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Anatomia Patológica, 2014/2015

Cláudia Mendes
FCM

Índice
5 - Neoplasia................................................................................................................................................. 2

Nomenclatura ............................................................................................................................................ 2

Classificação histogenética ................................................................................................................... 2

Classificação de acordo com o comportamento clínico ........................................................................ 6

Epidemiologia ......................................................................................................................................... 10

Impacto global da neoplasia maligna .................................................................................................. 11

Fatores ambientais .............................................................................................................................. 12

Idade.................................................................................................................................................... 14

Condições para predisposição adquirida ............................................................................................ 14

Predisposição genética ....................................................................................................................... 14

Bases moleculares do Cancro: papeis das alterações genéticas e epigenéticas .................................. 15

Marcadores celulares e moleculares da neoplasia maligna ............................................................... 18

Agentes carcinogénicos e as suas interações celulares ........................................................................ 34

Carcinogénese Química ...................................................................................................................... 34

Carcinogénese Física .......................................................................................................................... 36

Carcinogénese Biológica..................................................................................................................... 39

Aspetos clínicos da neoplasia ................................................................................................................ 44

Efeitos locais e hormonais .................................................................................................................. 45

Caquexia ............................................................................................................................................. 46

Síndrome paraneoplásica ................................................................................................................... 46

Causas de morte por neoplasia .......................................................................................................... 48

Regressão espontânea ....................................................................................................................... 48

Prognóstico ......................................................................................................................................... 49

Lesão e Condição pré-malignas ......................................................................................................... 57

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5 - Neoplasia
 Robbins Pathologic basis of Disease, 9th Edition, chapters 7, 11 & 17
 Slides das aulas

Antes de mais, devemos fazer a distinção entre “tumor”, “neoplasia” e “cancro”:

 Tumor – lesão que ocupa espaço


 Neoplasia – proliferação anormal de células que pode ser benigna ou maligna
 Cancro – neoplasia maligna (NÃO DEVEMOS USAR ESTE TERMO!)
- termo que provém do latim e significa “caranguejo”; tentativa de descrição, uma vez que
são lesões que aderem firmemente a qualquer coisa.

PARA RELEMBRAR
Nomenclatura 1. Perturbação da diferenciação; proliferação

Como acabamos de ver, “neoplasia” refere-se a um celular não alterada → METAPLASIA

crescimento anormal, não coordenado, que excede o 2. Perturbação da diferenciação e da

dos tecidos normais e persiste, de forma autónoma, proliferação celular → DISPLASIA

após a remoção do estímulo proliferativo que provocou 3. Diferenciação aberrante; proliferação não

o seu aparecimento. controlada → NEOPLASIA


Figura A
Estima-se que existam cerca de 200 tipos de células diferentes nos seres humanos; porém, o número de
neoplasias até hoje verificadas ronda as 600. Por isso é tão difícil a tão esperada “cura para o cancro”, uma
vez que não se trata de uma doença específica mas sim de uma infinidade delas. Também por serem tantas,
tornou-se necessário um sistema de classificação fácil e racional. Existem dois, um que se rege pelo compor-
tamento clínico já conhecido daquele tipo de neoplasias, e outro que faz a distinção histogenética (de acordo
com a célula de origem) e que é usado como ferramenta para decisão de qual o tratamento mais apropriado.
Porém, devemos ter em atenção que muitas das neoplasias já haviam sido denominadas antes de se implan-
tar qualquer tipo de regra. Desta forma, vamos sempre encontrarmo-nos com nomes que não se encaixam
exatamente nas regras de nomenclatura mas que continuam a ser utilizadas devido ao uso generalizado
desde há já bastantes tempo.

CLASSIFICAÇÃO HISTOGENÉTICA
As neoplasias podes ser divididas em 3 grandes grupos:

 Epiteliais
 Mesenquimatosos
 Linfo-hematopoiéticos
 Leucemias
 Linfomas

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Neoplasia benigna
Diz-se que uma neoplasia é benigna quando, à partida, não coloca a vida do paciente em risco (o que não
significa que não haja mortes associadas a este tipo de neoplasias); à observação macro e microscópica
parece relativamente inocente, o que implica que permaneça localizada, não se espalhando para outros sítios,
e pode ser submetida a remoção cirúrgica.

Regra geral, este tipo de neoplasias são designadas pelo acrescento do sufixo “-oma” ao nome do tipo de
células das quais o tumor teve origem.

Os tumores mesenquimatosos geralmente seguem esta regra; temos como exemplo o fibroma, que é uma
neoplasia benigna do tecido fibroso, o condroma, que é um tumor benigno da cartilagem, o rabdomioma,
neoplasia das células musculares esqueléticas, leiomioma, neoplasia das células musculares lisas (comum
no útero), angioma ou hemangioma, neoplasia de vasos sanguíneos, lipomas, neoplasia do tecido adiposo.

Quando as neoplasias, Por seu lado, a nomenclatura dos tumores benignos epiteliais já é mais

sejam elas malignas ou be- complexa: alguns são classificados com base na sua origem, outros no pa-

nignas, produzem uma pro- drão microscópico e outros ainda segundo a sua arquitetura macroscópica.

jeção acima da superfície Temos os seguintes exemplos: (1) adenoma, neoplasia benigna epitelial

da mucosa, utiliza-se o derivada de glândulas; (2) papiloma, tumor epitelial benigno que produz ma-

termo “pólipo”. Caso o pó- cro e microscopicamente projeções com o formato de dedos; (3) cistade-

lipo tenha tecido glandular, noma, tumor que forma uma massa cística, tal como acontece no ovário;

então diz-se que é um pó- (4) cistadenoma papilar, neoplasia com padrão papilar que cresce para o

lipo adenomatoso. interior de uma cavidade cística.

Neoplasia maligna
As neoplasias malignas podem invadir e destruir estruturas adjacentes ou espalhar-se para locais distantes
(metastização), causando a morte do indivíduo. Assim, não são as neoplasias malignas em si que causam a
morte dos pacientes, na maioria das vezes, mas sim as suas metástases que se vão alojar em órgão vitais.
Porém, nem todas as neoplasias malignas terminam num desfecho tão negro; muitas podem ser removidas
cirurgicamente ou com o auxílio de outros tratamentos, quando identificados a tempo.

A nomenclatura deste tipo de tumor segue essencialmente o mesmo esquema que seguiam as neoplasias
benignas, apenas com alguns acrescentos.

Neoplasias malignas provenientes de tecidos mesenquimatosos sólidos são denominados “sarcomas”.


Temos como exemplo os leiossarcomas, no músculo liso, os rabdomiossarcomas, no músculo-esquelético,
os lipossarcomas, no tecido adiposo, etc.

As neoplasias malignas derivadas de células sanguíneas são denominadas leucemias (quando proveni-
entes de leucócitos) ou linfomas (quando provenientes do tecido linfoide). Relativamente ao último podem
ainda ser classificados como linfomas de Hodgkin (envolvem apenas células do tipo B) ou linfomas de não
Hodgkin (podem envolver células B ou células T).

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Finalmente, as neoplasias malignas envolvendo epitélios são designados por “carcinomas”. Estes podem
ainda ser subclassificados: carcinoma de células escamosas, se o tumor apresenta células que se asseme-
lham a um epitélio escamoso pavimentoso; adenocarcinoma, que se refere a uma lesão na qual as células
neoplásicas crescem num padrão glandular.

Há ainda casos em que não se conhece a origem das células que compõem a neoplasia, pelo que devem
ser apenas designados como tumores malignos indiferenciados.

Neoplasias mistas
Na maioria das neoplasias, malig-
nas ou benignas, quase todas as cé-
lulas se assemelham umas às outras.
Porém, há casos em que uma célula
se diferencia das restantes, dando
origem a um clone de células novo, a
que se dá o nome de neoplasias mis-
tas. Estas neoplasias contêm compo-
nentes epiteliais dispersos em estro-
mas mixoides que podem conter
ilhéus de cartilagem ou osso. Todos
estes componentes provêm de um

Figura 7-2, pág. 267 do livro único clone capaz de produzir tanto

Neoplasia mista da glândula paratiroide; contém células epiteliais for- células epiteliais como células mioe-
mando ductos e um estroma mixoide que se assemelha a cartilagem. piteliais; por isso, a designação prefe-
rencial deste tipo de neoplasias é “adenoma polimórfico”.

A grande maioria dos tumores, até mesmo os mistos, são compostos por células provenientes de uma
única camada germinativa. Uma exceção a esta regra são os teratomas, que contém células reconhecivel-
mente maduras ou imaturas provenientes de mais do que uma camada germinativa (por vezes de todas as
três camadas). Os teratomas têm origem em células germinativas totipotentes que estão normalmente pre-
sentes nos testículos e ovários e, por vezes, também em nichos embrionários anormais. Estas células con-
seguem diferenciar-se em vários tipos celulares encontrados num indivíduo adulto pelo que não é de estra-
nhar que as neoplasias daqui provenientes contenham, de uma forma muito confusa, osso, epitélio, músculo,
gordura, nervos e outros tecidos. Um tipo particular desta neoplasia é o teratoma
cístico do ovário (cisto dermoide) que se diferencia principalmente segundo a
linhagem da ectoderme, dando assim origem a um tumor cístico revestido por pele repleta
de cabelo, glândulas sebáceas e estruturas dentárias (baaahhh!). Relativa-
mente às células germinativas pode ainda gerar-se um disgermioma (ou ser-
minoma), com origem nas células germinativas, um poliembrioma (ou carcinoma embrio-
nário), proveniente das células totipotentes em fase de mórula, coriocarcinoma,
proveniente das células coriónicas, e ainda um tumor do saco vitelino.

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Figura 7-3, pág. 268 do livro


A. Aparência macroscópica de um teratoma cístico do ovário aberto. De notar a presença de cabelo, material sebáceo e um dente.
B. Vista microscópica de um tumor similar demonstrando pele, glândulas sebáceas, adipócitos e um trato de tecido neural (seta).

Fica uma tabela com algumas classificações:

TECIDO DE ORIGEM BENIGNO MALIGNO TECIDO DE ORIGEM BENIGNO MALIGNO


Compostos por um tipo de células parenquimatosas Tumores de origem epitelial (continuação)
Tumor de origem mesenquimatosa Cobertura epitelial de Adenoma Adenocarcinoma
glândulas e ductos Papiloma Carcinoma papilar
Tecido conjuntivo e Fibroma Fibrossarcoma
Cistadenoma Cistadenocarci-
derivados Lipoma Lipossarcomas
noma
Condroma Condrossarcoma
Osteoma Osteossarcoma (= Vias respiratórias Adenoma bron- Carcinoma bronco-
sarcoma de Ewing) quiolar génico
Vasos sanguíneos e superfícies de cobertura Células hepáticas Adenoma hepá- Carcinoma hepa-
tico tocelular
Vasos sanguíneos Angioma/ He- Angiossarcoma/ he- Das vias biliares ex-
mangioma mangiossarcoma tra-hepáticas (=Tu-
Vasos linfáticos Linfangioma Linfangiossarcoma mor de Klatskin)
Epitélio do trato uriná- Papiloma de cé- Carcinoma de célu-
Mesotélio Tumor fibroso
rio (transicional) lulas transicio- las transicionais
benigno
nais
Meninges Meningioma Meningioma inva-
Epitélio placentário Mola hidatiforme Coriocarcinoma
sivo
Células sanguíneas e células relacionadas Tumor dos melanóci- Nevos (= marca Melanoma maligno
Células hematopoiéti- Leucemias tos de nascença)
cas Mais do que um tipo de células neoplásicas – tumores mistos,
Tecido linfoide Linfomas (=Sar- normalmente derivados de mais do que uma camada de célu-
coma de Kaposi) las germinativas
de cél. B (=lin- Glândulas salivárias Adenoma pleo- Tumor maligno
foma de Burkitt) mórfico (tumor misto com origem
Músculo misto de origem na glândula salivar
Liso Leiomioma Leiossarcomas salivar
Estriado Rabdomioma Rabdomiossarcoma Tumor de
Tumor de origem epitelial Warthin
Estratificado pavimen- Papiloma de cé- Carcinoma de célu- Anlage renal Tumor de Wilms
toso lulas escamosas las escamosas Mais do que um tipo de células neoplásicas derivados de mais
Células basais da Carcinoma de célu- de uma camada de células germinativas – teratoma
pele ou anexos las basais Células totipotentes Teratoma ma- Teratoma imaturo,
Epitélio renal Adenoma tubu- Carcinoma de célu- no nicho embriónico duro, cisto der- teratocarcinoma
lar renal las renais; tumor de ou gonadal moide
Grawitz.

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CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM O COMPORTAMENTO CLÍNICO

NEOPLASIA BENIGNA NEOPLASIA MALIGNA Uma das características mais impor-


 Crescimento rápido e infiltrativo tantes na tentativa de prognóstico de de-
 Crescimento lento
 Menos semelhante ao tecido de
 Capsulada e bem circunscrita terminado tumor é saber se é algo mali-
origem
 Morfologicamente idêntica ao
 Invade os tecidos adjacentes gno ou benigno. Apesar de por vezes es-
tecido de origem
 Metastiza
tarem bem disfarçados, regra geral é pos-
sível fazer a distinção através de traços histológicos e anatómicos

Relativamente às neoplasias malignas, as células que as constituem apresentam algumas características


constantes:

 Imortalidade;  Perda de inibição de contacto;


 Perda de orientação num substrato com orienta-  Aumento da basofilia citoplasmática;
ção;  Aumento do número e do tamanho dos nucléo-
 Diminuição da necessidade de fatores de cres- los;
cimento (vivem quase sem nutrientes);  Aumento do tamanho dos núcleos (células pas-
 Ausência de dependência de ancoragem (as cé- sam a quase só ter núcleo);
lulas deixam de aderir entre si, fincando assim  Retração do citoplasma;
livres para ir para outros sítios);  Formação de agregados ou filas de células.

Diferenciação e anaplasia
A “diferenciação” refere-se ao grau de semelhança (morfológico e fisiológico) entre as células neoplásicas
e aquelas que lhes deram origem; à falta de diferenciação dá-se o nome de “anaplasia” (que significa “andar
para trás”, ou seja, uma diferenciação reversa para uma forma mais primitiva).

Regra geral, as neoplasias benignas são bem diferenciadas. Aliás, tomando um exemplo de um lipoma,
as suas células podem de tal forma assemelhar-se a adipócitos normais que a distinção microscópica entre
esses dois tipos de células pode ser quase impossível; apenas o crescimento destas células formando-se
uma massa discreta é que as diferencia dos adipócitos normais. Normalmente, nas neoplasias benignas são
bem diferenciadas, as mitoses são raras e as que existem apresentam uma configuração normal.

Figuras 7-4 e 7-5, pág. 269 do livro


Neoplasias benignas. A. Leiomioma uterino. Esta neoplasia benigna e bem diferenciada contém feixes de células neoplásicas muscu-
lares lisas que se interlaçam e que são virtualmente idênticos aos do miométrio normal. B. Adenoma da tiroide. De notar os folículos
bem diferenciados e cheios de coloide que quase parecem normais.
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Por seu lado, as neoplasias malignas exibem um grande leque de diferenciação das células parenqui-
matosas, a maior parte das quais exibem alterações morfológicas o que evidencia a sua natureza maligna.
Porém, há exceções: numa extremidade do espectro, certos adenocarcinomas muito bem diferenciados, por
exemplo, assemelham-se a folículos normais, e alguns carcinomas escamosos apresentam células que se
assemelham muito às células epiteliais escamosas normais; na outra ponta temos neoplasias que exibem
pouca ou mesmo nenhuma diferenciação (são “neoplasias anaplásicas”). No meio temos neoplasias a que
nos referimos como “moderadamente bem diferenciados”.

A B

D – pele normal
C – cólon normal
Figuras 7-6 e 7-7, pág. 269 do livro
Neoplasias malignas. A. Adenocarcinoma do cólon. De notar que em vez das glândulas bem formadas e com aparência normal, característica das
neoplasias benignas, neste caso temos glândulas cancerosas com forma e tamanho irregulares e que em nada se assemelham às normais (C) B.
carcinoma escamoso bem diferenciado da pele. As células neoplásicas são marcadamente similares às células epiteliais escamosas normais (D),
com pontes intracelulares e nichos de queratina (seta).

Há ainda outras características que estão muitas vezes associadas à falta de diferenciação:

 Pleomorfismo – variação da forma e do tamanho. Desta forma, as células de uma mesma neoplasia
não são uniformes, mas sim uma mistura de células mais pequenas e de aparência não-diferenci-
ada com células gigantes tumorais. Estas últimas podem possuir apenas um núcleo (de grandes
dimensões e polimórfico), ou então 2 ou mais núcleos grandes e hipercromáticos. Estas células

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gigantes não devem ser confundidas com
as células inflamatórias de Langhans ou
células gigantes de corpo estranho, deriva-
das de macrófagos e que contêm determi-
nado número de pequenos núcleos e de
aparência normal.
 Morfologia nuclear anormal – caracte-
risticamente, o núcleo é desproporcional-
mente grande para o tamanho da célula,
sendo que o rácio núcleo-citoplasma pode
mesmo aproximar-se de 1:1 em vez do nor-
Figura 7-9, pág. 270 do livro
mal 1:4 ou 1:6. A forma do núcleo é variá-
Neoplasia maligna pleomórfica do músculo-esquelético (rabdomiossarcoma).
De notar o elevado pleomorfismo celular e nuclear, núcleos hipercromáticos vel e frequentemente irregular e a croma-
e células gigantes tumorais.
tina está muitas vezes grosseiramente
aglomerada e distribuída ao longo da membrana nuclear, ou mais corada do que o normal (hiper-
cromática). Também é frequente observar-se nucléolos anormalmente grandes.
 Mitoses – ao contrário do que acontece em neoplasias benignas ou nas malignas bem diferencia-
das, nestas há muitas células em mitose, o que reflete a elevada atividade proliferativa das células
parenquimatosas. No entanto, a presença de mitoses não indica necessariamente que a neoplasia
é maligna ou sequer que o tecido é neoplásico; as mitoses são apenas indicativas de rápido cres-
cimento celular, pelo que é frequente observar-se também mitoses em tecidos normais que exibam
uma elevada capacidade de renovação. Desta forma, para a determinação da malignidade de uma
neoplasia é importante identificar figuras mitóticas atípicas e bizarras, muitas vezes com fusos tri-
, quadri- ou multipolares.
 Perda de polaridade – para além das anormalidades citoplasmáticas, a orientação das células
anaplásicas está marcadamente alterada: as células crescem em massas desorganizadas e anár-
quicas.
 Outras alterações – as células neoplásicas em proliferação precisam de um suprimento sanguíneo,
mas muitas vezes o estroma vascular é insuficiente; como resultado, é comum nas neoplasias
malignas de crescimento rápido se desenvolver uma área central de necrose isquémica.

Podemos então prever que quanto mais uma célula está diferenciada daquela da qual proveio, mais vão
ser as funções que vai manter. Assim, carcinomas de glândulas endócrinas secretam frequentemente as
hormonas características dos órgão em que tiveram origem; níveis aumentados destas hormonas no sangue
são utilizados como meio de diagnóstico de tais tumores. Por outro lado, a células altamente anaplásicas,
independentemente do órgão de origem, perdem as semelhanças com as células iniciais. Em alguns casos
podem criar funções novas: alguns tumores podem começar a secretar proteínas fetais que não costumam
ser produzidas nas células de um indivíduo adulto ou ainda proteínas que seriam produzidas noutras partes
do organismo do indivíduo. Por exemplo, carcinomas broncogénicos podem começar a produzir corticotrofina,

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hormonas tipo paratiroideias, insulina, glucagon e outras hormonas, dando origem a síndromes paraneoplá-
sicas. Apesar das exceções, não é comum uma neoplasia anaplásica possuir funções especializadas.

Invasão local
O crescimento de neoplasias malignas é acompanhado por infiltração progressiva, invasão e destruição
dos tecidos adjacentes; as neoplasias benignas são massas expansiva mais coesas que permanecem loca-
lizadas no seu local de origem e que apresentam falta de capacidade de infiltração, invasão e metastização
para locais distantes.
Uma vez que os tumores benignos crescem e expandem-se lentamente, eles normalmente desenvolvem
uma cobertura fibrosa a que damos o nome de “cápsula” e que os separa dos tecidos adjacentes. Esta cápsula
consiste essencialmente em MEC depositada por células do estroma tais como fibroblastos, que são ativados
por dano hipóxico resultante da pressão exercida pelo tumor em expansão. A encapsulação não impede o
crescimento do tumor, mas forma uma plano de tecido que torna o tumor discreto, facilmente palpável, móvel
e de fácil excisão cirúrgica. Porém, como sempre, há algumas exceções a esta regra: por exemplo, heman-
giomas raramente apresentam uma cápsula e permeabilizam o local onde crescem; tais lesões são extensas
e podem não ser removíveis.
Por seu lado, as neoplasias malignas são, normalmente, mal delimitadas. Porém, aqueles que crescem
lentamente também podem desenvolver um envelope fibroso, podendo apresentar uma frente que vai empur-
rando os tecidos adjacentes normais. O exame histológico de tais massas pseudoencapsuladas quase sem-
pre mostra fileiras de células que penetram nas margens e se infiltram nos tecidos adjacentes. Aqueles que
não apresentam cápsula são de muito mais difícil (ou até mesmo impossível) remoção cirúrgica, e mesmo
que a neoplasia pareça bem circunscrita é necessária a remoção de uma larga margem de segurança de
forma a garantir que não se deixa para trás qualquer célula que se tenha infiltrado nos tecidos adjacentes.

Metástases
“Metástases” são definidas como sendo o alastrar de uma neoplasia para locais que são fisicamente des-
contínuos com aqueles onde o tumor primário teve origem, sendo também uma marca inequívoca da ma-
lignidade de uma neoplasia. A capacidade de invasão das neoplasias malignas permite-lhes penetrarem
nos vasos sanguíneos, linfáticos e cavidades corporais, providenciando assim uma oportunidade para se
espalharem. Todos os tumores malignos podem metastizar, mas alguns fazem-no menos frequentemente.
Exemplos destes incluem neoplasias malignas das células gliais do SNC, denominados gliomas, e carcino-
mas de células basais da pele. Ambos estes cancros invadem os tecidos adjacentes no início da sua “vida”,
mas raramente metastizam. Desta forma, torna-se evidente que “invasão” e “metastização” são capacidades
completamente diferentes.
Regra geral, a probabilidade de uma neoplasia primária vir a metastiza relaciona-se com a falta de dife-
renciação, agressividade da invasão local, crescimento rápido e grande tamanho. No entanto, lesões peque-
nas, bem diferenciadas e de crescimento lento por vezes metastizam muito; por outro lado, algumas neo-
plasias de crescimento rápido e grandes podem permanecer localizadas durante anos. Desta forma, conclui-

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se que há muitos fatores envolvidos, nomeadamente as características do local de origem e do local de pos-
sível receção das metástases.

Depois da capacidade de metastização, a capacidade infiltrativa é a melhor forma de distinguir neoplasias


benignas de malignas.

Em suma…

Epidemiologia
Como já sabemos, ainda estamos longe de ter uma “cura para o cancro”. Porém, saber quais os fatores
precipitantes pode ajudar-nos a evitar a tão temida doença. Desta forma, estudamos as taxas de ocorrência,
mortalidade, etc. das várias neoplasias malignas de forma a tentar perceber o que é que leva a que determi-
nada população tenha maior incidência de determinada neoplasia: a taxa de incidência mais baixa é tida como
“linha basal”; uma incidência superior à linha basal reflete uma ação de uma causa local, habitualmente am-
biental.

Para começar, é necessário distingui os seguintes conceitos:

 Incidência – novos casos por 100.000 habitante/ano


 Prevalência – nº total de casos por 100.000 habitantes/ano
 Mortalidade – mortes por 100.000 habitantes/ano
 Sobrevivência – percentagem de doentes vivos no fim do intervalo de estudo

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IMPACTO GLOBAL DA NEOPLASIA MALIGNA
Em 2008, estimava-se que houvessem 12,7 milhões novos casos de neoplasia maligna em todo o mundo,
conduzindo a 7,6 milhões de mortes (21.000 por dia). Devido ao aumento da população mundial, estima-se
que esses números continuem a aumentar.

Atualmente, as neoplasias malignas são a segunda maior causa de morte nos EUA, seguindo-se às do-
enças cardiovasculares.

A neoplasia maligna é ubíqua na população humana; a única forma de prevenir a 100% o seu apareci-
mento é não nascer, uma vez que viver é só por si um fator de risco (visão nada negra!!). Porém, existe uma
elevada variabilidade geográfica na incidência de cancros específicos; pensa-se que tal se deva a diferenças
na exposição a agentes carcinogénicos ambientais, o que sugere que muitos (se não mesmo a maior parte)
das neoplasias malignas possam ser prevenidos. Nos quadros abaixo podemos ver os principais órgãos afe-
tados e quais as neoplasias mais mortíferas nos EUA:

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Com isto podemos observar que as neoplasias malignas mais comuns nos homens são as da próstata,
pulmão e cólon/reto. Nas mulheres são as neoplasias da mama, pulmão e cólon/reto. Os cancros pulmão,
mama (na mulher), próstata e cólon/reto constituem mais de 50% do total de neoplasias malignas nos estados
unidos. Por seu lado, nos países em desenvolvimento as neoplasias malignas mais frequentes são aquelas
que afetam o pulmão, estômago e fígado nos homens e a mama, o colo uterino e o pulmão na mulher.

Apesar de a raça não ser considerada uma variável biológica, pode definir alguns grupos de risco para
determinadas neoplasias. A discrepância nas mortes por cancro entre americanos brancos e pretos persiste,
embora os afroamericanos tenham conseguido o maior declínio na mortalidade por neoplasia maligna na
última década. Os hispânicos que vivem nos EUA têm uma menor frequência da maior parte dos tumores que
se observam na população não-hispânica, mas uma maior frequência de neoplasias do estômago, fígado,
cérvix uterino e bexiga, assim como certas leucemias.

FATORES AMBIENTAIS
Apesar de tanto os fatores genéticos como os ambientais contribuírem para o desenvolvimento de cancro,
parece que os fatores ambientais têm um papel mais significante em tal acontecimento. Evidências que su-
portam o papel central dos fatores ambientais podem ser encontradas na grande variabilidade geográfica que
existe na incidência de formas específicas de neoplasias malignas. Por exemplo, uma bastante comum nos
homens norte-americanos e da maior parte dos países desenvolvidos é a neoplasia maligna da próstata;
porém, em alguns países ou regiões (a maior parte das quais localizadas em países em desenvolvimento),
cancros como o do fígado, estômago, esófago, bexiga, pulmão, orofaringe e sistema imunitário sobem para
o topo da lista. Da mesma forma, o cancro da mama é muito mais comum em mulheres de países desenvol-
vidos do que nas restantes. Apesar de a predisposição racial não poder ser excluída, pensa-se que sejam os
fatores ambientais a questão que mais subjaz a estas diferenças nas incidências.

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Alguns dos fatores ambientais carcinogénicos são os seguintes:

 Agentes infeciosos – cerca de 15% das neoplasias malignas estão diretamente envolvidas com
este fator, sendo que nos países em desenvolvimento essa relação é 3 vezes maior do que nos países
desenvolvidos. Por exemplo, o vírus do papiloma humano (HPV), um agente que se transmite através
do contacto sexual, é responsável pela grande maioria dos casos de neoplasia maligna do colo uterino
e por um aumento na fração de incidência de cancros da cabeça e do pescoço.
 Fumar – o fumo do cigarro foi designado como sendo o fator que mais contribui para as mortes
prematuras nos EUA. O ato de fumar, principalmente cigarros, foi relacionado com neoplasia malignas
da boca, faringe, laringe, esófago, pâncreas, vesícula e mais significativamente, cerca de 90% das
mortes por cancro do pulmão.
 Consumo de álcool – o consumo de álcool isoladamente aumenta o risco de neoplasia maligna da
orofaringe (excluindo os lábios, laringe e esófago) e, pelo desenvolvimento de cirrose alcoólica, hepa-
tocarcinoma. O consumo de álcool associado ao tabaco aumenta a o risco de cancro das vias aéreas
superiores e trato digestivo.
 Dieta – apesar de as características específicas da dieta que contribuem para a maior incidência de
neoplasias malignas continuarem a ser alvo de debate, as grandes variações geográficas de incidência
de carcinoma colorretal, carcinoma da próstata e carcinoma da mama têm vindo a ser atribuídas a
diferenças nas dietas.
 Obesidade – uma vez que a obesidade se tem vindo a tornar uma epidemia nos EUA e que se tem
vindo a alastrar a outras regiões, é uma grande preocupação o envolvimento desta no aparecimento
de neoplasias malignas. Globalmente, os indivíduos que pesam mais nos EUA têm cerca de 52% (ho-
mens) a 62% (mulheres) maior probabilidade de vir a desenvolver neoplasia malignas.
- a obesidade está ainda associada a um excesso de produção de estrogénios por parte
dos adipócitos a partir de hormonas suprarrenais o que, como iremos ver, está associado à maior
incidência de cancro da mama e do endométrio.
 História reprodutiva – há fortes evidências de que a exposição prolongada à estimulação por es-
trogénios, principalmente quando não associados à progesterona, aumenta o risco de desenvolvimento
de cancro da mama e do endométrio, tecidos que respondem a estas hormonas. De facto, acredita-se
que algumas das diferenças na incidência de cancro da mama se relacionem com crenças culturais
que afetem o timing e o número de gravidezes que uma mulher tem durante toda a sua vida.

- desta forma, o período fértil prolongado está associado a carcinoma da mama,


a nuliparidade a carcinoma do endométrio, da mama e do ovário e o nº de parceiros sexuais e a idade
de início da atividade sexual a carcinoma do colo uterino.

 Carcinogénicos ambientais – os fatores carcinogénicos estão por toda a parte, daí a afirmação
anterior que referia que a única forma de prevenir a 100% o cancro é não nascer. Esses fatores estão
no nosso local de trabalho (arsénio, para angiossarcomas, asbestos, para pulmão e pleura, benzeno,
para leucemia e linfoma, etc.), na comida que ingerimos (carne, associada a carcinomas do cólon, peixe
fumado, a cancro do estômago, peixe salgado, a carcinoma da nasofaringe, etc.), na água que bebe-
mos (arsénio), em todo o lado!

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IDADE
O cancro é a principal causa de morte nas mulheres entre os 40-79 anos e nos homens entre os 60-79
anos. Pelo que foi referido anteriormente (que os agentes propulsores do aparecimento de neoplasias malig-
nas estão em toda a parte) conseguimos concluir que quanto mais velhos somos mais tempo estivemos ex-
postos a agente carcinogénicos e, por isso, mais provável é que venhamos a desenvolver algum tipo de
neoplasia maligna. Com o avançar da idade vamos acumulando mutações somáticas associadas à emergên-
cia de neoplasias malignas.

No entanto, tal não significa que as crianças sejam poupadas: as neoplasias malignas são a causa de
cerca de 10% das mortes pediátricas nos EUA, seguindo-se apenas aos acidentes. Porém, os tipos de can-
cros que as afetam são bastante diferentes daqueles observados nos adultos: os carcinomas, por exemplo,
são muito frequentes nos adultos mas extremamente raros nas crianças; em vez disso, são as leucemias que
predominam, juntamente com as neoplasias malignas do SNC, sendo responsáveis por cerca de 60% das
mortes cancerígenas nas crianças.

CONDIÇÕES PARA PREDISPOSIÇÃO ADQUIRIDA


Condições adquiridas que predispõem para o desenvolvimento de neoplasias malignas são divididas em
3 grandes grupos: inflamações crónicas, lesões percursoras e estados de imunodeficiência. As duas primeiras
estão associadas a uma série de condições que levam a maior replicação celular o que acaba por ser um
campo fértil ao desenvolvimento de tumores malignos (uma vez que quanto maior a taxa de replicação, mais
as oportunidades para cometer erros). Os tumores provenientes de inflamações crónicas são essencialmente
carcinomas, mas também incluem mesoteliomas e diversos tipos de linfomas. Relativamente aos estados de
imunodeficiências (especialmente aqueles relacionados com alterações nas células T), estes aumentam o
risco de desenvolvimento de cancro principalmente devido a vírus oncogénicos.

PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA
Em algumas famílias, o cancro é uma herança, geralmente devido a mutações na linha germinativa em
genes supressores de tumores. Porém, devemos ter em atenção que menos de 0,1% da população herdou
alguma espécie de mutação que predispõe para determinado cancro, e desses menos de 10% desenvolvem
realmente esse mesmo cancro.

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No entanto, naqueles que realmente chegam a evidenciar o cancro para o qual a sua herança predispunha,
são de notar algumas particularidades: estas neoplasias aparecem em idades precoces (cerca dos 20 anos
de idade), são frequentes a bilateralidade e a multifocalidade, representam determinados tipos histológicas
de neoplasias malignas, o mesmo individuo frequentemente apresenta diversas neoplasias malignas, há di-
versos cancros na família ou uma alta incidência de um cancro específico na mesma. Quando algumas destas
características estão presentes num indivíduo diagnosticado com neoplasia maligna, deve-se realizar testes
genéticos para confirmar ou não a hereditariedade da doença; caso o resultado seja positivo, pode-se proce-
der a exames genéticos noutros membros da família, para depois se tentar prevenir o aparecimento de cancro
nesses membros; caso o resultado seja negativo, não significa que não haja hereditariedade. O resultado
pode apenas dever-se a limitações dos estudos realizados ou ao facto de não se ter procurado o gene certo.

Bases moleculares do Cancro: papeis das alterações genéticas e epigenéticas


Evidências de que o cancro tem origem genética têm vindo a ser descobertas desde há já muitas décadas.
Porém, trata-se de um tema muito vasto e para o qual a inovação tecnológica é muito importante, o que leva
a que muita coisa só esteja a ser descoberta atualmente. Desta forma, alguns dos pilares da “genética no
cancro” são os seguintes:

1. A neoplasia é o resultado de alterações genéticas de sucesso (não letais para a células). O


dano inicial (ou mutação) pode ser causado por exposição ambiental (qualquer agente exógeno,
tais como vírus ou químicos, ou endógeno, como os produtos do metabolismo celular), herdado
pela linha germinativa, ou espontâneo.
2. Um tumor é formado pela proliferação clonal de uma única célula percursora que tenha
sofrido dano genético. As alterações no DNA são hereditárias, passando para as células filhas,
o que significa que as células individuais de um mesmo tumor partilham quase todas as mutações
que estavam presentes na altura da transformação. Tais mutações específicas de um tumor são
muitas vezes identificadas pela sequenciação de DNA (mutações pontuais), ou pela análise cro-
mossómica (translocações cromossómicas e alterações no número de cópias).
3. Há quatro classes de genes que constituem os principais alvos das mutações carcinogéni-
cas: proto-oncogenes (promotores do crescimento), genes supressores de tumores (inibi-
dores do crescimento), genes que regulam a morte celular programada (apoptose) e genes
envolvidos na reparação do DNA. Mutações que ativam proto-oncogenes normalmente causam
um excesso numa ou em mais funções do
produto codificado pelo gene ou podem ainda
conferir-lhe uma nova função. Uma vez que
estas mutações causam “ganho de função”,
elas podem transformar as células, mesmo
que o outro alelo do mesmo locus esteja nor-
mal (não esquecer que uma célula tem 2 ale-
los para a maioria dos genes). Desta forma,
conclui-se que os oncogenes são dominantes

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sobre os seus alelos normais. Mutações que afetam genes supressores de tumores causam ge-
ralmente perda de função e na maioria dos casos ambos os alelos devem estar danificados antes
que a transformação aconteça. Assim, genes supressores de tumores comportam-se de forma
recessiva. Porém, há exceções: por vezes, a alteração de apenas um dos alelos (a que se dá o
nome de haploinsuficiência) reduz a atividade da proteína codificada o suficiente para “libertar os
travões” da proliferação celular; isto significa que a dose dupla desse alelo é necessária para a
normal função do gene. Os genes reguladores da apoptose podem sofrer alterações que resultam
em menos morte e, assim, aumento da sobrevivência das células. Estas alterações incluem mu-
tações com ganho de função de proteínas inibidoras da apoptose ou mutações com perda de
função de genes cujos produtos promovem a morte celular. Mutações com perda de função que
afetem genes de reparação do DNA contribuem para a carcinogénese indiretamente pelo impedi-
mento da capacidade da célula de reconhecer e reparar alterações genéticas não letais noutros
genes. Como resultado, as células afetadas adquirem mutações a um ritmo acelerado, um estado
a que se dá o nome de “fenótipo mutador” e que é marcado pela instabilidade genómica.
4. A carcinogénese resulta da acumulação de mutações complementares de uma forma gra-
dual ao longo do tempo.
a. As neoplasias malignas têm algumas características fenotípicas próprias: cresci-
mento excessivo, invasão local e capacidade de metastizar.
b. As mutações que podem contribuir para o desenvolvimento de um fenótipo maligno
são referidas como “driver mutations”. A primeira mutação que conduz uma célula à
malignidade é a “mutação iniciadora”, que normalmente é mantida em todas as células da
neoplasia subsequente. Porém, uma vez que uma única mutação não é suficiente para
ser transformante, o desenvolvimento de uma neoplasia maligna requer que a célula que
sofreu a mutação inicial sofra mais uma série de mutações, sendo que cada uma das
quais deve contribuir mais para a malignidade. Não se sabe quanto tempo é que este
processo demora a decorrer, mas pensa-se que até naqueles tumores que parecem mais
repentinos e agressivos, as alterações tenham começado a acontecer mais de uma dé-
cada antes.
c. Mutações com perda de função em genes que mantém a integridade genómica pa-
rece ser um passo comum na estrada para a malignidade, especialmente nos tumo-
res sólidos. As mutações que conduzem à instabilidade genómica não só aumentam a
probabilidade de aquisição de novas mutações como também aumentam a frequência de
mutações sem qualquer alteração fenotípica, a que se dão o nome de “mutações passa-
geiras”, que são muito mais comuns do que as “driver mutations”. Desta forma, no mo-
mento em que a célula atinge o estado de malignidade, pode já ter sofrido centenas, se
não milhares, de novas mutações.

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Depois de estabelecidos, os tumores desenvolvem-se


geneticamente durante o seu crescimento, sempre sobre
a pressão da seleção Darwiniana. Isto porque no início,
todas as células tumorais são iguais, todas provenientes
de uma mesma célula percursora. Porém, quando um tu-
mor começa a ter alguma manifestação clínica, já sofreu pelo menos
30 duplicações celulares. Durante este processo, a com-
petição entre células tumorais por nutrientes e a nichos
microambientais favoráveis leva a que haja apenas sobrevivência
dos clones mais capazes, entrando assim em prática a seleção natural de Darwin. Desta
forma, os tumores tendem a tornar-se mais agressivos, a que se dá o nome de “progressão tu-
moral”. Assim, apesar de as células que os constituem serem todas provenientes de apenas uma,
no momento em que se tornam clinicamente evidentes já apresentam uma heterogeneidade ce-
lular bastante vasta, particularmente naqueles tumores com “mutações fenotípicas” (“Mutações com perda de
função que afetem genes de reparação do DNA”).

A seleção das células mais capazes pode explicar não só a história natural de uma neoplasia maligna mas
também as alterações do comportamento de um tumor que se segue à terapia. Uma das maiores pressões
seletivas que um tumor pode sofrer é a quimioterapia ou radioterapia. Os tumores que ocorrem depois destes
tratamentos acabam por se verificar resistentes quando lhes é dado o mesmo tratamento. Outro problema
clínico relacionado com este assunto é o facto de células com genótipo diferente responderem a diferentes
fármacos.

Além de todas estas alterações genéticas, também alterações epigenéticas contribuem para a malignidade
de um tumor; são exemplos a metilação do DNA (que tende a silenciar a expressão genética), modificação
de histonas (o que, dependendo da natureza da alteração, pode aumentar ou diminuir a expressão de genes).
Normalmente, estas alterações são passadas às gerações celulares seguintes; porém, tal como acontecia
com as mutações, podem acontecer novas alterações que resultem na modificação da expressão genética.

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MARCADORES CELULARES E MOLECULARES DA NEOPLASIA MALIGNA


Apesar da grande variedade de alterações genómicas e fenóticas que as células de uma neoplasia mali-
gna podem apresentar, há algumas características comuns a quase todas:

 Autossuficiência em sinais de crescimento – os tumores têm a capacidade de proliferar sem


estarem sujeitos a estímulos externos, usualmente como consequência da ativação oncogénica.
 Insensibilidade aos sinais inibitórios do crescimento – os tumores podem não responder a
moléculas inibidoras da proliferação celular, o que normalmente se deve à inibição dos genes
supressores de tumores, que codificam componentes destas vias inibitórias.
 Metabolismo celular alterado – as células tumorais
sofrem uma alteração do seu metabolismo para gli-
cólise aeróbia, a que se dá o nome
de “efeito de Warburg”, o que possi-
bilita a síntese de macromoléculas e
organelos necessários para o rápido cres-
cimento celular.
 Evasão (“fuga”) à apop-
tose
 Imortalidade (potencial re-
plicativo ilimitado) – os tumores têm uma capacidade
proliferativa ilimitada, uma proprie-
dade semelhante à das células esta-
minais que permite ao tumor crescer
enquanto evita a senescência celular e a catástrofe
mitótica.

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 Angiogénese sustentável – as células tumorais, à semelhança das normais, não são capazes
de crescer sem um suprimento sanguíneo que lhes providencie nutrientes e oxigénio e remova os
produtos do metabolismo.
 Capacidade de invadir e metastizar – as metástases tumorais podem resultar numa grande va-
riedade de mortes por cancro e resul-
tam da interação entre processos
que são intrínsecos às células tumo-
rais e sinais iniciados pelos tecidos
adjacentes.
 Capacidade de evadir (“iludir”)
o sistema imune do hospedeiro –
como sabemos, as células dos siste-
mas imunes inato e adaptativo são
capazes de reconhecer células que
apresentem antigénios estranhos
(Ex: uma proteína mutada). Porém,
as células neoplásicas malignas exi-
bem uma série de alterações que
lhes permite escapar ao sistema
imune do hospedeiro.

As alterações genéticas e epige-


néticas que lhes conferem estas ca-
racterísticas podem ser aceleradas
pela instabilidade genómica e por
cancros promotores de inflamação.

Oncogenes
São os genes que promovem o crescimento celular autónomo nas neoplasias malignas, sendo que nas
células normais estão sob a forma de “proto-oncogenes”. Os oncogenes são criados por mutações em
proto-oncogenes e codificam as chamadas oncoproteínas que têm a capacidade de promover o cres-
cimento celular mesmo na ausência de sinais promotores do crescimento. As oncoproteínas asseme-
lham-se aos produtos dos proto-oncogenes normais mas suportam mutações que são muitas vezes elemen-
tos inativos da regulação interna; consequentemente, a sua atividade na célula não necessita de sinais exter-
nos. As células que expressam oncoproteínas estão libertas dos normais checkpoints que controlam o cres-
cimento celular, e como resultado proliferam excessivamente.

De forma a compreendermos a função das oncoproteínas, devemos primeiro perceber como é que as
células normais respondem à presença de fatores de crescimento:

1. O fator de crescimento liga-se a um recetor específico;

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2. Há uma ativação transitória e limitada do fator de crescimento ao recetor que por sua vez ativa
uma série de proteínas intracitoplasmáticas pertencentes à cadeia de transdução de sinal;
3. Há transmissão do sinal ao núcleo via proteínas efetoras intracitoplasmáticas e segundos mensa-
geiros ou por uma cascata molecular de transdução de sinal;
4. Indução e ativação dos fatores reguladores nucleares que iniciam a transcrição de DNA;
5. Expressão de fatores que promovem a entrada e progressão da célula no ciclo celular, acabando
por culminar na sua divisão;
6. Paralelamente, alterações na expressão de outros genes que suportavam a sobrevivência da cé-
lula e alterações metabólicas que são necessários para o crescimento da célula.

Desta forma, mutações que afetem proto-oncogenes podem atuar em vários níveis da referida cascata de
sinalização:

1. Fatores de crescimento
As células normais necessitam de fatores de crescimento para proliferarem. A maior parte dos fatores de
crescimento solúveis são sintetizados por um tipo de célula e atuam noutras vizinhas, estimulando a sua
proliferação (ação parácrina). Algumas células cancerígenas, porém, têm a capacidade de sintetizar os
fatores aos quais respondem, criando assim um loop autócrino. Por exemplo, muitos tumores cerebrais
denominados glioblastomas expressam tanto um fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF)
como um recetor tirosina cinase de PDGF. Outros fatores de crescimento envolvidos na malignidade dos
tumores são o TGF-𝛼, EGF (fator de crescimento epidérmico), SIS e HGF. É comum os sinais desenca-
deados por outras oncoproteínas aumentar a secreção de fatores de crescimento, iniciando e amplificando
o loop autócrino.

2. Recetores de fatores de crescimento


Uma grande variedade de oncogenes codifica recetores de fatores de crescimento. Normalmente, estes
recetores só estão ativos, de forma transitória, quando a eles se liga um fator de crescimento; uma vez ativos
sofrem uma alteração conformacional, desencadeando depois uma série de sinais. A versão oncogénica des-
tes recetores está associada a mutações que resultam numa atividade constitutiva independente. Desta
forma, os recetores mutantes enviam sinais mitogénicos à célula, mesmo na ausência de fatores de cresci-
mento. Exemplos destes recetores são os ERBB-1, RET e KIT.

3. Componentes downstream das vias de sinalização dos recetores tirosina cinase


Como sabemos, a ativação dos recetores tirosina cinase estimula a RAS e dois grandes “ramos” da cas-
cata de sinalização, a cascata MAP cinase (MAPK) e a via PI3K/AKT. Devido à importância destas vias na
mediação do crescimento celular, os seus componentes estão frequentemente envolvidos em mutação com
ganho de função em diferentes tipos de cancro. Desta forma, as mutações podem acontecer em proteínas

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transdutoras de sinal (Ex: K-RAS, ABL, BRAF, 𝛽-catenina), proteínas reguladoras nucleares (C-MYC, N-
MYC1) ou ainda proteínas reguladoras do ciclo celular (CDK4, ciclina D).

4. Alterações em não-recetores tirosina cinase


Podem ainda acontecer mutações oncogénicas que não envolvam recetores tirosina-cinase. Muitas vezes,
as mutações tomam a forma de translocações cromossómicas ou rearranjos
que criam genes fundidos que passam a codificar tirosinas cinases constituti-
vamente ativas. Apesar da sua localização não-membranosa, a maior parte des-
tas oncoproteínas ativam as mesmas vias de sinalização que as prote-
ínas cinase. Um exemplo importante envolve a tirosina
cinase ABL. Na leucemia mieloide crónica (LMC) e em
algumas leucemias linfoblásticas agudas, o gene ABL so-
fre translocação da sua localização normal no cromos-
soma 9 para o cromossoma 22, onde se funde com o
gene BCR. O resultado do gene quimérico é a codifica-
ção de tirosina cinase oncogénica BCR-ABL constituti-
vamente ativa.

Genes supressores de tumores


Enquanto os oncogenes conduzem à proliferação celular, os produtos da maioria dos genes su-
pressores de tumores levam à paragem do ciclo celular (ou atuam na diferenciação celular), pelo que
anomalias nestes levam à falência na inibição do crescimento, outra marca de extrema importância na
carcinogénese.

Os genes supressores de tumores formam uma rede de checkpoints que previnem a proliferação descon-
trolada, sendo que muitos, como o RB e o p53, são parte da rede regulatória que reconhece a genotoxicidade
de qualquer origem e responde através da paragem da proliferação celular. De facto, a expressão de um
oncogene numa célula normal com genes supressores de tumores intactos levam à quiescência, ou a uma
paragem do ciclo celular permanente. Em última instância, as vias inibidoras do crescimento podem conduzir
a uma morte celular programada.

À semelhança do que acontecia com os fatores de crescimento, os sinais inibitórios da proliferação origi-
nam-se fora da célula e usam recetores, sinais de transdução de sinal e reguladores da transcrição nuclear
de forma a atingir os seus objetivos; os genes supressores de tumores constituem parte desta rede. Assim,
as proteínas codificadas por genes supressores de tumores podem funcionar como fatores de transcrição,
inibidores do ciclo celular, moléculas transdutoras de sinal, recetores de superfície celular e reguladores da
resposta celular ao dano no DNA.

1MYC é um fator de transcrição presente em todas as células e que apresenta diversas ações: ativação
da proliferação celular, acetilação de histonas, redução da adesão celular, aumento da motilidade celular,
aumento da atividade das telomerases, aumento da síntese proteica, diminuição da proteólise, etc.

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Muitos dos conceitos atuais relativos a genes supressores de tumores envolvem estudos do gene RB
(retinoblastoma), o primeiro a ser descoberto. Este gene codifica uma proteína nuclear reguladora do ciclo
celular, da diferenciação celular e da senescência, e a sua alteração é responsável por uma doença rara, o
retinoblastoma. Cerca de 40% dos retinoblastomas são familiares, muitas vezes em ambos os olhos e os
pacientes que os apresentam têm um risco aumentado de vir a desenvolver osteossarcoma ou outros tipos
de sarcomas de tecidos moles; a referida alteração é transmitida de forma autossómica dominante. Cerca de
60% dos retinoblastomas acontecem esporadicamente, em apenas um olho e tais pacientes não apresentam
risco aumentado de vir a desenvolver outras formas de neoplasia maligna. Numa tentativa de explicar estes
dois padrões, Knudson postulou a “hipótese oncogénica dos dois golpes” que, em termos moleculares, se
traduz no seguinte:

 São necessárias duas mutações (golpes) que envolvam ambos os alelos do gene RB;
 Nos casos familiares, as crianças herdam uma cópia defeituosa do gene RB na linha germinativa
(o que constitui o primeiro golpe), e uma outra cópia normal. O retinoblastoma desenvolve-se
quando o alelo normal do gene RB sofre mutação (segundo golpe). Uma vez que essa segunda
mutação parece ser virtualmente inevitável numa pequena fração dos retinoblastos, a maior parte
dos indivíduos que herdam a mutação desenvolve retinoblastoma unilateral ou bilateral, pelo que
a doença é herdade sob a forma autossómica dominante;
 Em casos esporádicos, ambos os alelos do gene RB sofrem mutação (dois golpes). A probabili-
dade de tal acontecimento é muito reduzida (o que explica o facto de o retinoblastoma ser um
tumor raro), mas o resultado final é o mesmo: uma célula retinal tem uma completa perda da
função do gene RB, tornando-se assim cancerígena.

Outro exemplo de gene supressor de tumor é o gene p53, “o guardião do genoma”. Ele é responsável
pela regulação da progressão do ciclo celular, reparação do DNA, senescência celular e apoptose, e está
muitas vezes mutado nas neoplasias malignas humanas. À semelhança do que acontecia no caso do retino-
blastoma, a herança de uma cópia mutada do gene p53 predispõe os indivíduos para o desenvolvimento de
neoplasias malignas, uma vez que é apenas necessário o “segundo golpe” no outro alelo que permanece
normal. Tais indivíduos diz-se que apresentam síndrome de Li-Fraumeni e têm cerca de 25 vezes mais pro-
babilidade de vir a desenvolver um tumor maligno. Estes incluem um grande espectro de hipóteses: os mais
comuns são os sarcomas, cancro da mama, leucemias, tumores cerebrais e carcinomas do córtex suprarre-
nal.

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Alterações metabólicas promotoras do crescimento: efeito de Wargur


Mesmo na presença de muito oxigénio, as células cancerígenas apresentam uma forma distinta de
metabolismo caracterizado pelo elevado consumo de glicose e aumento da conversão de glicose em
lactato (fermentação) por uma via glicolítica. A este fenómeno dá-se o nome de efeito de Wargur ou ainda
glicólise aeróbia e não é exclusivo de células neoplásicas: todas as células em compartimentos proliferativos
(neoplásicas, embrionárias, etc.) fazem fermentação aeróbia.

O motivo para isto é simples: a glicólise aeróbia providencia rapidamente intermediários metabólicos ne-
cessários para a síntese de componentes celulares, enquanto a fosforilação oxidativa mitocondrial não. Nas
células em crescimento rápido o principal papel das mitocôndrias não é produzir ATP mas antes suportar as
reações que resultam na síntese de metabolitos intermediários que podem depois ser transportados e utiliza-
dos na produção de constituintes celulares.

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Evasão da morte celular programada


A acumulação de células neoplásicas pode resultar não só da ativação de oncogenes promotores
do crescimento ou inativação de genes supressores de tumores inibidores do crescimento, como
também de mutações de genes que regulavam a apoptose.
Numa célula adulta, a morte programada por apoptose é uma resposta protetora a diversas condições
patológicas que poderiam contribuir para a malignidade caso a célula continuasse viável. Isto porque há uma
variedade de sinais, desde a lesão do DNA, desregulação de al-
gumas oncoproteínas potentes tais como as MYC, e perda de
adesão a membranas basais (a que se dá o nome de “anoikis”),
que podem desencadear a apoptose.

Como já sabemos, a apoptose pode ser desencadeada por


estímulos externos, através de recetores, ou por estímulos inter-
nos, por exemplo, devido a danos no DNA. Destas duas, é a via
interna que está muitas vezes alterada nas neoplasias malignas.

Na imagem à direita podemos verificar exemplos das vias in-


trínseca e extrínseca e mecanismos utilizados pelas células tu-
morais para escapar à apoptose: (1) perda do p53, levando a
diminuição da função dos fatores pro-apoptóticos tais como o
BAX; (2) diminuição da saída do citocromo c da mitocôndria
como resultado da up-regulation dos fatores anti-apoptóticos tais
como BCL2, BCL-XL e MCL-1; (3) perda do fator ativador da pep-
tidase apoptótica (APAF1); (4) up-regulation dos reguladores da
apoptose (IAP); (5) redução dos níveis de CD95; (6) inativação
do complexo de sinalização indutor da apoptose.

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Assim, podemos começar a pensar nalgumas possíveis alterações em casos de cancro. Um exemplo será
o do BCL2, que protege as células linfoides malignas da apoptose. Cerca de 85% dos linfomas de células-B
do tipo folicular carregam uma característica específica: a translocação (14;18) (q32;q21); devemos relembrar
que na porção 14q32 está codificada a imunoglobulina de cadeia pesada IgH, que está envolvida na patogé-
nese do linfoma de Burkitt. A justaposição desta porção do DNA com a porção 18q21 (que transcreve a
proteína BCL2) causa uma expressão excessiva de BCL2, o que protege estas células da apoptose; os ratos
desenhados para sobre-expressarem BCL2 apresentam hiperplasia linfocitária e desordens autoimunes, e
muito pouco frequentemente linfoma, o que sugere que as referidas alterações genéticas devem estar aco-
pladas a outras (Ex: expressão constitutiva de MYC).

Instabilidade genómica
As aberrações genéticas que aumentam as taxas de mutabilidade são muito comuns nas neoplasias ma-
lignas e aceleram a aquisição de “driver mutations” que são necessárias para a transformação e subsequente
progressão tumoral.
Já falamos da importância dos genes reparadores de DNA no cancro; a importância dos genes supresso-
res de tumores e consequente reparação do DNA é a manutenção da integridade do genoma. A mutação
desses genes não é em si oncogénica, mas as suas anormalidades aumentam em muito a ocorrência de
mutações noutros genes durante o processo normal de divisão celular.
Normalmente, a instabilidade genómica acontece quando ambas as cópias de um gene reparador de DNA
são perdidas; porém, tem-se vindo a colocar a hipótese de haploinsuficiência em pelo menos alguns destes
genes.
Alguns dos genes implicados na instabilidade genómica são os seguintes:
 MMR (mismatch repair) → síndrome de Lynch2 (pode associar-se a adenomatose não polipoide
do cólon que é uma displasia que rapidamente adquire malignidade, ao contrário da polipose ade-
nomatosa)
 NER (nucleotide-excision repair) → xeroderma pigmentosa3
 Genes de reparação homóloga → ataxia telagenciosa4
- BRCA1 e BRCA2 → nas mulheres predispõem para neoplasias malignas dos ovários e da
mama; nos homens para cancro da próstata.

2
Síndrome de Lynch (=carcinoma de cólon e do reto hereditário não polipoide - CCRHNP) - A síndrome de Lynch (SL) é uma doença hereditária,
com transmissão autossómica dominante, que se estima ser responsável por 3 a 5% da totalidade dos casos de cancro do cólon e reto (CCR). Os
indivíduos com SL têm uma probabilidade próxima dos 70% de desenvolverem CCR. Este acontecimento ocorre geralmente em idades mais jovens, os
tumores localizam-se sobretudo no cólon direito. Apresentam ainda, um risco acrescido de tumores extra-cólicos (TEC), nomeadamente carcinomas do
endométrio, ovário, estômago, intestino delgado, urotélio, pâncreas e vias biliares. Esta síndrome é provocado por mutações germinais nos genes de
reparação do ADN, em especial nos genes MLH1 e MSH2. O envolvimento do MSH6 é menos frequente e o de outros genes é raro.
3 Xeroderma pigmentosa - desordem genética de reparação do DNA, na qual a capacidade normal do organismo para remover o dano causado pela
radiação ultravioleta (UV) é deficiente. Isto pode levar a múltiplos Carcinomas basocelulares, carcinomas espinho celulares e mesmo melanomas (três
tipos de neoplasias malignas), em idade precoce. Em casos severos, é necessário evitar por completo a exposição à luz solar e a outras fontes de
radiação ultravioleta.
4 Ataxia telagenciosa - doença hereditária que afeta tanto o sistema nervoso como o imunitário. As anomalias no cerebelo, uma parte do encéfalo
que controla a coordenação, causam o aparecimento de movimentos descoordenados (ataxia). Os referidos movimentos anormais costumam surgir
quando a criança começa a andar, mas podem retardar-se até aos 4 anos. Verificam-se dificuldades na fala, debilidade muscular e, por vezes, atraso
mental. As telangiectasias, dilatações dos capilares, são muito evidentes na pele e nos olhos e desenvolvem-se entre 1 e 6 anos de idade e, em geral,
são mais evidentes nos olhos, orelhas, asas do nariz e nos braços. Surgem, com frequência, infeções brônquicas, pneumonia e infeções dos seios, que
podem evoluir para problemas pulmonares crónicos. As perturbações do sistema endócrino podem levar a testículos pequenos, infertilidade e diabetes.
Muitas crianças com ataxia-telangiectasia têm cancro, em particular leucemia, tumores cerebrais e cancro do estômago. Os antibióticos e as injeções ou
perfusões de imunoglobulinas ajudam, de certo modo, a evitar as infeções, mas não curam os problemas neurológicos. A ataxia-telangiectasia progride
geralmente até causar debilidade muscular progressiva, paralisia, demência e morte.

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Potencial replicativo ilimitado
Todas as neoplasias malignas possuem células imortais e que apresentam um potencial replicativo ilimi-
tado. Não se sabe exatamente como é que elas o conseguem mas parece que há 3 fatores críticos: (1) evasão
à senescência, (2) evasão à crise mitótica e (3) capacidade de autorrenovação.

Evasão da senescência
Como já foi referido no primeiro capítulo, a maioria das células humanas apresentam uma capacidade
máxima de divisão de cerca de 60-70 vezes. Depois disto, a célula torna-se senescente, abandonando per-
manentemente o ciclo celular. Ainda não se conhecem exatamente os mecanismos que conduzem à senes-
cência mas pensa-se que estão associados com a up-regulation de genes supressores de tumores como o
p53 e o INK4a/p16 (provavelmente devido a acumulação de lesões no DNA com o passar do tempo). Pensa-
se que estes genes supressores de tumores contribuam para a senescência em parte pela manutenção da
proteína RB no estado hipofosforilado, o que favorece a paragem do ciclo celular. Desta forma, na maior parte
dos cancros o check point G1/S dependente de RB está alterado por uma vasta variedade de aberrações
genéticas adquiridas e epigenéticas.

Evasão à crise mitótica


Apesar de as células resistentes à senescência terem maior capacidade proliferativa, elas continuam a
não ser imortais; assim, elas acabam por entrar no estado de crise mitótica e morrem, o que se deve ao
progressivo encurtamento dos telómeros nas extremidades dos cromossomas. Os telómeros são sequências
de DNA específicas nas extremidades do DNA que se ligam a proteínas protetoras específicas. A maior parte
das células somáticas não expressa telomerase, a enzima responsável pela manutenção dos telómeros, pelo
que a cada divisão os telómeros vão diminuindo de comprimento. Quando as terminações teloméricas de
DNA são erodidas, as extremidades cromossómicas são sentidas e a dupla-cadeia é quebrada. Caso a célula
possua um p53 normal, a célula para o seu crescimento e pode entrar em apoptose; porém, caso o p53 esteja
disfuncional, uma via de junção de extremidades não homólogas pode ser ativada e ligar-se às extremidades
cromossómicas expostas. Isto resulta em cromossomas dicêntricos que são separados em anafase, resul-
tando numa nova quebra da dupla cadeia de DNA. Este ciclo vai-se repetindo e acaba por resultar na catás-
trofe-mitótica e morte celular. As telomerases são expressas em muito pouca quantidade na maior parte das
células somáticas, pelo que qualquer célula que escape à senescência o mais provável é que acabe por
morrer por catástrofe mitótica. Porém, se uma célula em crise reativar as suas telomerases, a célula pode
repor os telómeros e sobreviver; tais células podem ter sofrido danos em oncogenes ou genes supressores
de tumores durante a crise, pelo que estão em grande risco de sofrer transformação para malignidade.

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Autorrenovação
Ao contrário da maior parte das células, as células germinativas e as estaminais expressam telomerases,
o que as torna resistentes à crise mitótica, e de alguma forma, também lhes confere a capacidade de evitar
alterações genéticas e epigenéticas que as conduzam à senescência. Além disso, células estaminais de longa
vida possuem ainda outra capacidade crítica: autorrenovação, o que significa que de cada vez que se dividem,
pelo menos uma das células filhas permanece uma célula germinativa. Numa divisão simétrica, ambas as
células filhas se mantêm células es-
taminais, o que pode acontecer, por
exemplo, durante a embriogénese;
numa divisão assimétrica, uma cé-
lula filha mantém-se célula germina-
tiva e a outra diferencia-se.

Seguindo esta linha de pensamento,


uma vez que as células cancerígenas são
imortais e têm uma capacidade proliferativa ilimitada,
também elas possuem a capacidade de autorrenovação,
tendo então o nome de células germinativas cancerígenas.

Angiogénese
A angiogénese é o processo de formação de novos capilares vasculares. Não é exclusivo das neoplasias,
sendo um processo muito importante em muitos outros processos fisiológicos, tais como o desenvolvimento
embrionário e o ciclo reprodutor feminino, e em processos adaptativos (reparação de tecidos); além disso, é
um dos processos centrais de certos processos patológicos tais como doenças autoimunes e neoplasias.

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Mesmo que um tumor apresente todas as aberrações genéticas necessárias para se tornar maligno, não
poderá crescer mais do que 1-2 mm em diâmetro (ou 2-3 cm3) a não ser que tenha a capacidade de induzir
a angiogénese, para que lhes sejam entregues os nutrientes e oxigénio de que necessitam e removidos os
produtos do metabolismo.

Os tumores em crescimento estimulam a neoangiogénese, durante a qual os novos vasos se estendem


dos capilares previamente existentes. A neovascularização tem vários efeitos ao nível do tumor em cresci-
mento: (1) a perfusão providencia os nutrientes e oxigénios que ele necessita e (2) as novas células endote-
liais estimulam o crescimento de células cancerígenas adjacentes pela secreção de fatores de crescimento
tais como fatores de crescimento tipo insulina (IGFs) e PDGF. Apesar de a nova vasculatura ser eficiente na
entrega de nutrientes, não é completamente normal: os vasos apresentam fugas (pelo que há muito edema à
sua volta) e são dilatados, apresentam uma padrão acidental de conexões, característica essa que pode ser
apreciada em angiogramas, e umas paredes finas com uma camada desorganizada de péricitos ou células
musculares lisas (menor número ou função alterada). Permitindo o acesso das células tumorais a este tipo
de vasos, a angiogénese é assim também um contributo para a metastização. A superfície celular e a MEC
expressa proteínas específicas, e a ausência de estabilidade vascular leva frequentemente a ocorrência de
micro-hemorragias e colapso vascular.

Atualmente pensa-se que a


REGULADORES POSITIVOS REGULADORES NEGATIVOS
angiogénese é controlada pelo  Fatores de crescimento de fibroblastos  Trombospondina 1 e 2
 Fatores de crescimento do endotélio  Angiostatina
balanço entre promotores e ini-  Fatores de crescimento placentário  Interferão alfa
 Fator de crescimento transformante oe e 𝛽  Fragmento 16 kDa da prolactina
bidores. Quando este balanço  Angiogenina  Inibidores das metaloproteinases
 Interleucinas-8  Fator plaquetário-4
descai para o lado dos inibido-  Fatores de crescimento de hepatócitos  Proteína relacionada proliferativa placentária
 Fatores estimulante da colónia de granulócitos  Endostatina
res, a angiogénese torna-se in-  Angiopoenina 1  Interleucinas 10 e 12
suficiente, o que está na base de vário processos patológicos tais como trombose do SNC, isquémia do mio-
cárdio, úlceras, infertilidade e esclerodermia. Por outro lado, quando o balanço se inclina para o lado dos
promotores da angiogénese, o resultado poderá ir desde retinopatias, artrite reumatoide, neoplasia, compli-
cações da SIDA e psoríase5. No caso das neoplasias, os fatores promotores da angiogénese poderão ser
produzidos pelas próprias células do tumor ou por células inflamatórias (Ex: macrófagos) ou outras células
estromais associadas a tumores.

Devido à tão elevada importância da angiogénese na malignidade tumoral, esse fenómeno pode constituir
um alvo terapêutico no tratamento dessas doenças. Desta forma, a inibição terapêutica da angiogénese
tumoral apresenta-se como sendo uma terapêutica promissora, uma vez que as células alvo são genetica-
mente estáveis e a resistência terapêutica é diminuída ou até mesmo nula; os efeitos secundários vão desde
a infertilidade, passando por alterações na reparação dos tecidos e depressão da medula óssea; os indica-
dores de resposta terapêutica são os níveis séricos de VEFG e FGF, quantificação de células endoteliais
progenitoras ou de células endoteliais descamadas circulantes, e o método de imagem (TEP, RMN).

5Psoríase - doença inflamatória crônica da pele, podendo afetar mucosas, unhas e até articulações. É
caracterizada pela presença de lesões avermelhadas, bem delimitadas, descamativas, em qualquer parte do
corpo. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Psor%C3%ADase)

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Invasão e metastização
A invasão e a metastização resultam de uma complexa intera-
ção entre células cancerígenas e o estroma normal, sendo as princi-
pais causas de morbilidade e mortalidade relacionada com cancro.
Invasão define-se como sendo a capacidade das células neoplási-
cas cruzar as barreiras dos compartimentos teciduais. Nenhum te-
cido ou estrutura é resistente à invasão; porém, há alguns mais difí-
ceis, como é o caso dos tecidos elásticos, como é exemplo a aorta,
e as cartilagens. Metástases são o crescimento neoplásico não contí-
nuo com o tumor primário, num órgão ou tecido. Estudos clínicos
evidenciam uma boa relação entre o tamanho do tumor primário e a
incidência de metástases; porém, há exceções, como no caso dos
melanomas malignos, que podem metastizar desde o primeiro dia, car-
cinomas basocelulares que independentemente do seu tamanho prati-
camente nunca metastizam, e tumores do SNC.

Estudos revelam que apesar de por dia milhões de células serem


libertadas dos tumores primárias para a circulação sanguínea, apenas
um reduzidíssimo número consegue realmente metastizar. O porquê de
tamanha ineficácia deve-se ao facto de para que a metastização seja pos-
sível, uma célula deve sair do tumor primário, passar para a corrente san-
guíneo ou linfática e estabelecer-se num outro local onde irá produzir um
tumor secundário; até ao fim do processo, a célula deve passar por uma
série de passos, sendo que cada um está sujeito a múltiplos controlos.
Desta forma, em qualquer um dos pontos desta sequência a célula em fuga pode não sobreviver.

Invasão da matriz extracelular


A organização estrutural e função de determinado tecido são em muito determinadas pelas interações
entre as células e a MEC. Os tecidos estão organizados em compartimentos que estão separados uns dos
outros por dois tipos de MEC: membranas basais e tecido conjuntivo intersticial. Apesar de organizados de
forma diferente, cada um dos componentes de MEC é feito de colagénio, glicoproteínas e proteoglicanos.
Como se evidencia nas figuras que se seguem, as células tumorais devem interagir com a MEC em vários
estágios da cascata metastática. Um carcinoma deve primeiro atingir a membrana basal que lhe subjaz, de-
pois atravessar o tecido conjuntivo intersticial e finalmente ganhar acesso à circulação sanguínea através da
penetração da membrana basal vascular. Este processo é repetido de forma reversa quando o êmbolo de
células tumorais extravasa num local distante.

A invasão da MEC inicia a cascata metastática e é um processo ativo que pode ser dividido em vários
passos:

1. Retração das interações célula a célula 3. Ligação a novos componentes de MEC


2. Degradação da MEC 4. Migração e invasão de células tumorais

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A dissociação de células cancerígenas umas
das outras é muitas vezes o resultado de alterações
de moléculas de adesão intracelulares e o primeiro
passo para a invasão. As células epiteliais normais
estão intimamente ligadas umas às outras e à MEC
por uma variedade de moléculas de adesão,
nomeadamente por aquelas da família das caderinas;
por exemplo, a E-caderina medeia a adesão
homotípica entre células epiteliais, servindo não só
para manter as células unidas mas também para transmitir sinais entre as células. Assim, em muitos tumores
epiteliais, designadamente adenocarcinomas do cólon, estômago e mama, a função da E-cadenina foi
perdida. Pensa-se que isto leve a uma perda de capacidade de as células aderirem umas às outras, facilitando
assim o seu desprendimento do tumor primário e o seu avanço para os tecidos adjacentes.

A degradação da membrana basal e do tecido conjuntivo intersticial é o segundo passo da invasão.


As células tumorais podem consegui-lo através da
secreção de enzimas proteolíticas que elas próprias
produzem ou pela indução de outras células
estromais a secretar essas mesmas substâncias.
Além disso, os produtos de clivagem do colagénio e
de proteoglicanos têm também propriedades
quimiotáxicas, antigénicas e promotoras do
crescimento.

O terceiro passo da invasão envolve alterações


nas ligações das células tumorais às proteínas da
MEC. As células epiteliais normais possuem receto-
res nas suas membranas basais, tais como integri-
nas, para a laminina e o colagénio das membranas
basais, o que lhes confere polaridade; estes recetores
permitem que as células se mantenham num estado
de repouso e diferenciação. A perda de adesão em
células normais resulta numa ativação da apoptose;
porém, e como já seria de esperar, as células tumo-
rais são resistentes a este tipo de morte celular. Além
disso, a própria matriz está modificada de tal forma que promove a invasão e a metastização.

A locomoção é o último passo da invasão, propulsionando as células tumorais através das membranas
basais degradadas e pelas zonas da proteólise de matriz.

A invasão por si só já pode provocar a morte dos pacientes; é o que acontece no caso de tumores do SNC,
mesoteliomas malignos e tumores que invadem órgãos vitais.

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Disseminação vascular
Uma vez na corrente sanguínea, as células tumorais são vulneráveis à destruição por uma variedade de
mecanismos, incluindo mecanismos de shear stress, apoptose estimulada por perda de adesão (anoikis), e
defesas imunes inata e adaptativa (linfócitos NK, linfócitos T citotóxicos). Assim, apesar de facilmente saírem
do tecido de origem, a colonização é algo ineficiente; além disso, mesmo depois de estabelecida uma metás-
tase, pode acontecer que esta cresça mesmo muito pouco, acabando por não ter qualquer significado clínico
(ao que se dá o nome de “dormência”).

Na circulação, as células tumorais tendem a agregar-se (como forma de defesa contra o nosso sistema
imunitário), o que é favorecido por adesões homotípicas, entre células tumorais, e por adesões heterotípicas,
entre células tumorais e células sanguíneas, principalmente plaquetas. Esta adesão a plaquetas parece au-
mentar a sobrevivência do agregado tumoral e a sua implantabilidade. As células tumorais podem ainda ligar-
se e ativar fatores de coagulação, resultando na formação de um êmbolo. O prendimento e extravasamento
deste êmbolo tumoral em locais distantes envolve a adesão ao endotélio, seguindo-se o atravessar da mem-
brana basal. Envolvidas neste processo estão moléculas de adesão (recetores de integrina e de laminina) e
enzimas proteolíticas. A molécula de adesão CD44 é de particular interesse, sendo expressa por linfócitos T
e usada por estas células para migrar para locais selecionados nos tecidos linfoides. Tal migração é conse-
guida pela ligação do CD44 ao hialurato no endotélio venular. Os tumores sólidos também expressam muitas
vezes CD44, o que parece aumentar a sua capacidade de se propagar para os nodos linfáticos e outros locais
metastáticos.

O local onde as células tumorais em circulação saem dos capilares para ir formar um depósito secundário
está relacionado com a localização anatómica e drenagem vascular do tumor primário e o tropismo de tumores
particulares por tecidos específicos. A maior parte das metástases acontecem no primeiro leito capilar que se
segue ao do tumor. Porém, observações recentes têm vindo a demonstrar que as simples vias de drenagem
não explicam completamente a distribuição das metástases:
 o carcinoma prostático e o da mama espalham-se preferencialmente pela medula óssea
 os carcinomas broncogénicos tendem a envolver a glândula suprarrenal e o cérebro
 os neuroblastomas espalham-se para o fígado e ossos
 rins recebem 20-25% do DC e intestinos recebem 10% e mesmo assim raramente apresentam
metástases
 miocárdio e músculo esquelético representam 40% da massa corporal total e também é raro apre-
sentarem metástases
 baço também raramente apresenta metástases
Pensa-se que tal tropismo orgânico esteja relacionado com os seguintes mecanismos:
 as células tumorais podem expressar moléculas de adesão cujos ligantes são expressos preferenci-
almente nas células endoteliais de determinado órgão.
 Quimoquinas expressas pelas neoplasias malignas têm um papel importante na determinação do
tecido alvo das metástases.
 Em alguns casos, um tecido pode simplesmente não ser um “solo fértil” para a metastização, isto é,
não apresentar um ambiente favorável para tal, como é o caso do tecido muscular esquelético e do
baço.

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Vias de metastização
(MUITO IMPORTANTE!!)

São várias a vias de metastização que existem, sendo que alguns tipos de neoplasias malignas apresen-
tam a sua preferida:

 Hematogénea – é a via preferencial dos sarcomas


 Linfática (gânglio linfático) – é a via preferencial dos carcinomas
 Transcavitária – é uma via através de cavidades corporais, que pode ser transcelómica (através
de cavidades serosas), pelo espaço cérebroespinal, pela cavidade articular, pela cavidade brôn-
quica ou pelo trato urinário.

Evasão das defesas do hospedeiro


Uma das formas de combate ao cancro que cada vez se tem vindo a provar ser mais promissora é a
capacidade do nosso sistema imune de reconhecer e destruir células cancerígenas. Esta ideia é suportada
pela observação de infiltrados linfocitário em redor dos tumores, alterações reacionais dos nodos linfáticos
que drenam tumores e a maior incidência de tumores em pessoas com doenças imunodeficientes.

Os indivíduos com um sistema imune normal à partida são capazes de reconhecer células tumorais. Isto
porque essas células apresentam antigénios específicos, que podem ser reconhecidas por efetores do sis-
tema imune e depois destruídas (nomeadamente por linfócitos T citotóxicos, células natural killers, macrófa-
gos e anticorpos). Um exemplo será o antigénio CD8, que pode ser reconhecido por células T.

Porém, a maior parte das neoplasias malignas


ocorre em pessoas sem qualquer alteração do seu
sistema imune, o que significa que as células tumo-
rais devem possuir algum mecanismo de escape ou
evasão do sistema imune em pessoas imunocompe-
tentes:

 Crescimento seletivo de variantes antigénio-


negativas – durante a progressão tumoral, o forte
ataque imunológico pode acabar por selecionar as
células mais capazes de fugir ao sistema imune, pela
eliminação daqueles que o referido sistema é capaz
de reconhecer;
 Perda ou redução da expressão de moléculas
MHC – permite-lhes escapar ao ataque dos linfócitos
T citotóxicos; porém, estas células podem desenca-
dear o ataque de células NK por ativação dos seus
recetores.

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 Ativação de uma via imunorregulatória – capacidade das células tumorais de ativar vias nor-
mais de regulação imune que servem como checkpoints nas respostas imunes.
 Secreção de fatores imunossupressores por células tumorais – os tumores podem secretar
diversas substâncias que inibem a resposta imune do hospedeiro. Por exemplo, o TGF-𝛽 é secre-
tado pela maior parte dos tumores e é um potente imunossupressor.
 Introdução de células T regulatórias (Tregs) – alguns estudos sugerem que os tumores produ-
zem fatores que favorecem o desenvolvimento de uma regulação imunossupressiva das células
T, o que pode contribuir para a imuno-evasão.

Inflamação potenciadora do crescimento tumoral


Os cancros infiltrativos provocam uma inflamação crónica, assemelhando-se assim a “uma ferida que não
cura”. Em pacientes que se encontram em estadios avançados da doença oncológica, esta reação inflamató-
ria pode ser de tal forma extensa que acaba por provocar sinais e sintomas sistémicos, tais como anemia
(devido ao sequestro de ferro induzido pela inflamação e downregulation da produção de eritropoietina), fa-
diga e caquexia. Porém, estudos recentes têm vindo a demonstrar que as alterações microambientais provo-
cadas pelo cancro favorecem muitas das marcas características da neoplasia maligna. Estes efeitos podem
resultar de interações diretas entre células inflamatórias e tumorais, ou ser o resultado indireto de células
inflamatórias ou estromais residentes, nomeadamente fibroblastos associados ao cancro e células endoteli-
ais.

Desregulação epigenética de genes associados ao cancro


Na maioria das células diferenciadas, a maior parte do genoma não está expresso por modificação pós-
translacionais que resultam em compactação do DNA em heterocromatina, o que pode acontecer por metila-
ção, modificação de histonas e microRNA. O padrão de expressão dos genes é hereditário e reversível, o que
significa que podem ocorrer alterações.

Assim, alterações epigenéticas têm um importante papel em muitos dos aspetos do fenótipo maligno, in-
cluindo a expressão de genes cancerígenos, controlo da diferenciação e autorrenovação, e até mesmo sen-
sibilidade e resistência às drogas. Estas alterações podem acontecer por diversos processos:

 Hipometilação global do DNA


 Hipermetilação seletiva localizada em genes supressores de tumores – resulta no seu silen-
ciamento. Normalmente, a hipermetilação acontece em apenas um dos alelos sendo que a função
do alelo normal acaba por ser perdida através de um outro mecanismo, por exemplo, por deleção.
Alguns exemplos de genes supressores de tumores que estão frequentemente hipermetilados em
células cancerígenas são o CDKN2a (p16 e p14), BRCA1 (mama), VLH (rim) e MLH1 (cólon).

Relativamente ao miRNA, sabemos que são pequenas moléculas de RNA não codificantes que têm por
ação reconhecer uma sequência específica de RNA e mediar o silenciamento genético pós-translacional.
Também participam na transformação neoplásica por aumento da expressão de oncogenes e diminuição da
de genes supressores de tumores.

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Agentes carcinogénicos e as suas interações celulares
Carcinogénese define-se como sendo uma série de eventos que levam à expressão completa de um
fenótipo de malignidade; referimo-nos a carcinogénese quando queremos falar do aparecimento de uma ne-
oplasia. O termo “carcinogénese” não deve ser confundido com “transformação”, a que nos referimos quando
queremos falar das alterações em células individuais; transformação é portanto o termo dos processos que
resultam em malignidade mas aplicado às células propriamente ditas.

Existem vários tipos de carcinogénese:

1. Química – é a causa de 80% das neoplasias;


2. Biológica – corresponde a 16% das neoplasias
3. Física – restantes;
4. Outras.

CARCINOGÉNESE QUÍMICA
A ideia de que há substâncias químicas que causam “cancro” não é de hoje! Por exemplo, já em meados
do século XVIII se associava o “cheirar” tabaco (rapé) ao aparecimento de pólipos nasais; porém, como sa-
bemos, estas alterações macroscópicas não constituem um tipo de neoplasia mas sim um tipo de edema local
causado por um processo inflamatório agudo. Por outro lado, há mais de 200 anos atrás, o cirurgião londrino
Sir Percival Pott relacionou corretamente a neoplasia maligna do escroto com a exposição crónica dos limpa-
chaminés (que trabalhavam completamente nuos para que não houvesse hipótese de as suas roupas ficarem
presas nalguma coisa) à fuligem. Baseado nesta observação, a associação de limpadores de chaminés esta-
beleceu a regra de que os indivíduos com esta profissão deviam tomar banho diariamente. Desde então,
nenhuma outra medida de saúde pública foi tão eficaz no controlo de alguma forma de cancro como esta.

Alguns exemplos de agentes carcinogénicos químicos são os seguintes:

 Poluentes industriais
 Tabaco – o tabagismo é diretamente proporcional à incidência de carcinoma do pulmão.
 Álcool – o alcoolismo exponencia a carcinogénese do tabagismo, quando associados.
 Dieta – intake total, gorduras, fibras, nitrosaminas, etc.
 Hormonas
 Ocupacionais – cloreto de vinil, asbestos, níquel, crómio.
 Agentes terapêuticos – diatilestilbestrol (hormona usada para diminuir as contrações uterinas;
quando era utilizada verificou-se que não lesava diretamente as mulheres a quem era adminis-
trada mas sim as suas filhas, causando neoplasias da vagina); antineoplásicos.
 Outros.

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Passos que envolvem a carcinogénese química
Como sabemos, a carcinogénese é um processo com múl-
tiplos passos que, no caso da química, são os seguintes:

 Iniciação – resulta da exposição da célula a uma dose su-


ficiente de agente carcinogénico; uma célula iniciada está alte-
rada, tornando-a potencialmente capaz de dar origem a um tu-
mor. Porém, a iniciação por si só não é suficiente para que haja for-
mação de um tumor (ver imagem abaixo, grupo 1).
- causa danos permanentes no DNA (mutações),
pelo que é rápida e irreversível e tem “memória”. Assim, pode ha-
ver formação de um tumor mesmo que a aplicação de um pro-
motor só aconteça meses depois e depois de apenas uma apli-
cação do iniciador (ver grupo 3 da imagem abaixo).
 Promoção – os promotores podem induzir o crescimento de um tumor a
partir de uma célula já iniciada, mas não são tumorigénico por eles próprios; além
disso, também não há formação de um tumor quando um iniciador é aplicado
depois do promotor (ver grupo 4). Isto significa que as alterações celulares
resultantes da aplicação de um promotor não afetam direta e irreversivel-
mente o DNA. Assim, a ação dos promotores traduz-se na proliferação de cé-
lulas iniciadas, um efeito que pode contribuir para a aquisição de mutações adi-
cionais.

Todos os químicos iniciadores são extremamente eletro-


fílicos (átomos com deficiência relativa de eletrões e com
grande apetência por locais ricos em eletrões) que podem
reagir com locais neutrofílicos (ricos em eletrões) da célula.
Desta forma, os seus alvos são o DNA, RNA e proteínas e,
em alguns casos, estas interações resultam na morte da cé-
lula. Obviamente que a iniciação não causa dano letal no
DNA; porém, o dano que causa é irreparável. A célula mu-
tada depois passa as suas alterações no DNA às células filhas.

Os químicos capazes de causar iniciação da carcinogénese podem ser divididos em duas categorias: de
ação direta ou de ação indireta (que atuam por ativação metabólica).

Carcinogénicos que atuam diretamente


Os carcinogénicos que atuam diretamente não neces-
sitam de qualquer conversão metabólica para se torna-
rem lesivos. Muitos são fracamente carcinogénicos mas

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alguns são importantes uma vez que são fármacos quimioterapeuticos de neoplasias malignas (Ex: agentes
alquilantes). Infelizmente, em alguns casos estes agentes são capazes de curar, controlar ou atrasar a recor-
rência de determinada neoplasia maligna (Ex: leucemia, linfoma e carcinoma do ovário) mas acabam por mais
tarde evocar uma nova forma de cancro, normalmente leucemia mieloide aguda. O risco de neoplasia maligna
induzida é reduzido mas a sua existência denota a necessidade de usar tais fármacos de forma sensata.

Carcinogénicos que atuam indiretamente


A designação “carcinogénicos que atuam indireta-
mente” refere-se a químicos que necessitam de con-
versão metabólica para se tornarem agentes carcino-
génicos ativos; o produto carcinogénico do metabo-
lismo é denominado “último carcinogénico”. Alguns
dos agentes carcinogénicos químicos mais potentes
(hidrocarbonetos policíclicos) estão presentes nos
combustíveis fósseis. Outros, por exemplo,
benzo(a)pireno (o composto ativo da fuligem) é for-
mado durante a combustão a altas temperaturas do
tabaco dos cigarros e sabe-se que está envolvido na
neoplasia maligna do pulmão. Os hidrocarbonetos
policíclicos podem ainda ser formados a partir da gor-
dura animal durante o processo de grelhar, e estão
presentes em carnes e peixe fumados.

Promoção dos carcinogénicos químicos


Os promotores são agentes químicos que não são mutagénicos mas que estimulam a proliferação celular.
É evidente que sem proliferação um tumor não pode crescer. Em tecidos que são normalmente quiescentes,
tais como o fígado, o estímulo mitogénico pode ser providenciado por um agente iniciador. Isto acontece caso
o agente carcinogénico iniciador seja tóxico e mate um grande número de células, estimulando assim a rege-
neração do tecido por proliferação das células sobreviventes. Porém, o potencial carcinogénico dos iniciado-
res só é revelado depois de uma posterior administração de um promotor, que por definição são não-tumoro-
génicos. A aplicação do promotor resulta em proliferação e expansão clonal de células iniciadas (mutadas).
Devido aos promotores, os subclones das células iniciadas sofrem várias mutações adicionais, até que even-
tualmente um clone carcinogénico com todas as características que o definem aparece.

CARCINOGÉNESE FÍSICA
As radiações, sejam sob a forma de raios UV provenientes da luz do sol ou radiação particulada ionizante,
são carcinogénicas. A radiação UV está claramente envolvida na formação de neoplasias malignas da pele,
e a radiação ionizante por exposição ocupacional ou por atos médicos, acidentes nucleares e detonações de

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bombas atómicas produzem uma variedade de cancros. Apesar de a contribuição da radiação para o total de
cancros da população humana ser relativamente reduzida, a latência dos danos por ela causados e os seus
efeitos cumulativos levam a que o seu estudo necessite de um seguimento dos casos muito prolongado, o
que dificulta a perceção da sua significância.

Radiação UV
A exposição a radiação UV proveniente da luz solar, particularmente em indivíduos com pele muito clara,
está associada ao aumento de incidência de neoplasias da pele não melanocíticas (carcinomas celulares
escamosos e carcinomas basocelulares – 80%, sendo um carcinoma muito agressivo localmente mas que
raramente dá metástases) e neoplasias da pele melanocíticas (melanoma). Outros efeitos deletérios da radi-
ação solar sobre a pele são a toxicidade aguda, a imunossupressão e o envelhecimento prematuro. O grau
de risco depende do tipo de raios UV (sendo os UV B, com comprimento de onda entre 280-320nm, o mais
perigoso), a intensidade de exposição e a quantidade de melanina (que nos protege) que possuímos. Aliás,
é por isso que pessoas de origem europeia com pele clara que sofrem frequentes “escaldões” mas cuja pele
se recusa a escurecer (pessoas que não se conseguem bronzear) e pessoas que vivem em países com
muitas horas de sol intenso (ou seja, zonas próximas do equador, como a Austrália) têm maior incidência de
neoplasias malignas da pele. Os cancros não melanocíticos estão associados ao efeito cumulativo da expo-
sição a radiação UV, (como acontece em pessoas que, por exemplo, devido à sua profissão, estão constan-
temente a apanhar sol), enquanto os melanomas estão mais associados à exposição intensa e intermitente
(como acontece com a maioria das pessoas que só toma banhos de sol quando vai à praia ou piscina no
verão).

Os efeitos carcinogénicos da luz UVB são devidos à formação de dímeros de pirimidina no DNA. Se a
energia num fotão de luz UV é absorvida pelo DNA, o resultado é uma reação química que leva à ligação
covalente cruzada de bases pirimidinas, principalmente resíduos de timidina adjacentes na mesma cadeia de
DNA. Isto distorce a dupla cadeia de DNA e previne o devido emparelhamento de dímeros com bases de
cadeias de DNA opostas. Os dímeros de pirimidina poderão ser reparados pela via NER. Porém, sabe-se que
uma exposição excessiva à luz solar acaba por exceder a capacidade de reparação e, quando isto acontece,
há vias que permitem a sobrevivência celular, mesmo em caso de lesão, que são ativadas, o que possibilita
a perpetuação da mutação no DNA. A importância da via NER na reparação do DNA é especialmente bem
demonstrada pela maior incidência de neoplasias malignas nos indivíduos que apresentam a doença heredi-
tária Xeroderma Pigmentosa.

A nível celular, as nossas células apresentam dois tipos de resposta: umas imediatas e outras mais tardias.

 Imediatas  Tardias
 Alteração (Ex: oxidação) e redistribuição da  ↑ nº de melanócitos
melanina  ↑ da arborização dos melanócitos
 Hiperplasia da epiderme  ↑ da síntese de melanina
 Hiperqueratose  ↑ da transferência dos melanossomas para
 Imunossupressão os queratinócitos (⟹ bronze).

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A nível molecular, a radiação UV resulta nas seguintes alterações:

 Inibição da proliferação celular


 Inativação de enzimas
 Alteração da expressão de proteínas de superfície
 Secreção de citoquinas
 Mutações-reparação
 Morte celular

Radiação ionizante
Radiação eletromagnética (raios-X e raios-𝛾) e radiação particulada (partículas 𝛼 6 e partículas 𝛽, protões,
neutrões) são todas carcinogénicas. Isto é evidenciado por vários factos: muitas das pessoas que foram pio-
neiras no uso de raio-X na clínica acabaram por ter alguma neoplasia maligna da pele; mineiros de minas
radioativas tem maior incidência de cancro do pulmão; um exemplo ainda melhor é aquele que vem do segui-
mento dos sobreviventes das bombas atómicas de Hiroshima e Nagazaki: inicialmente houve uma grande
incidência de certos tipos de leucemia, depois de um período de
latência de cerca de 7 anos; depois, acabou por aumentar a in-
cidência de tumores com maior período de latência, tais como
carcinomas da mama, cólon, tiroide e pulmão. Uma preocupa-
ção que tem vindo a crescer é aquela relacionada com o cada
vez mais frequente uso da tomografia computorizada (TC): es-
tudos revelam que crianças que realizaram 2-3 CTs têm 3 vezes
mais risco de vir a desenvolver algum tipo de leuce-
mia; aqueles que fizeram entre 5-10 CTs têm 3
vezes mais risco de vir a desenvolver algum tu-
mor cerebral.

A imagem à esquerda evidência as principais


fontes de radiação ionizante.

Nos humanos, há uma hierarquia de vulnerabilidade dos diferentes tecidos à radiação indutora de cancro.
Os mais frequentes são as leucemias mieloides (tumores dos granulócitos e dos seus percursores). O cancro
da tiroide segue-se imediatamente mas apenas nos mais novos. Na categoria intermédia temos as neoplasias
malignas da mama, dos pulmões e das glândulas salivares. Por seu lado, a pele, os ossos e o trato gastroin-
testinal são relativamente resistentes, apesar de as células epiteliais do trato GI serem vulneráveis aos efeitos
agudos da radiação, morrendo, e a pele ser a primeira coisa a ser agredida pela radiação externa.

6Existem, por exemplo, no thorotraste, um contraste vascular usado por Egas Moniz (António para os
amigos) para observar a circulação cerebral em imagens de raio-X.

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CARCINOGÉNESE BIOLÓGICA
Os agentes carcinogénicos biológicos estão representados por vírus, bactérias e parasitas e possuem
esse efeito nocivo por processos genéticos, inflamatórios e de imunossupressão.

Carcinogénese viral

Vírus de RNA
Conhece-se apenas um retrovírus humano implicado na patogénese de uma neoplasia maligna em huma-
nos. É o vírus da leucemia das células T humanas tipo 1 (HTLV-1) que causa leucemia/linfomas das células
T nos adultos; é uma neoplasia endémica de certas partes do Japão, caraíbas, américa do Sul e áfrica, sendo
ainda encontrada esporadicamente noutros locais, tais como nos EUA. Há semelhança do vírus da imunode-
ficiência humana (que causa SIDA), o HTLV-1 apresenta tropismo para CD4+ das células T, daí estas células
serem o seu principal alvo. A infeção de humanos requer a transmissão de células T infetadas via contacto
sexual, produtos do sangue ou amamentação. A leucemia desenvolve-se em apenas 3-5% dos indivíduos
afetados, normalmente depois de um longo período de latência (40-60 anos).

Muitos dos aspetos da atividade transformante do retrovírus HTLV-1 são atribuídos à proteína Tax, codifi-
cada no gene homónimo. Esta proteína é essencial para a replicação do vírus, uma vez que estimula a trans-
crição do RNA viral; porém, outras ações desta proteína são a alteração da transcrição de muitos dos genes
das células hospedeiras e ainda a interação com certas proteínas sinalizadoras das células hospedeiras. É
assim que o gene Tax contribui para a aquisição de muitas das características marcantes dos cancros:

 Aumento da sinalização promotora do crescimento e da sobrevivência da célula – a Tax


interage com a PI3K estimulando assim a AKT. Ambas estas cinases participam nas cascatas de
sobrevivência celular e de alterações metabólicas promotoras do crescimento. Além disso, a Tax
upregulate a expressão da CD2, que vai reprimir a expressão de múltiplos inibidores de CDK,
alterações essas que promovem a progressão do ciclo celular. Finalmente, a Tax pode ativar a
transcrição do fator NF-𝜅B, o que promove a sobrevivência de muitos tipos de células, incluindo
linfócitos.
 Aumento da instabilidade genómica – a Tax pode ainda causar instabilidade genómica pela
interferência com as funções de reparação do DNA e inibição dos checkpoints do ciclo celular
ativados por dano do DNA.

Vírus de DNA
À semelhança dos vírus de RNA, também há vírus de DNA oncogénicos que causam tumores em animais;
destes, 5 foram relacionados com certas neoplasias malignas nos humanos: (1) HPV (vírus do papiloma hu-
mano), (2) EBV (vírus Epstein-Barr), (3) HBV (vírus da hepatite B), (4) vírus do polioma das células de Merckel,
(5) vírus do Sarcoma de Kaposi (herpesvírus 8).

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 Vírus do papiloma humano → carcinoma do colo do útero

Conhecem-se pelo menos 100 tipos geneticamente distintos de HPV; alguns (Ex: 1, 2, 4 e 7) causam
papilomas escamosos benignos (verrugas) nos humanos; outros, de alto risco (Ex: 16 e 18) têm vindo a ser
relacionados com a génese de carcinomas celulares escamosos do colo uterino, região anogenital e cabeça
e pescoço. Estes cancros acabam por ser transmitidos sexualmente por transmissão do HPV. Curiosamente,
nas verrugas benignas, o genoma do HPV é mantido numa forma não integrada, enquanto nas neoplasias
malignas o seu genoma é integrado nas células do hospedeiro, o que sugere que interações com o DNA viral
são importantes para a transformação maligna.

Alguns tipos de HPV:

Sabemos que o vírus do papiloma humano é epitelotrópico (apresenta “preferência” por células epiteliais
pavimentosas), apresenta um DNA duplo e circular; ele vai ter acesso às células basais do epitélio por lesão
das camadas superficiais, sendo que é na progressão dessas células basais (já infetadas) para as camadas
mais superficiais que há replicação viral e montagem de virões. Para nós é quase imediata a associação do
HPV com carcinoma do colo do útero; porém, este vírus também é capaz de infetar outros tecidos para além
das mucosas genitais, tais como a pele, laringe, orofaringe (associado a sexo oral desprotegido), ânus, esó-
fago, mucosa subungueal (por baixo da unha) e conjuntiva.

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Assim como acontece com o HTLV-1, o local de integração do DNA viral nos cromossomas das células
hospedeiras é aleatório, mas o padrão de integração é clonal. As células nas quais o DNA viral foi integrado
apresentam uma maior instabilidade genómica. Uma vez que o local de integração é aleatório, não há qual-
quer relação com um proto-oncogene do hospedeiro. Em vez disso, a integração provoca uma interrupção do
DNA viral em E1/E2, levando a uma perda do E2 viral repressor e consequente sobre-expressão das onco-
proteínas E6 e E7:

 Atividades oncogénicas de E6 – a proteína E6 liga-se e medeia a degradação de p53, e ainda


estimula a expressão de TERT, a subunidade catalítica da telomerase, o que contribui para a imor-
talização da célula. As proteínas E6 dos tipos de HPV de maior risco têm maior afinidade para o
p53. Porém, existe algum polimorfismo de p53 possíveis, sendo que aquele que possui um resíduo
de arginina na posição 72 é mais suscetível a ser degradado pela E6
do que aquele que possui o resíduo de prolina na mesma posição.
Desta forma, indivíduos que possuam o p53 com Arg72 são mais sus-
cetíveis de vir a desenvolver carcinomas cervicais.
 Atividade oncogénica de E7 – a proteína E7 possui efeitos
complementares aqueles de E6, sendo que todos
eles acabam por resultar numa maior rapidez de
passagem da célula pelo checkpoint G1/S do ciclo
celular. Esta proteína liga-se à proteína RB e remove o
fator de transcrição E2F que normalmente está sequestrado pela RB,
promovendo assim a progressão pelo ciclo celular. Assim como a E6,
a proteína E7 de tipos de HPV de maior risco têm uma maior afinidade
para o RB. A E7 também inativa as CDK inibidoras da p21 e da p27.
Finalmente, as E7 de tipos de HPV de maior risco (tipos 16, 18 e 31)
também se ligam e presumivelmente ativam as ciclinas E e A.

Em suma, os tipos de HPV de alto risco expressam proteínas oncogénicas que inativam genes supresso-
res de tumores, ativam ciclinas, inibem a apoptose e combatem a senescência celular. Ou seja, as proteínas
deste vírus promovem muitas das características das neoplasias malignas.

Pensa-se que desde a infeção pelo vírus HPV até ao aparecimento do carcinoma haja um intervalo de
mais de 10 anos, o que significa que há muito tempo para diagnosticar antes que haja cancro, ao que se dá
o nome de rastreio secundário.

As possíveis formas de diagnóstico da infeção viral do colo são as seguintes:

 Clínico (observação macroscópica); porém, só 1/100 portadores de ADN viral apresentam papi-
lomas
 Morfológico
 Por citologia esfoliativa, que pode depois ser analisada sob a forma de esfregaço e corada
com Pappanicolaou ou em meio líquido

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 Histologicamente, onde procuramos condilomas, CIN (neoplasia intra-epitelial cervical),
carcinoma (HPV em 80-90% dos casos). Identificamos o carcinoma devido às alterações
que observamos: núcleos muito maiores, alterações da cromatina. Identificamos a infeção
viral pela presença de núcleos indentados (coilocitose) ou semelhantes aos normais ou
pela presença de células binucleadas.

 Hepatites B e C → carcinomas hepatocelulares

Estudos epidemiológicos sugerem uma grande correlação entre a infeção pelos vírus da hepatite B ou C
e a neoplasia maligna do fígado (cerca de 70-85% dos carcinomas hepatocelulares). Porém, apesar das
correspondências epidemiológicas, os mecanismos que conduzem ao aparecimento da neoplasia maligna
ainda não são conhecidos. Isto porque os genomas de HBV e HCV não codificam qualquer oncoproteína viral
e, apesar de o genoma de HBV ser integrado no genoma da célula hospedeira, não há nenhuma integração
consistentes nas células hepáticas. Aliás, apesar de os efeitos oncogénicos de ambos os vírus serem multi-
fatoriais, o efeito dominante parece ser a mediação imunológica de uma inflamação crónica e morte de hepa-
tócitos que resultam em regeneração e, com o tempo, dano genómico.

Tal como qualquer lesão hepatocelular, a infeção viral crónica leva a uma proliferação compensatória dos
hepatócitos. Este processo regenerativo é auxiliado e instigado por aumento do fatores de crescimento, cito-
cinas, quimoquinas e outras substâncias bioativas. Estas são produzidas por células imunes ativadas e pro-
movem a sobrevivência celular, reparação tecidual e angiogénese. Além das referidas substâncias, as células
imunes ativadas também produzem outros mediadores, tais como espécies reativas de oxigénio, que são
genotóxicas e mutagénicas.

 Herpesvírus humano 8 → Sarcoma de Kaposi

O sarcoma de Kaposi é um tumor vascular causado pelo herpesvírus humano 8 (HHV8) que está muito
associado à aquisição da síndrome de imunodeficiência humana adquirida (SIDA); também acontece, mas

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com muito menos frequência, noutros contextos. O HHV8 é transmitido
sexualmente e por outras vias não sexuais tais como a exposição a
secreções cutâneas ou orais.

Pode-se distinguir 4 formas de SK, baseados na demografia popu-


lacional e nos riscos, sendo o mais comum a forma de SK associada
a SIDA (epidémica). Esta forma envolve nodos linfáticos e dissemina-
se vastamente pelas vísceras desde o seu início. As outras formas de
Sarcoma de Kaposi são a clássica (associada a malignidade ou alteração da imunidade, mas não com SIDA),
a endémica africana (que acontece tipicamente em indivíduos seropositivos com idades inferiores a 40 anos)
e aquela associada a transplantes (devida a imunossupressão farmacológica); porém, estas formas além de
menos frequentes são também menos agressivas e menos disseminadas pelo organismo (unicêntricas). A
maior parte dos pacientes acabam por morrer, mais por infeções oportunistas do que propriamente por SK.
Porém, seja qual forma a forma de SK, para o seu desenvolvimento são sempre necessários 2 fatores: a
infeção por HHV8 e a alteração das células T imunitárias.

Figura 11-32, pág. 519 do livro


Sarcoma de Kaposi. A. Fotografia que ilustra as máculas vermelhas-arroxeadas coalescentes e as placas na pele. B. Aparência histológica do
estadio nodular do SK, demonstrando camadas de células em formas de fuso em proliferação.

 Vírus Epstein-Barr → linfoma de Burkitt

EBV é um membro da família dos hepesvírus que tem vindo a ser implicado na patogénese de diversos
tumores humanos: a forma africana de linfoma de Burkitt; linfomas de células B em indivíduos imunodeprimi-
dos (particularmente naqueles infetados por HIV ou que estão sob uma terapia imunossupressora após terem
recebido algum tipo de transplante); um subtipo de linfoma de Hodgkin; carcinoma nasofaríngeo e alguns
gástricos; formas raras de linfomas de células T e de linfomas de células natural killer.

Relativamente ao linfoma de Burkitt, este é uma neoplasia dos linfócitos B que é endémico da zona central
de áfrica e da Nova Guiné, áreas nas quais é o tumor mais comum em crianças. Os dados que relacionam o
EBV com o linfoma de Burkitt são muito fortes:

 Mais de 90% dos tumores africanos carregam o genoma de EBV;

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 100% dos pacientes possuem anticorpos contra os antigénios da cápsula viral elevados;
 A titulação de anticorpos correlaciona-se com o risco de vir a desenvolver o tumor em causa.

Uma das possibilidades para a forma como o EBV con-


tribui para a patogénese do LB é a seguinte:

 Nas regiões do mundo onde o LB é endémico, a con-


taminação por outros organismos tais como malária im-
possibilita a competência imune, permitindo assim a proli-
feração de células B.
 Eventualmente as células T acabam por dirigir uma re-
ação contra os antigénios de EBV, eliminando assim a maior
parte de células B infetadas.
 Porém, uma pequena parte dessas células downregu-
late a expressão dos imunogénicos antigénicos. Essas
células persistem indefinidamente, mesmo na presença de uma
imunidade normal.
A partir dessas células podem surgir células de linfoma
apenas por aquisição de mutações específicas, principalmente trans-
locações que ativem o oncogene MYC.

Deve-se ter em atenção que em regiões não endémicas, 80% dos


tumores não estão relacionados com o EBV, mas virtualmente todos os ca-
sos estão relacionados com a translocação t(8;14) que desregula o MYC. As-
sim, conclui-se que nos casos de linfomas de Burkitt, o EBV não é direta-
mente oncogénico, mas atua como mitogene policlonal de células B e promove a aquisição da translocação
(8;14) e outras que acabam por conduzir ao aparecimento de uma neoplasia maligna.

 Vírus das células de Merkel

As células de Merkel localizam-se na camada basal da epiderme e pensa-se que tenham funções neuro-
endócrinas ou de mecanorrecetores.

O vírus das célula de Merkel infeta tanto crianças como adultos, pode ser transmitido através das secre-
ções respiratórias e está integrado nas neoplasias de forma monoclonal, sendo que o antigénio viral T mutado
impede o início da replicação do DNA viral para a sua propagação.

Aspetos clínicos da neoplasia


Em última instância, a importância das neoplasias recai sobre os seus efeitos nos pacientes. Como é
evidente, uma neoplasia maligna é sempre mais ameaçadora que uma benigna, mas ambas são passíveis
de causar morte.

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Para começar, devemos conseguir distinguir uma “recidiva” de “progressão”. Recidiva é a manifestação
de novo de uma neoplasia maligna após um período de tempo durante o qual a neoplasia não era detetável.
Por seu lado, progressão refere-se à disseminação ou agravamento local de uma neoplasia maligna que
nunca desapareceu.

Relativamente à recidiva, existem vários tipos:


 Local/regional, que pode acontecer no mesmo local ou em gânglios linfáticos loco-regionais;
 À distância, que acontece noutro local/órgão.
O risco de recidiva é diferente em todos os pacientes e varia conforme o prognóstico.

As características clínicas das neoplasias devem ser divididas em dois grandes grupos:
 Efeitos dos tumores no hospedeiro; estes efeitos podem ser locais ou à distância, sendo que no
último caso falamos ainda de síndromes paraneoplásicas, caquexia e metástases;
 Causas de morte em doentes com neoplasia.

EFEITOS LOCAIS E HORMONAIS


A localização é uma característica crítica nos efeitos de qualquer tipo de neoplasia. Os tumores podem
comprimir tecidos vitais e impossibilitar a sua função, causando a morte dos tecidos envolvidos e providenci-
ando assim um nicho para infeções. Por exemplo, um pequeno adenoma da hipófise, apesar de benigno e
possivelmente não funcional, pode comprimir e destruir a parte da glândula normal adjacente e assim conduzir
a um grave hipopituitarismo; há ainda comprometimento do quiasma ótico e, consequentemente, da visão.
Os cancros que crescem a partir de uma metástase numa glândula endócrina podem causar insuficiência da
mesma devido à sua destruição. Os tumores no intestino, benignos ou malignos, podem causar obstrução à
medida que vão crescendo. Outros exemplos de tumores benignos cuja localização pode ser letal são os
seguintes:

 Craniofaringiomas que comprimem e invadem o hipotálamo


 Mixoma auricular, que bloqueia a circulação intracardíaca
 Meningiomas, que comprimem o encéfalo
 Quistos coloides, que bloqueiam o fluxo de licor
 Adenomas pleomórficos, que comprimem o nervo facial.

Surpreendentemente são estes sintomas que muitas vezes salvam a vida das pessoas, caso apareçam
logo no início do curso da neoplasia quando a cura cirúrgica ainda é possível.

Neoplasias malignas e benignas que crescem a partir de glândulas endócrinas podem causar problemas
endócrinos pela produção de hormonas. Tal atividade funcional é mais típica dos tumores benignos do que
dos malignos, que podem ser de tal forma indiferenciados que acabam por perder tal capacidade. Por exem-
plo, um adenoma das células 𝛽 dos ilhéus pancreáticos com menos de 1 cm de diâmetro pode produzir tanta

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insulina que causa a morte por hipoglicémia. Outros exemplos são as neoplasias benignas da pituitária, adre-
nais, vipomas, reninomas, etc. Há ainda os tumores não endócrinos que adquirem a capacidade de produzir
determinado tipo de hormona, dando origem a uma síndrome paraneoplásica.

O crescimento erosivo e destrutivo de uma neoplasia maligna ou a pressão expansiva de uma neoplasia
benigna em qualquer superfície natural, tais como a pele ou as mucosas intestinais, podem causar ulcerações,
infeções secundárias e hemorragias. Desta forma, melenas (sangue nas fezes) e hematúrias, por exemplo,
são características de neoplasias dos intestinos e do trato urinário, respetivamente.

Relativamente às neoplasias malignas, alguns dos seus efeitos são os seguintes:

 Lesão cerebral e herniação  Obstrução das ansas GI


 Edema pulmonar  Derrame pleural
 Fraturas ósseas  Úlceras e fístulas
 Trombocitopénia, granulocitopénia, anemia  Caquexia
 Hemorragia (trombocitopénia e invasão vas-  Etc.
cular)

CAQUEXIA
Os indivíduos com neoplasias malignas comummente sofrem de perda progressiva da gordura corporal e
da massa magra, o que é acompanhado por fraqueza, anorexia e anemia, ao que nos referimos como caque-
xia. Esta está associada com:

 Perda equilibrada de massa gorda e massa magra


 Aumento da taxa metabólica
 Evidências de inflamação sistémica (devido à presença de marcadores de inflamação aguda elevados)

Os mecanismos que subjazem à caquexia ainda não são conhecidos. A inflamação ocasionada pelos
efeitos recíprocos do cancro e do sistema imune perecem ter algum papel nisso. TNF𝛼 (originalmente conhe-
cida como caquetina) é um dos principais suspeitos entre vários mediadores libertados pelas células imunes
e que parecem contribuir para a caquexia. Fatores humorais libertados das células tumorais, tais como o fator
indutor da proteólise, têm vindo a ser relacionados com a perda de massa muscular.

SÍNDROME PARANEOPLÁSICA
Alguns indivíduos com neoplasias malignas (cerca de 10% dos indivíduos) desenvolvem sintomas que não
se relacionam diretamente com a distribuição anatómica do tumor ou pela elaboração de hormonas endóge-
nas do tecido do qual o tumor é proveniente; a esses sinais dão-se o nome de síndromes paraneoplásica.

Apesar da sua relativa infrequência, as síndromes paraneoplásica são importantes de ser reconhecidas
por diversas razões:

 Podem ser a primeira manifestação de um tumor oculto


 Nos pacientes afetados podem causar problemas clínicos severos, podendo mesmo chegar a
ser letais

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 Podem imitar a doença metastática e assim confundir o tratamento.

De seguida apresentam-se algumas das síndromes mais comuns e interessantes:

 Endocrinopatias – os cancros responsáveis não são de origem endócrina e a atividade secretora


de tais tumores é referida como sendo uma produção hormonal ectópica.
- a endocrinopatia mais comum é a síndrome de Cushing: cerca de 50% dos
indivíduos com esta síndrome apresentam carcinoma do pulmão, principalmente o do tipo de cé-
lulas pequenas. É causada por uma excessiva produção de corticotrofina e péptidos do tipo corti-
cotrofina. Os pacientes com carcinoma do pulmão apresentam níveis aumentados não só da hor-
mona em causa mas também do seu percursor (pro-opiomelanocortina), o que não acontece nos
casos em que a hormona em excesso é produzida pela pituitária.
 Hipercalcémia – é, provavelmente, a síndrome paraneoplásica mais comum. Aliás, está mais re-
lacionada com a existência de uma neoplasia maligna do que propriamente com hiperparatiroi-
dismo.
 Neuropáticas – acontecem sobre diversas formas tais como neuropatias periféricas, degeneração
cortical cerebelar, polimiopatia, que se assemelha a polimiosite, e síndrome miasténica, que se
assemelha a miastenia gravis 7. Os mecanismos que levam a isto ainda não são muito explícitos
mas pensa-se que estejam relacionados com o facto de os anticorpos supostamente dirigidos às
células tumorais também atacarem as células nervosas; é possível que algumas neoplasias ma-
lignas expressem antigénios neurais.
 Osteoartropatia hipertrófica – é encontrada em 1-10% dos pacientes com carcinoma do pulmão,
sendo raras outras formas de cancro estarem envolvidas. Esta desordem é caracterizada por (1)
formação de periósteo de osso recente, principalmente nas extremidades distais dos ossos longos,
metatarsos, metacarpos e falanges proximais; (2) artrite das articulações adjacentes; (3) dedos
em baquetas de tambor (??). Apesar de a osteopatia raramente ser encontrada em pacientes sem
neoplasias malignas, os dedos em baquetas de tambor são frequentes em indivíduos com doença
hepática, doença pulmonar difusa, doença cardíaca cianótica congénita, colite ulcerosa, etc.
 Alterações vasculares e hematológicas:
o Trombose
o Trombofebite migratória (síndrome de Trousseau)
o Coagulação intravascular disseminada
- são mais frequentemente encontradas em pacientes
com leucemia promielocítica aguda e adenocarcinoma prostático.
 Febre
 Virilização
 Feminização

7 Miastenia gravis - doença neuromuscular que causa fraqueza e fadiga anormalmente rápida dos mús-
culos voluntários. A fraqueza é causada por um defeito na transmissão dos impulsos dos nervos para os
músculos. A doença raramente é fatal, mas pode ameaçar a vida quando atinge os músculos da deglutição e
da respiração. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Miastenia_grave).

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 Hiponatrémia
 Hipoglicémia

Além das síndromes paraneoplásica, também é frequente as neoplasias malignas resultarem em síndrome
carcinoide (flushing, asma e diarreia), policitémia, trombocitose e anemia hemolítica autoimune.

CAUSAS DE MORTE POR NEOPLASIA


As principais causas de morte são sobretudo infeções, nomeadamente pneumonia e sepsis:

 Pneumonia – é a causa mais frequente de morte em pacientes com cancro. Pode dever-se a neutro-
pénia (invasão da medula óssea por células neoplásicas), imunossupressão não específica, obstru-
ção das vias aéreas (derrame pleural, acamado), atelectasias por dificuldade em tossir, acumulação
de secreções com colapso alveolar e infeções, aspiração de alimentos e de vómito ou narcóticos que
suprimam o estímulo respiratório.
 Sepsis – a origem da infeção não é facilmente identificável, sendo provável que seja o pulmão, a bexiga
ou o tumor necrosado.

Outras causas de morte por neoplasia são as seguintes:

o Hemorragia – cérebro, intestino, etc., sendo comum em pacientes com trombocitopénia (por inva-
são da medula óssea);
o Tromboembolismos pulmonar – acontecendo em acamados e em pacientes ambulatórios;
o Falência renal – por infiltração tumoral ou obstrução uretral
o Síndromes paraneoplásicas
o Doença iatrogénica – esperável em doentes que foram submetidos a cirurgia, radioterapia e qui-
mioterapia, mesmo tendo sido curados.
o Suicídio e eutanásia
o Outras, tais como falência de órgão como o fígado, tamponamento cardíaco, etc.

Pode ainda acontecer síndrome da lise tumoral que se caracteriza pela morte celular em massa e que
pode causar a morte dos pacientes uma vez que causa hipercalcémia (com consequente paragem cardíaca),
hiperfosfatémia, hiperuricemia (com consequente falência renal crónica) e hipocalcémia.

REGRESSÃO ESPONTÂNEA
Acontece num em cada 140.000 casos, sendo bastante comum nos hemangiomas pediátricos, que acon-
tecem em cerca de 2,6% dos recém-nascidos, têm início às 2-4 semanas de vida, o seu mecanismo fisiopa-
tológico é desconhecido e regride em cerca de 80-90% dos casos, pelo que o mais habitual é não se fazer
qualquer procedimento à criança que manifesta tal altera-
ção, na esperança de que o tumor regrida por si; só se até
determinada idade tal não acontecer é que se procede à re-
moção cirúrgica.

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Há ainda outros tumores relativamente aos quais já se registaram casos de regressão espontânea; porém,
é muito raro! Eis alguns exemplos:

 Carcinoma das células renais (tumor de Grawitz)


 Neuroblastoma
 Melanoma maligno – num estudo efetuado com 5000 casos, 2,2 em cada 1000 apresentaram
regressão total do tumor primário.
 Coriocarcinoma
 Hepatocarcinoma
 Carcinoma da bexiga

PROGNÓSTICO
Para a realização de um prognóstico, devemos ter primeiro as seguintes informações:

 Diagnóstico, que nos é conferido pelo tipo histológico e pelo grau de diferenciação das células que
constituem o tumor.
 Estadiamento, ao qual chegamos através do uso de marcadores de prognóstico
 Lesão e condição pré-maligna.

Graduação e estadiamento dos tumores


São necessários métodos que quantifiquem a provável agressividade clínica de determinado tumor e a
sua aparente extensão e amplitude no paciente de forma a ser possível realizar um prognóstico e para ser
possível a comparação de resultados de vários protocolos de tratamentos. Por exemplo, os resultados dos
tratamentos de adenocarcinomas bem diferenciados localizados na tiroideia serão diferentes daqueles obti-
dos por tratamento de uma neoplasia maligna da tiroideia muito anaplásica e que já tenha invadido outros
órgãos do pescoço. Desta forma, desenvolveram-se sistemas que expressam, pelo menos em termos semi-
quantitativos, os níveis de diferenciação (graduação) e a extensão da neoplasia maligna no paciente (ou
estadio) como parâmetros clínicos da gravidade da doença.

Graduação/ Diferenciação
A graduação de uma neoplasia maligna é realizada com base no grau de diferenciação das suas células
e, nalguns casos, no número de mitoses ou em características arquiteturais. Os esquemas de graduação têm
evoluído para cada tipo de malignidade e, geralmente, variam estre 2 a 4 categorias. Os critérios para cada
grau específico variam conforme o tipo de tumor mas todos acabam por tentar avaliar a extensão de igualdade
ou não entre as células que os constituem e aquelas das quais elas provieram. Apesar de a graduação histo-
lógica ser útil, a correlação entre a aparência histológica e o comportamento biológico é tudo menos perfeita.
Assim, e para evitar mal entendimentos, costuma-se caracterizar um tumor particular por termos descritivos,
por exemplo “bem diferenciado”, “adenocarcinoma do estômago secretor de mucina” ou “adenocarcinoma
pancreático pouco diferenciado”. Há ainda neoplasias que têm direito a uma forma de classificação da dife-
renciação própria:

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 Adenocarcinoma do cólon e reto – diz-se que é bem, médio (moderado) e pouco diferenciado
 Adenocarcinoma do endométrio – distinguem-se os graus 1, 2 e 3 conforme as áreas sólidas
quando comparadas com as áreas glandulares, sendo que grau 1 significa <5% de áreas sólidas,
grau 2 significa entre 5-50% de áreas sólidas e grau 3 representa > 50% de áreas sólidas.
 Adenocarcinoma da próstata – apresenta um sistema de classificação completamente diferente, o
sistema de Gleason. Este sistema baseia-se em padrões arquiteturais da neoplasia. Uma vez que
uma neoplasia apresenta vários padrões, definimos o seu score final como sendo a soma dos dois
padrões mais frequentes; Ex: 3+4=7 → o padrão mais frequente é o do tipo 3 e o segundo mais
frequente é o 4 (ATENÇÃO! Não devemos confundir 3+4=7 com 4+3=7, uma vez que o primeiro
número da soma representa o padrão mais frequente; assim, significa que o segundo exemplo
dado é mais grave que o primeiro).

Estadiamento
O estadiamento de neoplasias malignas sólidas é baseado no tamanho da lesão primária, na extensão de
afeção de nodos linfáticos regionais e a presença ou ausência de metástases
provenientes da corrente sanguínea. Esta avalia-
ção é feita com base na história e exame físicos,
estudo analítico (bioquímico, hormonal, etc.), es-
tudo imagiológico e, acima de tudo, estudo aná-
tomo-patológico.

O sistema de estadiamento utilizado atualmente é o American Join Committee


on Cancer Staging. Este sistema usa a classificação denominada “sistema TNM”
→ T para “tumor primário” (no caso de órgão compactos, avaliamos o tamanho do
tumor; caso estejamos a falar de órgão ocos, avaliamos antes o nível de invasão),
N para “envolvimento de nodos linfáticos regionais” e M para “metástases”. O es-
tadiamento TNM varia conforme o tipo de neoplasia maligna, mas há alguns prin-
cípios gerais: a lesão primária pode ser classificada de T1 a T4, conforme o seu
tamanho (utilizados o termo “T0” para nos referirmos a uma lesão in situ); relati-
vamente ao envolvimento dos nodos linfáticos, podemos classificar de N0 (sem
envolvimento) a N3 (que significaria o envolvimento de um grande número e a grande alcance de nodos
linfáticos); finalmente, quanto às metástases, podemos classificar de M0 (sem metástases à distância) a M1,
possivelmente até M2 (presença de metástases e possível juízo do número de metástases).

Diagnóstico laboratorial da Neoplasia Maligna


A cada ano que passa as técnicas laboratoriais de diagnóstico de neoplasias malignas tornam-se mais
complexas, mais sofisticadas e mais especializadas. Para cada neoplasia existe uma lista de características
descritas e com isso várias subcategorias de neoplasias.

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Métodos histológicos e citológicos
O diagnóstico laboratorial de uma neoplasia, entre as suas duas extremidades (maligna ou benigna) não
é, normalmente, difícil. Porém, no meio existem muitas variantes que é importante identificar. Para tal, os
papéis do cirurgião e do anatomopatologista são de extrema importância.

Os dados clínicos são essenciais para um correto diagnóstico, mas os clínicos muitas vezes subestimam
o seu valor. As alterações provocadas por radiação na pele ou nas mucosas podem ser similares àquelas
associadas a uma neoplasia maligna. Secções retiradas de uma fratura em processo de cura podem-se as-
semelhar a um osteossarcoma. Além disso, a avaliação laboratorial da lesão só pode ser tão boa quanto a
amostra providenciada para análise. Deve ser adequada, representativa e devidamente preservada. Há vários
tipos de amostras: (1) excisão ou biópsia; (2) aspiração por agulha; (3) esfregaços citológicos. Quando a
excisão de uma pequena lesão não é possível, a decisão do melhor local para retirar uma boa é crucial e
requer o conhecimento de que a periferia pode não ser representativa e o centro muito necrosado. A preser-
vação da amostra requer imersão quase imediata de pelo menos uma parte num fixador (normalmente uma
solução de formol) e, dependendo do diagnóstico diferencial, o rápido aproveitamento do tecido para outros
estudos tais como citogenéticos, citometria ou diagnóstico molecular. Por vezes é necessário congelar rapi-
damente parte da amostra, por exemplo, para determinar a natureza da lesão, avaliar as margens de excisão
da neoplasia maligna ou para tomar decisões relativamente a outros estudos para além da histologia. Este
tipo de exame permite uma análise histológica em apenas alguns minutos e, quando efetuada por alguém
experiente, o diagnóstico pode ser bastante preciso. Porém, há casos em que é preferível uma análise histo-
lógica mais detalhada e para a qual são necessários processos mais demorados.

 Aspiração por agulha fina


É algo também muito utilizado. O procedimento envolve a aspiração de células e fluido envolvente com
uma agulha de pequeno calibre, seguida de examinação citológica do esfregaço corado. Este método é mais
comummente usado em lesões prontamente palpáveis tais como as da mama, da tiroide ou de nodos linfáti-
cos. Técnicas de imagiologia modernas permitem a extensão deste método a lesões não tão superficiais, tais
como nodos linfáticos pélvicos e pâncreas. A aspiração por agulha fina é menos invasiva e mais rápida do
que uma biópsia. Apesar de possuir os seus reveses, tais como as amostras serem de reduzidas dimensões
e ser possível haver erros nas amostras, em mãos experientes é um método de confiança, rápido e útil.

 Esfregaço citológico
Providencia uma outra forma de deteção de neoplasias malignas. Este método é muito utilizado no rastreio
do carcinoma do colo do útero, muitas vezes no estadio in situ, sendo também usado na deteção de muitas
outras formas de malignidade nas quais as células são de fácil acesso, tais como o carcinoma endometrial,
carcinoma do pulmão, tumores da bexiga e da próstata, e carcinomas gástricos.

Como já sabemos, as células cancerígenas aderem menos à MEC e exigem um conjunto de alterações
morfológicas englobadas no termo “anaplasia”. Assim, camadas de células podem ser avaliadas pelas carac-
terísticas de anaplasia indicativas da sua origem em tumores. Nestes casos, o julgamento deve ser feito com

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base nas características das células individualmente ou, no máximo, em agregados celulares, sem a evidência
de que elas perderam a sua orientação em relação umas às outras e, mais importante, sem a evidência de
invasão.

Desta forma, este método permite a distinção entre células normais, displásicas e malignas e, além disso,
o reconhecimento de alterações celulares características de carcinomas in situ.

Figura 7-47 e 7-48, pág. 333 do livro


Esfregaço citológico. A. Esfregaço citológico ao cérvix uterino normal, evidenciando células escamosas espalmadas e grupos de
células metaplásicas. Entre elas vemos neutrófilos. Não se vê qualquer célula maligna. B. Esfregaço citológico cervicovaginal
anormal evidenciando numerosas células malignas com núcleos pleomórficos e hipercromáticos. Entre elas observamos neutró-
filos polimorfonucleares normais.

Apesar de tanto a histologia como a citologia continuarem a ser as bases do diagnóstico de neoplasias
malignas, ambas as técnicas têm os seus limites. Por exemplo, pode ser difícil determinar a natureza de um
tumor mal diferenciado de qualquer tipo, e alguns tipos de tumores são claramente difíceis de distinguir se
nos basearmos apenas na aparência morfológica (Ex: vários tipos de leucemias agudas e linfomas). Estas
limitações levaram ao cada vez maior uso de técnicas de imunohistoquímica e citometria de fluxo, que podem
ser usadas para fazer os diferentes diagnósticos acima referidos. Outra técnica de diagnóstico em expansão
é o diagnóstico molecular, que tem vindo a ser usada cada vez mais na identificação de cancros que são
submissos a tratamentos denominados “targeted therapies”, fármacos que são formulados para atuar direta-
mente sobre oncoproteínas mutadas.

Imunohistoquímica
A disponibilidade de anticorpos específicos tem facilitado muito a identificação de produtos celulares ou
de marcadores de superfície. Eis alguns exemplos:

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 Categorização de neoplasias malignas desdiferenciadas
Muitas vezes, os tumores malignos de diversas origens assemelham-se uns aos outros uma vez que estão
pouco diferenciados. Estes tumores são muitas vezes difíceis de distinguir na análise normal com coloração
H&E. Por exemplo, muitos carcinomas anaplásicos, linfomas, melanomas e sarcomas podem parecer simila-
res; porém, devem ser distinguidos pois o seu
tratamento e prognóstico são completamente di-
ferentes. Os anticorpos específicos para deter-
minados filamentos intermédios têm-se provado
bastante valiosos nesse aspeto, uma vez que os
tumores sólidos contêm, muitas vezes, os fila-
mentos intermédios característicos dos tecidos
que lhes deram origem. Por exemplo, a pre-
sença de citoqueratina, detetada por imunohis-
toquímica, aponta para uma origem epitelial (ou

Figura 7-49, pág. 334 do livro seja, carcinoma), enquanto a desmina é especí-
Coloração com peroxidase anticitoqueratina de um tumor de ori- fica para células de origem muscular. Outro mar-
gem epitelial (carcinoma)
cador imunohistoquímico útil inclui as proteínas
membros de linhagens específicas (Ex: CD20, um marcador para células B tumorais) e fatores de transcrição.

 Determinantes do local de origem de uma metástase


Muitos pacientes com neoplasias malignas apresentam metástases. Em alguns, o local primário é óbvio
ou rapidamente detetável com simples exames clínicos ou radiológicos. Porém, nos casos em que a origem
do tumor é desconhecida, a deteção por imunohistoquímica de antigénios específicos de um órgão ou tecido
numa biópsia de um depósito metastático pode-nos conduzir à origem do tumor. Por exemplo, antigénios
específicos da próstata (PAS) e tiroglobulina são marcadores de carcinomas da próstata e da tiroide, respeti-
vamente.

 Deteção de moléculas com significado prognóstico ou terapêutico


A deteção imunohistoquímica de recetores hormonais (estrogénio / progesterona) nas células de uma ne-
oplasia maligna da mama é valiosa terapêutica e prognosticamente, uma vez que estes cancros são suscetí-
veis a terapêuticas hormonais. Regra geral, as neoplasias malignas recetor-positivas têm um melhor prog-
nóstico do que aquelas que são recetor-negativas. As proteínas codificadas por oncogenes tais como o
ERBB2 nas neoplasias malignas da mama também podem ser detetadas por imuno. Os tumores que marcam
muito para essas proteínas (como é o caso da HER2), normalmente têm um pior diagnóstico, mas são pas-
síveis de ser tratadas com terapias com anticorpos que bloqueiam a atividade de tais recetores proteicos.
Uma vez que a sobre-expressão de HER2 é causada pela amplificação do gene ERBB2, por vezes também
a hibridação in situ florescente (FISH) pode ser usada como adjuvante da imunohistoquímica para confirmar
a amplificação do referido gene. Da mesma forma, o marcado ALK pode ser utilizado para a identificação de
neoplasias malignas do pulmão e linfomas que expressem constitutivamente a proteína de fusão ALK.

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Citometria de fluxo
A citometria e fluxo pode rápida e quantitativamente medir as características das células de um indivíduo;
porém, é especialmente usada na identifica-
ção de antigénios celulares expressos por tu-
mores “líquidos”, aqueles que provém de te-
cidos “formadores de sangue”. Estes incluem
os linfomas e as leucemias de células B e T,
assim como tumores mieloides.

Um dos avanços desta técnica em relação


à IH é o facto de aqui se poder avaliar múlti-
plos antigénios simultaneamente em células
individuais usando-se uma combinação de
anticorpos específicos ligados a diferentes
tintas florescentes.

Células tumorais circulantes


Têm vindo a ser experimentados instrumentos que permitem a deteção, quantificação e caracterização de
células raras de tumores sólidos (Ex: carcinoma, melanoma) em circulação no sangue, como forma de diag-
nóstico. Alguns dos últimos aparelhos baseavam-se no fluxo tridimensional de células revestidas com anti-
corpos específicos de células tumorais de interesse (Ex: células de carcinoma) que capturavam eficiente-
mente células tumorais raras presentes no sangue. Tais métodos ainda não conseguiram passar da investi-
gação clínica mas parecem ter potencial para permitir um diagnóstico mais cedo, diminuindo assim o risco de
metástases e providenciando um método minimamente invasivo de aceder às células tumorais para terapia.

Diagnóstico molecular e citogenético


Foram formuladas, até agora, muitas técnicas citogenéticas e moleculares que têm vindo a ser usadas no
diagnóstico e, em alguns casos, na previsão do comportamento de um tumor.

 Diagnóstico de neoplasias malignas


Apesar de os métodos moleculares não serem a modalidade primária utilizada no diagnóstico de uma
neoplasia maligna, eles são de um valor considerável em casos selecionados.

Tumores de células B e T são derivados de células únicas com rearranjos genéticos de recetores para
antigénios únicos, enquanto uma proliferação reativa linfoide contém muitos clones de linfócitos, cada um
com um arranjo de genes para recetores de antigénios diferentes. Por este motivo, a avaliação baseada em
PCR dos diferentes arranjos dos genes que codificam para os recetores de antigénios ou imunoglobulinas
das células T permite a distinção entre proliferações monoclonais (neoplásicas) ou policlonais (reativas). Mui-
tas neoplasias hematopoiéticas (leucemias e linfomas) estão associadas a translocações específicas que

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ativam oncogenes. A deteção de tais translocações, normalmente análise citogenética de rotina ou por FISH
é normalmente muito útil no diagnóstico.

O diagnóstico de sarcomas com translocações características é também auxiliado por técnicas molecula-
res, em parte devido à dificuldade de obtenção de preparações cromossómicas a partir de tumores sólidos.
Por exemplo, muitos sarcomas pediátricos podem ser muito difíceis de distinguir uns dos outros. Porém, a
presença da translocação (11;22) (q24;q12), descoberta por técnicas de PCR, num deles permite dizer que
esse é um sarcoma de Ewing.

 Prognóstico de neoplasias malignas


Certas alterações genéticas estão associadas a um mau prognóstico, pelo que a sua deteção permite a
estratificação (ordenação?) dos pacientes para terapia. Por exemplo, a amplificação do gene NMYC e dele-
ções 1p são maus presságios para pacientes com neuroblastomas; os oligodendrogliomas nos quais a única
anormalidade genética é a perda de 1p e de 19q costumam responder bem a terapias e estão, por isso,
associados a grandes taxas de sobrevivência, quando comparados com tumores que mantiveram intactos os
segmentos 1p e 19q mas que apresentam amplificação do gene que codifica para o recetor EGF.

 Deteção de doenças residuais mínimas


Depois do tratamento de pacientes com leucemias e linfomas, a presença de doenças mínimas ou de uma
recidiva podem ser monitorizadas por amplificação baseada em PCR de sequências de bases de nucleótidos
únicas naquele clone maligno. Por exemplo, a deteção de transcrições BCR-ABL por PCR dá-nos uma medida
das células residuais da leucemia no tratamento de pacientes com LMC.

Saber a doença residual mínima é importante para o diagnóstico.

 Diagnóstico da predisposição genética para o cancro


Como já sabemos, mutações na linha germinativa em muitos genes supressores de tumores, incluindo
BRCA1 e BRCA2, e no proto-oncogene RET estão associados ao maior risco de desenvolvimento de neo-
plasias malignas específicas. Assim, a deteção de alelos mutados pode permitir ao paciente e ao clínico tomar
decisões importantes relativamente a cirurgias profiláticas e aconselhar parentes que também podem estar
em risco. Tal análise normalmente requer a deteção de uma mutação específica ou a sequenciação de todo
o gene. A última é necessária quando se conhecem várias mutações associadas. Apesar de a deteção de
mutações em tais casos ser algo direta, existem ainda alguns problemas éticos que rodeiam o diagnóstico
pré-sintomático.

 Terapia guia com fármacos dirigidos a oncoproteínas


O número de agentes quimioterapeuticos específicos para uma oncoproteína que está presente num sub-
tipo de neoplasia é cada vez maior. Assim, a identificação molecular de lesões genéticas que produzam essas
oncoproteínas é essencial para que seja dado o melhor tratamento possível a esse paciente. Um exemplo de

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uma lesão genética que guia uma terapia e que é frequentemente pesquisada num diagnóstico molecular é a
fusão de genes PML-RARA na leucemia promielocítica aguda; a o gene de fusão BCR-ABL na leucemia
mieloide crónica e na leucemia linfoblásticas aguda é outro exemplo; outro ainda é a mutação ERBB1 (EGFR)
e o rearranjo do gene ALK na neoplasia maligna do pulmão; finalmente, há ainda a mutação BRAF no mela-
noma.

Marcadores tumorais
Os ensaios bioquímicos para enzimas associadas a tumores, hormonas e outros marcadores tumorais no
sangue não podem ser usados no diagnóstico definitivo de cancros. Porém, eles contribuem para a sua de-
teção e em alguns casos são úteis na determinação da eficácia de uma terapia ou na ocorrência de uma
recidiva.

São determinados por ano imensos marcadores tumorais, embora apenas alguns deles se mantenham e
provem ser úteis clinicamente:

 Níveis séricos de PSA (antigénio específico da próstata) aumentados são um marcador para o
adenocarcinoma da próstata, frequentemente usado na prática clínica. Porém, o uso deste mar-
específicas
Proteínas

cador traz problemas tal como a maior parte dos marcadores; por exemplo, os níveis de PSA
podem estar aumentados não só devido à presença de um carcinoma prostático mas também
quando há hiperplasia benigna da próstata, o que revela a baixa especificidade e a baixa sensibi-
lidade deste teste.
 Imunoglobulinas, produzidas por múltiplos mielomas e em certos tumores secretores de células
existem no período fetal,
Antigénios onco-fe-

mas certos tumores são


tais – normalmente só

capazes de os produzir

plasmáticas.
 Antigénio carcinoembrionário (CEA), elaborado por carcinomas do cólon, pâncreas, estômago
e mama.
 Fetoproteína-𝜶 (que durante o período embrionário é produzida pelo saco vitelino), depois do
nascimento poderá ser produzida por elaborada por carcinomas hepatocelulares, remanescentes
do saco vitelino nas gónadas e ocasionalmente por teratocarcinoma e carcinomas de células em-
briónicas.
 Tiroglobulina
Hormonas

 Calcitonina
 Catecolaminas
 𝜷HCG (hormona coriónica humana 𝛽), produzida por tumores testiculares.
 CA-125, produzida por tumores ováricos
Mucinas

 CA 19-9
 CA 15-3

O problema no uso de biomarcadores está na sua falta de especificidade e falta de sensibilidade; porém,
são uteis na deteção de recidivas após excisão. Quando a excisão é bem-sucedida, estes biomarcadores
desaparecem (ou, como acontece no caso do PSA, diminuem) do sangue; o reaparecimento ou a persistência
dos mesmos quase sempre significa uma recidiva.

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Atualmente, a pesquisa de marcadores nos fluidos corporais também se tem centrado muito na análise de
DNA que tenha saído de células tumorais mortas. Algumas das poções deste DNA livre que têm vindo a ser
avaliadas como biomarcadores incluem as sequências TP53, RAS e APC nas fezes de indivíduos com carci-
noma do cólon; mutações em TP53 e genes hipermetilados no sangue de pessoas com neoplasia maligna do
pulmão e na saliva de pessoas com cancros da cabeça e do pescoço; mutações de TP53 na urina de pessoas
com neoplasia maligna da bexiga.

MARCADORES TUMORAIS TIPOS DE TUMORES


Hormonas
Tumores trofoblásticos, tumores testiculares não-
HCG
seminomatosos
Calcitonina Carcinoma medular da tiroide
Catecolaminas e metabolitos Feocromocitoma e tumores relacionados
Hormonas ectópicas …
Antigénios oncofetais
Neoplasia maligna do fígado, tumores testiculares
Fetoproteína-𝛼
não-seminomatosos
Carcinomas do cólon, pâncreas, pulmão, estômago
Antigénio carcinoembrionário
e coração
Isoenzimas
Fosfatase ácida prostática Cancro da próstata
Neoplasia pulmonar de células pequenas, neu-
Enolase não específica
roblastomas
Proteínas específicas
Imunoglobolinas Mieloma múltiplo e outras gamopatias
Antigénio específico da próstata e antigénio de
Cancro prostático
membrana específico da próstata
Mucinas e outras glicoproteínas
CA 125 Cancro do ovário
CA 19-9 Cancro do cólon e cancro pancreático
CA 15-3 Cancro da mama
Marcadores de DNA livre das células
Mutações em TP53, APC, RAS nas fezes e no san-
Cancro do cólon
gue
Mutações em TP53, RAS nas fezes e no sangue Cancro pancreático
Mutações em TP53, RAS na expetoração e no san-
Cancro do pulmão
gue
Mutação em TP53 na urina Cancro da bexiga

LESÃO E CONDIÇÃO PRÉ-MALIGNAS


Devemos distinguir lesão de condição pré-malignas!

Condição pré-maligna refere-se a uma doença que condiciona risco aumentado de vir a desenvolver uma
neoplasia maligna; ou seja, é um antecedente ou percursor temporal de neoplasia maligna. Esta condição
pode ser hereditária (Ex: PAF, polipose adenomatosa familiar por alteração do gene APC, HNPCC ou sín-
drome de Lynch, MEN ou neoplasia endócrina múltipla) ou não hereditária (Ex: hiperplasia do endométrio,
colite ulcerosa, metaplasia pavimentosa do brônquio, metaplasia de Barrett, cirrose hepática e gastrite atró-
fica).

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Por seu lado, a lesão pré-maligna refere-se a uma lesão ou alteração histológica que antecede o desen-
volvimento de uma neoplasia maligna (= displasia → é um termo prático usado para nos referirmos a altera-
ções celulares muito irregulares que ultrapassam a hiperplasia mas ainda não são suficientes para serem
chamadas neoplasia; nos epitélios há um grau de displasia que se mistura com o carcinoma in situ); ou seja,
é o antecedente local ou percursor lesional de malignidade.

Desta forma, conseguimos concluir várias coisas:

 A condição pré-maligna antecede a lesão pré-maligna e esta antecede a neoplasia invasiva;


 O reconhecimento de condições pré-malignas permite identificar indivíduos com suscetibilidade
para o desenvolvimento de neoplasias; por seu lado, a identificação de uma lesão pré-maligna
permite o diagnóstico e o tratamento precoce de uma neoplasia.

Esófago de Barrett
O esófago de Barrett é uma complicação da doença do refluxo gastro-esofágico (GERD) que é caracteri-
zada pela metaplasia intestinal da mucosa escamosa do esófago. A sequenciação desta lesão permitiu iden-
tificar mutações que são partilhadas com o adenocarcinoma esofágico, o que sustenta a ideia de que o esó-
fago de Barrett é uma lesão percursora de uma neoplasia maligna. As mutações potencialmente oncogénicas
são mais comuns nas pessoas que apresentam displasia, o que é encontrado em 0.2-2% dos indivíduos com
esófago de Barrett. A presença de displasia, uma
alteração pré-invasiva, está associada ao pro-
longar dos sintomas, afeção de um maior seg-
mento de esófago, aumento da idade do paci-
ente e raça caucasiana. Apesar de a maior parte
dos adenocarcinomas esofágicos estarem asso-
ciados a esófago de Barrett, é importante relem-
brar que a maior parte dos pacientes com esó-
fago de Barrett não desenvolvem tumores esofá-
gicos.

Morfologia
O esófago de Barrett pode ser reconhecido
pelas múltiplas extensões avermelhadas e ave-
ludadas que se estendem superiormente na jun-
ção GE. Esta mucosa metaplásica alterna entre
uma mucosa escamosa pálida e suave (esofá-
gica) e uma mucosa colunar acastanhada (gás-
Figura 17-7, pág. 757 do livro trica), distalmente.
Esófago de Barrett. A. Junção gastro-esofágica normal. B. Esófago de Barrett.
De notar as pequenas ilhas de mucosa escamosa pálida. C. Aparência histo-
lógica da junção GE no esófago de Barrett. De notar a transição entre a mu-
cosa escamosa esofágica (esquerda) e a metaplasia de Barrett, com abun-
dantes células caliciformes metaplásicas (direita).

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FCM
Microscopicamente, a metaplasia do tipo intestinal é caracterizada pela substituição do epitélio escamoso
esofágico com células caliciformes (que são essenciais para o diagnóstico desta patologia). Podem ainda
estar presentes células colunares não caliciformes, tais como as células foveolares do tipo gástricas.
Quando a displasia está presente, pode ser classificada como sendo de alto ou de baixo grau. Mitoses
atípicas, hipercromasia nuclear, grumos de cromatina irregulares, aumento da razão núcleo-citoplasma e falta
de maturação das células epiteliais estão presentes em ambos os graus de displasia. Porém, a displasia de
alto grau exibe mais alterações citológicas e arquiteturais. Com a progressão, as células epiteliais podem
invadir a lâmina própria característica essa que define um carcinoma intramucoso.

Colite ulcerosa
A doença inflamatória do intestino é uma condição crónica que resulta de uma reação imunológica inapro-
priada na mucosa intestinal. Esta definição compreende duas patologias: a Colite Ulcerosa e a Doença de
Crohn. A primeira limita-se ao cólon e ao reto e estende-se apenas até à submucosa. Por seu lado, a doença
de Crohn, que é referida muitas vezes como enterite regional, por envolver muitas vezes o íleo, pode envolver
outras áreas do trato GI e é tipicamente transmural.

Relativamente à colite ulcerosa, sabemos que é um processo inflamatório recorrente, de etiopatogenia


desconhecida, limitado ao cólon e reto com manifestações extraintestinais.
Macroscopicamente, a mucosa cólica pode estar ligeira-
mente avermelhada e granular ou apresentar extensas úlceras,
podendo haver uma transição abrupta entre a porção inflamada
e a porção não envolvida do cólon. No meio das referidas úlce-
ras é frequente encontrar-se ilhas de mucosa em regeneração
que por isso se assemelham a pólipos, pelo que se lhes dá o
nome de “pseudopólipos”.

A doença crónica pode conduzir a atrofia da mucosa com


uma mucosa achatada e suave e com ausência das normais
pregas; porém, não há qualquer espessamento mural, a super-
fície serosa está normal e não há formação de estenoses, ao
contrário do que acontece na doença de Crohn. A inflamação e
os mediadores inflamatórios podem lesar a muscular própria da
mucosa e alterar a função neuromuscular, conduzindo a uma dilatação do cólon e a um megacólon tóxico, o
que vem com um grande risco de perfuração.
Nestas patologias as sucessivas inflamações, a agressão e a reparação são uma constante; com isto, há
um elevado estímulo para a proliferação celular, o que promove a ocorrência de erros nas cópias de DNA e,
assim, futuro aparecimento de neoplasia maligna. Desta forma, na colite ulcerosa há um risco de desenvolvi-
mento de carcinoma. Este risco pode estar relacionado com a duração da doença (Ex: para <10 anos o risco
é inferior a 1%, mas para mais de 30 o risco já se encontra entre os 5-20%) ou com a extensão da doença.

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