Você está na página 1de 47

José Cáries Sebe C

OS JESUÍTAS

.«'H
centenário de monteiro lobato
Ciopyrzk#r(ê)José Carlos Sebe

Capa e ilustrações:
123 (antigo 27)
Artistas Gráficos

Revisão:
Jane S. Coelho

ÍNDICE

Introdução
O contexto da reforma religiosa 10
A CompanhiadeJesus 33
O império da fé e os loiolanos 46
Indicações para leitura 85

'8a

editora brasiliense s.a.


01223 -- r. general jardim. 160
são paulo -- brasil
INTRODUÇÃO

A Companhia de Jesus tem sido através da His-


tória um dos clássicos temas apaixonantes. Quase
sempre o que acontece é a opção, a prforí, ou pró ou
contra os jesuítas.
X' Historiograficamente pode-se afirmar que exis-
tem correntes favoráveis -- que lutam desbragada-
mente pela defesa dos jesuítas -- e outras que expli-
cam os problemas da sociedade pela atuação dos je-
suítas. Assim, existem linhas interpretativas anti-
jesuíticas que se contrapõem às que fazem a lau-
dação.
A discussão do papel desta ordem tem apresen-
tado dois pontos de estrangulamento. Além do parti-
darismo, deve-seconsiderar também o isolamento do
tema de sua dependênciacontextual. Neste trabalho
procurou-se analisar a Companhia dentro de um
quadro histórico mais amplo. A inscrição.da:.crise.da
Sabia Apparecida biqueira. unidade européial çompromeãããlnglusive pela-ank.
8 rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 9
}

pliaçã9...dos espaços geogrâfic9s, nos.propósitos .da. armada do Ç919i:nad9E'geral,.Tomo-deSouza, puse-


büiiguesianascente, ex;placa o esfOrçQ..da IgrejaÇatG ram-se imediatamente a trabalhar nos alicerces da
lica no sentido de.pma redefiniçãi2.interna. Ê aí que cidade de Salvadp{. Em 1553, Nóbrega fundou a
se.enquadra a.papel.daÇgmpanhia de Jesuszordem aldeia de Piratininga, no ano seguinteestabeleceuo
atrelada aos princípios..da.burguesia expansionista, Colégio de São Paulo e em 1565tomou parte na fun-
pois comprometida.cone.acolonizaçãcL-emissiona- dação do Rio de Janeiro. O atavismo e a participação
nsmo. }..IÜ boÃ.x'c.o junto aos governanteseram marcos do prometode
:r- A Companhia de Jesus é uma ordem religiosa dominação dos loiolanos.
fundada por Início de Loiola. A aprovação do Insti- A preocupação preponderante dos jesuítas, con-
tuto dos Jesuítas foi feita por Paulo 111na bula tudo, foi a..ÇQnyegsãg..dos .índios- Neste sentido ela-
Regímíní Mz'/Ifazzfis.Ecc/esiae em 1540. Também beraaam ]im sistema-de..aldeamento. para facilitar a
conhecidos por inacianos ou loiolanos, esta ordem é políliçg4a vida cristã e lutas contra a antropofagia:.
regular, ou Soja, os filiados pertencem a uma comu- Foi longa a convivência dos jesuítas com o sistema
nidade com propósitos estruturados, de ação comum. goyçrnament4Llpsitano. O momento da virada se
>( Os jesuítas prestaram grandes serviços à Igreja e deu quando a Companhia representou ':um.Estado.
aos Estados Ibéricos, na Modernidade.Afinados « dentro de outro Estado =
com os propósitos religiosos reformados, os padres Qs jesuítas foram expulsos de Portugal em 1759
da Companhia participaram do processo de coloni- e saíram l=!gBrasi] no ano seguinte. Entre os fatores
zação, particularmente da portuguesa. que explicam a mudança.da:política em geraLcontra
Foram dois os principais campos de ação dos os padres da Companhia é.de.se.considerar ouega-
inacianos no processo .colonial. NQ.É2tiente, .de...ma- !iiUP, ou sqa, a política.di!.fortalecimento do poder
nei[4..D.4is.obÜetjva na Ãsia...e..Banca;paí'ticu- .!@l O marquês de Pombal, no caso português,é o
larmenteno Brasil. Apesar de terem atuado na Amé- representante
do esforçodo governode D. José l
rica espanhola;ãii'abalho missionário teve mais con- (1750-1775)no sentido de ceifar as forças capazes de
sequência aqui. oposição.
As tarefas da Companhia variaram bastante de A história loiolana tem uma dinâmica interes-
lugar para lugar, mas podem ser agrupadas em duas sante que se explica dentro da crise gerada pela
áreas básicas. Na Europa, o cuidado pedagógico, nos necessidadede redefiniçãodo mundo, crise esta
colégios, ensinando. Nas colónias, o missionarismo acontecida desde os fins do século XV.
era o objetivo principal.
{

;+No Brasil, os jesuítas, chegados em 1549, na


à
Os Jesuitas 11

glosaera, para o mundo do séculoXVI, um impe-


rativo individual e do grupo.
As explicaçõespara o tipo de comportamento da
Modernidade têm suas raízes distantes no tempo. A
dinâmica social no caso da Idade Média promoveu
mudanças assentadas no comportamento religioso
dos diversos grupos europeus. A religião modificava-
se com a vida.
Os movimentos criados por grupos progressis-
O CON'TEXTO tas, como Gerard Groot e Florente Radewynd-- os
DA REFORMA RELIGIOSA irmãos da vida comum e os cónegos regrantes de
Windesheim --, multiplicam-se em toda a Europa. As
formas do viver religioso ganharam novas dimen-
sões. Os seguidores de Groot empenham-se em divul-
As tendências da historiografia contemporânea gar a Bíblia e a premênciaem renovar o estadodo
têm levado os estudiosos a uma valorização quase clero e dos fiéis. Tais atitudes eram sintomas da
que exclusiva dos aspectos económicos da moderni- superação da crise religiosa do século XV. Tal crise
dade. Via de regra, ficam ausentes as interpretações envolvia todos os acontecimentos, gerando uma ne-
gerais sobre o comportamento psicológico e o ajuste cessidadede reformas. A fé estava viva e manifes-
às novas condições de vida. tava-senas atitudesda sociedade.Indivíduose gru-
)é O início da modernidade socialmente foi mar- pos tomaram consciência de que seus pecados eram
bâdo por uma camada socialnova que influía em causas das grandes desgraças que caíam sobre o
todos os setoresda vida coletivae individual.Um mundo: Guerra dos Cem Anos, Peste Negra, fome
mundo que se alicerçava em fundamentos burgueses #'
frequente, o Cisma do Ocidente, o fracasso do Es-
não anulava outros aspectos da personalidade social tado de Borgonha, a morte de Carlos, o Temerário,
que eram também significativos. A religião, por a Guerra das Duas Rosas, a ameaça turca, etc. l.Jm
exemplo. certo derrotismo, um sentimento de culpa marcavam
Ao homem que saía da Idade Média para uma o homem no seu relacionamento diário, gerando uma
época de incontáveis acontecimentos novos, e de pro- visão de mundo negativista e dependente do perdão
fundas transformações, certamente os valores éticos, divino. A me]horia da situação estava em jogo e li-
morais e teológicos teriam importância. A opção reli- gava-se ao reconhecimento dos pecados.
12 rosé Certos Sebe Os Jesuítas 13

O clero mostrava-seindisciplinado e distante homem, mais do que nunca, continuava a crer. Foi
dos propósitos ideais para a vida religiosa. Esta con- esta um4 época de santos e confrarias que tinham
duta abusiva da Igreja gerava insatisfações e refletia progressivamente seus adeptos multiplicados.
grandemente nas comunidades laicas ampliando a Cedo a influência de alguns pensadoresde Ox-
angústia coletiva. Dilatando o problema, nota-se que ford, desde Robert de Grosseteste (1168-1253), Re-
ger Bacon (1124-1294), John Duns Scot (1270-1308),
a ausência de alguns teóricos, exemplos e pilares da
conduta ética da Igreja, se fazia sentir. Depois de até William de Ockham (1290-1349)e outros, havia
Santo Tomas e São Boaventura, faltavam elementos começado a minar os alicerces da Escolástica.
de referência para o sustentáculo da moral religiosa. Grosseteste tentou explicar os fenómenos natu-
A Escolástica, corrente aristotélico-tomista, teo- rais com linguagemmatemática.Bacon defendiao
ria que demonstrava racionalmente as verdades teo- primado da experiência, inclusive no campo reli-
lógicas, entrava progressivamente num processo de gioso. Ambos repeliam a abstração .e a silogística
decadência. escolástica, que pretendiam uma ordenação esque-
A sociedadefaltava uma estrutura básica. A mática dos conhecimentos que servisse â refutação
crise da lgrda foi uma das razões do profundo dese- das divergências teórico-religiosas. O racionalismo de
quilíbrio que se manifestava no comportamento con- Santo Tomas foi reconhecendo-se incapaz e incom-
traditório dos grupos sociais. Era uma época de con- pleto para explicar os mecanismos da sociedade e da
traste e oposições. religião. Ainda fazendo parte desta linha de contes-
Tudo pareciacaminharpara um fim trágico. tação à Escolástica, com motivos fundamentalmente
Esperava-sea vinda do Anticristo e o fim do mundo. religiosos, Duns Scot afirmava que a fé, o amor e a
Todos deixavamtransparecer nas conversas,nas ati- ação eram mais importantes para a salvação do que a
tudes, grande angústia e dramas íntimos. O essencial ciência. A Bíblia seria, segundo Scot, a fonte primor-
estava sendo testadocrucialmente: o valor espiritual dial para todas as dúvidas religiosas; assim sendo,
como base do equilíbrio psicológico . y estava apontado outro caminho, oposto ao da Esco-
Nesta fase, quando pareciam aceleradas as lástica, que afirmava as relações entre a razão e a fé.
modificações que carãcterizariam um novo período Propagador e continuador das idéias de seu
da História, o homem externava uma fé angustiante. mestre Scot, Ockham, franciscano, foi também anti-
Dominadopor uma aversãoà morte, era comum a tomista e defensor da heterodoxiapapal. O ocami-
busca de indulgênciase relíquias, as visitas a con- nismo foi a expressãoda dissolução do espírito me-
dieval.
ventose igrejas célebresou mesmo a crença deses-
perada de que se poderia comprar a salvação. O A crítica que se insinuava nas discussões teoló-
14 Josê Cartas Sebe Os Jesuíta 15

gicas e filosóficas afetava também o crente ignorante. conceitos e pelas novas interpretações dos valores
Assim, a ardente piedade do religioso desta época era gerais que nortearam o homem desafiavam os com-
insegura, normalmente contaminada por supersti- portamentos e atitudes, mudando bruscamente a
ções. O comportamento cristão refletia a angústia e o conduta humana. O teatro, antes simbólico, tornou-
desequilíbrio religioso. se ''retrato da vida real''. A ciência experimental
As heresias, frutos deste ambiente, apareciam ganhou novas dimensões quando fugiu às exacerba-
agravando o inquietante clima. Todos procuravam das explicaçõesteológicasmedievais. Em todos os
novas respostas. Wicleff e Huss pregavam reformas campos a experiência se impunha, transformando,
marcando a quebra da estrutura religiosa medieval, visceralmente, a concepção de mundo. O Renasci-
propondo soluções revolucionárias . mento em si compreendeu uma valorização do ho-
Uma nova síntese ideológica se fazia necessária, mem e de suas possibilidades. A Reforma foi a di-
porém, dado o rápido processo de transformações e a mensão religiosa do Renascimento.
multiplicidade de campos abrangidos pela crítica aos
antigos valores, era preciso tempo para se conseguir
uma nova harmonia social.
Uma revisão do património cultural herdado O significado do Renascimento
estava sendo processada paralelamente a uma in-
tensa criação cultural. Crítica, revüão e Inovação, O Renascimento significava uma revitalização
estas as três características do Renascimento, que se da capacidade do homem, revitalizaçãoque se ex-
fizeram presentes por todo período, co-existindoàs pressou em vários acontecimentos: a volta ao mundo
vezes, outras conflitantes, mas sempre exigindo cons- por Magalhães, a criação do comércio intercontinen-
tantes adaptações e mudanças no pensamentos na tal, a imprensa, a revolta religiosa que dividiu a velha
vida sócio-económica, política e religiosa. cristandade ocidental, toda obra dos artistas da épo-
A modernidade na Europa Ocidental, em ter- ca, o sistema de Copémico, as experiências de Gali-
mos de História da Cultura, foi caracterizada pelo leu, etc. Contudo, estes fatos exterioreseram apenas
Renascimento.Os reflexosda crítica, da revisãode os sinais visíveis de uma grande força motivadora
valores espirituais, sociais e culturais, bem como as interior. Era a natureza que se reafirmava contra o
novas concepções ideológicas projetadas pelo am- ascetismo. Era grande a ânsia de conhecimentos que
biente que se definia, contrastavam com a apatia justificassem a condição humana. Afinal, a lógica
decadentedos grupos conservadores. aristotélica e a alquimia já estavam desacreditadas e
A anarquia e a confusão que foram criadas pelos os próprios homens ão Renascimento tomavam cons-
ló rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 17

ciência das peculiaridades de sua época como reno-


vadora do mundo antigo. Para facilitar o contato
com os clássicos, chegou-sea definir um ciclo de
disciplinas conhecidas como sfzzdla #zzmanffafiç, que
concentrava os estudos em Gramática, Retórica, His-
tória, Poesia e Filosofia Moral; as fontes seriam os
textos latinos e gregos. Os humanistas empenharam-
se em buscar novas bases e novos métodospara a
filosofia e para as ciências.
Basicamente, o Humanismo dava ao homem sua
individualidade. A característica específica do Hu-
manismo da Renascença foi a valorização do homem-
indivíduo. O homem transformava-seem centro das
atençõese ponto de referência para tudo. Em qual-
quer direção projetava-seo homem-indivíduo como
unidade isolada, livre de leis ou normas. Ao ''novo''
homem impunham-se perguntas e exigiam-se respos-
tas pessoais. ''Que vida vives tu?'', já indagava Pe-
trarca em sua Cbrla .Ihaginárfa a Vfrgí7fo .
A valorização das biografias, dos célebres retra-
tos, o gosto pela cultura física, a utilização do corpo
como elemento de afirmação, o costume de assinar os
trabalhos artísticos, a afetação, o exibicionismo, as
violentas disputas pessoais, o uso de venenos, pu-
nhais, etc., tudo fica a provar o individualismoque
se impunha como valor da época: marcas de uma
burguesia nascente.
A ânsia de lucro que caracterizavao Huma-
nismo como criação burguesa atestava a individuali-
dade. A concorrência, a disputa pelo ganho maior, Em qualquer direção projetava-se o homem-indivíduo
era responsabilidade individual: ninguém lucrava em como unidade isolada, livre de leis e Honras.
18 Josê Cáries Sebe Os Jesuítas 19

grupo ou enfeudado. Campanella, na Cidade do .So/, sado.


quando escreveu ''sobre a comunidade dos bens ex- Simbolizando a liberdade e o otimismo que se-
ternos'', reputavaAristóteles com varias objeções. A riam elementos de ostentação humanística, Rabelais
terceira, por exemplo, dizia: ''A comunidade destrói a retratou o príncipe Gargântua, a criança gigante
liberdadee a faculdadede praticar a hospitalidade, nascida ao ar livre, em meio a grandes festas, vinho
de socorrer os pobres, porque, quem ríada possui de e luz, falando e pedindo para beber. O Gargântua
seu, de nada pode dispor''. Este sentimentode posse, significava a liberdade e, mais do que isto, a quebra
satisfação e ufania, produto do individualismo, ge- das antigas imposições, o otimismo e a vitória sobre o
rava um orgulho da condição humana e contrastava negativismo dos fins da Idade Média. Contudo, deve-
com o pessimismo da época. se lembrar que a liberdade proposta, bem como o
Os humanistas cultuavam o saber apesar de otimismo, seriam privilégio de poucos, pois consis-
coexistir um forte gosto pela erudição. Os persona- tiam tais valoresem fazer o que quisessesem obe-
gens deste grupo expressivo foram quase sempre con- decer a regras ou leis, o que excluía a grande maioria
traditórios. Se, por um lado, apregoavama ''Virtú'', da sociedade, pobre e inculta.
o gozo da natureza e a liberdade, o individualismo, a Não houve durante o Renascimento apenas
luz, etc. , de outra forma o conhecimentoexigia uma grandes obras artísticas nem puramente avanços téc-
introspecção grande, a reflexão sobre o pensamento nicos que se refletiam nas navegações e nas ciências
medieval, a freqüência às bibliotecas, o contato com em geral. Nem existiam apenas homens geniais como
os manuscritos clássicos. Leonardo da Vinci, que sonhava com o vâo do mais
O viajar era fator importantepara a época. O pesado que o ar. Concomitantemente persistia o tra-
humanista percorria terras em busca de novos textos dicional, o que justificava, por exemplo, Savonarola
do período clássico, procurando novas emoções, ob- com sua mensagemterrível de recriminaçãodo ho-
servando a natureza e testando a sua experiência e mem pelos seus pecados. Este período tão claro da
erudição. Falar corretamente o latim, o grego, e se História jogou também suas luzes sobre os grandes
possível o hebraico era obrigação que se impunha crimes que marcaram a época, sobre disputas pes-
aos letrados. O buscar esclarecimentosnas fontes soais que não mediam meios, sobre Maquiavéis e
era outra tendência constante. Papas que, mais políticos que religiosos, afirmavam
Era cultuado o saber superficial e extenso. As as contradições indissociáveis do período. O dua-
imitações dos antigos, evidentemente, não eram fiéis. lismo, os extremos, justificam a fertilidade da época.
Buscavam na Antiguidade apenas o que lhes interes- Os dramas que se refletiam nos atos externos da
sava, sempreocupação de uma análiseglobal do pas- sociedade eram transparências dos conflitos íntimos
20 rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 21

da sociedade. quer. O Humanismo, alias, foi um movimentores-


A fermentação
do ambienteexigiado homem trito a poucos homens de letras, que não chegaram a
um novo conceitode mundo e uma consciênciada formar um grupo coeso. Mesmo afetada, a Igreja --
condição humana. A relatividade dos valores morais, o Cristianismo -- continuava como base do mundo
económicos, sociais, culturais e religiosos, que ha- ocidental. Dele todos participavam consciente ou
viam sido impostospela crítica, acabara por abalar o inconscientemente.
sentido da vida, colocando o psiquismo coletivo cons- Em termos de grupo social, o elemento novo --
tantemente em questão. o burguês -- mantinha profundas vinculações com a
Diante desta situação confusa e insegura, qual sociedade tradicional, principalmente através de sua
seria o papel da Igreja? Manter-se-ia tradicional ou religiosidade e de sua integração na Igreja.
se inovariã? Haveria condição de se achar um cami- Desde o ''homem simples'' até os soberanos,
nho seguro neste mundo ambíguo? Seria possível todos procuravam a proteção da Igreja, daquela
uma definição da Igreja entre tantas contradições? mesma Igreja que estava sendo testada. Não se cria-
Igreja una ou repartida? vam novas bases para o Cristianismo. As críticas, os
Difíceis soluçõespara tais problemas, porém ataques eram dirigidos contra os erros e as falsas ou
uma coisa é absolutamentecerta: o homem do Re- superadas interpretações das verdades divinas.
nascimento não poderia desvincular-se da Igreja. Modificadas as condições sócio-económicas, for-
Esta o cercava em todos os fitos da vida e em todos os talecia-se o poder real. Eram dois processos conco-
momentosda existência. O Cristianismo no século mitantes: um, o do Papa perdendo o prestígiojunto à
XVI ''era uma atmosferaem que o homem vivia a autoridade que sempre o distinguiu; outro, o dos
sua vida -- toda a existência-- e não só a sua vida soberanos que se impunham com o apoio dos bur-
intelectual, mas a sua vida privada nos seus múlti- guesesque transformavam o Estado em grande em-
plos aspectos;a sua vida pública nas suas diversas presa capitalista.
ocupações; a sua vida profissional, qualquer que ela A autoridade do rei também era fundamentada
fosse. Tudo, automaticamente, por assim dizer, inde- na origem divina do poder. Era pela vontade de Deus
pendente de toda a vontade expressa de ser crente, de que ele iria governare a lgrda já legitimavaseu
ser católico,de aceitar ou de praticar a sua reli- poder. Gradativamente desligava-seo poder tempo-
gião'' -- afirma Rops. ral do poder espiritual. Evidências? Dante jâ escre-
O Humanismo com toda sua força, apesar de vera naMoPzarqu/a onde, no livro terceiro, anunciava:
tentar minimizar a autoridade da Igreja, não conse- ''No Encargo da Monarquia e o Império Provém Ime-
guia substituí-la, nem troca-la por outro valor qual- diatamente de Deus''
22 rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 23

à medida que se definiam os Estados europeus, campo religioso, expressaram-se através de uma nova
em termos políticos principalmente, era derrubada a dogmática: Trento.
posição papal. Contestações, conflitos institucionais, O pensamento religioso, abalado pelos ataques
problemas diplomáticos, marcaram o fenómeno. dos humanistas, desgastadopelos ataques protes-
A crise da Igreja era generalizada. Os limites do tantes, e principalmente movido por uma necessi-
alcance dos problemas atingiam proporções enor- dade íntima de renovação, se redefinia. O catoli-
mes, relacionava-se a cada indivíduo e a toda socie- cismo, depois de criada uma nova concepçãode
dade, envolvia todas as camadas da população. mundo e uma outra visão da condição humana, re-
Apesar da fé continuar viva, os crentes eram novou seu apostolado.
angustiados e sofriam todas as conseqüências deste Dentro do clima de respostas que marcou o pe-
clima de rivalidades, insatisfações e desequilíbrios. ríodo das reformas estavam presentes as soluções
As sérias crises que atingiram a Igreja eram de uni- religiosas que se definiram em dois campos princi-
dade, autoridade e de religião, marcando mais acen- pais: um através do clima criado em torno de Romã e
tuadamente as elites intelectuais e as camadas diri- outro pelo ambiente protestante. Eram respostas que
gentes. O povo, de um modo geral, participava mais delineavam uma nova espiritualidade: anseio genera-
da crise dos comportamentos. Nos indivíduos existia lizado de todos. A reforma católica foi um movi-
algo comum: a insatisfaçãoque induzia à busca de mento que nasceu dentro do próprio cristianismo,
soluções. buscando o ordenamento e o equilíbrio perdidos.
A procura de um novo equilíbrio marcou o pe- Na Espanha, no final do século XV, liderado
ríodo seguinte: a desesperada e aflita necessidade de pelo Cardeal Ximenes, iniciou-se um grande movi-
uma nova estabilidade. A procura da ordem caracte- mento de revivência religiosa. Apesar dos propósitos
rizou a Reforma, um movimento de renovação reli- iniciais se dirigirem contra os infiéis e heréticos, con-
giosa preocupado com a reelaboração dos princípios seguiu com bastante sucesso regenerar, em grau con-
cristãos . siderável, a vida espiritual daquela região. Abriram-
Este período procurou dar respostas aos proble- se escolas, levou-se instruções aos conventos e mo-
mas que aturdiam os homens. A sociedade, na busca tivou-se sacerdotes ao cumprimento das responsabi-
de uma nova síntese, se desordenou, dando lugar lidades pastorais.- Outras regiões da Europa também
a crises maiores e finalmente criando condições para tiveram movimentos que procuravam através da dis-
as Reformas.Através da revisãocrítica de valo- ciplina e do exemplo responder aos desequilíbrios da
res, onde se aproveitaram elementos medievais e re- Igreja.
nascentistas, o catolicismo deu respostas que, no A tarefa de reformar, contudo, era difícil, dado
24 rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 25

particularmente o caráter mundano que dominava o Em 1545, o papa Paulo 111 convocava um con-
alto clero. Vencendo uma série enorme de obstá- cílio. Estava aberto assim um dos capítulosmais
culos, pouco a pouco foram surgindo novas ordens importantes da reforma religiosa católica. Trento
religiosas que atendiam ao anseio da sociedade. As funcionou como palco e emprestou seu nome à reu-
ordens mendicantes surgidas, já com este novo espí- nião. O Concílio de Trento durou dezoitoanos e teve
rito, eram respostas geradas no seio da própria Igre- várias interrupções. Convocado com a finalidade de
ja. Fala-se, portanto, de reformas, no plural, pois redefinir as posições católicas, conseguiu responder
advoga-se a existência de uma reforma católica e às expectativas dos fiéis. Reafirmou todos os dogmas
outra protestante. atacados pelos protestantes, declarou que as boas
A medida que as soluções protestantes começa- obras eram tão necessárias para a salvação quanto a
vam a aparecer e ganhar vulto, a Igreja de Romã fé, redefiniua força dos sacramentos,o valor da
estava também amadurecida para responder a seus oração, o culto aos santos da Igreja; redigiu-se o
fiéis. Apesar da cúpula clerical se manter ainda vol- catecismo romano; confirmou-se a presença de Cristo
tada para as condiçõesmateriais, com raras exceções na Eucaristia (dogma da transubstanciação); resol-
intermitentes, os resultados dos movimentos de reno- veu-secombater a indisciplina clerical, determinando
vação se faziam sentir. que fossem fundadas escolas especiais e seminários,
Paulo 111 (1534-1549) reiniciou o movimento destinados à orientação e formação dos sacerdotes;
contra os abusos da Igreja. Paulo IV (1555-1559), Pio reafirmou-se ainda a crença no purgatório, o celibato
V (1566-1572) e Xisto V (1585-1590) continuaram o sacerdotal e a tradição dos ensinamentos apostólicas
movimento. Reorganizaram a disciplina clerical, es- com a mesma autoridade que a Bíblia foi redefinida
colheram auxiliares eficientes para os cargos admi- como fonte da fé. Entre tantas deliberações,desta-
nistrativos. Novamente a austeridade e a ordem vol- que deve ser dado à reafirmação da suliremacia do
tavam ao trono da Igreja. As práticas e costumes papa, como vigário de Cristo e chefe de toda Igreja
condenados foram, via de regra, banidos dos con- Católica. Assim, estava reconstituída a forma monár-
ventos; procurou-se dar uma instrução mais sólida e quica do governo da Igreja.
uma orientação melhor ao clero. Entre outras atitu- O Concílio de Trento foi além da parte dogmá-
des tomadas neste período, destacou-se o reestabele- tica. Com espantosaforça, formulou ainda uma só-
cimento da Inquisição que havia caído em desuso. lida legislação que disciplinada os membros da Igre-
A Inquisição era desejada como uma forma de rees- ja, evitando abusos. Foi terminantemente proibida a
truturação da Igreja, como uma instituição purifica- venda de indulgência e formuladas leis que cercea-
dora contra as heresias. vam o ganho desmedidodos padres. Sob a deter-
26 JoséCartosSebe \ OsJesuítas 27

minação que em cada diocese houvesse pelo menos esparsamente surgiam alguns conventos com su-
um seminário, ou centro de estudos teológicos, pre- cesso: eram os que se moldavam à nova orientação.
tendia-seacabar com a ignorância clerical que asso- Vocações existiam, e muitas; a fé e a mensagem
lava a Igreja. Finalmente foi elaborado um /ndeic dos religiosa se mantiveram vigorosas. Faltavam novo
livros proibidos, com a finalidade de zelar pela orto- método e nova estrutura. A reorganização das ordens
doxia religiosa e pela espiritualidade dos fiéis. era uma necessidadepremente, pois para acompa-
Não só a cúpula da Igreja teve iniciativas refor- nhar o mundo que se transformava eram necessárias
mistas. Antes da deliberaçãodo papa Paulo 111em instituições coerentes com o novo espírito. Uma
convocar o Concílio, muitas ordens religiosas já ha- maior flexibilidade era condição imprescindível, pois
viam entrado em processo de renovação, o que prova a sociedade se encontrava em dois processos contra-
a necessidade íntima de a Igreja reformam'-se. ditórios: por um lado, valores decadentes; por outro,
Gradativamente o mundo parecia excluir os reli- novas formas de vida com características inéditas.
giosos que viviam fora das novas exigências do tem- Nas pessoas existia uma grande vontade de viver um
po. O florescimentodas cidades que se povoavam ideal religioso de acordo com os tempos anunciados.
mais e mais dificultavaa ação clerical. As cidades Este novo clima de liberdade e de revisão dominou
modificavam não apenas o aspecto sócio-económico, também os conventos.
mas afetavam de forma significativa a espiritualidade.
Aos padres eram impostas novas tarefas: contatos
mais freqüentes com fiéis, atendimentos a problemas
gerais de ordem urbana -- enfim se fazia necessária As reformas clericais
uma ação mais unificadora e central.
A religiosidadecomo imperativo das novas for- As reformas das ordens religiosas não obede-
mas de convívio urbano foi exigindo orientações que ceram a uma transformação sistemática ou gradual.
se fizeram paulatinamentefora da Igreja. Longe do Faltava uma visão de conjunto. O ritmo das modifi-
domínio clerical formavam-se irmandades, organi- cações era lento e quase sempre atrapalhado pelos
zações com fins sociais e novas instituições. O clero conservadores ou pejos que temiam as mudanças
estava alheio a estas obras. Pouco a pouco fugiam- bruscas.
Ihes a direção e o monopólio social e espiritual. A primeira ordem a se distinguir nestas trans-
Apesar da hegemonia gradativamente escapar à formações foi a Franciscana, que se desenvolveu den-
influência dos religiosos, contudo ela continuava. tro dos turbulentos acontecimentos do século XV. O
Ao mesmo tempo que se processava este fenómeno, clima angustianteque marcou o Cisma do Ocidente,
29
28 JoséCar/os Sebe l Oslesziílas

conflito havido entre duas corre.ntes que propunham a luta pela expulsão dos muçulmanos, havia exigido
papas diferentes, um em Romã e outro em Avinhão, grande participação de todos. Um precoce amadure-
atingiu os fiéis que normalmente não sabiam a quem cimento em contrapartida se manifestou na socie-
obedecer. Os turcos trouxeram consigo um senti- dade em geral e na consciência religiosa em parti-
mento de derrota que se apossou da cristandade divi- cular. O argumento que unia a todos émanáva da
dida. Dominava tudo uma tristeza e desconfiança, e religião .
na ânsia de soluções aparecem as heresias. O clero Também na Península notava-se a mesma inten-
também foi abalado, tendo que optar e defender-se. sidade na busca de soluçõespara os problemas reli-
Depois dos franciscanos, a Ordem de São Do- giosos. Pedro de Villacreces, Pedro Santoyo, Diego
mingos iniciou suas modificações, seguida dos agos- de Alcolá e Lopes de Salazar, religiososatuantes,
tinianos, trinásios, carmelitas e servos de Mana. eram testemunhas de uma força que nascia, da qual
As soluçõeseram buscadas em todos os campos. o cardeal Cisneros, na Espanha, foi um exemplo
Uma procura desenfreadainduzia à caminhos mui- marcante. No século XV, inspirado por São Boaven-
tas vezescomprometidoscom o passado, outras oca- tura e São Bernardo, iniciou-seum grandemovi-
siões deturpadas pela religiosidade sem base doutri- mento de padres que percorriam as cidades, vilas e o
nária e ainda muitas vezes enredados pelas idéias do campo, sem habitos solenes nem atitudes ostensivas,
protestantismo, do judaísmo e das soluções mágicas. pregando o evangelho e difundindo o espírito cristão.
Na análise do período das reformas, como em Havia algo de novo nestas ações: as praças públicas
qualquer fenómeno histórico, deve-seter o cuidado ou as próprias casas substituíamos templose isto
com as generalizações, evitar Q esquecimento das in- cativava os fiéis.
fluências tradicionais de cada região e das variações As ordens mendicantes, sobretudo, lucraram
sociais, geográficas, políticas e económicas que cer- com estas novas formas de apostolado. Conseguiram
cam o fenómeno em cada área. redobrar o prestígioperdido e ganhar a admiração
A Península Ibérica, por exemplo, teve durante dos fiéis, que nelas viam um espírito de abnegação e
todo o período medieval a presença do muçulmano em desprendimento.
suas terras. O processo de expulsão do elemento Huerga sugere a divisão da história espiritual
estranho à cultura peninsular influenciou sobrema- espanhola em quatro períodos cronológicos: o pri-
neira a personalidadedo homemibérico. A sensibi- meiro seria o de ''importação'' , que vai desde a Idade
lidade, o ideal de vida, o gosto, as artes, a economia e Média até 1500 aproximadamentee que se carac-
também a espiritualidade foram afetados. terizou pela tradução e difusão de obras estrangeiras ,
A Reconquista, movimentoibérico que marcou com o mínimo de produção própria. O segundo pç-
30 rosé Cartas Sebe

ríodo seria o de ''assimilação'', que abrange de 1500 a


r Os Jesuítas

munha a necessidadede definição religiosa. A cris-


tianização da América também.
31

1559. Nesta época o material estrangeiro foi revisto e


aumentado com contribuições próprias. A terceira Outra resposta se fez através dos movimentos de
etapa teria sido a época de ''plenitude e criação'', evangelização popular que aos poucos devolvia um
que englobou os anos de 1559 e 1591. Neste período a clima de paz às consciências cristãs, através da reor-
mística chegaria ao máximo na Espanha. Final- ganização política e religiosa.
mente o quarto período teria sido a época de ''deca- Na Europa, ao Tribunal do Santo Ofício e ao
dência''. Foi o período em que apenas se compilavam movimento de evangelização se somaram outras ati-
textos e de um modo geral os autores parecem ter per- tudes que fortaleciam a ortodoxia cristã; incenti-
dido a experiênciae originalidade.Alguns historia- varam-se as reformas das ordens antigas, vocações
dores, coRO Llamera, por exemplo, somam a estas sacerdotais,a vida cristã, a criação de confrarias ou
etapas uma outra, a do ''renascimento'', ou seja, de igrejas. Na América a catequese, ainda que oscilante,
retorno às fontes iniciais do movimento místico. respondia ao desafio da recuperação do rebanho de
A América descoberta se apresentou como um Cristã, dividido pelo protestantismo.
problema à ética religiosa espanhola. A conquista Passado o primeiro período de floração espiri-
espiritual deveria ser o atestado da vontade divina. tual, com valiosas contribuições de exemplos estran-
Um messianismo indeciso marcava os conquistado- geiros, surgiu na Península uma grande produção
res que se justificavam em nome de Deus. literária a respeito da salvação, da vida de santos, do
No período dos reis católicos, uma euforia era modo de viver a religião. A aceitação desta literatura
expressada através da atração de certos estudos reli- ascética e mística prova a intensidade do clima reli-
giosos. Uma inquietação dominava os intelectuais gioso espanhol. Escreveu-semuito nesteperíodo so-
motivados para as lições do Humanismo e da nova bre o exemplo que pessoas ilustres davam, sobre a
teologia. A reelaboração de um tipo de espirituali- maneira de servir a Deus, enfim o ascetismo se impu-
dade ocupava os estudantes de teologia e ética moral. nha através de exercíciose praticas que tinham a
Situar o apostoladoface ao Novo Mundo também. finalidade de ensinar. Algumas obras mais destaca-
Fazia-se necessária na Península uma religião das conseguiam muitas reedições. O movimento ascé-
coesa, para levar a cabo os novos ideais católicos, tico provocou o místico e ambos crescem dando va-
sinónimo da ação imperialista ibérica. liosa contribuição para a espiritualidade.
A Inquisição foi uma forma de se responder ao Contudo, existiam apenas o intuito reformador
problema do controle da fé e das práticas religiosas. e a valiosaliteratura cristã. O .ibérico do início do
A aceitação geral do Tribunal do Santo Ofício teste- século XVI era um ''crente de grandes virtudes e
P
32 rosé Curtos Sebe

imensos defeitos''. Por toda parte as superstições


haviam se insinuado e a ignorância e o pecado eram
generalizados. Assim mesmo, a fé do povo era firme
e ativa, ainda que impregnada de exterioridade. A
espiritualidade era arraigada e se manifestava com
frequência nos costumes sociais. Com o mesmo fer-
vor que o homem comum dedicava à devoção de
santos e relíquias praticava as diversas formas de
superstiçõesque vinham da Idade Média. A ardente
fé era menos pura que sensível. O idealismo que A COMPANHIA DE JESUS
enchia a cabeça dos portugueses e espanhóis de infi-
nitos sonhos era contrastado com as realidades duras
e difíceis: era o triunfalismo ideal contra as verdades
da vida cotidiana. Por um lado Dom Quixote, por A Companhia de Jesus, ordem religiosa de seu
outro, Sancho, como no dizer de frei Luas de Gra- tempo, com propósitos e objetivostípicos da época,
nada: ''inteiros na fé, quebrados na vida''. Isso mos- surge como resposta católica à necessidaderefor-
tra bem as condições que cercavam as circunstâncias mista da Igreja, tendo o fim determinado de lutar,
ibéricas do início da modernidade. As novas respos- em todas as partes do mundo, pelos ideais de Deus.
tas deveriam vir de forma a espantar a ignorância e Seu principal fpndêdor foi Início de !!glgl4..que,
as impurezas advindas do pouco conhecimento dou- submetendo seus..xaloreg.s$piptuâÍI...a.prova, cons-
trinário e necessidades apostólicas da catequese ame- cientizou:se.do ideal católico e da decorrente..missão
ricana. qug..Ihlà..ç4blggomo ciigtão'iQHano: optotLpor.ser
solda4o4e Cristo. Homem inserido dentro do pano-
rama europeu o chefe loiolano adaptou um novo es-
quema de vida religiosa, melhor integrada com a
educação humanística e mais coerente com a sensibi-
lidade sócio-cultural da época. A posição de Santo
Início de Loiola foi expressa principalmente nos Exer-
cüz'osElspír/ruam, visto que a consciências segundo o
individualismo inaciano, é o ponto onde se decide a
bondade ou a maldade da vida humana.
34 José Curtos Sebe Os Jesuítas 35

Como Lutero, sua experiênciareligiosa advém cursos em Alcalá e Salamanca.


do cuidado de sua própria salvação. Fruto de pro- Por seu intenso ardor nas pregações e pela fasci-
fundo processo evolutivo mental, em Manresa, Santo nação que transmitia, atraiu sobre si os olhos do
Início definiu os .EkercÜíos .Espirlfaais dizendo qtie{ Santo Ofício, e por 64 dias foi preso, sendo depois
a primeira anotação é que este, nos .Erercícfos .Espí- liberado. Resolveu incluir elementos coerentes com
rffzzaü, se entende todo o modo de examinar a cons- seus propósitos: os espanhóis Francisco Xavier, Dio-
ciência, de meditar, de contemplar, de orar, oral e go Lainez, Afonso Salmeron, Nicolau Bobadilha: o
mentalmente, e de outras operações... Porque assim italiano Pedro Fabro; o português Simão Rodrigues
como o passear, caminhar e correr são exercícios de Azevedo. Estes companheiros agregados por Iní-
corporais, da mesma maneira todo modo de preparar cio de Loiola alé o ano de 1534, mesmo sendo
e dispor a alma para organizar todas as afeições homens arrojados e conhecedores das posições pro-
desordenadas e depois de arrumados os sentimentos testantes na França, não se opuseram a nenhum
encaminha-los na busca davontade divina. ..: programa imediato.
Segundo Início de Loiola, a finalidade do exame Inicialmente, impulsionados por nuanças me-
de consciênciaé ''descobrir o fim último do homem dievaisque se mantinham, pretenderam. em caráter
em fazer a vontade de Deus''. O homem foi criado de cruzadismo, se entregar à conversão dos infiéis.
para bendizer, fazer reverência e servir a Deus Nosso Movidos, então, por um ideal anta-herético,o futuro
Senhor, e, mediante isso, ''salvar sua alma''. O sal- santo Loiola e seus companheiros, reunidos em Paras,
var a alma relacionava-se
com o conhecimento
do em 15 de agostode 1533, dia da Ascensão de Nossa
pecado, existindo assim, na ética loiolana, o domínio Senhora, fizeram, além dos votos de pobreza e casti-
dos valores sensíveise voluntários, reunindo a mili- dade, um terceiro, pelo qual se comprometiam ir a
tância religiosa e a obrigação de ''viver no mundo''. Jerusalém lutar contra os infiéis. Caso não se apre-
Início de Loiola compreendeu que não bastava ce!itasse tal oportunidade, colocar-se-iam à disposi-
mais cuidar apenas da própria salvação,era neces- ção de Início de Loiola em Paras Cláudio Javo, espa-
sário ir bem mais além: elaborar uma concepção nhol, e Pascásio Broet e João Caduri, franceses. Reu-
militar do labor apostólico, ao mesmo tempo permi- niram-se em Veneza em 8 dejaneiro de 1537. A estas
tindo certa flexibilidade na vida conventual, presa a alturas, Loiola já tinha em mente a necessidade da
horários rígidos e fechados muros. O fundador da reforma. Em orações Crista teria Ihe revelado: ''Eu
Companhia de Jesus viajou bastante, esteve na Pales- Ihe serei propício em Romã''. Assim resolveu o chefe
tina (1523), voltando para Barcelona (1524). Depois do wupo constituir uma ordem religiosa. Desde en-
dos trinta anos, estudou latim e teologia, frequentou tão começaram a denomina-la (bmpan/zía de Jesus .
36 rosé Car/os Sebe Osleszzíras 37

Corria o ano de 1538. Pontífice, Vigário seu na terra, depois de fazer voto
Sob a determinação direta do papa, em Romã, solenede castidade perpétua, assente comigo que é
os companheiros de Santo Início trabalharam muito membrode uma Companhia, sobretudofundada
em obras de apostolado. Com o auxílio do Carde41 para, de um modo principal, procurar o proveito das
Contarini, foi apresentada a primeira F3rmzz/a db almas, na vida e doutrina cristã, propagar a fé, pela
InsfÍfufo ao papa Paulo 111,que de imediato a apro- pública pregação e ministério da palavra de Deus,
vou verbalmente. Enfim, no dia 27 de setembro de pelos exercícios espirituais e obras de caridade, e,
1540, foi dada a aprovação papal à nova ordem pela nomeadamente,ensinar aos meninos rudes as ver-
bula Regímlní .A411ffanfü.Ecc/esfae. A estrutura da dades do cristianismo, e consolar espiritualmente os
Companhia de Jesus era militar, tendo como pri- fiéis no tribunal da confissão; e tratar de ter sempre
meiro apoio a obediência ao Superior Geral, o chefe diante dos olhos primeiro a Deus''
supremo da ordem. De sua fundação até a morte de
Início de Loiola, a Companhia teveprovíncias, mais
de quatro mil membros e cem domicílios.
A estrutura interna

é:::Ki São características da legislação da Companhia


Os objetivos jesuíticos de Jesus: a duração do noviciado,numa fase de ini-
ciação por dois anos; a incorporação definitiva a
A Companhia de Jesus na Península atuou de partir do terceiro ano; no quarto ano deveriahaver o
forma a Qã9.permitir apenetração protestante. Na voto de obediência ao pontífice romano; os provin-
França e Alemanhadesenvolveu
um programade ciais ou reitores nomeados por três anos; reunião da
intensa realização apostólica. Espalhou seus homens, cúpula da ordem por ocasião da morte do Superior
missionários, nos mais longínquospontos então co- Geral ou em ocasiões especiais; divisão do espaço geo-
nhecidos no mapa. A definição da Companhia de gráfico por áreas chamadas Assistências .
Jesus foi dada na própria .26rmzz/ado Instffzzfo, in- 9t-As constituiçõesprovocaram dúvidas, havendo
cluída na bula de aprovação. sérias divergências clericais a respeito dos diversos
;& .''Qu'lq«er
«m qu:, " T":la.C'"lp2TP?,!y pontos inovados, até que a autoridade apostólica as
desejamos seja assinalada com o nome de Jesus, qui- aprovou pelas bulas ){sce/zdenfe l)omf/zo, de Gre-
ser militar como soldado de Deus, debaixo da ban- gário Xlll, e .Ecc/eslae Carão/icae, de Gregário XIV
deira da cruz e servir ao único Senhor e ao Romano Finalmente Júlio 111confirmou todos os pontos pro,
38 José Cardos Sebe ' OsJesuítas 39

postos inicialmente pela Companhia de Jesus.


Apesar do entusiasmo dos primeiros adeptos da
recente Ordem de Santo Início, no princípio seus
planos eram indefinidos. Tinham em mente o tf#-
balho pela lgrçja sob a obediência resoluta do'pontí-
fice romano, mas em que direções? Com que orien-
tações? As respostas vieram rapidamente. Impedidos
de se locomoverem até Jerusalém, devido à Guerra de
Veneza contra os turcos, dirigiram-se para Romã,
onde colocaram-sesob as ordens papais. O espírito
que norteâVaos fundadores da ordem em princípio
orientava sua atuação em relação aos infiéis. Institu-
cionalizados, porém, mais tarde, melhor adaptados
aos desafios europeus do momento da Reforma Cató-
lica, dispostos às ordens papais, jâ na primeira Fór-
mzz/ado /nsfífufo definiram por voto especiala dis-
ponibilidade de trabalhar entre os infiéis, hereges,
cismáticos ou mesmo entre os fiéis. Contudo, as dire-
trizes da reconquista cristã na Europa calcavam-se
mormente no combate às heresias.
Aos poucos, mais conscientesda realidade, mais
fortalecidos numericamente, aceitou pelo grupo ou se
impondo às sociedadespelas próprias condições, os
focos de ação da Companhia de Jesus, em termos de
Europa, desviaram-separa as fortes lutas,anta-hera.
tidas. Início de Loiola foi figura de vanguarda;trans-
formou a recenteordem por ele fundada, em breve
espaço de tempo, em vigorosa instituição moderna.
Baluartes das posições católicas nos Países Bai-
xos, foram, como em toda parte da Europa, os agen- Assim, os jesuítas tiveram domínio sobre a orientação
tes mais ativos de Romã; fizeram desta área um quese formava nclsescolas mantidas à sua sombra.
40 Josê Cartas Sebe Os Jes uítas 41

imenso campo de batalha para a guerra espiritual. Os cargos de professor de medicina e direito, os postos
Enviaram missionários para a Inglaterra e para as de chanceler e reitor eram preenchidos por nomes
Províncias IJnidas. Assim surgiram os colégios: comprometidoscom os propósitosda Companhia.
Tournai(1562), Saint-Omer (1566), Donai(1568) e Assim, osjesuítas tiveram domínio sobre a orientação
Amberes (1573). A Companhia+Z grandes progres- que se formava nas escolas mantidas à sua sombra.
sos neste período, progressos religiosos e económicos. Elaboravam os programas, concediam títulos, forma-
Tendo a proteçãode muitosgovernantes,e com só- vam educadores, exerciam a censura sobre toda vida
lida estrutura interna, aproveitaram as consideráveis intelectual dos estudos.
baixas de preços dos imóveis das cidades despovoa- No campo da teologia,especificamente,
os je-
das e em ruínas pelas guerras de religião e compra- suítas se destacaram no renascimento dos altos es-
ram residências suntuosas e grandes áreas. Possuíam tudos espirituais. O Colégio Romano, fundado por
os jesuítas, em 1584, nove casas nos Países Baixos; Santo Início em 1556,foi transformado na suntuosa
em 1592, abriram mais cinco colégios nas cidades em Universidade Gregoriana. Em todos os países amea-
que os calvinistas se mostravam mais atuantes. çados pela ofensiva protestante foram criadas novas
Entre 1593e 1625,fundaramainda na mesma universidades: Dillingem (1554), Donai(1559), Ol-
região mais 27 estabelecimentos,quase todos com mutz(1573), Wurzburgo(1575), Pont-à-Monsson
colégios.O número de adeptostambém era notável: (1582), Gratz (1586), Innsbruck (1606), Paderbon
nos Países Baixos ainda houve um crescimento real- (1615), Salzburgo (1625), Munster (1629), Osna-
mentesignificativo: em 1595possuíam 420 padres e bruck(1629), Nagyzombat(1635), Bamberga(1648),
em 1626, 1574, sendo que ho resto da Europa no Praga (1652) e Breslau (1702).
mesmo ano registravam-se os seguintes números: # A Companhiaera a própria expressãode Tren-
2516 na França, 2283 na Alemanha e 2962 na Es- to. A Igreja reformada encontrou na Companhia de
panha. Jesus uma forma nova para sua sobrevivência. Tanto
Por toda a Europa os filhos de Santo Início se em relação aos protestantes como em relação à crise
infiltraram. Os lugares mais significativos, as posi- da Igreja, conseguiram os jesuítas dar respostas às
ções institucionais de maior importância estavam expectativas gerais.
cercadas pelos homens da Companhia de Jesus. Já l# A sociedade europeia ia lentamente se reorgani-
em 1562ocuparam o Colégio São Clemente de Praga, zando em centros urbanos. Era a progressiva evolu-
onde instalaram uma academia; em 1622 o diretor ção que vinha desde a Idade Média. O desenvolvi-
desta academia se apoderou da universidade. Os je- mento da economia determinava a anulação dos se-
suítas dominaram as cátedras de teologia e filosofia. nhores feudais. O novo tipo de vida exigia nova espi-
42 José Cartas Sebe Os Jesuítas 43

ritualidade. A vida religiosatinha que se adaptar a o ensino foram os campos de ação preferidos pelos
estas realidades: por exemplo, fundando colégios. A jesuítas. A revolução científica, que se engendrou
difusão da cultura e a generalizaçãodo ensino eram pelo século XVI afora, era muitas vezes nutrida nos
decorrências do fenómeno urbano. Os jesuítas se colégios, academias e universidades da Companhia.
viramcoma responsabilidade--de
moldar-se
à situa- Através do ensinamentocorreto do ''melhor latim
ção como educadorese estruturadoresde um novo possível'', os inacianos estavam atentos às recentes
saber. descobertas no campo da geografia, matemática,
>ir'Evidentemente.,esta plasticidade obrigada pelas ética, etc., tudo junto com ''boas maneiras e arte
novas condições impunha aos reformados uma ativi- dramática''. Por estas razões, os educandârios jesuí-
dade nem sempre apenas religiosa. Os jesuítas acei- ticos eram recomendados e acentos como essenciais à
taram as exigênciasque o meio determinava. Como boa educação dos filhos da elite. Muitos, como Jean
OS.burgueswuidavam de suas empresas, os lõíolg: Labadie, por exemplo, apesar de não permanecer
nos.tambémlornaram-se..administradorese--assu: católico, acabaram por absorver o método, a disci-
miram atividades burocráticas;:.A época exigia que os plina, enfim, a política jesuítica. Assim infiltrados,
padres respondessem ensinando disciplinas profanas os loiolanos estavam à testa das direções culturais,
ou organizando meios para atrair. O que antes era aliados aos chefes de governo ou pelo menos relacio-
função de leigos, os padres começavam a dominar. nados fortemente com eles.
Não bastavammais apenasconquistasno plano )t'ü.Pela necessidade de restauração da Igreja, a
apostólico medieval. Para se conseguir influir religio- ordem elaborou um detalhado plano de ação. Indivi-
samente, para atrair os fiéis, era necessária uma dualmente os Exercícios .ll=spírffuaüseriam o pri-
nova espiritualidade que mantivesse acesa a fé. meiro passo, socialmente, através de centros fixos de
J'As escolas foram soluções. As casas de ensino atuação comunitária, como por exemplo as congre-
jesuíticasmultiplicavam-se,
por uma razão muito gações marianas, agiriam como difusores da nova
simples: todos a queriam. Havia por parte das ''boas ideologia. Os leigos teriam grande importância como
famílias'' um grande interesse em dar escolas eficien- propagadores dos ideais da Companhia no seio fami-
tes para seus filhos. Os mais expressivospensadores liar. A espiritualidade renovada era transmitida atra-
da época passaram pelas escolas jesuíticas, Voltaire, vés de sermões em púlpitos e confessionários. Numa
por exemplo. sociedade onde a base comum dos conhecimentos se
Em todos os campos do ensino, com métodos apoiava na transmissão oral, era vital que houvesse
realmente atualizados a Companhia de Jesus atendia um ordenamento dos discursos e, sobretudo, uma
às novas solicitações da intelectualidade. A filosofia e valorização dos exemplos de vida.
44 45
rosé Car/õs Sebe l OSJeszzítas

Os .Ekercüios .Espirífuaís de Santo Início ti- na expansão ultramarina lusitana para fazer valer os
nham aspectos universais, facilmente adaptados a próprios compromissos. Esta afirmação reduz a sim-
outros métodos e orientações. Esta novidade fez com plificativa utilização dos jesuítas como meros ''apa-
que conseguisseincrível sucesso. Comparada com relhos do Estado''
outras práticas postas em uso na época, como os
escapulârios, o rosário, e outras manifestações de
piedade, os .Exercíciosde Santo Início suplantaram
as expectativas.
Detentores do ensino e criadores de um método
apostólicoflexível, os jesuítas funcionaram como a
ala da nova Igreja de Romã. Através da espirituali-
dade renovada, adaptada à época, os inacianos de-
ram grande impulso ao cristianismo reformado. Sei-
va inovacorria na Igreja Católica, os jesuítas estru-
turavam seus ensinamentos,conquistavam almas,
elaboravam meios de conversão: ''tudo para maior
glória de Deus'', segundo o próprio lema da Compa-
nhia
à A éticajesuítica era contagiante não apenas pela
eficácia do método. O dimensionamento universal
inerente ao método garantia aos jesuítas uma. acomo-
dação útil aos diferentes Estados onde se instalavam .
Esta plasticidade foi essencial para o sucesso da or-
dem, pois conseguiu garantir um novo equilíbrio en-
tre os Estados que se definiam e Romã. Pode-se dizer
que na transição do feudalismo para o capitalismo,
em termos religiosos, a Companhia foi uma institui-
ção facilitadora.
ylPortugal, afinado com os propósitos da moder-
nidade, foi um dos Estados que se utilizou da ação
jesuítica. Na mesma medida os loiolanosse apoiaram
\ Os Jesuítas 47

reformado.
A par de um grupo de cristãos, que por suas
atitudes comprometiam o sentido religioso católico,
outros grupos existiam que expressaram o ideal reli-
giosoreafirmado. Comparada com as demais regiões
europeias, a Península Ibérica mostrou-secomo ba-
luarte e defensora do catolicismo tridentino. A reli-
gião transformou-se em seiva que motivou a ação
apostólicae serviu de justificativa para os impulsos
O IMPÉRIO DA FÊ E OS LOIOLANOS colonizadores.
A fé intensa, a persistência da crença inabalável
nos dogmas, a devoção ao Santíssimo Sacramento, a
Nossa Senhora e aos santos, o respeito à Paixão do
i:X'COs conhecimentos técnicos, a atividade comer- Senhor e aos mistérios da Ressurreição, eram fortes
cial, as conquistas do além-mar, a dominação econó- pontos de apoio para a defesa da religião.
mica de outras áreas, as motivaçõesdos descobri- Pub[icado no (corpo Z)Ü)/amar/co Português, o
mentos ultramarinos e posteriormente da coloniza- discurso de Jerânimo Azambuja, em Trento, sinteti-
ção eram frutos da nova mentalidade portuguesa. A zava a situação. ''A fé esta firmíssima no Reino.
característica,contudo, desta maneira de pensar mo: Raros são os pontos do orbe em que os embusteiros
dela era a religião cristã. O catolicismo de PortuÉal não vomitem veneno sobre os dogmas; em Portugal,
foi o cimento ideológico da união do Estado. porém, graças à divina providência e aos cuidados do
A vida cristã portuguesa do século XVI também nosso cristianíssimo Rei, não há sequer uma falha da
foi afetada pela crise religiosa que atingia todo o heresia luterana que enche o mundo''. Testemunhos
ocidente europeu. Problemas como o baixo nível mo- como este mostram que o ambiente religioso portu-
ral do alto clero, a ignorância doutrinária, as supers- guês, mesmo afetado pelas polêmicas protestantes e
tições, presentes na crença religiosa, o tipo de cultura pelas ''contaminações'' de outras espiritualidades,
popular, as constantesinfiltrações do judaísmo na mantinha o compromisso da fidelidade. Plasmados
religião cristã, eram o suficiente para exigir reformas no inconsciente da população, nos diferentes grupos,
religiosas. Portugal possuía uma apreciável estrutura persistia um voto de lealdade. Lealdade ao credo
católico e ao Rei.
cultural religiosa, mas faltavam bons exemplos e
revitalizações do conteúdo do doutrinário católico já D. João 111foi um rei cercado de preocupações
48 José Certos Sebe Os Jesuítas 49

espirituais. A definição de Portugal no plano do Con- talização de antigas praticas, apoio às novas ordens,
cílio de Trento, era-lhe ponto de honra. O rei expres- uma consistentepropagandada vocação messiânica
savaa vontadedo reino. Sua religiãoera a do povo. portuguesa, o zela pela ortodoxia e crescimento da
Esteve D. João 111rodeado por pessoas marcante- atividadepastoral dos bispos. A estas atitudes de
mente religiosas: sua mulher, Dona Catarina, neta refortalecimento espiritual interno junta-se a valiosa
dos Reis Católicos, irmã de Carlos V e cunhada do contribuição de figuras expressivas dos movimentos
Cardeal D. Henrique, D? Catarina e, D. Henrique, espirituais reformados da Espanha: o franciscano
por exemplo, são dois nomes que estão diretamente Pedra de Alcântara, mais tarde santo, Jogo da Cruz,
ligados ao momento em que Portugal colaborava carmelita, também santo posteriormente, o agosti-
para a reelaboração católica. Aliada no mesmo ideal, niano Luiz de Montoya, os dominicanos Hurtado e
a corte de Paulo 111 se apresentava como defen- Padilha e os jesuítas Nadal e Francisco Boda foram
sora do cristianismo. Os preceitos católicos serviram alguns homens que, das suas aceitações e apostola-
de leito para a política imperialista portuguesa. dos, reativaramo espíritoheróicocristão,e mais,
O reino lusitano tornava-se, portanto, o cenário deram nova orientação à espiritualidade.
idealpara a açãoreligiosada modernidadecatólica. Para uma sociedadeem expansãoe que teria
D. João 111, o ''Rei Pio'', tratou de atrair para suas que suprir as próprias fraquezas demográficas era
terras pregadores e homens cultos para que se ocu- necessária uma política sólida, suportada por uma
passem da reorganização geral do reino. Os novos maciça propaganda. A justificativa do heroísmo de
institutos também foram chamados para Portugal. muitos era um dos sustentáculos da nova política
A Ordem de Santa Tereza teve grande aceitação religiosa. Ê neste quadro que se inscreve o martírio
entre o povo português; não menor foi a adesão dos de 260 padres portuguesesda Companhia, que de-
lusitanos à jovem Companhia de Jesus instalada sob pois foram canonizados(4) e beatificados(38). Era
o amparo régio. O ideal religioso moderno confun- contagiante a exemplificação repetida à guisa de mo-
dia-se com o ideal do Estado. O Império Cristão delos. Ê este ambiente que justifica a popularidade
Português pretendia ser sinónimo do Império Uni- dos autos-de-féinquisitoriais, dos pagamentos públi-
versal Cristão, e isto implicou identificaçõesno co- cos de promessas, dos autoflagelos em praças e ruas.
meço da modernidade. Tais afinidades, contudo, se Impossívelfalar da reorganizaçãoda espiritua-
desfariam no futuro quando a Companhia significou , lidade portuguesa sem citar a ação dos freis Luiz de
no século XVlll, um perigo à política real. Granada e Bartolomeu dos Mártires.
A vida político-religiosa portuguesa do século As reformas incentivadas pelo monarca João lll;
XVI foi marcada pela reorganizaçãoreligiosa: revi- e continuadas mais tarde pela Rainha, sua sucessora,
50 José Cáries Sebe
Os Jesuítas 51

e pelo cardeal D. Henrique tiveram efeitos consi-


do poderio das instituições dirigentes. Sob a proteção
deráveis. As camadas dirigentes, principalmente o
clero, trataram de transmitir ao povo os novos rumos do rei as ordens religiosaspoderiam ser fortes. Ao
do catolicismo. Uma intensa atividade religiosa im- povo restava viver o ''vale de lagrimas'' e assim difun-
pôs a revisão do conteúdo doutrinário, a constância diam-se as passagens evangélicas que repetiam a
importância do sofrimento e da miséria humana
aos Sacramentose às praticas devotas. Ainda que como elementos de purificação da alma.
não se atingissea perfeição religiosa, a obra evan-
gelizadora das massas empreendida pelos freio Luiz de A Igreja, que se anunciavacomo una, santa,
Granada e Bartolomeu dos Mártires surtiu um efeito católica e apostólica, deixava a todos os fiéis uma
espantoso. nova responsabilidade: a divulgação de seus precei-
tos. Os programas da Igreja possuíam, portanto, um
As atitudes reformistas da vida espiritual portu-
guesa obrigaram a uma adequação com a cultura caráter próprio, quase supranacional.Todos deve-
riam se empenhar na reorganização do cristianismo.
europeia em diversos aspectos. Neste sentido, algu- A missão tridentina era universal, os chefes políticos
mas práticas da nova fase da Igreja foram motivadas
deveriam conduzi-la e os demais grupos também.
por Portugal e apoiadas por Romã. Desde que se
A sombra do ambiente de Trento atingira a
pense num absolutismorégio, é válido supor que a todos. Os católicos se conscientizaram do novo ideal
autoridade real exigiu e legitimou muitas reformas
que se instalaram de pronto. religioso e deveriam leva-lo à frente em suas con-
O padre jesuíta Francisco Soaremprocurou tra- quistas. A expansão económica fez-se aliada à reli-
çar, com base no Direito Natural, os novos funda- giosa e, pois, não escapou deste desafio. Se a época
mercantilista marcou uma universalização econó-
mentos para as instituições políticas e económicas
que se organizavam. A Igreja temia que as novas mica, aproximando mundos e homens, serviria o
formas de vida escapassem à iua influência. Denun- capitalismo comercial para difundir a cultura cristã
ciava-se a idéia económica comum aos calvinistas e que o abrigara.
O português do século XVI foi marcado pelo
aosjudeus de que a riqueza era um sinal da bênção
divina. A Igreja não procurava contrariar o mundo processo histórico que o definira. Sem distinguir bem
os limites do atavismoe do sonho, possuía uma ideia
económicoe seu caráter empresarial, que se estru- heróicada vida. Os fatos da modernidadeacentua-
turava no início da modernidade. Pretendia, isto sim , ram-lhe o ideal missionário. Idéias e ideais da univer-
que o novo espírito e a nova mentalidade social não
salidade católica se aliavam aos planos imperialistas.
escapassema seu domínio. Como o Estado portu- O papado e o reino português estavam unidos. Uni-
guês, o rei advogava o princípio da pobreza popular e
dos pela cultura, pela fé e por interesses económicos.
rosé Cardos Sebe
T Os Jesuítas 53
52

Em certa medida os loiolanos foram os grandes artí- A Ordem de Santo Início serviu a Portugal; o
fices deste projeto. A atuação no Brasil indica isto. Estado, em contrapartida, religioso que era, auxi-
O Brasil, mais do que empresa burguesa, foi liava a redefinição do catolicismo. Ambos se amol-
empresa de uma burguesia que não deixava de ser daram, elaborando uma nova ética económicae reli-
religiosa. Os portugueses e loiolanos foram elabo- giosa, inegavelmenteinfluenciada pelosjesuítas.
radores significativos. Para Portugal, a Companhia foi vital. O espírito
D. Diogo de Gouveia, reitor do Colégio Santa da instituição loiolana ajustou-se perfeitamente ao
Bárbara, foi o autor dos primeiros contatosentre a ambiente do início da modernidade portuguesa. Ins-
Santa Sé e o Reino, alertando o rei da necessidade da tituiçõesorgânicas, Estado e Companhia, elabora-
colonização efetiva do Brasil, procurando mostrar ram um Idearíum que alimentaria a nova política.
que ''se estes homens (jesuítas) pudessem ir às Índias Sob o aspecto cultural, os jesuítas deixaram uma
seria um bem inestimável''.Antes, porém, estabele- marca sensívelna vida portuguesa, renovando-a atra-
cidos os entendimentos entre o Rei e Romã, Paulo lll vés de D. Jogo 111,que incrementou sobremaneira a
consentiu que Francisco Xavier, Simão Rodrigues de atividade universitária. As Faculdades de Teologia,
Azevedo e Paulo Camerte fossem para Portugal; era de Cânones, de Artes, de Medicina ganharam profes-
o mês de junho. Em outubro chegaram mais três: sores jesuítas, impregnados do novo espírito europeu .
Francisco Mansilhas, Gonçalo de Medeiros e Manual A pedagogia loiolana afetou o ensino, transforman-
de Santa Clara. Início de Loiola, contudo, determi' do-o. Os colégiosde Coimbrã, de Evoca, de Lisboa
nou que Francisco Xavier fosse às Índias. Camerte e adquiriram grande prestígio. O Colégio das Artes foi
Mansilhas partiram para o Oriente com ele. Outro entregueaos padres da Companhia de Jesus após a
capítulo da Assistência de Portugal foi a colonização crise de 1555, quando os professores manifestaram
jesuítica do Brasil. Através de Portugal, o mundo tendências luteranas e foram depostos. Em 1559,
empresarial burguês alicerçava a religião em outras estavadebaixo das ordens dos inacianos a Univer-
terras. sidade de Êvora. Os colégios se multiplicavam de
R- A Companhiade Jesus, espelhandoos propó- norte a sul: em Braga, tendo como reitor Início de
sitos universalistas ligados à orientação romana, en- Azevedo; em Bragança, Leonel de Lama; em Porto,
controu no Reino um grande apoio. Portugal defi- Francisco de Boda; em Santarém, Luiz Lobo; em
nira-se como monarquia em moldes modernos, pos- Setubal, Diogo Areda; em Pontalegre, Antonio Vas-
suindo características centralizadoras comuns à Eu- concelos;em Ervas, Miguel Tinoco; nas Ilhas Fun-
ropa. A precocidade portuguesa se explica também chal, Manual Sequera; em Angra-dos-Reis, Luiz de
pela política religiosa alicerçada na Reconquista. Vasconcelos; em São Miguel, Fernando Guerreiro;
54 rosé Cartas Sebe
T' Os Jesuítas 55

no Faial, Lourenço Rebelo. Desta forma, a influên- A Companhia no Brasil:


cia da Companhia na sensibilidadee na cultura por-
tuguesa era incalculável. ''Esta terra é nossa empresa''
O método pedagógico da Companhia, definido
na Rafzo Slzzdlorzzm,visava, mais do que os conhe- Dilatadas as fronteiras do mundo pelos desco-
cimentos em extensão, uma sistematização. Era a brimentos, no desafio colonial, distinguia-se algo de
escolástica restaurada que encontrava novas forças e muito importante: a conquista espiritual. As lutas
terreno propício. Escolástica restaurada para dar religiosas continuavam além-mar. A evanWeljZ4çtãg
fundamentos filosóficos para os cristãos submetidos era novo imperativo, pois visava ampliar o número de
às novas condições económicas. católicos.$$ste..sentidoÚo.ni44ç4g...!Bç11çê!!!i!,
A força que Portugal deu à jovem Ordem de empreepdjme11tg..Ê111g1li41..burguês..!4çjjitaria a ex-
Santo Início explica o fato de ser o Mosteiro de pàiisão dos.OÇ)vjlDe!!tg$..!!!j$sbnârios-parauegüões.
Santo Antão a primeira casa que teve a Companhia pagãs. A colgnlzaçãQ..lejigiosaiez-se-atrelada-à co,
de Jesus em todo mundo. Era Portugal que se ante- merçial
cipava à nova política universalistado papado na O missionarismo significava uma nova fase do
mesma medida que se fizera Estado antes que outro idealreligiosoda época.A propagação
da fé foi
qualquer. motivode movimentaçãode incontávelnúmero de
Sob o governo de D. João 111definiram-se o Im- religiosos que deixaram a Europa para em outras
pério portuguêse o Império da Fé. Fé e Império, regiões ensinar a palavra de Deus, segundo a versão
aspectos complementares de uma ética de dominação cristã. O preceito evangélico ''ide e ensinai o Evan-
comum: Portugal se fez forte pela religião,.e, em gejhg.a todos'' passou a ser um desafio.
contrapartida, o catolicismo recrudesceu em Portu- X' Não apenas os católicos, mas também os protes-
al tantes espalharam-se pelo mundo. Direções? Pouco
zlklPq A Companhia de Jesus no Brasil, portanto, importava: bastaria que houvessemespaçosa serem
mantendo suas características universalistas, ajudava integrados e almas a serem conquistadas ou mesmo
a imposição da metrópole. O ensino de costumes reconquistadas. Os holandeses foram os protagonis-
portugueses, da língua, do respeito à autoridade real, tas principais do missionarismo protestante. A Com-
era mantido pelos padres jesuítas que cumpriram panhia Neerlandesa das índias (1620) foi importante
aqui a missão colonizadora portuguesa, através do elemento de auxílio para a propagação da espiritua-
ensino e catequese indígena. lidade não católica.
Alguns teólogos alemães, especialmente os de
56 José ébrios Sebe Os Jesuítas 57

Wittenberg, alicerçados em argumentos duvidosos


de exegese bíblica e dogmática, opuseram-se à ex-
pansão protestante. Estas posições, contudo, não
eram aceitas por todos os alemães. Spener, por exem-
plo, ativista defensor de sua religiosidade, deixou
valiosa colaboração para o desenvolvimentodo ideal
missionário.
Ao lado da Espanha, Portugal mantinhasua
posiçãode defensor da fé e da Igreja de Romã. O
propósito cristianizador se baseava no princípio uni-
versalista da Igreja e era liderado pela elite.
O povo participava do mesmo processo apesar
de não assumir a questão com a mesma intensidade.
Falar em missionarismo nos tempos modernos é falar
na Companhia de Jesus e Portugal. As primeiras
notícias que chegavam a Portugal sobre a nova or-
dem jesuítica foram levadas pelo Dr. Diogo de Gou-
veia, quesugeriua D. João 111que a atraíssepara a
evangelização das Índias. A fixação do padre Simão
Rodrigues em Portugal teve marcantes consequên-
cias em relação às posteriores atitudes dos jesuítas no
ultramar. Desde então quase todas as naus que par-
tiram rumo às colónias conduziram missionários
loiolanos.
Em termos de reforma católica, era significativo
o estabelecimento
da Companhiade Jesus em Por-
tugal: no Velho Mundo a reconquista espiritual, no
ultramar a expansão da fé. ''Tudo para maior Glória
de Deus.'' A instituição crescia. A província jesuítica
de Portugal progrediu rapidamente. A Ordem de
Santo Início abria as portas do noviciado de Êvora e Esta terra é nossa empresa
58 :rosé'Cartas Sebe T Os Jesuítas 59

de Lisboa para todos. Pessoas provenientes de qual- mente os padres da Colónia agiam de maneira pra-
quer camada social eram aceitas nas fileiras inacia- tica, mais tolerante.
nas (rA.distância- imensa-as..dificuldadesincontáveis
Plâstica, adaptada ao meio português, a jovem !g..ÇQIDg!!içêçãg,ê..diversidade..tl emendaentre a vida
instituição somava seus propósitos às metas metropo- europél4.e..a brasileira+obrigavanuanlmpanhia..a;:
litanas. Se colonizar significava cristianizar, os loio- novos procedimentos.
lanos tornavam-se colonos, porque missionários. -tedaque atender-a
&'Não foi fácil o estabelecimento da ordem no M®ontos fundamentais: aos propósitos da ordem-e
Brasil. O meio colonial dissipava de pronto a ''visão à,CQnversãe..dg..j!!dígçWa.:E verdade que esta seria
do paraíso'' e evocavainstantaneamentea ideia do decorrente daquela, 'mas dadas as condições do meio
''inferno Verde' \ e a sucessãode experiências,começavaa existir um
A convincente afirmativa de Nóbrega, ''Esta l aparente desligamento na orientação entre a cúpula
terra é nossaempresa'', dita com certa euforia, era / da Companhiana Europa e os padresdo Brasil.
ambígua e não teveo dom de manter o entusiasmo de l Permanecia o vínculo, mas as formas de encarar os
seus irmãos de sotaina. Diante das dificuldades o l problemas se diferenciavam. As distâncias se eviden-
padre Leonardo do Valle escrevia desiludido, mos- ciariam ainda mais quando o sucessoeconómico da
trando que frutos da missão eram retardados ''pelos l Ordem no Brasil se contrapunha ao fracasso da euro-
pecados dos colonos'' e deixando entrever a impossi- l peia, que passava a depender daqui.
bilidade do triunfo da missão segundo os modelos \-.. Os métodos de cristianização tiveram de ser
planejados. A carta de Nóbrega para o padre Simão criados ou recriados. Missionar era uma empresa
Rodrigues, datada de julho de 1552, da Bahia, talvez complexa, pois seria impossível isolar o índio do con-
seja a mais angustiada de todas quando diz que, se tato com o branco. Portanto. o colono também teria
não houvesse socorro de padres para a Colónia, ''vir quç ser envolvido no processo de õãtêqüese--e-na-
ao Brasil era perder tempo' scolas e seminários fo-
»,-Aliadas às dificuldadesdo meio físico, as atitu- ram .desdobramentosda interferênciado jesuíta na
des dos índios desconcertavam os padres da Compa- sociedadecolonial. Colégiospara os leigos, filhos de
nhia, que não se cansavam de escrever reclamando portuguesese mestiços. Conventos para renovar o
das dificuldades do apostolado, da pouca gente, do clero e, mais que isto, dar ao meio brasileiro condi-
abandono. ções de suprir suas próprias deficiências de padres.
:«i Para se conseguir alguma coisa era necessária a Enquanto na Europa a Companhia se debatia
adoção de atitudes flexíveis, maleáveis. Gradativa- em lutas antiprotestantes, em conquista de cátedras
rosé Cardos Sebe Oslesuíras 61

nas universidades, no Brasil seriam outras suas me- ficações dos planos iniciais. Uma das bases da ação
tas: promover aldeamentos, ensinar ao indígena os missionária era a-adaptação-às exigêpci4s:4gçêjs:Os
mandamentos da lei de Deus, adestrá-lo a novo tipo catecismos e demais livros escritos na Europa pouco
de vida social. valiam aos missionários do Novo Mundo. Eles pró-
Sérios desafios se apresentavam aos jesuítas. A prios elaborariam outros textos, como fizeram, por
colonização.erê:.averllura .quQ. coiÜava com pouco exemplo,Anchietapara o Brasíl e Frei Dionísiode
apõiõ prático, pois çlg.nada valiam as sofisticadas Sanctis para a América Espanhola. Isto mostra a
tâticas.teóricas. ou conceitualísticas européias no inci- orientação nova dada pelos religiosos na América.
piente meio coloniaj31a$jlçilg. Seria preciso impro- Desde logo, a presença do Brasil no campo de
visar técnicaspara c4pl4É:o:çglQpo,o.índia.E.Qmes- atuação da Ordem de Santo Início exigira sua auto-
tiço. Seria precisosuperaros dispositivosque exis- nomia local..b.s.soluções pardos problemas do Brasil
tiam apenas nos textos escritos. deveriam ser tomadas aqui, com.exceção..dos casos
l A tarefa missionária propunha sérias ques- teo16giêõiihaistravei'O conteúdo religioso da Com-
tões: seria válido, ante a inadequação cultural da panhia tornava-se brasileiro na medida da conquista
/ Colónia, ''reduzir'' o catolicismo a formas simples, da ordem sobre a terra e sobre o índio. A crise sur-
capazes de serem assimiladas pelo selvagem, pelo gida entre a autoridade do primeiro bispo, Dom
mestiço e pelo colono colocados em novas situações? Pera Fernandes Sardinha, e os padres da Companhia
Seria isso possível sem deformar a espiritualidade impunha a autonomia da instituição. O Superior dos
agente? jesuítas deveria, para melhores possibilidadesde
A dúvidalevoua questãoà Europa e lá foi atuação, ter a categoria de. prelado regular, para
discutida a validade da evangelização do Novo Mun- gozar dos privilégioscanónicos que Ihe competiam
clo. Enquanto a divergência de opiniões fermentava o como tal.
problema na Europa, na América a pratica missio-
nária vinha se constituindo quase que alheia a estas l Rodolfo Garcia, em sua Hisfórfa Gera/, publi-
cou a patente de Provincial passada por Santo Início
polémicas. Na realidade, a própria Colónia propu- ao padre Nóbrega. A autonomia pretendida pelos
nha as formas melhorespara a catequese,o que religiosos do Brasi] veio na medida da necessidade. A
equivaledizer que as soluções nativas integraram o nomeaçãodada a 9 de junho de IS53 viera em
método apostólico de evangelização do Novo Mundo. ''termos amplíssimos''. O Brasil foi a sexta província r
Se a colonização era algo novo, a evangelização criada pela Colhpanhia de Jesus e por dezesseteanos \
colonial em moldes p6s-tridentinos também o era. o único lugar da América onde os loiolanosesti-
Isto justificava de certa forma as constantes modi- veram.
62 rosé Cartas Sebe T O.Je«ü« 63

A estrutura administrativa da Companhia de tantos católicos e do incentivo de muitos colonos.


Jesus na Colónia, como mostrou o padre Serafim Estes aspectos somados explicam atitudes triunfalis-
Leite, estava ligada à distrlbuiçãQ.das suas casas. Os tas, como a de Nóbrega ao definir: ''Esta terra é
religiosos dividiam-se segundo a necessi(!ade de tôda nossa empresa' '
região. Nas aldeias, havia um superior, subordinado A atitude ostensiva adotada por Nóbrega na rea-
ao reitor ou ''Padre Superintendente'', que vivia lidade refletia um clima psicológico que, elaborado
habitualmenteno colégio. Mas nisto houve alguma inconscientemente, projetava na pratica comporta-
flutuação, durante o século XVI. Nas residências das mentos por vezes conflitantes, difíceis, mas que em
Capitanias o Superior era, como o reitor dos colé- última palavra espelhavam o sentido das lutas reli-
gios, subordinado ao Provincial. Cada colégio tinha o giosas e a tomada de posição ante um campo virgem
seu âmbito de ação bem determinado, formando e promissor para as conquistas espirituais. Era o
cada qual uma zona geográfica, económica e missio- comportamento heróico do apostolado que de início
nária. A capitania do Espírito Santo e as demais do se mostrava. A vivência da frase de Nóbrega, con-
Sul pertenciam à órbita do Rio de Janeiro; as capi- tudo, serviu como metáfora do esforço dos padres
tanias do centro, à Bahia; a Pemambuco, as capi- para se adequarem à colonização dentro das regras
tanias do Norte. A primeira repartição fora feita em da conquista burguesa.
Romã. Tal determinação, acontecida sem conheci- Em 1553o padre Antonio de Quadros escrevia
mento prévio do meio brasileiro, logo se modificou ao padre Polanco confirmando as palavras de Nó-
com a criação de novos colégios e com a necessidade brega, depois de uma visita que Ihe fizera, afirmando
de auxílio entre os diversos pontos . que sem os jesuítas Portugal não teria nada no Brasil.
O Brasil desde cedo se mostrou campo bastante A conversãodo índio Francisco, por exemplo, e
fértil.aos-interessei.4ê:eoDip4n!!ia de J$sus;g 4 cons- o fato de ele se tornar um catequista, usado para a
ciência deste fenâmena p41Bçi&.evidenteaos mem- conversão dos demais indígenas, exaltando a todos
bros da Ordem de Santo Início. A euforia com que para que ''dçi4êssenl.seus costumes e aborrecessem
os primeiros padres jesuítas viram o Brasil é uma boa os vícios-de-.seusantepas$4dQs'',era mostra de que a
mostra da expectativa que era compatível com a empresa estava sendo tentada. Muitos outros casos
semelhantes existiram.
produção espontânea de mitos, visões, idéias que na
época se faziam do Brasi]. A definição do Brasil como empreendimento
Na Colónia, de certa forma, a Companhia sen- jesuítico implicou a luta pela conquista espiritual e
tia-se teoricamente apoiada. Era fruto da vontade do material da Colónia. Os padres, tendo à frente gran-
monarca, da expansão da religião, do idealismo de des obstáculos, sem perspectivas de vitórias, gradati-
64 rosé Cardos Sebe Oslesuífai 65

vamente deixavam as primeiras idealizações para colonizadoresdo tempo no que tange ao trato com
abraçar a realidade americana. Não faltaram aos je- os nativos; fugiam das discussões teológicas da épo-
suítas, para garantir o B11ê$j!.gamo
propriedade 9spb ca, tratando-os como seres humanos, procurando
çlíüal. em moldes peusn.Vontade.ç fazer a integração deles na sociedade, no mundo
trabaDhQ;.pã(Lexj$iram outras dições. Repetidas cristão.
vezes o fracasso desponta nas cartas'Na faina coti- Para manter-se no Brasil, a missão inaciana
diana por vezes o cansaço transparecia, como mos- tinha que vencer problemas em todas as direções. Se
tra, num momento de tristeza, o padre Antonio Blâs- era sua meta universal a ampliação dos domínios da
quez: ''o si Reverendíssima soubesse quão pesada Igreja reformadora, isto implicava a inclusão do
tem sido a cruz do Brazil, quão destinadas as perse- mundo dos selvagensnos padrões da comunidade
guições, quão desarrasoadas as queixas que algum européia. Tal propósito supunha submeter o meio
tempo de nós tiveram, parecendo a essa gente que colonial, quer do ponto de vista físico, quer social.
nós eramos a causa de toda a perdição. . Os colonos, contudo, muitas vezes, apresentavam
O sucessoda colonizaçãoexigia colaboração de problemas para a sociedade, não apenas no tocante
todos. Os.padres-manterianiaBrasil comalerritório às relaçõescom os nativos, mas também face à pró-
espirittlg!jesuítico à medidaque se tornassemcolo- pria ética familiar cristã. Entre tantos é significativo
nos, proprietários de terra, homens importantes no o caso do Capitão de Ilhéus que ''vivia com concu-
mundo..comercial, Ao lado das bases materiais que bina quetrouxera do reino''. Ilustrativotambémé o
tiveram, seria mister a Companhia rejeitar as outras caso de João Ramalho, qiie possuía muitas famílias.
ordens que porventura pudessem repa111g..çgm.ela Estes ''maus exemplos'' atrapalhavam a modelagem
seu podefê"mando;-Também a:.acomodação com o da sociedade pretendida. O desafio dos jesuítas no
cristão-novo foi um artifício cultivado pelos; jesuítas Brasil se mostrava contundente. Ã !!!çdida que .Q$.
no Brasil para se conseguir maior fortalecimento. aldeamentos fracaÉiãvfãiií'jieli'ínádequêç4g ê..!!da
Estes fatores explicam o domínio da Companhia de indígena, resJlêdê:Çenlar.gma operação colonizadora
Jesus nos primeiros tempos coloniais brasileiros. integrada nos demais tipos sociais. Por não terem sido
.K.{ As .aceitações dos jesuítas pelos índios. obede válidos os resultados conseguidõiUo Paraguai, Onde
'fiam a flutuações. Apresentavam-se os missionários os loiolanos organizaram a ''República dos Guara-
algumas vezes de forma positiva, sendo apontados nis'', eram necessáriosmuitospadres.
como causadores de milagres, outras vezes como mo- Para atrair mais operários para a messe, condi-
tivos de desgraça, de pobreza e de morte. De qual- ção para se manter o intento catequético, muitas
quer forma, foram mais práticos que os demais vezesos problefnas mostrados nas cartas eram exage-
rosé Cardos Sebe Os Jesuítas 67

rados, outras vezes contrastavam com atitudes edifi- terra como a própria empresa e as constantes recla-
cantes como prova da frutificação do apostolado. No mações que seguiram os primeiros contatos. Mesmo
entanto, cá e lâ os obstáculos se tornavam grandes assim, desfeito o sonho inicial, permaneceu a pre-
demais e eram também registrados. Apesar das con- tensão burguesa.
tradições serem constantes desde as cartas iniciais,
percebe-se na sequência da atividade epistolar a pre-
dominância cada vez maior de reclamações, dos
negativismos, da luta. A fadiga vencia a propaganda.
As respostas brasileiras
>f'" Se de início o padre Nóbrega declarava que exis-
tia perfeitapaz com os índios, que o ajudavam na A elaboração de um mundo colonial implicava a
construção de Salvador e que as condições alimen- tentativa de cópia de modelos. Existia um ideal reló-
tares oferecidas pela Colónia eram tão boas que ''são gios(}.DAdlãQ: o pjglé1lpoSuropeg.relglmado. Mai, o
poucos os que se enfermam e estes depressa se cu- transplante desta figura idealizada para a Colónia
ram'', progressivamente começavam as .lamúrias, os sofreria certamente a defasagem entre a aplicação
registrosem cartas, reclamando dos colonos que ti- do modelo espiritual e as possibilidades de assimi-
nham ódio ao gentio, das variaçõesclimáticase dos lação do colonizador, do índio e do mestiço.
demais religiosos. A carta do padre Ambrósio Pares A especificidade colonial exigia que as atitudes e
de 1554 é denunciadora deste estado de coisas: .''Gos- comportamentos dos jesuítas fossem diversos dos eu-
taria, meusirmãos, que vocêssoubessemem que ropeus. Lá, no Velho Mundo, o procedimento inte-
estado andam nossos irmãos..: imaginem uma vida lectualizado dos padres seguidores de Loiola obri-
desamparada de toda ajuda humana, e se os vissem gava a uma participaçãocoerentecom as condições
despidos, despojadose descalços, esfomeados... de- das reformas religiosas. Por exemplo: protestos con-
sagasalhadosna terra despovoada ou povoada pela tra medidasproibitivasimpostaspor Paulo IV em
pior gente deste mundo. . .'' 1559, que condenavam a leitura de todos os textos de
# De tim modo gerala terra do Brasil ia-se prole- Erasmo. Bataillon, em seu trabalho Erasmo e E=spa-
tando como lugar difícil ou como diria mais tarde rz#a, estuda as atitudes dos inacianos frente ao pro-
Antonil: ''Inferno dos Negros, Purgatório dos Bran- blema da cultura européia do período, mostrando a
cos e Paraíso dos Mulatos'', isto tudo era a empresa imensa luta travada para a definição do catolicismo
closjesuítas . reformado no plano das novas idéias.
Realmente verifica-se uma distância entre o tom Mesmo as condições.da$.demais-colónias for
triunfante pretendido por Nóbrega ao definir esta çê:(êB,.9s jesuítas a comportamentos mail próximo?
68 rosé Car/os .Sebe l
Os Jesuítas 69

do .!i2QAvM eurl2péi& Em relação a Tanger, os


recomendações papais em ''reorientar--a-cultura..n4:
contatos entre os cristãos e os nativos se intensifi-
uva.ent.direção ao çtistianismo e ao.modo.de..vida
cavam cada vez mais. As cidades desta região eram europeu, ao.invés.de destrua-la para:jmplaRtgl,.sobre
movimentadas, os portos ativos e um comércio ex- o vazio. novos ÇQst!!!Pç!.e crenças=
pressivo ativava os contatos humanos. Fato diverso Em termos de espiritualidade, os estudos sobre
do Brasil. Em Marrocos era possível um razoável as atividades dos padres da Companhia de Jesus no
comércio entre mouros, judeus e cristãos. Na Colónia Brasil colonial levam à conclusão de que foi criada
a situação era bem diferente, não se exercitava a aqui uma2QsiçãQétic4 inédita. UDa.nova pastoral se
hospitalidade, não existiam bases entre nativos para definiu.naAmérica portuguesa. Nova, porque forçou
um comércio efetivo, não existiam sequer valores coBcçssões, aberturas. minimização de ensinamen-
estabelecidospara que fosse armado um combate
cultural. tos, afrouxamentos morais, fatos quQusomado$uaca-
baran!...por determinar-a especificidade-..e$pjdtual
>r ...As..=Cartas dos Padres Jesuítas que Estiveram jesüiíüu-nQ$!aterra.
iio qapãd' mostravam a surpresa dos europeus ao
encontrar ruas, praças, templos com trabalhos escul- .U. X)ã. espiritualidade que se definiu no Brasil exigiu
\hue os padres perdessem as pretensões iniciais de
pidos em madeira. Particularmente as cartas do pa-
batismo em massa, de conversões mecânicas. Logo a
dre Luas Fróis deixam ver a suntuosidade dos apo-
princípio Nóbrega traçara as metas da ação jesuítica:
sentosdas palácios: ''para recreação são a mais ale- I''Eu prego ao governador e à sua gente na nova ci-
gre e lustrosa cousa que já vi em meus dias, nem me
dade que se começa, e o padre Navarro à gente da
lembra haver visto em Portugal nem em toda a índia
:terra. Espero em Nosso Senhor fazer-se fruto, posto
casa que em primor, limpeza e graça se Ihe possa- :que a gente da terra vive em pecado mortal, e não hâ
igualar''. Prosseguia extasiado, contando daÊ bele- nenhum que deixe de ter muitas negras (mulheres
zas, dos arranjosdos jardins, das maravilhasdas nativas) das quais estão cheios de filhos. Nenhum
residências, da variedade das árvores, ''todas i)or deles vem se confessar; ainda queira Nosso Senhor
artifícios criadas de maneira que ficam umas: à ma- que o façam depois. O irmão Vigente Rijo ensina a
neira de sinos, outras como torres, outras como abó- ,doutrina aos meninos, cada dia''
badas, e assim de várias maneiras'' A faina cotidiana pesava sobre os primeiros je-
« Em relação ao {iBiã:@, contudo, as condições
eram outras. O abandono, a ''pobreza material'', a
suítasdo Brasil. Os çpcargoleram muitos, o! frutos
poucos, o psjgpismo.dos.sacerdotes,.a sua visão.do
multiplicidadede tipos que influíram no processo mundo acabava, fatalmente, por ser deformada pelas
colonizador, tudo induzia o padre a agir segundo as dificuldâd 3riB :tZ .O padre Azpilcueta Navarro,
l Oslesuíías 71
70 rosé Curtos Sebe

qüentes da luta despontavam nas atitudes dos padres


em sua carta realmente dramática, depois de contar
de forma enfática os dramas da missão, dizia: ''Q$/
que, angustiosamente,
procuravamatingir os obje-
tivos catequéticos.
índlgs.-gentios-de--que ]he falei,.quQ$e.convertiam àl
K Fundado o colégioem Salvador, este transfor-
nossa santa fé,.vivem.constantemente.perseguidos mou-se em ponto importante para a reunião dos
pelos.o111ros''.Anteriormente, na mesma carta, lasti-
mava o jesuíta que ''por amor.de..unsL-e-.de
outros, católicosda Bahia. Nóbrega em carta a Simão Ro-
padecemos muitos trabalhos e tribulações corporais e drigues apontava os colégioscomo pontos fundamen-
de çg$íiiitlcr. Estas experiências devem ter deixado tais para o estabelecimento do missionarismo em
cicatrizes profundas nos loiolanos, que assistiam cada região. A partir dos colégios era possívelcir-
cunscrever o campo de ação: ''porque andam pelas
}

horrorizados a cenas como a descrita por Navarro


quando surpreendera, em visita a uma aldeia, Cenas aldeiascom pregaçõese cantigas de Nosso Senhor''
de antropofagia: ''Uma vez, por estes dias, foram à Estaria assim definida junto ou próximo aos colégios
guerra muitos da terra de que Ihe falo e muitos foram a açãojesuítica. A estabilidadeseria maior, a cons-
mortos pelos inimigos, donde, para se vingarem, ou- tância nó apostoladoe a tutela dos padres também.
)or Divididos entre o atendimento aos índios e aos
tra vez lá voltaram e, mortos muitos dos contrários,
demais colonos, estavam os padres ocupados em ven-
trouxeram grande abundância de carne humana, e
X
cer os males que obstavam o desenvolvimento espi-
indo eu visitar uma aldeia, vi que daquela carne
cozinhavam em um grande caldeirão e ao tempo que
ritual da Colónia. Faltas graves, ofensasjulgadas
pelos critérios europeus como ''mortais'' para a sal-
chegueiatiravam fora uma porção de braços, pés e vação das almas eram freqüentes no Brasil, ''pois
cabeça de gente, que era cousa medonha de ver-se,
não hâ pecado que nesta região não haja'', dizia
e seis ou sete mulheres, que com trabalho se teriam Nóbrega e reforçava ainda mais afirmando que a
de pé, dançavamao redor, espevitandoo fogo, que terra do Brasil ''é mui ocasionadapara o mal''
pareciam demónios no inferno''
)é' Finalmente, o padre Azpilcueta concluía desilu-
Contudo a luta continuava, procurando formas
l dido, mostrando que era por demais espinhoso o
Fina conduziro novofiel à Igreja. Os jesuítasdefi-
niram em termos coloniais os sacramentos. Começa-
trabalho missionário e que muitas lagrimas eram
necessáriaspara se tentar abrir os olhos dos novos ram pelo IZaljêglp.A princípio todos deveriam ser
fiéis que estavam perdidos na ''cegueira e pecado''. batiz4dç)s. A preocupação com o número excessivo
Pedia orações ''para que nos ajude o Senhor a traba- de çjieófitõa generalizou a prática dos sacramentos,
lhar sem descanço nesta nova vinha'' masXstã'atitude não chegou a atingir a consciência
religiosa dos selvagens. Em 1552, o padre Antânio
As .marcas do trabalho e as frustrações conse-
72 José Curtos Sebe Os Jesuítas 73

Pirex escrevia aos padres e irmãos de Coimbrã recon- dç.sucesso objetivava-o esvaziamento-completo .da
siderando o erro gerado pela preocupação numérica. cultura.selvagem.e .a .substituiçãcl. de. seu! valores
Para que houvesseuma transformaçãodos cos- alravésü.da.cdaçãcl.de.novasestruturas--do...vida.Não
tumes, a destribalização se fazia necessária, e, mais conseguiram.isto .os.]oiolanos,.pois.mesmo contri-
do que isto, o rompimento com as antigas tradições. buindo para a-desintegração grupaLdos selvagen9i--o
A impossibilidade disto definia os limites da ação que fizeran!.!gLçrj4r.nma-espiritualidade nova, coe-
ortodoxa dos sacerdotes da Ordem de Santo Início rente com o mínimo assimilado.pelos nativos e-crês,
em relação aos batizados. tãos
Preocuparam-se os loiolanos em se fazer claros ?« Os gentiosguardavam a lei natiiral: não pos-
para os índios: traduziram as orações e sermões para suíam coisas próprias, viviam em primitiva comuni-
a línguada terra. Diz o padreAntonioParesem dade, comendo o que tinham e sem inquietação eco-
carta, de Pernambuco, aos padres e irmãos de Coim- nómica. Era, pois, inevitávelque os jesuítas mos-
brã, datada de 2 de agosto de 1551, que as traduções trassem a eles um deus material, até com problemas
eram. boas, que isto provocava muitas vantagens. terrenos. Tupana, o termo utilizado pelos padres
:â+#:E interessante notar que pelos registros episto- para significar deus, saíra do próprio vocabulário
laresjesuíticos a procura do batismo pelos índios era tupi. A ''simplificação'' entre o deus católico, uno e
imensa, mas, apesar de tudo, o bom sensoensinara trono ao mesmo tempo, para o rupana expressa o
que apenas fosse ministrado o sacramento depois dos nível da transformação.
catecismose exorcismos, ''quando possam ter mais >.C" Se frente ao sentido do batismo houve muita
firmeza e que de todo coração querem Cristo e que dificuldade de aceitação, imagine-se em relação à
também tenham se emendado dos maus costumes'' hierarquia celestee mesmo clerical. Como um índio
)«X Era difícil ensinar a religião aos selvagens. Su- entenderum deus incor$6reo, abstrato, pai de todos
primir os costumes tão arraigados como a antropo- ao mesmo tempo? Como aceitar anjos e dogmas? E
fagia e a poligamia, as velhas manias de bebedeiras e como admitir a autoridade do papa que não conhe-
as evasivas de lugar paro lugar, implicava substitui- cia, que estavado outro lado do oceano,numa
ção de valores. Substituição esta que não teria condi- terra ignorada? A simples adesão ao ritual de alguma
ções de ser implantada imediatamente. Condições atitude religiosa não implicava assimilação espiri-
que implicariam a criação de novos elementos, para tual. A espiritualidadejesuítica é que teve que se
suprir o entendimentoe educação dos selvagensse- curvar à capacidade assimiladora dos índios.
gundo o modelo católico do Velho Mundo. Em todo caso -- os registros em cartas o provam
O trabalho dos jesuítas para que fosse coroado os sacramentoscontinuavama ser difundidos,
74 José Cartas Sebe 75
Os Jesuítas

pois esperava-seque com a graça os neocristãos"iê devianL5empre.set.bastante suntuosa$;-sr4-.um arte


fortalecessem. víciopara o convencimentoda população a aderir ao
Os inacianosjustificavamsuas atitudesexpli- sacramento,
cando que era preciso, no Brasil, elaborar uma men- ''"''Os casamentos com dizeres na língua nativa
talidade religiosa básica, como nos primeiros tempos eram feitos ao gosto geral do público. Assim é que a
o fizera Paulo com a primitiva Igreja. par do ''luxo da mitra de brocado na cabeça que vestia
As interpretações loiolanas dos fenómenos cate- o bispo, das vestimentas dalmâticas de veludo verde e
quéticos brasileiros sempre se aproximavam dos mo- sabastros de brocado muito rico, das capas novas de
mentos da implantação do cristianismo. O envolvi- damasco branca, etc.'', se afirmava que os casamen-
mento de todos no processo missionário era preciso, tos descritospelo padre Leonardo Vale eram feitos
principalmentepara atendero índio. Assim os eu- na língua geral.
ropeus eram culpados do abandono do Novo Mundo Casavam-se muitos de uma vez: ''foram os casa-
porquê ''o fogo se apagou (Espírito Santo) jâ em dos 80 menos hum, quero dizer casais". Tentava-se
muita parte por maus pecadose por não achar co- vulgarizar a pratica como medida saneadora. Neste
rações limpos e puros em que ardesse, porque esses caso, novamente o aspecto coletivo invocado pelos
que havia quis o grande pater-famílias recolhê-losà jesuítas fora usado. A.u9411i4âção..da-falníliaMm.
sua glória, porque jâ Iho mereciam os apóstolos". E leira era met491imordiaLlio-plano-catcquéticajesuí-
continuava esta carta mostrando que agora era che- tiiiã. À família era condição fundamentaLpara-g
gada a vez do Brasil ser inserido no Corpo Místico e arrajgament(ilã.os êóstümes e facilidade de transmis-
que isto leria possível se houvesseuma procura in- são de valores espirituais.
tensa dos sacramentos, orações e sacrifícios. >$(' Osjesuítas criaram, com a adesão à língu:Lypi,
tkQuanto ao sacramento do matrimónio, houve ''um instrumento apto e próprio para a conquista das
também uma grande preocupação. A..llêglí ia era almas'', cuja eficácia era relativa. As analogiasentre
uma. necessidade para a regularização da vida-cola:' ..A

os cultos não anulavam, nem poderiam, as diferen-


mal. Não poupavam, pois, os inacianos esforços para ças entre a religião local e a europeia. A .21g!!gdida
institucionalizar a família, tentando colocar freios na assim!:Üaçãoleligl9sê.dos grupos..indígenas
''anarquia sexual da Colónia''. Multiplicavam os en- mb dos demais...colonos.-- nãQ aconteceu;-a-expe-
laces de índios entre si, de portugueses com índias, riência colonizadora marcou sobremaneira as mentes
com escravas, enfim, toda miscigenaçãotendia a ser dos homens. Em contrapartida, a constância.do
abençoada pelos inacianos que exigiam dispensas de apostoladojesuítico e sua terça moral também se fi-
impedimentos das ordens. As lestas-de-casamentos' zeram..presentes.aqui, gerando, no confronto-.-da

JoséCarlêlJebe l O'Jesuítas 77

esplgtuêljdêdg.mesclada, uma realidade diversa. vam longo tempo sem confissão, comunhão ou missa.
# Dentre tantas dificuldades existentes para a
O aprendizado das orações, apesar de ser na
língua nativa, não tinha profundidade nenhuma. O manutenção da moral cristã, os jesuítas tiveram que
criar novos conceitos de pecado, fazer concessões,
sentidoabstratodas oraçõesnão era quase nunca ser mais plásticos.Prova isto o fato de Anchieta,
atingido. Assim, os novos fiéis repetiam mecanica-
na mesma carta, declarar tacitamente outras parti-
mente palavras sem que conseguissemaprender as
intencionalidades de suas idéias . cularidades da vida religiosa dos padres no Brasil
A história do sentimento religioso dos primeiros ''caso que a cada um acontece,que não sei se vos
momentos coloniais não pode ser desvinculada da parecerão lâ bem'', e continuava mais adiante acon-
influência portuguesa, que muito valorizava o culto selhandoos candidatosà ''vinha do Brasil'' que
externo, as festividades religiosas e o sentimenta- ''aparelhassem-sede grande fortaleza interior e de
lismo periférico, que persistiram na América portu- grandes desejosde padecer, de maneira que ainda
guesa. que os trabalhos sejam muitos, vos parecerão pou-
O sacramento da Eucaristia serve como medida cos". As possibilidades de comunhão eram raras e
para a análise do fenómeno. Comungavam os novos por isso os padres deveriam repetir as missas, fato
fiéis em situações diversas: em festas, por luto e em então só permitido em ocasiões especiais, mas que
era fenómeno comum no Brasil como mostrou An-
casos de guerra. A comunhão contudo s6 era possível
chieta: ''Algumas (vilas) distam três, outras seis mi-
com a presençade um sacerdotee, como poucos lhas, entre si; cada semana cultivada espiritualmente
eram os padres, nem sempre existiam possibilidades
todas estas povoações com não pouco trabalho, ora
de se comungar. Uma vida religiosa modelar, basi- celebrando missa, ora fazendo pregações. Frequente-
camente, seria fruto de contatos com sacramentos, mente também é necessário celebrar e pregar aos
com os ritos e a cerimónias inerentes à própria reli- domingos duas vezes e ir de vez em quando a outra
gião. A vida da Colónia, marcada pelas grandes dis-
povoação 18 milhas distante destas''
tâncias geográficas e pelo isolamento, impedia as Sía.s condições das coisas coloniais eram outras,
pretensões de maiores e mais constantes acessos a
estas práticas. Os irmãos da Companhia também bem diversas do tipo de vida do sertão, o que implica
eram atingidos por estes problemas. Quando acon constatar que existiam pelo menos dois níveis de
tecia de irem desacompanhadosde sacerdotes a al- espiritualidade numa mesma espiritualidade jesuí-
gum lugar -- como foi o caso de Pera Correia. Fa- tica brasileira. Na cidade, ou mais especificamente
biano de Lucena e João de Souza, que foram em nos colégios, era passível uma freqüência aos sacra-
campanha até a região dos CarÍjós, em 1554-- fica- mentos, uma disciplina mais rigorosa e normal onde
78 rosé Cardos Sebe l Os Jesuítas 79

as festas santas, novenas e procissões eram comuns. graças . . .


O interior apresentava outra forma de vida religiosa. O fato de pregar, sem que os fiéis entendessem,
O padre Antonio Blásquez mostrava isto em 1564. indica a crença na eficácia do Espírito -Santo. Con-
Em importante carta caracterizava muito bem os sidere-se que o novo fiel tinha uma ''condição limi-
limites dos novosfiéis e a aceitação destas condições. tada para receber a espiritualidadejesuíticaem sua
Tendo a Companhia merecidoas graças do jubileu essência''. Seria, portanto, necessárioobedecerà
papal naquele ano, a euforia tomou conta dos reli- capacidade de assimilação do selvagem, do colono ou
giosos que não conseguiram dormir depois da che- do escravo. Certamente existiriam deformaçõesna
gada da notícia. No outro dia bem cedo começavam aceitaçãode alguns ensinamentos.A ''simplificação''
as confissões a ''algumas índias e brasílicas'', que dos preceitos e sua adaptação à vida da Colónia
imitariam os cristãos; continuava o padre Blâsquez transformavam a espiritualidade europeia do cristia-
dizendo que ''louvores ao Senhor porque a gente nismo e da própria Companhia.
natural e boçal e de baixos entendimentos faz por sua Os jesuítas, em relação aos índios, teriam, por
divina piedade e clemência a todos capazes de tão exemplo, que ensinar as orações e demais preceitos
grandes mistérios''. Na realidade pode-se verificar religiosos que implicavam diversas transformações
também por esta carta que em termos de cidade já de códigos: diferentes vocábulos, outras verdades.
estavam definidas as atitudes jesuíticas, em relação Segundoo método jesuítico, os índios deveriam
ao ritual católico. As aldeias também se assemelha- primeiro aprender as palavras, depois seu signifi-
vam aos núcleos urbanos. Blásquez deixou também cado, e em seguida as intenções. Isto explica a meta
este testemunho: ''antes de dizer a missa houve uma dos loiolanos em respeitar a língua brasílica. Seriam
procissão na aldeia com grande número de pessoas, etapas a serem vencidas. Era o plano que acabou por
abrindo-a um grande número de meninos cristãos não se desenvolver,
ficandoapenasnas primeiras
com suas palmas nas mãos e suas grinaldas cheias de etapas.
J
cruzes na cabeça, depois das crianças, um grande Ao se analisar em conjunto os ensinamentos
número de anciãos e em meio deles muitos dança- jesuíticos, sua ação apostólica com os índios e.com os
rinos que de seu modo e jeito faziam as coisas mais colonos, nota-se, com certa evidência, que apenas
solenes". E também interessante notar que, encer- uma parte dos ensinamentos.religiosos era captada.
rada a procissão,o padre Gaspar Lourençofalou Estes ensinamentosadquiriram para os fiéis uma
''aos brasileiros com tanto vigor e gosto que, ainda' significaçãoum tanto diferenteda que era preten-
que alguns não entendessem a língua, ficaram felizes dida. Neste sentido, torna-se fundamental a capa-
por estarem presentes, vendo a ação e recebendo as cidade de aceitação do fiel, a consciência na adição
N) rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 81

dos preceitos da espiritualidade padrão.


Para severificar 8Jeljgiosidade assimiladapelos
novos fiéis, deve-se..considerar as--mudanças-que- se
produziram em suas conscÍênci4s. :As transformações
do comportamental.HentaLdo.índio,-que -deixaria de
crer en!.um.deus material.para-começar a:--abstrair
um deus espiritual,-seriaum exemplo. Para o fiel
português,a mudançade comportamentoreligioso,
aceitando a mistura do cerimoniaLcatólico comio fita
selvagem.é outro exemplo.
Não era o batismo ou a eucaristia que mudariam
a estrutura religiosa do mestiço ou do índio. Tal mu-
dança implicaria alterar sua estrutura mental, depois
que ele estivesseconvencido da validade dos novos
valores.
No processo de colonização religiosa no Brasil,
intelectualmente, houve um elemento dominador ---
no caso o jesuíta -- e muitos elementos envolvidos na
catequese. Foi $jgnificaüvo-o-desequilíbrio numérico
dongtupos. Poucospadres para muitos fiéis. Deve-se
considerar a condição dos selvagens, dos colonos e da
Colónia. A necessidadeda insistênciana.missão, a
repetição dos mesmos preceitos criados, levaram à
cristalização das idéias, não apenas para os índios ou
colonos, mas para os próprios padres, que viam suas
fileiras renovadas por elementosmuitas vezes criados
nas condições coloniais. Os padres perdiam a visão
de conjunto e o domínio do plano catequético. Pre-
tendia-sefazer com que os fiéis do Novo Mundo che- Foi, sem dúvida, o confessionáHoque, ao lado dos pül
gassem a elaborar uma espiritualidade semelhante à patos e ensinamentos nos colégios, mais atingiu a cona
ciência do colono.
europeia. Posição impossível de ser mantida.
Os Jesuíta 83
82 José Cartas Sebe

A forma de enfocar o sacramento da confissão varão, ainda que eles não sejam os que mal cativam
antesIhe custarãoseu dinheiro na mão de outros
mostra como os jesuítas usaram este ato para conse-
guir seus intentos. Conscientes de que as dificuldades cristãos pois diz Soto e também os senhores da cons-
de .se ministrar este sacramento eram as mesmas da ciência e todo o Direito, que sempre vai o mal avide
com seu encargo. .
eucaristia ou da missa, convémnotar que os habi-
tantes de áreas próximas das cidades teriam maior A CQDfissãQ.pratambém.utilizada-para;a,mordi'
facilidadeao sacramentoe que, por outro lado, era zação çlê:Colónia. Casos de amancebamentos muitas
possível que os padres, de forma maisjntensa, domi- vezesforaníitiólvidos pelasconfissões.Ainda o pró-
nassem suas consciências. OÇl:Q!!tes8joDáriÕera algo prio N6brega foi quem contou a Simão Rodrigues em
importante para os jesuítas, elemento que possibili- carta da Bahia, datada de fins de agostode 1552:
tava a modelagemdas formas de pensar dos fiéis. ''E como nesta terra os mais homens sejam solteiros e
Neste sentido foi que os jesuítas se aproveitaram têm escravas com que pecam, os quais não absol-
desta prática para fazer valer seus planos. Foi sem vemos sem que primeiro as não apartem de si''
dúvida o ciãiliíéÊíiiãnaQoDque,
ao lado dos púlpitos e
A confissãonão tinha pois apenas o aspecto
re@ressixoque a caracterizava: adquirir-llmanutra
ensinamentos nos colégios, mais atingiu a consciên-
cia do colono. Negando a absolvição, o jesuíta con- função político-rQljgjgsa, que servia:.Coma..reflexo.de
seguia se impor aos escravizadores de índios. Assim é uma mentalidade-fo;ljadana;;Colónia
Uma espiritualidade diferente, pouco ''ingênua
que Nóbrega escreveu ao padre Simão Rodrigues: e rústica'', nascera da atitude moral dos jesuítas no
''A razão creio é porque a gente desta terra é fraca
em entender e de má criação e hâ muito habituada Brasil. Faltavam para o florescimento do catolicismo
condições materiais e tempo. Não existiam apoios
em grandes maldades e de mâ criação... Ajuntou-se
para o sustentodos padres, bases culturais para a
também nesta Capitania (São Vicente) haver muitos
índios forçados, outros salteados;e porque nós os doutrinação intelectual dos nativos, nem uma espiri-
tualidade definida entre os demais.colonos. Faltava
favorecemos e pregamos contra eles e alguns se liber-
taram, não os absolvemosse não os libertam...". também,e isto é importante,um sistemajudicial
Assim se comprometeuN6bregaao padre Quis forte, organizadorque conseguisseauxiliar a disci-
rácio Caixa -- se o pai pode vender a seu filho e se um plina na Colónia. A ausência de famílias e institui-
se pode vender a si mesmo, dizia no 5o corolário: ções seguras exigiu dos loiolanos um outro trabalho:
Erram os confessoresque absolvem aos que tais a or94Dj4açêo.êocjal.Num meio assim, a Companhia
escravospossuem, se os não põem em sua liberdade de Jesus veio atuai como colonizadora religiosa. Bem
perfeita e lhes pagam seus serviços, arbítrio de bom cedo os inacianos afrouxaram suas pretensões. O ele-
84 rosé Cartas Sebe

mento humano a ser colonizado, ou cristianizado, não


se apresentava em condições razoáveis de catequese.
Tiveram os jesuítas que criar tudo. Desta tarefa re-
sultou a espiritualidade colonial da Companhia e a
espiritualidade da Colónia.
Como afirmou Serafim Leite, a catequese.era
feita quase que individualmente, o que vale dizer que
poucos indivíduos, exceçõesentre a coletividade,
superavam o nível normal da religiosidade indígena.
Além disto, é conveniente dizer que a sociedade colo-
nial constituía um todo por demais homogéneo. Os INDICAÇÕES PARA LEITURA
grupos eram distanciados e estavam em processo de
mudança muito rápido -- o que invariavelmente
desequilibrava o todo social. As leituras relacionadas com o tema Jesuítas e
Sendo os diversos grupos reduzidos a dois no
Cbfeqzzese podem ser divididas em três partes a
plano de ação da Companhia -- os índios e os outros saber: 1. Fontes; 2. Bibliografia geral; e 3. Biblio-
--, se fez necessário, antes dos possíveisprogressos, o grafia específica.
nivelamentocultural de parte significativados gru-
pos. Assim, houveuma espiritualidadepossívelpara l
a Colónia que era bastante diferente da espirituali- Os jesuítas deixaram muitos registros das pró-
dade jesuítica europeia. Nesta linha é fundamental prias ações através de cartas, relatórios e estudos. A
entender o Brasil como resposta ao estímtllo coloni-
leitura de alguns destes textos é extremamente inte-
zador europeu . ressante e instrutiva. Entre outros indico os seguin-
tes: Anchieta, José de, Poesias, São Paulo, Comissão
do IV Centenário, 19S4;' Gaffes, .Zn$ormações, Frag-
mentos Históricos e Sermões do Pe. Joseph de An-
cãíefa , Rio, Civilização Brasileira, 1963; Primeiros
,4/deamenfos na Ba#fa, Rio, Ministério da Educação
e Saúde, 1946; Gesfís ]t/endí de Saa, 1958; Araújo,
Antânio de, Cafecümo Ba língua .Brasa/íca, Rio,
Pontifícia Universidade Católica, 1952; Garras dos
86 rosé Certos Sebe Os Jesuítas 87

Pr/melros Jeszzífasdo .Brasa/, São Paulo, Comissão do Serafim Leite, S. J., Hisfórfa da Cbmpan/zla de Jesus
IV Centenário, 1954(3 tomos). lzo.Brasa/,Lisboa e Rio, Livraria Portugâliae Civili-
zação Brasileira, 10 v., 1938-1950.Leia-se ainda:
2 Brodrick, James, Orzgfzzei ef Erpansion des Jêsuífes ,
Alguns estudos que cobrem o período colonial e Sfelt, Paria, 1950;Cabral, Luiz Gonzaga, Jexzzífasno
que por certo não deixam de abordar o assunto são .Brasa/ (séc. .ZÓ), São Paulo, 1925; Fonseca, Regina
também apontados como básicos. Mana d'Aquino, .4s ]b/zssões Jesuíflcas do Ifaffm. am
Os estudos que tratam da ética da colonização estudo das estruturas sócio-económicas coloniais do
em seus fundamentos parecem essenciais por propor Paraguaí(séclz/osXV7 e XVZ7), São Paulo, USP,
uma interpretaçãomais esclarecedorado que foi a FFLCH, Depto. de História (mimeo.); Madureira,
conquista: Cervo, Luiz Amado, Cbnfafo entre CTví- José Manuel, .4 liberdade dos Zndlos e a CbmpanÀfa
lizações, Conquista e Colonização Espanholas da de Jesus: sua pedagogia e seus resultados, \mprensa
.4méríca,São Paulo, McGraw-HU1,1975;Hoeffner, Nacional, 1927; Neves, Luiz Felipe Baeta, O Com-
!ase$h, La Etica en la Coloria Espaãola delSigla de bate dos Soldados de Crista na Terra dos Paraguaios
Oro. Crísffanümo y l)z'gnldad.Hzzmana,Madre, Cul- (Co/orla/limo e Repressão Cu/fura/), Rio, Forense-
tura Hispânica, 1957;Holanda, SérgioBuarque de, Universitâria, 1978; Parva, José Mana de, Cb/onl-
Visão do Parado, São Paulo, Nacional, 1969; Hoor- zação e Catequese, /549-1ó00, São Paulo, Cortez,
naert, Eduardo, ef a/íí, .Hüfórla da /gr a no .Brasa/, 1982
t. 2, Petrópolis, Vozes, 1977.
Outros trabalhos que auxiliam: Freyre, Gil-
berto, Casa-Grande & .Senda/a, Rio, J. Olympio,
1973;Vat, Odulfo van der, Princípios da Zgrda no
.Brasa/, Petrópolis, Vozes, 1952; Abreu, Capistrano
de, Capífu/osde .HisfórfaCb/orla/, Brasília, Editora
da Universidade de Brasília, 1963.

3
É muito ampla e polémica a bibliografia sobre
os jesuítas. Os próprios loiolanos têm cuidado da
elaboração de estudos sobre o passado colonial. A
mais significativa obra a este respeito é do Padre
COLEÇÃO TUDO É HISTÓRIA
1 - As l:;J;i:ti!:::=::= = A+
m Heloisa B. de Hollanda 82 -
rica Latina'Leoa Pomar 2
crlw do ú+úüíisün e a pU octdu ftato Tronco 43 - Camba a
Imigração P. Beiguelmui 3 - A
Salüns
.. :---
Fbítn B
ao &asü
- ::. .l:
Amónio Mol- düu= ..- :.ü=ns bnsileh«
iuÜ cónu-a
a «-üéi:õb (A& e des .h. 24 - A an 191ehl. A. Silvo44 - Afl»
África) M. Yedda linhares 4 - O H. H - A tiü8H
populismo in Axnélica IHn há. piam IW hânm H - A peb H=ü: Cimo F. Cardoso 45 - A
Lígia Prado 5 - A :-;--=---;: eH-
ne$a D. Aarão Reis Filho 6 27 - A =:-=&-:=; ai -- :;== }i ' 46 - Ui;in;=
cangaço Carlos A. Dótia 7 - Uu' = (:» D. AaK&- Reis Filho Am&iea lilüin Clóvis Rossi 47 -
a - ':.]::::- e
Falcon 8 - As ieyii::a:-= -=-- U GnU; leira Veígueiro Cardos Henrique Dwidoff- 48 -
sas M. Florenzano9 - Pauis tW a - A : . ::'' ! ::' .lacob O GneflnGoidaBt
e o Sobe
as barricadas do deseja Olgária Goíendu n - O de 64 Cab N. de Tdedo 49 - A
C. F. Matos IO - ;:a ::i;ã= U Baievides 31
;:::i:=:üÍ=; Anito Novinskyn - A
p'-h'&'be ::-4:;= e o B-d
gente (1850.1©O) Hamilüon .b#-
Monteíro ll - A ::=;=-:=- bhn- «en dH . '-'- Angeh M- Slimani Zeghidour 51 - O Nasci
trial Francisco lglésias t2 Ãlixieida = - A ;::!;=;: 8+ inuúo das Faliu EdgarS. de
b Decca 52 - 1onües e Pauis in
quilombos e a r&e6ãe Beba Soado XIX h4ariaStella Martins
Clóvis Moura 13- O ;. lab 33 - (b aU & paÊzão
M. de Lourdes .lanotti 14 - O Marina Corria 34 - As --'--:'ü Bresciaii 53 - Oliesde bBüo e o
Hilário FraKKn Jr. 3S - ;s:=a;:= büaido dos Árüu Mana Yedda
govemo J. Kl491s-t;++EE RicaKdo
Ülaranhão 15 - O ::=.=:..---=-- &: do 3=a l Linhares 54 - A ;=:õ9+s:ão
1932 Mana H. Capelato '16 T A n - O E#u Baba Giro F. C«' ;::=:::-;= Berüno Nobrega de
América C. Fla- dm 37 - Oiieirw:55 - O Sobe de 1954:
A ca»a o
marion Cardoso 17 - A üoSçã) Indo BlaHn/Cardos A. Dóri 3B -
da escravidão
SuelyR- R. de O . ...= : e a . . po' Armaiüo'Boato Jr.56 - feições
lxaRdes ::;4i.eg$ na ;;eiigg;a
e
.=:: h#. Ihefeza Sdworu Pe-
Sdln ©Autor gueBe :.->.:;õ+-
-0 U W: w
Queiroz 18 - A =i---.=-:;=-=; lb

República J. Ênio Casalecdii '19- VeBu Rodolpho Telarolli 57 - Os


A revolta de Princesa Inês C. U RI. Beatriz B. jesKúias .rosé Cardos Sebe 5B - A
Rodrigues 20 - Hisülia poliü= de Weiw e a wni-

» sãi do inziw Angela


M. Al-
Roruxzan a - (»m cita aEI»-
do futebol blasileho J. Rufiin 1» péluL 8senberg
4t
dos Santos 21 - A HL-é=in l:U=a e M an mdda.
José Carlm Sebe nasceuem Guaraünguetá, São Paulo, em 1943.
Foi pn)fnsor da Uniwtsidadc de Taubaú- Desde 1971 1niona História
Ibérica na Universidade de São Paulo. Defendeu sua ülse de doutora- A SAIR
mentosoba a Companhia de Jesus no Bradl de 1« P.
A Balalada M. de Lourdes .lalotü
A chançhada in di=aa basüei. iüleim
iüleiio A Uadein Haenoré -- A berre
ro Afrãnio Mentes lhtani/rosé Axn M. lMartinez Conta A vb ;=!i+=-ú Francisco Foot
HardmanO Aló Márcio h4-Alces
Inácio de M. Souza A abe &: Daniel A.
t929Adalberto Idanon A ealo&. Rds F= o' estado üsoluüsta Femando
zação nas a::=ü'= Femailtlo lied A Reis F.' Au! e poder in lilovais O Estado Piava Mana S
Bresciane O tasdsmo Amando
Navais A cMlizHão üs açácn BEH l«nH }la'elmo Cana,W
Contier O Fêudali«no Hilário
Verá FerliniA crise do peuóln As ;::;::::::::--:= :=--.ê:-. h4
Bernardo Kucinsk A As Sn :,===.=-' Ftaico Jr. O ::-.àiilÉs;;n Wladir
ateniense F. M. Pares/Pálio P- = e e .:. . : . =.=====:= Dt4)ont O :::{,:;Ê:ngs;;= Alexandre
n =..=:--- AspBb Cniwgo Eujãlio 0 ;:;ü-:::=;- H»n Luiz
Amaral Lapa A eliquela n ». As Has ÜI ..= . ::::''' » Eü3ardo Praia U cW de
clodade de corte Refuta .lawüe Baga &ü de $4eSgn= As i»o. sãe PU C. R. Braíid&Os laF
Ribeiro
A gana düsfnvw tições deb = aU: & Rep&
;:::::éi;=s Luiz
ltBO/Wladimir Pomar Os movi.
Maklouf Carva-
b&a y& pardo G.' Fãgtndn
Caro leitor: Antonio
DéaFeneloo
Mendes
A hislübib} «u
Jr. A «un &b
As leeolH . :.: :' nleiüos de cdün
Biadl C. R. BrandãoPüdn CF
papidn' m
Se você tiver alguma sugeslão de novcs títulospara
noraeõe$ i!!:;:=..-:=.'Ü Wanui n nH l&n Capa
p beari A hlstóeiado . Id : --- = &asã Batia MO. o ;;;;;a:.;== Cardos A- Dó-
encennão FemandoPêixxHoA
as nossas coleções. por favor
l\JV\ll lnos envie. lNovas idéiasar de IniaÜes hBaxzH Cwn FÜ= ris bder e ;é:;;-:;:; Antonio
l\.FDVI IVEÇ>nqVV\.40 1\.4\#l\ hi«&h do P.G.&SITU hgw e Alva Cury Hõi,ilêiüüb Social i»
novos títulosou mesrT)o urT)a segunda visão de um hlnÜ0. 1an l BTH Amdü Cohn Rehmm
puã= ib&iEa
hõúiüisn
l:ãlan ap&h
Ja publicado serão sempre bem receDiaos.
zan Anne Semler A . .: :: ú &aH colõi& Leu
cação biaslldn Fiancisn idó- i pomo Collor .lobim
sias way lilü ebe+ n GabiH Cohn Us8üh & HeHI' =-'::== .k)sé Aluysio Reis de
BtasilGerson MaKimA l uaH Sieib hlm l Anüade dn aavw.
ee!;ê+Ç;ú ;=:==;8;-:: '19U49B : ::= B. Uoíein Alvos/J 14aao de h4db Leoíid +.

Carlos Henrique Davidoff A l+ PiUl9W l


DA COLÓNIA BRASIL HISTORIA:
AO IMPÉRIO
um Brasil para inglês vor
Texto e Consulta
8 latifundiário nenhum botar dofblto . Antonio Mendes Jr
DE
MIGUEL PAIVA Luiz D. Roncari
LILIA MORITZ SCHWARCZ Ricardo Maranhão
o BRAstC
PRECISA

Vol. l Colónia
Vol. ll - Império
Vol. 111- República
W
Vol IV-A Era de
Vergas
Uma História do Brasil que fala de seu
povo. dos trabalhos e.lutas do cotidianó
brasileiro, sem"perder de vista a análise
dos fundamentosde nossaformação
social. Esta coleçõo foi elaborada a
partir do contato intenso dos autores
editora brasiliense pesquisadores e professores de História
em universidades e colégios, com os
problemas do ensino da matéria
Terra Sem Mal: O profetismotupi-guarani
Hélêne Clastres

'TEkÉ.À:iÉM 'ÜÃi:
{t$ pmhli t og tlWi;$tt mi i

ene c s rês:

A Terra sem Mal é antes de tudo um


lugar de abundância: o milho cresce
sozinho e as flechas võo também
sozinhas à caça. Uma terra livre. sem
prescrições. sem proscrições. É a
contraordem.a plenitudeda
liberdade. O trabalho e as leis sõo.
portanto. .o Mal criado pela sociedade
Este fascinante estudo tem um alcance
muito além da singular visão religiosa
tupi-güarani do Paraíso

A çluestão da Educação IndiÜena


Comissão Pró-Índio

Subjacente ao problema da educação


$

ndígena. encontra-se a questão maior


dos direitosdos povosindígenas: o
l direitoà condução de seu próprio
destino. Assim. evidencia-se a
necessidade de uma educação que
considere a especificidade desses
povos.

Você também pode gostar