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Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

MINAS GERAES

No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Manuel Bandeira (1886-1968)


PERNAMBUCO

Vou-me embora pra Pasárgada


Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada


Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
Vinicius de Moraes (1913-1980)
RIO DE JANEIRO
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
.
Cecília Meireles (1901-1964)
RIO DE JANEIRO

Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

– Em que espelho ficou perdida

a minha face?

Mario Quintana (1906-1994)


RIO GRANDE DO SUL

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.


Quando se vê, já são 6 horas: há tempo
Quando se vê, já é 6ª-feira
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado
E se me dessem um dia uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Cora Coralina (1889-1985)


GOIÁS
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

Ferreira Gullar (1930-2016)


MARANHÃO
enquanto vou entre automóveis e ônibus
entre vitrinas de roupas
nas livrarias
nos bares
tic tac tic tac
pulsando há 45 anos
esse coração oculto
pulsando no meio da noite, da neve, da chuva
debaixo da capa, do paletó, da camisa
debaixo da pele, da carne,
combatente clandestino aliado da classe operária
meu coração de menino

Adélia Prado (1935)


MINAS GERAES
Momento
Enquanto eu fiquei alegre,
permaneceram um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.

Gregório de Matos (1636-1695)


SALVADOR BAHÍA
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Oeste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

Machado de Assis (1839-1908)


RIO DE JANEIRO
Mundo interior
Ouço que a Natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, a natureza externa,


Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho


Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,


E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia e dorme.
Hilda Hilst (1930 - 2004)
SÃO PAULO
Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.

João Cabral de Melo Neto (1920-1999)


PERNAMBUCANO
O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria; (...)
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra

Paulo Leminski (1944-1989)


CURITIBA

Bem no fundo

No fundo, no fundo,

bem lá no fundo,

a gente gostaria

de ver nossos problemas

resolvidos por decreto

a partir desta data,

aquela mágoa sem remédio

é considerada nula

e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,

maldito seja quem olhar pra trás,


lá pra trás não há nada,

e nada mais

mas problemas não se resolvem,

problemas têm família grande,

e aos domingos

saem todos a passear

o problema, sua senhora

e outros pequenos probleminhas.

Ariano Suassuna (1927 - 2014)

PARAIBA
Infância (trecho)
Sem lei nem Rei, me vi arremessado
bem menino a um Planalto pedregoso.
Cambaleando, cego, ao Sol do Acaso,
vi o mundo rugir. Tigre maldoso.
O cantar do Sertão, Rifle apontado,
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.
Conceição Evaristo (1946)
MINAS GERAES
Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.

Castro Alves (1847-1871)

BAHIA
Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
Constelações do líquido tesouro...
Olavo Bilac (1865-1918)

LINGUA PORTUGUESA

Última flor do lácio, inculta e bela

És, a um tempo, esplendor e sepultura

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela

Amo-te assim, desconhecida e obscura

Tuba de alto clangor, lira singela

Que tens o tom e o silvo da procela

E o arrolo da saudade e da ternura

Amo o teu viço agreste e o teu aroma

De virgens selvas e de oceano largo

Amo-te, ó rude e doloroso idioma

Em que da voz materna ouvi: Meu filho

E em que Camões chorou, no exílio amargo

O gênio sem ventura e o amor sem brilho


Gonçalves Dias (1823-1864)
MARANHÃO
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem quinda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Augusto dos Anjos (1884-1914)

PARAIBA
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão esta pantera
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Mel Duarte (1988) SÃO PAULO


Eu não escrevo pra incendiar casas
mas pra ascender faíscas aos olhos de quem me lê
não escrevo pra matar a fome de multidões
mas espero que minhas palavras preencham um vazio que te ajude
a se manter de pé
não escrevo pra governar um povo
eu ouço o que ele diz e utilizo minha voz para propagar sua
mensagem
não escrevo pra obter a sua aprovação
mas pra registrar minha trajetória e de tantas mulheres negras que
já foram silenciadas.

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