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OS JESUÍTAS
.«'H
centenário de monteiro lobato
Ciopyrzk#r(ê)José Carlos Sebe
Capa e ilustrações:
123 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Revisão:
Jane S. Coelho
ÍNDICE
Introdução
O contexto da reforma religiosa 10
A CompanhiadeJesus 33
O império da fé e os loiolanos 46
Indicações para leitura 85
'8a
O clero mostrava-seindisciplinado e distante homem, mais do que nunca, continuava a crer. Foi
dos propósitos ideais para a vida religiosa. Esta con- esta um4 época de santos e confrarias que tinham
duta abusiva da Igreja gerava insatisfações e refletia progressivamente seus adeptos multiplicados.
grandemente nas comunidades laicas ampliando a Cedo a influência de alguns pensadoresde Ox-
angústia coletiva. Dilatando o problema, nota-se que ford, desde Robert de Grosseteste (1168-1253), Re-
ger Bacon (1124-1294), John Duns Scot (1270-1308),
a ausência de alguns teóricos, exemplos e pilares da
conduta ética da Igreja, se fazia sentir. Depois de até William de Ockham (1290-1349)e outros, havia
Santo Tomas e São Boaventura, faltavam elementos começado a minar os alicerces da Escolástica.
de referência para o sustentáculo da moral religiosa. Grosseteste tentou explicar os fenómenos natu-
A Escolástica, corrente aristotélico-tomista, teo- rais com linguagemmatemática.Bacon defendiao
ria que demonstrava racionalmente as verdades teo- primado da experiência, inclusive no campo reli-
lógicas, entrava progressivamente num processo de gioso. Ambos repeliam a abstração .e a silogística
decadência. escolástica, que pretendiam uma ordenação esque-
A sociedadefaltava uma estrutura básica. A mática dos conhecimentos que servisse â refutação
crise da lgrda foi uma das razões do profundo dese- das divergências teórico-religiosas. O racionalismo de
quilíbrio que se manifestava no comportamento con- Santo Tomas foi reconhecendo-se incapaz e incom-
traditório dos grupos sociais. Era uma época de con- pleto para explicar os mecanismos da sociedade e da
traste e oposições. religião. Ainda fazendo parte desta linha de contes-
Tudo pareciacaminharpara um fim trágico. tação à Escolástica, com motivos fundamentalmente
Esperava-sea vinda do Anticristo e o fim do mundo. religiosos, Duns Scot afirmava que a fé, o amor e a
Todos deixavamtransparecer nas conversas,nas ati- ação eram mais importantes para a salvação do que a
tudes, grande angústia e dramas íntimos. O essencial ciência. A Bíblia seria, segundo Scot, a fonte primor-
estava sendo testadocrucialmente: o valor espiritual dial para todas as dúvidas religiosas; assim sendo,
como base do equilíbrio psicológico . y estava apontado outro caminho, oposto ao da Esco-
Nesta fase, quando pareciam aceleradas as lástica, que afirmava as relações entre a razão e a fé.
modificações que carãcterizariam um novo período Propagador e continuador das idéias de seu
da História, o homem externava uma fé angustiante. mestre Scot, Ockham, franciscano, foi também anti-
Dominadopor uma aversãoà morte, era comum a tomista e defensor da heterodoxiapapal. O ocami-
busca de indulgênciase relíquias, as visitas a con- nismo foi a expressãoda dissolução do espírito me-
dieval.
ventose igrejas célebresou mesmo a crença deses-
perada de que se poderia comprar a salvação. O A crítica que se insinuava nas discussões teoló-
14 Josê Cartas Sebe Os Jesuíta 15
gicas e filosóficas afetava também o crente ignorante. conceitos e pelas novas interpretações dos valores
Assim, a ardente piedade do religioso desta época era gerais que nortearam o homem desafiavam os com-
insegura, normalmente contaminada por supersti- portamentos e atitudes, mudando bruscamente a
ções. O comportamento cristão refletia a angústia e o conduta humana. O teatro, antes simbólico, tornou-
desequilíbrio religioso. se ''retrato da vida real''. A ciência experimental
As heresias, frutos deste ambiente, apareciam ganhou novas dimensões quando fugiu às exacerba-
agravando o inquietante clima. Todos procuravam das explicaçõesteológicasmedievais. Em todos os
novas respostas. Wicleff e Huss pregavam reformas campos a experiência se impunha, transformando,
marcando a quebra da estrutura religiosa medieval, visceralmente, a concepção de mundo. O Renasci-
propondo soluções revolucionárias . mento em si compreendeu uma valorização do ho-
Uma nova síntese ideológica se fazia necessária, mem e de suas possibilidades. A Reforma foi a di-
porém, dado o rápido processo de transformações e a mensão religiosa do Renascimento.
multiplicidade de campos abrangidos pela crítica aos
antigos valores, era preciso tempo para se conseguir
uma nova harmonia social.
Uma revisão do património cultural herdado O significado do Renascimento
estava sendo processada paralelamente a uma in-
tensa criação cultural. Crítica, revüão e Inovação, O Renascimento significava uma revitalização
estas as três características do Renascimento, que se da capacidade do homem, revitalizaçãoque se ex-
fizeram presentes por todo período, co-existindoàs pressou em vários acontecimentos: a volta ao mundo
vezes, outras conflitantes, mas sempre exigindo cons- por Magalhães, a criação do comércio intercontinen-
tantes adaptações e mudanças no pensamentos na tal, a imprensa, a revolta religiosa que dividiu a velha
vida sócio-económica, política e religiosa. cristandade ocidental, toda obra dos artistas da épo-
A modernidade na Europa Ocidental, em ter- ca, o sistema de Copémico, as experiências de Gali-
mos de História da Cultura, foi caracterizada pelo leu, etc. Contudo, estes fatos exterioreseram apenas
Renascimento.Os reflexosda crítica, da revisãode os sinais visíveis de uma grande força motivadora
valores espirituais, sociais e culturais, bem como as interior. Era a natureza que se reafirmava contra o
novas concepções ideológicas projetadas pelo am- ascetismo. Era grande a ânsia de conhecimentos que
biente que se definia, contrastavam com a apatia justificassem a condição humana. Afinal, a lógica
decadentedos grupos conservadores. aristotélica e a alquimia já estavam desacreditadas e
A anarquia e a confusão que foram criadas pelos os próprios homens ão Renascimento tomavam cons-
ló rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 17
à medida que se definiam os Estados europeus, campo religioso, expressaram-se através de uma nova
em termos políticos principalmente, era derrubada a dogmática: Trento.
posição papal. Contestações, conflitos institucionais, O pensamento religioso, abalado pelos ataques
problemas diplomáticos, marcaram o fenómeno. dos humanistas, desgastadopelos ataques protes-
A crise da Igreja era generalizada. Os limites do tantes, e principalmente movido por uma necessi-
alcance dos problemas atingiam proporções enor- dade íntima de renovação, se redefinia. O catoli-
mes, relacionava-se a cada indivíduo e a toda socie- cismo, depois de criada uma nova concepçãode
dade, envolvia todas as camadas da população. mundo e uma outra visão da condição humana, re-
Apesar da fé continuar viva, os crentes eram novou seu apostolado.
angustiados e sofriam todas as conseqüências deste Dentro do clima de respostas que marcou o pe-
clima de rivalidades, insatisfações e desequilíbrios. ríodo das reformas estavam presentes as soluções
As sérias crises que atingiram a Igreja eram de uni- religiosas que se definiram em dois campos princi-
dade, autoridade e de religião, marcando mais acen- pais: um através do clima criado em torno de Romã e
tuadamente as elites intelectuais e as camadas diri- outro pelo ambiente protestante. Eram respostas que
gentes. O povo, de um modo geral, participava mais delineavam uma nova espiritualidade: anseio genera-
da crise dos comportamentos. Nos indivíduos existia lizado de todos. A reforma católica foi um movi-
algo comum: a insatisfaçãoque induzia à busca de mento que nasceu dentro do próprio cristianismo,
soluções. buscando o ordenamento e o equilíbrio perdidos.
A procura de um novo equilíbrio marcou o pe- Na Espanha, no final do século XV, liderado
ríodo seguinte: a desesperada e aflita necessidade de pelo Cardeal Ximenes, iniciou-se um grande movi-
uma nova estabilidade. A procura da ordem caracte- mento de revivência religiosa. Apesar dos propósitos
rizou a Reforma, um movimento de renovação reli- iniciais se dirigirem contra os infiéis e heréticos, con-
giosa preocupado com a reelaboração dos princípios seguiu com bastante sucesso regenerar, em grau con-
cristãos . siderável, a vida espiritual daquela região. Abriram-
Este período procurou dar respostas aos proble- se escolas, levou-se instruções aos conventos e mo-
mas que aturdiam os homens. A sociedade, na busca tivou-se sacerdotes ao cumprimento das responsabi-
de uma nova síntese, se desordenou, dando lugar lidades pastorais.- Outras regiões da Europa também
a crises maiores e finalmente criando condições para tiveram movimentos que procuravam através da dis-
as Reformas.Através da revisãocrítica de valo- ciplina e do exemplo responder aos desequilíbrios da
res, onde se aproveitaram elementos medievais e re- Igreja.
nascentistas, o catolicismo deu respostas que, no A tarefa de reformar, contudo, era difícil, dado
24 rosé Curtos Sebe Os Jesuítas 25
particularmente o caráter mundano que dominava o Em 1545, o papa Paulo 111 convocava um con-
alto clero. Vencendo uma série enorme de obstá- cílio. Estava aberto assim um dos capítulosmais
culos, pouco a pouco foram surgindo novas ordens importantes da reforma religiosa católica. Trento
religiosas que atendiam ao anseio da sociedade. As funcionou como palco e emprestou seu nome à reu-
ordens mendicantes surgidas, já com este novo espí- nião. O Concílio de Trento durou dezoitoanos e teve
rito, eram respostas geradas no seio da própria Igre- várias interrupções. Convocado com a finalidade de
ja. Fala-se, portanto, de reformas, no plural, pois redefinir as posições católicas, conseguiu responder
advoga-se a existência de uma reforma católica e às expectativas dos fiéis. Reafirmou todos os dogmas
outra protestante. atacados pelos protestantes, declarou que as boas
A medida que as soluções protestantes começa- obras eram tão necessárias para a salvação quanto a
vam a aparecer e ganhar vulto, a Igreja de Romã fé, redefiniua força dos sacramentos,o valor da
estava também amadurecida para responder a seus oração, o culto aos santos da Igreja; redigiu-se o
fiéis. Apesar da cúpula clerical se manter ainda vol- catecismo romano; confirmou-se a presença de Cristo
tada para as condiçõesmateriais, com raras exceções na Eucaristia (dogma da transubstanciação); resol-
intermitentes, os resultados dos movimentos de reno- veu-secombater a indisciplina clerical, determinando
vação se faziam sentir. que fossem fundadas escolas especiais e seminários,
Paulo 111 (1534-1549) reiniciou o movimento destinados à orientação e formação dos sacerdotes;
contra os abusos da Igreja. Paulo IV (1555-1559), Pio reafirmou-se ainda a crença no purgatório, o celibato
V (1566-1572) e Xisto V (1585-1590) continuaram o sacerdotal e a tradição dos ensinamentos apostólicas
movimento. Reorganizaram a disciplina clerical, es- com a mesma autoridade que a Bíblia foi redefinida
colheram auxiliares eficientes para os cargos admi- como fonte da fé. Entre tantas deliberações,desta-
nistrativos. Novamente a austeridade e a ordem vol- que deve ser dado à reafirmação da suliremacia do
tavam ao trono da Igreja. As práticas e costumes papa, como vigário de Cristo e chefe de toda Igreja
condenados foram, via de regra, banidos dos con- Católica. Assim, estava reconstituída a forma monár-
ventos; procurou-se dar uma instrução mais sólida e quica do governo da Igreja.
uma orientação melhor ao clero. Entre outras atitu- O Concílio de Trento foi além da parte dogmá-
des tomadas neste período, destacou-se o reestabele- tica. Com espantosaforça, formulou ainda uma só-
cimento da Inquisição que havia caído em desuso. lida legislação que disciplinada os membros da Igre-
A Inquisição era desejada como uma forma de rees- ja, evitando abusos. Foi terminantemente proibida a
truturação da Igreja, como uma instituição purifica- venda de indulgência e formuladas leis que cercea-
dora contra as heresias. vam o ganho desmedidodos padres. Sob a deter-
26 JoséCartosSebe \ OsJesuítas 27
minação que em cada diocese houvesse pelo menos esparsamente surgiam alguns conventos com su-
um seminário, ou centro de estudos teológicos, pre- cesso: eram os que se moldavam à nova orientação.
tendia-seacabar com a ignorância clerical que asso- Vocações existiam, e muitas; a fé e a mensagem
lava a Igreja. Finalmente foi elaborado um /ndeic dos religiosa se mantiveram vigorosas. Faltavam novo
livros proibidos, com a finalidade de zelar pela orto- método e nova estrutura. A reorganização das ordens
doxia religiosa e pela espiritualidade dos fiéis. era uma necessidadepremente, pois para acompa-
Não só a cúpula da Igreja teve iniciativas refor- nhar o mundo que se transformava eram necessárias
mistas. Antes da deliberaçãodo papa Paulo 111em instituições coerentes com o novo espírito. Uma
convocar o Concílio, muitas ordens religiosas já ha- maior flexibilidade era condição imprescindível, pois
viam entrado em processo de renovação, o que prova a sociedade se encontrava em dois processos contra-
a necessidade íntima de a Igreja reformam'-se. ditórios: por um lado, valores decadentes; por outro,
Gradativamente o mundo parecia excluir os reli- novas formas de vida com características inéditas.
giosos que viviam fora das novas exigências do tem- Nas pessoas existia uma grande vontade de viver um
po. O florescimentodas cidades que se povoavam ideal religioso de acordo com os tempos anunciados.
mais e mais dificultavaa ação clerical. As cidades Este novo clima de liberdade e de revisão dominou
modificavam não apenas o aspecto sócio-económico, também os conventos.
mas afetavam de forma significativa a espiritualidade.
Aos padres eram impostas novas tarefas: contatos
mais freqüentes com fiéis, atendimentos a problemas
gerais de ordem urbana -- enfim se fazia necessária As reformas clericais
uma ação mais unificadora e central.
A religiosidadecomo imperativo das novas for- As reformas das ordens religiosas não obede-
mas de convívio urbano foi exigindo orientações que ceram a uma transformação sistemática ou gradual.
se fizeram paulatinamentefora da Igreja. Longe do Faltava uma visão de conjunto. O ritmo das modifi-
domínio clerical formavam-se irmandades, organi- cações era lento e quase sempre atrapalhado pelos
zações com fins sociais e novas instituições. O clero conservadores ou pejos que temiam as mudanças
estava alheio a estas obras. Pouco a pouco fugiam- bruscas.
Ihes a direção e o monopólio social e espiritual. A primeira ordem a se distinguir nestas trans-
Apesar da hegemonia gradativamente escapar à formações foi a Franciscana, que se desenvolveu den-
influência dos religiosos, contudo ela continuava. tro dos turbulentos acontecimentos do século XV. O
Ao mesmo tempo que se processava este fenómeno, clima angustianteque marcou o Cisma do Ocidente,
29
28 JoséCar/os Sebe l Oslesziílas
conflito havido entre duas corre.ntes que propunham a luta pela expulsão dos muçulmanos, havia exigido
papas diferentes, um em Romã e outro em Avinhão, grande participação de todos. Um precoce amadure-
atingiu os fiéis que normalmente não sabiam a quem cimento em contrapartida se manifestou na socie-
obedecer. Os turcos trouxeram consigo um senti- dade em geral e na consciência religiosa em parti-
mento de derrota que se apossou da cristandade divi- cular. O argumento que unia a todos émanáva da
dida. Dominava tudo uma tristeza e desconfiança, e religião .
na ânsia de soluções aparecem as heresias. O clero Também na Península notava-se a mesma inten-
também foi abalado, tendo que optar e defender-se. sidade na busca de soluçõespara os problemas reli-
Depois dos franciscanos, a Ordem de São Do- giosos. Pedro de Villacreces, Pedro Santoyo, Diego
mingos iniciou suas modificações, seguida dos agos- de Alcolá e Lopes de Salazar, religiososatuantes,
tinianos, trinásios, carmelitas e servos de Mana. eram testemunhas de uma força que nascia, da qual
As soluçõeseram buscadas em todos os campos. o cardeal Cisneros, na Espanha, foi um exemplo
Uma procura desenfreadainduzia à caminhos mui- marcante. No século XV, inspirado por São Boaven-
tas vezescomprometidoscom o passado, outras oca- tura e São Bernardo, iniciou-seum grandemovi-
siões deturpadas pela religiosidade sem base doutri- mento de padres que percorriam as cidades, vilas e o
nária e ainda muitas vezes enredados pelas idéias do campo, sem habitos solenes nem atitudes ostensivas,
protestantismo, do judaísmo e das soluções mágicas. pregando o evangelho e difundindo o espírito cristão.
Na análise do período das reformas, como em Havia algo de novo nestas ações: as praças públicas
qualquer fenómeno histórico, deve-seter o cuidado ou as próprias casas substituíamos templose isto
com as generalizações, evitar Q esquecimento das in- cativava os fiéis.
fluências tradicionais de cada região e das variações As ordens mendicantes, sobretudo, lucraram
sociais, geográficas, políticas e económicas que cer- com estas novas formas de apostolado. Conseguiram
cam o fenómeno em cada área. redobrar o prestígioperdido e ganhar a admiração
A Península Ibérica, por exemplo, teve durante dos fiéis, que nelas viam um espírito de abnegação e
todo o período medieval a presença do muçulmano em desprendimento.
suas terras. O processo de expulsão do elemento Huerga sugere a divisão da história espiritual
estranho à cultura peninsular influenciou sobrema- espanhola em quatro períodos cronológicos: o pri-
neira a personalidadedo homemibérico. A sensibi- meiro seria o de ''importação'' , que vai desde a Idade
lidade, o ideal de vida, o gosto, as artes, a economia e Média até 1500 aproximadamentee que se carac-
também a espiritualidade foram afetados. terizou pela tradução e difusão de obras estrangeiras ,
A Reconquista, movimentoibérico que marcou com o mínimo de produção própria. O segundo pç-
30 rosé Cartas Sebe
Corria o ano de 1538. Pontífice, Vigário seu na terra, depois de fazer voto
Sob a determinação direta do papa, em Romã, solenede castidade perpétua, assente comigo que é
os companheiros de Santo Início trabalharam muito membrode uma Companhia, sobretudofundada
em obras de apostolado. Com o auxílio do Carde41 para, de um modo principal, procurar o proveito das
Contarini, foi apresentada a primeira F3rmzz/a db almas, na vida e doutrina cristã, propagar a fé, pela
InsfÍfufo ao papa Paulo 111,que de imediato a apro- pública pregação e ministério da palavra de Deus,
vou verbalmente. Enfim, no dia 27 de setembro de pelos exercícios espirituais e obras de caridade, e,
1540, foi dada a aprovação papal à nova ordem pela nomeadamente,ensinar aos meninos rudes as ver-
bula Regímlní .A411ffanfü.Ecc/esfae. A estrutura da dades do cristianismo, e consolar espiritualmente os
Companhia de Jesus era militar, tendo como pri- fiéis no tribunal da confissão; e tratar de ter sempre
meiro apoio a obediência ao Superior Geral, o chefe diante dos olhos primeiro a Deus''
supremo da ordem. De sua fundação até a morte de
Início de Loiola, a Companhia teveprovíncias, mais
de quatro mil membros e cem domicílios.
A estrutura interna
imenso campo de batalha para a guerra espiritual. Os cargos de professor de medicina e direito, os postos
Enviaram missionários para a Inglaterra e para as de chanceler e reitor eram preenchidos por nomes
Províncias IJnidas. Assim surgiram os colégios: comprometidoscom os propósitosda Companhia.
Tournai(1562), Saint-Omer (1566), Donai(1568) e Assim, osjesuítas tiveram domínio sobre a orientação
Amberes (1573). A Companhia+Z grandes progres- que se formava nas escolas mantidas à sua sombra.
sos neste período, progressos religiosos e económicos. Elaboravam os programas, concediam títulos, forma-
Tendo a proteçãode muitosgovernantes,e com só- vam educadores, exerciam a censura sobre toda vida
lida estrutura interna, aproveitaram as consideráveis intelectual dos estudos.
baixas de preços dos imóveis das cidades despovoa- No campo da teologia,especificamente,
os je-
das e em ruínas pelas guerras de religião e compra- suítas se destacaram no renascimento dos altos es-
ram residências suntuosas e grandes áreas. Possuíam tudos espirituais. O Colégio Romano, fundado por
os jesuítas, em 1584, nove casas nos Países Baixos; Santo Início em 1556,foi transformado na suntuosa
em 1592, abriram mais cinco colégios nas cidades em Universidade Gregoriana. Em todos os países amea-
que os calvinistas se mostravam mais atuantes. çados pela ofensiva protestante foram criadas novas
Entre 1593e 1625,fundaramainda na mesma universidades: Dillingem (1554), Donai(1559), Ol-
região mais 27 estabelecimentos,quase todos com mutz(1573), Wurzburgo(1575), Pont-à-Monsson
colégios.O número de adeptostambém era notável: (1582), Gratz (1586), Innsbruck (1606), Paderbon
nos Países Baixos ainda houve um crescimento real- (1615), Salzburgo (1625), Munster (1629), Osna-
mentesignificativo: em 1595possuíam 420 padres e bruck(1629), Nagyzombat(1635), Bamberga(1648),
em 1626, 1574, sendo que ho resto da Europa no Praga (1652) e Breslau (1702).
mesmo ano registravam-se os seguintes números: # A Companhiaera a própria expressãode Tren-
2516 na França, 2283 na Alemanha e 2962 na Es- to. A Igreja reformada encontrou na Companhia de
panha. Jesus uma forma nova para sua sobrevivência. Tanto
Por toda a Europa os filhos de Santo Início se em relação aos protestantes como em relação à crise
infiltraram. Os lugares mais significativos, as posi- da Igreja, conseguiram os jesuítas dar respostas às
ções institucionais de maior importância estavam expectativas gerais.
cercadas pelos homens da Companhia de Jesus. Já l# A sociedade europeia ia lentamente se reorgani-
em 1562ocuparam o Colégio São Clemente de Praga, zando em centros urbanos. Era a progressiva evolu-
onde instalaram uma academia; em 1622 o diretor ção que vinha desde a Idade Média. O desenvolvi-
desta academia se apoderou da universidade. Os je- mento da economia determinava a anulação dos se-
suítas dominaram as cátedras de teologia e filosofia. nhores feudais. O novo tipo de vida exigia nova espi-
42 José Cartas Sebe Os Jesuítas 43
ritualidade. A vida religiosatinha que se adaptar a o ensino foram os campos de ação preferidos pelos
estas realidades: por exemplo, fundando colégios. A jesuítas. A revolução científica, que se engendrou
difusão da cultura e a generalizaçãodo ensino eram pelo século XVI afora, era muitas vezes nutrida nos
decorrências do fenómeno urbano. Os jesuítas se colégios, academias e universidades da Companhia.
viramcoma responsabilidade--de
moldar-se
à situa- Através do ensinamentocorreto do ''melhor latim
ção como educadorese estruturadoresde um novo possível'', os inacianos estavam atentos às recentes
saber. descobertas no campo da geografia, matemática,
>ir'Evidentemente.,esta plasticidade obrigada pelas ética, etc., tudo junto com ''boas maneiras e arte
novas condições impunha aos reformados uma ativi- dramática''. Por estas razões, os educandârios jesuí-
dade nem sempre apenas religiosa. Os jesuítas acei- ticos eram recomendados e acentos como essenciais à
taram as exigênciasque o meio determinava. Como boa educação dos filhos da elite. Muitos, como Jean
OS.burgueswuidavam de suas empresas, os lõíolg: Labadie, por exemplo, apesar de não permanecer
nos.tambémlornaram-se..administradorese--assu: católico, acabaram por absorver o método, a disci-
miram atividades burocráticas;:.A época exigia que os plina, enfim, a política jesuítica. Assim infiltrados,
padres respondessem ensinando disciplinas profanas os loiolanos estavam à testa das direções culturais,
ou organizando meios para atrair. O que antes era aliados aos chefes de governo ou pelo menos relacio-
função de leigos, os padres começavam a dominar. nados fortemente com eles.
Não bastavammais apenasconquistasno plano )t'ü.Pela necessidade de restauração da Igreja, a
apostólico medieval. Para se conseguir influir religio- ordem elaborou um detalhado plano de ação. Indivi-
samente, para atrair os fiéis, era necessária uma dualmente os Exercícios .ll=spírffuaüseriam o pri-
nova espiritualidade que mantivesse acesa a fé. meiro passo, socialmente, através de centros fixos de
J'As escolas foram soluções. As casas de ensino atuação comunitária, como por exemplo as congre-
jesuíticasmultiplicavam-se,
por uma razão muito gações marianas, agiriam como difusores da nova
simples: todos a queriam. Havia por parte das ''boas ideologia. Os leigos teriam grande importância como
famílias'' um grande interesse em dar escolas eficien- propagadores dos ideais da Companhia no seio fami-
tes para seus filhos. Os mais expressivospensadores liar. A espiritualidade renovada era transmitida atra-
da época passaram pelas escolas jesuíticas, Voltaire, vés de sermões em púlpitos e confessionários. Numa
por exemplo. sociedade onde a base comum dos conhecimentos se
Em todos os campos do ensino, com métodos apoiava na transmissão oral, era vital que houvesse
realmente atualizados a Companhia de Jesus atendia um ordenamento dos discursos e, sobretudo, uma
às novas solicitações da intelectualidade. A filosofia e valorização dos exemplos de vida.
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rosé Car/õs Sebe l OSJeszzítas
Os .Ekercüios .Espirífuaís de Santo Início ti- na expansão ultramarina lusitana para fazer valer os
nham aspectos universais, facilmente adaptados a próprios compromissos. Esta afirmação reduz a sim-
outros métodos e orientações. Esta novidade fez com plificativa utilização dos jesuítas como meros ''apa-
que conseguisseincrível sucesso. Comparada com relhos do Estado''
outras práticas postas em uso na época, como os
escapulârios, o rosário, e outras manifestações de
piedade, os .Exercíciosde Santo Início suplantaram
as expectativas.
Detentores do ensino e criadores de um método
apostólicoflexível, os jesuítas funcionaram como a
ala da nova Igreja de Romã. Através da espirituali-
dade renovada, adaptada à época, os inacianos de-
ram grande impulso ao cristianismo reformado. Sei-
va inovacorria na Igreja Católica, os jesuítas estru-
turavam seus ensinamentos,conquistavam almas,
elaboravam meios de conversão: ''tudo para maior
glória de Deus'', segundo o próprio lema da Compa-
nhia
à A éticajesuítica era contagiante não apenas pela
eficácia do método. O dimensionamento universal
inerente ao método garantia aos jesuítas uma. acomo-
dação útil aos diferentes Estados onde se instalavam .
Esta plasticidade foi essencial para o sucesso da or-
dem, pois conseguiu garantir um novo equilíbrio en-
tre os Estados que se definiam e Romã. Pode-se dizer
que na transição do feudalismo para o capitalismo,
em termos religiosos, a Companhia foi uma institui-
ção facilitadora.
ylPortugal, afinado com os propósitos da moder-
nidade, foi um dos Estados que se utilizou da ação
jesuítica. Na mesma medida os loiolanosse apoiaram
\ Os Jesuítas 47
reformado.
A par de um grupo de cristãos, que por suas
atitudes comprometiam o sentido religioso católico,
outros grupos existiam que expressaram o ideal reli-
giosoreafirmado. Comparada com as demais regiões
europeias, a Península Ibérica mostrou-secomo ba-
luarte e defensora do catolicismo tridentino. A reli-
gião transformou-se em seiva que motivou a ação
apostólicae serviu de justificativa para os impulsos
O IMPÉRIO DA FÊ E OS LOIOLANOS colonizadores.
A fé intensa, a persistência da crença inabalável
nos dogmas, a devoção ao Santíssimo Sacramento, a
Nossa Senhora e aos santos, o respeito à Paixão do
i:X'COs conhecimentos técnicos, a atividade comer- Senhor e aos mistérios da Ressurreição, eram fortes
cial, as conquistas do além-mar, a dominação econó- pontos de apoio para a defesa da religião.
mica de outras áreas, as motivaçõesdos descobri- Pub[icado no (corpo Z)Ü)/amar/co Português, o
mentos ultramarinos e posteriormente da coloniza- discurso de Jerânimo Azambuja, em Trento, sinteti-
ção eram frutos da nova mentalidade portuguesa. A zava a situação. ''A fé esta firmíssima no Reino.
característica,contudo, desta maneira de pensar mo: Raros são os pontos do orbe em que os embusteiros
dela era a religião cristã. O catolicismo de PortuÉal não vomitem veneno sobre os dogmas; em Portugal,
foi o cimento ideológico da união do Estado. porém, graças à divina providência e aos cuidados do
A vida cristã portuguesa do século XVI também nosso cristianíssimo Rei, não há sequer uma falha da
foi afetada pela crise religiosa que atingia todo o heresia luterana que enche o mundo''. Testemunhos
ocidente europeu. Problemas como o baixo nível mo- como este mostram que o ambiente religioso portu-
ral do alto clero, a ignorância doutrinária, as supers- guês, mesmo afetado pelas polêmicas protestantes e
tições, presentes na crença religiosa, o tipo de cultura pelas ''contaminações'' de outras espiritualidades,
popular, as constantesinfiltrações do judaísmo na mantinha o compromisso da fidelidade. Plasmados
religião cristã, eram o suficiente para exigir reformas no inconsciente da população, nos diferentes grupos,
religiosas. Portugal possuía uma apreciável estrutura persistia um voto de lealdade. Lealdade ao credo
católico e ao Rei.
cultural religiosa, mas faltavam bons exemplos e
revitalizações do conteúdo do doutrinário católico já D. João 111foi um rei cercado de preocupações
48 José Certos Sebe Os Jesuítas 49
espirituais. A definição de Portugal no plano do Con- talização de antigas praticas, apoio às novas ordens,
cílio de Trento, era-lhe ponto de honra. O rei expres- uma consistentepropagandada vocação messiânica
savaa vontadedo reino. Sua religiãoera a do povo. portuguesa, o zela pela ortodoxia e crescimento da
Esteve D. João 111rodeado por pessoas marcante- atividadepastoral dos bispos. A estas atitudes de
mente religiosas: sua mulher, Dona Catarina, neta refortalecimento espiritual interno junta-se a valiosa
dos Reis Católicos, irmã de Carlos V e cunhada do contribuição de figuras expressivas dos movimentos
Cardeal D. Henrique, D? Catarina e, D. Henrique, espirituais reformados da Espanha: o franciscano
por exemplo, são dois nomes que estão diretamente Pedra de Alcântara, mais tarde santo, Jogo da Cruz,
ligados ao momento em que Portugal colaborava carmelita, também santo posteriormente, o agosti-
para a reelaboração católica. Aliada no mesmo ideal, niano Luiz de Montoya, os dominicanos Hurtado e
a corte de Paulo 111 se apresentava como defen- Padilha e os jesuítas Nadal e Francisco Boda foram
sora do cristianismo. Os preceitos católicos serviram alguns homens que, das suas aceitações e apostola-
de leito para a política imperialista portuguesa. dos, reativaramo espíritoheróicocristão,e mais,
O reino lusitano tornava-se, portanto, o cenário deram nova orientação à espiritualidade.
idealpara a açãoreligiosada modernidadecatólica. Para uma sociedadeem expansãoe que teria
D. João 111, o ''Rei Pio'', tratou de atrair para suas que suprir as próprias fraquezas demográficas era
terras pregadores e homens cultos para que se ocu- necessária uma política sólida, suportada por uma
passem da reorganização geral do reino. Os novos maciça propaganda. A justificativa do heroísmo de
institutos também foram chamados para Portugal. muitos era um dos sustentáculos da nova política
A Ordem de Santa Tereza teve grande aceitação religiosa. Ê neste quadro que se inscreve o martírio
entre o povo português; não menor foi a adesão dos de 260 padres portuguesesda Companhia, que de-
lusitanos à jovem Companhia de Jesus instalada sob pois foram canonizados(4) e beatificados(38). Era
o amparo régio. O ideal religioso moderno confun- contagiante a exemplificação repetida à guisa de mo-
dia-se com o ideal do Estado. O Império Cristão delos. Ê este ambiente que justifica a popularidade
Português pretendia ser sinónimo do Império Uni- dos autos-de-féinquisitoriais, dos pagamentos públi-
versal Cristão, e isto implicou identificaçõesno co- cos de promessas, dos autoflagelos em praças e ruas.
meço da modernidade. Tais afinidades, contudo, se Impossívelfalar da reorganizaçãoda espiritua-
desfariam no futuro quando a Companhia significou , lidade portuguesa sem citar a ação dos freis Luiz de
no século XVlll, um perigo à política real. Granada e Bartolomeu dos Mártires.
A vida político-religiosa portuguesa do século As reformas incentivadas pelo monarca João lll;
XVI foi marcada pela reorganizaçãoreligiosa: revi- e continuadas mais tarde pela Rainha, sua sucessora,
50 José Cáries Sebe
Os Jesuítas 51
Em certa medida os loiolanos foram os grandes artí- A Ordem de Santo Início serviu a Portugal; o
fices deste projeto. A atuação no Brasil indica isto. Estado, em contrapartida, religioso que era, auxi-
O Brasil, mais do que empresa burguesa, foi liava a redefinição do catolicismo. Ambos se amol-
empresa de uma burguesia que não deixava de ser daram, elaborando uma nova ética económicae reli-
religiosa. Os portugueses e loiolanos foram elabo- giosa, inegavelmenteinfluenciada pelosjesuítas.
radores significativos. Para Portugal, a Companhia foi vital. O espírito
D. Diogo de Gouveia, reitor do Colégio Santa da instituição loiolana ajustou-se perfeitamente ao
Bárbara, foi o autor dos primeiros contatosentre a ambiente do início da modernidade portuguesa. Ins-
Santa Sé e o Reino, alertando o rei da necessidade da tituiçõesorgânicas, Estado e Companhia, elabora-
colonização efetiva do Brasil, procurando mostrar ram um Idearíum que alimentaria a nova política.
que ''se estes homens (jesuítas) pudessem ir às Índias Sob o aspecto cultural, os jesuítas deixaram uma
seria um bem inestimável''.Antes, porém, estabele- marca sensívelna vida portuguesa, renovando-a atra-
cidos os entendimentos entre o Rei e Romã, Paulo lll vés de D. Jogo 111,que incrementou sobremaneira a
consentiu que Francisco Xavier, Simão Rodrigues de atividade universitária. As Faculdades de Teologia,
Azevedo e Paulo Camerte fossem para Portugal; era de Cânones, de Artes, de Medicina ganharam profes-
o mês de junho. Em outubro chegaram mais três: sores jesuítas, impregnados do novo espírito europeu .
Francisco Mansilhas, Gonçalo de Medeiros e Manual A pedagogia loiolana afetou o ensino, transforman-
de Santa Clara. Início de Loiola, contudo, determi' do-o. Os colégiosde Coimbrã, de Evoca, de Lisboa
nou que Francisco Xavier fosse às Índias. Camerte e adquiriram grande prestígio. O Colégio das Artes foi
Mansilhas partiram para o Oriente com ele. Outro entregueaos padres da Companhia de Jesus após a
capítulo da Assistência de Portugal foi a colonização crise de 1555, quando os professores manifestaram
jesuítica do Brasil. Através de Portugal, o mundo tendências luteranas e foram depostos. Em 1559,
empresarial burguês alicerçava a religião em outras estavadebaixo das ordens dos inacianos a Univer-
terras. sidade de Êvora. Os colégios se multiplicavam de
R- A Companhiade Jesus, espelhandoos propó- norte a sul: em Braga, tendo como reitor Início de
sitos universalistas ligados à orientação romana, en- Azevedo; em Bragança, Leonel de Lama; em Porto,
controu no Reino um grande apoio. Portugal defi- Francisco de Boda; em Santarém, Luiz Lobo; em
nira-se como monarquia em moldes modernos, pos- Setubal, Diogo Areda; em Pontalegre, Antonio Vas-
suindo características centralizadoras comuns à Eu- concelos;em Ervas, Miguel Tinoco; nas Ilhas Fun-
ropa. A precocidade portuguesa se explica também chal, Manual Sequera; em Angra-dos-Reis, Luiz de
pela política religiosa alicerçada na Reconquista. Vasconcelos; em São Miguel, Fernando Guerreiro;
54 rosé Cartas Sebe
T' Os Jesuítas 55
de Lisboa para todos. Pessoas provenientes de qual- mente os padres da Colónia agiam de maneira pra-
quer camada social eram aceitas nas fileiras inacia- tica, mais tolerante.
nas (rA.distância- imensa-as..dificuldadesincontáveis
Plâstica, adaptada ao meio português, a jovem !g..ÇQIDg!!içêçãg,ê..diversidade..tl emendaentre a vida
instituição somava seus propósitos às metas metropo- europél4.e..a brasileira+obrigavanuanlmpanhia..a;:
litanas. Se colonizar significava cristianizar, os loio- novos procedimentos.
lanos tornavam-se colonos, porque missionários. -tedaque atender-a
&'Não foi fácil o estabelecimento da ordem no M®ontos fundamentais: aos propósitos da ordem-e
Brasil. O meio colonial dissipava de pronto a ''visão à,CQnversãe..dg..j!!dígçWa.:E verdade que esta seria
do paraíso'' e evocavainstantaneamentea ideia do decorrente daquela, 'mas dadas as condições do meio
''inferno Verde' \ e a sucessãode experiências,começavaa existir um
A convincente afirmativa de Nóbrega, ''Esta l aparente desligamento na orientação entre a cúpula
terra é nossaempresa'', dita com certa euforia, era / da Companhiana Europa e os padresdo Brasil.
ambígua e não teveo dom de manter o entusiasmo de l Permanecia o vínculo, mas as formas de encarar os
seus irmãos de sotaina. Diante das dificuldades o l problemas se diferenciavam. As distâncias se eviden-
padre Leonardo do Valle escrevia desiludido, mos- ciariam ainda mais quando o sucessoeconómico da
trando que frutos da missão eram retardados ''pelos l Ordem no Brasil se contrapunha ao fracasso da euro-
pecados dos colonos'' e deixando entrever a impossi- l peia, que passava a depender daqui.
bilidade do triunfo da missão segundo os modelos \-.. Os métodos de cristianização tiveram de ser
planejados. A carta de Nóbrega para o padre Simão criados ou recriados. Missionar era uma empresa
Rodrigues, datada de julho de 1552, da Bahia, talvez complexa, pois seria impossível isolar o índio do con-
seja a mais angustiada de todas quando diz que, se tato com o branco. Portanto. o colono também teria
não houvesse socorro de padres para a Colónia, ''vir quç ser envolvido no processo de õãtêqüese--e-na-
ao Brasil era perder tempo' scolas e seminários fo-
»,-Aliadas às dificuldadesdo meio físico, as atitu- ram .desdobramentosda interferênciado jesuíta na
des dos índios desconcertavam os padres da Compa- sociedadecolonial. Colégiospara os leigos, filhos de
nhia, que não se cansavam de escrever reclamando portuguesese mestiços. Conventos para renovar o
das dificuldades do apostolado, da pouca gente, do clero e, mais que isto, dar ao meio brasileiro condi-
abandono. ções de suprir suas próprias deficiências de padres.
:«i Para se conseguir alguma coisa era necessária a Enquanto na Europa a Companhia se debatia
adoção de atitudes flexíveis, maleáveis. Gradativa- em lutas antiprotestantes, em conquista de cátedras
rosé Cardos Sebe Oslesuíras 61
nas universidades, no Brasil seriam outras suas me- ficações dos planos iniciais. Uma das bases da ação
tas: promover aldeamentos, ensinar ao indígena os missionária era a-adaptação-às exigêpci4s:4gçêjs:Os
mandamentos da lei de Deus, adestrá-lo a novo tipo catecismos e demais livros escritos na Europa pouco
de vida social. valiam aos missionários do Novo Mundo. Eles pró-
Sérios desafios se apresentavam aos jesuítas. A prios elaborariam outros textos, como fizeram, por
colonização.erê:.averllura .quQ. coiÜava com pouco exemplo,Anchietapara o Brasíl e Frei Dionísiode
apõiõ prático, pois çlg.nada valiam as sofisticadas Sanctis para a América Espanhola. Isto mostra a
tâticas.teóricas. ou conceitualísticas européias no inci- orientação nova dada pelos religiosos na América.
piente meio coloniaj31a$jlçilg. Seria preciso impro- Desde logo, a presença do Brasil no campo de
visar técnicaspara c4pl4É:o:çglQpo,o.índia.E.Qmes- atuação da Ordem de Santo Início exigira sua auto-
tiço. Seria precisosuperaros dispositivosque exis- nomia local..b.s.soluções pardos problemas do Brasil
tiam apenas nos textos escritos. deveriam ser tomadas aqui, com.exceção..dos casos
l A tarefa missionária propunha sérias ques- teo16giêõiihaistravei'O conteúdo religioso da Com-
tões: seria válido, ante a inadequação cultural da panhia tornava-se brasileiro na medida da conquista
/ Colónia, ''reduzir'' o catolicismo a formas simples, da ordem sobre a terra e sobre o índio. A crise sur-
capazes de serem assimiladas pelo selvagem, pelo gida entre a autoridade do primeiro bispo, Dom
mestiço e pelo colono colocados em novas situações? Pera Fernandes Sardinha, e os padres da Companhia
Seria isso possível sem deformar a espiritualidade impunha a autonomia da instituição. O Superior dos
agente? jesuítas deveria, para melhores possibilidadesde
A dúvidalevoua questãoà Europa e lá foi atuação, ter a categoria de. prelado regular, para
discutida a validade da evangelização do Novo Mun- gozar dos privilégioscanónicos que Ihe competiam
clo. Enquanto a divergência de opiniões fermentava o como tal.
problema na Europa, na América a pratica missio-
nária vinha se constituindo quase que alheia a estas l Rodolfo Garcia, em sua Hisfórfa Gera/, publi-
cou a patente de Provincial passada por Santo Início
polémicas. Na realidade, a própria Colónia propu- ao padre Nóbrega. A autonomia pretendida pelos
nha as formas melhorespara a catequese,o que religiosos do Brasi] veio na medida da necessidade. A
equivaledizer que as soluções nativas integraram o nomeaçãodada a 9 de junho de IS53 viera em
método apostólico de evangelização do Novo Mundo. ''termos amplíssimos''. O Brasil foi a sexta província r
Se a colonização era algo novo, a evangelização criada pela Colhpanhia de Jesus e por dezesseteanos \
colonial em moldes p6s-tridentinos também o era. o único lugar da América onde os loiolanosesti-
Isto justificava de certa forma as constantes modi- veram.
62 rosé Cartas Sebe T O.Je«ü« 63
vamente deixavam as primeiras idealizações para colonizadoresdo tempo no que tange ao trato com
abraçar a realidade americana. Não faltaram aos je- os nativos; fugiam das discussões teológicas da épo-
suítas, para garantir o B11ê$j!.gamo
propriedade 9spb ca, tratando-os como seres humanos, procurando
çlíüal. em moldes peusn.Vontade.ç fazer a integração deles na sociedade, no mundo
trabaDhQ;.pã(Lexj$iram outras dições. Repetidas cristão.
vezes o fracasso desponta nas cartas'Na faina coti- Para manter-se no Brasil, a missão inaciana
diana por vezes o cansaço transparecia, como mos- tinha que vencer problemas em todas as direções. Se
tra, num momento de tristeza, o padre Antonio Blâs- era sua meta universal a ampliação dos domínios da
quez: ''o si Reverendíssima soubesse quão pesada Igreja reformadora, isto implicava a inclusão do
tem sido a cruz do Brazil, quão destinadas as perse- mundo dos selvagensnos padrões da comunidade
guições, quão desarrasoadas as queixas que algum européia. Tal propósito supunha submeter o meio
tempo de nós tiveram, parecendo a essa gente que colonial, quer do ponto de vista físico, quer social.
nós eramos a causa de toda a perdição. . Os colonos, contudo, muitas vezes, apresentavam
O sucessoda colonizaçãoexigia colaboração de problemas para a sociedade, não apenas no tocante
todos. Os.padres-manterianiaBrasil comalerritório às relaçõescom os nativos, mas também face à pró-
espirittlg!jesuítico à medidaque se tornassemcolo- pria ética familiar cristã. Entre tantos é significativo
nos, proprietários de terra, homens importantes no o caso do Capitão de Ilhéus que ''vivia com concu-
mundo..comercial, Ao lado das bases materiais que bina quetrouxera do reino''. Ilustrativotambémé o
tiveram, seria mister a Companhia rejeitar as outras caso de João Ramalho, qiie possuía muitas famílias.
ordens que porventura pudessem repa111g..çgm.ela Estes ''maus exemplos'' atrapalhavam a modelagem
seu podefê"mando;-Também a:.acomodação com o da sociedade pretendida. O desafio dos jesuítas no
cristão-novo foi um artifício cultivado pelos; jesuítas Brasil se mostrava contundente. Ã !!!çdida que .Q$.
no Brasil para se conseguir maior fortalecimento. aldeamentos fracaÉiãvfãiií'jieli'ínádequêç4g ê..!!da
Estes fatores explicam o domínio da Companhia de indígena, resJlêdê:Çenlar.gma operação colonizadora
Jesus nos primeiros tempos coloniais brasileiros. integrada nos demais tipos sociais. Por não terem sido
.K.{ As .aceitações dos jesuítas pelos índios. obede válidos os resultados conseguidõiUo Paraguai, Onde
'fiam a flutuações. Apresentavam-se os missionários os loiolanos organizaram a ''República dos Guara-
algumas vezes de forma positiva, sendo apontados nis'', eram necessáriosmuitospadres.
como causadores de milagres, outras vezes como mo- Para atrair mais operários para a messe, condi-
tivos de desgraça, de pobreza e de morte. De qual- ção para se manter o intento catequético, muitas
quer forma, foram mais práticos que os demais vezesos problefnas mostrados nas cartas eram exage-
rosé Cardos Sebe Os Jesuítas 67
rados, outras vezes contrastavam com atitudes edifi- terra como a própria empresa e as constantes recla-
cantes como prova da frutificação do apostolado. No mações que seguiram os primeiros contatos. Mesmo
entanto, cá e lâ os obstáculos se tornavam grandes assim, desfeito o sonho inicial, permaneceu a pre-
demais e eram também registrados. Apesar das con- tensão burguesa.
tradições serem constantes desde as cartas iniciais,
percebe-se na sequência da atividade epistolar a pre-
dominância cada vez maior de reclamações, dos
negativismos, da luta. A fadiga vencia a propaganda.
As respostas brasileiras
>f'" Se de início o padre Nóbrega declarava que exis-
tia perfeitapaz com os índios, que o ajudavam na A elaboração de um mundo colonial implicava a
construção de Salvador e que as condições alimen- tentativa de cópia de modelos. Existia um ideal reló-
tares oferecidas pela Colónia eram tão boas que ''são gios(}.DAdlãQ: o pjglé1lpoSuropeg.relglmado. Mai, o
poucos os que se enfermam e estes depressa se cu- transplante desta figura idealizada para a Colónia
ram'', progressivamente começavam as .lamúrias, os sofreria certamente a defasagem entre a aplicação
registrosem cartas, reclamando dos colonos que ti- do modelo espiritual e as possibilidades de assimi-
nham ódio ao gentio, das variaçõesclimáticase dos lação do colonizador, do índio e do mestiço.
demais religiosos. A carta do padre Ambrósio Pares A especificidade colonial exigia que as atitudes e
de 1554 é denunciadora deste estado de coisas: .''Gos- comportamentos dos jesuítas fossem diversos dos eu-
taria, meusirmãos, que vocêssoubessemem que ropeus. Lá, no Velho Mundo, o procedimento inte-
estado andam nossos irmãos..: imaginem uma vida lectualizado dos padres seguidores de Loiola obri-
desamparada de toda ajuda humana, e se os vissem gava a uma participaçãocoerentecom as condições
despidos, despojadose descalços, esfomeados... de- das reformas religiosas. Por exemplo: protestos con-
sagasalhadosna terra despovoada ou povoada pela tra medidasproibitivasimpostaspor Paulo IV em
pior gente deste mundo. . .'' 1559, que condenavam a leitura de todos os textos de
# De tim modo gerala terra do Brasil ia-se prole- Erasmo. Bataillon, em seu trabalho Erasmo e E=spa-
tando como lugar difícil ou como diria mais tarde rz#a, estuda as atitudes dos inacianos frente ao pro-
Antonil: ''Inferno dos Negros, Purgatório dos Bran- blema da cultura européia do período, mostrando a
cos e Paraíso dos Mulatos'', isto tudo era a empresa imensa luta travada para a definição do catolicismo
closjesuítas . reformado no plano das novas idéias.
Realmente verifica-se uma distância entre o tom Mesmo as condições.da$.demais-colónias for
triunfante pretendido por Nóbrega ao definir esta çê:(êB,.9s jesuítas a comportamentos mail próximo?
68 rosé Car/os .Sebe l
Os Jesuítas 69
Pirex escrevia aos padres e irmãos de Coimbrã recon- dç.sucesso objetivava-o esvaziamento-completo .da
siderando o erro gerado pela preocupação numérica. cultura.selvagem.e .a .substituiçãcl. de. seu! valores
Para que houvesseuma transformaçãodos cos- alravésü.da.cdaçãcl.de.novasestruturas--do...vida.Não
tumes, a destribalização se fazia necessária, e, mais conseguiram.isto .os.]oiolanos,.pois.mesmo contri-
do que isto, o rompimento com as antigas tradições. buindo para a-desintegração grupaLdos selvagen9i--o
A impossibilidade disto definia os limites da ação que fizeran!.!gLçrj4r.nma-espiritualidade nova, coe-
ortodoxa dos sacerdotes da Ordem de Santo Início rente com o mínimo assimilado.pelos nativos e-crês,
em relação aos batizados. tãos
Preocuparam-se os loiolanos em se fazer claros ?« Os gentiosguardavam a lei natiiral: não pos-
para os índios: traduziram as orações e sermões para suíam coisas próprias, viviam em primitiva comuni-
a línguada terra. Diz o padreAntonioParesem dade, comendo o que tinham e sem inquietação eco-
carta, de Pernambuco, aos padres e irmãos de Coim- nómica. Era, pois, inevitávelque os jesuítas mos-
brã, datada de 2 de agosto de 1551, que as traduções trassem a eles um deus material, até com problemas
eram. boas, que isto provocava muitas vantagens. terrenos. Tupana, o termo utilizado pelos padres
:â+#:E interessante notar que pelos registros episto- para significar deus, saíra do próprio vocabulário
laresjesuíticos a procura do batismo pelos índios era tupi. A ''simplificação'' entre o deus católico, uno e
imensa, mas, apesar de tudo, o bom sensoensinara trono ao mesmo tempo, para o rupana expressa o
que apenas fosse ministrado o sacramento depois dos nível da transformação.
catecismose exorcismos, ''quando possam ter mais >.C" Se frente ao sentido do batismo houve muita
firmeza e que de todo coração querem Cristo e que dificuldade de aceitação, imagine-se em relação à
também tenham se emendado dos maus costumes'' hierarquia celestee mesmo clerical. Como um índio
)«X Era difícil ensinar a religião aos selvagens. Su- entenderum deus incor$6reo, abstrato, pai de todos
primir os costumes tão arraigados como a antropo- ao mesmo tempo? Como aceitar anjos e dogmas? E
fagia e a poligamia, as velhas manias de bebedeiras e como admitir a autoridade do papa que não conhe-
as evasivas de lugar paro lugar, implicava substitui- cia, que estavado outro lado do oceano,numa
ção de valores. Substituição esta que não teria condi- terra ignorada? A simples adesão ao ritual de alguma
ções de ser implantada imediatamente. Condições atitude religiosa não implicava assimilação espiri-
que implicariam a criação de novos elementos, para tual. A espiritualidadejesuítica é que teve que se
suprir o entendimentoe educação dos selvagensse- curvar à capacidade assimiladora dos índios.
gundo o modelo católico do Velho Mundo. Em todo caso -- os registros em cartas o provam
O trabalho dos jesuítas para que fosse coroado os sacramentoscontinuavama ser difundidos,
74 José Cartas Sebe 75
Os Jesuítas
esplgtuêljdêdg.mesclada, uma realidade diversa. vam longo tempo sem confissão, comunhão ou missa.
# Dentre tantas dificuldades existentes para a
O aprendizado das orações, apesar de ser na
língua nativa, não tinha profundidade nenhuma. O manutenção da moral cristã, os jesuítas tiveram que
criar novos conceitos de pecado, fazer concessões,
sentidoabstratodas oraçõesnão era quase nunca ser mais plásticos.Prova isto o fato de Anchieta,
atingido. Assim, os novos fiéis repetiam mecanica-
na mesma carta, declarar tacitamente outras parti-
mente palavras sem que conseguissemaprender as
intencionalidades de suas idéias . cularidades da vida religiosa dos padres no Brasil
A história do sentimento religioso dos primeiros ''caso que a cada um acontece,que não sei se vos
momentos coloniais não pode ser desvinculada da parecerão lâ bem'', e continuava mais adiante acon-
influência portuguesa, que muito valorizava o culto selhandoos candidatosà ''vinha do Brasil'' que
externo, as festividades religiosas e o sentimenta- ''aparelhassem-sede grande fortaleza interior e de
lismo periférico, que persistiram na América portu- grandes desejosde padecer, de maneira que ainda
guesa. que os trabalhos sejam muitos, vos parecerão pou-
O sacramento da Eucaristia serve como medida cos". As possibilidades de comunhão eram raras e
para a análise do fenómeno. Comungavam os novos por isso os padres deveriam repetir as missas, fato
fiéis em situações diversas: em festas, por luto e em então só permitido em ocasiões especiais, mas que
era fenómeno comum no Brasil como mostrou An-
casos de guerra. A comunhão contudo s6 era possível
chieta: ''Algumas (vilas) distam três, outras seis mi-
com a presençade um sacerdotee, como poucos lhas, entre si; cada semana cultivada espiritualmente
eram os padres, nem sempre existiam possibilidades
todas estas povoações com não pouco trabalho, ora
de se comungar. Uma vida religiosa modelar, basi- celebrando missa, ora fazendo pregações. Frequente-
camente, seria fruto de contatos com sacramentos, mente também é necessário celebrar e pregar aos
com os ritos e a cerimónias inerentes à própria reli- domingos duas vezes e ir de vez em quando a outra
gião. A vida da Colónia, marcada pelas grandes dis-
povoação 18 milhas distante destas''
tâncias geográficas e pelo isolamento, impedia as Sía.s condições das coisas coloniais eram outras,
pretensões de maiores e mais constantes acessos a
estas práticas. Os irmãos da Companhia também bem diversas do tipo de vida do sertão, o que implica
eram atingidos por estes problemas. Quando acon constatar que existiam pelo menos dois níveis de
tecia de irem desacompanhadosde sacerdotes a al- espiritualidade numa mesma espiritualidade jesuí-
gum lugar -- como foi o caso de Pera Correia. Fa- tica brasileira. Na cidade, ou mais especificamente
biano de Lucena e João de Souza, que foram em nos colégios, era passível uma freqüência aos sacra-
campanha até a região dos CarÍjós, em 1554-- fica- mentos, uma disciplina mais rigorosa e normal onde
78 rosé Cardos Sebe l Os Jesuítas 79
A forma de enfocar o sacramento da confissão varão, ainda que eles não sejam os que mal cativam
antesIhe custarãoseu dinheiro na mão de outros
mostra como os jesuítas usaram este ato para conse-
guir seus intentos. Conscientes de que as dificuldades cristãos pois diz Soto e também os senhores da cons-
de .se ministrar este sacramento eram as mesmas da ciência e todo o Direito, que sempre vai o mal avide
com seu encargo. .
eucaristia ou da missa, convémnotar que os habi-
tantes de áreas próximas das cidades teriam maior A CQDfissãQ.pratambém.utilizada-para;a,mordi'
facilidadeao sacramentoe que, por outro lado, era zação çlê:Colónia. Casos de amancebamentos muitas
possível que os padres, de forma maisjntensa, domi- vezesforaníitiólvidos pelasconfissões.Ainda o pró-
nassem suas consciências. OÇl:Q!!tes8joDáriÕera algo prio N6brega foi quem contou a Simão Rodrigues em
importante para os jesuítas, elemento que possibili- carta da Bahia, datada de fins de agostode 1552:
tava a modelagemdas formas de pensar dos fiéis. ''E como nesta terra os mais homens sejam solteiros e
Neste sentido foi que os jesuítas se aproveitaram têm escravas com que pecam, os quais não absol-
desta prática para fazer valer seus planos. Foi sem vemos sem que primeiro as não apartem de si''
dúvida o ciãiliíéÊíiiãnaQoDque,
ao lado dos púlpitos e
A confissãonão tinha pois apenas o aspecto
re@ressixoque a caracterizava: adquirir-llmanutra
ensinamentos nos colégios, mais atingiu a consciên-
cia do colono. Negando a absolvição, o jesuíta con- função político-rQljgjgsa, que servia:.Coma..reflexo.de
seguia se impor aos escravizadores de índios. Assim é uma mentalidade-fo;ljadana;;Colónia
Uma espiritualidade diferente, pouco ''ingênua
que Nóbrega escreveu ao padre Simão Rodrigues: e rústica'', nascera da atitude moral dos jesuítas no
''A razão creio é porque a gente desta terra é fraca
em entender e de má criação e hâ muito habituada Brasil. Faltavam para o florescimento do catolicismo
condições materiais e tempo. Não existiam apoios
em grandes maldades e de mâ criação... Ajuntou-se
para o sustentodos padres, bases culturais para a
também nesta Capitania (São Vicente) haver muitos
índios forçados, outros salteados;e porque nós os doutrinação intelectual dos nativos, nem uma espiri-
tualidade definida entre os demais.colonos. Faltava
favorecemos e pregamos contra eles e alguns se liber-
taram, não os absolvemosse não os libertam...". também,e isto é importante,um sistemajudicial
Assim se comprometeuN6bregaao padre Quis forte, organizadorque conseguisseauxiliar a disci-
rácio Caixa -- se o pai pode vender a seu filho e se um plina na Colónia. A ausência de famílias e institui-
se pode vender a si mesmo, dizia no 5o corolário: ções seguras exigiu dos loiolanos um outro trabalho:
Erram os confessoresque absolvem aos que tais a or94Dj4açêo.êocjal.Num meio assim, a Companhia
escravospossuem, se os não põem em sua liberdade de Jesus veio atuai como colonizadora religiosa. Bem
perfeita e lhes pagam seus serviços, arbítrio de bom cedo os inacianos afrouxaram suas pretensões. O ele-
84 rosé Cartas Sebe
Pr/melros Jeszzífasdo .Brasa/, São Paulo, Comissão do Serafim Leite, S. J., Hisfórfa da Cbmpan/zla de Jesus
IV Centenário, 1954(3 tomos). lzo.Brasa/,Lisboa e Rio, Livraria Portugâliae Civili-
zação Brasileira, 10 v., 1938-1950.Leia-se ainda:
2 Brodrick, James, Orzgfzzei ef Erpansion des Jêsuífes ,
Alguns estudos que cobrem o período colonial e Sfelt, Paria, 1950;Cabral, Luiz Gonzaga, Jexzzífasno
que por certo não deixam de abordar o assunto são .Brasa/ (séc. .ZÓ), São Paulo, 1925; Fonseca, Regina
também apontados como básicos. Mana d'Aquino, .4s ]b/zssões Jesuíflcas do Ifaffm. am
Os estudos que tratam da ética da colonização estudo das estruturas sócio-económicas coloniais do
em seus fundamentos parecem essenciais por propor Paraguaí(séclz/osXV7 e XVZ7), São Paulo, USP,
uma interpretaçãomais esclarecedorado que foi a FFLCH, Depto. de História (mimeo.); Madureira,
conquista: Cervo, Luiz Amado, Cbnfafo entre CTví- José Manuel, .4 liberdade dos Zndlos e a CbmpanÀfa
lizações, Conquista e Colonização Espanholas da de Jesus: sua pedagogia e seus resultados, \mprensa
.4méríca,São Paulo, McGraw-HU1,1975;Hoeffner, Nacional, 1927; Neves, Luiz Felipe Baeta, O Com-
!ase$h, La Etica en la Coloria Espaãola delSigla de bate dos Soldados de Crista na Terra dos Paraguaios
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tura Hispânica, 1957;Holanda, SérgioBuarque de, Universitâria, 1978; Parva, José Mana de, Cb/onl-
Visão do Parado, São Paulo, Nacional, 1969; Hoor- zação e Catequese, /549-1ó00, São Paulo, Cortez,
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berto, Casa-Grande & .Senda/a, Rio, J. Olympio,
1973;Vat, Odulfo van der, Princípios da Zgrda no
.Brasa/, Petrópolis, Vozes, 1952; Abreu, Capistrano
de, Capífu/osde .HisfórfaCb/orla/, Brasília, Editora
da Universidade de Brasília, 1963.
3
É muito ampla e polémica a bibliografia sobre
os jesuítas. Os próprios loiolanos têm cuidado da
elaboração de estudos sobre o passado colonial. A
mais significativa obra a este respeito é do Padre
COLEÇÃO TUDO É HISTÓRIA
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Vol. l Colónia
Vol. ll - Império
Vol. 111- República
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Vol IV-A Era de
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Uma História do Brasil que fala de seu
povo. dos trabalhos e.lutas do cotidianó
brasileiro, sem"perder de vista a análise
dos fundamentosde nossaformação
social. Esta coleçõo foi elaborada a
partir do contato intenso dos autores
editora brasiliense pesquisadores e professores de História
em universidades e colégios, com os
problemas do ensino da matéria
Terra Sem Mal: O profetismotupi-guarani
Hélêne Clastres
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