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0021-7557/04/80-02-Supl/S111

Jornal de Pediatria
Copyright © 2004 by Sociedade Brasileira de Pediatria
ARTIGO DE REVIS√O

AvaliaÁ„o neuropsicolÛgica da crianÁa


Neuropsychological assessment in children

Danielle I. Costa 1, Luciana S. Azambuja1, Mirna W. Portuguez2, Jaderson C. Costa3

Resumo Abstract
Objetivo: O objetivo deste trabalho È descrever a metodologia Objective: To describe the methods used for neuropsychological
empregada na avaliaÁ„o neuropsicolÛgica de crianÁas e suas contribui- assessment in children, emphasizing aspects of interest to pediatricians,
Áıes, priorizando aqueles aspectos de interesse dos profissionais da psychologists and neurologists.
·rea da sa˙de, em especial pediatras, psicÛlogos, psiquiatras, neuro- Sources of data: Review of the published literature concerning
logistas. neuropsychological assessment, including textbooks and reference
Fonte dos dados: Revis„o da literatura sobre o tema proposto nos manuals. The experience of the Neuropsychology Unit at Hospital S„o
˙ltimos anos e incluÌdas referÍncias de livros texto e manuais dos testes Lucas, Brazil, is described.
imprescindÌveis para a compreens„o do exame neuropsicolÛgico e Summary of the findings: Neuropsychological assessment should
aporte da experiÍncia da Unidade de Neuropsicologia do HSL - PUCRS. not be limited to the application of psychometric and neuropsychological
SÌntese dos dados: A avaliaÁ„o neuropsicolÛgica n„o se limita a tests; it should also correlate test findings with the neurological/
aplicaÁ„o de testes psicomÈtricos e neuropsicolÛgicos organizados em behavioral disorder and establish which part of the brain is likely to be
baterias, mas objetiva, tambÈm, avaliar a relaÁ„o destes achados com involved. In addition, the careful interpretation of result must be
a patologia neurolÛgica e/ou comportamental e em estabelecer a associated with an evaluation of the individualís current status and of
possÌvel ·rea cerebral envolvida. Adicionalmente, a interpretaÁ„o the context in which s/he lives.
cuidadosa destes resultados deve ser associada ‡ an·lise da situaÁ„o Conclusion: The final result of neuropsychological assessment
atual do sujeito e do contexto onde vive. should be a neuropsychological profile of the patient, which, in
Conclus„o: O resultado final deve fornecer um perfil neuropsico- combination with the evaluation of neurological/clinical, psychological
lÛgico do paciente que, combinado ‡ avaliaÁ„o dos aspectos neurolÛgi- and social aspects will contribute to diagnosis and provide elements to
cos/clÌnicos, psicolÛgicos e sociais, permitir· auxiliar no seu diagnÛstico guide the patient in terms of maximizing his/her potential.
e/ou orientar sobre o melhor aproveitamento de suas potencialidades.

J Pediatr (Rio J). 2004;80(2 Supl):S111-S116: Neuropsicologia, J Pediatr (Rio J). 2004;80(2 Supl):S111-S116: Neuropsychology,
avaliaÁ„o neuropsicolÛgica infantil, testes, funÁıes corticais superiores. neuropsychological assessment in children, cognitive functions.

IntroduÁ„o
A neuropsicologia È a ciÍncia que estuda a relaÁ„o entre lesıes cerebrais focais. Atualmente, baseia-se na localiza-
o cÈrebro e o comportamento humano. Como ·rea especÌ- Á„o din‚mica de funÁıes, tendo por objetivo a investigaÁ„o
fica de estudo, tem um desenvolvimento relativamente das funÁıes corticais superiores, como, por exemplo, a
recente, embora sua fundamentaÁ„o cientÌfica seja resul- atenÁ„o, a memÛria, a linguagem, entre outras. A neurop-
tante de v·rias dÈcadas de conhecimento e investigaÁ„o. sicologia entende a participaÁ„o do cÈrebro como um todo
Segundo Cunha1, inicialmente, a avaliaÁ„o neuropsico- no qual as ·reas s„o interdependentes e inter-relacionadas,
lÛgica pretendia chegar ‡ identificaÁ„o e localizaÁ„o de funcionando comparativamente a uma orquestra, que de-
pende da integraÁ„o de seus componentes para realizar um
concerto2. Isso se denomina sistema funcional.
O principal enfoque da neuropsicologia È o desenvolvi-
1. Psicólogas pós-graduadas em Neuropsicologia das Epilepsias e Neurop- mento de uma ciÍncia do comportamento humano baseada
sicologia Infantil, Programa de Neurologia Infantil e Unidade de no funcionamento do cÈrebro.
Neuropsicologia, Serviço de Neurologia, Hospital São Lucas, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Dessa maneira, sabe-se que, a partir do conhecimento
2. Professora adjunta, Departamento de Medicina Interna e Pediatria,
do desenvolvimento e funcionamento normal do cÈrebro,
Disciplina de neurologia, Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (FAMED-PUCRS). pode-se compreender alteraÁıes cerebrais, como no caso
3. Professor titular, Departamento de Medicina Interna, Disciplina de Neu- de disfunÁıes cognitivas e do comportamento resultante de
rologia, FAMED-PUCRS.
lesıes, doenÁas ou desenvolvimento anormal do cÈrebro.

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S112 Jornal de Pediatria - Vol. 80, N∫2(supl), 2004 AvaliaÁ„o neuropsicolÛgica da crianÁa ñ Costa DI et alii

A neuropsicologia infantil, que tem por objetivo identi- plo, ìquando se fala de imaturidade na inf‚ncia, esta n„o
ficar precocemente alteraÁıes no desenvolvimento cogniti- deve ser entendida unicamente como deficiÍnciaî 3, devido
vo e comportamental, tornou-se um dos componentes ‡s peculiaridades do desenvolvimento cerebral na inf‚ncia.
essenciais das consultas periÛdicas de sa˙de infantil, sendo Diferentemente do adulto, o cÈrebro da crianÁa est· ainda
necess·ria a utilizaÁ„o de instrumentos adequados a esta em desenvolvimento, tendo caracterÌsticas prÛprias que
finalidade (testes neuropsicolÛgicos e escalas para a avali- garantem uma diferenciaÁ„o e especificidade de funÁıes.
aÁ„o do desenvolvimento). Segundo Antunha 3 , as baterias de testes neuropsico-
Os resultados dessas escalas e testes refletem os lÛgicos adaptados para crianÁas s„o em n˙mero bastante
principais ganhos ao longo do desenvolvimento e tÍm o reduzido. Devem contemplar:
objetivo de determinar o nÌvel evolutivo especÌfico da ñ a organizaÁ„o e o desenvolvimento do sistema nervoso
crianÁa. A import‚ncia desses instrumentos reside princi- da crianÁa;
palmente na prevenÁ„o e detecÁ„o precoce de dist˙rbios do
ñ a variabilidade dos par‚metros de desenvolvimento
desenvolvimento/aprendizado, indicando de forma minuci-
entre crianÁas da mesma idade;
osa o ritmo e a qualidade do processo e possibilitando um
ñ a estreita ligaÁ„o entre o desenvolvimento fÌsico, neu-
ìmapeamentoî qualitativo e quantitativo das ·reas cere-
rolÛgico e a emergÍncia progressiva de funÁıes corticais
brais e suas interligaÁıes (sistema funcional), visando
superiores.
intervenÁıes terapÍuticas precoces e precisas.

Testes utilizados
AvaliaÁ„o neuropsicolÛgica na crianÁa - indicaÁıes Est„o relacionados a seguir alguns testes utilizados na
e contribuiÁıes avaliaÁ„o neuropsicolÛgica, descrevendo-se, de maneira
A avaliaÁ„o neuropsicolÛgica È recomendada em qual- sucinta, as potencialidades de cada teste ou bateria como
quer caso onde exista suspeita de uma dificuldade cogni- instrumento de ajuda na investigaÁ„o neuropsicolÛgica.
tiva ou comportamental de origem neurolÛgica. Ela pode
auxiliar no diagnÛstico e tratamento de diversas enfermi- InteligÍncia
dades neurolÛgicas, problemas de desenvolvimento in-
Os testes de inteligÍncia para crianÁas medem primari-
fantil, comprometimentos psiqui·tricos, alteraÁıes de
amente habilidades essenciais ao desempenho acadÍmico.
conduta, entre outros.
Entre eles, o de Stanford-Binet4 foi o primeiro nos
A contribuiÁ„o deste exame na crianÁa È extensiva ao
Estados Unidos. Adaptado das escalas originais de Binet-
processo de ensino-aprendizagem, pois nos permite esta-
Simon, baseia-se maciÁamente no desempenho verbal e
belecer algumas relaÁıes entre as funÁıes corticais superi-
cobre desde os 2 anos atÈ a idade adulta (23 anos),
ores, como a linguagem, a atenÁ„o e a memÛria, e a
fornecendo uma idade mental e um quociente de inteli-
aprendizagem simbÛlica (conceitos, escrita, leitura, etc.). O
gÍncia (QI).
modelo neuropsicolÛgico das dificuldades da aprendizagem
busca reunir uma amostra de funÁıes mentais superiores O padr„o-ouro internacional para a quantificaÁ„o das
envolvidas na aprendizagem simbÛlica, as quais est„o, capacidades intelectuais s„o as escalas Wechsler de inteli-
obviamente, correlacionadas com a organizaÁ„o funcional gÍncia, subdivididas pela faixa de idade. Essas escalas
do cÈrebro. Sem essa condiÁ„o, a aprendizagem n„o se consistem em uma sÈrie de perguntas e respostas padroni-
processa normalmente, e, neste caso, podemos nos depa- zadas que medem o potencial do indivÌduo em ·reas
rar com uma disfunÁ„o ou les„o cerebral. intelectuais diferentes, como o nÌvel de informaÁ„o sobre
assuntos gerais, a interaÁ„o com o meio ambiente e a
Ao fornecer subsÌdios para investigar a compreens„o do
capacidade de solucionar problemas cotidianos.
funcionamento intelectual da crianÁa, a neuropsicologia
pode instrumentar diferentes profissionais, tais como mÈ- O teste WPPSI5 (do inglÍs Wechsler Preschool and
dicos, psicÛlogos, fonoaudiÛlogos e psicopedagogos, pro- Primary Scale of Intelligence - Escala de InteligÍncia
movendo uma intervenÁ„o terapÍutica mais eficiente. Wechsler para PrÈ-Escolares e Prim·rio) È uma vers„o
O conjunto dos instrumentos utilizados nos possibilita para crianÁas menores das escalas Wechsler, permitindo
uma avaliaÁ„o global das capacidades da crianÁa, bem avaliar a inteligÍncia de crianÁas entre 4 e 6,5 anos. …
como das dificuldades encontradas por ela em seu desem- constituÌda por seis subtestes verbais e cinco de natureza
penho dia a dia. N„o se trata de ìrotularî ou ìenquadrarî manipulativa. Normalmente, a aplicaÁ„o de cinco subtes-
a crianÁa como integrante de grupos problem·ticos, e sim tes de cada uma das subescalas (verbal e de execuÁ„o) È
de evitar que tais dificuldades possam impedir o desen- suficiente para uma an·lise fidedigna. A escala tambÈm
volvimento saud·vel da crianÁa. permite recolher algumas informaÁıes sobre a organiza-
Á„o do comportamento da crianÁa.
Ainda quanto ‡ avaliaÁ„o em crianÁas, torna-se impor-
tante salientar algumas questıes, entre elas o fato de o O WISC-III6 (Wechsler Intelligence Scale for Children-
desenvolvimento cerebral ter caracterÌsticas prÛprias a III - Escala de InteligÍncia Wechsler para CrianÁas-III) È a
cada faixa et·ria. Portanto, dentro desse padr„o de funci- escala mais usada para avaliar a inteligÍncia de crianÁas
onamento cerebral, È importante a elaboraÁ„o de provas de cobrindo as idades de 6 anos a 16 anos, 11 meses e 30 dias.
acordo com o processo maturacional do cÈrebro. Por exem- Fornece escores nas escalas verbal e de execuÁ„o, bem
AvaliaÁ„o neuropsicolÛgica da crianÁa ñ Costa DI et alii Jornal de Pediatria - Vol. 80, N∫2(Supl), 2004 S113

como um QI de escala total. Inclui muitos tipos de tarefas,


oportunizando a observaÁ„o das dificuldades da crianÁa e de
suas habilidades. … importante salientar que crianÁas com
dificuldades motoras em geral s„o penalizadas neste teste,
que n„o deve ser usado quando tal deficiÍncia estiver
presente. O subteste Cubos do WISC-III (Figura 1) visa
averiguar a capacidade de an·lise, sÌntese e planejamento
de coordenadas vÌsuo-espaciais e a praxia construtiva.
Pede-se ao sujeito que reproduza, com cubos de faces
coloridas, desenhos que lhe s„o mostrados. Para cada
1 2 3 4
modelo È estipulado um prazo limite para execuÁ„o.
Embora o QI n„o seja uma medida para localizar disfun-
Áıes cerebrais, o resultado de QI contribui para dar maiores
5 6 7 8
informaÁıes sobre o nÌvel geral de funcionamento do paci-
ente e, assim, servir de referÍncia para outras funÁıes mais
especÌficas, como memÛria, linguagem, etc. Tanto o Stan-
ford-Binet como o WISC-III e o WIPPSI s„o administrados Figura 2 - Matrizes Progressivas de Raven
individualmente a cada sujeito.

como fundamentais: a inteligÍncia cristalizada (que prioriza


o conhecimento) e a inteligÍncia fluida (que prioriza o
raciocÌnio). A primeira se refere ‡ profundidade das infor-
maÁıes adquiridas via escolarizaÁ„o e geralmente È usada
na resoluÁ„o de problemas semelhantes ao que se aprendeu
no passado (como nos testes tradicionais de inteligÍncia).
A segunda se refere ‡ capacidade de processamento cogni-
tivo, ou seja, a capacidade geral de processar informaÁıes
ou as operaÁıes mentais realizadas quando se resolvem
problemas relativamente novos.
Com o propÛsito de avaliar a inteligÍncia de uma forma
global, foi padronizada para a populaÁ„o brasileira a bateria
de provas de raciocÌnio (BPR-5)11, a qual oferece estimati-
vas do funcionamento cognitivo geral e das habilidades do
Figura 1 - Exemplo do subteste ìCubosî indivÌduo em cinco ·reas especÌficas: raciocÌnio abstrato,
WISC-III verbal, espacial, numÈrico e mec‚nico. Este instrumento
auxilia os examinadores a tomarem decisıes sustentadas
na avaliaÁ„o das aptidıes e raciocÌnio geral, tais como, por
exemplo, na avaliaÁ„o das dificuldades de aprendizagem. …
organizado em duas formas: A) para estudantes da 6™ ‡ 8™
sÈrie do ensino fundamental; B) para alunos da 1™ ‡ 3™ sÈrie
Quando o paciente n„o apresenta condiÁıes de expres-
do ensino mÈdio.
sar-se verbalmente, usam-se os testes Matrizes Progressi-
vas de Raven7 e Escala de Maturidade Mental Col˙mbia8,
que avaliam a inteligÍncia geral e estimam a capacidade de MemÛria
raciocÌnio geral de crianÁas de uma forma n„o-verbal. O Para esta funÁ„o, s„o utilizados instrumentos que ava-
objetivo do teste Matrizes Progressivas de Raven (Figura 2) liam a capacidade de aprendizado de funÁıes de memÛria,
È descobrir as relaÁıes que existem entre as figuras e como, por exemplo, o Teste de Aprendizado Auditivo Verbal
imaginar qual das oito figuras apresentadas completaria o de Rey (Rey Auditory Verbal Learning Test - RAVLT) e o
sistema. Teste de Aprendizado Visual de Desenhos de Rey (Rey
Tradicionalmente, a inteligÍncia est· relacionada com Visual Design Learning Test - RVDLT)12. Os testes que
as habilidades acadÍmicas, porÈm existem outros tipos de envolvem aprendizado, isto È, a repetida exposiÁ„o ao
inteligÍncia (como, por exemplo, a caracterizada pela capa- material a ser recordado, s„o mais sensÌveis para detectar
cidade de relacionar idÈias complexas, formar conceitos prejuÌzos de memÛria do que testes apresentados somente
abstratos, derivar implicaÁıes lÛgicas atravÈs de regras uma vez. No teste de Aprendizado Auditivo Verbal de Rey
gerais) que, muitas vezes, n„o È possÌvel mensurar atravÈs (Figura 3), lÍ-se a lista de palavras para o examinando,
dos testes convencionais. A este respeito, Primi 9,10 salienta pausadamente, cinco vezes consecutivas. ApÛs cada uma
que, nas abordagens da inteligÍncia, duas s„o tratadas das vezes em que s„o apresentadas as 15 palavras, o
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sujeito deve fazer a evocaÁ„o do material, sem precisar limitaÁıes decorrentes da les„o cerebral, para que n„o
seguir a mesma ordem de apresentaÁ„o. sejam cometidos equÌvocos ao concluir-se a avaliaÁ„o
O WRAML (do inglÍs Wide Range Assessment of Memory neuropsicolÛgica.
and Learning ñ Short Form)13 È um instrumento psicomÈ- Em muitas das crianÁas com les„o cerebral, encon-
trico destinado a avaliar a capacidade de aprender e tram-se alterados os canais formais de express„o e
memorizar ativamente v·rios tipos de informaÁ„o em paci- comunicaÁ„o com o meio. Sendo assim, o profissional por
entes na faixa et·ria de 5 a 17 anos (memÛria visual, vezes precisa criar estratÈgias a fim de que a crianÁa
aprendizado verbal, memÛria para histÛrias). possa se comunicar e, ent„o, interagir e melhor entender
o que se passa com ela.

Linguagem Devemos auxiliar a crianÁa a nos mostrar seu potencial


e a comunicar-se utilizando recursos que lhe possibilitem
Um dos testes mais utilizados para a avaliaÁ„o da
compreender o que est· sendo solicitado, a representar o
linguagem È o Boston Naming Test 14, que utiliza figuras
que compreende e/ou quer realizar (atravÈs de gestos,
de objetos para avaliar a capacidade de reconhecimento
mÌmicas, fala, express„o gr·fica ou aÁ„o).
e nomeaÁ„o. … empregado em crianÁas com dificuldades
de compreens„o ou produÁ„o de palavras ou material
verbal escrito. Pode ser usado a partir dos 6 anos de Lobos frontais
idade. TambÈm s„o utilizados o Teste de FluÍncia verbal Nos ˙ltimos anos, cresceu muito o interesse pelas
(FAS, do inglÍs Verbal Fluency), testes de compreens„o, funÁıes do lobo frontal. … nessa parte do cÈrebro que se
como o Teste de Token 15 , compreens„o de textos, escrita encontram as maiores diferenÁas entre os seres humanos e
e leitura. A avaliaÁ„o inclui, ainda, os seguintes tÛpicos: seus antepassados na evoluÁ„o. Os lobos frontais constitu-
Ûrg„os fonoarticulatÛrios, h·bitos orais e desenvolvimen- em uma das maiores regiıes do encÈfalo, com funÁıes
to da linguagem. ainda pouco conhecidas, embora nos ˙ltimos anos tenham
Algumas particularidades precisam ser respeitadas e se acumulado importantes conhecimentos sobre suas ativi-
levadas em conta quando se avalia uma crianÁa com les„o dades. Agora se sabe que È no lobo frontal que se situam as
cerebral. Cabe ao profissional ter clareza dos propÛsitos, habilidades humanas mais complexas, como o planejamen-
conhecimentos, habilidade e adequaÁ„o das tÈcnicas e to de aÁıes seq¸enciais, a padronizaÁ„o de comportamen-
instrumentos de investigaÁ„o a serem utilizados, como tos sociais e motores, parte do comportamento autom·tico
tambÈm ter conhecimento das possÌveis alteraÁıes e emocional e da memÛria.

REY AUDITORY VERBAL LEARNING TEST (RAVLT) I fase

Paciente:

Idade:

LISTA A 1 2 3 4 5 LISTA B 1 LISTA A 6 7

TAMBOR ESCRIVANINHA TAMBOR

CORTINA GUARDA CORTINA

SINO PÁSSARO SINO

CAFÉ SAPATO CAFÉ

ESCOLA FOGÃO ESCOLA

PAI MONTANHA PAI

LUA VIDRO LUA

JARDIM TOALHA JARDIM

CHAPÉU NUVEM CHAPÉU

FAZENDEIRO BARCO FAZENDEIRO

NARIZ OVELHA NARIZ

PERU ARMA PERU

COR LÁPIS COR

CASA IGREJA CASA

RIO PEIXE RIO

PONTOS

Figura 3 - Teste de Aprendizado Verbal de Rey (RAVLT)


AvaliaÁ„o neuropsicolÛgica da crianÁa ñ Costa DI et alii Jornal de Pediatria - Vol. 80, N∫2(Supl), 2004 S115

Para a adequada avaliaÁ„o das funÁıes ìfrontaisî (fun- O WCST avalia a funÁ„o executiva do lobo frontal. Mede
Áıes executivas), È necess·rio ter conhecimento das etapas a modulaÁ„o de respostas impulsivas, a direÁ„o do compor-
evolutivas desta estrutura, isto È, do seu processo de tamento, as habilidades em desenvolver e manter uma
maturaÁ„o, o que È particularmente importante quando estratÈgia na soluÁ„o de um problema, apesar das mudan-
avaliamos uma crianÁa. A avaliaÁ„o do lobo frontal È, em Áas de contingÍncia, a flexibilidade, o planejamento, a
geral, mais difÌcil de ser realizada, pois envolve funÁıes organizaÁ„o, a ineficiÍncia de conceitualizaÁ„o inicial e a
mais complexas e pouco conhecidas. Entre as diversas dificuldade em encontrar soluÁıes para problemas cotidia-
funÁıes dos lobos frontais est„o a plasticidade do pensa- nos, bem como o nÌvel de perseveraÁ„o, que vem a ser o
mento, a capacidade de julgamento, a habilidade de produ- problema que muitas pessoas tÍm de ficar remoendo um
zir idÈias diferentes, a organizaÁ„o da informaÁ„o, a capa- mesmo assunto ou repetindo um mesmo comportamento
cidade de dar respostas adequadas aos estÌmulos, de motor. Pode ser aplicado a partir dos 6 anos de idade.
estabelecer e trocar estratÈgias e de planejar uma aÁ„o. Diversos subtestes da Escala de InteligÍncia Wechsler
Essas habilidades podem ser avaliadas atravÈs do teste de (WISC III e WPPSI) tambÈm auxiliam na investigaÁ„o de
fluÍncia verbal, fluÍncia para desenhos, Wisconsin Card disfunÁıes frontais, tais como analogias, compreens„o,
Sort Test (WCST)16, Trail Making Test17 e Stroop Test18, cÛdigos, etc.
que avaliam a capacidade de manter a atenÁ„o concentrada
e de n„o sofrer interferÍncias de respostas n„o-exigidas no
momento. No teste Trail, a tarefa do sujeito na parte A Lobos parieto-occipitais
(Figura 4) È ligar, com o l·pis, cÌrculos consecutivamente As funÁıes relacionadas ‡s habilidades vÌsuo-espaciais,
numerados, distribuÌdos aleatoriamente em uma folha de organizaÁ„o vÌsuo-espacial (percepÁ„o) e planejamento
papel; na parte B (Figura 5), existem, alÈm dos n˙meros, s„o avaliados pelo teste de cÛpia da Figura Complexa de
tambÈm letras impressas na folha de resposta, e a seq¸Ín- Rey-Osterrieth19, enquanto que habilidades percepto-vÌ-
cia a ser ligada deve intercalar as duas sÈries, n˙meros e suo-espaciais s„o avaliadas pelo teste de Hooper Visual
letras (1-A, 2-B, 3-C). A tarefa deve ser realizada o mais Organization20. As figuras de Rey (Figura 6) objetivam
rapidamente possÌvel. avaliar a atividade perceptiva e a memÛria, verificando o
modo como o sujeito apreende os dados perceptivos que lhe
s„o apresentados e o que foi conservado espontaneamente
pela memÛria. A testagem È composta de duas etapas: a
primeira È a cÛpia da figura, e a segunda È a recordaÁ„o da
mesma apÛs 30 minutos. A avaliaÁ„o tambÈm pode ser
4 3 realizada atravÈs do subteste Cubos das escalas Wechsler.

5
6
9 8

10 2
7
11 1
12

Figura 4 - Trail Parte A

2 Figura 6 - Figura de Rey

B
3
C Escala do Desenvolvimento Infantil de Bayley (Bayley Scale
4 of Infant Development ñ Bayley II-Bsid-II)
D O Bayley II21 È um teste destinado ‡ avaliaÁ„o do
5
A desenvolvimento de crianÁas nas idades de 1 a 42 meses.
O teste È dividido em trÍs escalas: motora, mental e de
1
6 comportamento, com quociente de desempenho para
E
cada ·rea. As trÍs escalas s„o consideradas complemen-
tares, tendo cada uma sua import‚ncia na avaliaÁ„o da
Figura 5 - Trail Parte B crianÁa.
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A escala mental avalia aspectos relacionados com o ReferÍncias


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aprofundar seus estudos sobre o funcionamento cerebral e
as diversas patologias do sistema nervoso central. Diante
do resultado quantitativo obtido atravÈs dos testes, faz-se
necess·ria uma avaliaÁ„o qualitativa detalhada e estudos CorrespondÍncia:
Mirna Wetters Portuguez
das funÁıes intelectuais implicadas em cada um dos itens de ServiÁo de Neurologia, Unidade de Neuropsicologia
cada prova, permitindo que se faÁa a relaÁ„o entre funÁ„o/ Hospital S„o Lucas - PUCRS
disfunÁ„o e ·rea cerebral. SÛ apÛs essa an·lise criteriosa Av. Ipiranga, 6690
CEP 90610-000 - Porto Alegre, RS
ser· possÌvel contribuir com recomendaÁıes e condutas ao Fone/Fax: (51) 3339.4936
programa de reabilitaÁ„o dessa crianÁa e corroborar a E-mail: mirna@pucrs.br
investigaÁ„o clÌnica.

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