Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NãO vão
PARA o
céu
MENINAS LOUCAS
NãO vão
PARA o
céu
TÓIA AZEVEDO
Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?
Hilda Hilst
Prefácio
Eu conheci a Tóia num evento de dia das mulheres, e isso é bem signifi-
cativo. Não um desses eventos em que oferecem maquiagem, flores e bom-
bom, mas num desses que dão porradas nas entranhas nos mostrando que
o caminho ainda é longo para as fêmeas. Depois dos soquinhos no cérebro,
vieram os drinks e a Tóia me contou que era artista. Acho lindo mulher que
se assume artista, essa talvez seja a maior barreira a ser transpassada. Pra
além da percepção de que se é uma artista (e no caso dela com diploma e
tudo!), há que se gritar : eu sou uma artista! Prestem atenção em mim, eu
existo, eu produzo, eu faço isso pra me sentir viva!
e esse verso já diz muito sobre a intensidade luminosa da obra. E depois ela
nos joga uma questão: para onde vão as meninas loucas?
Ou seja, pra onde vão as mulheres? (Porque nem a Barbie escapa dessa
lista). Pra onde vão as mulheres que escrevem, que fotografam, que pin-
tam, que tocam e produzem? Pra onde vão as mães, as donas de casa, as
cozinheiras, as avós que buscam os netos na escola, as moças que correm
pela manhã no parque? Pra onde vamos todos nós, mulheres, com nossas
bagagens, nossos medos, nossos sonhos? Num paralelo com a poeta ar-
gentina Suzana Thénon (1935-1991), que ironizava as antologias de poesia
escrita por mulheres dizendo que o que se queriam (os organizadores) “é
não só que escrevam, mas que sejam feministas, alcoólatras, anoréxicas,
violentadas, lésbicas, e se possível muito muito desgraçadas”, Tóia questio-
na nosso espaço em vida e além.
descemos”
Aqui a artista está em casa, a artista está bêbada, a artista sofre, a artista
está pela cidade, a adentrar o Belas Artes e os karaokês na vida noturna da
maior metrópole do país. A artista está viva e grita. A artista celebra a sua
inexistente chance de desistir. A artista pertence à sua própria arte e avisa
“nem minha morte pertence a mim”.
Camila Assad
I.
Na escuridão eu existo
eu
que não fui parida
para ser existida
e o parto
longo e sangrento
e o quarto de hospital
zona de guerra
homens mortos e meninas parindo
parindo filhas dos homens mortos
todas elas passarinhas
que deveriam estar voando na porra do céu.
eu chorei
pois sabia ter chegado a esse mundo
pavoroso;
ela chorou também:
doeu para um caralho e a menina era feia como o diabo
(talvez fosse só a anestesia)
se apronte
seu marido-avô vem
buscar nós duas.
Meninas loucas
provocação ou fetiche
como paçoquinha queria
provar o corpo se quebrar
deslocar
não vão
virar massa disforme
o gosto o gosto
à míngua
sentir o corpo de deus
para o
dissolvendo
na minha
lí
ngu
céu
a
mulher profanada
fui
pura
uma vez
ao dia
virgem maria
envolta em lençóis
brancos
é sua pelucia vermelha que
desejo tanto
clamando redenção
terrena
cavando o terreno
deixando-se cravar
estacas demarcadas
profana
desvairada
efêmera
como
todas
as
filhas
de
eva
Nada vai me deixar longe do meu homem
sempre atrasada
entre nada
e exagero
*
sempre escolher
entre se jogar da escada
e cortar a cara com gilete
sempre
perder
a
porcaria
do
controlesjbzbxndncnxmsdbxbdnfhgff[
sempre
meudeusmeudeusmeudeussssssquerserinternadadenovoporra?sempresempre-
sempresem
presempresempresempresempresempreaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
aaaaaaaa
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaa
aaaa
aaa
aa
a
Esta é apenas uma ligeira amostra do que está no livro
(anti)debutante MENINAS LOUCAS NÃO VÃO PARA O CÉU
da poeta e artista visual Tóia Avezedo.
Obras Provokeativas:
A editora autoriza a reprodução deste livro, total ou parcialmente, sempre e quando seja para uso
pessoal e sem fins comercias.
O projeto das capas foi realizado por Renan Preto a partir de intervenções gráficas sobre a foto-
grafia “Mulher Medial” (2020), obra original de Tóia Azevedo. Demais ilustrações presentes são
da artista.
Azevedo, Tóia
Meninas loucas não vão para o céu / Tóia Azevedo.
-- São Paulo, SP: Provokeativa Editora, 2021.
ISBN: 978-65-88559-05-5
21-81051 CDD-B869.1
@provokeativa