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Psicologia Médica: TEMA 2

PROCESSOS COGNITIVOS, MOTIVAÇÃO E EMOÇÕES EM


CONTEXTOS CLÍNICOS E DE SAÚDE PÚBLICA.

PERSONALIDADE: CONCEITO E BASES BIOPSICOSSOCIAIS.


RECURSOS ADAPTATIVOS (v.g. RESILIÊNCIA).

Prof. Doutor J. Alves da Silva, Prof. Doutor Gonçalves Pereira & Corpo Docente de
Psicologia Médica
Estes apontamentos/compilação de textos destinam-se a guiar o aluno na leitura da bibliografia
recomendada. São disponibilizados para uso pessoal do estudante, exclusivamente na plataforma
Moodle institucional da FCM/NMS-UNL. Todos os direitos estão reservados.

OBJECTIVOS GERAIS DE APRENDIZAGEM:

1) Aplicar a contextos clínicos e de saúde pública alguns conceitos já estudados em Fundamentos de


Neurociências e Introdução à Prática Clínica (2º ano MIM) sobre funções cognitivas.
2) Aprender os conceitos gerais de ‘motivação’ e ‘emoções’ (e sua importância na saúde e na doença,
incluindo a mudança de comportamentos e a entrevista motivacional). [em ligação com o Tema 10]
3) Saber fundamentar a importância da personalidade dos doentes na prática clínica e de saúde pública (e.g.
antecipar factores de risco e de protecção com base na personalidade dos indivíduos).
4) Saber fundamentar a importância de alguns conceitos relacionados com a Psicologia Social: por
exemplo, as dimensões do self para a saúde (por exemplo, de que forma o estilo atributivo e locus de
controlo relevam para a saúde/doença). Entender a mudança das atitudes como caminho para a
modificação dos comportamentos. [em ligação com o Tema 10]

CONTEÚDOS TEÓRICOS:
Estes apontamentos apenas introduzem à leitura dos tópicos correspondentes na Bibliografia. Incluem
comentários que remetem para a UC Fundamentos de Neurociências (2º ano MIM). O aluno deve ler
integralmente a Bibliografia essencial, podendo aprender mais consultando a Bibliografia complementar.

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PROCESSOS COGNITIVOS: PERCEPÇÃO, ATENÇÃO E MEMÓRIA

Definir cognição é difícil, mesmo para quem trabalha diariamente na avaliação de processos cognitivos
como a percepção, atenção e memória. Podemos tentar essa definição de forma mais descritiva e genérica,
mas menos controversa: o conjunto de processos mentais relativos à percepção, atenção, aprendizagem e
memória (na verdade, devemos incluir também: tomada de decisões, resolução de problemas e produção de
linguagem). Conceptualmente, podemos ainda definir cognição como o conjunto de processos através dos
quais tomamos conhecimento do mundo. Especificamente, falamos dos processos que permitem: 1.
identificar estímulos externos e internos; 2. reconhecer o seu significado; 3. responder de forma adequada.

Percepção

A percepção é o processo pelo qual o nosso cérebro recebe, interpreta e organiza os estímulos sensoriais
(externos e internos) do nosso ambiente. Não se trata da recepção passiva destes sinais, mas da sua
modulação por processos cognitivos que envolvem aprendizagem prévia, memória e atenção. Começa,
assim, a tornar-se óbvio como os processos cognitivos estão interligados.

Podemos ver a percepção como o resultado de um jogo que se estabelece entre a informação veiculada pelo
sistema nervoso periférico (no sentido “bottom-up”) e a informação contida em estruturas do sistema
nervoso central (no sentido “top-down”). Um bom exemplo prende-se com a constância do tamanho e
forma, e a percepção de profundidade (se quiser aprofundar este tópico, cf. 10.1 em Ayers & Visser, 2021).
Esta influência “top-down” revela-se, por exemplo, na forma como a atenção vai privilegiar certos
componentes sensoriais em detrimento de outros, selectividade que pode ser influenciada por factores como:

- Limiar de percepção
- Experiências anteriores
- Motivação
- Emoções
- Valores pessoais
- Fundo cultural
- Ambiente

Na clínica, é importante estudar a percepção e que factores a modulam. Isto não só para entender melhor as
alterações da percepção como as ilusões e alucinações (cf. Psicopatologia – 2º ano, UC Introdução à Prática
Clínica), mas também para compreender por que razão pessoas diferentes podem percepcionar o mesmo
objecto de forma diferente.

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Atenção

Como decorre da secção anterior, a atenção tem um papel muito importante na forma como adquirimos
informação. ‘Atenção’ é a capacidade de nos focarmos em determinado(s) estímulo(s) que nos chega(m) do
ambiente (externo ou interno). Contudo, apesar de ser bom conseguirmos estudar num café ruidoso, seria
mau continuarmos a estudar quando o café começa a arder. Por isso, é igualmente crucial conseguirmos
deixar de nos focar num estímulo, ou mesmo sermos capazes de oscilar entre um estímulo e outro, consoante
o que for mais adequado.

Tal como a atenção está intimamente relacionada com a aquisição de informação (percepção), está também
interligada com a capacidade de armazenar informação (memória). A informação que é mantida na memória
de curto prazo depende de a qual ou quais buffers sensoriais (o equivalente a uma memória imediata de
segundos de duração para cada modalidade sensorial) é que ‘prestamos atenção’. Mais à frente, abordaremos
a ‘memória’ e que tipo de memória é dependente da atenção.

A atenção é também importante na aquisição de competências. Por exemplo, quando aprenderem a suturar,
vão estar atentos a todos os vossos movimentos, à escolha da linha de sutura, onde colocam a agulha etc. À
medida que treinam, os movimentos tornam-se mais automáticos, como que um hábito. As acções muito
treinadas e habituais são menos dependentes da atenção. Do ponto de vista cognitivo, a atenção é encarada
como algo limitado, daí que o multitasking provoque uma dispersão do nosso foco, com custos no
desempenho de acções ou na obtenção de informação do meio ambiente. Por isso o treino repetitivo ‘liberta’
capacidade cognitiva e permite-nos prestar atenção a outros estímulos do ambiente para além da acção que
está a ser realizada. Por outro lado, quando dispersamos a nossa atenção é provável que, na presença de
acções alternativas, utilizemos as mais habituais, mesmo se não forem as mais adequadas. Isto é uma das
origens do erro médico. Os médicos, frequentemente assoberbados por trabalho e por múltiplas exigências
do meio, podem tender a desenvolver acções mais rotineiras (que, por vezes, não são as mais adequadas,
dada a variabilidade e complexidade dos casos que vão surgindo).

Assim, é importante no contexto clínico compreender o que é a atenção e reconhecer as suas limitações, não
só por causa das manifestações patológicas mas também porque nos poderá ajudar a diminuir o erro médico.
Se quiser aprofundar este tópico, cf. 10.2 em Ayers & Visser, 2021.

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Memória

A capacidade de armazenar e recuperar informação tem sido uma das questões mais abordadas pelas
ciências cognitivas. A compreensão deste processo cognitivo é fundamental na clínica, dada a elevada
prevalência de doenças que cursam com alterações da memória (v.g. doença de Alzheimer) mas também
para sabermos como melhor transmitir informação aos doentes (de modo que a retenham).

A memória pode subdividir-se em memória explícita ou declarativa e memória implícita. A memória


explícita ou declarativa corresponde ao que a maioria das pessoas identifica como sendo ‘memória’ (a
recuperação de informação é acompanhada da sensação clara de que estamos a recordar algo). Pode tratar-se
de factos, ideias ou conceitos (memória semântica) ou de episódios vivenciados pelo próprio (memória
episódica). Por exemplo, a palavra ‘Paris’ pode evocar uma memória semântica que corresponde ao facto de
ser a capital de França, ou a recordações da final do Euro 2016. Por seu lado, a memória implícita não é
uma memória de factos ou episódios e, quando a informação é recuperada, esta não é acompanhada da
sensação de nos estarmos a recordar. É o tipo de memória que nos permite guiar um carro, colocando a 2ª
velocidade após a 1ª, sem termos que ‘pensar’ como puxamos a manete das mudanças. Mas se nos
recordarmos da primeira vez que guiámos um carro (aqui temos que voltar a utilizar a memória episódica e
evocar esse momento das nossas vidas), os movimentos eram todos realizados com total concentração
requerendo a nossa total atenção à manete das mudanças e a como movê-la. É por isto que a memória
implícita é também chamada de memória de procedimentos. Se alguma vez estiverem a perder ao jogar
ténis, experimentem perguntar ao vosso adversário como é que ele consegue bater tão bem na bola e peçam-
lhe para explicar o movimento que faz. Da próxima vez que ele bater na bola é mais provável que falhe
porque a evocação consciente dos movimentos do seu braço poderá atrapalhar a memória implícita do
movimento, sedimentada em anos de treino. Daqui percebemos que a memória implícita funciona num plano
‘inconsciente’ (daí que, recentemente, se tenha procurado operacionalizar este conceito no modelo
psicodinâmico), mais independente da atenção.

A distinção entre memória implícita e memória explícita é talvez um dos casos (arriscamos dizer raros), em
que conceitos cognitivos encontraram uma correspondência estrutural e biológica clara (se não recordam o
caso de Henry Molaison das aulas de Fundamentos de Neurociência, devem voltar aos vossos
apontamentos). Sabe-se hoje que a formação de novas memórias explícitas é dependente de estruturas

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temporais medianas como o hipocampo, mas que lesões destas estruturas deixam os mecanismos de
memória implícita intacta. Por outro lado, estas estruturas não são necessárias para a recuperação de
memórias explícitas previamente armazenadas.

Podemos olhar ainda para a memória do ponto de vista do tempo de armazenamento de informação. Como
referimos anteriormente, a informação está primeiro disponível numa memória imediata que corresponde a
um buffer sensorial (por exemplo quando nos perguntam se ouvimos o que nos acabaram de dizer, nós
conseguimos ‘viajar’ alguns segundos no tempo e recuperar essa informação), depois na memória a curto
prazo ou memória de trabalho e finalmente na memória a longo prazo.

A consolidação das memórias a longo prazo não parece ter uma localização restrita no cérebro. Foi colocada
a hipótese de que estas memórias existam em ‘engramas’ (tradução livre do inglês engrams) i.e., uma
correspondência biofísica ou bioquímica no cérebro que quando activada nos permite recuperar estas
memórias. Pensa-se que estes engramas correspondam a redes neuronais, que podem ser compostas por
neurónios de diferentes regiões do cérebro ligados entre si. Esta teoria é compatível com o que se observa do
ponto de vista cognitivo, nomeadamente:

- A repetição espaçada da recuperação de informação facilita a futura recuperação dessa mesma


informação. Do ponto de vista biológico sabe-se que a activação repetida de um conjunto de
neurónios reforça as suas ligações (postulado de Hebb: “neurons that fire together wire together”).

- A associação de novas memórias a outras já consolidadas facilita a memorização. Existindo uma


rede neuronal que represente uma memória bem consolidada, associar um novo conjunto de
neurónios a essa rede facilitará a activação dos neurónios quando o engrama anterior for activado.

- Enriquecer a informação com ‘pistas’ variadas. Ao ligarmos várias pistas para nos lembrarmos de
uma dada informação, provavelmente vamos recrutar mais neurónios para estabelecer o engrama
correspondente, aumentando a probabilidade de activação da informação que queremos lembrar.

Estratégias como o uso de mnemónicas ilustram bem estes princípios. Compreender os processos que
regulam a memorização é importante na clínica (cf. Ayers & de Visser, 2021 – pp. 269-272) e também pode
ajudar no próprio estudo da Medicina (exemplos práticos - pp 266-269).

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Os tópicos seguintes (Motivação e Emoções) são intencionalmente esquemáticos. Para um desenvolvimento


destes conteúdos e para compreender melhor os fundamentos da Entrevista Motivacional (Tema 10), leia na
íntegra a parte correspondente de Ayers & de Visser, 2021 – capítulo 2 [Bibliografia Complementar].

MOTIVAÇÃO

 Conceito – a motivação aumenta a probabilidade de um comportamento. Teorias das motivações:


teorias do impulso, relacionadas a evolução, com o tipo de incentivos, ou com expectativas e valores.
(cf. ponto 2.1. em Ayers & de Visser, 2021 – Bibliografia Complementar)
 Deve conhecer a teoria clássica da ‘hierarquia de necessidades’ (Maslow, 1908-1970):
1) necessidades fisiológicas, 2) segurança (protecção contra o perigo), 3) necessidades sociais (amizade,
pertença a um grupo), 4) auto-estima, 5) auto-realização (self-actualization).
Estas necessidades ‘motivam’ o comportamento humano, estando aqui descritas da base para o topo da
‘pirâmide’ (5 níveis). Nesta teoria, as necessidades mais básicas deverão ser satisfeitas para que outras,
em sequência, da base para o vértice da ‘pirâmide’, motivem o comportamento. Por exemplo, as
necessidades de auto-realização prendem-se com encontrar e manter um sentido para a vida,
concretizando o potencial de cada um.
 Importância da motivação na saúde e na doença. (cf. ponto 2.2., incluindo a descrição do caso clínico
2.2. em Ayers & de Visser, 2021 – Bibliografia Complementar)
a. Usar a motivação para alterar comportamentos relacionados com saúde;
b. Conceito de ‘entrevista motivacional’ (a estudar para as aulas práticas, em que será feita uma
introdução a competências básicas nesta área – cf. Bibliografia Essencial específica no Tema 10).

EMOÇÕES

 Emoções básicas (Ekman, 1992): felicidade/alegria, tristeza, surpresa/espanto, zanga/ira, medo e


repugnância (na formulação clássica). Há outras formulações e uma multiplicidade de vocábulos para
descrever a complexidade ligada às emoções, com nuances em línguas e culturas diferentes. Cf. também
UC Fundamentos de Neurociências.
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 As emoções surgem habitualmente de forma instintiva, não consciente (isto é, não decidimos começar a
sentir zanga, por exemplo).
 As emoções têm componentes:
o cognitivos (por exemplo, ao andar de avião algumas pessoas podem perceber essa situação como
perigosa, classificar a experiência emocional correspondente como desagradável, e acabar por
avaliar essa experiência como negativa; ao contrário, outras pessoas diriam que andar de avião é
excitante, agradável e ‘positivo’)
o fisiológicos (relação com o sistema límbico e o córtex frontal)
o comportamentais (incluindo a nossa expressão facial/não verbal e postura corporal, e
comportamentos que surjam em resposta).
 Teorias das emoções; ‘afectos’ positivos e negativos, cuja intensidade pode ser baixa ou alta.
 Relação com a ‘psicologia positiva’, área da Psicologia que tem salientado a importância das emoções
ditas ‘positivas’ (v.g. ‘felicidade’), estudando a relação destas com o bem-estar e a saúde. Note-se que as
associações encontradas entre felicidade e saúde não significam que uma cause a outra… Como
geralmente acontece na ligação entre fenómenos biológicos e psicossociais, uma associação ou relação
não significa uma relação causal.
 Disposições emocionais: v.g. optimismo, pessimismo. Conferir PERSONALIDADE (em baixo).
 Importância na saúde e na doença (exemplos); supressão ou expressão das emoções, regulação das
emoções.
o Embora o fundamento científico seja inconsistente, a supressão de emoções pode estar associada
a pior saúde. Contudo, o mesmo se passa nalgumas formas de expressão emocional - como nos
comportamentos tipo A, que parecem aumentar a probabilidade de doença coronária – ver
PERSONALIDADE.
o A forma como conseguimos regular as emoções de forma positiva/construtiva e a nossa
competência emocional são muito importantes nas respostas ao stress. Em casos complexos,
algumas intervenções psicológicas/psicoterapêuticas ou intervenções em meio escolar têm
revelado utilidade nesta área. Pode ler descrições de vários exemplos em Ayers & Visser (2021)
– pp. 52-53 – em relação com a vacinação infantil e o papel da música (aplicações digitais) na
área da regulação emocional.

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PERSONALIDADE

No que se refere a Personalidade, estes apontamentos não dispensam a leitura das 2 páginas de ‘Personality
and health’ (2019) e das 4 páginas do Shorter Oxford Textbook of Psychiatry.

As primeiras são um bom resumo sobre personalidade, saúde e doença, incluindo: modelo big five,
conceito de personalidade tipo D, ‘disposições emocionais e saúde’/ optimismo, possíveis
mecanismos subjacentes às ligações entre personalidade e saúde.

O Shorter Oxford Textbook of Psychiatry é recomendado na UC Psiquiatria e para a Prova Nacional


de Acesso. O capítulo correspondente inclui (pp 391-394): Tipos de personalidade; Origem da
personalidade (bases biológicas e influência genética/temperamento; teorias psicológicas, incluindo
os contributos de Freud, Jung, Adler, Erikson, e teorias da vinculação; Avaliação clínica da
personalidade. A matéria relativa a perturbações da personalidade será abordada em Psiquiatria.

O aluno poderá, opcionalmente, aprofundar o assunto recorrendo à Bibliografia Complementar: Ferreira de


Macedo et al (2018): secção V, principalmente nos capítulos ‘Personalidade’ e ‘Personalidade, Saúde e
Doença’ (pp: 229-260); Ayers & de Visser, 2021; cap. 9: pp 223-229 (Psicologia do self e auto-estima/auto-
imagem, locus de controlo, atribuições, self ideal e real). Esta matéria é retomada no Tema 4, a propósito
dos recursos da personalidade face ao stress.

 Conceito de ‘Personalidade’: características ou atributos relativamente estáveis que definem o


indivíduo e o diferenciam em termos comportamentais.

 Por que é importante considerar a personalidade em Medicina? A personalidade influencia muito,


por exemplo, a forma como qualquer um encara tratamentos que tenham sido prescritos. Uma pessoa
com grande tendência para a ansiedade pode parar prematuramente a medicação por preocupações com
(eventuais) efeitos adversos. Os doentes têm muitas vezes consciência da sua personalidade e das
consequências desta, para si e para os outros. Sabem, por exemplo, que são ‘emocionais’, ‘ansiosos’,
‘preocupados’. Pode ser útil falar com tacto sobre o assunto, assinalando aspectos positivos e negativos,
e discutindo de que forma isto pode ter impacto num plano de tratamento ou na vida do doente, em geral.
[cf. Shorter Oxford Textbook of Psychiatry]

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 As perspectivas dos ‘TRAÇOS DE PERSONALIDADE’: tentam descrever a personalidade usando um


conjunto-padrão de atributos.

 Dimensões da personalidade:

 Classificação de Eysenck:
o Introversão vs. extroversão;
o Neuroticismo vs. estabilidade;
o Psicoticismo vs. controlo dos impulsos.

 Big Five (OCEAN) (McCrae & Costa, 1987):


o Abertura à experiência;
o Conscienciosidade;
o Extroversão;
o Amabilidade;
o Neuroticismo.

Traços versus situação: foi também salientada a interacção pessoa-situação e a importância desta
última nos comportamentos (Mischel et al, 2004).

Ler também em Van Teijlingen & Humphris (2019):

 Personalidade tipo D (conceito relativamente recente; designa um conjunto de tendências


para ‘afectividade negativa’ e ‘inibição social’ que tem sido associado a riscos para a saúde,
por exemplo em cardiologia).
 Disposição para o optimismo: associação a maior bem-estar, melhor saúde (tal como no caso
da ‘extroversão’) e longevidade (como no caso da ‘conscienciosidade’)?
 As características da personalidade podem determinar resultados de saúde, possivelmente
mediante: alterações fisiológicas, ‘tropismo’, comportamentos de saúde, processos
relacionados com o stress.

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 CONCEITOS TAMBÉM RELACIONADOS COM PERSONALIDADE:

 LOCUS DE CONTROLO – atribuição da pessoa sobre a capacidade de conduzir o seu


comportamento e fazer a integração correspondente com as suas consequências:
 Interno – assumir responsabilidades, comportamentos socialmente aceitáveis, confiança
nos seus comportamentos;
 Externo – desresponsabilização, falta de empenho e ‘desligamento’.

 AUTO-CONCEITO – crenças em relação aos seus atributos; percepção que o indivíduo tem de si
próprio. Inclui as identidades (conteúdo do auto-conceito, designadamente os vários papéis
desempenhados na sua vida).

A auto-complexidade pode ser alta (a pessoa assume vários papéis) ou baixa (a pessoa centra-se
num dos papéis que desempenha). Pode também incluir a AUTO-ESTIMA – avaliação que o
indivíduo faz acerca do seu valor (relacionada com crenças em relação ao próprio).

 RESILIÊNCIA - capacidade de a pessoa retomar o seu nível de funcionamento psicológico


habitual depois de suportar situações adversas (aptidão para recuperar tão rapidamente quanto
possível da doença ou de outras adversidades); as pessoas mais resilientes tendem a ter mais
autoconfiança.

 MODELOS DE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE (EXEMPLOS)

[cf. Shorter Oxford Textbook of Psychiatry]

 Modelo psicodinâmico: a personalidade estrutura-se tendo como base as soluções de compromisso e


defesas na tentativa de resolver os conflitos entre desejos e interdições.

 Modelo cognitivo-comportamental: a experiência e o processamento da informação que dela


resulta condicionam a construção e activação/hipervalência de esquemas cognitivos e aprendizagens;
estes irão definir a personalidade do indivíduo.

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 Modelo psicobiológico (Cloninger e colaboradores):


 Temperamento – tendências herdáveis que predispõem para determinados
comportamentos e atitudes.
 Carácter – processos do desenvolvimento influenciados pelo ambiente.

 Traços e biologia: alguns traços são fortemente influenciados por determinantes genéticos (e.g.
extroversão/ introversão; neuroticismo/ estabilidade emocional).

 AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADE

1. Avaliação formal (Testes de Personalidade)


Requerem procedimentos e formação específicos, sendo realizados por psicólogos clínicos.
a. Testes estruturados – itens/perguntas específicas, incluindo escalas de validade (v.g. ‘às
vezes sou bisbilhoteiro’); exemplos:
 Inventário Multifásico de Personalidade do Minnesota – MMPI
 Inventário Psicológico da Califórnia - CPI
 Big-Five Inventory ou Questionnaire (com versões alargadas e curtas, o BIF é
uma escala de uso relativamente expedito em investigação)
Vantagens: validade preditiva e de constructo; quantificação/tentativa de objectividade.

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b. Testes projectivos (‘inestruturados’) – o sujeito resolve uma tarefa não estruturada e
projecta os seus desejos ‘recalcados’ e conflitos inconscientes; exemplos:
 Teste de Rorschach (interpretação de borrões de tinta, coloridos e a preto e
branco / aspectos do borrão utilizados)
 Teste de Apercepção Temática – TAT (interpretação do conteúdo de quadros
com várias cenas; pede-se ao indivíduo que conte uma história sobre cada uma)
Vantagens: alguns autores defendem menor probabilidade de viés positivo ou negativo? Para
articular com informação recolhida na clínica.

2. Avaliação informal na prática clínica – a que é geralmente usada pelo médico (excepto, por
exemplo, em perícias médico-legais). Na prática quotidiana, o médico não tem geralmente
necessidade de solicitar avaliações formais da personalidade: usa a informação recolhida nas
consultas para conhecer progressivamente o paciente (muitas vezes de forma empírica, podendo
fazê-lo melhor com base nas teorias da personalidade). O estudante de Medicina deve reconhecer
a importância da personalidade do doente para a relação terapêutica, o padrão de uso dos serviços
e os resultados clínicos, desenvolvendo competências básicas nesta avaliação clínica informal.

Na clínica, usamos geralmente termos descritivos adoptados da linguagem corrente,


acompanhados de exemplos, para descrever os aspectos da personalidade ‘normal’. Exemplos:
auto-confiante, estável, flexível, cordato, desconfiado, ciumento, irritável, impulsivo, centrado
em si próprio, rígido, agressivo, tende a preocupar-se...

A avaliação da personalidade é parte integrante da entrevista e da formulação clínica, mormente


em Psiquiatria. Não se destina apenas aos casos em que se suspeite de perturbação da
personalidade. A construção - e transmissão a um colega - de uma impressão clínica sobre facetas
únicas da ‘maneira de ser’ de cada doente são elementos fundamentais da boa prática médica.

 OUTROS ASPECTOS IMPORTANTES:

Papel da personalidade em modelos do tipo vulnerabilidade-stress ou diátese-stress (Zubin & Spring,


1977), cf. Ayers & de Visser (2021): pp 70-1 e 417-20. Factores de vulnerabilidade (v.g. ligados à
personalidade) interagem com factores de stress, determinando se a pessoa desenvolve doença, ou não.

Determinantes psicossociais nas doenças cardíacas – exemplo dos comportamentos tipo A, incluindo
hostilidade (cf. Temas 8 e 9). No modelo Big Five, hostilidade estaria em oposição a ‘amabilidade’.
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BIBLIOGRAFIA:

[todas as referências estão disponíveis na Biblioteca FCM-UNL]

Essencial

 Harrison, Cowen, Burns & Fazel (2018). Shorter Oxford Textbook of Psychiatry. 7th ed, Oxford
University Press (pp 391-4).
 “Personality and health”, in Van Teijlingen & Humphris: Psychology and Sociology applied to
Medicine. An Illustrated Colour Text. 4th ed, Elsevier, 2019 (pp 18-19).
 Ayers S, de Visser R: Psychology for Medicine & Healthcare. Sage, 2021.
o Cap. 10 Cognitive psychology: pp 257-273, especificamente.

Complementar

 Ayers S, de Visser R: Psychology for Medicine & Healthcare. Sage, 2021.


o Cap. 2 Motivation, emotion and health: pp 29-55
o Cap. 9 Social Psychology: pp 219-243
o Cap. 10 Learning, perception and memory: pp 245-257, especificamente.
 Ferreira de Macedo A, Pereira AT, Madeira N: Psicologia na Medicina. LIDEL, 2018.
o Cap. 16 Personalidade: pp 229-240
o Cap. 17 Personalidade, Saúde e Doença: pp 241-260
o Secção II (Psicologia Fundamental)
 Siegel, Siegel & Shah: “Memory, Emotion and Mirror Neurons”, in Wedding & Stuber: Behavior and
Medicine. 6th edition. Hogrefe Publishing, 2020 (pp 19-30).
 Vaz Serra A: O stress na vida de todos os dias. Coimbra: GC, 1999. (pp 395-411: personalidade, locus
de controlo, auto-conceito e auto-estima)

Pode ainda aprofundar conhecimentos sobre ‘resiliência’ no site da American Psychological Association:
http://www.apa.org/helpcenter/road-resilience.aspx

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ANEXO:

CONCEITOS BÁSICOS DE PSICOLOGIA SOCIAL

Dadas as contigências do programa, não serão leccionados, em profundidade, conteúdos de Psicologia


Social, à excepção dos já referidos – e.g. locus de controlo, auto-estima. Contudo, estes conteúdos são
importantes na clínica e na saúde pública. Permitem compreender melhor, por exemplo, conceitos como:
‘atitude’, ‘auto-imagem’ ou ‘atribuição’, bem como ‘ambivalência’ ou ‘dissonância cognitiva’. Seguem-se
os tópicos relativos ao Cap. 9 de Ayers & Visser (2021), embora a sua leitura não seja obrigatória:

 Atitudes
 Conceito. Avaliação (usando, por exemplo, uma escala de Likert).
 Mudança das atitudes na alteração de comportamentos (relevância na clínica). Estratégias para
potenciar mudanças de atitude (cf. entrevista motivacional – Tema 10):
i. Dissonância (discrepância) cognitiva como elemento para a mudança.
ii. Mensagens persuasivas em saúde.
iii. Ambivalência.
 A psicologia do self
 Identidade pessoal e social; relação com auto-estima; importância do modo de vestir e de se
apresentar (pp 225-27) – cf. também Tema 10.
 Atribuições (estilo atributivo; erros atributivos e doença; locus de controlo e saúde).
 Self-ideal e self-real (a discrepância entre estes como agente de mudança comportamental).
 Indivíduos e grupos
 Papéis sociais (significado, mudanças); papel de doente (sick-role).
 Conformidade. O fenómeno da polarização na definição de atitudes do indivíduo em grupo.
 Obediência, estilos de liderança e poder em Medicina.
 Estereótipos e preconceitos: influência na prestação de cuidados.
 Comportamentos anti-sociais (incluindo agressão) e pró-sociais (altruístas)

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