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RESUMO
INTRODUÇÃO
O estado do Amazonas, que corresponde a quase 30% da Amazônia brasileira, é
dividido, geograficamente, em quatro mesorregiões, Centro, Norte, Sudoeste e Sul
Amazonense. Iranduba está inserida na mesorregião do Centro Amazonense, mais
precisamente na microrregião de Manaus, juntamente com outros seis municípios, Autazes,
Careiro, Careiro da Várzea, Manacapuru, Manaquiri, e a capital do estado, Manaus. (IBGE,
2016:s/p). Iranduba é o maior produtor de hortifrutigranjeiros do Amazonas e, juntamente
com o município de Manacapuru, é o principal fornecedor de tijolos para toda a região. Um
dos seus destaques é o fato de ser localizado entre os rios Negro - de águas escuras e praias de
areia branca - e Solimões - água barrenta e possuidor de rica vida animal. Esta localização
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Pesquisador bolsista da Fapeam no Projeto “Políticas Socioambientais do Amazonas”, pesquisador
colaborador do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Políticas Socioambientais do Amazonas (NEPPS) da
Universidade do Estado do Amazonas. Engenheiro civil e graduando em Direito pela Universidade
Nilton Lins.
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permite a existência de dois ecossistemas diversos. Iranduba surgiu como um dos núcleos
populacionais que apareceram na periferia a partir da implantação da Zona Franca de Manaus,
que reativou a economia local, até então estagnada após o enfraquecimento do período da
borracha. Iranduba, com suas praias e balneários, sempre foi um tradicional refúgio
frequentado pelos moradores de Manaus aos fins de semana. (BIBLIOTECA-IBGE,
2016:s/p). Até outubro de 2011, o acesso à Iranduba era feito por meio de balsa, em uma
viagem de 30 minutos, sem contar o tempo de espera nas filas. Após a ponte Rio Negro, o
deslocamento é feito em uma distância de apenas 3,5 quilômetros, com rápido acesso pela
rodovia AM- 070, estrada Manuel Urbano. Este artigo propõe a análise das alterações no
meio ambiente urbano-regional trazidas pelo acesso entre as duas cidades. A intervenção do
poder estatal é capaz de modificar, incentivar e condicionar as dinâmicas estatísticas. O valor
total do investimento no interior da Amazônia chama atenção. Iranduba, que possui um baixo
índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM=0,613) e históricas demandas por
serviços públicos essenciais, mostra-se uma região vulnerável que suscita a prática de um
modelo inovador de desenvolvimento.
Importante destacar que o PAS possui desde sua apresentação uma justificativa não
vinculada apenas às demandas regionais, mas também ao atendimento de anseios
internacionais:
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Dos dez pontos mais relevantes que sintetizam as diretrizes do PAS (MINISTÉRIO
DE MEIO AMBIENTE, 2016: s/p), destacamos aqueles que correspondem às necessidades de
Iranduba e coincidem com a resposta estatal, a construção da Ponte Rio Negro: ampliar a
infra-estrutura regional de transporte, assegurar os direitos territoriais dos povos e
comunidades tradicionais da Amazônia, combater o desmatamento ilegal associado à
transformação da estrutura produtiva regional e promover o desenvolvimento da região com
equidade e atenção às questões de gênero, geração, raça e etnia.
Desde pacto entre os governos até o PAS, levantou-se a questão de evitar os erros
cometidos pelas gestões públicas passadas, uma vez que um investimento estatal mal feito
pode ameaçar a vida na Amazônia. Segundo Foucault (1976), a biopolítica consiste em
considerar os fenômenos coletivos e a partir deles dirigir os acontecimentos aleatórios de uma
determinada população. O estado exerce essa tecnologia de poder sobre as massas, possui
ferramentas e diagnósticos, anuários estatísticos, previsões e medições globais. Ele tem a
responsabilidade de estabelecer mecanismos reguladores que, em escala global, podem fixar
um equilíbrio e assegurar que os investimentos sejam realizados com compensações para a
proteção do homem amazônico. Essa biopolítica, essa capacidade do Estado regular as coisas,
consiste em poder intervir de maneira a fazer viver e deixar morrer. O PAS é apenas uma
manifestação pública onde o estado assume ter realizado investimentos com impactos nocivos
ao meio ambiente e ao corpo social, e, reconhecendo a importância da Amazônia, estabelece,
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em suas três esferas de poder (união, estados e municípios), seu compromisso em desenvolver
a região preservando o meio ambiente e valorizando a vida. Segundo Foucault (1978), os
mecanismos de intervenção estatal devem anular progressivamente os próprios fenômenos
indesejados, e não ser uma mera norma ou diretriz distante da vida real:
Esses mecanismos também tendem a uma anulação dos fenômenos , não na forma
da proibição, “você não pode fazer isso”, nem tampouco “isso não vai acontecer”,
mas a uma anulação progressiva dos fenômenos pelos próprios fenômenos. Trata-
se, de certo modo, de delimitá-los em marcos aceitáveis, em vez de impor-lhes uma
lei que lhes diga não. (FOUCAULT, 1978:86)
Este plano de governo não tem o condão, per si, de melhorar as condições de vida ou
assegurar o uso sustentável da floresta. É um discurso que toma a forma de práticas que
anulam os efeitos colaterais deletérios do investimento estatal na Amazônia e como concluiu
Foucault, funciona como itinerário sustentável da política estatal.
Apesar do anseio popular, alguns irandubenses não enxergavam a ponte como uma
solução mais ajustada às necessidades locais. Não eram poucos os populares que cobravam
apenas um porto flutuante aventado pelo Ministro dos Transportes, cargo exercido à época
pelo ex-prefeito de Manaus. Isto porque, havia certo temor de que a insegurança e os altos
índices e criminalidade da capital também atravessassem a ponte com facilidade.
Antes da construção da Ponte foi identificado que a opção pela mesma não era um
anseio homogêneo entre os moradores do distrito. Muitos moradores, ao invés de
uma ponte, tinham preferência por um porto flutuante que acompanhasse a
enchente, a cheia, a vazante e a seca do rio Negro. [...] “Então antigamente só se
falava em porto, e agora já estão com negócio de ponte. Eu não vejo muita
necessidade de botar uma ponte aqui não. Os ladrões vão ver uma pontezinha, aí
eles fazem o roubo aqui e vão embora. A não ser que tenha uma fiscalização muito
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grande. Todo progresso tem a coisa boa e a coisa ruim” (Maria do Socorro,
comunicação pessoal). (PINHEIRO, 2013:79)
Não se pode considerar que a demanda por serviços públicos essenciais tenha como
solução um desenvolvimento econômico a qualquer custo, principalmente quando se fala de
Amazônia. A vida no interior é regulada pelos ciclos dos rios. O homem amazônico é
marcado pela cultura indígena, conhece a terra, a água e a floresta, e vive da interação que
possui com estes elementos. Segundo Pinheiro:
A preferência pelo porto, em detrimento da ponte, pode significar uma tentativa de
preservação do estilo de vida dos moradores. O gosto pela vida ligada aos
movimentos das águas do rio Negro se revela na verbalização das referidas
moradoras, quando elas mencionam que seria importante um porto que
acompanhasse a subida e a descida do rio. (PINHEIRO, 2013:80)
Importante destacar que a ponte Rio Negro não é um projeto isolado. Existe a
duplicação da rodovia AM-070, estrada Manoel Urbano, com 78 quilômetros, dos quais 9 já
foram concluídos, contemplando trecho que vai da cabeceira da ponte Rio Negro, em
Iranduba, até Manacapuru. As obras para construção da cidade universitária da Universidade
do Estado do Amazonas (UEA) contemplando um complexo de 120 mil hectares às margens
do rio, já foram iniciadas e, além das dependências estudantis, contará com resort, hotéis e
condomínios destinados a outros moradores. Finalmente, coroando esta estratégia de
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Foi criada em 2007, pela Lei Complementar Estadual nº 52.
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Os mais municípios da RMM mais beneficiados com a ponte seriam os interligados pelas estradas AM-070 e
AM-352. A AM-070 é uma rodovia que tem extensão de 200 km, ligando Manaus aos municípios de Iranduba e
Manacapuru. Já a AM-352 é uma rodovia com 103 km extensão que interliga os municípios de Manacapuru e
Novo Airão. Esta última tem importância econômica vital para Novo Airão, município cuja principal atividade é
a hotelaria de selva, por permitir a ligação por terra com os municípios de Manacapuru, Iranduba e a capital
Manaus por intermédio da AM-070.
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“Nós fizemos um sacrifício muito grande, que muitas pessoas desconhecem, para
concluir essa obra belíssima, sacrifício do povo amazonense, pois a maior parte dos
recursos do orçamento estadual foi paga no último ano”, disse, ao declarar sentir
uma felicidade muito grande de ser o governador a concluir e entregar a ponte. “Eu
espero que segunda-feira possamos fazer uma grande festa. Estou muito feliz,
cumpri o meu papel, dando continuidade à obra. Fico feliz que o povo amazonense
tenha feito esse sacrifício durante esse ano para que a gente concluísse uma obra
tão importante”. (AMAZONAS, 2011:s/p)
Estes números não impressionam tanto pela quantidade de serviços executados, mas
pelo valor pago por eles. A obra foi contratada em novembro de 2007. Inicialmente licitada
em R$ 574 milhões, mas, com o passar do tempo, mais R$ 476 milhões foram incorporados
aos custos da ponte a título de aditivos. Levando-se em conta que, pela legislação do país,
nenhuma obra pública pode receber aditivo superior a 25%, limite estabelecido pela Lei
8.6664, estes aditivos saltaram para 82,7 %, em flagrante ilegalidade agora investigada pela
polícia federal:
Cinco empresas investigadas na operação „Lava Jato‟ da Polícia Federal
receberam R$ 3,389 bilhões por projetos e grandes obras no Amazonas, na última
década. [...] Dentre elas, a que recebeu o maior volume de recursos, nos últimos
anos, do governo do Estado, foi a construtora Camargo Corrêa. De acordo com
dados do Portal da Transparência, a empresa recebeu R$ 1,099 bilhão para
construção da Ponte Rio Negro que liga Manaus aos municípios de Iranduba,
Manacapuru e Novo Airão, no interior do Amazonas. (D24AM, 2015:s/p)
Segundo um vereador de Manaus, a ponte Rio Negro foi oito vezes mais cara do que
uma ponte construída na China, com capacidade para resistir a terremotos, furacões e até um
impacto provocado por um navio de 300 mil toneladas:
Agora vejamos a diferença quanto ao preço entre as duas pontes, a nossa e a
chinesa. Segundo a imprensa, os chineses gastaram com a ponte US$ 2,3 bilhões,
ou R$ 3,6 bilhões na nossa moeda. No entanto, a nossa, de 3,5 km, mesmo antes de
concluída, já engoliu R$ 1,2 bilhão. Vamos agora à diferença entre os preços por
quilômetro gastos lá e cá. Enquanto gastou-se na ponte chinesa R$ 87,6 milhões,
por quilômetro construído, na Manaus/Iranduba o preço por quilômetro é de R$
327,7 milhões e se fosse construída com duas pistas, como a dos chineses, o preço
dobraria para R$ 655,4 milhões. A diferença é abissal, mais do que isso, é um
escândalo! (FROTA, 2011: s/p)
Apesar de o valor da mão de obra aqui ser mais cara e os preços sobre material de
construção, a exemplo de ferro e cimento, serem muito mais elevados do que na China, o
nível de complexidade para construir uma ponte sobre um rio com extensão de 3,6 km é muito
menor se comparado à execução de 42,5 km em pleno mar. A obra dos chineses, na baía de
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Lei nº 8.666 de 21 de Junho de 1993. Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as
devidas justificativas, nos seguintes casos: § 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições
contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco
por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento,
até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. § 2º Nenhum acréscimo ou supressão poderá
exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior.
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Jiaozhou, possui pista dupla, como se fossem duas pontes paralelas que, somadas, chega a 85
km, portanto, maior que a distância entre Manaus e o município de Rio Preto da Eva,
localizado a 80 km da nossa capital. Já a ponte sobre o rio Negro possui apenas uma pista de
mão dupla (FROTA, 2011: s/p).
O consumo elevado de dinheiro público para a realização da obra nos leva a concluir
que no mínimo houve uma gestão ineficiente, em todos os sentidos. Mas a desarmonia com o
PAS foi além, não só pelo gasto desproporcional, como também pelo flagrante desrespeito à
ordem social e ao planejamento urbano. Na construção desta ponte está comprovado o
descaso em relação à função social da cidade e a garantia do bem estar de seus habitantes,
pois o governo do Estado do Amazonas e a prefeitura de Manaus estão sofrendo uma Ação
Civil Pública pelo descumprimento das medidas mitigadoras e compensatórias previstas no
empreendimento5.
O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) previa a instalação de radares eletrônicos,
sinalização, construção de abrigos, passarelas e outros acessos. Também eram previstos o
estabelecimento de rotas com definição de horário para transporte de cargas especiais, paradas
e rotas alternativas, além de campanhas orientadoras aos usuários. A falta das intervenções
previstas no EIV representa não só um investimento em descompasso com o desenvolvimento
sustentável na Amazônia, mas uma negação aos direitos constitucionais 6.
4. OS EFEITOS DO INVESTIMENTO
Antigamente, mesmo existindo a opção de atravessar o Rio Negro por balsa ou pelas
pequenas embarcações fretadas para o transporte de passageiros, pagava-se para transportar
veículos leves e pesados. A gratuidade na balsa era somente para pedestres. Tanto as balsas
5
O Ministério Público do Estado do Amazonas, por intermédio da 63ª Promotoria de Justiça Especializada na
Proteção e Defesa da Ordem Urbanística (PROURB), propôs Ação Civil Pública contra o Governo do Estado do
Amazonas e Município de Manaus, pelo não cumprimento das medidas compensatórias e mitigadoras previstas
no Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), da Ponte sobre o Rio Negro. O documento, também, previa a
realização de diversas obras de infraestrutura viária, como construção de viadutos, passagens de níveis,
passarelas, além de um terminal de integração e baias de ônibus. [...] O Relatório Técnico de Vistoria n°
003.2015, elaborado pelo Núcleo de Apoio Técnico (NAT) do MP-AM, no curso do inquérito civil 543/2012 –
63ª PROURB, apurou que o Governo do Estado do Amazonas, representado pela Secretaria Executiva do
Conselho de Desenvolvimento Sustentável da Região Metropolitana de Manaus (SRMM), mesmo assinando um
Termo de Compromisso e Responsabilidade com a Prefeitura de Manaus para aprovação da construção da Ponte
sobre o Rio Negro, não executou todas as intervenções de infraestrutura viária e nem as medidas mitigadoras e
compensatórias previstas no EIV do empreendimento. (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
AMAZONAS, 2015:s/p)
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Constituição Federal de 1988. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. A Lei Federal 10.257 de 2001 (Estatuto das
Cidades) regulamenta os art. 182 da Constituição, estabelece diretrizes gerais da política urbana. Em seu artigo
37, o Estatuto da Cidade assenta que “o EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e
negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas
proximidades [...]” (grifo nosso).
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Uma das principais justificativas para a construção da ponte foi o apelo logístico para
o desenvolvimento econômico da RMM. Ventilava-se, por exemplo, que o polo cerâmico de
Iranduba ganharia vantagem no quesito produtividade, pois o transporte por balsa além de
caro é demorado. Entretanto, as olarias reduziram gastos com frete, mas aumentaram o preço
do tijolo no Amazonas:
Até outubro, o transporte dos tijolos de Iranduba para Manaus era feito por balsa e
o produto ficava R$ 100 mais caro por causa do frete e com a ponte, o preço não
reduziu. Apesar da expectativa do consumidor de redução no preço do tijolo após a
inauguração da Ponte Rio Negro, em outubro, o milheiro teve reajuste de 10% esse
ano. De acordo com o Sindicato da Indústria de Olarias do Estado do Amazonas, o
preço de mil unidades de tijolos passou de R$ 340 no início do ano para R$ 370 em
novembro. Nas lojas de Manaus, mil unidades de tijolo cerâmico para construção
pode variar o preço em até 12% e ser encontrado por até R$ 610. (D24AM,
2011:s/p)
As olarias empregam duas mil pessoas e são responsáveis pelo fornecimento de 80%
dos tijolos da região, porém a argila e a até mesmo a madeira usada para aquecer os fornos
são extraídos ilegalmente das Reservas Desenvolvimento Sustentável Rio Negro, da Área de
Proteção Ambiental da Margem Direita do Rio Negro e do Parque Nacional de Anavilhanas
(ISEMSEE, 2013:s/p). Vale ressaltar que este último sinaliza como uma das poucas
estratégias reais de desenvolvimento sustentável da região, o ecoturismo:
O Parque Nacional de Anavilhanas se tornou uma das grandes atrações da
Amazônia. Ele está dentro da Reserva da Biosfera da Amazônia Central, é
Patrimônio Natural da Humanidade, candidato a Sítio Ramsar e recebe recursos do
Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). A sua infraestrutura
operacional é boa. Tem três bases avançadas, sede administrativa, ancoradouro,
alojamento e uma frota de embarcações suficiente para monitorá-lo. Tem tudo para
se tornar um destino mundial de ecoturismo. (ISEMSEE, 2013:s/p)
Após a conclusão da ponte que liga Manaus ao município, houve uma corrida para
compra de terrenos e lotes na região, o que gerou uma forte especulação
imobiliária [...]. Na avaliação do conselheiro do Conselho Regional de Corretores
de Imóveis (Creci), Daniel Aragão, a região ainda está muito prematura, mas a
tendência é a expansão imobiliária crescer nessa direção, pois Manaus está
limitada ao norte pela Reserva Ducke. “Há necessidade de uma área comercial que
movimente Iranduba, mas acredito que nos próximos três anos veremos um
crescimento forte. [...] Com a ligação de Manaus a Iranduba, os imóveis sofreram
elevação de preços em mais de 100%, avalia o presidente do Sindicato das
Indústrias da Construção Civil do Amazonas (Sinduscon), Eduardo Lopes. Os
terrenos que valiam entre R$ 2 e R$ 3 o metro quadrado passaram a custar R$ 25 o
m². (D24AM, 2014:s/p)
O modelo das invasões, há muito tempo enraizado em Manaus, fomentado quando existe
demanda por moradias e falta de oferta pelos programas governamentais, cresce em Iranduba.
Os organizadores de invasões, apesar de agirem em nome de uma demanda social legítima,
misturam-se em meio aos grileiros e especuladores.
Uma enorme extensão de terras de 127 hectares no município de Iranduba, situadas
em diversos trechos entre os quilômetros 2 e 36 da rodovia AM-070, se tornou
motivo de briga entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) e o empresário Guilherme Aluizio de Oliveira Silva. No meio da disputa,
estão mais de 30 famílias, que estão sendo expulsas de suas casas onde moram há
mais de 30 anos. Essa teria sido a segunda tentativa de retirada. Há três anos, uma
mulher teria aparecido com um documento de posse e conseguido derrubar algumas
casas. “Com um advogado, conseguimos reverter essa liminar e descobrimos que o
documento era falso”, explicou uma moradora. (EM TEMPO, 2014:s/p)
Em total contradição com o PAS, que estabelece como diretriz o dever de assegurar
os direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia, as intervenções do
poder público em Iranduba evacuaram populações tradicionais com menor renda para áreas
mais distantes desprovidas de investimentos:
“Perdemos uma parte de nossa cultura nativa. Antes, a maioria dos homens só
trabalhava com agricultura. Hoje as mulheres estão aqui, ó, esperando os maridos
que foram trabalhar em estaleiros em Manaus”, lamenta Lucila. [...] Na nova
comunidade, batizada de Novo Teste Bela Vista, não há posto de saúde nem poço
artesiano. A água tem de ser trazida de um pequeno igarapé próximo. Os ônibus só
passam na AM-070, a muitos minutos de caminhada dali. E a eletricidade só chegou
porque os moradores se mobilizaram para transportar postes, fios e
transformadores da antiga para a nova casa. (OJEDA, 2015:s/p)
É claro que a abertura da ponte traria uma enorme valorização das terras e o
consequente aumento do desmatamento entre o rio Negro e o Solimões. O que chama a
atenção é como esta questão tão previsível foi negligenciada pelos governos estadual e
federal. Em Iranduba existe o PIC Bela Vista, um Projeto Integrado de Colonização cujos
colonos são os beneficiados do projeto Terra Legal do INCRA (Instituto de Colonização e
Reforma Agrária). Neste assentamento, as terras que deveriam ser usadas apenas para
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atividades agrícolas e pecuárias foram desmatadas e retalhadas em lotes que estão à venda
pelos próprios assentados, que chegam a se intitular como corretores imobiliários.
[...] lotes que estão à venda por José Ivo Ferreira, que se diz dono e atua como
corretor imobiliário. Mas sua posse é contestada por outros colonos que afirmam
que ele não tem direitos de assentado. O caso foi parar na justiça, com processos
encaminhados ao Incra, Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária na
Amazônia Legal (SERFAL), no Ministério Público (entre outros), além de denúncias
à polícia local. [...] Elivandro Araújo Azevedo, que é assentado cadastrado no
Terra Legal, afirma que, desde fevereiro de 2012 (quatro meses após abertura da
ponte), sofre ações ilegais e ameaças de Ferreira. “[ele] desmatou e abriu estradas
na minha área, na área preservada de APP (Área de Proteção Ambiental), onde
nem eu poderia desmatar”. [...] Mario Jorge Rocha, outro assentado local, sofreu
um atentado a bala e os três tiros no peito o deixaram por quase dois meses na UTI
do hospital 28 de Agosto, em Manaus. (ISEMSEE, 2013:s/p)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As dificuldades nos deslocamentos de cargas e passageiros entre o porto de Cacau
Pirêra e do São Raimundo afetavam não só Iranduba, mas Manaus, Manacapuru e também
Novo Airão. A construção da ponte foi uma boa solução logística, mas não foi fator de
desenvolvimento de forma sustentável da região, ao contrário fez crescer a degradação
ambiental de diversas formas. Os enormes recursos empregados à frente das demandas sociais
deixa a certeza da ponte não ter sido a melhor solução para o tal desenvolvimento sustentável
como prevê o PAS, documento que serviu de base para essas considerações, pois tem grande
relevância para a região norte do Brasil e Amazônia.
A visão ecológica não pode transformar a floresta em algo absolutamente intocável,
contudo se a mesma não for preservada, o homem sofrerá as consequências, incluindo aqueles
que vivem na floresta. Não se pode aceitar a depredação da floresta, o exaurimento dos seus
recursos e o suplício das populações tradicionais por conta da obstinação do Estado em fazer
uso de um modelo de desenvolvimento omisso, reconhecidamente fracassado, pelo menos do
ponto de vista socioeconômico e ambiental, que é o que nos interessa aqui.
Para o ecoturismo, por exemplo, uma ponte majestosa pode não ser tão atrativa
quanto cruzar um rio de balsa contemplando a paisagem e se beneficiando do barulho das
ondas produzidas com o deslocamento da embarcação. A falta de ações estruturantes pode
fazer de Iranduba uma fonte de problemas para a RMM e como vimos os efeitos da ponte já
são sentidos. Não houve avanço no turismo ecológico, o que aconteceu foi a disparada de
negócios imobiliários, a frende da precariedade da regularização fundiária, do desmatamento
e o agravamento problemas preexistentes como a falta de tratamento de resíduos sólidos.
O desenvolvimento sustentável da Amazônia não pode ser alcançado com um pacto
ou uma imposição de leis, como Foucault (1978) bem salientou, a finalidade do governo é
conseguida com a disposição das coisas, a utilização de táticas, muito mais que usar leis, é
utilizar ao máximo as leis como táticas, se valendo de uma pluralidade de meios para a
conquista do objetivo e parece que no caso da construção da ponte, o que imperou foram as
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leis enquanto táticas para governar e não para preservação e conservação do meio ambiente,
garantindo o desenvolvimento sustentável.
Essa notória contradição entre o PAS e os impactos da ponte em Iranduba revelam
que o interesse público foi renegado e os interesses político e de capital dominaram as reais
intenções do investimento; uma para a manutenção da atual conjuntura social; duas para
conservação do poder nas mãos da classe política à época do investimento. Afinal a ponte foi
bem mais visível para campanhas políticas, do que para a melhoria das condições de vida da
população local ou preservação do meio ambiente tão castigado pelas pressões
desenvolvimentistas.
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