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CURRICULOS E PROGRAMAS

1. CURRÍCULOS: CONCEITOS E TEORIAS

Apesar de o termo currículo ser encontrado em registros do século XVII,


as discussões a seu respeito, pelo menos numa perspectiva mais crítica,
datam do início do século XX, em especial nos Estados Unidos, cujo
conceito, grosso modo, está relacionado a um projeto de controle do
ensino e da aprendizagem, ou seja, da atividade prática da escola.

Não obstante, em um primeiro momento, o currículo envolvia uma


associação entre o conceito de ordem e método, caracterizando-se como
um instrumento facilitador da administração escolar, mas sofreu muitas
modificações nos últimos anos, tendo em vista as diferentes correntes de
estudos que passaram a pesquisar o assunto.

Diante disso, propomos, para essa unidade, uma tentativa de


conceituação do termo currículo e, depois, uma análise das teorias
curriculares.

Bons estudos!

1.1 O que se entende por currículo?

De certa forma, vocês estão certas, meninas, pois o currículo, pelo menos
o que vamos estudar no curso de Pedagogia, tem múltiplos conceitos e
significados. Acreditamos que, em função disso, vocês perceberão que é
uma área bastante interessante e que nos ajudará a compreender a
dinâmica da escola com relação, entre outros aspectos, àqueles que
tratam de conteúdos, métodos, processo ensino-aprendizagem e
avaliação.

Considerando-se que nossa disciplina é intitulada Currículos e Programas,


entendemos que é necessário compreender seu conceito e seus
propósitos tais quais ela nos apresenta, ou seja, de forma composta.

Por outro lado, acreditamos que, para analisar a relação existente entre
os dois termos, seria prudente, primeiro, compreender o significado de
cada um dos vocábulos, para depois justificarmos a junção.
Tudo bem?

Pois bem, já que nos entendemos, vamos iniciar nossa pesquisa tentando
responder à pergunta que deu origem à nossa conversa: O que se
entende por currículo?

Para explicitarmos o conceito de currículo, podemos recorrer a vários


autores que discutem o assunto. Entretanto, tendo em vista a diversidade
de sentidos, talvez isso possa causar certa dificuldade para a
compreensão de seu significado. Diante disso, apontamos algumas pistas
para a elucidação de seu conceito.

Mas como fazer isso? Podemos nos valer de alguns recursos, tais como
recorrer ao léxico ou realizar um levantamento

bibliográfico, pois são as formas mais comuns de pesquisas quando


buscamos respostas para algo que desconhecemos do ponto de vista
acadêmico-científico.

Nesse caso, optamos pelas duas formas. Portanto, dialogaremos com os


dicionários e os estudiosos que tratam do assunto ao mesmo tempo.

Nesses termos, iniciada a busca ao léxico, mais precisamente, ao


Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, verificamos que currículo é
definido como “programação de um curso ou de matéria a ser
examinada”.

Conforme se observa, trata-se de um significado bastante simples de ser


compreendido, mas é evidente que não podemos ficar somente com esse,
precisamos de outros. Afinal, dissemos, no início do texto, que currículo
tem muitos significados, e é a partir dessa premissa que pretendemos
excursionar por eles.

Mas, como estamos, nesse momento, nos recorrendo ao léxico, antes de


prosseguirmos, cabe aqui um questionamento: desde quando o termo
currículo é dicionarizado?

Esse fato não é recente. Ao contrário, data de 1633, quando o termo


currículo aparece, pela primeira vez, no Oxford English Dictionary e é
utilizado para designar um plano estruturado de estudos numa escola ou
universidade (Pacheco, 2005). Portanto, o termo é relativamente similar a
alguns dos conceitos utilizados na atualidade.

Contudo, vale destacar que a dicionarização de currículo não significa sua


gênese na educação.

– É isso mesmo, meninas! Vejam o que o professor José Augusto


Pacheco, pesquisador português na área de currículo, nos diz sobre o
assunto.

De acordo com esse autor,

(...) por volta da metade do século XIX, o uso comum da palavra,


significando apenas um curso de estudos, estava mais ou menos
estabelecido e era aplicado rotineiramente não só às disciplinas estudadas
nas escolas politécnicas e nas universidades, mas também aos níveis pré-
universitários de instrução (Jackson, 1992, apud Pacheco, p.29).

Conforme exposto, nota-se que, dois séculos após o processo de


dicionarização, é possível observar que o termo foi se expandindo na área
da educação. Por outro lado, sabemos que a educação sistematizada é
anterior a esse período, e aí podemos questionar se na Antiguidade
clássica, por exemplo, tínhamos ou não um currículo escolar.

De acordo com Pacheco (2005), embora se localize, por vezes, a origem


do temo nesse período, o certo é que a realidade escolar sempre coexistiu
com a realidade curricular, principalmente quando a escola se
institucionalizou numa construção cultural com fins socioeconômicos. Não
obstante, ainda valendo-nos das contribuições do autor, verificamos que a
palavra currículo é de origem recente e aparece com o significado de
organização do ensino, querendo dizer o mesmo que disciplina, e que foi
relativamente bem assimilada pelas pessoas.

Pois bem, agora que sabemos um pouco mais sobre a origem do


currículo, vamos continuar nossa pesquisa em busca de significados.

Do ponto de vista etimológico, por sua vez, o termo currículo vem da


palavra latina Scurrere, que corresponde a correr, e refere-se a curso, a
carreira, a um percurso que deve ser realizado. Portanto, quando
elaboramos um curriculum vitae por exemplo, apresentamos, conforme
sugere Libâneo (2004, p.1 69), nossa “carreira da vida”, nosso “percurso
de vida”.

Por outro lado, na perspectiva do senso comum, ainda predomina a ideia


de currículo como o conjunto das disciplinas que o aluno deve percorrer,
ou seja, o plano de estudos ou a matriz curricular, a fim de obter uma
titulação, um diploma (Libâneo, 2004).

Diante do exposto, percebemos que não há nada de tão complexo no


processo de conceituação do currículo. Entretanto, analisá-lo apenas na
perspectiva lexical e etimológica talvez seja uma visão reducionista e não
é o que propomos, muito provavelmente, também não seja o que vocês
esperam. Portanto, buscamos outros significados para ampliar nossa
análise.

A pesquisa bibliográfica nos mostra que significados mais ampliados


acerca do currículo surgiram somente no início do século XX,
identificando, segundo Libâneo (2004, p.169), “quase sempre o conjunto
de saberes e/ou experiências que alunos precisam adquirir e/ou vivenciar
em função de sua formação”.

Grosso modo, podemos afirmar que uma vez inserido no campo


pedagógico, apesar das diversas definições que o termo currículo recebeu
ao longo da história da educação, tradicionalmente, passou a significar
uma relação de disciplinas com seu corpo de conhecimento organizado
numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada uma, ou seja, a
matriz curricular. Essa conotação, quando analisada na perspectiva da
dicionarização do termo currículo, guarda estreita relação com “plano de
estudos”, tratado como o conjunto das matérias a serem ensinadas em
cada curso ou série e o tempo reservado a cada uma.

- Está sim, pois há muito mais por trás do conceito de currículo.

Diante desses questionamentos, recorremos a Schmidt (2003), que


afirma que, se quiséssemos, poderíamos listar até cinquenta definições
apresentadas na literatura sobre o currículo. Mas não é o que
pretendemos, pois acabaríamos criando uma teia de significados que de
nada contribuiria para a reflexão acerca do assunto.
Entretanto, esse resultado sinaliza o quanto os significados, concepções e
funções do termo currículo são variados e diferentes, levando à
ponderação de que não existe uma definição certa, nem a mais
reconhecida ou a mais atual, pois, ao decidirmos por uma delas,
estaríamos definindo uma determinada concepção, que inclui
compromissos sociais e políticos (Schmidt, 2003).

Não obstante, considerando-se que as principais contribuições sobre a


conceituação do currículo datam do início do século XX, entendemos,
assim como inúmeros pesquisadores da área, que a publicação do livro
The Curriculum 1 no ano de 1918, nos Estados Unidos, por Franklin John
Bobbitt, representa um marco no processo de teorização do currículo.

Mas o que esse autor pensa sobre o assunto? Para Bobbitt (1918), apud
Pacheco (2005), o currículo é todo leque de experiências, sejam estas
dirigidas ou não, que visam ao desdobramento das capacidades do
indivíduo; ou é a série de experiências instrutivas conscientemente
dirigidas que as escolas usam para completar e aperfeiçoar o
desdobramento.

Conforme podemos observar, Bobbitt definiu o currículo como conjunto ou


série de coisas que as crianças e os jovens devem fazer e experimentar a
fim de desenvolver habilidades que os capacitem a decidir sobre os
assuntos na vida adulta.

A partir dessa definição, fica evidente que a educação, na visão de


Bobbitt, é essencialmente para a vida adulta, não para a vida infantil.
Portanto, sua responsabilidade fundamental é preparar para os cinquenta
anos de vida adulta, e não para os vinte anos de infância e adolescência
(Pacheco, 2005).

Reiteramos que não temos um conceito único do termo currículo, nem


podemos escolher um, pois estaríamos assumindo uma posição política e
ideológica. Todavia, concordamos com Libâneo (2004), dizendo que
poderíamos ficar com duas definições que, apesar de serem pontuais, nos
ajudam a compreender melhor o significado do termo, pois de um jeito ou
de outro se complementam.

Portanto,

o currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à


educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem
dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática
possível, dadas determinadas condições (Sacristán, 1989, apud Libâneo,
2004, p.170).

1
Currículo
Mais do que isso,

o currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não


se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora
e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar
uma série de práticas educativas (Grundy, 1987, apud Sacristán, 2000,
p.14).

Conforme se observa, no primeiro caso, o currículo é visto como a


concretização do posicionamento da escola em face da cultura produzida
pela sociedade. A esse respeito, Libâneo (2004) entende que existe
ensino porque há uma cultura, e o currículo é a seleção e organização
dessa cultura. Portanto, para Gimeno Sacristán, o papel social da escola
se realiza por meio do currículo.

A segunda opção complementa a primeira, pois o currículo é visto como


uma construção cultural que orienta as práticas educativas realizadas na
escola a partir do que é produzido na sociedade, levando a crer que o
currículo não é neutro, mas ao contrário, tem uma intencionalidade muito
bem definida (Fig.1).

Figura 1: Currículo e cultura Fonte: culturaecurriculo.edunet.sp.gov.br

Diante disso, Libâneo (2004) afirma que, quando os professores e a


equipe escolar planejam o currículo, eles realizam uma escolha para
responder a estas indagações:

• O que nossos alunos precisam aprender?

• Para que aprender?

• Em função de que aprender?

Parafraseando o autor, entendemos que há aí uma espécie de diálogo


com a sociedade e entre a própria equipe de professores, sobre o que de
fato é relevante que os alunos aprendam em

função de suas necessidades pessoais e das necessidades e exigências de


interesses em jogo na sociedade.
Conforme se vê, o currículo é intencional, pois é orientado em função de
objetivos e das ações, ou seja, conhecimentos, procedimentos, valores,
formas de gestão, de avaliação etc., e se torna real a partir do trabalho
dos professores e de determinadas condições previstas pela organização
escolar, tendo em vista a qualidade do processo do ensino e da
aprendizagem. Portanto, não é de um todo autônomo, mas construído
socialmente em função de objetivos e interesses.

Uma vez demonstrado que o conceito de currículo não é único, ao


contrário, é multifacetado, vamos falar um pouco dos programas.

Não é bem isso. Tampouco existe um divórcio entre os termos. Ao


contrário, eles se complementam.

Vamos tentar ampliar a discussão sobre o assunto e aí vocês entenderão


melhor. Mesmo porque, no início desta conversa, dissemos que
pretendíamos explicitá-los separadamente para depois justificarmos a
junção. Lembram disso? Então vamos lá!

Na ótica do senso comum, o termo é, em muitos casos, identificado como


programa de ensino. Mas por que isso acontece? Talvez porque muitas
vezes o currículo é empregado para considerar as orientações e sugestões
programáticas das diferentes disciplinas, e aí acabam tendo uma visão
reducionista acerca de seu significado.

Não obstante, entendemos que esse ponto de vista está relacionado à


perspectiva tradicional e tecnicista que teve seu apogeu nos anos setenta
e foi representado, principalmente, por autores como Sperb e Tyler, cuja
ênfase dada ao currículo era a de programa escolar. Nesse caso, o
currículo era visto como uma questão eminentemente técnica, dissociada
da conjuntura social e centralizada nos conteúdos formais e no como
fazer.

Grosso modo, podemos dizer que há autores que entendem que os


programas não são o currículo, mas instrumentos do currículo, entre
outros instrumentos, tendo, portanto, uma função instrumental. Nesse
contexto, o programa só serve como meio para que as aprendizagens
ocorram. Aquilo que define o currículo são as aprendizagens que se
visam.
Por outro lado, Schubert (1986, citado por Gimeno Sacristán, 1998,
p.14), na tentativa de compreender o termo currículo, faz referência a
algumas imagens que o conceito lhe traz à mente e que, por sua vez,
carregam algumas conotações diferentes às propostas por autores como
Roldão, também citada por Sacristán. Diante disso, encontraram-se as
seguintes imagens:

• currículo como conjunto de conhecimentos ou matérias a serem


superadas pelos alunos dentro de um ciclo - nível educativo ou
modalidade de ensino;

• currículo como programa de atividades planejadas, devida-mente


sequencializadas, ordenadas metodologicamente, tal como se mostram
num manual ou num guia do professor;

• currículo como resultados pretendidos da aprendizagem;

• currículo como concretização do plano reprodutor para a


escoladedeterminadasociedade,contendoconhecimentos, valores e
atitudes;

• currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual


podem desenvolver-se;

• currículo como tarefa e habilidade a serem dominadas - como é o


caso da formação profissional;

• currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para


que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução social
desta.

Nota-se, portanto, que há uma diversidade de sentidos muito grande e


qualquer tentativa de escolher uma outra implica tomar posição.

— Claro que sim, meninas! Vamos tenta r fechar essa conversa, pelo
menos sobre a relação entre currículos e programas, pois o campo
curricular é bastante amplo e temos muito mais a dizer.

A partir das contribuições dos diversos especialistas que discutem o


currículo, percebemos que os programas fazem parte do currículo e não
podem ser vistos de forma eminentemente técnica e neutra, pois todo
fazer tem uma intenção e, se os programas são um meio para que a
aprendizagem ocorra, eles, assim como o currículo, também têm uma
função social. Portanto, currículos e programas representam uma relação
indissociável que auxilia a selecionar, organizar e socializar criticamente o
conhecimento escolar e extraescolar, afinal, o currículo, na
contemporaneidade, não se reduz ao conhecimento que é ministrado no
ambiente escolar.

Agora que conhecemos um pouco mais sobre currículos e sua relação com
os programas, vamos ver o que alguns estudiosos que ficaram conhecidos
como críticos do currículo pensam sobre o assunto. Para tanto,
analisaremos, no próximo tópico, as teorias curriculares.

2. TEORIAS DE CURRÍCULO

Para começar nosso diálogo acerca das teorias curriculares, recorremos a


Tomaz Tadeu da Silva 2 (2000, p.11), que propõe uma série de indagações
sobre o currículo.

Claro que não. As teorias são importantes, pois elas antecipam a prática.
Portanto, vejam só os questionamentos apresentados pelo autor:

• O que é uma teoria de currículo?

• Quando se pode dizer que se tem uma “teoria do currículo”?

• Onde começa a teoria e como se desenvolve a história das teorias do


currículo?

• O que distingue uma “teoria do currículo” da teoria educacional mais


ampla?

• Quais são as principais teorias do currículo?

2
Tomaz Tadeu da Silva é Ph. D pela Stanford University (1984). Atualmente é professor
colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Seu último trabalho publicado (2007) é a tradução da Ética, de Spinoza
(Autêntica). Publicou mais de trinta artigos em periódicos especializados, trinta capítulos de
livros e 25 livros. Atua na área de educação, com ênfase em Teoria do Currículo.
• O que distingue as teorias tradicionais das teorias críticas do
currículo?

• E o que distingue as teorias críticas do currículo das teorias pós-


críticas?

A partir dessas indagações, percebemos que o assunto é um tanto


complexo e não podemos nos ater ao senso comum. Portanto, faremos
uma viagem pela história do currículo na busca de respostas para que
possamos orientar nossas discussões.

Grosso modo, o currículo escolar pode ser analisado a partir de dois


grandes eixos: as concepções tradicionais ou conservadoras e as
concepções críticas.

Mas qual a origem de cada uma delas? Verificamos que ambas originaram
nos Estados Unidos e tanto as visões conservadoras como as críticas
influenciaram sobremaneira o campo no Brasil, e por isso merecem ser
estudadas. Entretanto, como Silva (2000) propõe uma abordagem mais
detalhada acerca das teorias, vamos nos basear em sua proposta.

Em primeiro lugar, conforme ressalta o autor, precisamos saber o que é


uma teoria em que, segundo ele, em geral, “está implícita, na noção de
teoria, a suposição de que a teoria ‘descobre’, e que há uma
correspondência entre a ‘teoria e a ‘realidade’” (Silva, 2000, p.11).

Em termos mais específicos, podemos dizer que a teoria é uma


representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que
– cronologicamente, ontologicamente – a precede, acrescenta o autor.

Mas, como estamos interessados em estudar as teorias curriculares,


vamos nos ater ao fato de que uma teoria de currículo começaria por
supor que existe, segundo Silva (2004, p.11), “lá fora, esperando para
ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada currículo”.
Portanto, o currículo seria o objeto que precederia a teoria, a qual só
entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo, conforme
pretendemos.

Apesar disso, concordamos com o autor em que a questão central que


deve servir de pano de fundo para qualquer teoria do currículo é a de
saber qual conhecimento deve ser ensinado. Ou seja, mais
especificamente, temos como questão central: o quê?

Não obstante, entendemos que não é só isso, pois na atualidade o porquê


faz parte de um conjunto de reflexões e práticas vivenciadas na escola,
portanto não pode ser preterido.
Diante disso, Silva (2000) propõe a divisão das teorias em três grandes
áreas, a saber:

• teorias tradicionais: ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia,


didática, organização, planejamento, eficiência, objetivos;

• teorias críticas: ideologia, reprodução cultural e social, poder,


classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização,
emancipação e libertação, currículo oculto, resistência;

• teorias pós-críticas: identidade, alteridade, diferença,


subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação,
cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo.

São essas as três grandes áreas, se é que podem ser divididas dessa
forma, pois não conseguimos imaginar o currículo de forma fragmentada.
Como essa discussão não cabe aqui, pelo menos neste momento, vamos
tentar explicitá-las para que possamos compreendê-las melhor.

2.1 Teoria tradicional

A partir dessa abordagem, percebemos que ela procura ser neutra, tendo
como principal foco identificar os objetivos da educação escolarizada,
formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação geral,
acadêmica, à população. Silva (2000) explica que essa teoria teve como
principal representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo em um
momento no qual diversas forças políticas, econômicas e culturais
procuravam envolver a educação de massas para garantir que sua
ideologia fosse garantida. Sua proposta era que a escola funcionasse
como uma empresa comercial ou industrial. Segundo Silva (2000, p.23),

[...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por


estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos,
por sua vez, deveriam se basear num exame daquelas habilidades
necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida
adulta.

Conforme se observa, o modelo curricular de Bobbit estava focado na


Teoria da Administração Científica proposta por Frederick W. Taylor e
tinha como palavra-chave a eficiência. Nesses termos, o currículo era uma
questão de organização e ocorria de forma mecânica e burocrática. Dessa
forma, a tarefa dos especialistas em currículo consistia em fazer um
levantamento das habilidades, em desenvolver currículos que permitissem
que essas habilidades fossem desenvolvidas e, finalmente, em planejar e
elaborar instrumentos de medição para dizer com precisão se elas foram
aprendidas. Essas ideias influenciaram muito a educação nos Estados
Unidos até os anos oitenta. Mas não foi somente lá, pois foram marcantes
em muitos países, inclusive no Brasil.
Não obstante, segundo Silva (2000, p.23), bem antes de Bobbitt, Dewey
tinha escrito, em 1902, um livro que tinha a palavra currículo no título, ou
seja, The Child and the Curriculum 3 .

Vale dizer que Dewey, assim como Kilpatrick, era representante da teoria
progressivista, cuja concepção de currículo, nesse caso, parte da
totalidade de experiências vivenciadas pela criança, sob a orientação da
escola, levando em conta e valorizando os interesses do aluno.

Ao contrário das teorias tradicionais, as teorias progressivistas


começaram a se delinear a partir do século XVIII e se constituíram como
tentativa de buscar respostas aos problemas socioeconômicos advindos
dos processos de urbanização e industrialização ocorridos nos Estados
Unidos no final do século XIX e início do século XX. A escola, nesse
contexto, era vista como a instituição responsável pela compensação dos
problemas da sociedade mais ampla. O foco do currículo foi deslocado do
conteúdo para a forma, ou seja, a preocupação foi centrada na
organização das atividades, com base nas experiências, diferenças
individuais e interesses da criança.

Entretanto, segundo Silva (2000), a influência de Dewey não refletiu da


mesma forma que a de Bobbitt na formação do currículo como campo de
estudos que, por sua vez, teve seu modelo de currículo consolidado com a
publicação do livro de Ralph Tyler, em 1949.

Conforme se observa, no início do século XX tivemos dois modelos de


currículo surgindo em um mesmo local e período. Assim, podemos
questionar: será que havia algo incomum entre os modelos? A resposta é
sim, pois tanto o modelo de Bobbitt e Tyler quanto o de Dewey
constituíram, de certa forma, uma reação ao currículo clássico, humanista
(fig. 2), que havia dominado a educação secundária desde sua
institucionalização.

E o que era o modelo clássico?

3
A criança e o currículo.
Figura 2: Representação do Currículo Clássico Fonte: www.athens.sg

Trata-se de um currículo que era herdeiro das chamadas “artes liberais”


que, vindo da Antiguidade clássica, se estabeleceram na educação
universitária da Idade Média e do Renascimento, na forma dos chamados
trivium, ou seja, gramática, retórica, dialética, e quadrivium: astronomia,
geometria, música e aritmética.

Cada um dos modelos curriculares contemporâneos (o tecnocrata e o


progressista) ataca o modelo humanista de um jeito ou de outro (Silva,
2000). O tecnocrata destacava a abstração e a suposta inutilidade — para
a vida moderna e para as atividades laborais — das habilidades e
conhecimentos cultivados pelo currículo clássico. Já o modelo progressista
entendia que o currículo clássico se distanciava dos interesses e das
experiências das crianças e dos jovens.

Por fim, ressaltamos que o currículo está intimamente relacionado ao


contexto. Com isso, os modelos tradicionais e o progressista, por sua vez,
assim como o humanista 4 , foram contestados a partir dos anos setenta.

2.2 Teorias críticas

Para nos situarmos nessa discussão, salientamos que a teoria crítica, em


seu sentido mais formal e usual, remonta a um período anterior ao
surgimento das teorias curriculares críticas. Ela surgiu na Alemanha com
nomes como Adorno, Horkeimer, Marcuse e Benjamin — grupo conhecido
como Escola de Frankfurt — numa tradição de análise minuciosa das
relações de cultura e política cultural de massas no capitalismo, para
posteriormente se estender a análises que vão para além do capitalismo e

4
O currículo humanista foi contestado tanto pelo currículo progressista quanto pelo
currículo tradicional no início do século XX.
suas formas, como a análise dos aspectos cognitivos e do conhecimento
técnico como formas de dominação.

No que se refere às suas finalidades, em termos mais específicos,


podemos dizer que as teorias críticas surgiram em oposição às teorias
tradicionais e se preocuparam em desenvolver

conceitos que permitissem compreender, com base em uma análise


marxista, o que o currículo faz. Portanto, “efetuam uma completa
inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (Silva, 2000, p.29).
Uma característica importante das teorias críticas do currículo e que a
nosso ver deve ser destacada é que, no desenvolvimento de seus
conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia. Nesses termos,
verificamos que vários pensadores elaboraram teorias que foram
identificadas como críticas e, embora tivessem uma linha semelhante de
pensamento, apresentavam suas individualidades.

Mas, afinal, quais as contribuições dessas teorias e quando elas surgiram?

No que diz respeito às suas contribuições, a literatura mostra que o


mérito dessas teorias está principalmente em realizar uma inversão nos
fundamentos das teorias tradicionais (Silva, 2000), sendo que isso
acontece porque elas invertem as perspectivas colocadas pelos enfoques
tradicionais ao efetuarem os necessários questionamentos com relação à
formação social dominante.

Quanto à sua origem, entendemos que não podemos dizer que houve
uma data específica para o fato, mas sim um período de transição que,
por sua vez, veio acompanhado de uma série de movimentos sociais e
culturais que caracterizaram os anos sessenta em todo o mundo,
surgindo, portanto as primeiras teorizações questionando o pensamento e
a estrutura educacional tradicionais, em específico, aqui, as concepções
sobre o currículo.

Grosso modo, podemos dizer que as críticas advindas dos movimentos


sociais expressavam a insatisfação com a escola seletiva e excludente,
despreocupada com o processo de aprendizagem dos alunos e esvaziada
de conteúdos com significados vitais. Diante disso, podemos questionar o
que esses movimentos sociais tinham a ver com a questão curricular.
Valendo-nos de sua não-neutralidade, podemos afirmar que os
movimentos que eclodiram nos anos sessenta articularam algumas
experiências alternativas de currículo que, historicamente, representaram
uma outra possibilidade de pensar e fazer uma escola, mas não como
estava, e sim uma escola inclusiva e que atendesse aos interesses das
classes menos favorecidas.

Na década seguinte (setenta), surgiram várias publicações sobre o


assunto, sendo que, para exemplificar o exposto, recorremos a uma
cronologia feita por Tomaz Tadeu da Silva (2000, p.30), quando
apresenta alguns marcos fundamentais tanto da teoria educacional crítica
mais geral quanto da teoria crítica sobre o currículo, conforme segue:

• 1970 – Paulo Freire: Pedagogia do oprimido;

• 1970 – Louis Althusser: A ideologia e os aparelhos ideológicos do


estado;

• 1971 – Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron: A reprodução;

• 1971 – Baudelot e Establet: L’école capitaliste en France;

• 1971 – Basil Bernstein: Class, codes and Control, vol. 1;

• 1971– Michael Young: Knowledge and control: new directions for the
sociology of education;

• 1976 – Samuel Bowles e Herbert Gintis: Schooling in capitalist


America;

• 1976 – William Pinar e Madeleine Grumet: Toward a poor


curriculum;

• 1979 – Michael Apple: Ideologia e currículo.

A partir da teoria marxista, esses autores, com ênfases diversas,


investigaram a estreita relação entre a educação e a produção e a
disseminação da ideologia, apontando a escola como um espaço de
reprodução da sociedade capitalista. Dessa forma, entendemos que as
contribuições desses autores, de uma forma ou de outra, enquadram-se
em duas correntes teóricas que não se excluem, ao contrário, se
complementam e são compreendidas como:

• A Sociologia do Currículo, com origem nos Estados Unidos, que se


voltou para o exame das relações entre currículo e estrutura social,
currículo e cultura, currículo e poder, currículo e ideologia, currículo e
controle social etc. De acordo com Moreira e Silva (2001), nesse enfoque,
observava-se uma preocupação maior no sentido de entender a favor de
quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a favor dos grupos e
classes oprimidos. Para tanto, discute-se o que contribui, tanto no
currículo formal como no currículo em ação e no currículo oculto, para a
reprodução de desigualdades sociais.

• A Nova Sociologia do Currículo, com origem na Inglaterra, que


fortaleceu os elos entre as mudanças na Sociologia e a difusão dos
movimentos sociais em defesa dos direitos das mulheres, dos negros, dos
homossexuais etc. Segundo Moreira e Silva (2001), os sociólogos
voltaram-se, então, para o exame da relação entre conhecimento e ação
e para a necessidade de eliminar do trabalho sociológico prevalecente
seus aspectos patriarcais e sexistas.

De acordo com Moreira (1990), a Sociologia da Educação difundiu-se e


transformou-se em decorrência de dois fatores. O primeiro foi a mudança
ocorrida no curso de formação de professores, que passou de três para
quatro anos, reservando-se este ano adicional para estudos pedagógicos.
Tais estudos incluíram a Sociologia da Educação, o que aumentou a
demanda e a formação de professores para ensiná-la. O segundo fator foi
o fracasso das reformas e iniciativas educacionais promovidas pelo
governo (educação compensatória, educação compreensiva, educação
comunitária etc.), buscando reduzir as desigualdades. Tal fracasso lançou
sérias dúvidas quanto à validade da fundamentação teórica dessas
iniciativas — o funcionalismo. A tradição da aritmética política perdeu sua
hegemonia e uma nova abordagem começou a emergir.

Uma vez apresentada uma cronologia, bem como um preâmbulo da


Sociologia do Currículo e da Nova Sociologia do Currículo, propomos, a
seguir, uma síntese das contribuições dos autores expoentes desse
movimento:

Paulo Freire — Ao analisar a obra desse autor, percebemos que, embora


não tenha elaborado uma teoria sobre currículo, acaba discutindo essa
questão em suas pesquisas. Percebemos que sua análise está mais
baseada na filosofia e voltada para o desenvolvimento da educação de
adultos em países subordinados à ordem mundial.

A crítica de Freire (Pedagogia do oprimido) ao currículo está resumida no


conceito de educação bancária, que concebe o conhecimento como
constituído por informações e fatos a serem simplesmente transferidos do
professor para o aluno, instituindo, assim, um ato de depósito bancário.
Paulo Freire critica também que a educação se resume apenas em
transmitir o conhecimento, e que o professor tem um papel ativo,
enquanto o aluno, de recepção passiva. Portanto, o currículo está, na
concepção do autor, desligado da situação existencial das pessoas
envolvidas no ato de conhecer (Hornburg e Silva, 2007).

Louis Althusser — Esse filósofo francês, no dizer de Silva (2000), fez


uma breve referência à educação em seus estudos, nos quais observamos
que ele pontuou que a sociedade capitalista depende da reprodução de
suas práticas econômicas para manter a sua ideologia. Além disso,
sustentou que a escola é uma forma utilizada pelo capitalismo para
manter sua ideologia, pois atinge toda a população por um período
prolongado de tempo.

Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron — Esses sociólogos


franceses fizeram uma crítica à educação na medida em que entendiam
que, apesar de ela estar centrada na reprodução, se afastava da análise
marxista em vários aspectos, ao contrário do que preconizavam as teorias
críticas de currículo. Nesse contexto, esses autores viam o funcionamento
da escola e da cultura por meio de metáforas econômicas. Com isso, “a
cultura não dependia da economia, pois a cultura funciona como uma
economia, como demonstra, por exemplo, a utilização de ‘capital cultural’”
(Silva, 2000, p.34).

Nesses termos, valendo-se das contribuições desse autor, podemos


verificar que para Bourdieu e Passeron a dinâmica da reprodução social
estaria centrada no processo de reprodução cultural, sendo que seria por
meio da reprodução da cultura dominante que a reprodução mais ampla
da sociedade ficaria garantida.

Segundo Silva (2000), isso se explica ao considerarmos que a cultura que


tem prestígio e valor social é justamente a cultura das classes
dominantes: seus valores, seus gostos, seus costumes, seus hábitos etc.
Portanto, na medida em que vale alguma coisa, ela se constitui como
capital cultural. Essa ideia permite à classe dominante definir sua cultura
como “A Cultura”, e assim, por meio da imposição e da ocultação, acaba
por aparecer como algo natural, o que é chamado por Bourdieu e
Passeron de dupla violência do processo de dominação cultural.

Mas e a escola? Como ela fica nesse caso? Mais do que isso, e o currículo?
Afinal, estamos discutindo o currículo escolar!

Na análise de Silva (2004), fica evidente que a escola não atua pela
inculcação da cultura dominante às crianças e jovens das classes
dominadas, mas, ao contrário, por um mecanismo que acaba por
funcionar como instrumento de exclusão. Dessa forma, o currículo da
escola estaria baseado na cultura dominante e as crianças das classes
dominantes poderiam facilmente compreender o código, pois é natural a
elas, mas o mesmo não acontece com as crianças das classes dominadas.
Nesse caso, de acordo com Silva (2000, p.35), esse “código funciona
como uma linguagem estrangeira”, sendo, portanto, incompreensível.

Christian Baudelot e Roger Establet — Esses autores, em sua obra


L’école capitaliste en France, desenvolveram uma teoria sobre o
funcionalismo dualista do sistema educacional. Sinalizaram que, longe de
ser único ou homogêneo e de oferecer chances a todos, o sistema escolar
é profundamente seletivo e gera a desigualdade na medida em que se
assenta em duas redes bem estanques e pouco visíveis, ou seja, de um
lado uma rede primária e profissionalizante destinada a fornecer uma
mão-de-obra de execução, e do outro uma secundária e superior que
prepara às funções de concepção e de comando.

Basil Berstein — De acordo com Silva (2000), esse autor elaborou sua
teoria na linha sociológica, definindo que a educação formal encontra sua
realização em três sistemas de mensagem: o currículo, a pedagogia e a
avaliação. Diante disso, percebemos que Berstein entende que o currículo
define o que conta como conhecimento válido; a pedagogia, por sua vez,
define o que conta como transmissão válida do conhecimento; e a
avaliação resgata o que conta como realização válida desse
conhecimento.

No dizer de Silva (2000), a preocupação de Basil Berstein estava centrada


em dois pontos básicos, a saber: na organização estrutural do currículo e
em como os diferentes tipos de organização estão ligados a princípios
diferentes de poder e controle.

Michael Young — No dizer de Silva (2000), a proposta desse teórico é


delinear as bases de uma sociologia do currículo, com o objetivo de
destacar “(...) o caráter socialmente construído das formas de consciência
e de conhecimento, bem como suas estreitas relações com estruturas
sociais, institucionais e econômicas” (p.66). Dessa forma, “(...) uma
perspectiva curricular inspirada pelo programa da Nova Sociologia da
Educação (NSE) buscaria construir um currículo que refletisse as tradições
culturais e epistemológicas dos grupos subordinados, e não apenas dos
grupos dominantes” (p.69).

Samuel Bowles e Herbert Gintis — Na obra A escola capitalista na


América, esses autores introduziram o conceito de correspondência para
estabelecer a natureza da conexão entre escola e produção. Nesse caso,
percebemos a ênfase atribuída à aprendizagem, por meio da vivência das
relações sociais da escola, das atitudes necessárias para se qualificar
como um bom trabalho capitalista. Isso se deve ao fato de que

As relações sociais do local de trabalho capitalista exigem certas atitudes


por parte do trabalhador: obediência a ordens, pontualidade, assiduidade,
confiabilidade, no caso do trabalhador subordinado; capacidade de
comandar, de formular planos, de se conduzir de forma autônoma, no
caso dos trabalhadores situados nos níveis mais altos da escala
ocupacional (SILVA, 2000, p.33).

Nesses termos, observamos que a escola contribui para esse processo


não propriamente por meio do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao
espelhar, no seu funcionamento, as relações sociais de trabalho.

William Pinar e Madeleine Grumet — Esses autores, em especial


William Pinar, começaram a perceber que a compreensão do currículo
como uma atividade meramente técnica e administrativa, como acontecia
com os modelos de Bobbitt e Tyler, não se enquadrava muito bem com as
teorias sociais. Diante disso, instituíram um movimento que ficou
conhecido como “Movimento de Reconceptualização”, que exprimia a
insatisfação crescente de pessoas do campo do currículo com os
parâmetros tecnocratas vigentes até então.

Michael Apple — Segundo Silva (2000), Apple vê o currículo em termos


estruturais e relacionais. A partir da publicação de seu livro Ideologia e
currículo (Estados Unidos, 1979), Michael Apple sinaliza que o currículo
está estreitamente relacionado às estruturas econômicas e sociais mais
amplas. Nesses termos, fica evidente que o currículo não é um corpo
neutro, inocente e desinteressado de conhecimentos. Dessa forma, contra
ria mente ao que supõe o modelo de Tyler, o currículo não é organizado
por um processo de seleção que recorre às fontes imparciais da filosofia
ou dos valores suposta mente consensuais da sociedade (Silva, 2000).
Apple deixa claro que a questão não é saber qual conhecimento é
verdadeiro, mas qual conhecimento é considerado verdadeiro. Com isso,
devemos nos preocupar com as formas pelas quais certos conhecimentos
são considerados como legítimos, em detrimento de outros, vistos como
ilegítimos, ao contrário do que preconizavam os modelos tradicionais,
cujo conhecimento existente era tomado como dado e inquestionável.

Por fim, recorremos a Pacheco (2005), que nos sinaliza que a


complexidade dos estudos educacionais críticos, em que se reconhecem
contradições, significa a existência de lutas por ideias e práticas
associadas a uma problematização constante daquilo que fazemos e
naquilo que pretendemos praticar. Portanto, não podemos esquecer que o
currículo precisa ser visto mais do que nunca como um território
contestado, e as decisões sobre o que deve ser ensinado nas escolas e a
forma de ensinar ainda criam um ambiente de conflito que merece uma
atenção especial por parte de todos os atores envolvidos no contexto
educacional.

2.3 Teorias pós-críticas

Para a teoria pós-crítica, o currículo é uma prática discursiva que tem


autoridade textual, tem uma natureza subjetiva e cultural. Podemos ver
isso na escola, por conta da diversidade,

afinal nessa proposta são discutidos assuntos como identidade,


alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder,
representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e
multiculturalismo (Silva, 2000).

Portanto, parafraseando Hornburg e Silva (2007), podemos começar a


falar sobre as teorias pós-críticas analisando o currículo multiculturalista,
que destaca a diversidade de formas culturais do mundo contemporâneo.
O multiculturalismo, mesmo sendo considerado um estudo da
antropologia, mostra que nenhuma cultura pode ser julgada superior a
outra. Em relação ao currículo, o multiculturalismo aparece como
movimento contra o currículo universitário tradicional, que privilegiava a
cultura branca, masculina, europeia e heterossexual, ou seja, a cultura do
grupo social dominante.

Com as teorias pós-críticas do currículo, percebemos que a análise do


poder é ampliada para incluir os processos de dominação centrados na
raça, na etnia, no gênero, na sexualidade, na cultura colonialista. Essas
teorias rejeitam a ideia de consciência coerente e centrada, questionam a
ideia de subjetividade, dizendo que ela é social. Além disso, não existe
um processo de conscientização e libertação possível (Silva, 2000).

Depreendemos, portanto, que o currículo dentro da visão pós-crítica deve


possibilitar a ampliação do espaço político e social no interior da escola
para discutir no coletivo o que significa uma boa sociedade e quais as
melhores maneiras de alcançá-la.

Nesses termos, indagamos: quais questões deveriam orientar um


currículo na perspectiva das teorias pós-críticas? Talvez, a título de
sugestão, pudéssemos propor as seguintes:

• O que conta como conhecimento?

• Como o currículo está implicado na formação da masculinidade?

• Que conexões existem entre as formas como o currículo produz e


reproduz a masculinidade e as formas de violência, controle e domínio
que caracterizam o mundo social mais amplo?

• Quais são os mecanismos de construção das identidades nacionais,


raciais, étnicas?

• Como a construção da identidade e da diferença está vinculada à relação


de poder?

• Como a identidade dominante se tornou a referência invisível por meio


da qual se constroem as outras identidades como subordinadas?

• Quais são os mecanismos institucionais responsáveis pela manutenção


da posição subordinada de certos grupos étnicos e raciais?

• O que torna algo pensável?

• O que torna algo correto ou incorreto?

• O que torna algo moral ou imoral?

• O que torna algo normal ou anormal?

• Onde, quando, por quem foram criados os conteúdos ensinados?


• Em que medida o currículo é moldado pela visão colonial?

• Por que trabalhamos com divisão rígida de disciplinas em vez de


situações-problema?

• Em que medida as definições de nacionalidade e “raça”, forjadas no


contexto da conquista e expansão colonial,

• continuam predominantes nos mecanismos de formação da identidade


cultural e da subjetividade embutidos no currículo oficial?

• De que forma as narrativas que constituem o núcleo do currículo


contemporâneo continuam celebrando a soberania do sujeito imperial
europeu?

• Como, nessas narrativas, são construídas concepções sobre “raça”,


gênero e sexualidade que se combinam para marginalizar identidades que
não se conformam às definições de identidade considerada normal?

• Como as formas culturais que estão no centro da sociedade de consumo


contemporânea expressam novas formas de imperialismo cultural?

• Qual o papel dessas novas formas de imperialismo cultural na formação


de uma identidade cultural hegemônica e uniforme?

• Como o currículo, considerado como um local de conhecimento e poder,


reflete e, ao mesmo tempo, questiona formas culturais que podem ser
vistas como manifestações de um poder neocolonial ou pós-colonial?

• Quais conhecimentos são considerados válidos?

— Não, meninas. Esses questionamentos são importantes para refletirmos


sobre o assunto que não se esgota nele mesmo. Eles nos ajudam a
ampliar as discussões sobre o currículo na contemporaneidade. Por sua
vez, eles não têm respostas, mas sugerem pistas para analisarmos o
cotidiano escolar nos seus diversos aspectos.

Por outro lado, são importantes para justificar o fato de que grande parte
da produção que surgiu a partir da década de noventa foi influenciada
pelo pensamento pós-moderno, com ênfase na análise da relação entre
currículo e construção de identidades e subjetividades.
Podemos constatar que essa linha de trabalho está presente nas
produções de Giroux, McLaren, Cherryholmes e Popkewitz. Esses teóricos
defendem que o currículo constrói identidades e subjetividades, uma vez
que, junto com os conteúdos das disciplinas escolares, se adquirem, na
escola, valores, pensamentos e perspectivas de uma determinada época
ou sociedade. Por isso, os estudos sobre a cultura escolar, a cultura que a
escola privilegia, as diferenças culturais dos grupos sociais e as relações
entre esses elementos têm sido preocupações crescentes no campo
curricular. Os estudos multiculturais enfatizam a necessidade de o
currículo “dar voz” às culturas excluídas, “negadas ou silenciadas”.

Apenas para ilustrar, no estudo do currículo multicultural, destacam-se


pesquisadores como Sacristán, Giroux, Moreira, Silva, McLaren, Santomé.

Verificamos também que as questões raciais e étnicas começaram a fazer


parte das teorias pós-críticas do currículo quando a problemática da
identidade étnica e racial se inseriu no bojo das análises e discussões. Tal
fato aconteceu porque o currículo não pode se tornar multicultural apenas
incluindo informações sobre outras culturas.

Ainda sobre o assunto, entendemos que, mais do que isso, precisam-se


considerar as diferenças étnicas e raciais como uma questão histórica e
política. É essencial, por meio do currículo, desconstruir o texto racial,
questionar por que e como valores de certos grupos étnicos e raciais
foram desconsiderados ou menosprezados no desenvolvimento cultural e
histórico da humanidade e, pela organização do currículo, proporcionar os
mesmos significados e valores a todos os grupos, sem supervalorização
de um ou de outro (Hornburg e Silva, 2007).

— Que bom que vocês gostaram. Essa era a nossa intenção. Quanto à
pergunta de vocês, a resposta é não. Na próxima unidade estudaremos
sobre o currículo no Brasil e no mundo a partir de uma análise
comparativa de programas curriculares de alguns países, mas por hoje é
só.

— Até breve!

3. O CURRÍCULO NO BRASIL
Para discutirmos o currículo no Brasil, precisamos ter em mente que o
currículo tem um papel fundamental na transformação do sistema
educacional, assim como indica que tipo de homem ou mulher irá compor
a sociedade daqui a vinte ou trinta anos, ou seja, se serão críticos (as) ou
não. Além disso, estabelecerá que valores terão força nessa sociedade do
futuro.

— Vejam bem, meninas: de acordo com as pesquisadoras Alice


Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, as primeiras preocupações com o
currículo no Brasil datam dos anos vinte. Portanto, é a partir desse
período que centraremos nossa pesquisa.

— Esperamos que vocês dialoguem conosco para tirarem suas dúvidas,


e entendemos que estão certas quanto à importância atribuída ao
currículo.

— Ah! Quanto ao fato de os educadores terem ciência de sua


importância, entendemos que sim. Aliás, esse é um dos objetivos desta
disciplina em nosso curso, mesmo porque, em breve, vocês também
serão educadores ou educadoras, se é que ainda não o são. Estamos
certos?

Na tentativa de elucidarmos nossas dúvidas acerca da sistematização do


currículo no Brasil, recorremos ao trabalho de Antonio Flavio B. Moreira,
que realizou um estudo minucioso sobre os currículos e programas no
Brasil1. Além da obra desse autor, valemo-nos também dos textos de
Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, cuja contribuição é significativa
para o pensamento curricular no Brasil 5 .

Nesses termos, Moreira (1990) afirma que os estudos sobre currículo no


Brasil têm sua gênese no início do século XX, a partir de algumas
reformas efetuadas no campo educacional, tais como a da Bahia, a do
Distrito Federal e a de Minas Gerais. Vale dizer que o Brasil, nos anos
1920, presenciava as tensões e conflitos provocados pelos processos de
urbanização e industrialização e pelo recebimento de considerável número
de imigrantes. Além disso, nessa época, as ideias pedagógicas

5
Esse trabalho constitui-se em uma adaptação da tese de doutorado apresentada ao
Instituto de Educação da Universidade de Londres sob a orientação dos professores
Michael Young e Robert Cowen e realizada no período de 1984 a 1988.
progressistas decorrentes do pensamento de Dewey e Kilpatrick
começaram a exercer certo fascínio em nossos educadores e teóricos.

Assim, observamos que as reformas educacionais organizadas no período,


tendo à frente educadores identificados com o Movimento da Escola Nova
(na Bahia, no Distrito Federal e no estado de Minas Gerais), evidenciam
uma preocupação com as questões curriculares. A reforma promovida por
Anísio Teixeira considerou as disciplinas escolares como instrumentos
para o alcance de determinados fins, atribuindo-lhes o objetivo de
capacitar os indivíduos a viver em sociedade.

De acordo com Moreira (1990), o currículo, mesmo centrado em


disciplinas, foi proposto em harmonia com os interesses, com as
necessidades e com os estágios de desenvolvimento das crianças baianas,
demonstrando a preocupação tanto com os interesses e necessidades
individuais quanto com o atendimento das necessidades sociais.

Ademais, a reforma de Minas Gerais redefiniu o papel da escola


elementar, que, embora fosse vista como algo que deveria refletir a
sociedade, foi também considerada, de acordo com Moreira (1990),
instrumento de reconstrução social. Segundo o autor, a consequência
disso é que cada escola foi solicitada a transformar-se em minissociedade.

Outro aspecto identificado pelo autor é que a reforma enfatizou também


que as crianças não eram adultos em miniaturas, ao contrário, tinham
seus próprios interesses e necessidades, portanto, precisavam ser
respeitadas e desenvolvidas.

Ainda falando sobre a reforma de Minas Gerais, entendemos que seja


prudente destacar que os princípios progressistas enfatizavam a
importância do trabalho em grupo nas salas de aula, ambientes
instrucionais democráticos, processos ativos de ensino e aprendizagem,
cooperação entre professor e aluno, conexão entre o conteúdo do
currículo e a vida real, etc.

Apesar de sua importância, essa reforma não foi considerada, ao contrário


da que ocorreu no Distrito Federal em 1927 (Rio de Janeiro na época), a
mais revolucionária e sofisticada entre as ocorridas nos anos vinte.

A reforma do Distrito Federal, elaborada por Fernando Azevedo,


pretendeu, na visão de seu autor, modernizar o sistema escolar e
organizá-lo de acordo com os princípios filosóficos coerentes. Segundo
Moreira (1990), não se tratou, portanto, de uma reforma superficial,
restrita a aspectos administrativos ou a questões pedagógicas.

Essa reforma enfatizou as tarefas sociais do sistema escolar e sugeriu os


meios necessários para que tais tarefas fossem cumpridas. No dizer de
Moreira, a interação entre a escola e a sociedade, nessa reforma, foi mais
salientada que nas outras, ou seja, da Bahia e de Minas Gerais.

Conforme podemos observar, as reformas propostas pelos pioneiros da


educação representaram um importante rompimento com a escola
tradicional, por sua ênfase na natureza social do processo escolar, por sua
preocupação em renovar o currículo, por sua tentativa de modernizar
métodos e estratégias de ensino e de avaliação ou, ainda, por sua
insistência na democratização da sala de aula e da relação professor-
aluno (Moreira, 1990).

Ainda valendo-nos do mesmo autor, salientamos que, na década seguinte


(anos trinta), o campo do currículo no Brasil passou por outras reformas,
sendo que, nesse caso, sob liderança institucional do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do Programa de
Assistência Brasileiro-americana à Educação Elementar (PABAEE).
Segundo Moreira (1990), a tradição epistemológica que fundamentou
tanto as reformas como o enfoque curricular desenvolvido pelo INEP foi
basicamente composta por ideias progressivistas derivadas do
pensamento de Dewey e Kilpatrick. Tais ideias, segundo Saviani (1983
apud Moreira, 1990), foram bastante influentes no cenário educacional
brasileiro até o início da década de sessenta.

Podemos destacar que, apesar da expressa preocupação com a


reconstrução social, a maior contribuição das reformas acabou por se
limitar a novos métodos e técnicas. Essa ambiguidade pode ser
interpretada como refletindo, em certo grau, as ideias liberais dominantes
e a influência do processo de modernização das escolas americanas e
europeias.

Quanto ao desenvolvimento do campo do currículo no INEP, criado em


1938 para funcionar como centro de estudos de todas as questões
educacionais relacionadas ao Ministério da Educação e Saúde, Moreira
(1990) afirma que o pensamento desse instituto sobre a questão tinha
suas raízes em Dewey e Kilpatrick. No entanto, esse pensamento era
diretamente derivado da forma como os pioneiros, principalmente Anísio
Teixeira, interpretaram esses autores e os aplicaram à realidade
brasileira.

Não obstante, ao analisarmos os textos da época e a partir do ponto de


vista de Moreira (1990), percebemos que há indícios de que, apesar da
influência americana, educadores brasileiros realizavam, aqui no Brasil,
pesquisas e buscavam, aparentemente, construir um currículo nacional,
pois havia uma preocupação com a prática, com modos científicos e com
a realidade de nosso aluno.

No entanto, esse é um ponto de vista que precisa ser aprofundado, pois


há controvérsias sobre o assunto.
Por exemplo, segundo Lopes e Macedo (2005), desde os anos vinte até a
década de 1980, o campo curricular, no Brasil, foi marcado pela
transferência instrumental de teorizações americanas. Ademais, “essa
transferência centrava-se na assimilação de modelos para a elaboração
curricular, em sua maioria de viés funcionalista, e era viabilizada por
acordos bilaterais entre os governos brasileiro e norte-americano dentro
do programa de ajuda à América Latina” (Lopes; Macedo, 2005, p.13).

Frente ao exposto, não podemos fechar o assunto, mas sim nos valermos
dos diferentes pontos de vista para ampliarmos nossa análise.

— Não é bem isso. É claro que o que tínhamos, afinal, não dá para pensar
a educação sem o currículo. Por outro lado, não podemos negar que
recebemos fortes influências de outros países, em especial dos Estados
Unidos, conforme sinalizado pelas pesquisadoras Alice Casimiro Lopes e
Elizabeth Macedo.

— Mas vamos continuar nossa conversa, que logo vocês perceberão que
foi a partir dos trabalhos realizados nos programas citados, ou seja, INEP
e PABAEE, que a identidade curricular no país foi se constituindo.

Pois bem, uma vez compreendida a contribuição do INEP, vamos falar um


pouco sobre o PABAEE.

Segundo Moreira (1990), ao analisar os trabalhos desse programa,


percebe-se que a principal preocupação está centrada em procedimentos,
métodos e recursos cuja influência vem do discurso curricular americano.

Conforme vocês podem ter percebido, estamos falando dos anos vinte e
trinta do século XX, e aí cabe um questionamento: até quando
permaneceu esse pensamento?

Grosso modo, podemos dizer que até o final dos anos 1950, pois não
houve, no Brasil, grandes mudanças até então que alterassem o quadro.

Não obstante, a partir de 1964, com o golpe militar e as transformações


no panorama político, econômico, ideológico e educacional, e por meio de
diversos acordos assinados com os Estados Unidos, os quais visavam à
modernização e à racionalização do país, ocorreram o aumento e a
dispersão das discussões sobre o currículo.
Diante disso,

A tendência tecnicista passou a prevalecer, em sintonia com o discurso de


eficiência e modernização adotado pelos militares, e diluiu não só a
ênfase às necessidades individuais da tendência progressivista, mas
também as intenções emancipatórias das orientações críticas,
incompatíveis com a doutrina da segurança nacional que passou a ser a
eficiência do processo pedagógico indispensável ao treinamento adequado
do capital humano do país (Moreira, 1990, p.83).

Basicamente, essa situação durou dez anos, pois, nos anos oitenta, com o
início da redemocratização do Brasil e o enfraquecimento da Guerra Fria,
a hegemonia do referencial funcionalista norte-americano foi abalada
(Lopes; Macedo, 2005).

A partir de então, constatamos que a influência das condições


internacionais na evolução do campo do currículo foi, significativamente,
diferente da verificada anteriormente, pois percebemos uma maior
influência de autores europeus em detrimento de autores americanos.
Dessa forma, as forças inter-relacionadas de redemocratização do país,
como a criação de espaços institucionais para discussões e propostas
críticas, constituíram-se em elementos cruciais na definição das principais
tendências do campo contemporâneo do currículo e das respostas às
questões curriculares levantadas (Moreira, 1990).

A partir do início dos anos 1990, o campo curricular brasileiro vivenciou


diferentes influências curriculares, que eram compostas, de um lado, por
uma vertente marxista nacional, e, do outro, pelos autores ingleses
ligados à nova sociologia da educação.

Assim, em território nacional, tivemos dois grupos – pedagogia histórico-


crítica e pedagogia do oprimido – que disputavam a hegemonia nos
discursos educacionais e na capacidade de intervenção política, e, em
relação à produção inglesa, tivemos traduções de textos de Michael Apple
e Henry Giroux (Lopes; Macedo, 2005).

Contudo, não podemos dizer que uma ou outra tendência foi soberana. Ao
contrário, conforme sinalizam as autoras, a marca do campo de currículo
no Brasil nos anos 1990 é o hibridismo.
Resumidamente, hibridismo diz respeito ao que é composto por
elementos diferentes. Considerando-se que estamos estudando o
currículo, esse ponto de vista se justifica a partir do momento em que
observamos que o campo, nesse período, foi marcado mais pela
diversidade orgânica do que pela uniformidade, ao contrário do que
acontecia até então com a influência norte-americana.

Nesse novo contexto, observa-se um campo em que diferentes discursos


foram reterritorializados e habitados por sujeitos em si mesmos híbridos
culturais (Ladwig, 1988 apud Lopes; Macedo, 2005). Portanto, em
síntese, trata-se de um campo contestado em que se misturam
influências, interdependências, rejeições.

4. O CURRÍCULO COMPARADO

Uma vez feito um preâmbulo sobre o currículo no Brasil, propomos, a


seguir, uma viagem para compreendermos o currículo em diferentes
contextos. Porém, não pretendemos fazer uma análise minuciosa de cada
realidade, mas sim identificarmos características, em especial aquelas
relacionadas à elaboração e à implementação de propostas curriculares,
em diferentes países.

— É isso mesmo! Ficaria complicado elencar propostas curriculares de


todos os países, além do que, tornaria-se uma leitura muito exaustiva
para vocês, e não é o que propomos.

Portanto, selecionamos algumas propostas curriculares nos cinco


continentes, em especial nos países que passaram ou passam por algum
tipo de reforma, conforme ocorre no Brasil, para que possamos compará-
las.

— Esperamos que vocês gostem e aprendam conosco.

4.1 O currículo no continente americano

Nesse caso, selecionamos dois exemplos, o argentino e o americano, pois


ambos apresentam similaridades ao que ocorre aqui e em outros países
que iremos analisar.

Argentina: o sistema educativo argentino caracterizou-se, desde sua


formação, por uma forte centralização das decisões com respeito ao
currículo. Segundo Amantea et al. (2005), historicamente, os planos de
estudos para os diferentes níveis do sistema educativo, nesse país, eram
elaborados em nível nacional no Conselho Federal de Educação. As
intenções de descentralização começaram a ser produzidas a partir da
década de 1960 e se concretizaram com sucessivos processos de
transferência dos serviços educativos do governo nacional até as
províncias no final dos anos 1970 e em princípios dos anos 1990. Ainda
de acordo com as autoras, verificamos que, paulatinamente, as
jurisdições começaram a desenvolver os próprios planos curriculares no
marco dos princípios estabelecidos no Conselho Federal de Educação,
organismo que segue contando com a representação de todas as
jurisdições.

Contudo, Amantea et al. (2005) advertem que, na Argentina, apesar da


tendência à descentralização curricular presente na legislação recente, os
planos de estudo e os currículos são produzidos nas unidades centrais do
sistema nacional ou jurisdicional. Nesses termos, a comunidade local não
teve participação decisiva na produção do texto curricular oficial,
tornando-se o docente o intérprete do texto.

Por outro lado, sinalizam que “obviamente, a margem de decisão


outorgada à escola e ao professor varia de acordo com as jurisdições e o
nível do sistema educativo” (Amantea et al., 2005, p.45). Diante disso, é
possível observarmos, na Argentina, que, “em alguns casos, essa
característica centralizadora é compensada pela busca de consensos
mediante a implementação de mecanismos de consulta e intercâmbio com
os atores, especialmente docentes e diretores” (Ama ntea et al., 2005,
p.45).

Considerando-se a análise de Ama ntea et al. (2005), notamos que,


independentemente da concepção que se tem sobre o currículo, é
inegável que a definição de conteúdos, na Argentina, está relacionada a
uma série de fatores e pode, em muitos casos, gerar uma situação
conflituosa.

Ademais, a questão do ensinar é, nesse país, objeto de calorosas


polêmicas, já que a adoção de posições a esse respeito supõe confrontar,
frequentemente, tensões entre critérios de seleção contra postos (Ama
ntea et al., 2005).

Mas por que será que isso acontece?

Ao que parece, em função de que enquanto algumas vertentes do


pensamento pedagógico argentino enfatizam a necessidade de que os
conteúdos tenham significação do ponto de vista social, atendendo,
portanto, aos requisitos da vida contemporânea, eles devem também
preparar o aluno para uma adequada inserção comunitária.
Em síntese, apesar de o discurso oficial e de a legislação vigente
preconizarem o processo descentralizador, notamos que a proposta
curricular argentina é de caráter centralizador e enfrenta problemas com
a definição dos conteúdos escolares.

Estados Unidos: têm um currículo que é marcado pela centralização e


pela influência de mercado. Segundo Pinar (2006), nesse país, a maior
parte das escolas ainda tende a tomar como modelo a fábrica organizada
segundo a linha de montagem.

Na década de 1970, esse autor liderou o movimento de reconceitualização


do currículo nos Estados Unidos como forma de rejeição do modelo
técnico-funcionalista proposto por Bobbitt e Tyler, fazendo duras críticas
ao modelo vigente.

Atualmente, em seus textos, Pinar faz críticas severas ao currículo da


escola pública norte-americana. Por exemplo, no texto intitulado “A
equivocada educação do público nos Estados Unidos”, ele inicia sua
conversa expondo o seguinte ponto de vista:

Se a educação pública é a educação do público, então educação pública é,


por definição, uma reconstrução política, psicossocial e fundamentalmente
intelectual do eu e da sociedade, um processo em que os educadores
ocupam espaços públicos e privados entre as disciplinas acadêmicas e o
estado (e problemas) da cultura de massa, entre o desenvolvimento
intelectual e o engajamento social, entre a erudição e a vida cotidiana
(Pinar, 2006, p.139).

A partir dessa citação, depreendemos que o autor tenta explicitar a forma


como a educação pública acontece nos Estados Unidos e nos sinaliza que
a educação do público se baseia significativamente nas disciplinas
acadêmicas, mas, necessariamente, não significa, segundo o autor, que
estejam contemplando as necessidades do público.

Pinar fundamenta seu ponto de vista a partir da teoria de currículo ao


afirmar que o ensino é, ao contrário, uma questão de capacitar os
estudantes a empregar o saber acadêmico (e a cultura popular, cada vez
mais através da mídia e da Internet) para compreender sua própria
autoformação na sociedade e no mundo.

Mas não é isso que está acontecendo nos país, pois, segundo Pinar (2006,
p.144), “como a organização e a cultura da escola estão ligadas à
economia e dominadas pela ‘mentalidade empresarial’, a escola e o
campo do currículo norte-americano têm percorrido caminhos diferentes
durante os últimos trinta anos”.

Nesses termos, o autor nos adverte que, muito provavelmente, em um


futuro próximo, os professores – nos Estados Unidos – serão treinados
como engenheiros sociais, orientados a gerenciar o ensino que toma como
modelo, de forma flexível, os locais de trabalho das grandes corporações.

Diante disso, provavelmente, algum segmento do campo do currículo


norte-americano se dedicará a auxiliar na concepção e na implementação
desse currículo escolar espelhado no modelo da corporação.

— Resultados, afinal, essa é uma proposta curricular centrada na lógica


de mercado, ou seja, em objetivos e metas. E é nessa direção que o
governo norte-americano, sob a liderança do presidente George W. Bush,
implantou, recentemente, uma reforma educacional cuja ênfase é
centrada na aprendizagem dos conteúdos escolares, particularmente, das
habilidades de leitura e escrita, bem como dos fundamentos da
matemática, o que, aliás, é bem similar à proposta implantada em 2008
pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

Para que possamos conhecer melhor os principais pontos da reforma que


foi implantada a partir da lei conhecida como “Nenhuma criança deixada
para trás”, recorremos a uma pesquisa feita por Julio Emílio Diniz-Pereira,
recém-publicada aqui no Brasil, que mostra, sucintamente, as medidas
adotadas pelo governo norte-americano para dar conta da reforma curri
cular.

Portanto, dentre as ações, a reforma busca (Diniz-Pereira, 2008, p.238-


40):

1. Diminuir as diferenças de desempenho:

• responsabilidade e altos padrões: os estados, os distritos


escolares e as escolas devem se responsabilizar por assegurar que todos
os estudantes, incluindo aqueles em desvantagem, atinjam altos padrões
acadêmicos. O documento reforça que os estados devem desenvolver um
sistema de punições e premiações para os distritos e as escolas
responsáveis pela melhoria do desempenho acadêmico;

• avaliações acadêmicas anuais: avaliações anuais de habilidades


de leitura e matemática fornecerão informações aos pais sobre o
desempenho de suas crianças na escola e sobre como a escola está
educando suas crianças. Além disso, esse sistema de dados anuais é uma
ferramenta vital de diagnóstico para as escolas poderem melhorar
continuamente;

• consequências para escolas que falharem na educação dos


estudantes em desvantagem: as escolas que falharem no adequado
progresso anual dos estudantes em desvantagem irão primeiro receber
assistência e depois “ações corretivas”, se continuarem falhando em
relação a esse objetivo. Se as escolas falharem no adequado progresso
anual dos alunos por três anos consecutivos, estudantes em desvantagem
poderão usar fundos para se transferir para uma escola pública de melhor
desempenho ou para uma escola privada, ou, ainda, receber serviços
educacionais suplementares à sua escolha.

2. Melhorar o letramento ao colocar a leitura em primeiro lugar:

• foco na leitura nos anos iniciais: os estados que criarem bons


programas de leitura para estudantes da educação infantil até a segunda
série, baseados em pesquisas científicas, poderão concorrer a recursos do
novo programa “Leitura em primeiro lugar”;

• ensino da leitura na primeira infância: os estados participantes do


programa “Leitura em primeiro lugar” terão ainda a opção de receber
recursos de um outro novo programa, “Leitura em primeiro lugar e o
quanto antes”, para implantação de métodos de pré-leitura baseados em
pesquisa de programas de educação infantil, incluindo de zero a três
anos.

3. Aumentar a flexibilidade, diminuindo a burocracia:

• flexibilidade: mais escolas poderão desenvolver programas para


melhoria do desempenho acadêmico dos estudantes em desvantagem,
usando recursos federais juntamente com financiamento estadual e local
para melhoria da qualidade da escola como um todo;

• mais recursos para escolas tecnológicas;

• novas opções de flexibilidade para estados e distritos uma opção


de privilégios concedidos para estados e distritos comprometidos com a
responsabilidade e a reforma será criada.

4. Premiar o sucesso, punindo o fracasso:

• prêmios para a diminuição das diferenças de desempenho: os


estados com uma performance elevada e que diminuírem as diferenças de
desempenho entre os alunos, melhorando sua aprendizagem, serão
premiados;

• bônus de responsabilidade para os estados: cada estado receberá


um bônus cada vez que cumprir as metas de responsabilidade;
• prêmios “Nenhuma criança deixada para trás” para as escolas: as
escolas que demonstrarem sucesso ao melhorar o desempenho
acadêmico de estudantes em desvantagem serão reconhecidas e
premiadas com o bônus;

• consequências para o fracasso: o Ministério da Educação será


autorizado a reduzir recursos federais para despesas administrativas de
estados que falharem no cumprimento de seus objetivos de desempenho
acadêmico.

5. Implantar a escolha orientada dos pais:

• relatórios das escolas para os pais: os pais poderão fazer escolhas


orientadas por meio de relatórios sobre o desempenho de todos os grupos
de estudantes da escola de seus filhos e também de outras escolas;

• escolas de privilégio concedido: recursos serão fornecidos para


ajudar escolas de privilégio concedido a atingir alto padrão de qualidade;

• programas inovadores de escolha escolar e pesquisa: o Ministério


da Educação premiará com recursos os esforços inovadores para expandir
os programas de escolha dos pais, bem como conduzir pesquisas sobre os
efeitos desses programas.

6. Melhorar a qualidade dos professores:

• todos os estudantes sendo ensinados por professores de


qualidade: aos estados e distritos será dada flexibilidade no uso dos
recursos federais para darem mais atenção à melhoria da qualidade dos
professores. Espera-se que os estados se certifiquem de que todas as
crianças serão ensinadas por professores eficientes;

• recursos para quem trabalha: altos padrões de desenvolvimento


profissional serão estabelecidos para certificar que os fundos federais
estão promovendo uma prática de sala de aula efetiva e baseada em
pesquisa;

• fortalecer matemática e educação em ciências: a matemática e a


educação em ciências no Ensino Fundamental serão fortalecidas por meio
de parcerias entre os estados e as instituições de ensino superior para a
melhoria do ensino dessas disciplinas escolares (Bush, 2000 apud Diniz-
Pereira, 2008, p. 3-6).

Conformese observa, trata-se de uma reforma bem abrangente e que


busca resultados a qualquer preço. Para se ter uma ideia da atenção
atribuída pelo governo a essa reforma, basta mencionar que no dia do
atentado às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001, o presidente
Bush encontrava-se em uma escola no estado da Flórida acompanhando a
implantação da reforma.

Mas nem tudo são flores, pois, segundo Pinar (2006), o processo de
implementação da reforma fez com que os professores passassem a
sofrer uma forte pressão por parte do governo para que as unidades
escolares cumprissem as metas estabelecidas. Além disso, em alguns
estados, a reforma do ensino tem significado reforma da formação
docente, tanto no diz respeito a uma re-estruturação dos cursos de
formação de professores de base universitária, quanto na quebra do
monopólio da escola normal.

Ademais, essa reforma mostra-se um tanto contraditória à realidade


americana, posto que, apesar de os Estados Unidos serem o berço de
diversos movimentos curriculares, como o Multiculturalismo, com esse
novo modelo, “em geral, as escolas não inculcam nenhuma virtude a não
ser responsabilidade, competição e instrumentalidade burguesa, bem
como monoculturismo europeu” (Pinar, 2006, p.141).

Além disso, apesar da diversidade cultural observada no país, percebemos


que ela é ignorada na medida em que, embora o discurso progressista
conceba as escolas como laboratórios da democracia, “a verdade é que as
escolas públicas norte-americanas têm atuado no sentido de transformar
em ‘americanos’ e de preparar todos os cidadãos para empregos na
economia industrial” (Pinar, 2006, p.141).

4.2 O currículo no continente europeu

Para ilustrarmos o currículo nesse continente, escolhemos dois exemplos:


a Inglaterra e a Suécia. Este último por ser referência mundial como
modelo de educação, e o anterior para demonstrar que, se uma reforma
educacional e, consequentemente, do currículo, não for pensada
adequadamente, os resultados podem ficar aquém do esperado.

Inglaterra: o currículo inglês representa o caso mais exemplar de


centralização das políticas (Lopes, 2005). Uma ampla reforma educacional
produzida nos anos 1980, na vigência do mandato de Margareth Thatcher,
teve como um de seus marcos o currículo estabelecido pelos Atos de
Reforma Educacional de 1988 e 1990.

A autora destaca que algumas modificações nesse projeto foram


introduzidas em 1993, mas suas principais características centralizadoras
permaneceram, “conferindo ao currículo inglês uma orientação voltada
para o desenvolvimento de métodos de produção flexível na indústria e
para a recuperação de um passado imaginário de glórias nacionais, do
qual se esperava uma influência” (Ball, 1994 apud Lopes, 2005, p.126-7).
Essa reforma curricular trouxe sérias consequências para o sistema
educacional inglês, pois se constituiu em uma ruptura expressiva com as
políticas desenvolvidas até então nesse país. Isso aconteceu em função de
que o currículo anterior era organizado a partir de autoridades locais,
sendo, portanto, bem mais flexível e pensado para adaptar-se às
características das escolas e dos alunos.

Outro aspecto a ser destacado é que, além dessa ruptura, a reforma


trouxe consigo um conjunto de ações vinculadas a perspectivas
conservadoras sintonizadas com a lógica de mercado. Diante disso, as
escolas passaram a ser posicionadas em um ranking, pelo qual
receberiam – ou não – investimento. Segundo Lopes (2005), como
resposta, muitas dessas escolas passaram a se empenhar em matricular
alunos entendidos como garantidores de bons resultados nas avaliações,
acarretando a exclusão de negros e de crianças com necessidades
especiais. E mais, foi possibilitado aos pais que escolhessem a escola em
que gostariam de matricular seus filhos, sendo que deveriam levar em
consideração o desempenho das escolas nos exames.

Nesse caso, fica evidente que as funções das autoridades escolares, bem
como a autonomia dos professores, no que se refere às decisões
curriculares, foram reduzidas.

Talvez vocês possam questionar se isso não é o melhor, afinal, “os


resultados” obtidos pelo sistema educacional inglês são melhores que os
brasileiros. Concordamos em parte, pois nem sempre os fins justificam os
meios e, portanto, preferimos fazer uma análise crítica do assunto, e não
apresentar um olhar neutro, mesmo porque estamos falando de
educação, mais precisamente do currículo educacional, e não de um
sistema de produção fabril.

Não somos contrários à liberdade de escolha, afinal, defendemos o livre


arbítrio. Entretanto, da forma como a reforma foi imposta e diante das
consequências que causou na Inglaterra, acreditamos que dessa forma
ela não contribui

para a melhoria da educação, mas sim para o fortalecimento da


competitividade entre escolas e famílias.

Mas por que será que isso acontece?

Para responder a essa indagação, partimos do pressuposto de que o


Estado transferiu a responsabilidade da gestão para as autoridades locais,
que, segundo Libâneo (2004, p.30), pode ser analisada de duas maneiras,
ou seja,

Conforme o ideário neoliberal, colocar a escola como centro das políticas


significa liberar boa parte das responsabilidades do Estado, dentro da
lógica do mercado, deixando às comunidades e às escolas a iniciativa de
planejar, organizar e avaliar os serviços educacionais. Na perspectiva
sociocrítica significa valorizar as ações concretas dos profissionais na
escola, decorrentes de sua iniciativa, de seus interesses, de sua
participação, dentro do contexto sociocultural da escola, em função do
interesse público dos serviços educacionais prestados sem, com isso,
desobrigar o Estado de suas responsabilidades.

No caso inglês, fica evidente que o sistema de gestão privilegiou a


primeira perspectiva, pois, dadas as características do regime político que
implantou as reformas, ou seja, neoliberal, não há como termos outro
ponto de vista.

A situação era caótica e insustentável por parte dos atores locais, que,
por sua vez, ansiavam por um provável aumento da diversidade e da
escolha, mas o então primeiro-ministro, John

Major, que era um político conservador, do outro lado, ansiava pelo dia
“em que todas as escolas com financiamento público funcionassem como
escolas com ‘livre auto-administração’”. Segundo Whitty e Power (2002),
Major contava com os confiáveis diretores de escolas, professores e
membros do governo para o bom funcionamento das suas escolas, bem
como nos pais, para que estes fizessem a escolha certa para as suas
crianças.

O conjunto de mudanças verificado na reforma curricular mostra, segundo


Lopes (2005), que é possível concluir que em nenhum outro país o
processo de centralização curricular tenha sido tão dominante e tão
marcado por relações com o mercado quanto o ocorrido na Inglaterra.

Suécia: a reforma curricular nesse país deu-se a partir de uma lei


educacional de 1985, segundo a qual ficaram estabelecidas orientações
curriculares nacionais detalhadas, incluindo, segundo Lopes (2005), os
componentes curriculares de cada curso em unidades didáticas de
sessenta minutos.

A reforma educacional sueca não se restringiu ao ensino fundamental e


médio, pois, na década seguinte, o país investiu na educação infantil, e os
reflexos são identificados na atualidade. Nesse início de século, por
exemplo, o percentual de professores especialistas fica entre 50 e 60%
dos profissionais responsáveis pelo cuidado das crianças, assegurando,
portanto, uma nova relação com o ensino regular. Além disso, o governo
reconheceu que trazer o ensino infantil para a escola significa investir
também em um modelo pedagógico. Nesses termos, o primeiro-ministro,
Göram Persson, declarou que a educação infantil deveria ser obrigatória e
vista como “o primeiro passo em direção a uma vida de aprendizagem
contínua”.

Com a intenção de garantir uma preparação prévia para a educação


básica, nesse país, todas as crianças entram na pré-escola pelo menos
um ano antes de iniciar a escolarização obrigatória. Segundo Valente
(2007), as instituições que realizam esse trabalho não pertencem ao
sistema regular de ensino, mas aos programas governamentais de auxílio
à criança.

O país investe muito em educação, aliás, é o que mais investe no mundo,


posto que só em 2005 investiu 7,6% do produto interno bruto (PIB).
Dessa forma, o país consegue ostentar os melhores resultados nos
sistemas de avaliações internacionais, sendo que a parcela do orçamento
voltada para o ensino é distribuída de tal forma que aumenta os
incentivos, estimulando os estudantes.

Para tanto, a educação é obrigatória para alunos dos sete aos dezesseis
anos de idade; quando o aluno chega ao nível médio, é encaminhado para
classes integradas cujo objetivo é acomodar indivíduos a partir dessa
idade. No país, há um sistema municipal de educação destinado aos
alunos maiores de dezesseis anos, que, por sua vez, oferece o mesmo
padrão de qualidade dado aos mais jovens. No que se refere ao ensino
superior, a Suécia conta com um sistema aberto a qualquer um e com
qualificações bastante diversificadas.

Frente ao exposto, depreendemos que os resultados são frutos da


preocupação do Estado para com a educação. Dessa forma, é verificado
que a pré-escola, a educação obrigatória e o ensino médio são
controlados pelas autoridades municipais, mas os gastos com a
manutenção são divididos com o Estado. As escolas são gratuitas e,
mesmo tendo condições, seus alunos ainda recebem o material escolar, a
refeição e o transporte.

Dada a realidade educacional observada no país, existem poucas escolas


particulares, já que o Estado garante educação gratuita e de qualidade
para sua população.

No que se refere ao programas de incentivo à educação, a Suécia tem


vários. Por exemplo, os pais dos estudantes recebem o salário-família,
que é idêntico para todos, até que os dependentes completem dezesseis
anos, diferentemente do Bolsa-Família do governo federal brasileiro, que
contempla apenas as famílias de baixa renda. A partir daí, os jovens que
desejam continuar os estudos recebem bolsas. Chegando ao nível
superior, essas bolsas passam a ser empréstimos re-embolsáveis. As
administrações municipais proporcionam a um número cada vez maior de
crianças atendimento durante todo o dia e atividade fora do horário
escolar por preços módicos. A educação em nível universitário é
totalmente controlada pelo governo, a partir de cerca de trinta instituições
que oferecem ensino gratuito. Na Suécia, as pessoas com retardo mental
cursam uma escola especial, que não é apenas um direito, mas faz parte
da escolarização obrigatória, na faixa dos sete aos 21 anos. A integração
entre o ensino regular e o especial cria condições para uma cooperação
mútua, oferecendo aos deficientes mentais as mesmas facilidades de que
dispõem os outros estudantes.

Na tentativa de garantir os mesmos diretos à sua população, o sistema


educacional sueco preza por uma política centrada na manutenção de um
currículo homogêneo, ou seja, igual para todas as escolas do país. É
evidente que há críticas a esse modelo curricular, pois alguns
especialistas da área de currículo entendem que, nesse caso, não é
respeitada a diversidade. Não obstante, questionamos: será que há
diversidade no país, a exemplo do que ocorre no Brasil ou nos Estados
Unidos?

Ao que parece, não. Portanto, a possibilidade de o sistema funcionar é


bem mais ampla que a nossa, por exemplo.

Dessa forma, a proposta curricular do país contém exigências expressas


quanto às tarefas escolares, de maneira que elas se adaptem às
necessidades intelectuais e sociais dos alunos. Segundo Valente (2007), o
objetivo principal do governo é beneficiar o desenvolvimento da
personalidade da criança, aumentar suas possibilidades de uma boa
colocação no mercado de trabalho e garantir uma intensa participação na
vida da com unidade.

Considerando-se o exposto, é inegável que o sistema educacional da


Suécia funciona de modo bastante adequado, o que resulta em uma
posição invejável no cenário internacional.

— Vejam bem! Para responder às indagações de vocês, precisamos


entender que as realidades do Brasil e da Suécia são muito diferentes.
Neste país, a educação sempre foi prioridade e, portanto, eles colhem os
frutos do que plantaram. Aqui, infelizmente, somente nos últimos anos
nossos políticos passaram a entender que a educação deveria ser
priorizada.

Contudo, quanto ao investimento, não estamos distantes de muitos países


do primeiro mundo, pois o Brasil investe anualmente cerca de 5% do
nosso PIB. Talvez a forma como investe não esteja surtindo os efeitos
desejados, mas o simples fato de priorizar a educação já representa um
grande avanço.

4.3 O currículo na Oceania

Nesse caso, talvez pudéssemos ter selecionado dois exemplos, ou seja, a


Austrália e a Nova Zelândia, afinal, são os maiores países do continente.
Porém, optamos apenas pelo último, para mostrarmos que, apesar da
semelhança com a reforma inglesa, os resultados identificados nesse país
foram relativamente diferentes dos ingleses, em função da maneira como
a reforma foi administrada.

Nova Zelândia: na década de 1980, assim como a Inglaterra, a Nova


Zelândia implantou uma reforma educacional introduzindo uma estrutura
curricular nacional associada aos sistemas de avaliação centralizada nos
resultados (Lopes, 2005).

Não obstante, conforme afirmam Whitty e Power (2002), contrariamente


à Inglaterra, a Nova Zelândia foi, de certa forma, um contexto
surpreendente para uma experiência radical, tentando se associar a um
programa conservador. Diferentemente do que ocorreu na Inglaterra e
nos Estados Unidos, na Nova Zelândia não se verificou a inquietação geral
acerca dos padrões educacionais no sistema educativo estatal, tampouco
se deram as vastas discrepâncias no desempenho das escolas que
contribuíram para um “pânico mora l” sobre o ensino urbano naqueles
dois países.

As reformas iniciais foram introduzidas pelo governo trabalhista que,


segundo o relatório Picot, de 1988 (Wilie 1995 apud Whitty; Power,
2002), abraçou entusiasticamente o monetarismo e as novas técnicas de
administração pública.

Outro aspecto a ser destacado é que as reformas educacionais


introduzidas em outubro de 1989 conduziram à transferência da
responsabilidade sobre a atribuição orçamental, a admissão de pessoal e
sobre os resultados educativos, saindo do governo central e dos quadros
educativos regionais para cada uma das escolas individualmente. Foram
conferidos às escolas conselhos de administração que detinham um
controle efetivo sobre os modelos de admissão, com normas ainda mais
suaves do que na Inglaterra.
Contudo, podemos observar que, na Nova Zelândia, o modelo de
autogestão escolar foi mais equilibrado do que aquele experimentado na
Inglaterra. Isso se deve ao fato de que, nesse país, foi atribuída mais
ênfase à equidade, ao envolvimento da comunidade, ao envolvimento
parental e ao associativismo entre pais e professores.

Conforme sinalizam Whitty e Power (2002), nem os custos com os


salários dos professores, nem alguns serviços centrais de apoio foram
transferidos para os orçamentos das escolas, embora tenham existido
alguns movimentos subsequentes nesse sentido, após a eleição da
administração do Partido Nacional, em 1990.

4.4 O currículo no continente africano

Falar do currículo africano é um pouco complexo, pois nossa literatura não


traz muitas contribuições sobre o assunto, já que ainda estamos em fase
de construção de estudos afro-brasileiros. Não obstante, o que
pretendemos, nesse caso, é analisar o currículo de alguns países para que
possamos ter contato com o currículo desse continente.

Tomamos como exemplo de análise o caso de Angola e de Guiné-Bissau,


em função da disponibilidade de dados desse último país no que concerne
à política educacional e curricular dos países investigados e por Angola ser
um país que traz muitas semelhanças em vários aspectos com o Brasil.

Guiné-Bissau: de acordo com Ocuni Cá 6 , desde o final dos anos setenta,


a Guiné-Bissau vive uma crise social na educação, pois os responsáveis
pelo setor educacional estavam à procura de uma estratégia apropriada,
tanto quantitativa como qualitativa, para solucionar os problemas do
ensino básico.

O país tem sérios problemas, pois, apesar de estar prescrito que a


educação é obrigatória, na prática, não conseguia atender nem a metade
das crianças em idade de serem alfabetizadas. Para complicar a situação,
a educação guineense, no período, tinha uma série de problemas, tais
como taxas de repetência e evasão, que atingiam índices elevadíssimos, a
progressão prevista nos programas era rápida demais para os alunos,
especialmente nas duas primeiras séries do ensino elementar, não havia
material didático suficiente e muitos outros.

O ensino estava organizado em dois ciclos, um de quatro anos para o


ensino básico elementar e outro de dois anos para o ensino básico
complementar, sendo que, em função dos programas heterogêneos,

6
Para analisarmos o currículo nesse país, tomamos como referência a dissertação de
mestrado de Lourenço Ocuni Cá (1999), que discute a política educacional de Guiné-
Bissau no período compreendido entre 1975 e 1997
constituía um obstáculo muito sério para que os alunos conseguissem
finalizar o curso.

A título de comparação, esse modelo é parecido ao adotado pela


Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que organiza o ensino
em dois ciclos, um do 1º ao 5º ano e o outro do 6º ao 9º ano 7 , sendo que
o aluno pode ser reprovado no término de cada ciclo.

Outro aspecto a ser destacado que interferia no currículo do país é que a


formação pedagógica da maioria dos professores era baixa; a média
nacional de profissionais habilitados não chegava a 20% do corpo
docente. Portanto, a maioria não tinha preparação especifica mente
pedagógica (Ocuni Cá, 1999).

Na tentativa de reverter o quadro, o governo implantou uma política


curricular pautada na obrigatoriedade do ensino básico universal e
gratuito com duração de seis anos.

Diante disso, o ensino passou a ter a finalidade principal de fomentar e


assegurar um conjunto de conhecimentos, valores e experiências que
consentissem a cada jovem participar da vida social e econômica da
Guiné-Bissau, permitindo-lhe, ainda, desenvolver o espírito de
objetividade, a consciência da existência de regras universais e o
conhecimento das normas institucionais.

Para dar sustentação a essa nova proposta, a estrutura do ensino foi


modificada da seguinte forma: seis anos sucessivos de ensino, da 1ª a 6ª
série, divididos em três fases (ciclos), a saber: a primeira fase incluía a 1ª
e a 2ª séries; a segunda fase, a 3ª e a 4ª séries, e a terceira fase, a 5ª e
a 6ª séries.

Conforme podemos observar, essa organização é similar à proposta pelos


Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que, apesar de não ter sido
adotada pelos estados, serviu como referência para que cada um
adotasse uma organização própria.

Com esse processo organizacional do ensino, para cada fase, a Guiné-


Bissau pretendia que os objetivos fossem atingidos no decorrer de dois
anos letivos, ou seja, no final de cada ciclo. Portanto, entre o primeiro e o
segundo ano de cada ciclo, aplicava-se a promoção automática, ou seja,
dentro de dois anos, os alunos passavam diretamente de uma série para
outra, não havendo, portanto, exames classificatórios.

No entanto, dentro do programa de estudos de uma fase, estava prevista


uma avaliação pedagógica contínua, e, ao final de cada fase de dois anos,
7
A partir de 2009, como parte de sua reforma curricular, a Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo lança o Ensino Fundamental de nove anos, que será implantado
gradativamente.
realizava-se uma avaliação do rendimento do aluno em termos de
conhecimentos adquiridos e de comportamento, avaliação essa que,
segundo Ocuni Cá (1999), determinava a passagem de uma fase para
outra. Dessa forma, havia a possibilidade de repetência no final de cada
fase.

Ao analisar a estrutura organizacional e a proposta curricular de Guiné-


Bissau, percebemos que há muitas semelhanças com as adotadas em
alguns estados brasileiros, principalmente no estado de São Paulo. Por
outro lado, não podemos dizer que os resultados obtidos sejam os
mesmos, pois não dá para comparar as duas realidades, por serem tão
distintas no que concerne ao investimento em educação, bem como em
vários outros aspectos.

Entretanto, não podemos deixar de mencionar que, assim como a Guiné-


Bissau, o estado de São Paulo tem sérios problemas com a progressão
continuada, mas entendemos que a volta da seriação seria um
retrocesso; é em função desse e de outros problemas que o estado vem
fazendo uma série de mudanças a partir do Programa “São Paulo Faz
Escola”.

Retomando a reforma educacional da Guiné-Bissau, verificamos que, para


redefinir uma nova diretriz do ensino, o governo, através do Decreto nº
6.088, de 30 de dezembro de 1988, fixou as orientações em matéria de
ensino, destacando três objetivos básicos:

• promover a qualidade e a eficácia do ensino;

• aumentar a relevância do sistema de formação;

• racionalizar os meios.

Não obstante, a política adotada não garantiu o cumprimento dos


objetivos propostos, conforme podemos constatar a partir do texto que
segue, do professor Mamadu Lamarana Bari:

Ao se rever as estatísticas sobre a Educação na Guiné-Bissau, verifica-se


que pouco ou nada se acrescentou ao longo destes 33 anos da sua
emancipação política, apesar do país hoje contar com quadros formados
em número suficiente para suprir a carência que apresentava antes e
depois da independência, até o final da década de 80 (Bari, 2007).

Se numa primeira fase, nos cinco anos do pós-independência, havia


poucos quadros formados, depois dessa altura a situação inverteu-se
positiva e gradualmente, de ano para ano, quer a nível de quantidade,
quer a nível de qualidade e diversidade das áreas de formação dos
quadros guineenses (Didinho, 2006 apud Bari, 2007).
Frente ao exposto, percebemos que, apesar da tentativa de reforma
educacional e, consequentemente, do currículo, os resultados estão muito
aquém do esperado, pois, ainda segundo o autor, a educação básica, ou
seja, os seis anos obrigatórios de ensino obrigatório, continua definhando,
esperando por políticas públicas que venham contemporizar as carências
que nela se avolumam a cada dia.

Apenas para ilustrar esse quadro, as estatísticas do país mostram que,


em 2007, de cada cem mulheres, 85 são analfabetas, e de cada cem
homens, 53 também o são. Portanto, embora tenha havido melhoria no
país quando se compara o final do período colonial à atualidade (de
11.514 para 123.307 alunos matriculados e de 20% para quase 50% o
percentual de professores formados), mesmo assim, a questão da
permanência dos alunos na escola e a qualidade do ensino ainda é um
obstáculo a ser superado.

Figura 3: Criança guineense estudando. Fonte: http://www.didinho.org/


Angola: para falar do currículo angolano, é necessário ressaltar que o
país, após a independência, passou por um longo período de guerra civil,
alcançando a paz somente em abril de 2002, e foi a partir daí que a
educação conseguiu progredir significativamente, quando comparada à
situação anterior.

Para ilustrar o quadro caótico no qual o país se encontrava até 2002, das
escolas existentes após sua independência de Portugal, mais de 50%
foram completamente destruídas durante a guerra e mais de 40% das
crianças em idade escolar não estavam matriculadas.

O Ministério da Educação de Angola iniciou, em 2004, uma reforma


educacional de modo experimental, com o intuito de mudar a situação do
país. Diante disso, foram contempladas, no primeiro ano, as 1ª, 7ª e 10ª
séries com novos programas e materiais em escolas selecionadas pelo
país. Em 2005 foi a vez das 2ª, 8ª e 11ª séries, enquanto a experiência
das outras séries foi avaliada e, a partir de 2006, o processo foi se
expandindo para todo o segmento.

A proposta inicial adotada foi voltada para garantir o acesso à educação


primária a um número cada vez maior de crianças em idade escolar e, em
seguida, buscar a qualidade da educação, algo bastante similar às
políticas educacionais brasileiras.

Para que possamos nos situar melhor, atualmente, o sistema educacional


angolano está estruturado em três níveis, primário, secundário e superior,
sendo que o primário vai da 1ª a 6ª série, e o secundário, do 7º ao 13º
ano de escolaridade, divididos em dois ciclos: o primeiro que incorpora o
7º, 8º e 9º anos de escolaridade, e o segundo, do 10º, 11º, 12º e 13º
anos de escolaridade.

Não obstante, para refletirmos sobre o processo ensino-aprendizagem


angolano, ou seja, sobre o currículo, não há como não nos referimos à
cultura do país.

Para tanto, recorremos aos estudos realizados por Tânia Jandira


Rodrigues Ferreira. De acordo com sua pesquisa, o processo educacional
existente em Angola é centrado na cultura da obediência. Com isso, há
escolas e até mesmo algumas organizações não-governamentais (ONG)
que enfatizam a disciplina e a obediência à escola e à sociedade como um
todo. Nesses termos, as crianças só podem falar com autorização do
professor, sendo que o castigo físico, em alguns casos, ainda faz parte do
processo disciplinador do país.

Face ao exposto, a metodologia utilizada no ensino público privilegia a


memorização e não o processo de reflexão sobre a realidade. Ademais, as
aulas, na maior parte das vezes, são dadas em português, negando as
línguas nacionais existentes, umbundo, kimbundo, kikongo, n´ganguela,
tchokwe, entre outras.

4.5 O currículo no continente asiático

Para exemplificar o currículo nesse continente, bem como comparar ao


nosso, escolhemos o caso japonês, em função das relações culturais
existentes entre os dois países.

Japão: a educação japonesa foi orientada por um sistema de leis, cuja


gênese deu-se com a introdução da escrita chinesa e do budismo no
século VI, sofrendo algumas modificações no decorrer de sua história até
o término da Segunda Guerra Mundial, sob o domínio das forças
americanas em 1947. Desde então, o Japão aprovou uma nova lei para
orientar o sistema educacional que, grosso modo, ainda vigora no país.

Mas como funciona a educação nesse país?

Verificamos que, quanto à organização curricular, há algumas


semelhanças com o caso brasileiro, mas, em outros aspectos, há algumas
divergências.

No Japão, a criança ingressa na educação infantil com um ano de idade, e


no ensino fundamental, com seis, cuja duração é de nove anos. Aos
quinze anos, quase todos os adolescentes vão para o nível médio, cuja
duração é a mesma que a nossa, ou seja, três anos.

O ensino nos níveis fundamental e médio é obrigatório e, portanto,


garantido pelo poder público. Já a educação infantil é oferecida por meio
de um sistema de parceria do governo com a iniciativa privada, que
administra cerca de 60% desses estabelecimentos, a exemplo do que vem
ocorrendo no Brasil, especialmente na cidade de São Paulo, com as
creches conveniadas. O ano letivo tem início em abril e pode ser dividido
em dois ou três períodos. Dessa forma, há escolas que adotam dois e
outras três com cinco dias semanais, desde 2002 (até então, eram de
seis), conforme pode ser visualizado na figura 4.
Trata-se de um sistema bastante competitivo no que concerne ao acesso
ao ensino superior, gerando, portanto, uma preocupação muito grande
por parte dos adolescentes e de suas famílias. Para ilustrar essa
informação, de acordo com o Ministério da Educação, Cultura, Esportes,
Ciência e Tecnologia do Japão, em 2005, o percentual de alunos que
cursaram uma universidade ou outros cursos pós-médio ficou próximo de
76%.

Ainda de acordo o Ministério da Educação Japonesa, no momento, a


educação no país passa por uma re-estruturação, que teve início em
2002, cuja intenção é adaptá-la ao século XXI, mudando sua ênfase da
disciplina e do respeito à tradição para a liberdade e a criatividade. Sobre
esse assunto, Tizuko Morchida Kishimoto, já no final dos anos noventa,
sinalizava que

Os sistemas de ensino, na atualidade, dividem-se em propostas


propedêuticas, preparatórias para a escolaridade posterior, com ênfase
em conteúdos e centradas na figura do professor e nas orientações
voltadas para a socialização da criança em desenvolvimento, em que a
brincadeira permite a liberdade de ação, expressão e criatividade (1997,
p.64).

Porém, ao que parece, as mudanças não estão agradando, pois, pouco


tempo depois de sua implantação, é possível observarmos, a partir da
análise do mesmo documento analisado, que os resultados obtidos pelos
alunos com a nova proposta, quando comparados aos de outros países,
em especial aos dos alunos dos países-membros da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), não estão atendendo
às expectativas dos pais e já há um movimento por parte desses para
retornar ao modelo anterior.

No que se refere ao currículo propriamente dito, verificamos que é


determinado pelo Ministério da Educação, que é, assim como o material
didático, acompanhado periodicamente por meio de um sistema de
avaliação governamental, a exemplo do que acontece em muitos países.

Finalizando

A partir da análise comparativa do currículo que ora realizamos,


entendemos que as reformas realizadas nos Estados Unidos, na
Inglaterra, no Brasil (pelo menos em alguns estados) e na Argentina, por
exemplo, evidenciam aspectos comuns, que podem ser vistos, portanto,
como tendências internacionais, em cujo âmbito elas se situam.

São elas:

• adoção de um modelo centralizado de currículo coexistente com


processos de desregulação de outros aspectos de educação;

• recurso a equipes de notáveis para a definição do conhecimento


oficial 8 ;

• elaboração de propostas detalhadas, extensas e com plexas;

• associação do currículo com o sistema nacional de avaliação.

Em sintese, é isso que pretendíamos trazer para vocês. Provavelmente,


devem ter percebido, o estudo sobre o currículo não é muito simples, pois
requer uma análise crítico-reflexiva relativamente complexa sobre o
assunto.

Ressaltamos que isso acontece porque, apesar de o currículo ser


entendido, em um primeiro momento, como um conjunto de disciplinas,
programas e planos de estudos, entendemos que o termo não se resume
a isso, pois é a expressão de tudo o que existe na cultura científica,
humana e artística, o que, por sua vez, é transposto para uma situação
de ensino e aprendizagem. Portanto, deve ser entendido como tudo aquilo
que tem caráter educativo e que se aprende tanto na escola quanto fora
dela, afinal, o currículo tem uma forte ligação com a cultura.

8
O Brasil, por exemplo, por ocasião da elaboração dos PCN, contou com a coordenação
de especialistas espanhóis, com destaque para César Coll.
Com isso, ao término dessa conversa, esperamos que vocês tenham
entendido nossa proposta e aprendido conosco.

Bibliografia básica

LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Org.). Políticas de currículo


em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006. Série Cultura, Memória
e Currículo, v.7.

. Currículos: debates contemporâneos. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2005.


Série Cultura, Memória e Currículo, v.2.

MOREIRA, Antonio Flávio B. Currículos e programas no Brasil. 8.ed.


Campinas-SP: Papirus, 1990.

PACH ECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005.

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às


teorias do currículo. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

Bibliografia complementar

BARI, Manadu Lamarana. Educação: reflexão para o debate inevitável na


projecção do desenvolvimento. Disponível em: <
http://www.didinho.org>. Acesso em: 16/11/2008.

DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Formação docente nos Estados Unidos:


aliança conservadora e seus conflitos na atual reforma educacional norte-
americana. Educação e Sociedade. Campinas, v. 29, n. 102, p.233-52, ja
n./abr. 2008. Disponível em <http://www.cedes.unicam p. br>. Acesso
em: 15/11/2008.

FERREIRA, Tânia Jandira Rodrigues. Retrato de Angola a partir da visão


de uma brasileira. Disponível em: < http://www. brasilangola.org.br>.
Acesso em: 20/11/2008.
HORNBURG, Nice; SILVA, Rubia. Teorias sobre o currículo: uma análise
para compreensão e mudança. Revista de Divulgação Técnico-científica do
ICPG, v. 3, nº10, jan/jun, 2007.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Brinquedo e brincadeira na educação


infantil japonesa: proposta curricular dos anos 90. Educação e Sociedade,
ano XVIII, nº 60, dezembro/97, p.64-88.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática.


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