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Unicórnios No Deserto - VERSÃO 18.03
Unicórnios No Deserto - VERSÃO 18.03
Resumo
Os resumos em português, espanhol e inglês devem ser formatados em parágrafos únicos, contendo
no máximo 150 palavras cada.
Palavras-chave: Listar pelo menos três e no máximo cinco palavras-chave (em letras
minúsculas e separadas por ponto e vírgula).
Introdução
Caro David,
Estou te escrevendo diretamente de Nárnia, lugar para onde você me transportou
durante o seu curso e onde permaneço após alguns dias de nosso encontro presencial.
Embora você povoe nossos corações, nossas mentes e asas, gostaria de deixar
registrado o que mais me impregnou de suas últimas palavras, dos novos rumos da
terapia narrativa, de como ser uma artista, um mago, em como trazer a arte e a magia
para essas práticas. Em Nárnia, eu costumo dar asas a e qualquer imaginação, ao
mesmo tempo em que tremo e temo que parte das minhas invenções possam não
alcançar alguns dos objetivos terapêuticos mais literais e necessários à vida de meus
clientes. Embora me assuste com o olhar que deles eu possa receber, também me
conforto e me encorajo a abrilhantar os desejos e o fascínio mágico das intervenções
que me invadem. Os sinos tocam, as metáforas pulam, os duendes acenam e, daqui de
Nárnia, tudo parece possível. Quando me refiro a esse tudo, estou me referindo a
qualquer sofrimento humano passível de ser aquecido com um bálsamo que dilua a
dor. E não consigo pensar em nenhum outro bálsamo do que me fazer artífice em mãos
das práticas narrativas. Vivenciar pela primeira vez a testemunha desde dentro foi uma
excursão espetacular para os nossos mundos e diálogos internos através do que de
melhor e mais apreciativo a gente percebe em nossos clientes. Poder encarnar os
nossos clientes é o melhor presente que podemos oferecer-lhes. Mas também reafirmo
parte da preocupação que foi lançada durante o curso, de que ao nos transportarmos
imediatamente para o que de mais fantástico possamos oferecer, talvez corramos o
risco de negligenciar as partes mais sombrias do cliente e, portanto, calemos neles os
gritos que ainda não puderam sair. Mas o risco é uma escolha que, quando
amorosamente afinada, acalma a angústia dos desesperados. Saímos de desertos rumo
à unicórnios. Preciso esclarecer essas duas metáforas. A desertos, refiro-me às
circunstâncias em que não encontramos os nossos recursos e acreditamos que falimos
diante de nós mesmos. A unicórnios, por outro lado, exalto as preciosidades que
desvendamos de nós mesmos face à mão terapêutica que nos é ofertada. Os unicórnios
são a poesia que há tempos esquecemos, são a fantasia da nossa criança mais inocente,
são as melhores notas musicais que garantem a orquestra. Aqui em Nárnia as
orquestras, os sinos e os unicórnios galopam e, assim, temos a certeza do amanhã,
temos um encontro verdadeiro com o melhor do outro, pois as luzes se acendem em
meio a escuridão. Daqui de Nárnia eu te escrevo essa carta para manter o
compromisso de levar asas às práticas narrativas rumo a uma contemporaneidade
distante dos meros ventrículos robotizados que se perderam órfãos de originalidade.
Prometo honrar a apropriação e a personificação de cada rota por mim percorrida.
Fervilho pensando quais seriam as minhas melhores perguntas a fim de manter minha
disponibilidade e devolver a dignidade restaurando o caráter tão merecido de meus
clientes. Levarei a magia em minhas impressões digitais, devolvendo unicórnios aos
desertos existenciais de quem me procura. Reverenciando o entusiasmo da existência,
agradeço cada uma de suas palavras, deixando que elas cantem para minha alma. Com
esperança, sempre, Nina.
Esta carta foi escrita em outubro de 2019, logo após o curso “Re-imaginando a Terapia
Narrativa”, ofertado por Marilene Grandesso em São Paulo, proferido por David Epston, Tom
Carlson e Sanni Paljakka. Éramos aproximadamente duzentas e cinquenta pessoas, uma
audiência que testemunhou momentos marcantes da história da terapia narrativa a três mãos,
que, conosco, dialogaram sobre o compromisso e a responsabilidade de seguirmos em direção
aos novos rumos das práticas narrativas. No propósito de honrar esses mestres apresento este
artigo, inicialmente, retomando historicamente alguns dos principais pressupostos da Terapia
Narrativa de Michael White e David Epston (1993) e prossigo fazendo um recorte dessas
práticas, explorando as relações de poder em nossa sociedade, em como os discursos
totalizadores podem obstruir nossas opções de vida, ao mesmo tempo em que podemos
amplia-las através do resgate de pessoas significativas que fazem parte dela, recuperadas
como sócios de nosso clube da vida, que nos dão subsídios para construirmos versões mais
apreciativas de nós mesmos a partir do olhar delas sobre nós. Vivas ou mortas, essas pessoas
compõem um acervo afetivo importante que contribui para nossa constituição identitária, para
a recuperação de uma visão mais respeitosa e autoral de nós mesmos quando estamos diante
de momentos críticos de desesperança.
Para ilustrar a vertente ativista política e do uso das cartas terapêuticas defendido pelas
práticas narrativas, faço uso de outra carta de teor distinto da primeira que abre esse artigo,
que foi mais poética. Esta segunda, com um teor mais político, foi escrita por Danielle
Miterrand (comunicação pública, janeiro de 1996) ao povo da França quando, inundada pela
coragem de convidar para o velório de seu marido, o então presidente François Mitterand, sua
filha bastarda, chocou a sociedade com a sinceridade do descarte à hipocrisia, respondendo
coerentemente, através de sua atitude, a todos os valores e condutas que acompanharam a
trajetória dessa feminista ativista durante seu legado de vida e como primeira dama da França.
Aproveito a potência desta carta para ativar as vozes internalizadas de nosso clube da vida,
daqueles que influenciam nossa trajetória de vida através dos discursos que deles
internalizamos, fazendo valer a voz representativa de Danielle Mitterand como inspiração
para todos os filhos bastardos ou amantes que, de alguma forma, se sentiram legitimados pela
expressividade do discurso em defesa daqueles marginalizados por uma condição de
invisibilidade.
Por fim, inspirada por uma vertente mais atual de David Epston, gostaria de “flutuar
pelo território de Nárnia”, esse cenário majestoso de unicórnios, duendes, fadas e magia que
habitamos com nossos clientes quando sustentamos a esperança de sermos o artista narrativo,
aquele que inventa sua própria prática e resgata a dignidade e o caráter por vezes estremecidos
neles, acreditando que a terapia é, também, um reino de deliberação moral.
Quando um discurso parece imperar como única realidade ele pode alcançar o status
de verdade incontestável. O cenário em que estas verdades se impõem são contextos
opressores, cujas perspectivas múltiplas parecem nunca existir. Na terapia narrativa, as
pessoas dão sentido à sua existência e legitimam suas ações organizando suas histórias em um
fluxo contínuo e sequencial, muitas vezes apresentadas em forma de cartas terapêuticas.
As cartas terapêuticas propostas por White e Epston (1990) convidam os terapeutas a
escreverem aos seus clientes. São utilizadas com o propósito de alcançar âmbitos relacionais,
relativos aos acontecimentos presentes na sessão, às possíveis descrições que convidam, tanto
o cliente, quanto o terapeuta, a estabelecerem futuros possíveis e reflexões concernentes ao
processo terapêutico. O próprio terapeuta revisa suas atuações através das elocubrações
construídas na escrita da carta.
As cartas terapêuticas geralmente são mais literárias do que diagnósticas e retomam
passagens importantes das conversações terapêuticas presenciais. Poética ou politizada, as
cartas terapêuticas anunciam realidades alternativas, convidam os clientes a habitarem
territórios novos, onde eles renarram suas histórias e revisam as possibilidades de vida futuras
(Paiva & Rasera, 2012)..
A carta apresentada no início deste artigo é um exemplo de carta literária. Imbuída da
magia do curso de Epston e seus colaboradores, escrevi para ele no intuito de compartilhar
reflexões reverberadas pelo curso. Pude manter vivas algumas passagens teóricas enquanto
refletia sobre elas na escrita, eternizando-as como trocas dialógicas que checavam
compreensões conjuntas.
Aqui nesta seção será apresentada uma carta politizada e incisiva, mais coerente com a
função de ativista sóciopolítico que podemos assumir em alguns momentos de um processo
terapêutico. Foi escrita por Danielle Mitterand (comunicação pública, janeiro de 1996) como
resposta direta às críticas impiedosas que lhes foram feitas ao decidir autorizar a presença da
amante e da filha bastarda no velório de seu marido, presidente François Mitterand. É uma
carta que pode ser utilizada em sessão como instrumento terapêutico, ilustração de como
discursos dominantes operam restringindo a autonomia do sujeito, bem como a própria figura
feminista de Danielle Mitterand e tudo que ela representou enquanto legado feminista, de
força e ativismo político. Ela é tanto autora da carta como uma personagem emblemática de
inspiração para aqueles que necessitam dela no seu clube da vida, como figura que inspire
tantas outras mulheres, mães e amantes, filhas bastardas que compõem uma sociedade cheia
de injustiças e desigualdades, temas tão recorrentes das práticas narrativas.
Alguns trechos da carta apresentados a seguir compõem a resposta de Danielle
(comunicação pública, janeiro de 1996) ao alvoroço causado na sociedade francesa.
Representando a primeira dama da França e encarnada de posicionamentos contrários ao
conformismo e à hipocrisia, desde o início do documento ela já esclarece a força de seus
argumentos, ao ratificar a ideia de não ser um pedido de desculpas e do risco que assumimos
quando nos precipitamos a interpretar os fatos antecipada e preconceituosamente.
Antes de mais nada devo deixar claro que não é um pedido de desculpas. Muito menos
um enunciado de justificativas vãs, comum aos covardes ou àqueles que vivem
preocupados em excesso com a opinião dos outros. Aos 71 anos, vivendo a hora do
balanço de uma existência que é um sulco bem traçado e profundo, já não mais
preciso, e nem devo, correr atrás de possíveis enganos. Vivo o momento em que as
sombras já esclarecem e que as ausências são lindas expressões de perenidade e
criação. Sombras e ausências podem ser tudo, ao passo que luzes e presenças
confundem os mais precipitados, os mais jovens...
Aceitei a filha de meu marido e hoje recebo mensagens do mundo inteiro de filhos
angustiados que me dizem: - "Obrigado por ter aberto um caminho. Meu pai vai
morrer, mas eu não poderia ir ao enterro porque a mulher dele não aceitava.
Vivi com François 51 anos; estive com ele em muito desse tempo e me coloquei
sempre. […] Por isso tentei entendê-lo, relacionar-me com sua complexidade, com as
variações de sua pessoa e não de seu caráter... Quem entende ou, pelo menos luta para
compreender as variações do outro, o ama realmente. E nunca poderá dizer que foi
enganada ou que jamais enganou. Não nos enganamos, nos confundimos quando nos
perdemos da identidade vital do parceiro, familiar ou irmão. Ou jamais os
conhecemos, o eu também, não é um engano. Quem não conhece, não tem enganos.
Nas variações do outro, não cabe o apaziguador que destrói tudo antes do tempo em
forma de tranqüilidade. Uma relação a dois não deve ser apaziguada, mas vibrante,
apaixonada, e não, enfastiada. Nessa complexidade vi que meu marido era tão meu
amante quanto da política. Vi, também, que como um homem sensível poderia se
enamorar, se encantar com outras pessoas, sem deixar de me amar. Achar que somos
feitos para um único e fiel amor é hipocrisia, conformismo. É preciso admitir
docemente que um ser humano é capaz de amar apaixonadamente alguém e depois,
com o passar dos anos, amar de forma diferente. Não somos o centro amorável do
mundo do outro. É preciso aceitar, também, outros amores que passam a fazer parte
desse amor como mais uma gota d'água que se incorpora ao nosso lago (comunicação
pública, janeiro de 1996).
Também expõe a coragem feminista que carece àquelas mulheres que não se colocam,
se intimidam e, assim, fragilizam o movimento feminista de lhes dar a tão merecida voz. De
maneira firme e contundente, Danielle provoca a docilidade pacifista, omissa e subjugada de
um feminino frágil e esteta, que se limita a posar como troféu ao lado de um homem opressor.
Ela segue convocando este mesmo feminino a se posicionar criticamente, como um ser
escutado e respeitado por suas convicções: “Vivi com François 51 anos; estive com ele em
muito desse tempo e me coloquei sempre. Há mulheres que não se colocam, embora estejam;
que não se situam, embora componham o cenário da situação presumível”.
Através de sua carta ela convida todos nós a evocar dúvidas constrangedoras sobre
verdades inquestionáveis. Escancara a necessidade de revermos nossas certezas hipócritas,
legitimadas pelos interesses de uma sociedade normalizadora. Ataca a moralidade e a calúnia
que nos apequena, por sustentarmos uma visão reducionista dos fenômenos - convidar uma
filha a participar do funeral de um pai é muito maior do que quebrar com uma moralidade
hipócrita, capaz de excluir o direito de paternidade, filiação, consanguinidade e legitimidade
de qualquer forma de parentesco. E, por fim, explicita a necessidade de assumirmos nossas
convicções a partir da confiança que temos em nós mesmos.
É preciso viver sem mesquinhez, sem um sentido pequeno, lamacento, comum aos
moralistas, aos caluniadores e aos paranóicos azedos que teimam em sujar tudo.
Espero que as pessoas sejam generosas e amplas para compreender e amar seus
parceiros em suas dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões. Isso é amar por
inteiro e ter confiança em si mesmo.
Assim, podemos pensar nesta carta de Danielle como mais um recurso das práticas
narrativas, retratando-a como personagem emblemática que inspira a vida de tantas mulheres
que necessitam de sua força e presença para que garantam, com mais competência, sua
existência. Danielle personifica um unicórnio politizado, aquele que reúne a fantasia e a
esperança de um mundo mais justo e, portanto, melhor, com a fibra de podermos contar com
um clube de pessoas que endossam os nossos direitos de existência. Nesse sentido, Danielle
passa a ser um sócio do clube da vida dessas clientes que nos procuram, apequenadas de si
mesmas e de seus direitos como cidadãs. Onde um futuro parecia improvável, erguê-las e
dignifica-las é manter vivo o legado de White e Epston, devolvendo-lhes o que lhes é de
direito através das conversações de remembrança.
Nárnia: Terra de desertos adubados onde vivem fadas, duendes, unicórnios e artistas
narrativos
O movimento atual das práticas narrativas nos convida para além do que
originalmente foi proposto por Michael White e nos transporta para o território fantástico
onde a magia e a arte garantem o caráter e a dignidade de seus habitantes, Nárnia. É de lá que
Epston nos inspira em nossas práticas. Nárnia é uma terra que clama pela arte de darmos asas
a nossa imaginação. Saímos dos mapas originais cuidadosos em não permanecerem como
rotas rígidas e, sim, como roteiros a serem contrariados, e nos lançamos nessa terra de tanta
magia, sem o pudor de qualquer restrição. O mapa era um fio condutor de auxílio à sessão,
um precioso instrumento de viagem que ganha asas sempre que nos autorizamos a mexer nas
"rotas". Voar é possível, desde que seja na altura conquistada pela solidez técnica e
epistemológica construídas precedentemente. Muito depois de ficarmos presos a laboratórios
de experimentação ganhamos as asas que nos deslocam para a imensidão do universo.
Chegamos em Nárnia, terra de novas dimensões, onde a liberdade e a criatividade nos
salvam da heresia de sermos meros discípulos-ventrículos. Uma das preocupações mais
pulsantes de White e Epston era de que nós, seguidores, transformássemos as práticas e os
mapas sugeridos em técnicas e manuais, sem imprimirmos qualquer originalidade, fruto de
nossa própria experiência. Insistiram na importância de testarmos nossas perguntas nas
entrevistas que conduzíamos até chegarmos a “exaustão” de qualquer bom treino que nos
conceda a arte e a originalidade da licença poética. Através dela, endossamos novos
significados para nossas vidas, analogamente às recriações imanentes de obras literárias - as
histórias de nossas vidas são lapidadas pela arte dos significados múltiplos.
Expandir a terapia narrativa para a poesia significa autorizá-la a uma influência
imaginativa muito maior do que a velha hospedeira objetividade convencional. O
encantamento a que nos referimos neste tipo de prática terapêutica não é feitiço ou bruxaria,
mas, sim, o reconhecimento e a consciência de que a vida pode nos levar a territórios
desconhecidos, inundados de prazer, beleza e poesia.
Um dos fantásticos territórios recém explorados pela arte da terapia narrativa é o da
testemunha desde dentro ou testemunha compassiva, como tem sido traduzida na língua
espanhola. Essa prática consiste em um entrevistador entrevistar e gravar a entrevista feita
com o terapeuta encarnando o seu cliente e, posteriormente, mostra-la ao próprio cliente. A
potência de se ver através dos olhos de seu terapeuta permite ao cliente alcançar saltos
inimagináveis, descritos por alguns deles como “um momento a ser eternizado onde puderam
se ver para além deles próprios”.
Essa prática, ainda em evolução, parece dar continuidade à anteriormente
desenvolvida por Anderson (2011), o exercício reflexivo do “como se”. Neste,
particularmente, os integrantes da família, depois de escutados pela equipe de terapeutas, têm
a oportunidade de ser representados por eles, com comentários sobre o dilema apresentado
pela família. Uma diversidade de pontos de vista individuais são colocados, gerando um
diálogo rico e imprevisível, produzindo significados e mudanças inesperados. Cada voz,
respeitada em sua singularidade, ganha mais força quando incorporada a outras tantas vozes
externalizadas. À medida em que uma voz aparece na conversação, outras vozes são
convidadas a criar algo novo e diferente. Cada voz dá boas vindas a entrada de outras vozes
que ofertam à família novos repertórios de vida (Guimarães, 2018a).
A testemunha desde dentro dá mais um salto nas construções dialógicas terapêuticas
quando Epston anuncia trazer, pela primeira vez, a voz do próprio terapeuta se fazendo passar
por seu cliente, diferente do que habitualmente estávamos acostumados - o terapeuta falando
à respeito de seu cliente. Nesta prática, o terapeuta não fala sobre o cliente, mas, sim, é o
próprio cliente, encarnado. O propósito maior desse exercício é fazer o cliente vivenciar seu
terapeuta trazendo sua própria voz.
Sempre fomos conscientes de nossa dimensão de “suposto saber”, sustentada por
nossos clientes. Oferecer-lhes nossa voz sobre eles próprios pode ser uma experiência
inigualável, na medida em que quaisquer conjecturas que eles tenham feito do que
pensávamos deles é exposta e externalizada, passível de ser questionada e restaurada. Será
que podemos imaginar o impacto dessa prática? Qual a dimensão das revisões que eles
se oportunizam depois dessa experiência? Como sobrevivem os desertos depois de terem
recebido tanto adubo? Quantos unicórnios galopam por essas terras depois que nossos
clientes se veem em nós?
A audácia proposta pela testemunha desde dentro desbanca qualquer hierarquia
precedente da Era Moderna. Na medida em que nos emprestamos para sermos nossos clientes,
a versão verticalizada anterior perde espaço e nos horizontaliza, definitivamente. Somos dois
mundos em um só, dois personagens que se fundem, terapeuta e cliente, e produzem uma
porção mágica de vida que abre para novos horizontes. A dimensão sagrada do setting
acontece quando devolvemos para nossos clientes o respeito que, em algum momento, ele
pode ter perdido de si mesmo e resgatamos a dignidade da qual ele nunca pode se separar.
Referências
Foucault, M. (2002b). Vigiar e punir: nascimento da prisão. 25ª Ed. Petrópolis: Ed. Vozes.
Guimarães, N. V. (2018a). Palavras que evocam som e dança: palavras que transcendem a
arte do encontro. In.: Grandesso, M. Colaboração e diálogo: aportes teóricos e
possibilidades práticas. (pp. 167-188) Curitiba: Ed. CRV.
Paiva, L. P. C., & Rasera, E. F. (2012). O uso das cartas terapêuticas na prática clínica.
Psicologia Clínica, 24(1), pp. 193 – 207.
Payne, M. (2014). Terapia Narrativa: una introducción para profesionales. Barcelona: Paidós.
Tibiriçá, L. (2016). Honra aos discursos libertadores e dignificação do humano. In. Guimarães,
N. V. (org.). Morte, renascimento e honra (pp. 316-341). Belo Horizonte: Ophicina de Arte &
Prosa.
White, M., & Epston, D. (1993). Medios narrativos para fines terapéuticos. Mexico-Buenos
Aires-Barcelona: Paidós.