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Rosto
INTRODUÇÃO: As ecologias não políticas do net-ativismo
PARTE I – AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS
1. PARA ALÉM DAS FORMAS SOCIAIS DA PARTICIPAÇÃO
1.1 A crise da ideia sociológica do social
1.2 Das morfologias sociais às ecologias comunicativas
2. AS TRÊS ECOLOGIAS DA INTERAÇÃO
2.1 Sobre a ideia ecológica da comunicação
2.2 As três ecologias comunicativas da interação
PARTE II – AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS SOCIAIS
3. AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS SOCIAIS
3.1 As arquiteturas informativas de disseminação
3.2 As arquiteturas informativas de diálogo
4. DEMOCRACIAS ELETRÔNICAS
4.1 As Ecologias eletrônicas
4.2 O campo demoscópico e o m dos pontos de vista centrais
PARTE III – AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS DA COLABORAÇÃO SÓCIO-
TÉCNICA
5. DO PÚBLICO PARA AS REDES
5.1 As ecologias comunicativas da colaboração
5.2 Da participação democrática às redes colaborativas
5.3 O caráter não social das redes digitais colaborativas
6. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO NET-ATIVISMO
6.1 A forma rede do net-ativismo
6.2 A fase de origem: o ciberativismo e o cyberpunk
6.2.1 Da mídia alternativa à mídia participativa
6.2.2 O ciberativismo e o cyberpunk
6.2.3 Hakim Bey e as zonas autônomas temporárias
6.2.4 Luther Blissett: o ativismo comunicativo e a participação anônima
6.3 A rede descentralizada: o neozapatismo e a con itualidade intergaláctica
6.3.1 Do cyber ao net-ativismo
6.3.2 O neozapatismo e a con itualidade intergaláctica
6.3.3 A forma rede do neozapatismo
6.4 O net-ativismo, o con ito e a participação em redes distribuídas
6.4.1 As ecologias comunicativas colaborativas do net-ativismo: uma pesquisa
internacional
7. O NET-ATIVISMO E AS DIMENSÕES ECOLÓGICAS DO AGIR DAS REDES
DIGITAIS: 20 TESES EM BUSCA DE UMA LINGUAGEM
PARTE IV – AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS TRANSORGÂNICAS
8. ECOLOGIAS TRANSORGÂNICAS
8.1 De planeta a organismo vivo: Gaia e a crise da ecologia ocidental
8.2 A info-ecologia: as redes digitais como condição habitativa
8.3 A infomatéria: do antropoceno aos sistemas operativos ecológicos
9. O FIM DA AÇÃO SOCIAL: O NET-ATIVISMO E AS DIMENSÕES NÃO
AGREGADORAS DO COMUM DIGITAL
9.1 Era uma vez o ator social: as ecologias transorgânicas e a impossibilidade da ação
9.2 “Fechando o zíper” da barraca: por que as ciências sociais e a Teoria Ator-Rede não têm
nada a dizer sobre as redes digitais?
9.3 Por que as redes digitais não são resultados de ações de actantes?
10. αιον – O ATO CONECTIVO: AS INTERAÇÕES TRANSORGÂNICAS NAS
REDES DIGITAIS
αιον-0 - Da ação ao ato conectivo
αιον-1 - A transubstanciação: o sangue digital e a substância conectiva
αιον-2 - A-dinamismos conectivos
αιον-3 - Pokemon Go: a infoação
Referências Bibliográ cas
Coleção
Ficha Catalográ ca
Notas
INTRODUÇÃO
I
AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS
Capítulo 1
PARA ALÉM DAS FORMAS SOCIAIS DA PARTICIPAÇÃO
P
restes a partirem para a expedição militar, vestidos com ar-madura e
reunidos em cerimônia o cial, os soldados atenienses recebiam a
seguinte invocação como augúrio: “aonde quer que fordes, sereis pólis”.
Portadores de valores democráticos, os antigos guerreiros gregos eram pioneiros
inconscientes daquele processo secular que levara o Ocidente a exportar para o
mundo os próprios modelos sociais, os próprios valores, as próprias divindades,
atravessando os mares, superando distâncias e conquistando povos e terras, mas
sem jamais encontrar alguém. Um processo unidirecional que reproduziu
elmente à imagem e semelhança cidades, estradas, monumentos, espaços
públicos, igrejas e símbolos em terras distantes e que hoje, após a crise de todos
os tipos de colonialismo, assume claramente as características de uma crise de
um processo histórico especí co, o da expansão do Ocidente e de sua estrutura
epistêmica totalitária.
Da organização urbana do território à evangelização e às formas de
colonização culturais e simbólicas, o Ocidente europeu não fez mais do que
reproduzir o mesmo onde quer que fosse, difundindo não apenas uma ideia de
sociedade, mas também uma especí ca ideia de conhecimento e de saber. [1]
Concebida no mundo industrial e no contexto positivista europeu, a sociologia
herdou a forma sistêmica e estruturalista própria da cultura racionalista
ocidental, exportando para todo o mundo uma ideia de social e conferindo a
tal visão e a tais categorias uma dimensão planetária, além de transformar,
assim, conceitos particulares, enquanto geogra camente e culturalmente
elaborados, em conceitos universais. A origem europeia, positivista e industrial
da disciplina sociológica condicionou fortemente seus desenvolvimentos
futuros e, nesse sentido, algumas dessas características originárias se
mantiveram nas diversas declinações desenvolvidas em seguida em outros
contextos geográ cos e culturais.
Ainda que reconhecendo, obviamente, os méritos e as numerosas qualidades
das formas de saber derivadas do método cientí co e das epistemologias
ocidentais, é necessário, no interior da crise ecológica contemporânea, perceber
alguns de seus limites relativos à ideia de ecologia elaborada pela loso a e
pelas ciências sociais: em particular, não somente à distinção entre cultura e
natureza proposta pela tradição das ciências que se ocuparam do social, [2] mas,
sobretudo, em relação à própria ideia de social desenvolvida nos âmbitos
urbanos e industriais da Europa dos últimos dois séculos.
Diante das mudanças climáticas, da devastação da biodiversidade, do
derretimento das calotas polares provocado pelo efeito estufa, e de todas as
consequências da passagem para a época do antropoceno, advertimos para a
inadequação não só dos estilos de vida e do impacto das nossas atividades
econômicas sobre o planeta, mas também quanto à forma de pensar essa
realidade, que não consegue nos oferecer interpretações novas em relação
àquelas produzidas pelo pensamento ocidental acerca da ideia de ambiente (do
latim, ambire: aquilo que está em torno), de natureza e sobre a própria
concepção de humano. Existe, no contexto da tradição do pensamento
ocidental, um traço unitário claramente reconhecível e conduzível à ideia de
centralidade do humano, herdada da tradição do mito bíblico do domínio do
ser humano sobre o mundo. Tal noção seria continuada no pensamento
losó co grego, chegando, com a loso a humanista renascentista, até a
modernidade e in uenciando o pensamento social que acabara por reproduzir,
acriticamente, as diversas “antinomias” construídas por tal tradição
(homem/natureza, homem/técnica, homem/ambiente etc.).
Perante a crise ecológica que caracteriza como fenômeno global a nossa
contemporaneidade, trata-se, portanto, de reconsiderar os pressupostos
epistêmicos e losó cos que formaram o saber ocidental e criaram os
pressupostos do agir humano sobre o mundo. Tarefa titânica, empreendida já
por F. Guattari, G. Bateson, M. Serres e tantos outros. Perante as características
da crise da ecologia antropo e sujeitocêntrica, produzida pelo pensamento
humanista ocidental, somos chamados a repensar, inevitavelmente, os estudos
sobre o social e sobre a sociedade, questionando, mais do que suas técnicas e
práticas de pesquisa, seus próprios pressupostos losó cos.
No m do século passado, em diversos signi cados e modos, a sociologia
começou a passar por um processo de crise. De um lado, a discussão do
método unitário nas ciências exatas, no início do século XX, que, a partir dos
diversos pontos de vista (E. Morin, F. Ferrarotti, B. Latour, M. Callon, J.
Meyrowitz etc.), começa a ressoar nas ciências sociais, enfraquecendo as
pretensões de objetividade de seus estudos; e, do outro lado, a crise do sistema
industrial e o advento de formas digitais e conectivas de comunicação, as quais
têm contribuído para criar arquiteturas de interação não somente entre
humanos, tornando necessário o desenvolvimento de um tipo diferente de
abordagem relacionada às interações sociais e à própria ideia de social e à
particular concepção da sociedade desenvolvida pela sociologia na era
industrial.
Após o impacto e a tomada de consciência com respeito à ecologia do
antropoceno e àquela proposta pela teoria de Gaia, os elementos de tal crise
ecológica resultam hoje muito mais evidentes e podemos, ainda que
simpli cando muito, reduzi-los a quatro âmbitos principais: a) Em primeiro
lugar, a concepção antropocêntrica das dimensões sociais, elemento fundante
da tradição ocidental que in uenciou a ideia de um ser humano social,
limitando a dimensão agregativa e a própria vida social unicamente aos
humanos e excluindo as outras entidades (animais, vegetais, tecnologias,
minerais e elementos da natureza em geral); b) Em segundo lugar, a ideia
sobretudo “urbana” do social que limitara sua dimensão ecológica às cidades e
às arquiteturas industriais, construindo uma ideia de cidadania que não previa
as formas não urbanas nem se interessava muito pelas dimensões climáticas,
ecológicas e ambientais, ou seja, o impacto da própria industrialização e da
urbanidade sobre o ambiente. Temática essa tornada hoje central em todos os
âmbitos do social; c) Em terceiro lugar, a consequente incapacidade de
compreender a qualidade do papel social da tecnologia da comunicação no
interior dos processos de formação e não somente de transformação da vida das
comunidades e dos indivíduos; d) Por m, a de nição de ação social que
limitava o campo de aplicação desta à única atividade dos sujeitos-atores
humanos.
A) O processo de dominação do sujeito sobre o mundo, que de fato marca
toda a história do Ocidente, é explicado por Martin Heidegger como produto
da metafísica ocidental, responsável pela construção de ontologias abstratas,
atemporais e não relacionais. Na era pós-iluminista e industrial, com a difusão
da sociedade a contrato, as ciências sociais herdaram no contexto europeu a
mesma ontologia metafísica humanista que inspirou o estudo de um social
composto somente por seres humanos, suas instituições e baseado sobre suas
próprias nalidades. Com exceção de pouquíssimos autores, que buscaram
complexi car o estudo da sociedade, da sociobiologia de H. Spencer à
microssociologia de G. Tarde, e que buscaram pensar a dimensão social no
interior das ciências biológicas, os pressupostos epistemológicos das ciências
sociais permaneceram restritos ao âmbito humanístico, conferindo à sociedade
uma dimensão antropomór ca. A partir de tal pressuposto, a ciência do social
e a sociologia devem ser consideradas como a continuação, na época moderna,
da tradição da narrativa europeia ocidental sobre o humano e a natureza,
primeiramente helênica e depois cristã, e então iluminista e racional nos
séculos XVIII e XIX. Tal narrativa é baseada sobre o pressuposto do mito do
antropocentrismo, explicado por Roberto Marchesini (2002) como paradigma
sustentado por três coordenadas principais: “I. A pretensão de uma
autofundação do homem em um devir antropopoiético; II. A consideração do
homem como entidade de medida e concepção do mundo; III. A
preconcepção de uma pureza essencialista na avaliação da relação humano-
tecnologia” (MARCHESINI, 2002, p. 164). A sociologia construiu suas
teorias sobre o social partindo do pressuposto epistemológico de
independência e supremacia do ser humano sobre a técnica e a natureza. Tal
narrativa e tal pressuposto, no interior das perspectivas conectivas próprias das
culturas das redes e daquelas ecointerativas de Gaia, resultam hoje forte e
evidentemente inadequadas para enfrentar as questões de nosso tempo.
B) Da experiência da pólis ao Iluminismo, a tradição europeia delimitou o
conceito de sociedade às atividades dos indivíduos, reduzindo o mundo ao seu
entorno a objetos, matérias-primas, recursos, e a utensílios necessários à
consecução de determinados ns, aderindo assim àquela que M. Heidegger
havia de nido como a característica da loso a e da metafísica ocidentais. A
delimitação do conceito de social à sua dimensão urbana, inspirada na
concepção humanística, contribuiu para a construção de uma hierarquia ideal,
a qual indicou como arcaicas e não desenvolvidas todas as realidades
“extramuros” – criando assim uma contraposição conceitual simpli cada e
inadequada que opunha o campo à cidade, o arcaico ao moderno, a tradição à
inovação, o desenvolvimento ao não desenvolvimento etc.
Desse modo, o espaço urbano tornou-se não somente o cenário principal da
sociedade, entendida como uma região dominada e governada pela
contratualidade social, mas também a paisagem e o palco privilegiado da
convivência humana: Imerso em um contrato exclusivamente social, o homem
político subscreve-o, reescreve-o e o faz observar até hoje, mas apenas na
qualidade de especialista em relações públicas e ciências sociais […] Nenhum
de seus discursos falava do mundo, ocupando-se em tempo integral
exclusivamente dos humanos (SERRES, 1990, p. 55).
Além de exportar uma concepção política e uma ideia de humano, a cultura
ocidental exportou para além da Europa uma ecologia social, urbana e
dialética, baseada sobre a ideia da separação do mundo humano em relação ao
ambiente. A difusão de tal ecologia urbana social, perpetuada pela perspectiva
sociológica europeia, contribuiu para fortalecer conceitualmente a divisão entre
o espaço humano e o espaço “natural”, gerando assim uma ecologia
antropomór ca na qual a ideia de: Natureza reduz-se à natureza humana que,
por sua vez, reduz-se à história e à razão. O mundo desaparece. O direito
natural moderno diferencia-se do clássico por tal anulamento […] Com o
contrato social, isso ignora e escamoteia o mundo, o qual reconhecemos
somente porque o dominamos (SERRES, 1990, p. 59).
C) Os limites das interpretações e das narrações sociológicas sobre o social
são hoje mais evidentes do que no passado. Tal clareza é devida, entre outros
aspectos, ao incremento do papel social dos objetos, dos dispositivos e dos
entes não humanos em geral, possibilitado pelas tecnologias digitais por meio
de conexão e da interação dos circuitos informativos com as ecologias
transorgânicas. As formas de comunicação wi- , RFID, via satélite, a Internet
of things etc. contribuíram para expandir as dimensões do social, participando
da construção de um novo tipo de ecologia estendida a toda a biosfera,
alterando assim não somente as dimensões, mas também as características e a
qualidade das interações sociais e, ao mesmo tempo, tornando visível a
contribuição dos “não humanos” para a construção das agregações sociais e
coletivas. A dimensão social e agregativa de nossas interações, assim como
expressas pelas formas do social elaboradas pela sociologia, seja essa moderna
ou pós-moderna, não conseguem contemplar a complexidade das ecologias
contemporâneas. Esse aspecto requer o desenvolvimento de uma nova teoria
sobre o social capaz de expandir a dimensão do mesmo, seja aos elementos
tecnológicos e inorgânicos, seja aos outros elementos orgânicos, como as
orestas, as biodiversidades e as outras substâncias que compõem a biosfera e
contribuem para a regulação do clima e a manutenção das condições favoráveis
à perpetuação da vida dos humanos no planeta. A passagem da sociologia à
ciência das associações, proposta por B. Latour, M. Callon e J. Law, é um
primeiro e importante passo em tal direção, embora não comporte ainda a
adoção de uma postura reticular que descreva os processos não como
agregativos ou associativos, ou seja, como baseados em um determinismo
analógico e sistêmico, mas como as dimensões conectivas e transorgânicas de
um novo tipo de complexidade.
Pensar a forma rede, tanto em suas dimensões digitais como naquelas
ecoconectivas de Gaia, signi ca considerar seriamente uma importante
transformação epistêmica que marca a passagem de uma complexidade
estruturalista e sistêmica a uma complexidade reticular, hologramática (E.
Morin), conectiva e transorgânica, não completamente dizível em termos de
agregação e de associação (B. Latour, M. Callon etc.).
É nessa perspectiva que a dimensão não relacional e comunicativa assume a
dimensão de uma forma formantis, isto é, a dimensão que explicita o poder
criativo da conexão que descreve, contrariamente à dimensão estrutural-
funcionalista, própria da tradição sociológica americana (T. Parsons) e daquela
agregativa da ciência das associações (B. Latour e M. Callon etc.), o
imprevisível processo de construção das conexões ecológicas transorgânicas e
reticulares. Desse modo, o social não é mais uma estrutura xa ou o conjunto
de estruturas independentes, mas se torna evento comunicativo e a-sistêmico.
A esfera comunicativa, nessa perspectiva, não mais pode ser considerada
somente em sua dimensão instrumental, isto é, como media, ou seja, conjunto
de meios e instrumentos de transferência dos uxos informativos. A
comunicação, nessa perspectiva, deixa também de ser o ponto de conjunção
entre atores pra se tornar forma constituinte. Disso resulta que, para o estudo e
a interpretação das dimensões conectivas nas redes digitais, para nada servem as
interpretações e os estudos sociológicos sobre a comunicação desenvolvidos em
âmbito industrial, enquanto inseridos em narrativas dos sociais e de tecnologias
não mais contemporâneas.
A complexidade das dimensões das interações em rede remete-nos,
provavelmente, a uma alteração do próprio status do social e o advento de uma
nova forma do comunicar não mais inscritível na dimensão instrumental-
comunicativa. Ter circunscrito o papel social da técnica e da comunicação
unicamente às dimensões mecanicistas e instrumentais limitou tanto os seus
contributos ao funcionamento do social como a possibilidade de compreensão
e de análise das teorias sociológicas sobre ecologias complexas, conectivas e
transorgânicas das condições habitativas contemporâneas. A passagem das
lógicas sistêmicas ou daquelas emergentes-agregativas àquela conectiva digital e
transubstancial das conexões transorgânicas resulta indispensável à
compreensão das ecologias de Gaia.
D) A adoção acrítica da concepção sistêmica, que expressou a supremacia da
estrutura sobre a forma, impediu o pensamento sociológico de identi car a
importância das informações e das dimensões tecnocomunicativas sobre a
situação social. [3] Excluindo o elemento formante dos uxos informativos e
das tecnologias conectivas, a representação sociológica do social consegue
narrar apenas uma parte da complexidade do conjunto de relações, perdendo
assim o dinamismo ecológico das conexões não somente humanas e perdendo,
em consequência, a possibilidade de avançar em direção a uma teoria ecológica
da ação social capaz de reunir os diversos atores, humanos e não humanos,
envolvidos na realização de uma ação. Devemos a B. Latour, M. Callon e J.
Law progressos signi cativos nessa direção. Superando a teoria clássica da ação
social que a circunscrevia às atividades do sujeito-ator, enquanto autor
principal do dinamismo social, a Teoria Ator-Rede (TAR) enfatizou a
necessidade de repensar a própria ideia de social a partir de sua vocação
dinâmica e agregativa: É hora de modi car o que se entende por social […]
Dado que a palavra tem a mesma origem – a raiz latina socius – podemos
permanecer éis às instituições originárias das ciências sociais rede nindo a
sociologia não como a “ciência do social”, mas como a investigação sobre as
associações. Desde esse ponto de vista, o adjetivo social não designa mais uma
coisa entre as outras, como uma ovelha negra entre ovelhas brancas, e sim um
tipo de relação entre coisas que não são, em si mesmas, sociais. [4]
No entanto, essa perspectiva acaba por minimizar a importância da dimensão
informativo-digital, construindo uma ideia de agregação social não baseada em
uma ideia conectiva de comunicação, mas em uma dimensão agregadora ainda
inteiramente limitada por uma concepção instrumental e passiva dos processos
comunicativos, como veremos a seguir.
A crise do imaginário social da sociologia europeia, resultante da crise do
imaginário industrial e da crise da narrativa positivista-sistêmica, bem como o
advento das tecnologias de conexão generalizada, abrem-nos a uma perspectiva
tão complexa quanto sedutora, a qual nos impele a repensar a própria ideia de
social e de sociedade, não somente para além da dimensão sujeitocêntrica, mas
também para além da dimensão agregativa emergente, oferecendo-nos a
possibilidade de examinar as dimensões, nem internas nem externas, das
transorganicidades conectivas.
Nessa direção é possível acolher a proposta de uma forma que não somente é
conteúdo, mas que se abre a uma perspectiva ecológica e que pode ser pensada
como algo vivo. Será essa a interpretação oferecida pelo historiador de arte
francês H. Focillon, que, na obra Vie des formes, apresenta uma concepção de
forma capaz de superar a oposição espírito/matéria enquanto baseada na ideia
de exterioridade. Tal concepção torna-se, de fato, a mais radical uma vez que
não se preocupa mais em reunir eidos e morphe ou em estabelecer a não
contraposição entre os termos, mas sim se propõe a alcançar uma terceira via
pelo uso de uma terceira palavra que, sempre segundo Perniola: Abre um
horizonte semântico-conceitual completamente diferente daquele que temos
visto até agora: o schema (em latim, habitus) remete precisamente à ideia de
uma forma exterior que pode ser também abstrata e intelectual. No schema, o
problema metafísico da separação entre sensível e suprassensível sequer se
coloca: os romanos traduziam schemata como habitus, cultus, vestitus, victus,
gestus, sermones et actiones. O denominador comum de tais expressões é
precisamente a exterioridade, atribuída às atitudes, à vestimenta, ao modo de
comportamento, às guras da dança, às formas de governo, aos modos de vida,
às guras retóricas, gramaticais, geométricas, astronômicas […]. [20]
Essa ideia de forma tem a sua raiz na romanidade e, assim, no contexto da
ritualidade dos antigos romanos, que se exprimia como a repetição, por si
mesma, de gestos e rituais “sem mitos”: [21]
De fato, foram mesmo os antigos romanos que elaboraram a noção de forma
a partir do modelo do rito religioso e da ação jurídica; é a forma, isto é, a
execução exterior de atos convencionados e preestabelecidos, que confere
efetualidade à cerimônia religiosa e ao procedimento jurídico: o que importa
não é tanto o conteúdo subjetivo das ações quanto a sua forma, que não
necessita de um sentido adjunto a quem a realiza, uma vez que tem já em si
mesma um sentido implícito. Focillon evidencia a diferença entre signo e
forma: o primeiro refere-se a algo diferente de si mesmo, a forma, contudo,
significa si mesma. [22]
O
que marca a passagem da concepção industrial e analógica de
comunicação, desenvolvida no século passado, àquela capaz de
exprimir as complexidades reticulares e ecológico-habitativas
próprias das condições comunicativas contemporâneas é o questionamento da
própria ideia de comunicação. Essa não é mais descritível como um simples
uxo de informações e o intercâmbio comunicativo entre conteúdos,
tecnologias e público. Não somente o incremento das quantidades de dados,
mas as formas reticulares das arquiteturas interativas exigem uma alteração do
próprio léxico utilizado nas disciplinas que estudam a comunicação, a partir da
substituição do termo media (meio e instrumento), que exprime
inevitavelmente uma relação de instrumentalidade, pela expressão “forma
formante” [1] ou por “condição habitativa”, [2] capaz de projetar-nos em uma
dimensão ecológica e não mais funcionalista dos processos de interação e
comunicação. O que as inovações tecnológicas do novo milênio nos levam a
pensar é a recusa da perspectiva humanocêntrica da comunicação, que
descrevia a atividade do comunicar como uma faculdade exclusivamente
humana.
Na segunda metade do século passado, graças aos estudos da cibernética, tal
modo de interpretar a comunicação começa a entrar em crise. Os estudos de
G. Bateson sobre a comunicação dos gol nhos e os sistemas inteligentes, [3]
além dos de Wiener sobre a comunicação entre máquinas e circuitos, [4]
contribuíram para começar a problematizar a ideia de uma comunicação
delimitada somente aos âmbitos sociais e humanos e limitada ao trânsito de
informações entre esses. Nessa perspectiva diversa, os próprios instrumentos do
comunicar deveriam ser considerados não mais como meios utilizáveis para a
difusão de conteúdos no interior das arquiteturas sociais, mas, sim, como
instrumentos de dissolução e de agenciamento [5] da comunicação humana. [6]
De fato, de um ponto de vista histórico, a comunicação humana é tal somente
enquanto construída e realizada com a colaboração de entidades não humanas
(voz, alfabeto, escritura, eletricidade etc.), cuja função não é, como analisado
por uma ampla bibliogra a, [7] meramente instrumental, mas constitui a forma
e o modo “arti cial” do próprio comunicar: A comunicação humana é um
processo arti cial. Baseia-se em artifícios, descobertas, utensílios e
instrumentos, em outras palavras, símbolos familiares organizados em códigos.
Os homens comunicam-se um com o outro de maneira não natural: as
palavras não são o produto de sons naturais, tais como o canto de um pássaro,
e a escrita não é um gesto natural como a dança das abelhas […] o caráter
arti cial da comunicação humana (isto é, o fato de que o homem entra em
comunicação com o outro por meio de artefatos) não é sempre totalmente
consciente. Assim que aprendemos um código, tendemos a esquecer a sua
arti cialidade… [8]
Em tal perspectiva, a comunicação nunca foi, assim, uma atividade
exclusivamente humana. Mesmo quando excluímos, se isso é possível, os
dispositivos tecnológicos e nos concentramos em uma comunicação face a face,
devemos reconhecer que naquele momento tal interação só é possível a partir
das sinergias de um conjunto de processos comunicativos adicionais, como a
respiração, o batimento cardíaco, as interações de nosso corpo com o meio
ambiente, o uxo de nossos pensamentos e a comunicação em geral com o
meio ambiente em torno (odores, sons, ruídos, informações visuais etc.), além
do contínuo movimento dos uxos informativos, que, embora tecnicamente
ausentes naquele momento, contribuíram ativamente para a formação de
nossas opiniões e nosso conhecimento. Portanto, rejeitando a ideia de uma
centralidade do corpo nos processos comunicativos, é necessário,
provavelmente, assumir a dimensão ecológica, complexa e não sujeitocêntrica
dos processos de comunicação. Em outras palavras, ao se falar em
comunicação, deve-se falar sempre em ecologia ou, ainda, como proposto no
contexto tecnológico contemporâneo, de forma análoga, em redes.
É possível reconduzir idealmente as origens de tal ideia ecológica de
comunicação à obra de W. Benjamin e, de modo particular, a algumas
referências, entre outras, propostas em sua célebre A obra de arte na época de
sua reprodutibilidade técnica. Nesse trabalho, ao narrar as transformações
operadas pela máquina fotográ ca sobre a percepção, Benjamin detém-se na
análise das mudanças aportadas pelo cinema à percepção do ambiente e às
formas do habitar: Nossos bares e as ruas das nossas metrópoles, nossos
escritórios e nossos quartos mobiliados, nossas estações e nossas fábricas
pareciam fechar-nos irremediavelmente. Mas então veio o cinema e, com a
dinamite do décimo de segundo, fez saltar este mundo semelhante a uma
prisão, assim, somos já capazes de empreender tranquilamente aventurosas
viagens em meio às suas ruínas espalhadas. Com o primeiro plano, dilata-se o
espaço, com a câmera lenta, dilata-se o movimento. [9]
O impacto da fotogra a e do cinema na perspectiva de Benjamin não se
refere apenas à percepção, mas, de modo mais signi cativo e radical, parece
interferir na constituição da própria natureza. Na citação seguinte, Benjamin
interpreta, talvez do modo mais radical até então veri cado no pensamento
ocidental, a alteração tecnológica do estado da natureza, dando a esse o
signi cado de uma transformação ecológica: “Entende-se, assim, como a
natureza que fala à câmera seja diversa daquela que fala ao olho”. [10]
Outra referência importante para a interpretação ecológica e não
humanocêntrica dos processos comunicativos pode ser encontrada nas
contribuições, propostas em diversos âmbitos de seu pensamento, por M.
McLuhan, que coloca em estreita relação as mudanças tecnológico-
comunicativas com a condição habitativa e as relações entre o humano e o
ambiente: O homem letrado e civilizado tende a restringir o espaço e a separar
as funções, enquanto o homem tribal projeta livremente a forma do seu corpo
para abarcar o Universo […] Para o homem tribal e a sociedade não letrada, a
habitação era uma imagem tanto do corpo como do universo. A construção da
casa, com o seu braseiro e a sua lareira, era ritualmente associada a um ato de
criação […] Tendo aceitado uma tecnologia analítica fragmentada, o homem
letrado não encontra acesso às estruturas cósmicas tão facilmente quanto o
homem tribal. Prefere os espaços separados e compartimentados aos espaços
abertos. [11]
Além de W. Benjamin e M. McLuhan, podemos identi car J. Meyrowitz
como outro autor que, nos últimos tempos, mesmo sem se referir
explicitamente à ideia de ecologia da comunicação, estabelece uma relação
comunicativa entre as tecnologias, os uxos informativos, as pessoas e o
ambiente social, baseada na ideia de um continuum e de formas de interação
não opositiva: De acordo com minha abordagem, […] os media são tipos de
ambientes sociais que incluem ou excluem, unem ou dividem as pessoas de
modos especí cos. Assim, a análise das transformações nos media é análoga ao
estudo das mudanças arquitetônicas ou geográ cas ou os efeitos da imigração
ou da urbanização. Examinei com atenção os modos com os quais um novo
medium, ou um novo tipo de medium, pode reestruturar as situações sociais,
bem como construindo ou demolindo paredes, ou realocando sicamente as
pessoas […] Antes do advento dos media eletrônicos, […] os lugares de niam
a maior parte dos sistemas de informação […] Os meios eletrônicos deram um
novo passo adiante e levaram a uma dissociação quase total entre localização
física e localização social. [12]
De forma explícita, a ideia de uma ecologia da comunicação aparece
primeiramente no texto de Abraham Moles, que defende a ideia de uma
comunicação que ocorre entre diferentes organismos e/ou sistemas que
interagem entre si, características essas que diferenciariam a abordagem
conteudística daquela realizada pela sociologia ou pela psicologia e que
justi cariam a criação de um novo âmbito de estudos: a ecologia da
comunicação. [13] Do mesmo modo, a abordagem crítica de V. Flusser sobre a
ideia de comunicação moderna apontou para a possibilidade de pensar a
perspectiva de uma interação comunicativa ecológica e não linear, composta de
símbolos, códigos, artefatos, utensílios, instrumentos e pessoas. [14]
Na época mais recente e em uma perspectiva diversa, deparamo-nos com as
contribuições de V. Romano, que de ne a ecologia da comunicação como:
Tese teórica e investigativa que trata, por um lado, do impacto da técnica no
caráter da comunicação humana (relação tecnologia/comunicação) e, por
outro, dos efeitos da comunicação tecnologizada sobre a natureza humana
(relação comunicação técnica/ser humano), na sociedade (relação comunicação
técnica/cultura-civilização) e sobre a natureza extra-humana. [15]
Em oposição a tal perspectiva ainda decididamente humanocêntrica, que
atribui à ecologia da comunicação o signi cado de uma ecologia humana [16]
da comunicação, encontramos alguns estudos norte-americanos: a ecologia da
comunicação B. Nevitt, mas sobretudo a mais recente obra de J. D. Peters, e
marvelous clouds, na qual, questionando a perspectiva da ecologia humana da
comunicação, leva em conta a consideração de que os próprios elementos
naturais, o vento, o ar, as plantas e os objetos, são hoje, graças às formas de
conexão instauradas pela Internet das coisas, transformados em media: Os
media são as nossas infraestruturas do ser, os hábitats e materiais pelos quais
atuamos e somos […] Micróbios e bits são ambos media de existência. Os
estudos de media podem ter uma forma de antropologia losó ca […] A velha
ideia de que os media são ambientes pode ser invertida: ambientes são também
media. Água, fogo, céu, terra e éter são elementos – caseiro, sublime, perigoso
e maravilhoso – que sustentam a existência e nós ainda não descobrimos como
cuidar deles; nossos esforços para fazê-lo constituem nossa história técnica […]
Para dizer que o oceano, a terra, o fogo ou o céu é um medium, nesse ponto de
vista, é diluir o conceito para além do limite da utilidade. […] Os dispositivos
digitais convidam-nos a pensar os media como ambientais, como parte do
hábitat, e não apenas como inputs semióticos para as mentes das pessoas. [17]
Sem pretensões de esgotar o âmbito complexo das diferentes interpretações
sobre a ideia ecológica da comunicação, a m de um esclarecimento útil a uma
melhor compreensão do signi cado aqui atribuído à ecologia comunicativa da
participação, podemos contemplar três outras perspectivas. A primeira é
elaborada por A. Abruzzese, que, ao analisar o fenômeno de difusão da
metrópole e das tecnologias relacionados à eletricidade, nas primeiras décadas
do século XX, destaca a superação da territorialidade física e a instauração de
uma nova sinergia possibilitada pelas interações entre luzes (cinema, imagens) e
território: Fotogra a e cinema são linguagens destinadas a exprimir o novo
fenômeno luz-território. O olhar fotográ co se apropria das estratégias da luz.
Não se apropria dos objetos ou da realidade física como tal, mas das formas
com que as coisas são realmente mostradas e resplendem: as imagens são
iluminações ou conjuntos dessas. A luz arti cial e a película xam, em um
instante, o mundo e, assim, espacializam o tempo, sujeitando-o ao presente.
[18]
II
AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS SOCIAIS
N
as ecologias comunicativas sociais, as interações são caracterizadas
pelas trocas de ideias e opiniões entre cidadãos humanos. Em um
primeiro momento, tal troca, que marca toda a história do Ocidente
europeu, é facilitada pelo advento das arquiteturas inclusivas urbanas: o teatro,
a praça, o fórum e os espaços físicos públicos. Em um segundo momento, o
advento da imprensa, da eletricidade, da TV e da mídia de massa, tal interação
assume as dimensões nacionais das esferas públicas, sempre mantendo seu
signi cado antropomór co do debate público e da troca de opiniões entre
cidadãos livres. As arquiteturas informativas que regulam tal debate permitem
uma ampla disseminação de conteúdos, proporcionando e organizando o
debate sobre temas gerais. A dimensão antropocêntrica, política e opinativa
marca as interações e as diversas formas de participação. A mediação das
tecnologias midiáticas, mesmo introduzindo qualitativas transformações
perceptivas e sensoriais, não permite ainda a superação da centralidade do
humano, produzindo um debate opinativo entre atores políticos no interior de
tais ecologias comunicativas que assumem no Ocidente a forma do diálogo
democrático.
*
Capítulo 3
AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS SOCIAIS
O
teatro, na Antiguidade, não era um simples espetáculo de distração.
À época de Péricles, no século V a.C., o bilhete de entrada era
reembolsado pela administração da cidade. Os cidadãos atenienses
iam ao teatro para conhecer preceitos religiosos, re etir sobre os dramas e as
vicissitudes da vida e tomar consciência dos deveres civis e dos
comportamentos éticos, capazes de assegurar o bem à pólis.
Era comum entre os antigos habitantes das principais cidades da Magna
Grécia, no nal da tarde e no início de cada primavera, subir a colina mais alta
da cidade para chegar ao teatro e assistir a uma apresentação. Espetáculo e
atividade cívica, ao mesmo tempo, entretenimento e diversão, mas também
evento ético e educativo, o teatro antigo reunia em si todos os elementos que
constituiriam as bases da política na civilização ocidental, estabelecendo, desde
então, a estreita relação entre o espetáculo e a política. J. P. Vernant, eminente
estudioso da civilização grega, relacionava a atividade política do mundo grego
com as representações e competições teatrais que ocorriam no interior da pólis:
Os gregos eram um povo de espectadores […] o sujeito cognoscente era
estruturado como um observador; aquilo que era desconhecido também era
invisível […] O teatro, mais do que a assembleia ou o tribunal, é o lugar onde
a emoção de massa manifesta-se plenamente […] As tragédias podiam levar
para a cena, de forma simbólica, debates contemporâneos sobre temas políticos
e morais de primeira importância, como a limitação dos poderes do Areópago,
nas Eumênides de Ésquilo […] Mas seu signi cado cívico e político podia ser
ainda mais difundido […] As tragédias traziam também o problema dos
perigos inerentes ao exercício do poder (Os persas, Oresteia, Antígona),
mostrando as terríveis consequências da divisão e da discórdia na cidade. [1]
Mais do que nas acaloradas discussões da praça, o sentimento público e as
práticas de decisão coletiva estavam contidos, de acordo com a visão do
estudioso francês, nas apresentações públicas e naquelas simbólico-
comunicativas das tragédias. Nessas, além do elemento competitivo, que exigia,
em alguns casos, a participação e o voto do público, eram comunicados os
denominadores éticos comuns da vida social. No interior da ecologia dos
teatros, os heróis eram celebrados, reconhecidos, aplaudidos pelo público e
indicados como modelos a serem seguidos. Sempre construídos em uma
posição estratégica, geralmente no topo de uma colina que dava para o mar,
todos os teatros gregos apareciam como um lugar irreal, no interior do qual os
elementos narrativos eram acompanhados por diversos efeitos técnicos como a
chegada do “deus ex machina” e as intervenções sonoras do coro, elementos
todos que tinham como nalidade, não só a de conduzir o público ao delírio e
à comoção, conseguindo assim despertar a sua atenção, mas, sobretudo, a de
permitir uma disseminação mais fácil e e caz dos conteúdos.
Encontramos, em tais aspectos, outro elemento fundamental que passará a
caracterizar, no contexto da história das democracias do Ocidente, a forma e as
práticas de participação dos cidadãos na vida pública. Tal elemento é relativo à
importância para o desenvolvimento da vida democrática, da disseminação de
conteúdos realizada pelo poder comunicativo de certas ecologias. Poder
midiático e, assim, tecnológico que, desde o teatro, permitirá o acesso ao
debate e à participação, atribuindo à vida pública, a partir de então, um
aspecto não apenas simbólico e social, mas também tecnológico-comunicativo.
A própria forma arquitetônica do teatro, que permitia uma plena visão desde
qualquer ponto, e o efeito de uma ótima acústica, a qual tornava possível, de
qualquer distância, uma e ciente recepção de conteúdos, demonstram como,
ao contrário do que foi comum pensar, a dimensão ecológico-comunicativa,
mais do que um elemento externo ou um instrumento midiático das práticas
de participação, constituía o hábitat, o lugar de origem, o pressuposto e a
condição da própria existência da democracia grega.
As tecnologias de comunicação, as tecnologias do espetáculo e os espaços da
participação pública formariam, a partir de então, os elementos constitutivos e
a própria ecologia da vida pública no Ocidente, permanecendo, mesmo com o
passar dos séculos, os elementos prioritários no interior e por meio dos quais
ocorrerá a participação dos cidadãos nas decisões e na vida pública. Desde as
suas primeiras formas históricas, desenvolvidas nos contextos das pólis, as
ecologias comunicativas da participação apresentam-se, no Ocidente,
principalmente como arquiteturas de disseminação de conteúdos e de acesso
público às informações.
Outro exemplo de ecologia comunicativa disseminativa é constituído pelas
ecologias da escrita, responsáveis pela disseminação de informações que
contribuíram não só para a alteração dos conteúdos e das dinâmicas do social,
mas também para a criação de ecologias comunicativas comunitárias
metaterritoriais. Um dos casos historicamente mais notáveis está relacionado à
difusão da mensagem cristã, que teve início com a criação de novas
comunidades, fundadas, em geral, por Paulo de Tarso, judeu da Cilícia, com
cidadania romana, que, convertendo-se ao cristianismo, torna-se o principal
artí ce da proliferação da mensagem cristã por meio da disseminação de textos
escritos em formato de carta.
As diversas comunidades, espalhadas pelo Ocidente, constituíam uma rede
que formava a Igreja primitiva, reunida, fundada e formada pela contínua
divulgação das mensagens contidas nas cartas que o apóstolo Paulo escrevia e
que tinham como objetivo instruir os neocristãos sobre os fundamentos da
nova doutrina. Em uma época na qual não existiam importantes canais de
distribuição de informações e no contexto especí co que via a emergência, em
localidades diferentes, de novos crentes, os quais não haviam tido a
possibilidade de conhecer diretamente a mensagem cristã, as cartas de Paulo
criariam uma ecologia informativa capaz de erguer e consolidar a nova religião
cristã, reunindo, em um credo e em uma doutrina comuns, todos os novos éis
espalhados pelo mundo. A epístola que Paulo enviava periodicamente aos
diversos grupos de crentes conseguia formar uma unidade ecológica e manter
as comunidades em comunhão, “formando um único corpo”, denominado
“ecclesia”. As cartas eram esperadas e sempre lidas em público, de modo que
seu conteúdo pudesse alcançar indistintamente todos os membros; o próprio
apóstolo recomendava a sua máxima e pública difusão: “Rogo-vos, em nome
do Senhor, para ler esta carta a todos os irmãos e irmãs”. [2]
O poder de disseminação da escrita e sua capacidade de formar ecologias
imateriais, capazes de criar arquiteturas comuns e de reunir pessoas em torno
de crenças, conceitos e ideias, serão ampli cados pela invenção dos caracteres
móveis e da tipogra a, que surge no século XV. Foram, de fato, tais inovações
– difundindo não só o hábito da leitura, mas com esse as ideias de Lutero, num
primeiro momento, e os ideais iluministas, posteriormente – que disseminaram
as formas de um novo tipo de participação, capaz de destruir o mundo feudal e
criar as ecologias a pedido das sociedades laicas modernas. Sem a tipogra a, a
Enciclopédia, os pamphlet e os textos impressos, os ideais iluministas não
Í
seriam capazes de sobreviver à queima pública dos livros legados ao Índex,
realizada na época pela Igreja em todas as praças europeias.
Do teatro grego, passando pelas competições de oratória no Fórum Romano,
as ecologias imateriais da escrita, as cerimônias públicas nas praças
renascentistas, até as cenogra as midiáticas da era da televisão, a democracia e a
competição política apresentaram-se no mundo ocidental sob a forma de
ecologias comunicativas do espetáculo, ou seja, por meio da apresentação
pública de argumentos submetidos ao julgamento dos espectadores. Em toda
essa longa e heterogênea tradição, a ideia de democracia coincidiu com a de
disseminação de mensagens e a de acesso aos conteúdos.
Essa tradição que se desenvolveu no curso da história ocidental põe em
estreita relação as ecologias e as arquiteturas comunicativas do espetáculo, do
teatro à TV, com aquelas dos processos de construção da cidade, da república
ou, em épocas mais recentes, com aquelas do Estado-nação, criando, assim,
uma condição simbiótica entre as práticas de interação e os espaços produzidos
pelas arquiteturas informativas.
Do ponto de vista comunicativo, as ecologias comunicativas da participação
social criaram público, espaço e conteúdos comuns por meio da construção de
ecologias comunicativas baseadas na separação entre emissores e receptores, ou
seja, formadas por arquiteturas informativas analógicas (do grego: άνα λύω,
proceder separando) e caracterizadas pela instauração da distinção entre ator e
público, sacerdote e el, político e cidadão. A forma analógica da ecologia
comunicativa disseminativa conseguia realizar um processo de comunicação,
enquanto mantinha separados os distintos momentos de construção e de
transferência das informações (emissor, mensagem, medium, canal, receptor
etc.), à medida que instituía as formas de distinção identitária entre o sujeito
emissor (ator, político, deus) – e iniciador do processo de comunicação – e os
sujeitos receptores (cidadãos e público).
O teatro, a imprensa, o cinema, o rádio e a TV representam as formas
históricas das ecologias comunicativas da disseminação, na medida em que
compreendem arquiteturas de disseminação e acesso a conteúdos e a
informações criando cronotopos que permitiram a fruição deles a uma
quantidade de público cada vez maior. O teatro, a imprensa, o rádio, o cinema
e a televisão consolidaram e ampliaram historicamente a forma analógica do
habitar e as ecologias disseminativas da participação democrática no Ocidente.
A óbvia e estreita relação entre a disseminação via arquiteturas de informação
cada vez mais e cientes e o acesso do público às informações, com a
consequente possibilidade de participação na tomada pública de decisões,
ainda que sublinhada por muitos estudos, não foi sempre considerada como
uma condição para o desenvolvimento de processos democráticos. Ao
contrário, foram muitas as re exões e os ilustres pensadores que condenaram
enfaticamente, em épocas diversas, a disseminação de informações e o acesso
das massas a elas.
De acordo com esse difundido pensamento, a participação ativa do público
nos vários setores da sociedade e o protagonismo das massas, tornado possível
pelo advento de novos “instrumentos” tecnológicos, deveriam ser considerados
como uma ameaça. Em épocas e contextos diversos, é possível entrever os
mesmos argumentos que revelam o mesmo tipo de aversão nos confrontos de
ampliação da participação, relacionada à vida pública, dos setores da população
anteriormente excluídos. O primeiro de todos, em ordem cronológica e
argumentativa, foi Platão, que, preocupado com os eventos comunicativos e as
representações teatrais que estimulavam, além da medida, a participação das
massas, exprimia sua crítica aos confrontos do público, o qual, seduzido pelos
poetas, era levado a expressar-se com um “entusiasmo próprio das Bacantes”:
“O público do teatro, de mudo, tornou-se falante, como se pudesse entender
aquilo que na arte é belo e aquilo que não é; mais do que uma aristocracia na
música, temos uma miserável teatrocracia”. [3]
A inclinação popular para opinar sobre cada assunto era associada por Platão
à natural tendência das massas a infringir as regras. Seria a propagação dessa
índole, segundo o lósofo, uma ameaça à harmonia da cidade. A expressão
mais evidente de tal perigosa tendência é particularmente encontrada, no
entender do lósofo, nas formas públicas de julgamento e opinião consentidas
nas representações teatrais de Siracusa, onde o público, no nal do espetáculo,
era convidado a exprimir o seu juízo sobre as representações e “onde a música
era submetida ao juízo da multidão e dos espectadores a ponto de esses últimos
proclamarem o vencedor por meio do levantamento de mãos”. [4]
A mesma aversão platônica à participação do público encontramos como
uma constante na história política do Ocidente, em ambientes e contextos
midiáticos diferentes. Na Alemanha do século XVI, após a tradução do texto
sagrado na língua dos camponeses – realizada por M. Lutero, o que permitiu,
pela primeira vez na história, a leitura da Bíblia e o acesso a seu conteúdo por
parte do público leigo –, veri ca-se uma aversão das autoridades católicas que
denunciaram a tradução e a divulgação dos textos como uma vulgarização e
uma disseminação dos conteúdos sagrados. Em tempos mais recentes, logo
depois da Revolução Industrial, quando o desenvolvimento dos media
começou a determinar a emergência de uma nova cultura de massa,
encontramos o pensamento e a obra de muitos autores claramente hostis aos
confrontos dos processos de inclusão das massas na vida pública, perpetuando,
assim, a tradição platônica e eclesiástica.
Quando, na época moderna, a cultura e o consumo de massa consolidam-se
pelo poder de disseminação dos meios de comunicação, a crítica sobre o
incremento do protagonismo das massas alcança o seu ápice. A. Tocqueville,
em seu célebre Democracy in America, realiza uma entre as primeiras críticas
efetuadas no Ocidente à sociedade de massa. Analisando o contexto da
sociedade industrial americana, baseada nas formas super ciais e rápidas de
interação e na “doença democrática da inveja”, Tocqueville observa como a
cultura é ameaçada por formas de banalização e monotonia e pela luta para
“golpear, e não para interessar, e para agitar as paixões, mais do que para atrair
o gosto”. [5]
Como sublinhado por vários autores desse período, a sociedade dos grandes
números parecia estar ameaçada, assim como a pólis segundo Platão, pela
disseminação das informações e pelo consequente incremento da participação
nas diversas atividades da vida social por parte do público. Entre os outros, T.
S. Eliot parece transferir o receio expresso por Platão quanto à teatrocracia para
a sociedade do século XIX, ameaçada pela chegada de uma nova cultura e um
novo poder político das massas. Mas a analogia com os escritos do lósofo
grego é ainda mais direta na obra de Ortega y Gasset, como demonstram
algumas passagens emblemáticas e todo o espírito do livro A revolta das massas
(1978): “As massas vieram à ribalta da vida social, ocupando os postos,
utilizando os instrumentos e desfrutando dos prazeres até então reservados a
poucos”. [6]
Tais transformações constituiriam uma nova ameaça para a cultura europeia,
desa ada por esses “novos bárbaros incapazes de qualquer esforço além daquele
estritamente imposto a eles como uma reação à coerção externa”, os quais
teriam levado inevitavelmente à degradação da sociedade.
Sem continuar na longa lista de críticos da cultura de massa, [7] é possível
reconhecer, no interior da cultura democrática ocidental, duas tendências
opostas em relação à disseminação: uma que pertence à tradição do signi cado
latino de pubblicus, que faz coincidir a disseminação de conteúdos com o
acesso às informações por parte do público e com o consequente incremento
da sua participação nas questões de interesse coletivo; e a tendência platônica,
que interpreta a livre disseminação das informações e dos conteúdos no sentido
negativo, relacionando-a com a δοχα, ou seja, com o nível mais baixo do
conhecimento indicado pelo próprio lósofo grego, como engano, mentira, na
medida em que se refere ao senso comum e ao conhecimento adquirido pelos
sentidos humanos. Duas tradições que permaneceriam distintas e atravessariam
os séculos da história das democracias ocidentais, mas que habitariam,
indistintamente, a mesma ecologia comunicativa.
O
processo de difusão das formas de comunicação de massa não só
levou à eletri cação das esferas públicas nacionais – consolidando e
uni cando, graças ao cinema, à imprensa e, sobretudo, à TV, as
identidades linguísticas e os imaginários no contexto de cada Estado-nação –,
como também contribuiu para a dilatação das fronteiras geopolíticas,
incrementando as relações de diálogo e os processos políticos em escala global e
contribuindo para a integração econômica e política das várias áreas geográ cas
do planeta. Como apontado por A. Abruzzese: O modelo de produção da
metrópole do século XIX será caracterizado pelo progressivo desenvolvimento
da encenação coletiva do live: uxos e aparições da multidão, espetáculos de
massa, grandes magazines, exposições universais […] Mas dará vida também a
uma vasta rede de dispositivos metaterritoriais, de veículos de produção e de
consumo para a opinião pública: urbanismo, jornais, revistas ilustradas,
propaganda, fotogra a. [1]
Como havia ocorrido com a imprensa, o telégrafo, a eletricidade e a ferrovia,
também os media eletrônicos contribuíram para a mudança de percepção do
território e para as próprias formas de interação com esse, o que nos leva à
elucidação, ainda no início de tal processo histórico, feita por W. Benjamin:
Nossos cafés, as ruas de nossas metrópoles, os escritórios, os quartos
mobiliados, as estações, as fábricas, davam-nos a impressão de sufocar-nos
irremediavelmente. Então veio o cinema e, com a dinamite das frações de
segundo, fez explodir esse mundo similar a uma prisão: assim, podemos
tranquilamente começar viagens aventurosas em meio a suas ruínas. Com o
primeiro plano, dilata-se o espaço, com a câmera lenta, dilata-se o movimento.
[2]
Esse processo de multiplicação das imagens criadas pelos mass media foi
interpretado por Vattimo como um processo qualitativo capaz não só de
multiplicar estéticas, notícias e informações, mas, consequentemente, de
relativizar os pontos de vista centrais e as visões do mundo consideradas
universais pelas loso as do velho continente.
O que realmente aconteceu, apesar de todos os esforços das multinacionais e
dos grandes capitalistas, foi que o rádio, a televisão e os jornais tornaram-se
elementos de uma explosão e proliferação generalizada de Weltanschauungen,
de visões de mundo. Essa multiplicação vertiginosa da comunicação, essa
tomada da palavra por parte de um número crescente de subculturas é o efeito
mais evidente dos mass media e é também o fato que – conectado com o fim
ou, pelo menos, com a transformação radical do imperialismo europeu –
determina a passagem da nossa sociedade ao pós-moderno. [11]
III
AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS DA
COLABORAÇÃO SÓCIO-TÉCNICA
O
advento das arquiteturas informativas e interativas digitais determina
uma qualitativa alteração das formas de participação. Sobretudo com
a difusão da banda larga e das formas de conexão wi- , as redes
digitais con guram-se como ecologias complexas de interação, que
implementam dinâmicas colaborativas entre dispositivos de conexão humanos,
dados e circuitos informativos.
A dimensão da interação, consequentemente, não se con gura apenas como
o conjunto da troca de opiniões entre cidadãos, própria das dinâmicas políticas
e racionais da esfera pública, mas como a colaboração interativa e sociotécnica
entre entidades que, uma vez conectadas, colaboram para a construção de
interações reticulares complexas. As ecologias interativas digitais e
colaborativas, geradas da Internet à bra ótica, permitem a experimentação das
interatividades net-ativistas, ou seja, do conjunto das a-dinâmicas digitais das
interações advindas por meio da contínua troca de informações entre
humanos, dispositivos de conexão e dados.
A participação assume, assim, as formas de um particular tipo de interação,
não mais resultado de um fazer do sujeito-ator, nem de um fazer técnico sobre
o sujeito, mas de algo que toma forma pelas múltiplas interações colaborativas
entre entidades diversas.
Capítulo 5
DO PÚBLICO PARA AS REDES
O
estudo das formas de interação em rede tem diversas abordagens.
Uma primeira é aquela relativa à observação e à mensuração (métrica)
de suas dinâmicas de interação. Além das casuais, sem escalas e a
pequenos mundos (Paul Erdös, Alfred Rényi, Watts, Barabási, Buchanan,
Milgram), tal abordagem distinguia as formas de interação em redes sociais
emergentes e de a liação daquelas associativas, as primeiras menores e com
maiores uxos informativos entre os membros, as segundas ainda menores e
com menos necessidade de participação.
Se essa primeira abordagem sobre os estudos das interações em rede
concentrou-se sobre a descrição de suas características formais-agregativas e
sobre a observação de seu funcionamento, na tentativa de identi car seus
“hubs” e seu potencial de interação, um segundo tipo de estudos colocou em
evidência a sua forma inovadora, pensando nas dinâmicas em rede como a um
desa o hermenêutico e metodológico, expressão de um novo tipo de
complexidade (E. Morin, G. Deleuze, M. Serres, M. Callon, B. Latour etc.).
Em tal perspectiva, as dinâmicas de rede, ainda entendidas como complexidades
agregativas e não digitais, manifestam dinâmicas e características inovadoras,
di cilmente narráveis no interior das categorias modernas e dos conceitos
antinômicos das ciências sociais. Dos princípios das formas autoeco-organizadas
de Morin aos mil platôs de Deleuze, àquelas mutantes de M. Serres e às
dinâmicas associativas da Teoria Ator-Rede de B. Latour e M. Callon, tal
segundo tipo de abordagem preferira uma narração problemática, capaz de pôr
em discussão as representações sistêmicas e ordenadas da complexidade.
Por ocasião da difusão das formas de comunicação em redes digitais
colaborativas (web 2.0), muitos estudos disseminaram-se, em nível losó co e
teórico, partindo das especi cidades técnico-comunicativas das redes digitais, na
tentativa de propor percursos interpretativos. Enquanto os estudos baseados nas
dimensões das interações em rede e aqueles baseados em sua complexidade e nas
dinâmicas associativas não levavam em conta, na maior parte dos casos, aspectos
infotécnicos qualitativos das redes digitais, uma série de re exões losó cas têm
optado por repensar, a partir das dimensões digitais das redes, a relação entre
sujeito e tecnologia e, por consequência, a necessidade de sublinhar a
emergência de formas de colaboração de inteligência tecno-humana.
Entre essas contribuições, a obra de Pierre Lévy nos incita a considerar as
“tecnologias digitais da inteligência” e a informática como as modalidades de
gestão do conhecimento que, de modo análogo à escrita no passado, atuariam
não só no nível de substituição dos formatos e dos códigos informativos, mas
“atuando, ao mesmo tempo, na passagem das formas cognitivas individuais para
aquelas coletivas e distribuídas”. [1]
Por m, podemos distinguir outra abordagem no estudo das redes digitais que
prefere estudar seu impacto social, evidenciando-lhes os aspectos problemáticos
e críticos (S. Turkle, L. Manovich etc.) ou as potencialidades positivas (M.
Castells, B. Wellman e outros).
Em A era da informação (2002a), vasta obra dividida em três volumes, Manuel
Castells, adotando em sua pesquisa o ponto de vista sociotecnológico, distingue
cinco características principais da “sociedade em rede”: a informação, a
exibilidade da produção, a lógica reticular, a difusão e a convergência das
tecnologias de comunicação digital. Nessa sociedade, segundo o sociólogo
espanhol, a informação teria assumido um papel central e as redes digitais
teriam começado a constituir a base material da transformação social e da
reestruturação dos modos de produção e do desenvolvimento industrial em
direção ao “informacionalismo”: “a geração, a elaboração e a transmissão das
informações tornam-se fontes fundamentais de produtividade e de poder,
devidas às novas condições tecnológicas”. [2]
Em consequência do desenvolvimento de novas TICs, as sociedades estariam
passando de formas de participação e modos de produção burocráticos e
verticalizados para estruturas reticulares e horizontais, expressões de um novo
paradigma comunicativo e produtivo, no qual o acesso às redes e à possibilidade
de troca de informações teriam se tornado fatores determinantes para a
participação e as interações sociais.
Em tal direção vai também a breve e famosa contribuição, escrita em ns dos
anos noventa por E. S. Raymond, sob o título A catedral e o bazar, na qual são
apresentadas duas arquiteturas diversas de softwares às quais correspondem
análogas formas de organização. A primeira é aquela relacionada às catedrais da
Idade Média, construída por técnicos especializados, que, no mais completo
isolamento, eram capazes de produzir as fórmulas que tornariam possíveis as
É
construções. É esse, para Raymond, um tipo de software já pronto, elaborado
por técnicos que secretamente de niam o seu formato e suas características,
deixando para os executores a virtude da obediência. Em contraposição a tal
modelo, o autor apresenta o bazar, ou seja, um modelo de desenvolvimento de
software aberto, que é realizado mesmo como no caos de um mercado, de modo
desordenado e colaborativo. Nesse segundo tipo, são centrais, para a realização e
o aperfeiçoamento disso, as dinâmicas relacionais, e não aquelas hierárquicas.
Em tais abordagens, aqui apenas acenadas, não se põe em destaque a estreita
dimensão entre as formas interativas das redes digitais e as transformações da
própria condição habitativa. Em outros termos, as redes, sejam essas digitais ou
associativas, continuam a ser pensadas como arquiteturas externas, como
sistemas operativos de expansão e de transformação das interações sociais e do
próprio conhecimento que surge nos espaços, nas arquiteturas e nos
dinamismos sociais ou associativos, sem interferir nas ecologias e no hábitat que
formam os ambientes da participação.
Ao contrário de tais abordagens e alinhado à ideia ecológico-comunicativa da
participação e da interação, propomos organizar, a seguir, a história do net-
ativismo relacionando-a com a reconstrução das diversas formas de rede, que,
em contextos tecnológicos e épocas diversas, in uenciaram suas formas e
modalidades de interação, conferindo à participação net-ativista características
diversas. Apontaremos, então, mais do que para os aspectos sociais e políticos,
para aqueles das formas e das ecologias da interação.
Partindo de modelos de rede elaborados na época do surgimento da Internet,
e que descreveram seus tipos centralizado, descentralizado e distribuído, criados
por P. Baran, podemos distinguir três principais épocas do net-ativismo, as quais
correspondem a três diversas formas ecológicas participativas, que assinalam
uma possível história das atuais formas de con ito que se difundiram em vários
contextos e exprimiram-se por meio de um novo tipo de interação, desenvolvida
em colaboração com os uxos interativos das redes digitais.
A primeira fase da história do net-ativismo, que pode ser considerada como
uma etapa preparatória, é ligada ao advento da Internet na sua primeira forma
de rede de computadores, conectados via cabos telefônicos e modem, a qual
tornava possível a difusão e o compartilhamento de textos entre internautas,
realizando uma ecologia de compartilhamento de conteúdos por meio da rede e
dos computadores que marcava a passagem da mídia alternativa para a mídia
participativa – que se exprimia a partir de formas de con itualidade não mais
sujeitocêntricas e baseadas na gura de líderes –; a segunda é marcada, em vez
disso, pela experimentação das primeiras formas de con itualidade, que, a partir
da Internet, se difundem numa espacialidade informático-planetária que
começa a inaugurar novos tipos de con itos e de participação descentralizados,
realizados em sinergia entre pessoas, movimentos e tecnologias digitais; já a
terceira fase é assinalada pelo advento da web 2.0 e das redes sociais,
exprimindo-se por movimentos de protesto, subversão de vários tipos e a
criação de redes e cazes distribuídas de interação colaborativa entre pessoas,
dispositivos de conexão, bancos de dados e territorialidades.
Na primeira fase, a da formação, ligada a movimentos notáveis da época como
o dos ciberativistas ou o do cyberpunk, veri ca-se a emergência de formas
experimentais de con ito que nascem em contextos especí cos, mas que, por
meio de sua disseminação, assumem dimensões globais, estimulando o interesse
de jovens e pessoas de todas as partes do planeta. Tais novos tipos de con ito
nascem e difundem-se por meio da Internet, ainda em sua dimensão 1.0, sem
contar com uma estrutura institucional nem história anterior, adquirindo uma
forma de disseminação ainda centralizada, surgindo em sites e arquiteturas
especí cas e difundindo-se nas redes. Na segunda fase, assistimos a um
fenômeno novo, em grande parte ligado ao advento do neozapatismo, no início
dos anos noventa, que experimenta originais formas de con itualidade sem
lugar, denominadas na época “intergalácticas”, que dão vida a uma original
interação colaborativa entre Internet, territórios, pessoas e uxos informativos.
Não se trata mais de uma con itualidade que se expande, como nos casos do
cyberpunk, de um ponto de vista central via Internet em todo o mundo, mas de
um tipo de con itualidade que, ainda que surgida em lugar determinado (em
Chiapas, entre as comunidades indígenas descendentes dos povos maias), torna-
se pluriforme e descentraliza-se, originando, em outros contextos ou em
continentes diversos, formas de con ito autônomas, mesmo que inseridas no
próprio âmbito e expressão de uma forma de con itualidade colaborativa, em
redes descentralizadas e não institucionalizadas e, portanto, não narráveis por
meio das categorias da política ocidental.
Por m, a terceira fase, aquela madura, é marcada pelo advento da banda
larga, das redes sociais e das formas de conexão móveis, que oferecem a
consolidação de uma ecologia colaborativa que instaura interações
experimentais entre dispositivos de conexão, bancos de dados, pessoas e grupos
em forma distribuída em cada parte do planeta, provocando em muitos casos
É
rupturas nas estruturas de poder. É a fase da explosão do ativismo global que,
por meio dos movimentos pós-zapatistas, que se unem contra a reunião do G7,
começam a difundir as práticas de con itualidade on-line, que – da Primavera
Árabe, passando pelo Occupy Wall Street, pelos Anonymous, pelo 15M, aos
movimentos contra a ditadura na China e aos protestos generalizados no Brasil,
na Argentina e no restante da América Latina – atribuem à participação um
signi cado anti-institucional, e não mais sujeito-cêntrico.
Do ponto de vista da ecologia comunicativa e das formas de rede, esse último
tipo de con itualidade e participação pode ser relacionado à formulação
elaborada por P. Baran (1964), denominada “rede distribuída”, de nida como
um modelo no qual as informações navegam de modo distribuído, horizontal,
dialógico e redundante, onde cada nó tem igual proximidade das informações.
A
s culturas ecológicas contemporâneas, as práticas de sustentabilidade,
os movimentos de ativismo digital que marcaram a Primavera Árabe e
os protestos em curso em todas as latitudes – a partir de formas de
con ito e de participação realizadas por meio das interações digitais em rede,
do acesso a dados informativos e das dinâmicas dos dispositivos móveis – são
claras expressões de um novo tipo de ação social, não mais direcionada ao
externo, não mais localizada no contexto dos conteúdos ideológicos ou
motivada pelos signi cados políticos da modernidade ocidental, nem resultada
somente de determinismo técnico externo.
Denominamos a complexidade de tais interações com o termo “net-
ativismo”, que exprime o conjunto das ações em rede que resultam da sinergia
entre atores de diversas naturezas – pessoas, dados, softwares, dispositivos, redes
sociais digitais, territorialidades informativas etc. – que tecem a emergência de
um novo tipo de ecologia (eko-logos) não mais opositiva e separatista, mas
estendida não só aos elementos biológicos não humanos, mas também às
tecnologias informativas, às entidades territoriais, às diversas superfícies,
capazes de conectar e de fazer interagir tudo o que existe no interior da
biosfera.
Diante dessa importante transformação, torna-se necessário repensar a ideia
de ação para além das dimensões antropomór cas e subjetivas e de suas
explicações sociais que limitam, tradicionalmente, o campo da ação às
dimensões humana e associativa.
A partir de tal consideração, é preciso buscar uma nova linguagem capaz de
descrever a complexidade de tais interações que exprimem uma dimensão
conectivo-reticular e uma condição habitativa inédita e difícil de expressar.
Escolhi, assim, a forma sintética de pequenas teses para começar a formular
uma linguagem que tente se aproximar da hipercomplexidade dos
emaranhados das interações net-ativistas: 1. As formas de con itualidade
difundidas nos últimos anos em todas as regiões do planeta não são apenas a
expressão de um novo tipo de con itualidade social, mas a consequência de
uma profunda alteração da condição habitativa que se caracteriza pela
agregação em rede, por meio de diversos tipos de conectividade, de indivíduos,
dispositivos de interação, uxos de informações, bancos de dados e
territorialidades informatizadas.
2. Tal interação singular é o resultado da difusão em larga escala, de um lado,
dos dispositivos móveis de conexão (tablets, smartphones, notebooks etc.) e de
formas de conexão wi- (banda larga, via satélite, RFID etc.), de outro, da
proliferação das redes sociais e, sobretudo, da difusão da Internet das coisas, as
quais deram origem a uma particular forma conectiva ecológica, não só social,
capaz de conectar, em tempo real, pessoas, dispositivos, informações,
territórios, dados e todo tipo de superfície. A complexidade inédita de tal
ecologia é expressa, no limite, também pelas materialidades provenientes das
impressoras 3D, que produzem formas experimentais de ecologias nem apenas
digitais, nem apenas materiais.
3. Tal interatividade representa o advento de formas conectivas e ecológicas
do habitar que exprimem um tipo particular de interação, o qual associa
pessoas, dispositivos, uxos informativos, bancos de dados e territorialidades
em um novo tipo de interação reticular colaborativa, não mais dizível a partir
da linguagem teórica do social desenvolvida pelas disciplinas positivistas
europeias, nem delimitável por meio da tradicional dimensão antropomór ca
das relações sociais e políticas.
4. As características de tais interatividades são determinadas por um novo
tipo de ação em rede, não mais expressão da atividade de um único sujeito-
ator, nem consequência de um tipo de movimento de um ator em direção ao
exterior e ao território.
5. Os diversos membros que intervêm e contribuem para a realização de uma
ação nas redes digitais não são, portanto, apenas os sujeitos humanos, mas
também todos os conjuntos de dispositivos, tecnologias, circuitos, bancos de
dados e todo tipo de entidade-ator que “deixa rastro” (B. Latour).
6. É necessário repensar, pois, a qualidade da ação expressa pelas formas de
ativismo em rede, dado que a mesma não expressa apenas o agir de um sujeito
(seja esse um indivíduo, grupo ou movimento), mas resulta ser o resultado
imprevisível da conexão colaborativa de diversos actantes e atores-rede humanos
e não humanos (B. Latour).
7. A forma rede nos obriga a repensar as características da qualidade das
interações que se disseminam em seu interior e que desenvolvem geometrias
não lineares, ou seja, nem frontais – direcionadas ao exterior (de A para B) –,
nem inversas, isto é, do exterior para o interior (de B para A). A condição
ecológica das interações colaborativas em rede leva-nos a descartar também a
perspectiva dialógica (de A para B e de B para A) enquanto simpli cadora do
conjunto e da complexa simultaneidade das interações “a-direcionais” em rede.
8. Ao mesmo tempo, parece oportuno descartar também a descrição das
interações digitais como o simples resultado de dinâmicas agregadoras e de
associações, surgidas a partir de controvérsias ou das dinâmicas associativas de
diversos actantes (B. Latour). A complexidade das interações em redes
conectadas apresenta-se, pois, como uma complexidade maior, marcada por
uma dimensão informativa que antecede as interações agregadoras e que
estabelece uma particular dimensão conectiva capaz de alterar as próprias
substâncias dos membros da rede.
9. A distinção entre ação e ato (no sentido do αìον grego, que ressalta sua
dimensão espontânea, impermanente e sua não reprodutibilidade) quali ca a
qualidade das ações em rede como a emergência de um ato conectivo (Di
Felice) que interpreta o agir não mais do ponto de vista do sujeito-ator, nem
do sujeito teleológico – consequência de uma estratégia racional humana –,
mas a partir da dimensão ecossistêmica e conectiva própria dos contextos
reticulares.
10. O ato conectivo con gura-se, assim, como a expressão de uma forma
comunicativa do habitar (Di Felice) instável e emergente que restabelece
continuamente, por meio da intermitência das práticas conectivas das
interações entre diversas substâncias, as características e as dimensões da
condição habitativa.
11. Mais que parte da esfera pública e da dimensão opinativa e política, as
práticas do net-ativismo são a expressão mais evidente da emergência de uma
nova cultura ecológica não mais sujeitocêntrica nem tecnocêntrica, mas
portadora de uma ontologia relacional temporária (M. Heidegger) e de uma
dimensão conectiva especí ca que altera continuamente forma e signi cados
das diversas realidades conectadas informativamente.
12. Tal ato conectivo dissemina-se, portanto, fora do social, ou seja, fora da
dimensão urbana e política ocidental, enquanto portadora de uma ecologia
reticular diversa, que não pode ser explicada apenas por meio de sua dimensão
comunicativa, se por comunicação entendemos somente a dimensão midiático-
informativa das trocas de informações.
13. Emerge, assim, uma ecologia interativa composta de um conjunto de
redes interativas e abertas que não pode mais ser pensado como um sistema ou
um conjunto holístico coerente, mas como a sucessão intermitente de variáveis
níveis de agregação e desagregação.
14. As ecologias reticulares (Di Felice), por meio da geração de conexões
instáveis e não duradouras, produzem a constante rede nição de cada “actante”
(humano e não humano) e de cada substância a partir do distanciamento em
relação a sua condição originária, provocado pelo conjunto das interações
conectivas.
15. A complexidade de tais interações é claramente visível nas ecologias de
interação dos movimentos net-ativistas. De fato, a maioria desses surgiu nas
redes digitais e a partir das redes sociais e, ainda que passem a produzir ações
nos espaços urbanos, continuam on-line lmando e transmitindo as próprias
ações, que são, assim, rapidamente transformadas em informações. Tal
multiplicidade e interatividade conectiva levam-nos a mudar continuamente
sua estratégia e seus próprios objetivos, descobrindo novas nalidades e formas
agregadoras durante o próprio desenvolvimento de suas ações, adquirindo um
singular tipo de interação always online.
16. Ao contrário do agir comunicativo (J. Habermas) e da tradição
conceitual do agir político (que vai de Aristóteles a Hannah Arendt), o ato
conectivo exprime um agir ecológico, nem sujeito-cêntrico nem racional, mas
experiencial e colaborativo, produzido pelas interações ecossistêmicas de um
conjunto de atores-rede (B. Latour), os quais, ao entrarem em relação de
conectividade, dão vida a um habitar e a uma ecologia comunicativo-
conectiva.
17. Enquanto resultado de interações conectivas entre indivíduos,
dispositivos, uxos informativos, bancos de dados e territorialidades, o net-
ativismo exprime uma forma de con itualidade pós-política (Di Felice), que não
habita mais os espaços urbanos ou identitários nacionais das esferas públicas
antropomór cas, mas as atopias conectivas, próximas às dimensões
cosmopolíticas (I. Stengers) interativas.
18. Assistimos hoje à passagem das dimensões ecológico-políticas e
antropocêntricas – organizadas por meio das saturadas formas eleitorais de
representação e baseadas na gestão do poder em sua monodimensão público-
humana – em direção a práticas de interação atópicas (Di Felice) que
expressam a formação de condições habitativas reticulares e emergentes, que,
por meio das dimensões de conectividade, deslocam, dos Estados nacionais e
da política, nossa condição habitativa em direção à biosfera e às
infoterritorialidades (A. Abruzzese), nem internas, nem externas de Gaia (J.
Lovelock).
19. O caráter impermanente e temporário (H. Bey) do ato conectivo nos leva
a de nir o net-ativismo como a dimensão de um agir colaborativo “a-
institucional” que toma forma desenvolvendo agregações e redes e que tende à
desagregação, ao seu próprio desaparecimento, substituindo, assim, a dimensão
política do poder pela dimensão ecossistêmica e interativa própria dos
organismos vivos e das formas emergentes de adaptação aos contextos abertos
(E. Morin) e interativos.
20. As redes e as interações conectivas marcam a passagem de uma dimensão
ecológico-habitativa antropomór ca, urbana, pública e política para uma
condição habitativa interativa, biosférica e colaborativa, que exprime o
deslocamento do hábitat moderno dos Estados nacionais, da esfera pública e
das democracias parlamentares para o hábitat interativo das redes ecológicas
digitais.
P A R T E
IV
AS ECOLOGIAS COMUNICATIVAS
TRANSORGÂNICAS
A
s formas de conexão geradas após o advento da banda larga, que têm
levado à extensão das redes digitais, às coisas (Internet of things) e às
formas arti ciais de inteligência e dos dados (Big Data), começaram, já
há alguns anos, a colocar em rede as biodiversidades, os territórios e os diversos
tipos de ecossistemas, inaugurando uma inédita condição habitativa conectiva,
nem tecnológica nem humana. De tal transformação, surge um novo tipo de
ecologia, acessível e habitável somente por meio de um particular tipo de
interação que ocorre entre diversas substâncias (orgânicas e inorgânicas),
conectadas digitalmente e, por isso, capazes de um singular tipo de interação a-
dinâmica que estimula a alteração de suas formas e seu estado originário.
Nos contextos atópicos das redes de última geração, as características
conectivas não podem mais ser descritas como as práticas dos dinamismos
sociais, coletivos, agregadores e sociotécnicos. Os diversos tipos de substâncias
conectadas em rede, próximas e distantes ao mesmo tempo, não parecem
desenvolver formas sociais de interação, mas a alteração de sua própria
composição. Mais que as formas associativas de coletivos criados pela ação
agregadora de actantes, humanos e não humanos (B. Latour), as ecologias
reticulares parecem formar condições habitativas mutantes, que, por meio de
um processo de transmutação de cada substância em informação e código
binário, permitem a conexão e alteração contínua de seu próprio estado de
natureza originário. Uma condição habitativa e um singular tipo de ecologia
reticular sem sujeitos nem objetos, mas também sem ação, ou seja, sem
nenhum tipo de deslocamento agregador e social em direção a um ponto.
Habitar a complexidade ecológica reticular signi ca, portanto, não somente
ser imerso e invadido por um emaranhado in nito de dados, mas também, ao
mesmo tempo, ser transformado em dados. As últimas gerações de conexão,
além de terem incrementado exponencialmente o uxo de dados (Internet of
things e Big Data), começaram a conectar entidades e substâncias diversas em
uma rede de interações que supera a dimensão comunicativa e social.
A natureza de tal ilimitada forma de interação, que conecta tudo o que existe,
merece uma análise aprofundada que não pode limitar-se à dimensão
associativa e emergente das redes sociais, mas pressupõe a reproblematização da
própria ideia de ação e de comunicação em uma perspectiva ecológica
transubstanciativa, capaz de interpretar as dimensões habitativas
transorgânicas. Nessas, desenvolvem-se formas de interação sem ação, uma vez
que não estão baseadas nem na capacidade ativa do sujeito nem nas
performances da técnica. Tais ecologias conectivas reticulares parecem
promover particulares formas de relações “aorísticas” (ilimitadas) de difícil
narração, que, mais do que estender as partes e os membros conectados,
permitem a criação de uma condição habitativa conectiva, instaurando a
transformação de cada substância e matéria em uma substância nova,
informativa, conectiva e material, ao mesmo tempo.
Tal alteração habitativa que marca nossa contemporaneidade não é, portanto,
o resultado de um dinamismo associativo sociotécnico, nem efeito de uma
alteração perceptiva ou cultural, mas a instauração de um novo tipo de ecologia
informativa, multiforme, reticular, mais complexa que sua dimensão material e
biológica e, portanto, diversa dessa, a qual se articula na conexão e na alteração
contínua de diversos tipos de substâncias informatizadas. Além da essência
supostamente natural e daquela tecnodeterminista, a dimensão reticular e
conectiva das ecologias contemporâneas nos convida a uma superação das
tradicionais categorias dicotômicas de interpretação (homem-natureza;
homem-técnica; técnica-natureza), abrindo nossa re exão a signi cados e
conceitos novos.
*
Capítulo 8
ECOLOGIAS TRANSORGÂNICAS
E
ntre os cerca de dois bilhões de anos passados desde as primeiras formas
de proto-vida existentes em nosso planeta – as arqueobactérias e as
bactérias seguintes –, até as primeiras formas de organismos vivos –
surgidos em torno de 500 milhões de anos atrás –, o nascimento dos primeiros
primatas só pode ser detectado por volta de 70 milhões de anos atrás e o dos
nossos primeiros antepassados, há apenas 17 milhões de anos. A história da
vida em nosso planeta não se formara, como aprendemos na escola, por meio
da evolução separada de um conjunto de espécies diversas e isoladas: ao
contrário, no interior da biosfera, cada animal, cada vegetal e cada elemento
geológico puderam sobreviver e envolver-se, somente enquanto entidades
abertas, comunicantes e alteráveis, por meio das próprias interações
desenvolvidas entre si. Tal constatação levou, nas últimas décadas, a uma
importante mudança no que diz respeito à concepção da formação da vida e a
nossa própria ideia de planeta. A terra, o globo terrestre, nosso planeta, pacha
mama e, por último, Gaia, assumiram, assim, após tais novas interpretações, as
formas de outra ecologia, não mais apenas geográ ca ou material, como a
queria sua versão territorial e externa, mas viva e interagente.
O processo de transformação da percepção ecológica de nosso planeta tem se
desenvolvido em várias etapas ao longo da história e passado por diversas
alterações que transformaram, de tempos em tempos, a con guração e a forma
a ele atribuída. [1] A partir de um processo extremo de síntese, é possível
identi car um percurso composto por cinco fases principais, cinco momentos
históricos que hoje podemos reconhecer como importantes transformações
paradigmáticas da forma ecológica atribuída a nosso planeta. Tais etapas
marcam um percurso não necessariamente evolutivo, que assinalou a passagem
do hemisfério terrestre, composto por superfícies de terras e águas, à atual
concepção que descreve as formas e as interações do nosso hábitat como
aquelas de um organismo vivo.
Uma primeira importante fase que marca a mudança inicial paradigmática da
ideia-forma ecológica de nosso planeta foi, evidentemente, aquela que viu o
nascimento do planeta em sua totalidade, advinda após uma série de viagens e
expedições marítimas transoceânicas. Da navegação que possibilita a chegada
de Cristóvão Colombo às Américas, em 1492, à posterior viagem de Américo
Vespúcio, em 1497, passando pela circunavegação da África e a consequente
descoberta do caminho para o Oriente por Vasco da Gama, em 1498, até
chegar, então, ao término dessa primeira fase, com a circunavegação do globo
cumprida por Magellano, em 1521, o qual consegue percorrer e demonstrar,
de nitivamente, a esfericidade do planeta.
Uma segunda importante etapa na história da mudança da ideia ecológica de
nosso planeta é aquela realizada pelos estudos de Galileu e Copérnico no
século XVI, que, poucos anos após as várias circunavegações, transformaram a
superfície terrestre, de extensão plana, estática e estável, para globo rotacional,
em movimento constante no interior de uma galáxia cheia de planetas que
realizam evoluções circulares ao redor do sol. Outra terceira fase de
transformação da ecologia planetária é inaugurada com o início dos estudos
sobre o subsolo (geologia) e dos fósseis (paleontologia), os quais, além de dar à
ideia ecológica de nosso planeta nova dimensão, redirecionando a atenção da
superfície para o subsolo, torna possível a reconstrução de fases e períodos
evolutivos, conferindo-lhe uma história [2] baseada em um percurso mineral e
na acumulação de fases histórico-geológicas distintas.
Responsáveis por tal importante transformação serão os estudos sobre a
deriva dos continentes realizados no início do século passado pelo cientista
alemão Alfred Wegener:
É nos anos sessenta que surge um novo cosmo, e, junto a ele, uma nova Terra.
A teoria das placas tectônicas permite, então, conectar as ciências da terra em
uma concepção de conjunto, e o planeta, deixando de ser uma bola, um
suporte, um casco, torna-se um ser complexo que tem sua própria vida, as
próprias transformações, a própria história: esse ser é, ao mesmo tempo, uma
máquina térmica que incessantemente se autorreorganiza. A crosta terrestre
recobre o manto, uma espécie de ovo quente, que envolve um núcleo onde
reina um calor intenso. [3]
O atalho tomado por Latour não parece nos levar a nenhuma parte nem nos
aparece como situado em uma perspectiva não moderna: pode existir talvez
algo mais ocidental e moderno do que um “parlamento” e um diálogo
“político”?
Mesmo que explicitamente declarada como “não moderna”, a proposta de
Latour não consegue narrar uma ecologia qualitativamente diversa daquela
dialética e antinômica e nos aparece, francamente, mais como a continuidade
da ampla tradição ecológica ocidental do que como a sua superação. Mesmo
pretendendo a superação explícita da perspectiva ecológica antropomór ca e
daquela essencialista, o discurso de Latour promete-nos uma interação política
e parlamentar entre proposições, as quais se pressupõem sem linguagem, mas
misteriosamente portadoras de um particular tipo de palavra “indiscutível”:
Não pretendemos que as coisas falem sozinhas, pois ninguém, nem os
humanos, falam para si mesmos, mas sempre para outras coisas. Não exigimos
que os sujeitos humanos dividam o direito à palavra, do qual são
legitimamente orgulhosos, com as galáxias, os neurônios, as células, os vírus e
as plantas […] entre o sujeito falante da tradição política e as coisas mudas da
tradição epistemológica existe um terceiro termo, a palavra indiscutível. [16]
Contemplamos a proposta da ecologia política de B. Latour, expressa no livro
Politiques de la nature, no contexto da tradição da ideia ecológica ocidental,
pois nos parece que o parlamento das coisas não dá conta de narrar outra
ecologia, mas apenas a sua realização por meio de uma dinâmica de
proposições, apresentadas pelos porta-vozes humanos, que mantêm toda
intacta a ideia de uma relação “política” entre diversos.
O que escapa a Latour e o que sua proposta ignora completamente é que,
após os processos de digitalização surgidos com a Internet das coisas, os Big
Data e a Internet of everything, todos os membros de um coletivo, coisas,
animais, pessoas, têm assumido um formato digital, tornando-se não só
informações, mas produzindo, ao mesmo tempo, conteúdos e dinâmicas
conectivas, não agregadoras, que começaram a produzir novas substâncias,
híbridas e mutantes. Não somente as coisas, os animais, os ecossistemas têm
tomado as palavras, por meio de formas de etiquetamento RFID – conhecidas
como Internet of things –, como começaram a interagir autonomamente entre
si sem mais precisar de mediadores. Em outras palavras, como veremos a
seguir, a dimensão conectiva de Gaia não tem mais nada a ver com os coletivos
de humanos, coisas e entidades variadas, mas com uma alteração da própria
substância e da condição habitativa dos humanos, coisas, entidades etc.
Ainda em outras palavras, aplicando os mesmos oportunos argumentos de
Latour contra a ideia sociológica de sociedade, expressa na frase: “Quando
falamos do social, quantos somos? Quem somos?”, podemos, do mesmo modo,
oportunamente formular as seguintes outras perguntas: Quando falamos de
pessoas, “o que entendemos?”, “quem são estas?” e “a quem nos referimos?”;
quando falamos de entidades diversas, temos certeza de fazer referência àquilo
que indicam as palavras que usamos e que provêm de uma tradição especí ca?
Podemos ainda de nir o processo de digitalização generalizado como um
processo que reúne em comunicação pessoas (?), coisas (??) e entidades diversas
(???) ou devemos pensar em um processo de alteração qualitativa das próprias
substâncias e das próprias ecologias imaginadas na tradição ocidental como
externas e capazes de interações observáveis pelo olho humano?
A perspectiva inaugurada por Gaia não nos parece mais narrável por meio
das características, brevemente aqui apresentadas, das dimensões ecológicas
próprias da tradição ocidental. Sobretudo se se considera o caráter informativo
e qualitativo adquirido pelos territórios digitalizados e pelas ecologias dos
sistemas informativos geográ cos (em inglês G.I.S.) após as diversas formas de
informatização e conexão das biodiversidades, dos territórios e das coisas que
colocaram em rede toda a biosfera.
A passagem do planeta a um organismo vivo e ativo põe-nos diante de uma
inédita perspectiva que supera a dimensão biológica clássica proposta por
Haeckel para, assim, adquirir em seu contexto, além da dimensão humana,
também as dimensões tecnológica e informativa e aquela das formas
produzidas pelo processamento computadorizado e pelas alterações de cada
substância em bits e códigos binários múltiplos.
Em 2007, o povo suruí pater iniciou uma parceria com o Google Earth por
iniciativa do seu líder, Almir Narayamoga Suruí, que, ao conhecer o Google
pela Internet, conseguiu visitar a sede da empresa nos Estados Unidos para
elaborar em conjunto uma série de ações que pudessem reunir conhecimento
tradicional e tecnologia na gestão territorial e ambiental de sua terra indígena.
Na época, os suruí paiter estavam se reunindo para desenvolver o Plano de
Gestão Territorial da Terra Indígena Sete de Setembro, mais conhecido como o
Plano de 50 anos dos Suruí. A primeira ação em conjunto foi o
desenvolvimento do Mapa Cultural Suruí Paiter, a reconstrução cartográfica do
território desse povo, utilizando as ferramentas do Google Earth, Picasa,
Google Docs, Youtube. A equipe do Google Earth, dirigida por Rebecca
Moore, foi até o Território Indígena Sete de Setembro para ensinar aos jovens
suruí paiter como tirar fotos e registrar vídeos com o objetivo de coletarem
histórias dos anciões, a memória viva da comunidade, fotografar e filmar seu
território e sua biodiversidade e, consequentemente, dispor todo o material no
Mapa Digital. A percepção territorial tradicional reconstruída por meio de
interações tecnológicas, oriundas, por sua vez, de uma rede intercultural de
interações entre esse povo indígena e a equipe do Google, foi traduzida pelo
processo de digitalização do território que tornou possível a inclusão da
percepção cosmológica territorial suruí paiter na representação cartográfica
digital. Nas palavras de Rebecca Moore, foi um “encontro de saberes, o
Google veio com a tecnologia e os suruí com o conhecimento da floresta”.
A partir desse Mapa, estabeleceu-se, portanto, outro sentido de territorialidade
conectiva que não delimita o território aos seus componentes geográficos e
físicos, mas o amplia e o reelabora, agregando os modos imateriais particulares
da cosmologia suruí paiter. Difundindo, ao mesmo tempo, tais conteúdos e tais
ecologias on-line. Conferindo-lhe, de modo particular, uma narrativa e uma
estética conectiva situada numa localidade híbrida e comunicativa, deslocada
entre o local e o simbólico, o tecnológico comunicativo e o global.
O Mapa Cultural Suruí é acessível on-line pelo Google Earth. No Youtube
existem dois vídeos que apresentam essa experiência. Um produzido por
Denise Zemekhol (ZDfilms), com a participação da equipe Google envolvida no
projeto com os suruí paiter, com depoimentos de Almir Suruí e os jovens
indígenas, com imagens das oficinas que resultaram no Mapa Cultural. No
segundo vídeo, feito pelos próprios suruí, narrado por Almir Suruí e pelos
jovens participantes do projeto, visualiza-se, portanto, uma experiência
interativa e imersiva (3D) da territorialidade suruí paiter, onde, ao apresentarem
o seu território tomado pelas referências simbólicas e ecológicas desse povo, se
entrelaçam o povo suruí, os animais, as plantas, todos representados por
fotografias e desenhos feitos pelos jovens e crianças, reterritorializados no
espaço digital imagético e simbólico.
Através dessa narrativa digital suruí paiter proporcionada pelo Mapa Cultural e
pelas redes digitais, podemos nos conectar à complexa ecologia reticular desse
povo, que inclui o espaço físico, a floresta, o espaço simbólico e imaterial. Esta
ecologia digital, em lugar de se apresentar como uma imposição tecnológica
externa, exprime a complexidade reticular da ecologia do povo suruí paiter e
sua profunda ligação com o ambiente habitado. É importante aqui considerar
que, para os povos indígenas, a floresta não é vista como algo externo a eles,
como “recurso à disposição”. Para os suruí paiter, e para vários povos
indígenas, viver na floresta é depender dela em todos os seus níveis,
reconhecendo que o respeito aos seus elementos se converte numa norma de
convivência relacional basilar. Como exemplo, a interação deles com o fruto da
árvore do açaí, em lugar de expressar apenas uma relação de subsistência,
viabiliza também a comunicação com o mundo dos espíritos, realizando uma
ecologia reticular que reúne num habitar interagente o mundo vegetal e o
mundo animal com o mundo dos espíritos.
Além do Mapa Cultural em parceria com o Google, o Plano de Gestão
Territorial de 50 anos da Terra Indígena Sete de Setembro compreende também
a realização do Projeto Carbono Suruí, que tem por objetivo unir a conservação
ambiental desse território com o fortalecimento cultural, ao destinar os
recursos da venda de créditos de carbono para o financiamento de atividades
de proteção e fiscalização, como a compra de equipamentos. O projeto deu
aos suruí o pioneirismo de ser o primeiro povo indígena no mundo a ter a
certificação de carbono. Nas palavras de Almir Suruí, o projeto de carbono e as
tecnologias de comunicação convertem-se numa aliança do seu povo com o
mundo: “Nossa esperança é que possamos nos unir virtualmente e em pessoa,
e que possamos nos encontrar e implementar soluções em conjunto”.
Tal ação comunicativa e conectiva desse povo se conforma num ativismo
reticular que condensa todas as redes nele inscritas ou ativadas e produz,
igualmente, novos sentidos ecológicos e estéticos de sua cosmologia que
encontram no digital a sua (i)materialização cartográfica, reterritorializada,
somente possível pelo encontro e pelo diálogo intercultural e global, entre o
mundo do não indígena global – representado pela tecnologia e pelo próprio
Google – e o mundo indígena, formado pelo saber tradicional do povo suruí
paiter.
“Em diversas cidades do planeta, a difusão dos produtos biológicos e das
produções de gêneros alimentares a quilômetro-zero, ou seja, com baixo
impacto ambiental, tornou-se possível a partir da conexão direta entre
produtores e consumidores on-line por meio da implementação de arquiteturas
digitais que permitiam aos consumidores conhecer os camponeses e as
empresas agrícolas da região e seus produtos, além de efetuar on-line a
escolha dos gêneros a serem adquiridos, realizando, assim, o próprio pedido e
recebendo a compra em 24 horas. As arquiteturas digitais não só colocaram
em relação diretamente os produtores e os consumidores, mas criaram uma
ecologia virtuosa que premia as práticas biológicas, gerando, ao mesmo
tempo, um mercado e um consumo como expressão de uma ecologia não
apenas biológica, mas também técnica e informativa.” [17]
Nossa contemporaneidade é caracterizada por uma importante
transformação surgida com o orescer de uma nova condição habitativa. A
emergência de tal mudança tem origem em uma importante e qualitativa
alteração ecológica, desencadeada pelo advento das recentes formas
comunicativas de conexão. Referimo-nos, particularmente, às arquiteturas
conectivas surgidas com a banda larga, ou seja, após o tipo de conexão
instaurada pelos cabos de bra ótica, que permitiram não somente a expansão
da quantidade de dados e dos formatos circulantes, mas o início de novas
dinâmicas comunicativas não mais apenas sociotécnicas.
As formas de interação geradas após o advento desses novos tipos de conexão
– que levaram em um primeiro momento à extensão das redes digitais às coisas
(Internet of things) e à difusão de formas arti ciais de inteligência e de
elaboração de dados (Big Data) – começaram sucessivamente a colocar em rede
a biodiversidade, os territórios e os diversos tipos de ecossistemas, inaugurando
uma inédita condição habitativa conectiva, nem ecológica, nem humana. De
tal transformação surge um novo tipo de ecologia, acessível e habitável somente
por meio de um singular tipo de comunicação que ocorre entre substâncias
diversas, orgânicas, inorgânicas e híbridas, conectadas digitalmente e, por isso,
capazes de um particular tipo de interação a-dinâmica, resultado das alterações
das formas e do estado originário.
Nos contextos atópicos das redes de última geração, as características
conectivas não podem ser mais descritas como as práticas dos dinamismos
sociais, coletivos, agregadores. Os diversos tipos de substâncias conectadas em
rede, nem próximas nem distantes, ao mesmo tempo, não parecem desenvolver
formas sociais de interação, mas a alteração de sua própria composição. Mais
que as formas associativas de coletivos criados pela ação agregadora de actantes
“humanos e não humanos” (B. Latour), as ecologias reticulares parecem formar
condições conectivas mutantes, expressão de uma condição habitativa e de um
singular tipo de ecologia reticular não somente privada de sujeitos e objetos,
mas também sem ação, ou seja, sem nenhum tipo de deslocamento agregador e
social em direção a um ponto. A partir de tais considerações, é necessário
superar a interpretação exclusivamente informativa das redes digitais e
interpretá-las como uma condição habitativa, expressão de um novo tipo de
ecologia, não mais natural e não mais externa, capaz de instaurar uma própria
forma comunicativa do habitar. [18]
Habitar a complexidade ecológica reticular e conectiva signi ca, portanto,
não somente ser imersos e invadidos por um emaranhado in nito de dados,
mas também, ao mesmo tempo, ser transformados em dados. As últimas
gerações de conexão, além de terem incrementado exponencialmente o uxo
de dados (Internet of things, Big Data, Internet of Everything), têm conectado
entidades e substâncias diversas em uma rede de interações que, pelas próprias
características e diversidades envolvidas, superam a dimensão social,
introduzindo uma forma técnica e informativa da ecologia.
A natureza de tal ilimitada arquitetura de interação que conecta tudo aquilo
que existe em uma ecologia comum merece uma análise aprofundada, que não
pode se limitar à dimensão emergente e social das redes sociais, mas que deve
repensar a própria ideia de ação e de comunicação em uma perspectiva mais
complexa, se se deseja alcançar e interpretar as dimensões habitativas
transorgânicas. Essas últimas formam interações sem ação, na medida em que
não se baseiam somente na capacidade ativa do sujeito, tampouco nas
performances da técnica. De fato, tais ecologias conectivas reticulares
promovem formas particulares de interações “aorísticas” (ilimitadas) de difícil
narração, que, em vez de agregarem as partes e entidades conectadas,
transformam a mesma estrutura originária em uma nova “natureza”
informativa.
Como vimos, as formas de digitalização e conectividade ligadas à mobilidade
e à conexão dos territórios e das biodiversidades não podem ser narradas por
meio da linguagem das ecologias expressas pela tradição epistêmica ocidental,
que, conforme já pontuamos, sempre representaram as coisas, os objetos e as
substâncias como matéria externa, passiva e pouco comunicante. Como narrar,
portanto, esse novo tipo de ecologia transorgânica e conectada, cujas
substâncias apresentam-se como entidades a meio caminho entre a matéria e a
informação?
Um primeiro ponto de partida que gostaria de propor relaciona-se à
qualidade da abordagem ecológica. Desde o momento a partir do qual
começamos a falar em uma ecologia não mais sistêmica, mas conectada, ou
seja, de uma condição habitativa, não podemos ser capazes de analisá-la por
meio de suas diversas propriedades e declinações. Em outros termos, enquanto
infoarquitetura e condição habitativa de conexão e alteração substancial, não
pode mais ser expressa como um tipo de ecologia externa, associativa ou
político-agregadora (B. Latour). A peculiaridade de tal tipo de ecologia
encontra-se na sua dimensão digital, dimensão essa que a transforma em uma
ecologia informativa transorgânica, que coincide com a alteração de seu estado
material originário em informativo, ou seja, com um processo de
“transubstanciação”, [19] e não com o advento de processos agregadores sociais.
Essa condição habitativa ecológica transorgânica não se dá em um espaço
visível e após a combinação de diversos elementos atuantes. A ecologia
informatizada con gura-se, enquanto ecologia transorgânica, não como uma
arquitetura ontológica – baseada no conceito de natureza (do grego, φυσις) ou
no conceito medieval de criação, ou de qualquer outra dimensão essencialista,
nem como uma não estrutura emergente, política (B. Latour) ou cosmopolítica
(I. Stengers), mas como uma ecologia atópica (do grego atopos, fora de lugar,
lugar de difícil descrição, lugar atípico). Tal ecologia não é, portanto, como
dito, o resultado e a consequência de uma ação, mas, como veremos, a
expressão de uma condição habitativa.
Diferentemente das diversas teorias e abordagens sobre o estudo das redes
que preferiam colocar em evidência as dinâmicas agregadoras e desagregadoras,
descrevendo seus movimentos associativos (B. Latour, M. Callon etc.) e
contando suas ligações (Barabási, teoria matemática das redes), a forma
ecológica transorgânica não é baseada em uma ideia social ou compositiva das
redes. As redes conectivas sociais não devem ser, portanto, consideradas sociais,
pois não se formam por meio de um movimento agregador de um ponto de
vista a outro, ou a partir da ação de um actante, mas, enquanto infomatéria,
são já redes antes de qualquer tipo de interação e de combinação. Devemos
pensar, assim, na ecologia transorgânica não como em algo natural, nem
apenas como o resultado de atividades humanas – realizadas em diálogo com a
mesma técnica –, ou como produto mecânico da técnica, mas, além disso,
como algo que nos impõe rede nir a ideia de interação entre essa matéria
informatizada, as tecnologias digitais, os dados informativos, o ambiente e,
então, em última análise, a própria condição habitativa.
As ecologias transorgânicas não fazem parte, portanto, de um mundo
habitado por sujeitos e objetos, mas nos aparecem mais como a expressão de
um mundo “in essere”, [20] entendendo com tal expressão a ideia heideggeriana
de ser como evento, “um ser, todavia, não além de nós, não em nós, não em
torno de nós, mas, ao contrário, um ser no qual nos encontramos como
evento”. [21]
A passagem a uma materialidade informativa que substitui o objeto e o
mundo, propondo a passagem da coisa-matéria ao evento informativo,
conduz-nos a uma perspectiva não mais ontológica, natural ou somente
material da própria ecologia, como visto, da tradição losó ca ocidental.
Narrar as ecologias transorgânicas que exprimem os dinamismos da condição
habitativa atópica [22] remete-nos a duas interpretações-chave: o signi cado do
Dasein heideggeriano e o signi cado da etimologia da palavra latina conditio
conditionis.
Para explicar a primeira questão, relativa ao habitar como uma “não
essência”, Heidegger recorre ao conceito de Geviert (quadratura). É nesse
sentido que se torna possível pensar o habitar em Heidegger e o Geviert como
uma “ontologia relacional”, na qual o termo ontologia seria evidentemente
entendido não mais em seu signi cado losó co tradicional. O Ser (X) de
Heidegger, de fato, não é um ser puro, nem conceitual, mas uma possibilidade,
isto é, um ser em situação, “no mundo”, um Dasein, cuja tradução conceitual
recomendada por G. Vattimo seria “esserci”, algo como “ser-aí”: O Dasein […]
exprime bem o fato de que a existência não se de ne somente como
ultrapassamento, que transcende a realidade dada em direção à possibilidade,
mas que tal ultrapassamento é sempre ultrapassamento de algo, é sempre, isto
é, concretamente situado, é-nos. Existência, ser-aí, ser no mundo, são,
portanto, sinônimos. Todos os três conceitos referem-se ao fato de que o
homem é situado de maneira dinâmica, que, ou seja, está no modo do poder
ser, ou mesmo […] na forma de projeto. [23]
Portanto, a quadratura (Geviert), além de representar uma forma não situada
e autorreferencial do ser, convida à aceitação de um conjunto de signi cados,
bastante incomuns, no interior do pensamento ocidental.
Se, de fato, o “ser-aí” humano encontra o mundo por meio das coisas, é
também verdade que o ser e a mesma quadratura as habitam e que,
consequentemente, as coisas, como os espaços, não são mais de níveis por si
mesmas, mas somente como parte de uma ecologia. “Desse modo”, escreve a
respeito Galimberti: Heidegger rompe com o modo habitual de pensar da
loso a, que, desde séculos, se propunha a alcançar as coisas como são in se, e
mostra que o in se, buscado pela loso a e hoje, sob a forma da objetividade
da ciência, não é mais do que uma operação do homem efetuada em vista de
certos objetivos precisos. [24]
O habitar enquanto Dasein no pensamento de Heidegger, portanto, mais que
uma estrutura ou uma essência, apresenta-se como uma abertura nos
confrontos da quadratura e como um “cuidar” de seu devir. Somos colocados,
segundo tal premissa, diante de outro importante signi cado do habitar no
pensamento de M. Heidegger, aquele que o apresenta em sua dimensão
ecológica e não humanocêntrica, aspecto este que, nos ambientes
tecnomidiáticos contemporâneos, permite-nos interrogar sobre os signi cados
assumidos, com as redes informativas, por nossas relações simbióticas, nossos
circuitos tecnopsíquicos, nossas geogra as informativas e nossas proximidades
distantes. Uma arquitetura digital ou um dispositivo de conexão territorial
(GPS, smartphone, Sistema Informativo Geográ co – G.I.S.) devem ser
pensados, a partir dessa perspectiva, não mais como instrumentos ou meios,
como proposto pela tradição lógico-instrumental que reproduz suas ordens e
signi cados hierárquicos (sujeito/objeto, homem/técnica), nem tanto como os
membros de uma rede de complexidade relacional, mas sim como as
cossubstâncias informatizadas que compõem as ecologias transorgânicas
conectivas.
A não separação entre espaço, homem e quadratura abre a possibilidade de
pensar o habitar como o resultado de uma interação ecológica transorgânica
plural, cuja ocorrência depende, inevitavelmente, da conexão entre as diversas
substâncias, e não de uma própria essência identitária prede nida ou
socialmente adquirida.
O caráter dinâmico do ser relacional heideggeriano e o seu cumprir-se no
devir da quadratura presta-se, assim, a pensar o habitar infomaterial das
ecologias transorgânicas e do habitar em rede contemporâneo, no qual o
indivíduo experimenta, enquanto plugado, enquanto estendido por próteses
midiáticas e por psicotecnologias, ou enquanto imerso em ecossistemas
informativos, um habitar atípico e estranho que coincide com o realizar-se de
inédita e transorgânica quadratura: É possível, assim, ainda que isso possa
signi car uma interpretação não ortodoxa, pensar o “ser-aí” contemporâneo
como a realização de uma quadratura comunicativa ecotecno-humana, no
interior da qual, terra e céu, divinos e mortais, são entendidos livremente por
meio de formas e signi cados metafóricos. Os céus e os mortais, os divinos e as
terras que habitamos e, “sendo”, traduzem na realidade nosso ser-aí
contemporâneo, são de outras e múltiplas naturezas. [25]
A partir de tal premissa, é possível descrever as ecologias reticulares
transorgânicas como condição habitativa. São, estas últimas, a expressão da
segunda interpretação, proposta aqui com o objetivo de interpretar as formas
transorgânicas e conectivas das infoecologias contemporâneas. O signi cado
expresso pela etimologia dos termos latinos conditio conditionis e condizio
condizionis é plural e contraditório.
O termo “condição”, em sua primeira etimologia conditio conditionis, traduz
o signi cado de “norma obrigatória”, “vinculativa”. Já o termo condizio
condizionis remete ao signi cado oposto de “possibilidade”, “abertura”. Tal
construção linguístico-interpretativa oferece-nos, em sua contraditoriedade e
em seu signi cado “oximoroso”, a possibilidade de superar a perspectiva
ontológica, evitando, assim, a forma de descrição de nidora que estabelece
essências, princípios absolutos e realidades imutáveis.
Consequentemente a tais considerações, a dimensão ecológico-conectiva
aportada pelas últimas gerações de redes digitais (Internet of things, sistemas
informativos territoriais) não se apresenta como uma arquitetura comunicativa
externa ou como uma simples estrutura para a transferência de informações,
mas como uma condição habitativa, ou seja, como uma forma comunicativa
do habitar [26] que é, ao mesmo tempo, articuladora e expressão de ecologias
informativas transorgânicas.
A ideia de uma infoecologia transorgânica conduz-nos à superação da
concepção da existência de uma ecologia “natural” e externa, composta de
entidades diversas que interagem estabelecendo relações sociais entre si.
Ao contrário, os a-dinamismos das conexões infoecológicas das redes digitais
devem ser considerados tais, uma vez que surgem em seguida ao processo de
digitalização, que permitem a conexão somente após a alteração das substâncias
de indivíduos, dispositivos de conexão, dados, biodiversidades etc. As
infoecologias, portanto, aproximam-se mais das possibilidades habitativas
contraditórias, narráveis com o duplo signi cado, de possibilidade e de norma,
da expressão latina “condição”.
Tal perspectiva revela-nos a dimensão comunicativa de um habitar reticular
que se propõe como uma categoria distante tanto da perspectiva “logo” ou
antropocêntrica, como daquela “objeto” ou tecnocêntrica (Internet of things),
tornando-se, assim, a expressão de uma condição reticular que conecta seus
diversos membros, não os agregando, mas os alterando.
Essa condição exclui a possibilidade de pensar em uma arquitetura reticular
não somente como algo externo e do mesmo modo, mas nem exclui também a
perspectiva de uma visão holística e panóptica. Tais ecologias transorgânicas
não possuem essência nem forma material e estrutural. O esclarecimento desse
primeiro aspecto nos impulsiona na direção da necessidade de um
deslocamento epistêmico, cuja breve antecipação pode ajudar a compreender a
qualidade das transformações em ato em nossa condição habitativa e em nossas
interações conectivas, portadoras, por sua vez, de uma complexidade, como
dito, não mais só social.
Evitando estender-me sobre esse tema, [27] limito-me a assinalar apenas
alguns signi cados da passagem de uma lógica de complexidade sistêmica,
baseada em estruturas, para aquela de uma complexidade reticular
transorgânica, causada pelo advento das novas formas de conexão digitais e
informativas. Um primeiro interlocutor nesse campo é, sem dúvida, E. Morin,
que, diversamente do biólogo austríaco L. V. Bertalanffy, autor do famoso livro
A Teoria Geral dos Sistemas (1968), propõe um método que não se funda mais
na separação de aparelhos distintos entre si, mas, ao contrário, em suas
interdependências, com o claro objetivo de inverter a tendência à simpli cação
dos fenômenos por meio da instauração de “um método que revele e não
oculte as conexões, as articulações, as a nidades, as implicações, as
sobreposições, as interdependências, as complexidades”. [28]
Distanciando-se das distinções e das de nições absolutas originadas pelo
método cartesiano, E. Morin propõe estabelecer um novo paradigma
epistêmico que recuse tornar-se uma totalidade, na medida em que, como
totalidade, esse se apresentaria como sistema simpli cado e, assim, como uma
forma de redução da complexidade. Ao contrário, deve optar por apresentar-se
como um não sistema e uma não totalidade, ou seja, como um instrumento de
interpretação aberto e conceitual: “A verdadeira totalidade é sempre quebrada,
rachada, incompleta. […] A totalidade não é verdadeira”. [29]
Um dos aspectos mais interessantes dessa abordagem reside na atenção que E.
Morin depositou nas interconexões que caracterizam e constituem um sistema
aberto, o qual é por ele de nido como “uma unidade organizada de inter-
relações globais entre elementos, ações e indivíduos”. [30]
A ênfase está aqui colocada justamente na abertura dos vários elementos que
compõem não um todo, mas uma conexão de dinâmicas, exíveis e sujeitas a
mudanças inerentes a um processo organizacional, aberto e, assim, distinto,
segundo Morin, de um sistema complexo. Características essas que resultam
incompreensíveis e invisíveis se analisadas no contexto da lógica mecanicista do
método da ciência tradicional, baseado na separação e análise de objetos
separados e examinados, na maior parte dos casos, fora de cada ligação e de
suas inter-relações. Analisando a distinção entre “causalidade retroativa”,
“endocausalidade”, “exocausalidade” e “causalidade nal”, E. Morin prossegue
em sua explicação de nindo, posteriormente, as formas de causalidade
complexa. Se a causalidade clássica era linear, mecânica e determinista, lha da
concepção de universo do século XVII, a causalidade complexa, ao contrário,
apresenta-se como uma causalidade não linear, mas relacional, em que causa e
efeito não são mais ligados por uma relação de dependência e subordinação.
Nessa nova dimensão: “A causa perdeu seu poder total, e o efeito, sua total
dependência. São relativos um ao outro transformando-se um no outro”. [31]
Mas é possível entrever também nesse modelo de complexidade um limite,
reconhecido em parte pelo próprio E. Morin, limite que residiria não só na
consciência de que nenhuma interpretação teórica, ainda que articulada, seja
capaz de representar por inteiro tal tipo de complexidade, mas na não
completa superação da contraposição entre as partes que a constituem. Esse
limite aparece em toda a sua dimensão, observando-se as interconexões
presentes nos sistemas vivos e nas representações da estrutura da matéria na
física subatômica. Será mesmo no interior do primeiro contexto, aquele
relativo aos estudos dos sistemas vivos, que começará a tomar forma uma
lógica interpretativa da complexidade que passará a descrever os fenômenos por
meio de estruturas em rede: Assim como a noção de entidade física
independente se tornaria problemática na física subatômica, o mesmo se
passaria com a noção de organismo independente na biologia. Os organismos
vivos, enquanto sistemas abertos, permanecem vivos e funcionais por meio de
transições intensas com seu ambiente, composto, por sua vez, de organismos.
Assim, toda a biosfera – nosso sistema planetário – apresenta-se como um
tecido dinâmico e altamente integrado de formas de vida e de formas não
vivas. Ainda que tal tecido apresente muitos níveis, existem transações e
interdependências entre todos eles. […] A maior parte dos organismos não são
apenas agregados em ecossistemas, mas são, eles próprios, ecossistemas
complexos, a partir do momento em que contêm um número de corpos
menores que possuem uma notável autonomia, mas que, ao mesmo tempo,
integram-se harmoniosamente. [32]
Essa perspectiva é baseada na constatação de algumas tendências comuns na
maior parte dos organismos: em primeiro lugar, a adaptação ao ambiente, que
aumenta a sua capacidade de transformação e de autotranscendência e, ao
mesmo tempo, a tendência oposta e complementar relativa à sua capacidade de
transformar seu próprio ambiente modi cando o hábitat, contribuindo, assim,
junto aos outros organismos, para a criação de grandes ecossistemas capazes de
hospedar as interações de grande número de espécies: Onde quer que
observemos sistemas vivos – organismos e partes de organismos –, podemos ver
que seus próprios componentes são dispostos em forma de rede. Cada vez que
observamos a vida, observamos redes. […] A primeira e mais evidente
propriedade de uma rede é a sua não linearidade – a rede estende-se em todas
as direções. Assim, as relações-padrão de redes são relações não lineares. [33]
Outra interpretação possível das complexidades abertas das arquiteturas
reticulares é aquela que pensa as dimensões reticulares como arquiteturas
cognitivas. Segundo a análise dos biólogos chilenos H. Maturana e F. Varela, a
faculdade cognitiva não é uma realidade externa e não pode ser considerada
somente como o resultado de um processo cerebral completamente interno,
mas se constitui por meio de um processo de organização circular. A resposta
aos estímulos ambientais de um organismo vivo – que, alterando-se em
consequência de tais interações, muda seu comportamento, criando, assim, um
sistema de respostas ao ambiente – é de nida por Maturana e Varela como
sistema de aprendizagem.
A natureza cognitiva da rede, a anomicidade de sua forma, a não linearidade,
a tendência a abandonar seu nível de equilíbrio, sua estrutura reticular e
interativa e sua não externalidade tornam-na uma arquitetura, ao mesmo
tempo, interna e externa a nós, isto é, um sistema conectivo, do qual fazemos
parte como participantes e membros, e não só como observadores externos e
independentes: O projeto dos sistemas vivos como redes oferece uma nova
perspectiva sobre a natureza das hierarquias da natureza. Dado que os sistemas
vivos, em todos os níveis são redes, visualizamos as redes da vida como sistemas
vivos (redes) que interagem em modo de rede com outros sistemas (redes). Por
exemplo, podemos esquematicamente descrever um ecossistema como uma
rede com alguns nós. Cada nó representa um organismo, o que signi ca que
cada nó, quando ampliado, parece ele mesmo uma rede. Em outras palavras, a
rede da vida é feita de redes no interior de redes. Em todas as escalas, e sob
estrito controle, os nós da rede funcionam como redes menores. Nós tendemos
a ordenar esses sistemas inserindo os menores naqueles maiores, como um
sistema hierárquico, à maneira de uma pirâmide. Mas essa é uma projeção
humana. Na natureza não existe “superior” ou “inferior” e não há hierarquia.
Há somente redes ninhi cadas dentro de outras redes. […] A ecologia é
reticular… Entender os ecossistemas, em outros termos, signi ca compreender
as redes. [34]
O desenvolvimento de uma abordagem ecoinformativa do estudo das redes
marca a introdução de outro tipo de complexidade, que compreende tanto as
componentes bióticas como as abióticas, considerando, assim, um conjunto
amplo de elementos, como o movimento e transformação da energia e da
matéria por meio da atividade dos organismos vivos. Essas últimas concepções
enfatizam a amplitude dinâmica e mutante de um ecossistema a uma extensão
de rede “atópica” – que agrega em simbiose com as tecnologias de
comunicação, o ambiente, os seres vivos e as coisas – em uma arquitetura
reticular informativa. [35] Desse ponto de vista, cada arquitetura reticular
apresenta-se como um novo tipo de complexidade que tem, em sua qualidade
conectiva, sua principal especi cidade. A forma rede, nessa perspectiva, mais
que uma realidade midiática, apresenta-se como uma condição habitativa que
rma uma importante transformação na relação entre indivíduo e ambiente,
entre interior e exterior, abrindo, assim, possibilidades para uma dimensão
ecológica transorgânica.
A descoberta do DNA e do RNA contribuiu para a difusão, a partir do
conceito de código genético, de uma nova percepção informativa da ecologia,
no interior da qual as concepções opositivas – que separavam interior de
exterior e orgânico de inorgânico – foram substituídas pelas arquiteturas
informativas de redes de redes, organizadas por meio de tricas informativas
contínuas, responsáveis pelo advento das diversidades genéticas. Surge, assim, a
possibilidade de pensar em uma nova forma ecológica, a qual, superando a
visão ocidental antropocêntrica e sistêmica, comece a pensar a natureza e o
mundo como o conjunto de relações comunicativas articuladas a partir dos
uxos informativos de redes de redes.
No interior dessa outra percepção ecológica, os media, assim como a técnica
e as tecnologias informativas, não somente contribuem para a construção da
imagem do ambiente, mas devem ser considerados como partes integrantes
dele e, portanto, componentes, de modo absoluto, das infoecologias: “A
sensibilidade ecológica, a teoria de Gaia, tudo isso teve início após o advento
dos satélites e da visão da terra desde a perspectiva lunar, a qual deu a todos
uma ideia unitária da terra e de sua fragilidade”. [36]
A ideia de uma infoecologia e de uma natureza comunicante foi
recentemente abordada também por J. D. Peters em seu livro e Marvelous
Clouds, no qual defende a concepção de uma dimensão midiática dos
fenômenos naturais: A tradicional ideia de media está falida: todo o ambiente
deve ser considerado media: a água, o fogo, o céu, a terra e os outros elementos
– sublimes, perigosos e maravilhosos. Os media são, ao mesmo tempo,
elementos naturais e produções humanas. A importância e a urgência da
loso a dos media está em compreender esse seu sentido amplo. [37]
Perceber a ecologia não mais como ambiente, mas como um conjunto de
redes comunicantes que produzem diversidade por meio de dinâmicas
conectivas, de ne um novo tipo de interação e uma nova forma do habitar que
não podem mais ser descritos a partir das categorias de uxos comunicativos
que partem de um centro em direção ao exterior, ou seja, na direção de
entidades separadas e dispostas no entorno (ambire). Ao contrário, a
comunicação em rede, própria de tal realidade ecológica, permite a
constituição de circuitos e interações que manifestam conexões e ligações nem
internas nem externas, nas quais cada elemento e cada substância são imersos,
de modo indissociável, em uma dimensão que os envolve e, ao mesmo tempo,
os constitui.
Nessa perspectiva, nas infoarquiteturas reticulares, a prática comunicativa
não é mais uma propriedade do sujeito, que, por meio da técnica, cria
conteúdos, mas assume a dimensão de uma interação habitativa e interativa
que, conectando as diversas substâncias, altera a sua constituição originária.
Externa e interna, ao mesmo tempo, tal tipo de interação ecoinformativa,
realizada a partir das formas de comunicação em rede, propõe, além da
superação do antropocentrismo, a concepção de outro conceito de ambiente.
Na língua portuguesa, o termo “meio ambiente” indica, por uma parte, a
concepção utilitarista e externa do território e, por outra, numa interpretação
livre, a sua indissociável relação entre a dimensão informativa e os
instrumentos de percepção e interação atuantes.
O acesso a uma incalculável quantidade de dados, a conexão dos objetos, da
biodiversidade, das diversas dinâmicas sociais e o uxo in nito de conteúdos
contribuem não só para a criação de uma hiperinternet ecológica, mas para a
construção de um tipo de comunicação conectiva que se apresenta não mais
apenas como um conjunto de dados ou como o resultado de performances
tecnológicas, mas como um ambiente interativo, um hábitat mutante, produto
de redes não só relacionais. Tal hábitat, por meio da conexão, estipula
interações e dinâmicas capazes de alterar a condição habitativa e as
especi cidades das diferentes entidades e substâncias conectadas.
Tais ecologias comunicativas que aparecem sob a forma de redes ecológicas
digitais manifestam-nos nova forma comunicativa, que nos obriga a produzir
outra ideia de comunicação, não mais redutível apenas aos media, aos
conteúdos veiculados ou aos seus signi cados sociais e políticos, mas que
compreenda ampla gama de interações que, estendendo-se além das dimensões
do social antropomór co e das dimensões urbana e societária, inclua toda a
biosfera e as formas de conexão que se desenvolvem em seu interior, nas suas
diversas dimensões: geológicas, vegetais, orgânicas, técnicas, espirituais etc.
N
ossa contemporaneidade é marcada por uma profunda cisão entre as
palavras e as coisas, entre os vocábulos que usamos e as experiências
que vivemos. Temos sempre a sensação de que existem realidades e
formas do habitar para as quais não temos uma linguagem apropriada, que não
sabemos dizer e que, por preguiça ou hábito, continuamos a indicar por meio
de palavras e conceitos antigos e inapropriados, com seu desastroso efeito de
separar-nos de nosso contexto e de distanciar-nos de nosso mundo, privando-
nos, assim, da experiência. [2]
Podemos expressar tal condição como o advento de uma linguagem sem
mundo, linguagem que, não se referindo mais a nossas realidades, nem mais
conseguindo indicar nosso agir, restringe-lhes o acesso e a compreensão.
Enquanto nossos pais e avós habitavam um mundo para eles compreensível, ao
menos em parte, e com um sentido reconhecível que conseguiam dizer e
discutir a partir da linguagem, nossa geração, por outro lado, não mais pode
exprimir e compreender a complexidade da própria experiência e da própria
ecologia habitativa, manifestando uma condição que se assemelha àquela dos
lósofos afásicos, os quais, conscientes da impropriedade e da imprecisão da
linguagem e da distância intransponível entre as palavras e o mundo,
privavam-se de seu uso, refutando todos os tipos de comunicação.
Se tal cisão entre experiência e palavra remete a boa parte da linguagem das
ciências sociais (público/privado, local/global, sujeito-ator, identidade, gênero
etc.) e resulta evidente mesmo no âmbito das ciências e da teoria da
comunicação (mídia/público, conteúdo/instrumento, transmissor/receptor
etc.), ela nos aparece com maior clareza no âmbito da experiência de nosso
agir. Esse último, de fato, após as últimas formas de conexão [3] que se
desenvolveram nas redes digitais, apresenta-se a nós mais do que como o
resultado de uma ação de um sujeito-ator ou de um conjunto de actantes, mas
como a consequência de um novo tipo de interação no interior de um novo
hábitat, material e informativo ao mesmo tempo, formado pela complexidade
de interações que surgem após o processo de digitalização, a partir das sinergias
entre circuitos informativos, bancos de dados, dispositivos de conectividade,
pessoas, territórios e biodiversidades etc. e que se dão no interior de
infoecologias sem dimensões, atópicas, que se estendem das arquiteturas
moleculares até as ecologias da biosfera e das interestelares de nossa galáxia.
Surgida do âmbito do social, dos espaços físicos, públicos ou privados das
arquiteturas urbanas, a ação ocorre no interior de arquiteturas híbridas e
ecologias transorgânicas cuja complexidade, atópica e aorística, apresenta-se
como estranha à nossa compreensão e difícil de exprimir por meio de nossa
linguagem, herdada pelas tradições epistêmicas ocidentais.
Podemos continuar a indicar com a mesma palavra “ação” tanto nosso
caminhar, percorrendo a distância que separa nossa casa e o parque, como
nossa interação, que, a partir de circuitos informativos complexos, permite-nos
levar um robô até Marte, dando-nos a possibilidade de conhecer a composição
de sua atmosfera e de seu solo, mensurando seus componentes?
Como exprimir as não distâncias que nos conectam aos sistemas operativos
geográ cos que, monitorando e processando os dados de nosso impacto
ambiental, conectam-nos às infogeogra as da biosfera, mostrando-nos a
dependência de nosso agir em relação a tudo aquilo que nos circunda e nos
habita?
Que linguagem utilizar para descrever as ecologias das interações que se
produzem no interior das complexas arquiteturas informativas digitais que
conectam as coisas, os dados, as biodiversidades, fazendo de nosso habitar uma
condição não mais só geográ ca e espacial e de nosso agir um agir informativo?
Como dizer as ecologias do agir, que se dão nas formas de protesto que
nascem on-line, ocupam os espaços públicos e continuam conectadas à rede,
experimentando uma interação híbrida cuja arquitetura conecta, de forma
fértil e indissociável, informação e ação, localidade, signi cados e participação?
Que localidade e que tipo de ecologia da ação surge nas ruas conectadas e
ampliadas mediante formas de comunicação móveis (wireless, wi- ) e
aplicativos de games urbanos como Pokemon Go?
Onde ocorrem as interações aorísticas das experiências sensoriais das formas
de sensualidade em rede que conectam os sentidos e nosso sentir a arquiteturas
informativas e a ecologias virtuais proporcionando percepções nem externas
nem internas, nem apenas humanas ou apenas técnicas, nem exclusivamente
reais ou exclusivamente arti ciais? Quem são seus artí ces e como descrever
tais a-dinamismos?
O ponto de partida é, como já visto, o questionamento da palavra “ação”,
suspendendo seu signi cado comum de movimento no espaço e no tempo,
abrindo-se, consequentemente, a uma perspectiva inédita e capaz de descrever
suas plurais morfologias, nem internas nem externas, próprias das ecologias
conectivas. Em consequência dessa primeira suspensão do signi cado do agir,
que questiona sua compreensão dinâmica, deve-se proceder ao anulamento
mesmo de seu signi cado social, o qual descreve a ação como o conjunto de
interações que ocorrem no interior das ecologias sociais, sejam essas urbanas,
estatais e nacionais, entre indivíduos, atores sociais, grupos, classes,
instituições, interesses econômicos, políticos etc.
A não adequação do termo “ação” para ns de compreensão da complexidade
conectiva das interações transorgânicas leva-nos a substituí-lo por “ato”. A
etimologia do termo “ato” nos conduz a sua matriz grega αιον, que, na
Antiguidade, era empregada para indicar um evento imprevisível e irrepetível.
Frequentemente utilizado no contexto das representações teatrais, o aion
indicava o momento imprevisível no qual ocorria algo de intenso. Uma batida,
um gesto ou uma pausa que, naquele preciso momento, tinha o poder de
transformar a atmosfera e alterar seu contexto, conseguindo imobilizar o
público e raptá-lo por um instante, transportá-lo para o interior da cena,
transformando-o, momentaneamente, de espectador externo para componente
e parte da ecologia da cena. Um ato ecológico, assim, que não se referia apenas
ao ator, mas que conseguia conectar todos os elementos: o público, os objetos
na cena, a paisagem do entorno, o texto, alterando tudo e transferindo cada
participante para uma nova ecologia e outra dimensão.
Um ator criador que não era programável, nem era possível plani car. Um
momento transformador que mudava o contexto e a situação, rede nindo suas
características e signi cados. Um “αιον” inexplicável, impermanente e não
de nível de forma clara. Algo, portanto, de muito diverso de uma ação, uma
vez que não era realizado por um sujeito-ator e não plani cado de uma forma
estratégica e, assim, não submetido a uma lógica causal e a uma temporalidade
diacrônica.
A ideia do aion como um evento não inscritível no interior de uma
temporalidade composta por frações de tempo é analisada por G. Deleuze,
que, inspirado pela interpretação de tempo dos estoicos, contrapõe a
temporalidade do aion à de chronos. Se esta última se apresenta como a
sequência de passado, presente e futuro, ou seja, como um continuum de
temporalidades subdivisíveis e somáveis, o aion, ao contrário, apresenta-se
como um tempo não de nível, um instante feito por “eventos” sem passado,
nem presente, nem futuro: Na medida mesma em que o presente mede a
efetuação temporal do acontecimento, isto é, sua encarnação na profundidade
dos corpos agentes, sua incorporação em um estado de coisas, na mesma
medida o acontecimento por si mesmo e na sua impassibilidade, sua
impenetrabilidade, não tem presente, mas recua e avança em dois sentidos ao
mesmo tempo: perpétuo objeto de uma dupla questão: O que é que vai se
passar? O que é que acabou de se passar? [4]
Na interpretação deleuziana da perspectiva estoica, o aion se apresenta como
um evento puro que pretende emancipar-se da forma diacrônica do tempo e
do presentismo, que entende o presente como algo compreendido entre
passado e futuro; já o aion, pelo contrário, exprimiria sempre algo que está
ocorrendo: [5] “O acontecimento é que nunca alguém morre, mas sempre acaba
de morrer ou vai morrer, no presente vazio do Aion, eternidade”. [6]
Como é oportunamente observado por Eli Borges Júnior: “Essa é a potência
paradoxal do Aion, instante capaz de desdobrar um acontecimento num
in nito de partes, e portanto de possibilidades, incertas, imprevistas. Não há
como prever o in nito”. [7]
Identi camos aqui uma primeira interpretação do aion e do ato como evento
inovador e imprevisto, não por acaso identi cado por Platão como “átopon”:
Em primeiro lugar, toda a linha do Aion é percorrida pelo Instante, que não
para de se deslocar sobre ela e faz falta sempre em seu próprio lugar. Platão diz
muito bem que o instante é atopon, atópico. Ele é a instância paradoxal ou o
ponto aleatório, o não-senso de superfície e a quase-causa, puro momento de
abstração cujo papel é, primeiro, dividir e subdividir todo presente nos dois
sentidos ao mesmo tempo, em passado-futuro, sobre a linha do Aion. [8]
Enquanto centrada na temporalidade do ser e em seu devir, a loso a
heideggeriana apresenta-se, também, como uma loso a do devir do ser,
embora não no sentido de um movimento ou um agir próprios. Em uma
perspectiva diversa daquela de Deleuze, podemos encontrar, por sua vez, em
Heidegger, elementos para interpretar o ato e, assim, a dimensão de uma
interação conectiva, segundo signi cados não alinhados à ideia de ação.
Recorda-se, em primeiro lugar, que, ao contrário do que é sustentado por
alguns de seus críticos, [9] a obra de M. Heidegger não tem como objetivo o
desenvolvimento de uma metafísica do ser, ou seja, a construção de uma
interpretação abstrata e teórica. Ao contrário, é justamente a partir da crítica e
do total desacordo com tal nalidade, própria da tradição losó ca ocidental,
que o lósofo alemão pretendia proceder na construção de uma linguagem não
metafísica e, portanto, não somente abstrata e atemporal. Em outros termos, é
necessário recordar que a loso a de Heidegger não constrói uma arquitetura
sólida de abstrações teóricas, como muitos preferem acreditar, mas, como é
sustentado por G. Vattimo e E. Levinas, opta por usar a linguagem como um
caminho e como lugar de pesquisa.
A linguagem torna-se, assim, no interior da loso a não metafísica – no
sentido da tradição ocidental – de Heidegger, não o instrumento de criação de
conceitos abstratos e meta-históricos, mas a gramática e a sintaxe que indicam
o caminho, entendido não como verdade, mas como processo de desvelamento
(αλεθήία): A isso se deve agregar a extrema fragmentariedade da formulação do
pensamento heideggeriano, que, depois da introdução à metafísica, última
obra de certa amplitude e organicidade […] exprime-se em geral pela forma de
ensaio; forma que não é casual, mas manifesta o caráter constitutivamente de
“tentativa” de tal pensamento, que, desejando superar a metafísica, não pode,
antes de tudo, aceitar a sua terminologia, a gramática, a sintaxe, a sua própria
lógica. A aguda consciência da problemática dos próprios instrumentos com os
quais o pensamento se formula (recorde-se a a rmação de Heidegger segundo a
qual Ser e tempo é interrompido pela perda da linguagem) torna impossível a
clareza e a organicidade de elaboração […] Essa fragmentariedade não exclui,
antes supõe, como sua justi cação profunda, um o condutor unitário do
pensamento heideggeriano; o pensamento se faz tentativa. [10]
Dada essa importante premissa, é possível compreender como a passagem do
homem para o ser, própria da virada heideggeriana, constitui um elemento
central para a interpretação da proposta re exiva do lósofo alemão,
contemplando, mesmo, a substituição da ideia do ser pela de “objeto”
representado por um sujeito pensante e pela implementação de um ser-aí que
contemple, assim, também o eu pensante no interior do ser, entendido não
mais como entidade abstrata e externa.
Tal opção comporta, além da superação da metafísica, “um novo modo de
exercitar o próprio pensamento”, [11] uma vez que não se trata de substituir
uma ideia do ser por outra, nem de elaborar conceitos, interpretações e uma
nova noção do mesmo, entendido como objeto, mas de “ser-com” e “ser-aí”. É
nessa linha que se pode pensar, em Heidegger, a passagem da ação ao ato e a
substituição da ideia de uma ação interpretativa, realizada por um ente em
direção ao exterior e a um objeto, ou a uma alteridade, com aquela de um
dasein e de um ser-aí-com. É justamente durante os vários esclarecimentos
referentes à relação entre ser e homem que Heidegger recorre ao uso dos
termos ereignen (acontecer) e Ereignis (evento).
Ao tratar de tal assunto, seja no texto Carta sobre o humanismo ou na
conferência Sobre a essência da verdade, Heidegger toma distância tanto do
subjetivismo quanto do objetivismo, considerados ambos produções e
abordagens metafísicas, substituindo-os pelo “projeto de sentido do ser”: Nesse
projeto do sentido do ser, o pensamento, enquanto posição do problema do
ser, não é mais primeiramente atividade de que o homem disponha a seu
arbítrio: a metafísica não é um erro deste ou daquele pensador, ou de todos,
mas é, antes de tudo, um modo de determinar-se do próprio ser, o qual ocorre,
certamente, na atividade do homem e, de qualquer modo, por sua obra. [12]
Tal perspectiva tolhe ao homem tanto o papel de espectador da história do
ser como o de autor e narrador desta. Em vez de pôr em contraposição o
homem e o ser, Heidegger descreve um singular tipo de interação pela qual um
é parte do outro: se é o ser a pensar o homem enquanto parte de sua realidade,
segundo a ecologia da quadratura (Geviert), por outra, o ser devém e é somente
enquanto há o “ser-aí”, ou seja, enquanto existe o ente.
O ser, assim, é sempre um acontecer (ereignen) ou, também, um fazer
acontecer e um instituir que acontece e institui somente enquanto evento. De
essência estável e imutável própria da metafísica ocidental, o ser em Heidegger
torna-se movimento, devir e evento. Em Heidegger, o evento é uma condição
contraditória que exprime a particular dependência entre homem e ser: “O
homem é apropriado ao ser, o ser, por sua vez, é entregue ao homem”. [13] É tal
contraditória interdependência, feita de apropriações e expropriações, que
constitui o evento, que se apresenta, então, não como uma essência, mas como
um advento: “O mundo do Ereignis é o mundo do m da metafísica: quando
o ser não deixa mais pensar como simples presença, mas pode aparecer como
evento”. [14]
Uma primeira interpretação do evento em Heidegger, assim, aparece-nos
como um tipo de relação não social, nem relacional, em que o ser não está
relacionado simplesmente ao homem – enquanto esse tem necessidade do
primeiro para acontecer – e em que o homem pode acontecer a si mesmo
somente ao abrir-se e doar-se ao ser. Em outros termos, o evento descreve uma
condição na qual o homem não é jamais em si mesmo, pois não é jamais em si
mesmo sem o ser, mas, da mesma forma, o ser não pode ser sem o homem:
Dizemos muito pouco do ser em si mesmo quando, ao dizer o ser, deixamos de
fora seu ser presente ao homem, desprezando, assim, que este último entre, ele
próprio, a constituir o ser. Mesmo do homem dizemos sempre muito pouco
quando, dizendo o ser (não o ser do homem), consideramos o homem por si
mesmo e somente em um segundo momento o colocamos em relação com o
ser. [15]
Encontramos, portanto, o primeiro signi cado de uma relação que podemos,
livremente, utilizando a linguagem contemporânea, de nir como um evento
conectivo.
No ensaio sobre Hölderlin e a essência da poesia, Heidegger descreve o
evento nos termos de uma criação e operação da verdade, interpretando-a não
como uma produção e uma descoberta do ente, mas como um acontecimento
poetado: “A verdade como iluminação e ocultação do ente acontece enquanto é
gadichtet, poetada”. [16]
Comentando tal verso, Vattimo nos explica o signi cado do acontecer da
verdade como uma não ação e como um ato de criação:
A obra enquanto operação da verdade, isto é, como abertura do ente na sua
totalidade e fundação de um mundo, não provém do ente, mas do nada do
ente; é novidade radical, isto é, criação. Criar, inventar, conceber são alguns
dos significados do verbo alemão dichten, do qual também provém Dichtung,
poesia, e, portanto, antes de tudo, criação, instituição do novo. [17]
• Caminhos cruzados da comunicação (Os): política, economia e cultura, José Marques de Melo •
Comunicação e cultura das minorias, Raquel Paiva; Alexandre Barbalho (orgs.)
• Comunicação e democracia: problemas & perspectivas, Wilson Gomes; Rousiley Celi Moreira Maia
• Comunicação e identidade: quem você pensa que é?, Luís Mauro Sá Martino
• Comunicação e sociedade do espetáculo, Valdir José de Castro; Cláudio Novaes Coelho
• Comunicação mediações interações, Lucrécia D´Alessio Ferrara
• Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação, Lucia Santaella
• Comunicação verbal – Educação vocal: o teatro – fonte e apoio, Terezinha Nackéd Zaratin
• Corpo e comunicação: sintoma da cultura, Lucia Santaella
• Cultura, comunicação e espetáculo, Cláudio Novaes Pinto Coelho; Valdir José de Castro
• Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura, Lucia Santaella
• Dromocracia cibercultural (A): lógica da vida humana na civilização mediática avançada, Eugênio
Trivinho
• É preciso salvar a comunicação, Dominique Wolton
• Ecologia pluralista da comunicação (A): conectividade, mobilidade e ubiquidade, Lucia Santaella
• Escavador de silêncios (O): formas de construir e de desconstruir sentidos na comunicação, Ciro
Marcondes Filho
• Ética e comunicação organizacional, Clóvis de Barros Filho (org.)
• Explorador de abismos (O): Vilém Flusser e o pós-humanismo, Erick Felinto; Lucia Santaella
• Futuro da internet (O): em direção a uma ciberdemocracia, André Lemos; Pierre Lévy
• História do jornalismo: itinerário crítico, mosaico contextual, José Marques de Melo
• História do pensamento comunicacional: cenários e personagens, José Marques de Melo
• Linguagens líquidas na era da mobilidade, Lucia Santaella
• Mídia e cultura popular: história, taxionomia e metodologia da Folkcomunicação, José Marques de
Melo
• Mídia e movimentos sociais: linguagens e coletivos em ação, Jairo Ferreira; Eduardo Vizer (orgs.)
• Mídia e poder simbólico: um ensaio sobre comunicação e campo religioso, Luís Mauro Sá Martino
• Mídia, religião e sociedade: das palavras às redes digitais, Luís Mauro Sá Martino
• Mutações no espaço público contemporâneo, Mauro Wilton; Elizabeth Saad Corrêa (orgs.)
• Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo, Lucia Santaella
• Net-ativismo: da ação social para o ato conectivo, Massimo Di Felice
• Pensamento comunicacional brasileiro: o legado das ciências humanas – vol. I – História e
sociedade, José Marques de Melo; Guilherme Moreira Fernandes
• Pensamento comunicacional brasileiro: o legado das ciências humanas – vol. II – Cultura e poder,
José Marques de Melo; Guilherme Moreira Fernandes
• Pensamento comunicacional brasileiro: o legado das ciências humanas – vol. III – Mídia e
consumo, José Marques de Melo; Guilherme Moreira Fernandes
• Princípio da razão durante (O): comunicação para os antigos, a fenomenologia e o bergsonismo –
Tomo I – Nova teoria da comunicação III, Ciro Marcondes Filho
• Princípio da razão durante (O): da Escola de Frankfurt à crítica alemã contemporânea – Tomo II –
Nova teoria da comunicação III, Ciro Marcondes Filho
• Princípio da razão durante (O): o círculo cibernético: o observador e a subjetividade – Tomo III –
Nova teoria da comunicação III, Ciro Marcondes Filho • Princípio da razão durante (O): diálogo,
poder e interfaces sociais da comunicação – Tomo IV – Nova teoria da comunicação III, Ciro
Marcondes Filho • Princípio da razão durante (O): o conceito de comunicação e a epistemologia
metapórica – Tomo V – Nova teoria da comunicação III, Ciro Marcondes Filho • Produção social da
loucura (A), Ciro Marcondes Filho • Realidade dos meios de comunicação (A), Niklas Luhmann •
Redes sociais digitais: a cognição conectiva do twitter, Lucia Santaella; Renata Lemos • Regulação
das comunicações: história, poder e direitos, Venício Artur de Lima • Revolucionários, mártires e
terroristas: a utopia e suas consequências, Jacques A. Wainberg • Rosto e a máquina (O): o
fenômeno da comunicação visto dos ângulos humano, medial e tecnológico. Nova teoria da
comunicação, vol. I, Ciro Marcondes Filho • Ser jornalista: a língua como barbárie e a notícia como
mercadoria, Ciro Marcondes Filho • Ser jornalista: o desafio das tecnologias e o fim das ilusões, Ciro
Marcondes Filho • Sociedade tecida pela comunicação (A): técnicas da informação e da
comunicação entre inovação e enraizamento social, Bernard Miège • Temas e dilemas do pós-
digital: a voz da política, Lucia Santaella • Teoria do jornalismo: identidades brasileiras, José
Marques de Melo • Teoria e metodologia da comunicação: tendências para o século XXI, José
Marques de Melo • Vestígios da travessia: da imprensa à internet – 50 anos de jornalismo, José
Marques de Melo
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DEMOCRACIAS ELETRÔNICAS
[1] ABRUZZESE, A., 2000, op. cit.
[2] BENJAMIN, 1966, op. cit.
[3] VATTIMO, G. La società transparente. Milano: Garzanti, 1989.
[4] A análise de Adorno sobre o jazz constitui um exemplo emblemático a respeito
disso. Além dos lucros da indústria fonográfica e sua lógica de produção, o jazz foi,
no contexto racista dos Estados Unidos do início do século passado, o lugar de
encontro entre brancos e afro-americanos, espaço experimental de contaminações
estéticas e musicais e o laboratório da futura democracia americana. Mesmo a
análise musical proposta por Adorno é a expressão de uma concepção eurocêntrica e
limitada aos cânones clássicos da música. Submeter o teorema da indústria cultural a
cada fenômeno da realidade social e cultural aprisionou o pensamento, limitando
definitivamente a abertura a análises mais complexas dos próprios fenômenos
comunicativos e impondo um processo de simplificação que reconduzia cada aspecto
cultural e simbólico apenas a sua dimensão industrial.
[5] BAUDRILLARD, J. Tela Total. Porto Alegre: Sulinas, 2005.
[6] MAFFESOLI, M. La trasfigurazione del politico. Milano: Bevivino, 2009.
[7] MAFFESOLI, op. cit., 2009.
[8] MAFFESOLI, 2009, op. cit.
[9] De Adorno a Ortega y Gasset foram poucos os autores que questionaram tal
abordagem. Exceção representada pela Escola de Toronto e pela interpretação do
modelo semiótico textual de U. Eco.
[10] VATTIMO, op. cit., 1989.
[11] VATTIMO, op. cit., 1989.
[12] GROSSI, op. cit., 2004.
ECOLOGIAS TRANSORGÂNICAS
[1] Ver a respeito no texto: MORIN, E.; KERN, A. Terre Patrie. Paris: Séuil, 1993.
[2] MORIN; KERN, op. cit., 1993.
[3] MORIN; KERN, op. cit., 1993.
[4] MORIN; KERN, op. cit., 1993.
[5] Ver a respeito: LOVELOCK, J. The Vanishing face of Gaia: a final warning. London:
Penguin Books, 2009.
[6] Gênesis 1,24-31.
[7] De fato, a perspectiva de Gaia é responsável pela alteração de nossa condição
habitativa. Em nossa época, passamos do habitar um planeta para habitar uma
ecologia viva, multidiversa, sem interior nem exterior, mas conectiva e ativa.
[8] MARCHESINI, R. Il tramonto dell’uomo: la prospettiva post umanista. Bari:
Dedalo, 2009.
[9] MARCHESINI, R. Post human. Torino: Bollati Boringhieri, 2002.
[10] GUATTARI, F. Les trois ecologies. Paris: Galilée, 1989.
[11] LATOUR, B. Politiques de la nature. Paris: La Découverte & Syros, 1999.
[12] LATOUR, op. cit., 1999.
[13] LATOUR, op. cit., 1991.
[14] LATOUR, op. cit., 1999.
[15] LATOUR, op. cit., 1999.
[16] LATOUR, op. cit., 1999.
[17] Descrevo acima a arquitetura digital do povo indígena suruí paiter. Mais detalhes
disponíveis em: www.paiter.org. Acesso em: 12 maio de 2016.
[18] DI FELICE, op. cit., 2009.
[19] O termo “transubstanciação” indica o particular processo de alteração de
substância que ocorre no ritual católico da consagração, quando, durante a oração
eucarística e a imposição das mãos do sacerdote, o pão e o vinho, segundo a fé e a
tradição cristã, sofrem uma alteração transubstancial, tornando-se no corpo e no
sangue de Cristo. Tal alteração, no contexto da concepção religiosa, é considerada
não como um evento simbólico, mas como a real alteração das substâncias, que,
mesmo mantendo a forma de origem em espécie, assumem nova identidade e
composição (corpo e sangue de Cristo).
[20] Opto aqui por conservar a tradução de G. Vattimo do conceito de “ser como
evento” de M. Heidegger.
[21] HEIDEGGER, M. La storia dell’essere. Milano: Marinotti, 2012.
[22] DI FELICE, op. cit., 2009.
[23] VATTIMO, G. Introduzione ad Heidegger. Roma-Bari: Laterza, 1971.
[24] GALIMBERTI, U. Invito al pensiero di Martin Heidegger. Milano: Mursia, 1986.
[25] DI FELICE, op. cit., 2009.
[26] Expressão por mim utilizada em Paisagens pós-urbanas (2009).
[27] Ver a respeito no artigo “Redes sociais digitais, epistemologias reticulares e a
crise do antropomorfismo social”, publicado pela Revista USP (DI FELICE, 2011-
2012).
[28] MORIN, E. La natura della natura. Milano: Raffaello Cortina, 2011.
[29] MORIN, op. cit., 2011.
[30] MORIN, op. cit., 2011.
[31] MORIN, op. cit., 2011.
[32] CAPRA, F. The web of life. São Paulo: Cultrix, 1996.
[33] CAPRA, op. cit., 1996.
[34] CAPRA, op. cit., 1996.
[35] DI FELICE; CUTOLO; YANAZE, op. cit., 2012.
[36] DE KERCKHOVE, op. cit., 1995.
[37] PETERS, op. cit., 2014.
[38] Definição do CERP (Cluster of European Reserch Project on the Internet of
Things, 2009). In: Lemos, A. A comunicação das coisas. São Paulo: Annablume,
2014.
[39] Faz-se referência aqui ao importante estudo realizado por Julliana Cutolo
(Atopos ECA/USP), apresentado em 2014 como tese de doutorado sob o título
Ecopoiese: as formas comunicativas do habitar atópico.
[40] ATZORI, L.; IERA, A.; MORABITO, G. “Internet of things: a survey”. In: Computer
Networks, 2010, 54 (15).
[41] Sobre isso, recomenda-se ao leitor a descrição acerca do conceito de “atopia”,
realizada em Paisagens pós-urbanas (DI FELICE, 2009).
[42] SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus,
2007.
[43] Como nos diz Santaella: “Por meio da digitalização, quaisquer fontes de
informação podem ser homogeneizadas em cadeias sequenciais de zero e um. […]
Além da universalização da linguagem, a digitalização possui pelo menos dois outros
métodos: de um lado, a compressão de dados, fenômeno suplementar que permite,
de maneira cada vez menos onerosa, estocar e fazer circular enorme quantidade de
informação; de outro, a independência da informação digital em relação ao meio de
transporte: sua qualidade permanece perfeita, seja ela transmitida por fios de
telefone, ondas de rádio, satélites de televisão, cabos” (SANTAELLA, op. cit., 2007).
[44] Faz-se referência aqui ao significado atribuído aos “porta-vozes” por B. Latour,
em Politiques de la nature (1999).
[45] WELLMAN, B.; RAINIE, L. Networked: The new social operating system.
Cambridge: MIT Press, 2012.
[46] CHAKRABARTY, D. “The climate of history: four theses”. In: Chicago Jornal,
University of Chicago, 2009.
[47] HARAWAY, D. “Antropoceno, capitaloceno, plantationoceno, Chthuloceno,
fazendo parentes”. In: www.clima.com, ano 3, n. 5, 2016.
[48] HARAWAY, op. cit., 2016.