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Profa. Dra.

Ligia Menna

Contos de Fadas –
Tradição e Releituras

Fonte:
https://artbarbarians.com/gallery2/main.a
sp?artist=14&mypage=2&pic=2452&searc
h=Faery%20Tales%20By%20James%20Chri
stensen
Faery Tales By James Christensen
• Maravilhoso – MIRABLIA – muito amplo.
Termos • Popular, tradicional – muito genérico,
pois há influência da literatura culta, são
polêmicos literários também.
• De fadas – sem fadas. Mas é o
mais conhecido.
• Fada – FATUM – destino.
• As parcas/as horas/as moiras.
Conto de Fadas
• “O país dos contos de fadas se encontra em
nossa alma.” (Hans Dieckmann)
• Segundo Nelly Novaes Coelho, o conto
maravilhoso tem raízes orientais – eixo gerador
= problemática material/social/sensorial
(poder, riquezas, prazer).

Ilustração de Vladyslaw Yerko.


Terceira história: O jardim de flores da mulher hábil na magia. In: A Rainha da Neve, de Hans Christian
Conto de Fadas
• O conto de fadas tem raízes celtas – eixo
gerador = problemática
espiritual/ética/existencial (amor).
• *Pode ou não ter fada
(Branca de Neve, Rapunzel etc.).

Ilustração de Vladyslaw Yerko.


Terceira história: O jardim de flores da mulher hábil na magia. In: A Rainha da Neve, de Hans Christian Andersen.
• Pensando nas fontes orais, tais narrativas eram
dirigidas a todas as pessoas,
independentemente de faixas etárias.
• Representam um verdadeiro depósito do
imaginário, das tradições e da visão de mundo
vindas de um certo espírito popular.
• Algumas, por serem exemplares, migraram do
universo popular para o infantil.
• Há muitas que fogem dessa “exemplaridade”.
Considerações
• Há fontes escritas e da literatura dita culta. gerais
• Essas narrativas foram recolhidas e recontadas
por escritores e estudiosos, como La Fontaine,
Charles Perrault, Jacob e Wilhelm Grimm,
Sílvio Romero, Luís Câmara Cascudo, e
traduzidas por Monteiro Lobato, por exemplo.

• Conhecidas pelos desenhos de Walt Disney


(visão idealizada em contexto específico).
Considerações
• Há também contos de fadas literários, das gerais
“Preciosas” do século XVI e XVII.
Calila e Dimna
• Dois chacais mantêm o eixo narrativo – um
emaranhado de histórias sobre as paixões
humanas: ciúmes, egoísmo, amor, poder,
ambição.
• Fusão de 3 livros sagrados da Índia primordial
utilizados pelos budistas: Pantschatantra,
Mahabharata e Viscno Sarma. Fontes
• Narrativas exemplares ou fantásticas.
orientais
Calila e Dimna
• Os textos em sânscrito e persa se perderam.
• Versão árabe – século VII.
• Versão hebraica – século VII, na Itália.
• Versões latina e francesa – século XVII.
Fontes
orientais
Fontes orientais
As mil e uma noites
• Completada no século XV.
• Conhecida no mundo ocidental no século XVIII –
tradução francesa de Antoine Galland, de 1704
(versão com 350 noites).
• Narrativas audaciosas de um oriente fabuloso em
oposição às narrativas exemplares.
• Assemelham-se à malícia dos fabliaux franceses.

Fonte: http://www.hanielmasri.com/1001/images/Lovers.jpg
• Civilização pagã (Grécia e Roma) + Civilização cristã
(do século V ao século XV).
• A força da religião como instrumento civilizador.
• Histórias preservadas por religiosos primitivos.
• Essas histórias se unem às fontes orientais.
• Contexto medieval – guerras, violência, força da
natureza, relações de poder, carnificinas.
• Novelas de cavalaria. Fontes latinas –
• Contos maravilhosos. amálgama
• Surgem os terríveis ogros – Oigours –, primitivos
húngaros, e “ogressas”, como a feiticeira Melusina. cultural
Fontes latinas
Melusina
• A mais famosa versão literária dos contos de
Melusina, aquela de Jean d'Arras, compilada em
cerca de 1382–1394, foi elaborada numa coletânea
de "histórias inventadas" pelas damas enquanto
teciam.
• Traduzido para o alemão, em 1456, por Thüring von
Ringoltingen, a versão tornou-se popular como conto
de fadas.

Fonte: Ilustração da obra de Jean d'Arras, Le livre de Mélusine (O


Livro de Melusina), 1478.
• Traduzido em inglês (cerca de 1500), e
frequentemente reimpresso tanto no século XV
quanto no século XVI.

Fonte: Ilustração da obra de Jean d'Arras, Le livre de Mélusine (O


Livro de Melusina), 1478.
• Ocorre simultaneamente à expansão das
outras fontes.
• A cultura espiritualizante dos celtas se espalha por
toda a Europa e Oriente Médio.
• A mulher é ambígua, com poder divino e
demoníaco (fada ou bruxa?). Fontes célticas-
bretãs
• Surgem:
Romances corteses
Mito do filtro do amor (Tristão e Isolda)
Bruxedos e magias
Baladas e lais – cantigas de amores trágicos e
eternos
Beowulf (século VII) Fontes célticas-
Os Mabinogion (século IX)
Marie de France e os lais bretões bretãs
Fontes célticas-bretãs
Marie de France (1122-1204)
• Francesa, filha de Alianor ou Leonor da Aquitânia,
rainha da França e Inglaterra.
• Quando criança, mudou-se com a mãe para
a corte inglesa.
• Adulta, casa-se e volta para a França, onde divulga o
que aprendeu sobre os Lais bretões e o Rei Arthur.

Fonte: https://de.wikiquote.org/wiki/Marie_de_France
• Hoje seus poemas são considerados como raízes de
muitos contos de fadas.
• http://www.gutenberg.org/files/11417/11417-
h/11417-h.htm
• Lai de Fresno (Grisélidis), Lai de Laostic (Rouxinol),
Lai de Yonec, Lai de Biclavaret (Lobisomem), Lai de
Madressilva (Tristão e Isolda).

Fonte: https://de.wikiquote.org/wiki/Marie_de_France
• “É na França, na segunda metade do século XVII,
durante a monarquia absoluta de Luís XIV, o ‘Rei
Sol’, que se manifesta abertamente a
preocupação com uma literatura para crianças ou
jovens. As Fábulas (1668), de La Fontaine; os
Contos da Mãe Gansa (1691/1697), de Charles
Perrault; os Contos de Fadas (8 vols. –
1696/1699), de Mme. D’Aulnoy, e Telêmaco Início da
(1699), de Fénelon, são os livros pioneiros no
mundo literário infantil, tal como hoje o literatura para
conhecemos.” (COELHO, 1985, p. 56)
crianças
Charles Perrault (1628-1703)
• Poeta e advogado de prestígio.

• Reinado de Luís XIV.


• Contos da mãe gansa (1697) em versos, em nome de
seu filho Pierre Perrault – início da Literatura Infantil.
• A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho
Vermelho, O Barba Azul, As Fadas, O Gato de Botas,
Cinderela ou A Gata Borralheira, Riquete de Topete,
O Pequeno Polegar. Depois: Pele de Asno, Os Desejos
Ridículos e Grisélidis.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Perrault
• “Contemporâneo de La Fontaine e seu opositor na
‘Querela dos Antigos e Modernos’, Charles Perrault
(tal como aconteceu com o genial fabulista) entra
para a História Literária Universal, não como poeta
clássico (eleito para a Academia Francesa de Letras
em 1671), mas como o autor de uma literatura
popular, desvalorizada pela estética de seu tempo e
que, apesar disso, se transforma em um dos
maiores sucessos da literatura para a infância.”
CHARLES
(COELHO, 1985, p. 63) PERRAULT
• Charlotte-Rose de Caumont de La Force (1654-
1724): Persinette (1698).
• Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve (1695-
1755): La Belle et la Bête (1740).
• Jeanne Marie Leprince de Beaumont (1711-
1780): La Belle et la Bête (1756).
• Marie-Catherine le Jumel de Barneville, Mme. Contos
D’Aulnoy (1651-1705): 1696 e 1698: Contos de
Fadas; Novos Contos de Fadas ou As Fadas em literários: As
Moda; Ilustres Fadas.
preciosas
• “Os tempos de Perrault já vão distantes. E se a
época dos Irmãos Grimm não é menos violenta,
conflituosa ou agressiva do que o século de
Perrault, já são outras as maneiras de o homem ver
e compreender o próprio homem, seu mundo, seus
objetivos na vida. O Romantismo trouxe para o
mundo um inegável sentido humanitário que vai ter
suas consequências na renovação da arte, da
literatura e dos costumes. Assim, a violência
(patente ou latente dos contos de Perrault) cede
Consolidação
agora a um humanismo, onde se mescla o sentido
do maravilhoso da vida.” (COELHO, 1991, p. 111)
no Romantismo
Irmãos Grimm
• Jacob – Hanau (04/01/1785 – Berlim, 20/09/1863).
• Wilhelm – Hanau (24/02/1786 – Berlim, 16/12/1859).
• Filólogos, folcloristas, estudiosos da literatura
germânica.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3os_Grimm
• Realizaram importantes pesquisas no campo da
tradição popular (Katherina Wieckmann –
camponesa).
• BIBLIOTECÁRIOS: riquíssimo acervo de histórias,
lendas, anedotas, superstições e fábulas da velha
Germânia. Há também uma base da literatura
culta em sua obra. Nem só de folclore vivem os
contos de fadas. Irmãos Grimm
• Histórias da criança e do lar, em 1812 (Kinder und
Hausmärchen), seguindo de um segundo volume,
em 1814. A edição completa das histórias
recolhidas saiu em 1819, reunida em 3 volumes.
• A Bela Adormecida, Branca de Neve, Chapeuzinho
Vermelho, A Gata Borralheira, Os Músicos de
Bremen, João e Maria, O Príncipe Sapo, Rapunzel,
O Pequeno Alfaiate Valente, O Gato de Botas... Irmãos Grimm
Intervalo
Hans Christian Andersen (1805-1875)
“Minha vida é uma história adorável, feliz e cheia de
incidentes. Quando eu era um menino, vindo de um
mundo pobre e sem amigos, uma boa fada me
encontrou e me disse ‘escolha agora o seu próprio
caminho ao longo da vida e o seus objetivos, pelos
quais irá se esforçar, e então, de acordo com o seu
desempenho, conforme a razão exigir, eu o
guiarei e defenderei’.”

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Thumbelina#/media/File:C.A._Jensen_1836_-
_HC_Andersen.jpg
“Meu destino não poderia ter sido guiado de maneira
mais feliz, prudente e melhor. A história da minha vida
dirá ao mundo o que ela me diz: existe um Deus
amoroso, que conduz todas as coisas para o melhor.”
(tradução livre) ANDERSEN, H. C. The true story of my
life, 1846.

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Thumbelina#/media/File:C.A._Jensen_1836_-
_HC_Andersen.jpg
• Pai sapateiro, mãe lavadeira. Órfão de pai aos
nove anos, convive com mulheres sofridas: mãe,
avó, irmã.
• Inspiração: contação de histórias: memória oral +
leituras do pai: As mil e uma noites e comédias
populares + teatro de fantoches.
• Foi para Copenhagen aos 14. Queria ser cantor,
ator ou bailarino.
• Poucos estudos até os 18 anos. Maior benfeitor: ... Sua vida... um
Jonas Collins, Conselheiro do Estado e membro da
direção do Teatro Nacional. conto de fadas?
• Já famoso, foi acolhido pela aristocracia europeia,
recebido pelo rei da Dinamarca, Frederico VI, e
pela rainha Vitória, na Inglaterra.
• Na China e no Japão: “parte integral da bagagem
espiritual de todo estudante”. Escritor filósofo.
... Sua vida... um
conto de fadas?
• Escreveu peças de teatro, canções patrióticas,
contos, romances, relatos de viagem. Conhecido
por seus contos de fadas.
• Primeira fase (até 1843) – adaptou contos
conhecidos – hábil contador de histórias.
• Segunda fase – inventou suas próprias histórias.
Vasta obra
• A Princesa e a Ervilha, O Companheiro de Jornada,
A Pequena Sereia, A Rainha da Neve, O Patinho
Feio, O Soldadinho de Chumbo, A Vendedora de
Fósforos, A Roupa Nova do Rei, O Rouxinol,
O Isqueiro Encantado, Polegarzinha, A Sombra,
Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, Os Cisnes
Selvagens, A Pastora e o Limpador de Chaminés,
O Sino, A Dama de Gelo.
• (168 CONTOS PUBLICADOS DE 1835 A 1872) Vasta obra
• https://andersen.sdu.dk/
• Amálgama folclórico nórdico.
• Mescla-se o maravilhoso pagão ao
maravilhoso cristão.
• Realismo cotidiano – descoberta do maravilhoso.
• Sensibilidade romântica.
• Miséria e violência latente x humanismo e ternura.
• Há um “húmus humanístico que energiza sua Marcas na
criação novelesca”. (COELHO)
produção
• Cristianismo: atravessa-se um “vale de lágrimas”
para se chegar aos céus.
• + desenlaces negativos - desenlaces felizes.

Marcas na
produção
A Rainha da Neve
• Snedronningen (The Snow Queen), 21 de dezembro
de 1844.
• Estrutura peculiar: conto? Novela? 7 partes.
• Mescla-se o maravilhoso pagão, o espiritualismo
cristão, o realismo cotidiano e o romantismo alemão.
• Núcleo mitológico a ser desvelado: Perséfone, Skadi,
Freya, Hella.

Capa do livro “The Snow Queen”


Fonte: https://www.amazon.com/Snow-Queen-Retelling-
Fairy-Tale/dp/0062209507
A Rainha da Neve
• Constante diálogo com as mais variadas produções
culturais (animações, filmes, ficções de fantasia,
videogames, fanfiction, ópera, teatro, espetáculos de
dança), permanecendo no imaginário de gerações.

Capa do livro “The Snow Queen”


Fonte: https://www.amazon.com/Snow-Queen-Retelling-
Fairy-Tale/dp/0062209507
• Primeira história: que tem a ver com um espelho e
seus fragmentos (Daevel-Diabo-duende-tinhoso).
• Segunda história: um menino e uma menina (Kay e
Gerda).
• Terceira história: o jardim de flores da mulher
hábil na magia.
• Quarta história: o príncipe e a princesa.
• Quinta história: a pequena ladra.
• Sexta história: a lapoa e a finlandesa. Enredo
• Sétima história: o que aconteceu no palácio da
Rainha da Neve e o que se passou a seguir.
• Seguem os elementos básicos do conto de fadas:
desígnio, viagem, obstáculos, mediação e alcance
dos objetivos.
• Segue a jornada do herói: separação-
iniciação-resgate.
• Heroína forte – protagonismo feminino.
• Mediadores: feiticeira boa, flores, gralhas e renas
falantes, príncipe e princesa, pequena ladra, rena,
as mulheres da Lapônia e da Finlândia, anjos.
Elementos
• Maior ajuda – fé e a inocência de Gerda. estruturantes
• O fato de Kay ser seduzido e enfeitiçado pela
Rainha e seus gélidos beijos, de Gerda partir em
busca do amigo para resgatá-lo com suas mornas
lágrimas, e do amadurecimento das personagens
no leva a considerar a narrativa como uma clara
analogia aos primeiros contatos com a
sexualidade em um rito de passagem da infância
Narrativa de
para a vida adulta. formação
• “Onde as rosas florescem no vale tão
docemente,/Lá encontrarás o Menino Jesus
certamente.” (p. 109)
• (“As rosas crescem nos vales. Lá comungamos
com o Menino Jesus”;
• "The rose in the valley is blooming so sweet, and
angels descend there the children to greet.”) Espiritualismo
cristão
• “A avó estava sentada sob o glorioso sol de Deus,
lendo-lhes a Bíblia: ‘Se não forem como as
crianças, não entrarão no Reino dos Céus’.
• Kay e Gerda se olharam e por fim perceberam o
significado do antigo salmo: [...]
• E ali permaneceram sentados, crescidos, mas
ainda crianças, crianças de coração. E era verão,
quente e glorioso verão.” (ANDERSEN, p. 149) Pureza das
crianças
 Persistência na fé em Jesus mesmo diante
das dificuldades.
 A figura do diabo – o mal – desafia a Deus.
 As lágrimas redentoras: Kay e Gerda.
 Ajuda dos anjos. Imaginário
cristão
Primeira história – que tem a ver com um espelho e seus
fragmentos
Fonte: Contos de Andersen, Paz e Terra, 1978.

• “Ele era um duende terrivelmente mau, um duende da espécie


mais malvada e, na realidade, ele era o próprio Diabo. Um dia, o
Diabo estava de muito bom humor porque tinha acabado de fazer
um espelho com um poder muito peculiar: tudo de bom e belo
que se refletia nele parecia reduzir-se a quase nada, enquanto
tudo que não tinha valor e era feio tornava-se mais proeminente
e feio do que nunca. Neste espelho, as mais belas paisagens
pareciam espinafres cozidos, e as melhores pessoas tornavam-se
hediondas, ou apareciam de cabeça para baixo e sem estômago.
Os rostos ficavam distorcidos sem que fosse possível reconhecê-
los, e se uma pessoa tinha uma sarda, esta espalhava-se até cobrir
o nariz e a boca.” (ANDERSEN, 2017: 104)
• Em a Rainha da Neve, o espelho é produzido pelo Diabo e distorce
a realidade negativamente, tornando tudo mais cruel (Black
Mirror?).
Protagonismo feminino
Núcleo mitológico
Personagens

• Personagens femininas (em quantidade e em ações): A Rainha da Neve, Gerda, a


avó, a mulher hábil na magia, flores, a esposa do corvo, a princesa, a pequena
ladra, a rena, a mulher da Lapônia, a mulher da Finlândia e anjos (?).
• Masculinas: Kay, o corvo, o príncipe e anjos (?).
A Rainha da Neve
• Bela
• Misteriosa
• Sedutora
• Uma deusa da natureza
• Algoz ou protetora?

Fonte: Ilustração Vladyslav Yerko, 2000.


Gerda
• Parte em busca de Kay e segue sua jornada de amadurecimento, passando pelas estações
do ano.
• Seu percurso pode ser considerado um “vale de lágrimas”.
• Quando Gerda chega ao castelo, salva Kay com suas mornas lágrimas e beijos, que quebram o
feitiço dos gélidos beijos da Rainha.
• O confronto não se concretiza fisicamente entre as protagonistas, que não se veem, já que a
Rainha havia partido.
• Mas, como um duplo, em um espelho, a Rainha e Gerda se contrapõem entre o invernal e o
solar, entre o divino e o humano, entre o sonhado e o vivido, a sedução e a pureza, o pagão e o
cristão, o feminino em suas ambiguidades.

The Snow Queen, 1929.


Katharine Beverley and Elizabeth Ellender.
A mulher hábil na Magia
• A mulher era capaz de controlar a morte e o nascimento das flores.
• Seus feitiços, as cerejas ao invés de maçãs e o uso do pente mágico nos remetem àqueles da
bruxa/madrasta de Branca de Neve. Mas as intenções da velha são outras, ela queria que Gerda fosse
mais uma flor em seu jardim.
• Como Ceres, Demeter ou Sif, a velha do jardim é uma deusa do mundo vegetal e da fertilidade, a
quem compete controlar a vida e a morte das flores.
• Como a Rainha da Neve que controla as estações do ano, essa mulher do jardim controla as flores.
(Sif – deusa nórdica das plantações e da fertilidade)

Fonte: Ilustração Vladyslav Yerko, 2000.


A pequena ladra
• Essa curiosa personagem, provavelmente uma bruxa
como sua mãe, vive em meio a vários animais, uma
rena de nome Béh, buldogues, corvos, gralhas,
pombos, os quais a temem e obedecem.
• Teríamos, portanto, mais uma referência à mitologia,
no caso, a deusas caçadoras, como Diana, Artêmis e
Skadi, da mitologia nórdica.

Fonte: The Snow Queen, 1929.


Katharine Beverley and Elizabeth Ellender.
A Filandesa diz: “Nenhum poder que eu lhe possa
dar é maior do que aquele que ela já possui. Não
vê como os homens e animais se sentem impelidos a
servi-la, e quão longe ela conseguiu chegar desde
que começou sua viagem com os pés descalços?
Não lhe devemos falar desse poder. A força está no
coração dela porque ela é uma criança doce e
inocente. Se ela não conseguir chegar à Rainha da
Neve e livrar o pequeno Kay dos pedaços de vidro, O poder de
nada poderemos fazer para ajudá-la”. (ANDERSEN,
2017, p. 142) Gerda
• “Enquanto o imaginário cristão é bastante
marcado pela polarização entre Eva
(transgressora) e Virgem Maria (santa) – sendo
ambas sofredoras e, em boa medida, passivas
–, o imaginário pagão germânico ou nórdico
constrói um cenário em que a mulher pode ter
a força e destreza da guerreira, ter senso de
justiça e os profundos conhecimentos de
sábia, assumir posições de governante ou ser Imaginário
vingativa a ponto de tornar-se a megera
destruidora de todo um povo.” (KARIN cristão e pagão
VOLOBUEF)
Intervalo
Intertextualidades
Diálogos múltiplos
Diálogo com a cultura pagã. Raízes mitológicas
Hella Skadi Sif

Diana
Deméter e
Perséfone

Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pers%C3%A9fone (Perséfone)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Diana_(mitologia) (Diana)
https://www.pinterest.ca/pin/427912402095657155/ (Hella)
http://cantinhodosdeuses.blogspot.com/2011/11/skadi.html (Skadi)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sif_(mitologia) (Sif)
https://fantasia.fandom.com/pt/wiki/Gaia (Gaia)

Gaia
Diálogo com as mais variadas produções culturais (animações, filmes, ficções de fantasia, videogames,

fanfiction, ópera, teatro, espetáculos de dança), permanecendo no imaginário de gerações

Elsa
Jadis Rainha da Neve

Gerda
Anna
RN- 1957

Fontes:
Once Upon A Time: https://www.imdb.com/title/tt1843230/
As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa:
https://www.imdb.com/title/tt0363771/?ref_=fn_al_tt_1
Frozen: https://www.imdb.com/title/tt2294629/?ref_=fn_al_tt_1
O Reino Gelado: https://www.imdb.com/title/tt2243621/?ref_=fn_al_tt_1
The Snow Queen: https://www.imdb.com/title/tt0050987/
Fonte: Copyright Disney Enterprises, 1970.
Alguns exemplos
• Snezhnaya korolev (URSS, 1957).

• Reino Gelado (Snezhnaya koroleva – The Snow Queen – Wizart Animation, Rússia,
2012).

• Rainha da Neve – teatro dos contos de fadas, episódio 2 (Faerie Tale Theatre – Platypus
Productions, EUA, 1985).
Esse floco foi ficando cada vez maior, até que se transformou numa
mulher vestida com o mais fino algodão branco e parecia ser feita
A Rainha da de milhões de flocos em forma de estrela. Ela era bela e graciosa,
mas era de gelo, de gelo brilhante e cintilante. Mas mesmo sendo
Neve e Jadis de gelo, estava viva, e os seus olhos brilhavam como estrelas, mas
neles não se via serenidade e nem paz. Depois acenou com a
cabeça e com a mão para a janela. (ANDERSEN, 2017, p. 108. Grifos
nossos)
Estava também envolta em peles brancas até o pescoço, e trazia,
na mão direita, uma longa varinha dourada, e uma coroa de ouro na
cabeça. Seu rosto era branco (não apenas claro), branco como a
neve, como o papel, como o açúcar. A boca se destacava,
vermelhíssima. Era, apesar de tudo, um belo rosto, mas orgulhoso,
frio, duro [...]” (LEWIS, 2009, p. 115. Grifos nossos)
Fonte: The Snow Queen, Elena Ringo, 1998.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:The_Snow_Quee
n_by_Elena_Ringo.jpg)

Fonte: Jadis, Feiticeira Branca (Tilda Swinton). Crônicas de


Nárnia: o leão, a feiticeira e o guarda-roupa. Disney, 2005.
(https://www.alamy.com/stock-photo/chronicles-of-narnia-tilda-
swinton.html)
Jadis

• Lúcia, após encontrar o Sr. Tumnus, relata o que sabe sobre a Feiticeira Branca:
• “[...] Uma pessoa horrorosa. Diz que é a rainha de Nárnia, embora não tenha o direito de
ser rainha. É odiada por todos os faunos e dríades [...]. É capaz de transformar as pessoas
em pedra e de fazer mil coisas horríveis. É por causa de um encantamento dela que é
sempre inverno em Nárnia, sempre inverno, mas o Natal nunca chega.

• Ela anda num trenó puxado por duas renas, tem


uma varinha na mão e uma coroa na cabeça.”
(LEWIS, 2009, p. 119)
FEITIÇO: o beijo
Fonte: The Snow Queen, 1929.
da Rainha da
Katharine Beverley and Elizabeth Ellender.
Neve
• “Brrr! Aquele beijo foi mais frio que o gelo... Sentiu-o
até no coração, metade do qual já era um pedaço de
gelo. Ele sentiu-se como se estivesse morrendo, mas
apenas por um instante. Sentiu-se muito confortável e
deixou de sentir frio.” (ANDERSEN, 2017, p. 112)
• “Não vou beijá-lo mais”, disse ela, “porque se o fizer,
você morre. Kay olhou para ela. Era tão bela! Ele não
conseguia imaginar um rosto mais inteligente e belo.
Já não parecia feita de gelo como parecera antes,
quando lhe acenou amistosamente à janela. Aos
olhos dele, ela era perfeita, e Kay já não tinha medo Os beijos
nenhum.” (ANDERSEN, 2017, p. 112)
Feitiço: O
Manjar Turco,
sedução pelo
Cena do filme “Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa.
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/601934306436521604/

estômago
Artigos

Sexualidade e morte:
Uma beleza congelante: a morte e a sexualidade em A Rainha da Neve e suas
refigurações. Revista LITERARTES, n. 11, 2019. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/literartes/issue/view/11341.

Simbologia do espelho:
Simbologias do espelho mágico no conto “A Rainha da Neve”, de Hans
Christian Andersen e em suas releituras. I ENLIJ – I Encontro Nacional
de Literatura Infantil/Juvenil: teorias e práticas leitoras, 2020.
Disponível em:
http://www.dialogarts.uerj.br/admin/arquivos_tfc_literatura/ANAIS_I
ENLIJ.pdf.
Referências

ANDERSEN, Hans Christian. Os contos de Hans Christian Andersen. Edição de Noel Daniel. Direção artística de Andy
Disl e Noel Daniel. Londres: Taschen, 2017.
___________. The true story of my life. Translated by Mary Howitt. London, 1847.
CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 13. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos,
costumes, gestos, formas, figuras, cores e números. 12. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1982.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São Paulo:
Moderna, 2000.
______. O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo: Paulinas,
2012.
Referências

______. Panorama histórico da literatura infantil e juvenil. São Paulo: Ática, 1991.
GÓES, Maria Lúcia P. Introdução à literatura infantil e juvenil. São Paulo: Pioneira, 1984.
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ATÉ A PRÓXIMA!

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