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Deleuze

Contextualização
Gilles Deleuze (1925-1995)

Ideia central
A sequência de apresentação das formas para a imagem-ação (grande e pequena)
permitem compreender a dissolução do cinema baseado no esquema sensório-motor, a
elaboração da imagem-mental e a condução do cinema à imagem-tempo. Cada uma dessas
fissuras na imagem-movimento depende de outros tipos de imagens (percepção, afecção e
pulsão). Porém, durante o instante em que a imagem-ação se encontra em plena potência,
permite descrever como certos diretores que a usam com toda a sua intensidade: Ford e o
faroeste consiste em exemplos essenciais desse movimento, no qual o englobante bem
definido oferece coerência à narrativa – coerência que esse cinema não terá mais em
nenhuma outra circunstância.

Quadro e plano
A definição de quadro indica a problemática central. Importa não compreender qualquer
sentido de uma imagem. O quadro contém uma dimensão informacional.
Em tal quadro, corpos possuem potências. Conectam-se mediante o “fio”, oferecendo
mais espaço ao espaço. O cinema se desdobra como um corpo que cresce.
A narrativa surge desse movimento, mas sua natureza se revela contingencial. A
despeito da sensação de história que se conta, o que ocorre é o desenvolvimento da
imagem-movimento e dos signos desse movimento.

Orgânica – dialética – intensiva – expressiva


Entre as quatro escolas de montagem, importante para a imagem-ação vai ser aquela que
descende de Griffith. A montagem orgânica se estabelece devido à presença de uma
dualidade em contraponto.
Comentário

Imagens: percepção – afecção – pulsão – ação – mental


Remetem à primeiridade (afecção) e à terceiridade (mental). Cada uma à sua maneira,
referem-se à imagem-movimento, maspossuem a capacidade de conduzir para além
dela.

Grande forma
O synsigno se refere à relação com o orgânico. Essa representação orgânica se define pelo
movimento de expansão e dilatação de uma respiração. Consiste na atualização de
qualidades-potências em um espaço-tempo determinado a fim de constituir a situação. O
binômio se refere ao ativo-funcional. Consiste em forças em oposição.
Cinco leis: 1) imagem-ação como “representação orgânica do conjunto”; 2) a lei de passagem da situação à ação; 3) a montagem
interditada; 4) o binômio como polinômio; 5) o hiato entre a situação e a ação que “existe apenas para ser preenchido”. Em cada uma
delas, a necessidade de inserção nesse espaço concreto.

1. O englobante se estabelece e, ao mesmo tempo, se divide. Isso permite o crescimento e expansão mediante tal respiração. 2. A
situação inicial se desdobra para a situação final, e, entre ambas, surge, na ação, o espaço para inserção do herói, como uma posição pré-
determinada. 3. A ação dispõe da autonomia para transcorrer sem a necessidade de coordenações mediante a montagem, fechando-se em
si mesmo. 4. O binômio consiste em polinômios, no qual ocorrem diversos duelos. Entre eles, o duelo fora do filme, do diretor com seu
entorno. Mas isso precisa estar inscrito na imagem, como a representação realista que cessa no instante final de M. 5. O hiato indica a
preparação do herói, com o auxílio do povo. Em potência, o herói consiste no englobante, mas isso se realiza mediante um povo, que,
todavia, já se encontra dado.

Mais importante: em seu caso mais límpido, a imagem-ação conduz de uma situação à
outra mediante o desdobramento do American Dream.
Desde Griffith, a montagem orgânica reconstrói o Nascimento de uma Nação. Através de uma estrutura que depende do englobante,
trata-se o futuro como se já fosse dado. Esse território corresponde ao grande país, menor apenas que o céu. A nação é o território do
consenso. Essa história monumental vai operar devido ao tratamento do englobante como dado “físico e humano": o agregado de
minorias, a liderança capaz de se levantar contra qualquer situação. Qualquer equívoco pode ser corrigido mediante o sonho, desde que
ele conduza ao desenvolvimento de uma ordem que nunca foi rompida.

O extremo está em Kazan. Aqui, o englobante que o imigrante coloca em sua própria missão, chegar a América de Anatólia, revela-se
pessoal, e consiste tão somente em um sonho, no qual se crê como em uma fantasia. Extrema contradição, pois o American Dream
sonhava com a expectativa de que o sonho pudesse se realizar como o englobante de todo um povo. A realidade se constituiria mediante
o American Dream, excluindo a “delação” e a “traição”. Fora sempre obrigatório legitimar a “cobiça” com a legitimação do sonho. Mas,
agora, ele é tão somente pessoal.

Pequena forma
Depende de ambiguidade e falta, de equivocidade e distância. Define-se pela ausência do
englobante, e, consequentemente, pela carência de orientação. Ambiguidade e
equivocidade decorrem da incerteza, que, no cinema orgânico, remete à dissolução do
sonho americano.

Isso se materializa na inversão do esquema sensório motor, carente, agora, da


capacidade de se organizar mediante a progressão do todo em relação às partes.
Contrapõe global - local, espiral - elíptica, estrutural - circunstancial.

A elipse consiste em um termo gramatical, que índica aquilo que se precisa inferir. Mas a
elipse se refere também à distância obtida mediante um ponto que se alcança mediante
um ponto inicial, a partir do qual se deriva outra posição.
O Lubitsch touch importa devido à dubiedade implícita em cada situação. Cada gesto, ao espelhar a dubiedade moral, adquire a
capacidade de conduzir muito para longe do ponto inicial. Mas também à incerteza que as informações em tela expõem em contraponto
em monumental típico à grande forma. A evidência sobre o instante em que a narrativa ocorre independe da reprodução do passado, mas
apenas de evidências dispersas.

O funcionalismo de Hawks se contrapõe à totalização proporcionada pelo englobante,


permitindo o intercâmbio de todos os personagens envolvidos, que dependem não mais
das posições estabelecidas como integrantes de um todo determinado. Em Hawks, a
única comunidade definida vai ser exatamente aquela que, no caso da grande forma de
Ford, mostrava-se secundária: o grupo casual, cuja funcionalidade se concentra na
dívida-culpa-expiação. As soluções que ocorrem dependem não da capacidade
construída deste grupo, em seu trabalho de erguer-se; mas de um mecanismo, e não da
representação de uma comunidade por festas ou celebrações.
O neo-western implica na imensa heterogeneidade dos grupos funcionais, em uma mistura tão intensa que nada sobre das distinções
possíveis de realizar, lidando com a transposição sistemática de fronteiras por ações particulares. Mas o dado que importe consiste na
necessidade de responder individualmente a cada uma das atividades individuais que se apresenta para o personagem.

Figuras
Uma determinada dimensão da imagem, para além da pequena e da grande forma, dispõe
da capacidade de se materializar como Figura. Isso envolve a relação entre pequena e
grande forma. E, em certos casos, remete a uma terceiridade.

Eisenstein, por um lado, lida com a transformação de SAS’ para ASA’. Por outro lado,
estabelece também a montagem de atrações, com a inserção de representações plásticas
Na transformação de SAS’ em ASA’ convivem duas dimensões. A primeira, no synsigno que permite “ver em grande” o espetáculo
revolucionário. Cada uma das cesuras cresce segundo o princípio de expansão contido na razão áurea. Isso remete à segunda. Pois, tal
encenação depende também de diversos de indícios. Afinal, o filme cresce conforme depende também de índices/vetores. Isso se
percebe na relação com os objetos, que se tornam patéticos, e a cada um deles se atribui uma emoção humana.

A montagem de atrações consiste na conexão de uma imagem com uma ação fictícia teatral/representação teatral ou com uma
representação escultural e plástica/figuração plástica.

Ação fictícia teatral consiste na situação S que remete a uma ação A’ distinta daquela a qual corresponde, A. Todavia A ainda vai
ocorrer, e A’ lhe serve de anúncio. A' (ação fictícia) opera como índice para A (ação real). Ocorre S -> A' (ação fictícia teatral), ao invés
de S -> A. A pequena forma se insere na grande.

Figuração plástica introduz S’ como synsigno/englobante para S (situação real). S permite a compreensão sobre o que efetivamente está
a ocorrer, mas S’ consiste em outra situação, diferente daquela a que se vai chegar. Ocorre A -> S' (figuração plástica) ao invés de A ->
S. A grande forma se insere na pequena.

Bibliografia complementar
MASSUMI, B. A User’s Guide to Capitalism and Schizophrenia: Deviations from Deleuze and Guattari. Swerve ed. Cambridge,
Mass.: MIT Press, 1992.

BOGUE, R. Deleuze on Music, Painting and the Arts:. New York: Routledge, 2003.

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