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SETE 

CRIANÇAS JUDIAS, uma peça por Gaza 
De Caryl Churchill 
Tradução de Laís Blanco 
 
 
Nenhuma criança aparece na peça. Quem fala são adultos, os pais e se 
desejado outras pessoas do círculo das crianças. As falas podem ser 
distribuídas de qualquer maneira entre esses personagens. Os personagens 
são diferentes em cada pequena cena, assim como o tempo e a criança são 
diferentes. Eles podem ser interpretados por qualquer número de atores.  
 
1. 
Digam­lhe que é um jogo 
Digam­lhe que é sério 
Mas não a assustem 
Não lhe digam que eles irão matá­la   
Digam­lhe que é importante ficar quieta 
Digam­lhe que ela ganhará bolo se se comportar 
Digam­lhe para se enrolar como se estivesse na cama 
Mas para não cantar. 
Digam­lhe para não sair de lá 
Digam­lhe para não sair mesmo se ouvir gritos 
Não a assustem 
Digam­lhe que nós viremos e a encontraremos 
Digam­lhe que estaremos aqui o tempo todo 
Digam­lhe algo sobre os homens 
Digam­lhe que eles são ruins no jogo 
Digam­lhe que é uma história 
Digam­lhe que eles irão embora 
Digam­lhe que ela pode fazê­los ir embora se ficar imóvel 
Por mágica 
Mas que não cante.  
 
2. 
Digam­lhe que essa é uma fotografia de sua avó, seus tios e eu 
Digam­lhe que seus tios morreram 
Não lhe digam que eles foram mortos 
Digam­lhe que eles foram mortos 
Não a assustem 
Digam­lhe que sua avó foi esperta 
Não lhe digam o que eles fizeram 
Digam­lhe que ela era corajosa 
Digam­lhe que ela me ensinou a fazer bolos 
Não lhe digam o que eles fizeram 
Digam­lhe algo 
Digam­lhe mais quando ela for mais velha 
Digam­lhe que havia pessoas que odiavam os Judeus 
Não lhe digam 
Digam­lhe que isso agora acabou 
Digam­lhe que ainda existem pessoas que odeiam os Judeus 
Digam­lhe que há pessoas que amam os Judeus 
Não lhe digam para pensar em Judeus ou não Judeus 
Digam­lhe mais quando ela for mais velha  
Digam­lhe quantos quando ela for mais velha 
Digam­lhe que foi antes dela nascer e que ela não está em perigo 
Não lhe digam que há risco de perigo 
Digam­lhe que a amamos 
Digam­lhe que viva ou morta sua família a ama 
Digam­lhe que sua avó teria orgulho dela.  
 
3. 
Não lhe digam que vamos para sempre 
Digam­lhe que ela  pode escrever para seus amigos, digam­lhe que talvez  seus 
amigos possam vir visitá­la  
Digam­lhe que lá é ensolarado 
Digam­lhe que estamos indo para casa 
Digam­lhe que é a terra que Deus nos deu 
Não lhe digam sobre religião 
Digam­lhe que seu ta­ta­ta­ta, muitos tas taravô morava lá  
Não lhe digam que ele foi expulso 
Digam­lhe,  digam­lhe é  claro, digam­lhe que todos foram expulsos e que o país  
está esperando que voltemos para casa 
Não lhe digam que ela não pertence aqui 
Digam­lhe  que  é   claro  que  ela  gosta  daqui mas que  ela vai  gostar ainda mais 
de lá 
Digam­lhe que é uma aventura 
Digam­lhe que ninguém irá importuná­la 
Digam­lhe que ela terá novos amigos 
Digam­lhe que pode levar seus brinquedos 
Não lhe digam que pode levar todos os seus brinquedos 
Digam­lhe que ela é uma menina especial 
Digam­lhe sobre Jerusalém. 
 
4. 
Não lhe digam quem eles são 
Digam­lhe algo 
Digam­lhe que eles são beduínos, eles viajam por aí 
Digam­lhe sobre camelos no deserto e datas 
Digam­lhe que eles vivem em tendas  
Digam­lhe que essa não era a casa deles 
Não lhes digam sobre casa, casa não, digam­lhes que eles irão embora 
Não lhe digam que eles não gostam dela 
Digam­lhe para ter cuidado 
Não lhe digam quem costumava morar nessa casa 
Não, mas não lhe digam que seu tataravô costumava morar nessa casa 
Não, mas não lhe digam que Árabes costumavam dormir em seu quarto. 
Digam­lhe para não ser grossa com eles 
Digam­lhe para não ter medo 
Não lhe digam que ela não pode brincar com as crianças 
Não lhe digam que ela pode recebe­las em casa.  
Digam­lhe que eles têm muitos amigos e familiares 
Digam­lhe que por milhas e milhas ao redor eles têm terras próprias 
Digam­lhe mais um vez que essa é nossa terra prometida 
Não lhe digam que eles disseram que era uma terra sem povo 
Não lhe digam que eu não teria vindo se soubesse 
Digam­lhe que talvez possamos dividir 
Não lhe digam isso.  
 
5. 
Digam­lhe que nós vencemos 
Digam­lhe que seu irmão é um herói 
Digam­lhe como são grandes os exércitos deles 
Digam­lhe que os fizemos recuar 
Digam­lhe que somos guerreiros 
Digam­lhe que temos nova terra. 
 
6. 
Não lhe digam 
Não lhe digam o problema sobre a piscina  
Digam­lhe que é nossa água, nós temos o direito 
Digam­lhe que não é água para os campos deles 
Não lhe digam nada sobre água. 
Não lhe digam sobre a escavadeira 
Não lhe digam para não olhar para a escavadeira 
Não lhe digam que ela estava derrubando a casa 
Digam­lhe que é uma área de construção 
Não lhe digam nada sobre escavadeiras. 
Não lhe digam sobre as filas no posto de controle 
Digam­lhe que chegaremos lá em um instante 
Não lhe digam nada que ela não perguntar 
Não lhe digam que o menino levou um tiro 
Não lhe digam nada. 
Digam­lhe que estamos construindo novas fazendas no deserto 
Não lhe digam sobre as oliveiras 
Digam­lhe que estamos construindo novas cidades nas áreas selvagens. 
Não lhe digam que eles jogam pedras 
Digam­lhe que eles não são muito bons contra tanques 
Não lhe digam isso. 
Não lhe digam que eles explodem bombas em cafés 
Digam­lhe, digam­lhe que eles explodem bombas em cafés 
Digam­lhe para ter cuidado 
Não a assustem. 
Digam­lhe que precisamos do muro para nos manter seguros 
Digam­lhe que eles querem nos empurrar para o mar 
Digam­lhe que matamos muitos mais deles 
Não lhe digam isso 
Digam­lhe isso 
Digam­lhe que somos mais fortes 
Digam­lhe que temos o direito 
Digam­lhe que eles não entendem nada a não ser violência 
Digam­lhe que queremos paz 
Digam­lhe que vamos nadar.  
 
7. 
Digam­lhe que ela não pode assistir os noticiários 
Digam­lhe que ela pode assistir desenhos animados 
Digam­lhe que ela pode ficar acordada até tarde e assistir Friends.  
Digam­lhe que eles estão atacando com mísseis 
Não a assustem 
Digam­lhe que apenas alguns de nós foram mortos 
Digam­lhe que o exército veio em nossa defesa 
Não lhe digam que seu primo se recusou a servir no exército. 
Não lhe digam quantos deles foram mortos 
Digam­lhe que os guerrilheiros do Hamas foram mortos 
Digam­lhe que eles são terroristas 
Digam­lhe que eles são imundos 
Não 
Não lhe digam sobre a família das garotas mortas 
Digam­lhe que você não pode acreditar no que vê na televisão 
Digam­lhe que matamos os bebês por engano 
Não lhe digam nada sobre o exército 
Digam­lhe,  digam­lhe  sobre o exército,  digam­lhe  para  ter  orgulho  do  exército. 
Digam­lhe  sobre  a  família  das garotas  mortas,  digam­lhe seus nomes por que 
não,  digam­lhe  que  o  mundo  todo  sabe  por  que  ela  não  haveria  de  saber? 
Digam­lhe  que  há  bebês  mortos,  ela  viu  bebês?  Digam­lhe  que  ela  não  tem 
nada de  que  se  envergonhar.  Digam­lhe  que eles  causaram  isso a si mesmos. 
Digam­lhe que eles  querem  que seus filhos sejam mortos para que as pessoas 
tenham  pena  deles,  digam­lhe  que  eu  não  tenho  pena  deles,  digam­lhe  para 
não  ter  pena  deles,  digam­lhe  que  é   de  nós  que  se deve  ter  pena,  digam­lhe 
que  eles  não  podem  nos  falar  sobre  sofrimento.  Digam­lhe  que  nós  somos  o 
punho  de  ferro  agora,  digam­lhe  que  é  a  névoa da guerra,  digam­lhe que  não 
pararemos  de  matá­los até estarmos seguros, digam­lhe que eu ri quando vi os  
policiais  mortos,  digam­lhe   que  eles  são  animas  que  agora  vivem  nos 
escombros, digam­lhe  que eu  não  me  importaria  se  os  eliminássemos, a única 
coisa  é  que  o  mundo  nos  odiaria,  digam­lhe  que  não me importo  se  o  mundo 
nos  odiar,  digam­lhe  que  nós  odiamos  melhor,  digam­lhe  que  somos  o  povo 
escolhido,  digam­lhe  que  olho  para  uma  criança  deles  coberta de  sangue e o 
que eu sinto? Digam­lhe que tudo o que sinto é felicidade por não ser ela.  
Não lhe digam isso. 
Digam­lhe que nós a amamos. 
Não a assustem.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  

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