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PARTIDO DOS TRABALHADORES

5º. CONGRESSO NACIONAL

CADERNO DE TESES

UM PARTIDO PARA TEMPOS DE GUERRA

Salvador (BA), 11 a 13 de junho de 2015


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UM PARTIDO PARA TEMPOS DE GUERRA
(Contribuição da tendência Articulação de Esquerda ao 5º Congresso Nacional do PT)

Ocupar as ruas, construir uma Frente Democrática e Popular, mudar a estratégia do


Partido e a linha do governo

1. O Partido dos Trabalhadores está diante da maior crise de sua história. Ou mudamos a
política do Partido e a política do governo Dilma; ou corremos o risco de sofrer uma
derrota profunda, que afetará não apenas o PT, mas o conjunto da esquerda política e
social, brasileira e latinoamericana.

2. A crise do PT decorre, simultaneamente, de nossas realizações e de nossas limitações.

3. Tivemos êxito em ampliar o bem-estar social -- por intermédio da geração de empregos


e aumento da massa salarial e do poder aquisitivo da população, bem como da adoção
exitosa de programas de moradia, saúde e outros -- e a soberania nacional, também
através de uma política externa “altiva e soberana”. Fortalecemos o Estado, na
contramão do Estado Mínimo neoliberal. Ampliamos certos direitos e conquistas
democráticas. E são estes avanços que explicam nossas vitórias em quatro eleições
presidenciais consecutivas.

4. Mas não fomos capazes de realizar transformações estruturais, que retirassem do


grande capital o controle sobre as alavancas fundamentais da economia e da política
brasileira.

5. Controlando estas alavancas, a oposição de direita, o oligopólio da mídia e o grande


capital desencadearam uma ofensiva geral que inclui a desmoralização política e
ideológica do petismo, o estímulo à sabotagem por parte de setores da base aliada, a
pressão para que o governo aplique o programa dos que perderam a eleição, a
mobilização de massas dos setores conservadores, a ameaça permanente de
impeachment e a promessa de nos derrotar eleitoralmente em 2016 e 2018.

6. Frente a esta situação, o 5º Congresso do PT deve aprovar resoluções que permitam ao


Partido, ao conjunto de sua militância, executar cinco tarefas principais.
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7. A primeira tarefa é reocupar as ruas. A oposição de direita controla parte
importante do Judiciário, do Parlamento e do Executivo, em seus diferentes níveis.
Agora está trabalhando intensamente para também controlar as ruas, utilizando para
isto sua militância mais conservadora, convocada pelos meios de comunicação,
mobilizada com recursos empresariais e orientada pelas técnicas golpistas das
chamadas “revoluções coloridas”. Caso a direita ganhe a batalha de ocupação das ruas,
não haverá espaço nem tempo para uma contraofensiva por parte da esquerda. Assim,
a primeira tarefa de cada petista deve ser apoiar, participar, mobilizar e ajudar a
organizar as manifestações programadas pelos movimentos e organizações das classes
trabalhadoras.

8. A segunda tarefa é construir uma Frente Democrática e Popular. Há várias


iniciativas em curso, algumas delas sem o PT e até mesmo contra o PT. Nosso Partido
deve procurar as forças que elegeram Dilma no segundo turno presidencial e que
defendem as reformas estruturais, propondo a elas que se constitua uma frente
popular em defesa da democracia e das reformas. O programa mínimo desta Frente
Democrática e Popular deve incluir a revogação das medidas de ajuste recessivo; o
combate à corrupção; a reforma tributária com destaque para o imposto sobre grandes
fortunas; a defesa da Petrobrás e da industrialização nacional; a ampliação das
políticas públicas universais como saúde e educação; a reforma política e a
democratização da mídia. A Frente Democrática e Popular é essencial para derrotar o
golpismo e libertar o governo da chantagem peemedebista. Mas o objetivo principal da
Frente Democrática e Popular é lutar por transformações estruturais, sendo para isto
necessário construir instrumentos de articulação política e de comunicação de massas
que nos permitam enfrentar e vencer o oligopólio da mídia.

9. A terceira tarefa é mudar nossa estratégia. Se queremos melhorar a vida do povo, se


queremos ampliar a democracia, se queremos afirmar a soberania nacional, se
queremos integrar a América Latina, se queremos quebrar a espinha dorsal da
corrupção, é preciso realizar reformas estruturais no Brasil, que permitam à classe
trabalhadora controlar as principais alavancas da economia e da política nacional. Para
isto, precisamos de uma aliança estratégica com as forças democrático-populares, com
a esquerda política e social. Precisamos, também, combinar luta institucional, luta
social e luta cultural. Recuperar o apoio ativo da maioria da classe trabalhadora,

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ganhar para nosso lado parte dos setores médios que hoje estão na oposição, dividir e
neutralizar a burguesia, isolando e derrotando o grande capital transnacional-
financeiro. Isso implica abandonar a conciliação de classe com nossos inimigos.

10. A quarta tarefa é alterar a linha do governo. É plenamente possível derrotar a


direita se tivermos para isto a ajuda do governo. É possível derrotar
momentaneamente a direita, até mesmo sem a ajuda do governo. Mas é impossível
impor uma derrota estratégica à direita, se a ação do governo dividir a esquerda e
alimentar a direita. Por isto, o 5º Congresso do PT deve dizer ao governo: que os ricos
paguem a conta do ajuste, que as forças democrático-populares ocupem o lugar que
lhes cabe no ministério, que a presidenta assuma protagonismo na luta contra a direita,
contra o “PIG” e contra a especulação financeira.

11. A quinta tarefa é mudar o próprio PT. O Partido que temos não está à altura dos
tempos em que vivemos. Das direções até as bases, é preciso realizar transformações
profundas. Precisamos de um partido para tempos de guerra.

12. O Partido dos Trabalhadores precisa compreender que entre as causas profundas da
crise está um impasse político de fundo: nosso sistema político-eleitoral não agrada à
oposição de direita, nem contempla as reivindicações históricas da esquerda de
igualdade de condições nas disputas eleitorais.

13. A oposição de direita assistiu às atuais regras do jogo permitirem (ou não impedirem)
ao PT vencer por quatro vezes a disputa para a Presidência da República.

14. A esquerda assistiu às atuais regras do jogo permitirem (e estimularem) a formação de


maiorias congressuais de centro-direita, por meio do “abuso de poder econômico” e da
ação dos conglomerados nacionais e regionais de mídia.

15. A esquerda tenta resolver este impasse político através de uma reforma política
democratizante, Assembléia Constituinte e participação popular.

16. A direita tenta resolver o impasse via reforma política conservadora, judicialização da
política e criminalização da mobilização social.

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17. É neste contexto que deve ser interpretada a mais recente onda de violência policial-
militar contra a juventude pobre e negra das periferias das grandes cidades e contra os
movimentos sociais, em especial nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Não
se trata de desvio nem de novidade, pois tem sido esta a prática das PMs desde a
Ditadura Militar. Mas sinaliza uma ação organizada de setores da direita que apostam
no extermínio e no fascismo.

18. É também neste contexto que deve ser analisada a mobilização de massas do dia 15 de
março. Não se trata de descontentamento “republicano e pacífico”, nem da defesa
“legítima” do impeachment. A mobilização da direita visa criminalizar não só o PT e o
conjunto dos partidos de esquerda, mas também a classe trabalhadora nas suas mais
diversas expressões, organizações e movimentos: os sem-terras, os sem-tetos, os
sindicatos combativos, os grupos e entidades populares etc. Não pode ser outra a
leitura do ódio presente nos atos do dia 15 de março, que abriram espaço até mesmo
para manifestações ostensivas da extrema-direita e homenagem a um torturador
identificado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

19. O impasse político desgasta a esquerda (que não consegue maioria congressual para
implementar mudanças) e fortalece a direita (que sonha em utilizar a maioria
congressual não apenas para achacar e sabotar o governo, mas também para fazer o
impeachment).

20. O Partido dos Trabalhadores defende que a solução para a crise política passa por mais
democracia, não por menos democracia. Por isto reafirmamos nossa defesa da
Assembleia Constituinte, da participação popular e da legitimidade dos processos
eleitorais. Se a oposição de direita quer nos derrotar, que se organize para disputar as
eleições de 2016 e 2018.

21. Por isto mesmo, o PT defende tolerância zero com a facção golpista da direita. As
articulações golpistas, especialmente as vindas de militares da ativa ou da reserva e de
meios de comunicação, devem ser tratadas como determina a Constituição e a
legislação nacional.

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22. O Partido dos Trabalhadores deve compreender, também, por quais motivos setores
importantes da direita –- inclusive lideranças como Aécio Neves, José Serra, Geraldo
Alckmin e Fernando Henrique Cardoso –- flertam abertamente com o discurso e a
perspectiva golpista.

23. A influência da extrema-direita decorre de um impasse econômico-social de fundo


vivido pelo Brasil há várias décadas. Assim como 1954 e 1964 não foram por acaso, o
que está ocorrendo agora também não é por acaso.

24. Toda vez que o Brasil teve governos que adotaram uma política externa soberana, que
garantiram progressos na qualidade de vida do povo e certa ampliação nas liberdades
democráticas, as classes dominantes reagiram em favor das medidas opostas:
dependência externa, restrições às liberdades, desigualdade social.

25. Hoje vivemos mais um destes momentos de definição entre dois caminhos para o
Brasil: ou bem regressamos ao desenvolvimento conservador de viés neoliberal, com
dependência externa, restrições às liberdades democráticas e aprofundamento da
desigualdade social; ou bem avançamos em direção a um desenvolvimento de novo
tipo, democrático-popular e articulado ao socialismo.

26. O Partido dos Trabalhadores deve compreender, finalmente, que a conjuntura em que
vivemos não se limita ao Brasil.

27. As características fundamentais do atual período internacional são: a) ainda estamos


numa etapa de defensiva estratégia do socialismo; b) e sob uma hegemonia capitalista
como nunca antes na história; c) por isto mesmo, o capitalismo vive uma profunda
crise; d) que por sua vez aguça uma disputa inter-capitalista que vai adquirindo
contornos cada vez mais agressivos; e) o que ajuda a entender a reação defensiva
expressa na formação de blocos regionais.

28. No caso do continente americano, há dois projetos de integração regional: de um lado o


subordinado aos Estados Unidos, de outro lado a integração autônoma. Projetos
simbolizados, respectivamente, pela Alca e pela Celac.

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29. A principal base de apoio da Celac é a Unasul. E a principal base de apoio da Unasul
está no tripé Argentina, Venezuela e Brasil. Três países que neste momento estão
imersos em crises econômicas e políticas.

30. "A" causa de fundo da tripla crise é o esgotamento da estratégia seguida, nestes três
países, pelos chamados governos progressistas e de esquerda.

31. Há várias maneiras de explicar este esgotamento: a) os limites do reformismo nos


países de capitalismo dependente; b) os limites do progressismo num só país; c) os
limites de quem busca fazer reformas sem mudar as estruturas econômico-sociais
fundamentais; d) os limites de quem tenta melhorar a vida do povo sem fazer reformas
estruturais.

32. A crise internacional de 2007-2008 acelerou o esgotamento da estratégia seguida no


Brasil. Nesse momento, nosso país é o "elo mais fraco” da corrente de governos
progressistas e de esquerda na região, entre outros motivos porque melhoramos a vida
das classes trabalhadoras, sem elevar de maneira correspondente seus níveis de
politização e organização; mantivemos intacto o oligopólio da mídia; não colocamos a
luta contra os oligopólios empresariais e contra a corrupção como tarefas
permanentes; desde 2002 elegemos o PT na presidência da República mas um
Congresso onde as forças progressistas são minoritárias. Esta contradição foi agora
agravada pelo fato de termos vencido as eleições de 2014 graças à mobilização da
esquerda, para logo após o governo implementar um ajuste fiscal recessivo.

Construir uma Frente Democrática e Popular


33. É necessário criar uma articulação permanente do conjunto das forças políticas,
sociais e culturais que construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições
de 2014. Partidos e setores de partidos, movimentos sociais, trabalhadores da cultura
e intelectualidade democrática devem ser convidados a compor uma grande frente
onde possam debater e articular ações comuns, tanto em defesa da democracia quanto
em defesa das reformas democrático-populares.

34. Nos marcos desta articulação, é necessário relançar a campanha pela reforma
política e pela mídia democrática, contribuindo para que o governo possa tomar

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medidas avançadas nestas áreas e para sustentar a batalha que travaremos a respeito
no Congresso Nacional. O PT precisa exercer mais do que um papel de figurante na luta
pela democratização da mídia: deve engajar e orientar seus quadros e militantes a
ajudar na construção das mobilizações que os movimentos sociais a duras penas têm
construído no país nos últimos anos.

35. A eleição de Eduardo Cunha para dirigir a Câmara dos Deputados mais conservadora
desde a redemocratização reforça a centralidade da mobilização do campo
democrático-popular por um plebiscito oficial que convoque uma constituinte
exclusiva e soberana do sistema político, sem prejuízo de avançarmos em medidas
imediatas de uma reforma política popular, como a proibição do financiamento
empresarial, o fim das coligações nas eleições proporcionais, o voto em listas
partidárias, a paridade de gênero, a ampliação dos canais de participação popular,
entre outros.

36. A militância do PT deve ser convocada a participar ativamente da luta pela reforma
política, apoiando as iniciativas do movimento social e do partido, particularmente a
mobilização da campanha do Plebiscito da Constituinte e a coleta de assinaturas da
campanha do PT.

37. Entretanto, neste momento é fundamental criarmos um centro de unidade em que as


três principais campanhas pela reforma política que têm presença do campo
democrático-popular -- o Plebiscito Constituinte, a Coalizão e o projeto de iniciativa
popular do PT -- marchem unificadas, preservando suas bandeiras próprias, mas
contra o retrocesso da PEC da contrarreforma e pelo "Devolve, Gilmar!".

38. A mobilização da sociedade será fundamental para impedir mais um retrocesso no


nosso sistema político. Ao mesmo tempo, é o momento oportuno para a presidenta
Dilma, os movimentos sociais e partidos de esquerda resgatarem o programa vitorioso
das urnas, que defendia uma reforma política democrática e a convocação de um
plebiscito oficial para dar voz ao povo nas mudanças do sistema político.

39. No âmbito desta articulação permanente do conjunto das forças que apoiaram no
segundo turno a reeleição de Dilma, devemos aprovar o engajamento coletivo nas
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mobilizações sociais, a exemplo da jornada convocada pela CUT para abril e a
construção do Primeiro de Maio.

40. Faz-se necessário, também, implementar uma política de comunicação do campo


democrático e popular, iniciando pela construção de uma agência de notícias,
articulada a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes
sociais, que sirva de retaguarda e de instrumento do campo democrático-popular na
batalha de ideias, tomando como exemplos o papel cumprido pelo Muda Mais na
campanha eleitoral de 2014 e as diversas experiências semelhantes existentes nas
mídias partidárias, sindicais e sociais de esquerda. Esta agência de notícias deve estar
articulada à produção de um jornal diário de massas, criando uma rede com o
conjunto das publicações do campo democrático-popular e integrando esta ação de
comunicação política com o amplo movimento cultural que está em curso neste país e
que foi tão importante no segundo turno. A política de comunicação de que
necessitamos se integra à política de cultura e de educação, com o objetivo de criar
uma cultura de massas orientada por valores democrático-populares e socialistas,
combatendo a crescente ofensiva conservadora no terreno das ideias.

41. Finalmente, é preciso compreender que a defesa do governo também exige mobilização
social. Um exemplo disto são as mobilizações em defesa da Petrobras, do Pré-Sal, do
modelo de partilha e da política de conteúdo nacional, contra os ataques da oposição
de direita. Nossa base social, como se viu no dia 13 de março, responde favoravelmente
a esta convocatória, mesmo que a direção tenha titubeado em sua convocação.

42. Na articulação permanente do conjunto das forças políticas, sociais e culturais que
construíram a nossa vitória no segundo turno das eleições de 2014, o PT defenderá a
seguinte plataforma democrática e popular:

a) Reforma política, através de uma Constituinte exclusiva seguida de uma


consulta oficial à população, para que esta referende ou não as decisões da
Constituinte. Destacamos a luta pelo fim do financiamento político
empresarial, combinado a um combate permanente contra a corrupção na vida
econômica e social, no Estado e nos partidos políticos;

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b) Democracia na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação
das principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009;
c) Democracia representativa, democracia direta e democracia participativa,
para que a mobilização e luta social influencie a ação dos governos, das
bancadas e dos partidos políticos. O governo precisa dar continuidade à
participação social na definição e acompanhamento das políticas públicas e
tomar as medidas para reverter a derrubada da Política Nacional de
Participação Social, objeto de decreto presidencial cancelado pela maioria
conservadora da Câmara dos Deputados no dia 28/10/ 2014;
d) Pauta da classe trabalhadora, onde se destacam o fim do fator previdenciário
e a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como
as medidas indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia
13/1/2015;
e) Reformas estruturais, com destaque para a Lei da Mídia Democrática, a
reforma política, as reformas agrária e urbana, a universalização das políticas
de saúde e educação, a defesa dos direitos humanos e a desmilitarização das
Polícias Militares;
f) Salto na oferta e na qualidade dos serviços públicos oferecidos ao povo
brasileiro, em especial na educação pública, com reformas pedagógicas e
curriculares no ensino básico, médio e universitário; no transporte público; na
segurança pública e no SUS, sobre o qual reafirmamos nosso compromisso
com a universalização do atendimento e o repasse efetivo e integral de 10%
das receitas correntes brutas da União para a saúde pública;
g) Ampliação da importância e dos recursos destinados às áreas da
comunicação, da educação, da cultura e do esporte, pois as grandes
mudanças políticas, econômicas e sociais precisam criar raízes no tecido mais
profundo da sociedade brasileira;
h) Proteção dos direitos humanos: defender os direitos e a vida das mulheres,
criminalizar a homofobia, enfrentar o racismo e os que buscam criminalizar os
movimentos sociais. Afirmamos o compromisso com a revisão da Lei da
Anistia de 1979 e com a punição dos torturadores. Assim como com a reforma
das polícias e a urgente desmilitarização das PMs, cuja ineficiência no combate
ao crime só é superada pela violência genocida contra a juventude negra e
pobre das periferias e favelas;

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i) Soberania efetiva sobre as riquezas nacionais, entre as quais o Pré-Sal, e
controle democrático sobre as instituições que administram a economia
brasileira, entre as quais o Banco Central, a quem compete entre outras
missões combater a especulação financeira que está por detrás das
candidaturas da oposição de direita;
j) Política de desenvolvimento de novo tipo, ambientalmente orientada,
articulada com as reformas estruturais (com destaque para as reformas
urbana, agrária e tributária) democráticas e populares e com nossa luta pelo
socialismo.

43. É a luta por medidas políticas e diretrizes programáticas desta natureza, amplas,
envolventes, de natureza mais social que institucional, que farão a diferença nos
próximos quatro anos. E que ajudará a construir as condições para a vitória do campo
democrático-popular em 2016 e 2018.

Mudar nossa estratégia


44. Evidente que os atos iniciais de um governo não obrigatoriamente determinam seu
desfecho. Neste sentido, é bom lembrar que os dois mandatos de Lula e o primeiro
mandato de Dilma fizeram concessões ao grande capital, à oposição de direita e ao
oligopólio da comunicação. Isto foi especialmente evidente nos períodos em que o ex-
ministro Palocci ocupou posições de destaque, tanto no primeiro mandato de Lula
quanto no primeiro mandato de Dilma.

45. As concessões feitas ao grande capital, à oposição de direita e ao oligopólio da


comunicação faziam parte de uma estratégia melhorista, que visava melhorar a vida
do povo através de políticas públicas, não de reformas estruturais. Esta estratégia
melhorista é profundamente diferente da estratégia que o PT construiu e aplicou nos
anos 1980 e em parte dos anos 1990. Naquele período, a estratégia do PT visava
melhorar a vida do povo combinando políticas públicas e transformações estruturais
de natureza democrático-popular, articuladas com a luta pelo socialismo.

46. Esta alternativa democrático-popular e socialista negava a conciliação de classes,


considerava que a classe capitalista era nossa inimiga estratégica e afirmava a
necessidade de grandes conflitos e rupturas, em que só teríamos êxito se soubéssemos

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combinar atuação partidária, grandes batalhas culturais, luta social e ação
institucional.

47. Depois das eleições de 1989, frente ao efeito combinado da ofensiva neoliberal e da
“crise do socialismo”, amplos setores do PT abandonaram a estratégia democrático-
popular e socialista, adotando em seu lugar a estratégia melhorista, primeiro numa
versão crítica ao neoliberalismo e defensora de uma aliança com os setores produtivos
do grande capital; e depois na versão social-liberal da "Carta aos Brasileiros" (2002),
que fazia concessões diretas ao capital financeiro e transnacional. O principal
argumento em favor desta estratégia melhorista sempre foi o da correlação de forças.
Acreditava-se que este caminho seria menos conflituoso e dispensaria rupturas, pois
afinal de contas não estaria em questão fazer transformações estruturais. Pelo mesmo
motivo, ampliou-se ao centro e à direita o nosso arco de alianças e a nossa ação
coletiva foi concentrando-se nas instituições, deixando de lado grande parte da antiga
ênfase acerca do papel estratégico da vida partidária, da luta social e da batalha
cultural.

48. A história dos últimos 12 anos, entretanto, revela que enquanto a esquerda moderava
sua estratégia, os setores hegemônicos da direita e do grande capital radicalizaram sua
oposição. Para tais setores, trata-se de impedir que o povo melhore de vida por ação
do Estado. E, por isso, quando nosso governo introduz políticas públicas vigentes em
países da Europa, aqueles setores da direita e do grande capital reagem como se
estivéssemos promovendo uma revolução socialista. Demonstrando algo que o PT dizia
nos anos 1980: a conciliação de classes servia ao pacto das elites, não aos interesses
democráticos e populares.

49. Para os setores hegemônicos da direita e do grande capital, pouco importa o que
façamos, importa quem somos, o que expressamos como projeto de sociedade. Por
isto, trabalham para destruir o PT e o conjunto da esquerda. Neste contexto, insistir
numa estratégia que a realidade vem superando, não é apenas um erro: é um
suicídio.

50. Implementar, mesmo que parcialmente, o programa dos derrotados na eleição


contribui para confundir, desorganizar e dispersar as forças que venceram as eleições

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presidenciais de 2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela
oposição de direita e também por setores da base do governo, não ajuda a bloquear
eventuais tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um ambiente
favorável aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.

51. Por isto precisamos mudar a estratégia.

52. A política adotada pelo PT em sua primeira década de existência, especialmente a


partir do 5º Encontro Nacional (1986), foi baseada no programa democrático-popular
e socialista e numa estratégia que articulava luta social, luta institucional, disputa
politico-cultural e organização partidária.

53. Entretanto, depois da derrota sofrida nas eleições de 1989, um setor importante do
Partido entendeu que era necessário mudar de programa e de estratégia.

54. Houve resistências e uma intensa luta interna entre 1990 e 1995. A partir de então e
até 2005, houve uma expressiva maioria no Diretório Nacional e nos diretórios
estaduais a favor de um novo programa e de uma nova estratégia.

55. A partir de 1995, o objetivo programático do Partido, que até então era derrotar o
capitalismo e construir o socialismo, foi colocado (de fato) em segundo plano. O
objetivo programático do Partido passou a ser (de fato) derrotar o neoliberalismo, o
que implicava não mais iniciar uma transição socialista mas sim administrar um
capitalismo não-neoliberal.

56. Isso significou, na prática, que embora o socialismo tenha continuado de direito nosso
objetivo programático, foi convertido num “horizonte”, que como já se disse, se afasta
na exata proporção em que dele nos aproximamos. E como o caminho é longo e cheio
de pedras, ao perseguir este horizonte supostamente inatingível alguns começaram a
dizer que o socialismo na verdade seria democracia + bem estar social + economia de
mercado.

57. À medida que o objetivo programático passou a ser derrotar o neoliberalismo, setores
do grande capital passaram a ser considerados aliados estratégicos. Em função disto,

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passamos a realizar cada vez mais alianças com partidos de centro e direita, que
expressavam exatamente os interesses daqueles setores da burguesia.

58. Como o grande capital brasileiro é hegemonizado pelo setor financeiro e monopolista,
setores do Partido passaram a defender e a praticar alianças com estes setores, ou seja,
exatamente com os setores beneficiários e interessados no neoliberalismo que
supostamente se pretendia derrotar. E, em consequência disto, começaram a propor e
a realizar alianças inclusive com o PSDB.

59. A mudança no objetivo programático e nas alianças foi acompanhada por mudanças na
política de acúmulo de forças e de conquista/construção do poder.

60. Até 1995, nosso caminho para o poder incluía participar das eleições e exercer
mandatos. Mas a luta institucional era um dos meios, não o único meio e nunca o fim. A
luta institucional era considerada parte de uma estratégia que incluía também a luta e
organização social, a construção de uma aliança orgânica entre as forças democrático-
populares, a disputa ideológica, cultural, de visões de mundo, bem como a organização
do próprio PT como partido de massas.

61. Mas ao longo dos anos 1990, especialmente a partir de 1995, a luta institucional foi
progressivamente se tornando "a" estratégia, que subordinava e na prática às vezes
substituía os demais aspectos.

62. A mudança no objetivo programático, na política de alianças, na política de acúmulo de


forças, na via de conquista/construção do poder não impediram a nossa vitória nas
eleições presidenciais de 2002. Aquelas mudanças estratégicas tampouco impediram
que nossos governos federais, estaduais e municipais melhorassem a vida do povo.

63. Mas com o passar do tempo foi ficando cada vez mais claro que a estratégia adotada
entre 1995 e 2005, além de não conduzir ao socialismo, possuía também "defeitos de
fabricação" que impediam atingir seus próprios objetivos.

64. Afinal, para continuar melhorando a vida do povo, ampliando a democracia e a


soberania nacional, é preciso fazer reformas estruturais. Na ausência de reformas

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estruturais, a tendência é o retrocesso nas condições de vida do povo e a retomada de
uma hegemonia de tipo neoliberal.

65. E para fazer reformas estruturais, necessitamos de força política e social, já que tais
reformas de caráter democrático-popular contrariarão os interesses das classes
dominantes no plano nacional e internacional.

66. Por outro lado, chegamos ao governo, mas não conquistamos o poder. E aqueles
setores políticos e sociais que detêm o poder estão cada vez mais ameaçando nossa
continuidade no governo, como fica claro ao compararmos os resultados das eleições
presidenciais desde 2002 até 2014.

67. Acontece que a estratégia adotada pelo PT desde 1995 visava e visa conquistar o
governo e mudar as ações de governo. Não é e nunca foi uma estratégia de poder, de
disputa de hegemonia e ampliação do apoio político e social para o Partido, de
reformas estruturais. Por isto, seguir adotando esta estratégia nos levará, na prática,
inapelavelmente, a administrar o retrocesso do que fizemos desde 2002 e ajudar em
nossa própria derrota, nas eleições e/ou fora delas.

68. Noutra palavras: a estratégia majoritária no PT entre 1995 e 2005 nos trouxe até certo
ponto. Talvez pudéssemos ter chegado até aqui com outra estratégia, talvez não.
Independentemente disto, para seguir adiante nosso Partido precisa construir outra
estratégia.

69. Uma estratégia que reconheça que só é possível continuar melhorando a vida do povo
se fizermos reformas estruturais. Que construa as condições políticas para fazer
reformas estruturais. Que recoloque o socialismo como objetivo estratégico. Que
constate que o grande capital é nosso inimigo estratégico. Que não acredite nos
partidos de centro-direita como aliados. Que seja baseada na articulação entre luta
social, luta institucional, luta cultural e organização partidária. Que retome a
necessidade do partido dirigente e da organização do campo democrático-popular.

70. Em 2005 já havia ficado clara a necessidade desta nova estratégia. Mas o que resultou
do PED daquele ano foi a eleição de uma nova direção partidária comprometida com

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algumas mudanças na implementação da estratégia, mas não comprometida com a
adoção de uma nova estratégia.

71. Embora limitadas, as mudanças realizadas entre 2006 e 2010 melhoraram o ambiente
no Partido, contribuíram para que o governo Lula fizesse uma inflexão à esquerda e
nos permitiram vencer as eleições presidenciais de 2006 e 2010. Mas a estratégia
continuou a mesma. Aliás, alguns setores interpretaram os resultados positivos da
inflexão iniciada em 2005 como demonstração de que não era necessário mudar de
estratégia.

72. As consequências deste erro ficaram claras em junho de 2013, nas eleições de 2014 e
neste início do segundo mandato de Dilma. Ao não mudar a estratégia, enfrentamos
seus efeitos colaterais. Ao não mudar a estratégia no momento adequado, somos
obrigados a tentar a alteração quando é mais difícil fazê-lo.

73. É importante lembrar, a respeito, que no PED de 2013 alguns setores do PT se


recusaram a fazer qualquer debate político estratégico. Hoje estamos pagando o preço
por isto.

74. Embora o estilo predominante no atual governo possa agravar as coisas, os impasses
estratégicos atuais não decorrem principalmente das ações (e inações) da presidenta
Dilma. As escolhas estratégicas feitas pelo PT, ou pela maioria do Partido, foram
anteriores ao ingresso de Dilma no Partido. E as opções feitas pelo governo neste
primeiro bimestre de 2015 têm a mesma genética das opções feitas por Lula no biênio
2003-2004.

75. A diferença é que as condições da luta de classe mudaram completamente. O cenário


internacional foi alterado, o grande capital mudou de atitude, os setores médios e
parcelas crescentes da classe trabalhadora também mudaram sua atitude frente ao
nosso PT e aos governos que encabeçamos. Ou seja: se é verdade que a atual estratégia
oferecia seus ônus e seus bônus, agora os bônus estão desaparecendo e os ônus
agigantaram-se.

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76. Para construir uma saída para esta situação, para convencer a maioria da classe
trabalhadora brasileira de que entramos numa fase em que será necessária outra
estratégia, é preciso convencer em primeiro lugar o nosso próprio Partido.

77. Convencer a nós mesmos, ao PT, de que precisamos sair da situação atual, em que
buscamos melhorar as condições de vida do povo nos marcos do capitalismo, para uma
nova situação, em que melhoraremos as condições de vida do povo através de
reformas estruturais democrático-populares e de medidas de tipo socialista.

78. Só retomaremos a condição de partido hegemônico no governo, se nos dispusermos a


conquistar/construir as condições para sermos partido hegemônico no poder de
Estado.

79. Quando defendemos a necessidade de realizar reformas estruturais, de resolver os


problemas na raiz, portanto de radicalizar, é comum sermos contestados da seguinte
forma: a correlação de forças é pior hoje do que em 2003. Se então não radicalizamos,
como fazê-lo com êxito nas condições atuais?

80. Nossa resposta é: não desconhecemos as condições difíceis, sabemos os riscos


envolvidos e ninguém pode garantir êxito.

81. Mas estamos naquela situação em que uma política recuada é mais arriscada do que
uma política ousada. Dito de outra forma: quando nossos inimigos estão recuados,
temem a nossa força e estão dispostos a fazer acordos, os acordos podem até trazer
alguns benefícios. Mas quando os inimigos estão em plena ofensiva, buscando
efetivamente nos liquidar, os acordos e recuos geralmente têm como resultado
fortalecê-los ainda mais e facilitar esse objetivo, ao tempo que confundem e
desmoralizam nosso lado.

82. Evidentemente, uma política ousada só terá êxito se basear-se nas condições
potenciais de mobilização, organização e consciência das classes trabalhadoras. O
segundo turno das eleições de 2014 mostrou que é perfeitamente possível sair de
armadilhas políticas, convocando a imensa energia social que temos acumulada. E o
início do segundo mandato demonstra que desconhecer esta energia acumulada e

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adotar como regra fazer concessões aos inimigos tem como resultado perder apoios e
reforçar ódios (como demonstram recentes pesquisas).

Alterar a linha do governo, rumo a um segundo mandato superior


83. A vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2014 foi a vitória daqueles
que defendem combinar desenvolvimento com democracia, bem estar social, soberania
nacional e integração regional.

84. Contudo, a vitória de Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um Congresso
nacional mais conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como da eleição
de governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes. Derrotamos
o retrocesso, mas nem em 2006, nem em 2010 o campo conservador esteve tão perto
de recuperar a Presidência.

85. Tomado de conjunto, considerando em particular o quadro econômico nacional e


internacional, o cenário pós-eleitoral é bastante difícil. A este quadro soma-se a
chamada Operação Lava Jato, não apenas por seus efeitos políticos e midiáticos, mas
também por seu impacto sobre a Petrobrás, sobre outras empresas e sobre o conjunto
da economia.

86. Em síntese: nas eleições presidenciais de 2014, impedimos o retrocesso que seria
causado por uma vitória da oposição de direita, mas não criamos as condições
institucionais necessárias para fazer um segundo mandato superior.

87. Os derrotados na eleição presidencial perceberam isto desde o primeiro momento.


Questionaram formalmente o resultado, inclusive propondo uma “recontagem” de
votos. Estimularam e participaram de manifestações nas quais setores de ultra-direita
pediram por uma ditadura militar, além de exibirem fartamente um criminoso
comportamento homofóbico, racista e sexista. Não escondem sua disposição de sabotar
e até mesmo interromper o mandato presidencial que ora se inicia. Mantêm intensa
pressão política e midiática em favor da aplicação do programa derrotado nas urnas.

88. Frente a tudo isto, o governo da presidenta Dilma Rousseff teria três opções
fundamentais.

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89. A primeira opção seria aplicar integral e imediatamente o programa vitorioso no
segundo turno da campanha presidencial.

90. Esta hipótese, para ser exequível e exitosa, dependeria do governo, do PT e de seus
aliados na esquerda partidária e social superarem também integral e imediatamente
seus atuais déficits de organização, mobilização e consciência. O que teria como
pressuposto a adoção de outra estratégia, não apenas por parte do Partido e aliados de
esquerda, mas também por parte da própria presidenta.

91. A segunda opção seria fazer mediações entre o programa vitorioso nas eleições
presidenciais, as debilidades do campo popular, o poderio demonstrado pela oposição
de direita, os níveis de infidelidade na chamada base de governo e as circunstâncias
difíceis deste início de mandato.

92. Nesta hipótese, o governo iniciaria a aplicação do programa vitorioso nas eleições, mas
num ritmo que permitiria ao próprio governo, ao PT e aos seus aliados na esquerda
partidária e social superar seus atuais déficits de organização, mobilização e
consciência. Portanto, as mediações visariam ganhar tempo, tempo necessário à
criação das condições para transitar da atual estratégia (baseada em melhorar a vida
do povo através de políticas públicas) para outra estratégia (baseada
em transformar a vida do povo através da combinação entre políticas públicas e
reformas estruturais).

93. A terceira opção seria fazer concessões programáticas aos que perderam a eleição.

94. Quando falamos de concessões programáticas, não nos referimos principalmente à


composição do ministério. Afinal, dada a política de alianças e o resultado eleitoral, era
previsível que o ministério do segundo mandato Dilma incluiria personagens
incompatíveis com um programa democrático-popular, com reformas estruturais, com
transformações mais profundas, como aliás tem sido até aqui.

95. Quando falamos de concessões programáticas, tampouco nos referimos a aspectos do


programa. Pelos mesmos motivos citados no ponto acima, é óbvio que no conjunto das

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ações do segundo mandato Dilma haveria iniciativas do interesse de aliados de direita
e de setores do grande capital.

96. Quando nos referimos a concessões programáticas, nos referimos a adoção de


uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas. Falamos,
portanto, de um tipo de concessão que contamina todo o governo, todas as políticas
públicas, o conjunto da economia, da sociedade e da política brasileira.

97. A presidenta Dilma Rousseff escolheu esta terceira opção.

98. O ajuste fiscal implementado pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa vai
provocar recessão. A lógica de cortar “despesas” trabalhistas (MPs 664 e 665) e
aumentar juros beneficia o setor financeiro e seus sócios, em detrimento do restante
da sociedade.

99. Um país que crescia pouco ou não crescia, necessitava de outro tipo de “ajuste fiscal”. O
Brasil necessitava e segue necessitando de um “ajuste fiscal” que transfira recursos da
especulação para a produção, da minoria rica para a maioria trabalhadora. Só desta
forma será possível combinar a recomposição da indústria – sem a qual não há
crescimento nem desenvolvimento – com a ampliação do bem estar social.

100. A opção pelo ajuste fiscal através de medidas recessivas não é novidade no Brasil.
Agora, como nos 1980 e 1990, seus defensores argumentam que reduzindo os ganhos
dos trabalhadores, espera-se que os capitalistas se vejam estimulados a investir. Com
isso a economia voltaria a crescer e no final "todos ganhariam", ainda que alguns mais
do que os outros.

101. Todos sabemos quais foram os efeitos deste "modelo" nos anos 1980 e 1990, no
Brasil. E todos estamos vendo sua aplicação produzir um desastre político e social em
parte da Europa.

102. Evidente que Nelson Barbosa e Joaquim Levy são obrigados, ao implementar este
"modelo", a levar em consideração certos limites impostos pela presidenta, que

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assumiu compromissos públicos no processo eleitoral, não apenas com seus eleitores,
mas com a tão citada nação brasileira.

103. Entretanto, os seguidos aumentos da taxa de juros; o veto ao reajuste da tabela do


IR; as alterações previstas nas MP 664 e 665; a decisão de não vetar o artigo 143 da
Medida Provisória 656/2014, que permite investimentos estrangeiros nos serviços de
saúde; e a proposta de abertura do capital da Caixa Econômica Federal (que felizmente
parece ter sido deixada de lado) revelam que os limites impostos pela presidenta
tendem a ser atropelados pela lógica global das medidas.

104. A opção por uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas
está tornando a situação mais perigosa do que já era: a) uma conjuntura por si já
extremamente complexa; b) os efeitos das medidas recessivas citadas; c) uma oposição
que continua belicosa, estimulada por d) uma mídia que interpreta as medidas do
governo como prova de que tinham razão no debate eleitoral; e) demandas políticas e
sociais pendentes, especialmente de políticas urbanas e agrárias; f) importantes
movimentos sociais – com destaque para a CUT e outras centrais sindicais –
convocando mobilizações contra as medidas do governo; g) dúvidas, confusão e
conflitos em segmentos crescentes da base eleitoral, social e militante que elegeu a
presidenta Dilma.

105. Todos sabíamos que o segundo mandato Dilma Rousseff seria um governo em
disputa, como foram os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma.
Portanto, estava óbvio que seria necessária forte mobilização, tanto para apoiar o
governo contra a direita e o grande capital, quanto para enfrentar determinadas
políticas resultantes de um governo de coalizão – o que nos obrigaria a reforçar o PT e
a construir uma frente orgânica com os aliados da esquerda partidária e social, em
defesa das reformas estruturais.

106. Mas a opção por uma política econômica de ajuste fiscal através de medidas
recessivas ameaça mudar perigosamente os termos da equação. Pois uma coisa é
mobilizar contra aspectos da política do governo, ao mesmo tempo que se concorda
com o fundamental; e outra coisa profundamente diferente é mobilizar contra aspectos

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fundamentais da política do governo, contra concessões programáticas centrais que o
governo faz ao grande capital e à direita.

107. Noutras palavras: a opção feita pela presidenta Dilma Rousseff, a favor de uma
política econômica de ajuste fiscal através de medidas recessivas coloca o Partido
dos Trabalhadores e o conjunto da esquerda que nos ajudou a vencer as eleições de
2014 frente a uma encruzilhada extremamente perigosa e totalmente
desnecessária.

108. A preocupação é reforçada pela matemática da política. Ocorre que não atuamos
na correlação de forças de 2002, 2006 ou 2010. Estamos nos marcos da correlação de
forças de 2014, o que significa dizer que relativamente pequenas defecções em nossa
base podem nos levar a uma derrota global.

109. Não se trata de atribuir ao governo estrito senso a solução dos problemas
estratégicos, como se estes fossem resolvidos através de atos administrativos como a
substituição de ministros, embora isto também deva ser feito, especialmente nas áreas
da Fazenda, Cidades e Agricultura.

110. Entretanto, há problemas cuja solução depende no fundamental de políticas de


governo. Entre estas destacamos três: mudar a política econômica, democratizar a
comunicação e realizar a reforma política.

111. Uma das condições de êxito de nosso projeto é a retomada do crescimento


econômico, com ênfase no fortalecimento da capacidade industrial do Brasil.

112. Trata-se de reverter o quadro de desindustrialização e desnacionalização,


construindo uma forte cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos
estratégicos, para induzir o crescimento a partir de uma perspectiva de
desenvolvimento democrático e popular.

113. Em termos práticos, isso demanda: 1) redução nas taxas de juros, para estimular
investimentos produtivos; 2) taxas de câmbio administradas, que elevem a
competividade dos manufaturados brasileiros no mercado internacional e não

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prejudiquem a importação de bens de capital para a indústria; 3) reforma tributária
que taxe fortemente o capital entesourado e as heranças, estimule o capital produtivo e
desonere os rendimentos do trabalho; 4) aplicação firme das leis contra a formação de
cartéis, oligopólios e monopólios e contra as ações corruptoras dessas corporações; 5)
criação de empresas estatais que induzam os setores privados, principalmente médios
e pequenos, a produzir ciência, tecnologia e inovação, adensar as cadeias produtivas
nacionais e realizar um crescimento ampliado da produção industrial e agrícola; 6)
ampliar a produção de alimentos, através de mudanças na política agrícola e na
estrutura agrária; 7) melhorar as condições de vida da maior parte da sociedade,
especialmente fortalecendo econômica, política e culturalmente a classe trabalhadora
assalariada.

114. A história demonstra que, nos momentos de crise como os que vivemos, é o Estado
que deve tomar a iniciativa de comandar o processo de manutenção e ampliação dos
investimentos necessários. Motivo pelo qual reafirmamos nossa defesa do caráter
público da Caixa Econômica Federal e nossa exigência por uma redução expressiva e
imediata da taxa de juros.

115. Nos últimos anos, o governo brasileiro esforçou-se para impedir que o impacto da
crise internacional atingisse os setores populares. Isto teve um alto custo fiscal,
criando dificuldades orçamentárias neste início do segundo mandato Dilma Rousseff.
Estas dificuldades fiscais devem ser enfrentadas, principalmente, através da redução
da taxa de juros, do imposto sobre as grandes fortunas, da revisão de subsídios e
isenções, da progressividade no imposto de renda e das demais medidas tributárias
que façam os ricos e corruptores deste país pagarem a conta necessária para superar a
crise e retomar o crescimento.

116. Além disso, coerente com o compromisso firmado pela presidenta Dilma Rousseff
durante a campanha eleitoral, de manutenção dos direitos sociais e trabalhistas, o
Governo deve retirar as MPs 664 e 665.

117. A mudança na política econômica – entendendo por isto abandonar a lógica do


ajuste fiscal recessivo e trilhar o caminho da industrialização com soberania nacional e
sustentabilidade ambiental – exigirá uma imensa batalha política.
23
118. Este momento de crise exige e é propício para um salto qualitativo no modelo de
desenvolvimento nacional, com ênfase na inovação e na sustentabilidade. Por exemplo:
o planejamento de longo prazo, inclusive no que diz respeito aos serviços ambientais
no meio urbano e rural, articulados num programa de desenvolvimento sustentável, é
a saída para enfrentar o ciclo recessivo e a “crise hídrica” causada não pela natureza,
mas pela ação e inação de governos como o de São Paulo.

119. Um programa socioambiental federal para preservação dos solos, das águas, do
clima e da biodiversidade, construído no mesmo espírito de urgência e solidariedade
que orientou o Mais Médicos, repercutirá na economia, geração de renda e qualidade
de vida para toda população. Sanear, reciclar, implantar energias limpas e com menos
dependência de combustíveis fósseis, reduzir desmatamentos e emissões de carbono
mitigará os efeitos das crises relacionadas às mudanças climáticas e terá impacto sobre
os custos financeiros de outros serviços públicos, como a saúde, por exemplo.
Evidentemente isso implica em subverter a timidez das políticas do Ministério do Meio
Ambiente, bem como o redirecionamento das políticas do conjunto nas diversas pastas
do governo com o mesmo foco. Uma política global de Estado que supere a usual
compartimentação, favoreça e estimule o cumprimento dos Acordos internacionais
sobre este tema.

120. Aos céticos quanto à uma guinada de tal envergadura, há que se responder que se o
governo foi capaz de mover-se em direção ao programa adversário, poderá fazê-lo no
sentido inverso, se estiver convencido de que disto dependerá não apenas sua
capacidade de sobrevivência política, mas principalmente os destinos do Brasil.

121. Nossas chances maiores ou menores de êxito nesta batalha dependem de alterações
imediatas na política de comunicação. Quando fala de Pátria Educadora – sem entrar
no mérito do nome utilizado ou das concepções pedagógicas envolvidas – a presidenta
Dilma de fato enfatiza a formação da mão de obra. Sem reduzir em nenhum momento a
importância da elevação do nível educacional técnico e profissional do conjunto da
população brasileira, entendemos que é necessário abordar de outra forma o
problema.

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122. Não haverá mudança social profunda no Brasil, se isto não for acompanhado por
uma mudança cultural na visão de mundo da maioria da população brasileira.
Necessitamos tornar hegemônicos os valores democráticos, populares e socialistas.
Mas o que temos assistido desde 2003 é uma reação das ideias conservadoras em
todos os terrenos. Isto se deve, em parte, ao fato de que não houve nenhuma mudança
estrutural no terreno da cultura, da educação e da comunicação. Ao contrário: o grande
capital e a direita não apenas mantiveram como ampliaram sua ofensiva em cada um
destes terrenos.

123. Cabe, em parte, ao governo alterar esta situação. No terreno da Cultura, trata-se em
primeiro lugar de superar o modelo baseado na Lei Rouanet. No terreno da Educação,
de combinar a ampliação de vagas com o fortalecimento do setor público, a valorização
do profissional da educação e a mudança no projeto pedagógico. No terreno da
comunicação, trata de apoiar a aprovação da Lei da Mídia Democrática e implementar
as principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009.

124. A democratização das comunicações favorece a produção e veiculação livre de


conteúdos independentes. A regulamentação e o controle social da mídia reduzem a
manipulação das notícias. Por isso as empresas de comunicação que dominam o
mercado têm reagido atacando o governo. Este, por sua vez, evoluiu de uma posição
liberal -- que confiava no "controle remoto" -- para a defesa da regulação econômica,
que pode levar à quebra do oligopólio.

125. Entretanto, é preciso ir além e rápido: mudar o conjunto da política de publicidade;


apoiar a mídia democrática; e adotar uma postura ofensiva, da parte do governo, na
comunicação com a sociedade.

126. O PIG tenta desqualificar as propostas de controle social da mídia como se fossem
censura, parte de uma manobra para encobrir escândalos de corrupção. As empresas
que atuam na área tentam aparecer como campeões da “liberdade de expressão”, não
apenas para disfarçar suas manipulações, leviandades e calúnias, mas principalmente
para ocultar o fato de que oligopólio é quem pratica a censura. Por tudo isto, a
comunicação governamental não pode continuar sendo um assunto de agências

25
publicitárias. Para defender com êxito o governo, é preciso que o próprio governo se
defenda adequadamente.

127. O centro da questão está em entender que o governo é uma instituição política, não
apenas administrativa. Este é, aliás, o único aspecto racional do ataque que a direita faz
contra o chamado e mal denominado bolivarianismo.

128. Em outros governos progressistas e de esquerda latino-americanos, compreende-se


claramente que o papel do governo é não apenas administrar, é também liderar
politicamente. Já em setores da esquerda brasileira, prevalece uma visão
administrativista e tecnocrática.

129. As manifestações massivas de 2013 levaram a presidenta Dilma a defender a


necessidade de uma profunda reforma política. O tema voltou a ser defendido na
campanha eleitoral e no discurso de posse da presidenta, apontando como pontos
centrais as formas de financiamento das campanhas eleitorais, as regras eleitorais e os
mecanismos de interlocução com a sociedade e os movimentos sociais. Mas há um
visível recuo na defesa da Constituinte e do Plebiscito. Não há compromisso com a
defesa explícita do fim do financiamento empresarial, do voto em lista, do fim das
coligações proporcionais, da paridade de gênero etc.

130. Se o governo não impulsionar com firmeza a mobilização em favor destas mudanças
concretas, restará apenas o protagonismo dos partidos e movimentos democrático-
populares para se contrapor ao "protagonismo" do Congresso, com o risco de ser
aprovada uma contrarreforma conservadora, a exemplo do “distritão” do PMDB.

131. Atualmente, os principais projetos ou campanhas que tratam da reforma política são
os seguintes:

132. * PDL 1508/2013 - projeto de decreto legislativo apresentado pela campanha do


Plebiscito da Constituinte e subscrito por mais de um terço dos deputados na Câmara.
Também foi protocolado outro projeto com o mesmo teor no Senado Federal. Dispõe
sobre a convocação de um plebiscito oficial com a mesma pergunta do plebiscito

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popular de setembro de 2014: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana
sobre o sistema político?”

133. *PEC 352/13 - proposta de emenda constitucional elaborada pelo GT da Câmara dos
Deputados, cujo relator foi o ex-deputado Cândido Vaccarezza. Foi retomada por
Eduardo Cunha nas últimas semanas e constitucionaliza o financiamento empresarial
da política, uma modalidade de voto distrital, o voto facultativo, o fim da reeleição para
cargos no Executivo, a coincidência das eleições em todos os níveis, a criação de
cláusula de barreira, a unificação do prazo mínimo de filiação para a elegibilidade em
seis meses, entre outros retrocessos.

134. *Formulário do abaixo-assinado do projeto de iniciativa popular de reforma política


do PT. Consta os quatro principais pontos defendidos pelo partido: 1) financiamento
público exclusivo de campanhas políticas; 2) Voto em lista preordenada para
os parlamentos; 3) Aumento compulsório da participação feminina nas candidaturas;
4) Convocação de Assembleia Constituinte exclusiva sobre Reforma Política.

135. *Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4650), de iniciativa da OAB, questiona o


financiamento de empresas aos partidos políticos e nas campanhas eleitorais. Já reúne
maioria de 6 votos a 1 a favor da proibição do financiamento empresarial, mas desde
abril de 2014 o ministro Gilmar Mendes pediu vistas da ação e não devolve para
terminar o julgamento.

136. *Projeto de Lei da Coalização pela reforma política democrática e eleições limpas
(PL 6316/13). Impulsionada pela OAB, CNBB e outros movimentos, tem como
principais eixos: 1) "financiamento democrático" de campanha (proibição da doação
empresarial e doação de pessoa física em até R$ 700); 2) Eleição proporcional em dois
turnos (1º no partido, depois no candidato); 3) Paridade de gênero na lista pré-
ordenada e 4) ampliação dos instrumentos de democracia direta.

137. Desde a eleição de Eduardo Cunha, estamos sofrendo uma ofensiva da direita no
debate da reforma política. Na verdade, a direita mudou de tática sobre o tema. Se
antes atuava para impedir a aprovação dos projetos da esquerda no Congresso
Nacional, agora quer aprovar sua própria proposta de reforma política.

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138. Como um de seus primeiros atos, o novo presidente da Câmara submeteu e o
plenário da Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional
352/13, a PEC Vaccarezza/Henrique Alves, que estava até então na Comissão da
Constituição e Justiça.

139. Desde 2013, o PT e a sua bancada têm posição contrária à PEC por considerá-la uma
contrarreforma política.

140. Para incidir nas próximas eleições, a direita trabalha com a meta de aprovar a
contrarreforma no Congresso até o final de setembro e atua em jogo combinado com o
ministro do STF Gilmar Mendes, que segura há 11 meses uma Ação de
Inconstitucionalidade (ADI 4650) de iniciativa da OAB que proíbe o financiamento
empresarial.

141. No STF, a ação já alcançou a maioria de 6 a 1 favorável à proibição. No entanto, se a


PEC da contrarreforma for aprovada neste meio tempo, constitucionalizando o
financiamento empresarial, corremos o risco da ação ser prejudicada. Daí a
importância do movimento “Devolve, Gilmar”.

142. Como já dissemos, a vitória de Dilma Rousseff foi acompanhada pela eleição de um
Congresso nacional mais conservador do que o das legislaturas anteriores, bem como
da eleição de governadores vinculados à oposição de direita em estados importantes.

143. A oposição de direita pretende aprofundar sua hegemonia institucional, nas eleições
municipais de 2016 e nas eleições gerais de 2018.

144. Frente a isto, o Partido deve abandonar o discurso de que “a oposição não aceita que
a eleição acabou” e adotar um discurso que explique ao povo brasileiro o que está em
jogo, a importância de se organizar nos movimentos populares e instrumentos de luta
dos trabalhadores e das trabalhadoras e de apoiar os governos e parlamentares
vinculados à esquerda, a necessidade de pressionar os parlamentos e governos de
direita e a inevitabilidade de novos confrontos eleitorais em 2016 e 2018.

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145. A atenção dedicada pelo PT aos rumos do governo Dilma Rousseff não pode nos
levar a deixar de lado o acompanhamento dos governos estaduais e municipais, com
destaque para aqueles encabeçados pela esquerda, especialmente pelo PT.

146. Neste contexto, ressaltamos a importância do governo de Minas Gerais no


desmascaramento do modo tucano de governar.

147. Também neste contexto, manifestamos nosso repúdio à chacina ocorrida


recentemente em Salvador, Bahia, praticada por policiais militares, frente a qual nosso
governador adotou uma postura absolutamente tradicional, que banaliza a guerra que
está sendo praticada contra a juventude negra e pobre. Para além do conteúdo, certas
declarações feitas pelo governador – comparando os PMs a jogadores de futebol –
foram de uma infelicidade atroz. Ao mesmo tempo que nos somamos aos que
protestaram, exigindo investigação e punição, reafirmamos nossa defesa da
desmilitarização das Polícias Militares. E cobramos um posicionamento do conjunto do
PT e da área de direitos humanos do governo federal.

148. Manifestamos, ainda, a necessidade de apoiar o governo estadual do Maranhão, no


desmonte da oligarquia Sarney.

149. Finalmente, ressaltamos a importância do êxito da gestão encabeçada por Fernando


Haddad na prefeitura de São Paulo. Neste sentido, é preciso impedir que se repitam –
agora e em 2016 – os erros táticos que nos levaram a uma derrota nas eleições de 2014
em SP.

150. Embora a tática eleitoral em 2016 tenha aspectos locais, cabe ao Partido definir os
parâmetros nacionais do processo, em torno das seguintes diretrizes: apoio ao governo
Dilma, defesa de uma plataforma de aprofundamento das mudanças e prioridade para
os partidos de esquerda nas alianças.

151. É necessário, também, o acompanhamento dos governos municipais e estaduais


vinculados à oposição.

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152. Um exemplo da tática frente aos governos de direita é a mobilização ocorrida no
Paraná, contra as políticas neoliberais de desmonte do Estado, de precarização dos
serviços públicos e de cortes nos direitos de servidores, promovidas pelo governador
tucano Beto Richa.

153. Um contraexemplo é a ausência do PT (até o momento em que escrevemos este


texto) em mobilizações frente ao descalabro hídrico causado pelo governo tucano de
Alckmin.

154. Para além dos governos, é preciso atenção para os parlamentos, com destaque para
o Congresso Nacional.

155. O resultado da eleição da presidência da Câmara dos Deputados confirma a


predominância do conservadorismo e do fisiologismo entre os parlamentares eleitos
em 2014.

156. A vantagem obtida por Eduardo Cunha, vitorioso no primeiro turno com 267 dos
513 deputados, demonstra a necessidade de outro tipo de governabilidade, que não se
iluda com a chamada "base do governo".

157. Neste congresso conservador e sob a presidência de Eduardo Cunha, temas como a
reforma política, a lei da mídia democrática, a punição dos crimes da ditadura militar, o
combate à corrupção e mesmo a cassação do deputado Jair Bolsonaro só terão chance
de êxito se houver intensa pressão social.

158. Neste contexto, setores do Partido defendiam uma composição com a candidatura
de Eduardo Cunha. E criticam a opção feita pela bancada, de lançar a candidatura de
Arlindo Chinaglia. Os defensores desta proposta seguem não entendendo o quadro
político brasileiro e a necessidade de mudar de tática e de estratégia. Continuam
acreditando que mais vale um péssimo acordo do que uma boa briga.

159. A bancada do PT na Câmara dos Deputados agiu corretamente. Poderíamos ter


vencido, se a composição do ministério e a atitude do conjunto do governo tivesse sido
outra. Mas sabíamos, desde o princípio, que era grande a chance de derrota. E ainda

30
assim era fundamental ter candidatura. Em primeiro lugar porque são nulas as chances
de composição com o que Eduardo Cunha representa, salvo ao preço da
descaracterização mais abjeta do PT. Em segundo lugar, por demonstrar quem
efetivamente combate as práticas fisiológicas, corruptas e antipopulares. Em terceiro
lugar, para sinalizar aos setores democráticos da sociedade e do próprio Congresso
Nacional a necessidade de uma nova tática, seja para combater as tentativas de
retrocesso – com destaque para a contrarreforma política – que o novo presidente da
Câmara dos Deputados busca implementar, seja para lutar por nossa plataforma
democrática e popular.

160. O quadro no Senado tampouco é tranquilo. Sem mobilização social, a força da direita
na institucionalidade não apenas sufocará qualquer chance de aprofundar as
mudanças no país, como provocará retrocessos.

Mudar o PT: um partido para tempos de guerra


161. A experiência histórica, tanto nacional quanto internacional, vem demonstrando que
a continuidade do capitalismo implica em sofrimentos cada vez mais intensos e em
crises cada vez mais perigosas para a imensa maioria da população de nosso planeta.

162. Por outro lado, este mesmo capitalismo criou as bases para a construção de outro
tipo de sociedade, uma sociedade baseada na produção coletiva e na propriedade
social dos meios de produção, uma sociedade onde os trabalhadores e as trabalhadoras
decidam democraticamente o quê produzir, como produzir e como distribuir as
riquezas, superando a opressão e a exploração presentes onde existe a divisão da
sociedade em classes, bem como criando as condições sociais indispensáveis à
superação de outras formas de opressão e exploração.

163. A experiência histórica também demonstrou as imensas dificuldades e riscos que se


colocam para aqueles que pretendem superar o capitalismo e realizar uma transição
socialista. Por isto, devemos combinar de forma permanente a luta contra o
capitalismo com o estudo do capitalismo, a luta pelo socialismo com o estudo das
tentativas de construção do socialismo.

31
164. Deste estudo, há três ideias que se destacam. A primeira delas é que a superação do
capitalismo depende da luta das classes trabalhadoras. A segunda delas é que,
existindo as necessárias condições objetivas, o êxito desta luta depende
fundamentalmente do grau de consciência, organização e mobilização da classe
trabalhadora assalariada – ou seja, daquela classe que é diretamente explorada pelos
capitalistas. A terceira é que a luta socialista supõe diferentes formas de organização,
de luta e de mobilização, bem como diferentes estratégias, táticas e políticas de aliança;
mas sempre exige a presença do partido político.

165. A experiência demonstra, ainda, que em diferentes épocas e contextos históricos,


houve diferentes tipos de partidos políticos. Desde as revoluções burguesas até a época
da Associação Internacional dos Trabalhadores, desde a Comuna de Paris até a
chamada Segunda Internacional, desde a Revolução Russa de 1917 até a Chinesa de
1949, desde a vitória da Revolução Cubana de 1959 até a derrota das guerrilhas latino-
americanas, passando pelas guerras de libertação em África e Ásia, pelas experiências
anarquistas, nacionalistas, populistas, social-democratas e comunistas, a classe
trabalhadora construiu variados tipos de partidos, que algumas vezes entraram em
confronto, mas também fizeram alianças entre si.

166. Desta larga experiência, que também deve ser objeto de permanente reflexão,
extraímos duas grandes lições. A primeira, já referida: o sucesso da luta contra o
capitalismo e pelo socialismo exige que a classe trabalhadora se organize de diversas
formas, entre as quais o partido político. A segunda: é a prática concreta que define o
papel que um partido joga em cada circunstância histórica. Entendemos por “prática
concreta” a ideologia, a teoria, a estratégia, as táticas, as formas organizativas e
principalmente o vínculo com a classe trabalhadora realmente existente.

167. Nenhum partido nasce pronto e acabado, nenhum partido tem o monopólio da
classe, nenhum partido é eterno. Mas sem partido, a luta da classe trabalhadora será
claudicante, mais facilmente sujeita à derrotas táticas e de antemão derrotada
estrategicamente.

168. A história dos partidos da classe trabalhadora brasileira possui cerca de 100 anos.
Inclui os anarquistas, os socialistas, assim como setores vinculados à tradição

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democrático-radical, nacionalista, cristã e sindicalista. Nesta história, destacam-se o
trabalhismo, o comunismo e o petismo.

169. Desde o final da ditadura militar até os dias atuais, o Partido dos Trabalhadores é o
partido com maior influência nas classes trabalhadoras brasileiras, com mais força
política social e institucional, com mais destaque internacional.

170. Os demais partidos vinculados à classe trabalhadora são aliados, adversários ou


inimigos do PT, mas o fato de sua ação política estar referenciada no PT confirma que
na atual fase da história brasileira o petismo mantém hegemonia sobre a esquerda
brasileira, hegemonia que decorre de sua influência de massa e também das condições
sob as quais se trava, hoje, a luta política no Brasil.

171. O Partido dos Trabalhadores foi criado em 1980. Sofreu diversas transformações ao
longo de sua trajetória de 35 anos. Estas transformações responderam em parte às
mudanças objetivas ocorridas na sociedade brasileira, na luta entre as classes sociais.
Por outra parte, as mudanças sofridas pelo PT são produto da luta entre as diversas
correntes existentes no interior do Partido, correntes que expressam de maneira mais
ou menos consciente o ponto de vista de diferentes setores da classe trabalhadora.

172. Para ter êxito numa política de reformas estruturais, o PT precisa “fazer o dever de
casa”, ou seja, reiterar incansavelmente seu caráter de classe, a necessidade de manter
uma relação estreita com os movimentos e lutas sociais, e jamais abandonar ou
distorcer seus mecanismos de democracia interna.

173. Estas atitudes são fundamentais para a sobrevivência do PT, seja frente às correntes
de ultra-esquerda, que procuram liquidá-lo a pretexto de que o partido abandonou
seus ideais, seja frente aos constantes ataques da direita, que procura liquidá-lo
porque tem clareza de que o PT é o principal instrumento que as classes trabalhadoras
têm disponível hoje, para a conquista do poder e para a mudança das relações sociais.

174. O PT é um partido de massas, o que significa dizer que em maior ou menor medida
ele deve conter em seu interior a diversidade de posições políticas que existe na classe
trabalhadora. Isto significa que o PT deve ser aberto à participação de correntes

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desenvolvimentistas, social-democratas e inclusive social-liberais. Entretanto,
devemos travar uma luta constante para que estes setores evoluam para posições
democrático-populares e socialistas.

175. Embora praticando táticas eleitorais de alianças com diversos setores sociais e
políticos, visando ao enfrentamento contra partidos e representantes da direita
neoliberal, o PT precisa combater as atitudes daqueles petistas que procuram utilizar
os mesmos métodos e hábitos burgueses desses eventuais aliados.

176. Por isto mesmo, o PT não deve temer fazer autocrítica de seus erros publicamente,
nem vacilar em punir exemplarmente aqueles dirigentes e militantes que fizeram uso
de métodos burgueses de atuação e, com isso, abriram flancos aos ataques inimigos,
causaram prejuízo ao Partido e colocaram sua sobrevivência em risco.

177. O Partido deve ter autonomia financeira. Para isto devemos assumir como Partido o
combate contra a dependência frente às contribuições de empresas privadas. Por isto,
também, devemos criar uma corregedoria interna, que se antecipe na descoberta de
corruptos infiltrados no Partido. Ao mesmo tempo, o PT exige auditoria e punição
contra a corrupção praticada nos governos tucanos.

178. O processo de construção de um partido dos trabalhadores exige uma constante


correção de rumos, através da reafirmação de sua estratégia, da atualização das
políticas e táticas, e do aprofundamento da democracia interna, tendo em vista
preservar o partido daqueles métodos, hábitos e costumes que ameaçam destruí-lo ou
deformá-lo totalmente.

179. Em vista disso, o PT deve redobrar sua capacidade de formulação política,


atualizando sua análise de classes da sociedade brasileira, com atenção especial aos
deslocamentos ocorridos no interior da classe trabalhadora, a partir da elevação dos
padrões de consumo de milhões de pessoas, nos últimos anos. Será necessário um
esforço mais efetivo de análise do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil,
da formação e transformação histórica das classes sociais e da luta entre elas. E de
reelaboração e discussão do programa estratégico para o Brasil, incluindo a questão do

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poder, do papel das diferentes formas de luta que a burguesia pode impor ao povo
brasileiro e dos diferentes instrumentos organizativos das classes trabalhadoras.

180. Para preparar-se e tornar-se efetivamente capaz de ser força política hegemônica na
sociedade brasileira e conquistar a direção do poder político como um todo, o PT
precisa de uma clara hegemonia interna, em torno do programa e da estratégia
democrático-popular e socialista, reiterando seu caráter de classe, de massas, de luta e
internamente democrático. Deve, ainda, ampliar sua presença institucional e social e
revigorar sua vida partidária, com atenção primordial a suas bases organizativas. E
superar a prolongada subestimação da formação política de dirigentes e militantes,
utilizando tal formação inclusive como primeiro passo para o ingresso no partido e a
ocupação de cargos de direção.

181. O PT deve, também, formular e executar uma política de cultura, educação e


comunicação de massas, tendo em vista construir uma hegemonia das ideias
democráticas, populares e socialistas no meio do povo, hoje vítima de uma violenta
ofensiva do ideário conservador.

182. No caso específico da comunicação, trata-se de 1) democratizar a comunicação


social; 2) ampliar a rede de meios de comunicação (televisões, rádios, internet e
imprensa) dirigidos pelo campo democrático-popular; 3) construir os instrumentos do
próprio Partido, com destaque para um jornal diário de massas, que seja o núcleo
central de produção do conteúdo que será repercutido através dos demais meios,
especialmente das redes sociais.

183. Continuamos trabalhando para que o PT assuma um papel de vanguarda, não


apenas na luta pelo governo, mas também na luta pelo poder; não apenas na luta pelo
desenvolvimento, mas também na luta por reformas estruturais e pelo socialismo.

Diretrizes organizativas
184. É com este espírito, também, que apresentamos as seguintes diretrizes de reforma
organizativa do Partido dos Trabalhadores:

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a) voltar a ser um partido que atua também nos anos ímpares e que sabe combinar luta
social, luta cultural, construção partidária, com disputa eleitoral, ação parlamentar e
governamental;
b) reatar laços orgânicos com nossa base social, por um lado retomando a prática do
trabalho de base e por outro lado recobrando a capacidade de mobilização social;
c) constituir uma frente popular orgânica com aqueles setores que integram o campo
democrático-popular, por exemplo outros partidos de esquerda e entidades históricas
da classe trabalhadora e da juventude, como a CUT, UNE, MST, MNLM, CMP, CONAM e
outras;
d) construir uma política de comunicação de massas -- articulando impressos (jornais e
revistas), rádio, televisão e redes sociais -- voltada a defender as posições da classe
trabalhadora, fortalecer os laços com os movimentos sociais, lutar pela ampliação de
direitos, amplificar o alcance do programa democrático-popular e socialista na disputa
ideológica, no plano nacional e internacional, dialogar e organizar nossa ampla base
social, realizar a disputa política e ideológica permanente com nossos adversários e
também com nossos inimigos de classe;
e) reconstruir sua rede de organizações de base, através da constituição de núcleos do
PT nos locais de trabalho, de moradia e de estudo;
f) reorganizar seu trabalho de formação, do básico à formação de quadros dirigentes,
com o objetivo de atingir da maneira mais rápida o maior número de militantes, dando
ênfase não apenas a nossa história e a nossas propostas programáticas democrático-
populares, mas também aos aspectos político-ideológicos e teóricos indispensáveis à
luta da classe trabalhadora pelo poder e pelo socialismo;
g) fortalecer as instâncias partidárias, em detrimento dos centros de comandos
paralelos localizados nos gabinetes parlamentares e executivos. Com este espírito,
proibir que seja presidente partidário quem exerce mandato legislativo ou executivo;
h) eleger as direções partidárias nos congressos partidários. Fim do PED e da
influência das práticas eleitorais burguesas (como a compra de votos) nos processos
internos;
i) organizar a atuação e a influência de massas do petismo entre os jovens, através de
uma JPT de massas, que supere seu profundo processo de dispersão e desorganização
em um dos momentos em que o PT é mais desafiado a dialogar com as novas gerações;
j) reafirmar a paridade de gênero e as cotas étnica e de juventude na composição das
direções partidárias, reafirmando nosso esforço de organizar setores historicamente

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excluídos e compreendendo que sua presença nas direções partidárias pode contribuir
para superar nossos problemas políticos e organizativos;
k) garantir a auto-sustentação financeira. Um partido de trabalhadores não pode
depender de recursos financeiros doados pelo empresariado, seja para fazer
campanhas eleitorais, seja para conduzir o cotidiano da vida partidária;
l) fortalecer nosso trabalho de relações internacionais;
m) colocar a política no comando e reafirmar o caráter de classe do Partido. Os
problemas organizativos vividos pelo PT derivam de opções políticas e sua solução
também passa pela política.

E a principal decisão política é: o PT pretende continuar sendo um partido da classe


trabalhadora.

Brasília, 25 de março de 2015

Bruno Elias, Jandyra Uehara, Adriano Oliveira, Rosana Ramos, Valter Pomar e Iole Ilíada,
em nome da Direção Nacional da Articulação de Esquerda.

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