olhem para o patrimônio e
A Comissão Maranhense de Folclore re- SEMANA CIENTÍFICA
façam a sua parte, mantendo-o em funcio-
namento, limpo e bonito, servindo a todos
alizou o Projeto Oficina de Ritmo – A ba- CUL TURAL PPARA
CULTURAL ARA
tida do pandeiro e da matraca no Sotaque
os cidadãos de São Luís. Participaram da da Baixada, patrocinado pelo Programa
CAL OUROS
CALOUROS
ação Dj Pedro Sobrinho, Celso Borges, Mais Cultura/Microprojetos Mais Cultu-
Tapete Criações Cênicas, Cia. Chegança O Diretório Central dos Estudantes da
ra Amazonia Legal-Funarte, em parceria
de Teatro, Uimar Junior, entre outros, e Universidade Federal do Maranhão (DCE/
com a Associação Cultural do Bumba-meu-
vários fotógrafos profissionais e amadores. UFMA) realizou, de 04 a 08 de abril, no
boi e Tambor de Crioula Unidos de Santa
A ação foi coordenada pelos fotógrafos Campus do Bacanga, a Semana Científica
Fé, do Mestre Zé Olhinho, sob a coorde-
Márcio Vasconcelos e Eduardo Cordeiro. Cultural 2011.1 (primeiro semestre). O
nação de Flávia Andresa Oliveira de Me-
evento tem por objetivo integrar os novos
nezes. A oficina constou de cinco módu-
estudantes à vida acadêmica, através de ati-
BUMBA-MEU -BOI
BUMBA-MEU-BOI los: Relações Interpessoais - Ivana; Noções
vidades científicas culturais e sociais. Nos
COMO PPAATRIMÔNIO de Cultura e cultura popular maranhense –
Keyla Santana; Noções de Educação Patri- campi de Codó, Chapadinha, Imperatriz,
CUL TURAL DO BRASIL
CULTURAL monial – Creudecy Costa e Silva; O uni- Pinheiro e Bacabal a Semana realizou-se
verso do bumba-meu-boi : características, no período de 11 a 15 de abril.
A Superintendente do Instituto do Pa- elementos e sotaques – Clícia Adriana
trimônio Histórico e Artístico Nacional no Abreu Gomes; A percussão no boi da baixa- VIA SACRA 30 ANOS
Maranhão, Kátia Santos Bogea, concedeu da, ritmos e instrumentos: os toques de pan-
entrevista coletiva em 10 de março, no deiro, matraca, tambor onça e maracá – José O GRITA- Grupo Independente de Te-
auditório da Superintendência, situado na de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho) e Cleid- atro Amador apresentou, nos dias 21 e 22
rua do Giz, 235 - Centro, para informar son Lopes de Sousa. Jovens da comunida- de abril, a 30ª versão da Via Sacra no bair-
sobre o pedido de registro do Complexo de participaram da Oficina de Ritmos rea- ro Anjo da Guarda/Área Itaqui-Bacanga.
Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão lizada no período de 14 de março a 12 de Há 30 anos com o apoio e participação da
como Patrimônio Cultural do Brasil. Na maio de 2011, às segundas e quintas-fei- comunidade, o grupo encena a Paixão,
ocasião, foi apresentado à imprensa a sín- ras, das 14 às 18 horas, na sede da Associa- Morte e Ressurreição de Jesus. Uma pro-
tese do dossiê do Bumba-meu-boi, organi- ção do Bumba-meu-boi Unidos de Santa dução grandiosa em que a administração,
zado e elaborado pela Superintendência do Fé, na 2ª Travessa Djard Ramos Martins, a arte cênica, a cenotecnia, os adereços e
Iphan no Maranhão, que será enviado a nº5 - Bairro de Fátima, São Luis/MA. acessórios, o figurino, a coreografia, a as-

26 Roza Maria dos Santos - Comunicóloga; membro da CMF.


18 Boletim 49 / junho 2011

CONTINUAÇÃO

sistência de cena e direção são realizados V SEMANA DO TEA TRO


TEATRO MORRE AOS 97 ANOS,
por grupos de teatrólogos, técnicos, pro-
dutores, atores, músicos, iluminadores que
DO MARANHÃO ABDIAS DO
trabalham para que o espetáculo, a céu NASCIMENT
NASCIMENTOO
aberto, seja belo e sagrado. O espetáculo Teatrólogos, atores, produtores e ama-
teve patrocínio da Vale do Rio Doce e in- dores do teatro realizaram de 16 a 22 de Morreu, dia 24 de maio, aos 97 anos, o
centivo cultural do SESC, EMAP/Porto maio, em São Luis, a V Semana do Teatro diretor teatral, senador e escritor negro,
do Itaqui, CREA-MA, Prefeitura de São do Maranhão. O evento foi estendido aos Abdias Nascimento. Estudioso e ativista
Luis e Governo do Maranhão. municípios de Açailândia, Cantanhede, na questão de inserção do negro nos mer-
Humberto de Campos, Miranda do Nor- cados cultural, intelectual e de trabalho do
SALÃO DE ARTES te, Rosário e Vargem Grande. Em São Luis, Brasil. Abdias criou o Teatro Experimen-
os espetáculos ocuparam os palcos dos tea-
PLÁSTICAS DE SÃO LUÍS tros Arthur Azevedo, Alcione Nazaré, João
tal do Negro, em 1944, que iniciou a luta
contra o racismo no teatro brasileiro. Um
do Vale; praças João Lisboa, Nauro Macha- de seus livros “Drama para negros e prólo-
A FUNC realizou, de 19 de maio a 15
do, Centro de Artes Cênicas e Galeria Eci- gos para brancos” (1961) ainda hoje é refe-
de agosto, a 2ª edição do Salão de Artes
museum. Participaram do Semana grupos rência para pesquisadores, professores e
Plásticas de São Luís nas categorias Pin-
vindos dos estados do Rio de Janeiro, Rio atores negros e não-negros. Abdias Nasci-
tura, Escultura, Desenho, Gravura, Insta-
Grande do Sul, Santa Catarina e Distrito mento foi velado na quinta-feira (26/05),
lação, Performance, Vídeo e Fotografia. Os
Federal e 17 companhias do Maranhão. a partir das 18h, na Câmara Municipal de
trabalhos passaram por duas etapas de se-
Nesta quinta versão, dois profissionais do Vereadores do Rio de Janeiro. O corpo saiu
leção. A primeira, análise dos documentos
teatro maranhense foram homenageados de lá na sexta (27/05), 11h da manhã, para
apresentados pelo artista; a segunda etapa
com a concessão do “Prêmio Apolonia Pin- o Crematório da Santa Casa da Misericór-
seleção mediante apresentação das obras
to”: o cenotécnico do Teatro Arthur Aze- dia no Caju - Rio de Janeiro. Era o desejo
originais, após a abertura do Salão.
vedo, Antonio de Assunção Alves, conhe- de Abdias ser cremado e que as cinzas fos-
cido como Baixinho, que ocupa a função sem levadas para a Serra da Barriga, em Ala-
SEMANA NACIONAL DE desde 1965; e a professora Nerine Lobão goas, local do maior centro da resistência
MUSEUS Coelho, atriz e idealizadora da Semana do negra no Brasil, o Quilombo dos Palmares,
Teatro no Maranhão. A programação cons- que foi cumprido pela família.
A Semana Nacional dos Museus, pro- tou de mesas redondas, oficinas, lançamen-
movida pelo Instituto Brasileiro de Mu- to do livro “Teatro de Bolso na Escola” de
seus que comemora o dia 18 – Dia Inter-
COMUNIDADE
Renata Levins, e caravanas de teatro ao
nacional dos Museus - aconteceu em São interior do estado. A abertura foi marcada UNIVERSITÁRIA REELEGE
Luís de 16 a 22 de maio com atividades por um ato de desagravo ao fato ocorrido NA
NATTALINO SALGADO
artísticas, palestras e exposições. Nesta 9º na noite do dia 06 de maio, quando foram
edição, o evento destacou o trabalho de jogados na platéia excrementos humanos. Reitor da UFMA, desde 2007, profes-
preservação e valorização da História, com Em repúdio ao ato covarde, os presentes sor doutor Natalino Salgado foi confirma-
o tema “Museu e memória”. Em São Luis, jogaram flores das galerias sobre a platéia do pela comunidade universitária para o
são quase 23 casas de memórias entre mu- do teatro. segundo mandato (2011-2015) na direção
seus, centros de cultura e memoriais que da Universidade Federal do Maranhão. O
guardam a história da cultura, da arquite- MORRE O HIST ORIADOR
HISTORIADOR Professor Natalino é doutor em Nefrolo-
tura, do mobiliário e da expressão artística gia (medicina) e foi diretor Geral do Hos-
CARL OS DE LIMA
CARLOS pital Universitário da UFMA de 1998 a
e folclórica ao longo das gerações. A aber-
tura do evento foi no Palácio Cristo Rei, 2007, período em que o Hospital Universi-
O pesquisador, historiador e escritor tário tornou-se referência, devido à trans-
sede da Universidade Federal do Maranhão
maranhense Carlos de Lima, morre, na ma- parente e ousada gestão de Natalino Salga-
que abriga em suas dependências o Memo-
drugada de 9 de maio de 2011, aos 91 anos. do, o que lhe rendeu o reconhecimento
rial Cristo Rei – guardião das memórias da
Era integrante da Academia Maranhense não só da comunidade universitária, mas
UFMA. A programação especial em São
de Letras, do Instituto Histórico e Geo- de todo o Brasil. A proposta-síntese da ges-
Luis ocorreu paralelamente ao evento de
gráfico do Maranhão e da Comissão Mara- tão para o segundo mandato é trabalhar
caráter nacional promovido pelo Institu-
nhense de Folclore em que foi presidente. para que a UFMA alcance o nível “4” no
to Brasileiro de Museus-Ibran. O comple-
Escritor das lendas e histórias do Mara- Índice Geral de Cursos (IGC) do SINES-
xo de museus do Museu Histórico e Artís-
nhão publicou os livros: Lendas do Mara- Sistema Nacional de avaliação da Educa-
tico do Maranhão-MHAM que abrange: o ção Superior (Lei nº10.861, de 14 de abril
Museu de Arte Sacra e o próprio Museu nhão; Morte e Vida da Cidade de Alcânta-
de 2004). Ao compromisso e empenho na
Histórico (Rua do Sol); Museu de Artes ra; Festa do Divino Espírito Santo de Al-
construção coletiva de uma Universidade
Visuais, (Rua Portugal); Cafua das Mercês, cântara; Caminhos de São Luis. Atualmen-
autônoma, forte, plural e democrática e
(Rua da Estrela); Igreja do desterro, (Bairro te escrevia, aos domingos, a Coluna Bisbi-
que responda afirmativamente às deman-
do Desterro-Centro Histórico); Capela lhotices, no Jornal “O Estado do Mara- das da sociedade maranhense, o Reitor tem
Bom Jesus do Navegantes (no interior da nhão”. Ele deixa viúva Dona Zelinda Lima, como grande compromisso, para 2012, se-
Igreja de Santo Antônio-Centro); e Cape- folclorista e membro da CMF. O sepulta- diar a 64ª Reunião Anual da Sociedade
la das Laranjeiras (Rua Grande-Centro) – mento deu-se no Cemitério do Gavião, na Brasileira para o Progresso da Ciência-
é dirigido por Maria Luiza Raposo. Madre Deus - São Luis/MA. SBPC, a ser realizada de 23 a 27 de julho.
Boletim 49 / junho 2011 19
CONTINUAÇÃO

REITOR DA UFMA APÓIA PROJETO DIVINO xeiras. A festa teve inicio no século XIII
com a Rainha Isabel, em Portugal e apor-
PUBLICAÇÃO DO MARANHÃO 2011 tou aqui no Maranhão no século XVII,
BOLETIM CMF provavelmente, com a vinda de casais aço-
Com o tema “Em cada canto, um toque rianos vindos de Ilhéus/Portugal. Aqui, à
Divinal”, a Secretaria de Estado da Cultu- prática de caridade tradicional da festa,
O Magnífico Reitor, Natalino Salgado
ra/Superintendência de Cultura Popular- foram acrescidos elementos culturais dos
Filho, assegurou o acesso e atualização re-
Centro de Cultura popular Domingos Vi- índios e negros, como saudar o Divino
gular da página da CMF e dos Boletins da
eira Filho executou o projeto Divino Ma- Espírito Santo com batuque, com toque
Comissão Maranhense de Folclore, anco- ranhão 2011 em que foram beneficiadas de tambor e com dança.
rados no site da UFMA. Em reunião com a cerca de 170 festas do Divino no Mara-
Diretoria da CMF, garantiu, também, a nhão, dentre as 200 cadastradas no CCPD-
impressão dos Boletins na gráfica da Edu- PALESTRAS DO
VF. Entre os municípios com festas cadas-
fma. A disponibilização na internet e a tradas, estão: São Luis, Alcântara, Aldeias ANTROPÓLOGO JOÃO
impressão dos números atrasados do Bole- Altas, Anajatuba, Bacurituba, Bequimão, LEAL NA UFMA
tim estão previstas para o segundo semes- Cajari, Cantanhede, Caxias, Cedral, Codó,
tre deste ano. Humberto de Campos, icatu, Itapecuru- O professor doutor João Leal da Uni-
Mirim, matinha, Mirinzal, Paço do Lumi- versidade Nova de Lisboa/Portugal, estu-
AYMORÉ DE CASTRO ar, Palmerândia, Penalva, Pinheiro, São dioso das Festas do Divino Espírito Santo
ALVIM LANÇA LIVRO DE Bento, Santa Helena, São João Batista, São além terras portuguesas, proferiu palestras
José de Ribamar, Rosário e Viana. A festa sobre A Festa do Divino Espírito Santo e
CONTOS E CRÔNICAS do Divino é realizada por pagamento de Etnogênese na America do Norte, em que
promessa, devoção, tradição familiar, em mostrou como os migrantes açorianos se
O escritor, médico, pesquisador e pro- utilizam da Festa do Divino para reafirma-
igrejas, casas particulares ou terreiros afro-
fessor aposentado da UFMA - Aymoré de rem como português de Portugal, e “Antro-
brasileiros. Algumas festas maranhenses
Castro Alvim, lançou “Cronicas e Contos ocorrem do Dia da Ascensão do Senhor ao pologia Portuguesa: História e situação con-
de um Pinheirense”, o seu segundo livro temporânea” em que, durante sua fala, in-
Domingo de Pentencostes, data móvel, re-
sobre a evolução, tradições e fatos pitores- centivou os alunos e professores presen-
lacionada com a Páscoa, no calendário li-
cos da cidade de Pinheiro (333 km de São tes a estudar aspectos e elementos comuns
túrgico da Igreja Católica – festas da cida-
Luís). O lançamento aconteceu na sede do à cultura brasileira e portuguesa, para que
de Alcântara, da Casa de Nagô e da Casa haja maior interlocução entre os estudio-
Conselho Regional de Medicina, no Renas- das Minas, em São Luis, citando as mais sos das ciências sociais dos dois países-
cença. Contar com humor inteligente conhecidas. Em outras, geralmente casas afins. As palestras foram realizadas 15 e 16
acontecimentos da sua terra natal, come- de culto afro-brasileiro, a homenagem ao de junho respectivamente, às 18 horas, na
çou em “Coisas da Política de Pinheiro”. Os Divino está ligada a entidades espirituais Sala de aulas do Programa de Pós-Gradua-
livros são Edições Aplac-Academia Pinhei- e a sua realização pode ocorrer em outros ção em Ciências Sociais, da UFMA, no tér-
rense de Letras, Artes e Ciências. meses do ano, como na Casa Fanti Ashan- reo do prédio do CCH, no Campus do Ba-
ti/Pai Euclides e no Terreiro da Fé em canga.
DIVINO SONORA BRASIL Deus/Dona Elzita, em junho, no Terreiro
de Iemanjá (Jorge Itaci, in memoriam), em
DO SESC agosto, ocorrendo em várias casas durante
CORAL SÃO JOÃO NO
todo o ano. A festa gira em torno de um CANADÁ
Os sagrados mistérios do Divino do
império simbólico em que o imperador,
Maranhão serão partilhados em Circuito imperatriz, mordomo e mordoma régios, O Coral São João participou, no perío-
Nacional Sonora Brasil através de canto mordomo e mordoma baixos (ou mor), aias, do junho/julho, do Mondial Choral Loto-
e toque das Caixeiras do Divino. O Proje- vassalos, bandeireiro, bandeirinhas, anjos, Quebec, Festival que reuniu grupos de can-
to do SESC que tem com objetivo a for- Cosme e Damião, figuras que representam to coral de todo o mundo. Com um repertó-
mação de ouvintes musicais, desde 1997, as “três graças” – fé , esperança e caridade – rio de mais de 100 músicas, entre popular e
identifica grupos que colaboram com o são guiados pelos cânticos e toques das cai- erudito, o Coral, além do festival, fez turnê
desenvolvimento histórico da música no xas regidos pela caixeira-régia durante o ri- por várias cidades canadense. A cultura bra-
tual. Os festeiros são representados por sileira e a maranhense estiveram presentes
Brasil e os insere na programação. Neste
nas músicas eruditas de Padre José Mauri-
biênio, 2011-2012, o Maranhão será re- crianças e/ou adolescentes, com idades
cio, Villa-lobos e Antonio Rayol, nas popu-
presentado por um grupo de caixeiras – que variam entre 04 e 15, 16 anos. Apre-
lares de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e
Maria Rosa, Maria José, Maria de Jesus, senta uma riqueza de rituais, com várias e
Carlos Lira, no cancioneiro maranhense de
Rosa Barbosa e Rosenilde de Jesus - na diferentes etapas incluindo elementos João do Vale, Zé Pereira Godão, César Tei-
como: tribuna, santa ‘croa’ com a pombi- xeira, Macarra e nas toadas do bumba-meu-
temática Sagrados Mistérios, que se apre-
nha, cetro, bandeira do Divino, bandeiri- boi maranhense. As grandes óperas foram
sentará pelo Brasil familiarizando a pla-
nhas, mastro, missas, novenas, ladainhas, lembradas pelas árias de Verdi, Puccini,
téia com as peculiaridades musicais dos
saudações, cortejos, visitas dos impérios, Mascagni. O Coral São João é um grupo
cânticos sacro-populares brasileiros. Em distribuição de donativos, cânticos aos independente de canto, fundado em 10 de
São Luis, o Sonora Brasil iniciou, em 30 toques de caixas, danças, bandinhas de abril de 1977, que desenvolve suas ativida-
de maio, com a mostra das Caixeiras do musica, desafios em cantorias, leilões, fo- des artísticas e culturais sempre com o pro-
Divino na Área de Vivência do SESC guetórios, comidas, bebidas, mesas de do- pósito de levar o canto coral do Maranhão a
Deodoro – Centro. ces com lembrancinhas, carimbó das cai- todos os amantes da música.
20 Boletim 49 / junho 2011

PERFIL POPULAR
Carlos de Lima
Sergio Ferretti36

É
com muita tristeza que me pro
ponho a apresentar aqui, em
poucas palavras, o Perfil Popu-
lar dessa grande figura maranhense que
foi Carlos Orlando Rodrigues de Lima
– CARLOS LIMA, como era mais co-
nhecido, que acaba de nos deixar. Fol-
clorista, historiador, membro da Aca-
demia Maranhense de Letras, do Ins-
tituto Histórico e Geográfico do Ma-
ranhão e da Comissão Maranhense de
Folclore - CMF, onde por várias vezes
ocupou diversos cargos da diretoria. Foi
o pesquisador que mais publicou arti-
gos no Boletim da CMF, cerca de 38
títulos nos 49 números já publicados,
como pode ser constatado na busca por
autor em nosso site www.cmfoclore.ufma.br
Foi funcionário concursado do Ban-
co do Brasil, ator, tendo trabalhado em
vários filmes e peças de teatro, com-
positor, gravou um disco de músicas do
carnaval, mas foi principalmente escri-
tor, historiador e folclorista, especializa- impossível de ser acompanhada por Suas memórias, como as narradas
do nas coisas do Maranhão. Como fol- quem não tenha sido muito íntimo ou no volume VI de Memória de Velhos –
clorista cedo publicou estudos pionei- não seja seu familiar próximo. Seu Depoimentos publicados pela Secre-
ros sobre festa do Divino de Alcântara Carlos era um homem discreto, espiri- taria de Estado da Cultura e pela
e sobre o Bumba-meu-boi. tuoso, falava baixo, gostava de contar Comissão Maranhense de Folclore –,
De repente parece que teve um es- estórias sempre bem humoradas. Dizia são muito vivas, interessantes e sem-
talo como se diz de Antônio Vieira e sempre que, quando morresse, queria pre redigidas com leve tom de ironia
ser enterrado no Cemitério do Gavião, e algumas com impagável bom humor.
soltou o verbo. Nos últimos dez ou quin-
que fica no Bairro da Madre-Deus, Ele vai contando um fato atrás do ou-
ze anos publicou grande quantidade
próximo ao coração boêmio da cidade, tro, que fala do passado e do presente
de trabalhos importantes entre os quais,
onde ocorrem os melhores momentos com detalhes de uma verdadeira his-
ampliando trabalho anterior, três alen-
do carnaval, do bumba-meu-boi e de tória da vida cotidiana de São Luís e
tados volumes sobre a História do Ma-
outras festas populares que alegram do Maranhão em seu tempo. Faz afir-
ranhão. Escreveu também sobre as ruas mações com sinceridade sem se impor-
nossa cidade. Queria também que co-
e caminhos de São Luís, sobre o médi- tar que outros não concordem com
locassem na lápide, como soube que
co político Djalma Marques, sobre len- suas idéias, defendendo tradições mais
foi feito: “Aqui jaz contra vontade Car-
das do Maranhão; publicou livro de fic- importantes que vão se perdendo ine-
los de Lima”.
ções, como a notável “Memória de um xoravelmente.
Sempre foi magro, saudável, traba-
Garoto de Programa”, que gracejando lhador, jovial e exemplo de um homem Carlos de Lima, por tudo o que ele
insinuou ser inspirado em memórias de sério. Seus amigos pensavam que ele foi e construiu permanece vivo nos seus
seus tempos de juventude. Por muito iria passar do centenário, mas, perto muitos trabalhos publicados e, sobretu-
tempo, publicou crônicas semanais nos dos 92 anos, foi embora muito cedo, do, na memória de sua companheira de
Jornais da cidade. Por informações de deixando uma lacuna na vida intelec- 65 anos de vida comum – Zelinda Lima,
seus familiares, soube que ele ainda tual de sua cidade, sobre a qual publi- como na de seus filhos e netos, e de to-
deixou cinco livros inéditos. cou tantos trabalhos interessantes que dos que tiveram a oportunidade de con-
É difícil comentar uma vida e obra falam também sobre sua história e so- viver com ele e de ter o prazer de ouvir
tão rica e diversificada, como a de Car- bre lugares e pessoas com quem convi- as suas histórias cheias de sabedoria,
los de Lima. Sua trajetória é quase veu. sempre contadas com muito humor.

26 Antropólogo, Professor Emérito da UFMA; membro da CMF.

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