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Faces Do Trabalho - 2
Faces Do Trabalho - 2
FACES DO TRABALHO:
ESCRAVIZADOS E LIVRES
G618
Goldmacher, Marcela; Mattos, Marcelo Badaró; Terra, Paulo Cruz.
(Organizadores)
Faces do trabalho: escravizados e livres./ Marcela Goldmacher, Marcelo
Badaró Mattos, Paulo Cruz Terra (Organizadores).
– Niterói : EdUFF, 2010.
204 p. : il. ; 23 cm. — (Coleção Biblioteca EdUFF, 2004).
Inclui bibliografias
ISBN 978-85-228-0540-2
1. História 2. Escravidão I. Título II. Série
CDD 909.04
O manuscrito possui por título “Historico de 1876 a 1912” e apresenta-se como cópia fiel de
apontamentos velhos consultados em 24/09/1934. A julgar pelo período compreendido no
“Historico”, os tais primeiros apontamentos devem ter sido escritos por seu autor a pedido dos
militantes do sindicato da categoria (a Liga Federal dos Empregados em Padaria) para subsidiar o
relatório por eles apresentado ao Segundo Congresso Operário Brasileiro, em 1912. Várias das
informações fornecidas pelo “Historico” coincidem com as do relatório (embora haja algumas
diferenças de datas e outros dados fornecidos por João de Mattos conferem com os publicados no
jornal O panificador, publicado a partir de 1899 pela Sociedade Cosmopolita dos Empregados em
Padarias. O manuscrito foi publicado em fac simile em DUARTE, 2002.
DUARTE, 2002, p. 64-65.
DUARTE, 2002, p. 67.
DUARTE, 2002, p. 70.
DUARTE, 2002, p. 77.
MARX & ENGELS, 1986; MARX, 1982.
THOMPSON, 1987-1988; THOMPSON, 2003.
QUINTÃO, 2002, p. 82.
O Abolicionista, nº 14, Rio de Janeiro, 01/12/1881, ano II, p. 5.
O Abolicionista, nº 12, Rio de Janeiro, 28/09/1881, ano II, p. 7.
Sobre a trajetória dos tipógrafos do Rio e de São Paulo na segunda metade do século XIX ver
VITORINO, 2000.
Conferência realizada no Teatro S. Luis em benefício da Associação Tipográfica Fluminense, em 23
de março de 1879, por Vicente de Souza. Rio de Janeiro: Tipografia de Molarinho e Montalverde,
1879, p. 15 e 28. Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro, microfilmes, P1.
Apud, SILVA, 2003, p. 97.
Estatutos da Sociedade Beneficente denominada Liga Operária. Rio de Janeiro: Tipografia da
Reforma, 1872, p. 3.
Arquivo Nacional, Conselho de Estado, Sociedade de Beneficência da Nação Conga “Amiga da
Consciência” (24 de Setembro de 1874), fl. 9.
Idem, fl 2v.
Idem, fl 2 v.
Mais informações sobre essas experiências podem ser encontradas em CHALHOUB, 2003.
KARASH, 2000, p. 394.
Apud, CRUZ, 2000, p. 252.
LONER, 2001, p. 275.
Jornal dos Tipógrafos, Rio de Janeiro, 14/01/1858, p.1.
Apud REIS, 1988, p. 8, que se constitui no estudo mais detalhado daquele movimento.
DUARTE, 2002, p. 71.
A Voz do Trabalhador, Rio de Janeiro, 15/07/1908, p. 2.
A Voz do Trabalhador, Rio de Janeiro, 01/07/1913, p. 2.
RATONEIROS, FORMIGUEIROS E
ATRAVESSADORES:
TRABALHO E EXPERIÊNCIAS SOCIAIS DE
LIBERTOS EM PORTO ALEGRE NAS
PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XIX
Gabriel Aladrén
Há um esforço, relativamente recente na historiografia brasileira em
associar os campos de estudo sobre o trabalho escravo e o trabalho livre.
Esse esforço resulta de um diagnóstico: as pesquisas que analisam o período
inicial da formação da classe operária não contemplam, de modo geral, as
continuidades entre as características do trabalho e dos sistemas produtivos,
as formas de organização e, sobretudo, as tradições políticas e culturais dos
trabalhadores brasileiros no período escravista e após a Abolição.
Com efeito, são cada vez mais abrangentes os estudos que procuram
associar perspectivas teóricas, questões e métodos da historiografia da
escravidão com a classe operária, conformando um campo que costuma ser
denominado de história social do trabalho.
Antonio Luigi Negro, refletindo a partir da historiografia sobre a classe
operária, sugeriu que uma análise acerca do período formativo da classe
trabalhadora no Brasil deve necessariamente contemplar as últimas décadas
da vigência da escravidão, momento em que foram elaboradas algumas das
tradições culturais e políticas dos trabalhadores.28
Silvia Hunold Lara criticou as teses que concebem uma oposição
irreconciliável entre o mundo da escravidão e o da liberdade, formuladas a
partir dos conceitos de substituição e transição do trabalho escravo para o
livre. Lara observou que essa historiografia tem como premissa a ideia de
que os escravos (e, por extensão, os ex-escravos) não seriam sujeitos
políticos legítimos. A história do trabalho no Brasil e, sobretudo, da ação
política dos trabalhadores, teria início apenas com o fim da escravidão. A
autora sugeriu que o desenvolvimento da historiografia da escravidão
durante as décadas de 1980 e 1990 teria um papel fundamental na
renovação das análises sobre o período de formação da classe operária
brasileira.29
Alguns estudos sobre as relações raciais no Brasil também contribuíram
para o redimensionamento das noções de substituição e transição do
trabalho escravo para o livre. Sem desconsiderar a Abolição como um
marco histórico importante, Hebe Mattos estudou os escravos articulando
suas expectativas em relação ao trabalho e às relações raciais com os
projetos e trajetórias de libertos após a emancipação. A autora concluiu que
os ex-escravos conseguiram renegociar condições de trabalhos nas
fazendas, a partir de suas próprias expectativas, forjadas ainda nos tempos
do cativeiro, acerca do modo como deveriam vivenciar sua liberdade e
usufruir seus espaços de autonomia.30
George Andrews estudou as relações raciais em São Paulo no pós-
Abolição e chegou a algumas conclusões semelhantes, tanto para o meio
rural quanto para o urbano. Observou que os libertos tinham um poder de
barganha e podiam negociar com seus empregadores, ainda que sofressem a
pressão da disputa no mercado de trabalho com os imigrantes europeus.
Segundo Andrews, as expectativas dos ex-escravos acerca das condições de
trabalho baseavam-se em suas vivências no cativeiro.31
Há trabalhos que notaram semelhanças entre as experiências e formas de
atuação política de trabalhadores escravizados e livres. João José Reis, ao
pesquisar a organização dos escravos em cantos32 na cidade de Salvador,
percebeu uma complexa interação entre identidade étnica e de classe. Se,
por um lado, identidades étnicas e raciais eram motivo de tensão entre os
ganhadores, por outro, sua condição de classe (derivada de sua ocupação no
trabalho ao ganho) unificava escravos e livres de diversos grupos étnicos e
raciais. Essa identidade classista manifestou-se em uma greve que esses
trabalhadores organizaram no ano de 1857, em protesto contra a
regulamentação que a Câmara Municipal de Salvador pretendia impingir às
suas atividades. Segundo Reis, ao longo da segunda metade do século XIX,
progressivamente a identidade de classe superou as distinções étnicas e
raciais, tornando-se predominante entre os trabalhadores urbanos às
vésperas da Abolição.33
Marcelo Badaró Mattos, ao estudar a formação da classe trabalhadora no
Rio de Janeiro, compartilha da premissa de que devem ser estudadas as
relações e convergências entre as experiências de trabalhadores escravos e
livres:
[...] trabalhamos com a hipótese de que no processo de formação da classe trabalhadora, na
cidade do Rio de Janeiro, no período que vai de meados do século XIX às primeiras
décadas do século XX, a presença da escravidão, as lutas dos escravos pela liberdade e as
formas pelas quais as classes dominantes locais buscaram controlar seus escravos e
conduzir um processo de desescravização sem maiores abalos em sua dominação, foram
fatores decisivos para a conformação do perfil da nova classe de trabalhadores
assalariados.34
O trabalho do autor tem como referência teórica a obra de E. P.
Thompson, cuja influência na historiografia da escravidão e da classe
operária no Brasil é notória. Por outro lado, pode-se dizer que parte dessa
renovação historiográfica também reflete uma reatualização das discussões
acerca do caráter moderno das experiências de escravos nas Américas. No
campo dos estudos culturais, Paul Gilroy assevera que o estudo da diáspora
africana é indissociável de uma concepção mais ampla que pressupõe a
expansão da modernidade e do capitalismo no Mundo Atlântico. Gilroy
sugere que as tradições e a cultura política elaborada pelos negros no Novo
Mundo podem ser entendidas como uma contracultura da modernidade.
Enfim, o aspecto que cabe ressaltar é que as ações políticas e culturais dos
escravos eram parte da história da modernidade e de sua criação no Mundo
Atlântico.35
Gilroy tem como uma de suas influências o historiador C. L. R. James,
que escreveu uma brilhante obra sobre a revolução dos escravos no Haiti. A
principal linha de força da obra de James tem como pressuposto a tese de
que as experiências dos escravos nas plantations da colônia francesa – e,
por extensão, em todas as regiões onde foi instituída a escravidão moderna
– eram condicionadas por uma forma de organização do trabalho que se
aproximava das condições de trabalho da classe trabalhadora no regime
industrial:
Os escravos trabalhavam na terra e, como camponeses revolucionários de qualquer lugar,
desejavam o extermínio de seus opressores. Mas, trabalhando e vivendo juntos em grupos
de centenas nos enormes engenhos de açúcar que cobriam a Planície do Norte, eles estavam
mais próximos de um proletariado moderno do que qualquer outro grupo de trabalhadores
naquela época, e o levante foi, por essa razão, um movimento de massas inteiramente
preparado e organizado.36
C. L. R. James constatava a modernidade das experiências escravas no
Novo Mundo e, preocupado com os rumos dos movimentos de
trabalhadores naquele momento de expansão do nazismo e do fascismo –
seu livro foi publicado em 1938 –, afirmava a necessidade de integrar aos
programas da esquerda tradições, problemas e objetivos específicos dos
movimentos negros na luta contra a opressão racial.
*****
Neste trabalho, abordo uma conjuntura algo distante da existente em
cidades como o Rio de Janeiro ou Salvador da segunda metade do século
XIX, onde uma grande concentração de escravos e negros livres, associada
a condições bem desenvolvidas e diversificadas de trabalho urbano e,
inclusive, no caso carioca, a um incipiente sistema fabril, ensejou uma
associação mais direta entre as experiências de escravos e operários. Nem
ao menos posso considerar a região estudada como um local em que se
tenham desenvolvido plantations nas quais trabalhavam e viviam grupos
numerosos de escravos, tal como descrito por James em relação ao Haiti.
A região de Porto Alegre, nas primeiras décadas do século XIX, era
marcada por um forte caráter rural e, mais que isso, povoada por unidades
produtivas cuja mão de obra era constituída de pequenas e médias
escravarias e trabalhadores vinculados a formas diversas de trabalho
“livre”. Se essa estrutura socioeconômica não permitiu o surgimento de
uma cultura política enraizada em experiências semelhantes às existentes no
Haiti (pensando no mundo rural) ou em Salvador e Rio de Janeiro
(pensando no mundo urbano), justamente a diversidade das formas de
trabalho e, sobretudo, da condição dos trabalhadores, propicia vislumbrar
um desenvolvimento específico da experiência negra no Mundo Atlântico.
A especificidade dessa experiência, em Porto Alegre, pode ser mais bem
compreendida a partir de dois eixos temáticos que condicionavam as
possibilidades de ação dos trabalhadores: as atividades econômicas e as
políticas de domínio senhorial. Para compreendê-los, estudei um tipo
específico de trabalhador, o liberto. Pretos e pardos, ex-escravos ou
nascidos livres, podem ser considerados como um grupo social privilegiado
para analisar a diversidade de experiências vivenciadas por trabalhadores
livres em uma sociedade escravista, bem como para observar as alternativas
e soluções por eles encontradas para construir redes de solidariedade e
formas de proteção a sua existência e a seus espaços de autonomia.
A historiografia brasileira, durante largo espaço de tempo, negligenciou
a análise dos chamados grupos intermediários na sociedade brasileira
colonial e imperial. Os debates em torno de sua natureza e dinâmica que,
internamente, fundavam-se no conflito entre senhor e escravo, acabaram
por excluir os libertos e livres pobres dessas reflexões. A visão polarizada
das hierarquias e relações sociais no Brasil escravista tinha como imagem
clássica a oposição entre os senhores – frequentemente representados como
um senhor de engenho ou um grande cafeicultor – e a enorme massa de
escravos que trabalhavam no eito.
Essa interpretação aparece em Caio Prado Júnior que, ao observar o
amplo predomínio do trabalho servil na colônia, sustentou que esse modelo
constituía um óbice para a valorização do trabalho entre as camadas livres,
restringindo sobremaneira as possibilidades de inserção econômica e social
daqueles que não eram nem senhores, nem escravos:
Entre estas duas categorias nitidamente definidas e entrosadas na obra da colonização
comprime-se o número, que vai avultando com o tempo, dos desclassificados, dos inúteis e
inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem ocupação
alguma [...]. Compõe-se sobretudo de pretos e mulatos forros ou fugidos da escravidão;
índios destacados de seu habitat, mas ainda mal ajustados na nova sociedade em que os
englobaram; mestiços de todos os matizes e categorias, que, não sendo escravos e não
podendo ser senhores, se vêem repelidos de qualquer situação estável, ou pelo preconceito
ou pela falta de posições disponíveis.37
Segundo Caio Prado, essa “subcategoria colonial” seria composta de
três partes: aqueles que habitavam os vastos e longínquos sertões, apartados
da civilização e do contato com as vilas coloniais; aqueles que habitavam as
cidades e, sobretudo, os campos e constituíam a clientela de poderosos
senhores, os agregados; e os “desocupados permanentes”, vadios, que
circulam pelas cidades e pelo campo, vivendo principalmente de crimes e
atividades completamente irregulares.38
Em que pesem as novas contribuições da historiografia a propósito do
trabalho livre na sociedade escravista, muitas delas tendo como ponto de
partida a crítica mais ou menos contundente do modelo elaborado por Caio
Prado Júnior,39 alguns pontos desse modelo ainda têm validade. Por mais
que o historiador tenha carregado nas tintas ao falar da inexpressividade do
trabalho livre, é inegável que a estrutura da sociedade escravista, sobretudo
nas regiões orientadas para a exportação, colocava alguns óbices à
valorização dos trabalhadores livres, em especial os ex-escravos.
Este trabalho está dividido em duas partes: na primeira, faço uma
análise das possibilidades de inserção econômica existentes para os libertos
no Rio Grande do Sul, enfocando de forma específica a região de Porto
Alegre; na segunda, recupero as experiências de um grupo particular de
trabalhadores libertos, que viviam em trânsito entre o mundo rural e o
urbano, os quitandeiros e pombeiros.
Conclusão
O controle social sobre os libertos era empreendido tanto pela classe
senhorial – a partir do exercício de um domínio pessoalizado, sobretudo
quando o ex-escravo estava vinculado a uma relação subordinada com um
amo – quanto por autoridades estatais, no âmbito da polícia e da justiça.
Visando restringir os significados da liberdade exercida – a partir do
controle da movimentação espacial, das relações de solidariedade e das
atividades econômicas – autoridades e senhores de escravos envidavam
esforços, muitas vezes em conjunto, com o objetivo de manter os libertos
em uma posição subordinada na hierarquia social.
Em meados da década de 1820, em Porto Alegre, talvez o principal alvo
da repressão policial e judiciária fossem os libertos quitandeiros, pombeiros
e remeiros. Articulando redes de solidariedade cuja base era a experiência
comum no trabalho, associada a identidades de cunho étnico e racial, esses
pretos forros tornaram-se um problema para a classe senhorial e autoridades
estatais. Vivendo em trânsito entre o ambiente rural e o urbano e
sustentando-se da compra e venda de gêneros alimentícios e outras
mercadorias, estavam em uma posição privilegiada para articular relações
subversivas entre o mundo da escravidão e o da liberdade. Longe de
reforçarem os mecanismos que sustentavam o sistema escravista, os pretos
quitandeiros eram vistos como um incômodo e, eventualmente, uma ameaça
ao bom governo dos escravos e à reiteração das hierarquias sociais.
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Cantos eram grupos de trabalho urbano que reuniam ganhadores (escravos e livres, de diversas
cores), organizados a partir das distintas identidades étnicas.
REIS, 2000.
MATTOS, 2005, p. 11. Além dos trabalhos indicados nessa breve revisão historiográfica, devo
indicar, igualmente, outros que compartilham essas perspectivas: CRUZ, 2000; LONER, 2001;
CHALHOUB, 2003; LIMA, 2005; COSTA, 2006; TERRA, 2007.
GILROY, 2001. Robin Blackburn realizou uma obra de síntese notável, cujo pano de fundo é
justamente a relação entre a escravidão e a modernidade. Ver: BLACKBURN, 2003.
JAMES, 2007, p. 91. A obra foi publicada originalmente na Inglaterra com o título “The Black
Jacobins” no ano de 1938.
PRADO JÚNIOR, 2000, p. 289. Uma interpretação distinta que valoriza, ao contrário de Caio Prado,
o passado escravista brasileiro, mas descreve a sociedade escravista igualmente polarizada pela
relação entre senhor e escravo é a de FREYRE, 1989.
PRADO JÚNIOR, 2000, p. 290-291. Para o autor, a existência dessa massa de pessoas que viviam
mais ou menos à margem da ordem social tinha duas causas principais: a predominância do trabalho
escravo e o sistema econômico da produção colonial. A primeira desvalorizava o trabalho e restringia
as oportunidades de inserção econômica dos homens livres; a segunda obstava o desenvolvimento e a
lucratividade de pequenas e médias propriedades, não voltadas para a agroexportação.
Os trabalhos de Stuart Schwartz, por exemplo, demonstram o vigor e a importância dos setores não
escravos na economia brasileira, sobretudo no meio rural. Ver SCHWARTZ, 1988; SCHWARTZ,
2001.
Daumard, 1985. Ver também a apreciação de Garavaglia sobre os limites e possibilidades de
utilização dessa fonte: Garavaglia, 1993.
FARIA, 2001.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de João Antônio da Rocha, 1823. 1a
Vara de Família de Porto Alegre, Maço 32, no 796.
LINHARES e SILVA, 1981, p. 138-141.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Antonio Pedro, 1825. 1a Vara de
Família de Porto Alegre, maço 35, no 858.
O nome do escravo estava ilegível.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Antônio Muniz, 1814. 1a Vara de
Família de Porto Alegre, maço 23, no 507.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Antonio Velozo, 1806. 2a Cível e
Crime de Porto Alegre, maço 03, no 63.
Mariza Soares constatou que na Costa da Mina os escravos não eram batizados nos portos de
embarque, sendo feito seu batismo nas cidades onde eram desembarcados, como era o caso do Rio de
Janeiro. Ver SOARES, 2000, p. 111.
FIGUEIREDO, 1993; FARIA, 2001. Em ambas as obras, os autores observam que as “negras de
tabuleiro” dominavam o comércio ambulante, tanto no período colonial quanto ao longo do século
XIX. Entretanto, na segunda parte deste trabalho, serão analisados homens libertos que também
praticavam o comércio ambulante, realizando tanto a compra e a venda de produtos quanto o seu
transporte pelas vias fluviais que ligavam a vila de Porto Alegre a outras regiões no entorno. Com as
informações de que disponho, não é possível avaliar a participação relativa de homens e mulheres
forros nessas atividades, nem ao menos definir, com precisão, se havia algum tipo de diferenciação
no tipo de comércio praticado e nos produtos transacionados por homens e mulheres. Apesar disso,
pode-se afirmar com certeza que tanto mulheres quanto homens “quitandavam” na praia da vila de
Porto Alegre, local em que eram negociados esses produtos.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de João Machado de Borba, 1819. 1a
Vara de Família de Porto Alegre, maço 27, no 657. A viúva pediu um atestado de pobreza e
conseguiu, com o parecer do vigário de Viamão, Bartolomeu Lopes de Azevedo. O vigário diz que a
viúva vivia de esmolas de alguns fiéis e que inclusive precisou delas para sepultar o marido.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Joaquim Pereira da Rosa, 1821. 1a
Vara de Família de Porto Alegre, maço 30, no 736.
Russell-Wood, 2005, p. 89-90.
Id. Ibid., p. 95-98.
Saint-Hilaire, 1999, p. 41.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Joaquim Pereira da Rosa, 1821. 1a
Vara de Família de Porto Alegre, maço 30, no 736.
Osório, 2007, p. 103-179.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Luiza Maria, 1814. 1a Vara de
Família de Porto Alegre, maço 23, no 502.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de João Félix Correia, 1820. 1a Vara de
Família, maço 28, no 700.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Maria Thereza Marques, 1823. 1a
Vara de Família de Porto Alegre, maço 32, no 802.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Inventário de Pedro Gonçalves, 1819. 1a Vara de
Família de Porto Alegre, maço 27, no 675.
OLIVEIRA, 1988, p. 41.
LEWKOWICZ, 1988/1989, p. 108.
FARIA, 2001, p. 309.
LUNA e KLEIN, 2005, p. 197-222. Ver também: KLEIN e PAIVA, 1997.
LUNA e KLEIN, 2005, p. 209-210.
Russell-Wood, 2005, p. 86.
Ratoneiro é o “ladrão de coisas de pouco valor”. Ver SILVA, 1813.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Processos Sumários. Porto Alegre,
Cartório do Júri, maço 08, no 204.
“Ladrão formigueiro. Ladrão de pouquidades. Aquele que, à imitação da formiga, furta aos poucos”.
Ver BLUTEAU, s.d.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Processos Sumários. Porto Alegre,
Cartório do Júri, maço 08, no 205.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Processos Sumários. Porto Alegre,
Cartório do Júri, maço 08, no 207.
Para uma análise acerca das experiências de escravos e libertos durante as campanhas contra Artigas
e a Guerra da Cisplatina, ver: ALADRÉN, 2008. Em especial o capítulo 4, “Experiências de
liberdade em tempos de guerra”, p. 138-168.
Pombeiro é uma espécie de mascate, ocupado em percorrer pequenas vilas e municípios do interior
comprando e vendendo mercadorias. Designa também o vendedor ambulante de pombos e galinhas e,
no Nordeste do Brasil, o revendedor de peixe. Ver FERREIRA, 1975. Possivelmente essas acepções
derivam da definição dada por Bluteau: “Em Angola os portugueses chamam pombeiros aos seus
escravos crioulos, a quem ensinaram a ler, escrever, e contar, os quais vão tratar com os negros, e
comprá-los.” Ver BLUTEAU, s.d.
A “praia” da cidade de Porto Alegre é a Rua dos Andradas, popularmente chamada até os dias de
hoje de “Rua da Praia”. Era a principal zona comercial da cidade, onde ficavam as lojas dos
negociantes, as quitandas e os mercadores ambulantes. Nesta rua, em frente ao cais, encontrava-se a
“Praça da Quitanda”, hoje chamada de Praça da Alfândega. Nesse entorno agrupavam-se os
comerciantes, sobretudo os quitandeiros. Ver FRANCO, 2006. Verbetes “Praça da Alfàndega”, pp.
21-24 e “Rua dos Andradas”, pp. 29-31.
Por “lenha” entenda-se galhos ou troncos de árvores cortadas cujo fim é prover os fornos e lareiras
das casas. Não se deve confundir com “madeira”, que designa “tábuas, pranchas, barrotes, vigas,
traves, que por serem matéria para diversas obras de carpintaria, são chamadas madeira”. Ver os
verbetes “lenha” e “madeira” em: BLUTEAU, s.d. O corte e a comercialização da “lenha” não
estavam sujeitos à regulamentação, ao contrário da “madeira”, cuja produção e acomercialização
estavam protegidas por monopólios e contratos.
Caminho Novo era o topônimo que indicava, até o último quartel do século XIX, a atual Rua
Voluntários da Pátria. O caminho fora aberto pelo governador Paulo José da Silva Gama em 1806,
margeando o Rio Guaíba até a Várzea do Gravataí, para facilitar o acesso à vila de Porto Alegre.
Escassamente urbanizada até o final da Guerra dos Farrapos a região do Caminho Novo era povoada
por chácaras e matos, onde certamente José Antônio e seus companheiros iam rachar lenha. Sobre o
Caminho Novo ver: FRANCO, 2006. Verbete “Rua Voluntários da Pátria”, p. 429-431.
Note-se que os designativos de cor não identificavam unicamente a cor da pele. As cores eram
categorias que expressavam uma posição na hierarquia social e baseavam-se em uma complexa e
ainda pouco conhecida interação entre cor da pele, riqueza, condição jurídica e posição social. Ainda
assim, o significado preciso de cada designativo dependia do contexto específico em que se operava a
nomeação. Para algumas discussões sobre as hierarquias de cor no Brasil colonial e imperial, ver:
Russell-Wood, 2005; MATTOS, 1995; MATTOS, 2004; LARA, 2007. Para uma análise das
hierarquias raciais e significados dos designativos de cor no Rio Grande do Sul, ver: ALADRÉN,
2008. Em especial o capítulo 3, “A liberdade sob os signos da cor”, pp. 106-137.
Atual Rua Caldas Júnior, que atravessa a Rua da Praia e fica próxima ao cais e à Praça da Quitanda.
Segundo afirmaram várias testemunhas no processo.
Atual Rua Senhor dos Passos. Essa rua localiza-se onde em fins do século XVIII situava-se a chácara
de Antônio Pereira do Couto. Açoriano, estabeleceu-se em Porto Alegre em 1786 com um estaleiro, e
vivia “de fazer embarcações”. Morreu em 1819. Ver FRANCO, 2006. Verbetes “Antônio Pereira do
Couto” e “Rua Senhor dos Passos”. É provável que José Antônio, junto com os outros pretos que
viviam na Senhor dos Passos (também chamada, na época, de Beco do Couto), tivesse sido
empregado de Antônio Pereira Couto, quer construindo embarcações, quer no serviço de remeiros.
Segundo o depoimento de Vitoriano Francisco Lopes.
Esse depoimento é muito interessante, pois sugere que Angria fazia parte de uma rede comercial de
venda de escravos. É possível que alguns proprietários de regiões próximas de Porto Alegre (como é
o caso de Capela de Viamão) deixassem seus escravos com o preto forro, que residia no centro da
cidade, para serem oferecidos e vendidos. Note-se, portanto, a ambiguidade da posição de Angria e
de outros pretos pombeiros: podiam participar como intermediários na venda de escravos, mas
também eram acusados de acoitar escravos fugidos. Essa situação é ambígua, mas não
necessariamente contraditória. Sabe-se que muitos escravos faziam esforços para serem vendidos e
eventualmente logravam obter algum grau de interferência na sua própria comercialização, sobretudo
quando eram crioulos ou africanos ladinos, já conhecedores dos códigos e regras da sociedade em
que viviam como cativos. Portanto, há uma possibilidade de que Angria desse asilo a escravos que
fugiam de seus senhores para serem vendidos e não para conquistarem a liberdade. Essas fugas foram
cunhadas de “reivindicatórias” por João José Reis, pois não pretendiam um rompimento radical com
o sistema escravista e tinham como objetivo uma negociação. Ver REIS, 2005, pp. 62-78. Ver
também, a respeito da intervenção de escravos nas transações de compra e venda em que eram
objetos: LARA, 1988, pp. 159-163; CHALHOUB, 1990, pp. 43-53; MATTOS, 1995, pp. 169-190.
Localizei o caso de um escravo que encaminhou uma petição ao governador da capitania do Rio
Grande solicitando sua venda. Manoel crioulo era escravo do Alferes Brás Linhares, do distrito de
Rio Pardo e alegou que “sofreu as maiores tiranias que jamais se tem visto”, de modo que foi
“obrigado” a fugir. Ele pede então para ser vendido e inclusive indica dois possíveis compradores,
interessados em suas habilidades como oficial de sapateiro. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
Fundo Requerimentos. Porto Alegre, 21 de janeiro de 1813.
Petição e despacho do preto forro José Antônio de Araújo. Arquivo Público do Rio Grande do Sul.
Livro de Registros Diversos do 2o Tabelionato de Porto Alegre, no 11, fls. 59v.-60, 14/3/1820.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Processos Sumários. Porto Alegre,
Cartório do Júri, maço 17, no 449.
Nesse sentido, é importante a obra de Silvia Lara, que analisa as propostas encaminhadas pelo conde
de Resende, vice-rei do Estado do Brasil, ao secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Luís
de Souza Coutinho, datadas do ano de 1796. O conde de Resende preocupava-se sobremaneira com a
“imensa quantidade de mulatos e pretos forros” que viviam na cidade do Rio de Janeiro sem
ocupação e entregues ao ócio e à criminalidade. Ele propunha que essa “classe de gente” fosse
empregada na agricultura, nas fábricas ou no serviço público. Ver LARA, 2007.
Resposta de Caetano Ferreira Gomes no Auto de perguntas feitas ao réu.
Articulações entre libertos e escravos fugidos já foram percebidas em estudos sobre quilombos em
diversas regiões do Brasil. Ver GOMES, 2005.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Processos Sumários. Porto Alegre,
Cartório do Júri, maço 02, no 55. Além de pronunciado por acoitar a escrava fugida, seu processo
seguiu o padrão dos anteriormente analisados: foi acusado também de ser vadio, não ter domicílio
certo e viver de roubos. Na sentença foi condenado a dois anos de galés e a pagar a multa de dez mil
réis para a despesa da Junta da Justiça, pois, embora as evidências de que teria acoitado a escrava
fossem insuficientes para provar sua culpa nesse delito, “o réu não deu prova de boa vida e costumes
por pessoas de fé”.
Atual cidade de Guaíba, situada na região metropolitana de Porto Alegre. A ligação da capital com
Pedras Brancas fazia-se, na época, por meio de canoas e embarcações, atravessando-se o Rio Guaíba.
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). Processos Sumários. Porto Alegre,
Cartório do Júri, maço 08, no 206.
Carta do sr. capitão comandante do distrito de Pedras Brancas, Vicente Ferreira Leitão, dirigida ao
governador conde da Figueira, datada de 25/11/1818. A carta está apensa aos autos do processo cujo
réu era o preto forro Vicente Ferreira.
O pardo forro Manoel Antônio Meireles foi acusado de ter ajudado três escravos a fugirem, no ano de
1824 (Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Processos Sumários. Porto Alegre, Cartório
do Júri, maço 07, no 178). Em 1819, o pardo forro Manoel de Jesus encaminhou uma petição ao
governador do Rio Grande de São Pedro solicitando sua libertação da Cadeia da Justiça, onde se
achava preso há cinco meses, acusado de ter acoitado uma escrava fugida (“Lançamento de uma
Petição e Atestação pertencente a Manoel de Jesus pardo forro”. Arquivo Público do Estado do Rio
Grande do Sul. Livro de Registros Diversos do 2o Tabelionato de Porto Alegre, no 11, fls. 9-10,
1/7/1819).
HIERARQUIZAÇÃO E SEGMENTAÇÃO:
CARREGADORES, COCHEIROS E
CARROCEIROS NO RIO DE JANEIRO
(1824-1870)93
Paulo Cruz Terra
“Tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é negro”.94
O trecho acima foi escrito pelo viajante Ave-Lallemant, que esteve na
Bahia em 1858. Apesar de se referir a Salvador, ele se assemelha às
descrições feitas por outros viajantes sobre a cidade do Rio de Janeiro no
período, no sentido de apontar os negros como os principais responsáveis
pelo transporte de mercadorias e pessoas.
Thomas Ewbank, por exemplo, que esteve no Brasil entre 1845 e 1846,
afirmou que: “Toda a parte comercial do Rio de Janeiro é singularmente
bem adaptada para ferrovias e, se o povo decidir não continuar a utilizar os
negros como bestas de carga, seria de seu interesse possuí-la”.95 A
comparação dos negros com os animais de carga foi feita ainda em outro
momento de seu texto: “Aqui não temos carros puxados por quadrúpedes
para o transporte de mercadorias. Os escravos são os animais de tração
assim como de carga”.96
Os estudos que analisaram os carregadores negros no Rio de Janeiro
tiveram os livros de viagens como principal fonte.97 Assim como a
documentação que utilizaram, os autores acabaram cristalizando a imagem
de que o setor de transporte na cidade no século XIX, principalmente na
primeira metade, era realizado pelos carregadores negros. Mesmo Luiz
Carlos Soares, que cotejou as informações dos viajantes com dados de
outras fontes, continuou a apontar que, na segunda metade do século, o
transporte de cargas era caracterizado pela forte presença dos escravos ao
ganho.98
Por sua vez, Ana da Silva Moura foi a única autora que tratou dos
cocheiros e carroceiros e afirmou que eles teriam substituído os
carregadores negros a partir de 1850, sem enfrentarem nenhuma
concorrência significativa. Se antes o transporte de cargas era feito por
cativos, a partir desse período ele passou a ser monopolizado pela mão de
obra livre, primeiramente constituída por imigrantes portugueses e depois
pelos trabalhadores nacionais.99
Embora tenham tratado do mesmo tema, o transporte de cargas na
cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, Soares e
Moura apresentaram visões distintas.100 Para o primeiro, os escravos ao
ganho seriam a maioria entre os trabalhadores no transporte de carga.
Enquanto Moura propôs que eles foram substituídos pelos cocheiros e
carroceiros, que representavam uma mão de obra livre.
Apesar de questionar a afirmação de Moura de que a introdução dos
cocheiros tenha se dado sem nenhum conflito, a indicação de trabalhadores
livres, e entre eles muitos imigrantes brancos, fez com que eu refletisse
sobre a caracterização do setor de transporte como formado exclusivamente
por carregadores negros. Tendo em vista que a frase de Ave-Lallemant,
citada anteriormente, sintetiza essa caracterização, resolvi problematizá-la.
Afinal de contas, “tudo que transporta e carrega é negro”?
O objetivo deste artigo é verificar se era possível encontrar
trabalhadores livres, libertos e escravizados convivendo no setor de
transporte ao longo do século XIX. Procurei traçar um perfil desses
trabalhadores, além de analisar de que forma se dava a participação deles
nesse setor.
Trabalhadores livres e escravizados
“Quem compra um escravo forte e saudável pode logo ganhar sua pataca por dia, para isso
basta mandá-lo aos armazéns do porto”.101
O trecho acima foi escrito por Leithold, que esteve no Rio de Janeiro em
1819, e fez referência aos carregadores que trabalhavam na região do porto
como sendo escravizados ao ganho. Diversos outros relatos de viajantes
afirmaram justamente que grande parte desses carregadores trabalhava ao
ganho pelas ruas do Rio de Janeiro no século XIX. Thomas Ewbank, que
esteve no Brasil entre 1845 e 1846, expôs que os escravos ao ganho eram
aqueles: “que trabalham para os seus senhores, e que entregam, todas as
noites, de volta para casa, determinada importância, guardando para si
apenas as sobras, se as houver; outras vezes, nos maus dias, repõem a
diferença do ganho”.102
A historiografia, por sua vez, analisou a escravidão ao ganho como uma
relação de trabalho própria do meio urbano. E abordou, de maneira geral,
que esse tipo de trabalho teria permitido ao cativo da cidade não só uma
liberdade maior de movimento, como também um maior acesso à compra
de alforria, se comparado com o escravizado que vivia no campo.103
O mercado de trabalho ao ganho, no entanto, assim como o mercado de
trabalho urbano em geral, não era formado só por escravizados. A
participação dos trabalhadores livres estava prevista, por exemplo, na
postura municipal que obrigava os que desejassem trabalhar ao ganho a
retirar uma licença junto à Câmara:
Art. 5º: Ninguém poderá ter escravos ao ganho sem tirar licença da Câmara Municipal,
recebendo com a licença uma chapa de metal numerada, a qual deverá andar sempre com o
ganhador em lugar visível. O que for encontrado a ganhar sem a chapa, sofrerá oito dias de
Calabouço, sendo escravo, e sendo livre oito dias de cadeia. Quando o ganhador for pessoa
livre, deverá apresentar fiador que se responsabilize por ele, a fim de poder conseguir a
licença e a chapa, a qual será restituída quando por qualquer motivo cesse o exercício de
ganhador. O ganhador que for encontrado com chapa falsa ou sem licença, será condenado
com oito dias de prisão e 30$000 de multa, além das penas em que incorrer pelo Código.104
Enquanto os escravos tinham as licenças pedidas por seus senhores, os
libertos e livres deveriam apresentar um fiador, cuja exigência era de que
fosse proprietário e pudesse se responsabilizar pelos abusos cometidos
pelos que pretendiam trabalhar ao ganho. No dia quatro de fevereiro de
1867, por exemplo, o português Antônio Gaspar Gomes requisitou licença
para “andar ao ganho”, tendo como fiador o negociante Manoel José Alves
da Silva.105
A participação dos trabalhadores livres pode ter sido maior do que a
demonstrada na documentação das licenças para ganhadores. Através da
análise de licenças para carros e carroças pedidas por seus proprietários,
encontrei repetidamente a expressão de que trabalhavam “a frete”, como
também “ao ganho”. As duas expressões aparecem aqui como sinônimas, e
indicam que se cobrava por um determinado serviço de transporte de
mercadorias e pessoas realizado. Em 22 de maio de 1847, por exemplo, o
português José Antonio de Oliveira, morador na Rua da Babilônia no 3,
pediu licença para trazer uma carroça de entulho ao ganho.106 Isso indica a
possibilidade da existência de pessoas que trabalhavam ao ganho sem que
tivessem de tirar licença específica para isso.
É claro que o trabalho ao ganho significou um aspecto específico dentro
da escravidão urbana, que alterava substancialmente a relação senhor-
escravizado. Porém, o ganho representava também uma forma de trabalho
em que se pagava/recebia por determinados serviços prestados, entre os
quais o transporte de uma mercadoria, o que permite verificar que havia
muitos trabalhadores livres envolvidos.
Como forma de buscar os trabalhadores envolvidos no setor de
transporte, procurei fazer uma análise mais matizada do mercado de
trabalho ao ganho na cidade do Rio de Janeiro no século XIX, utilizando
para isso o cotejamento de diferentes fontes. Entre elas estão as licenças
para os escravos ao ganho. Pesquisei as referentes à primeira metade do
século XIX e, com relação ao período de 1851 a 1870, utilizei os dados
apresentados por Luiz Carlos Soares.
Uma grande diferença está entre as 169 licenças pedidas por 158
requerentes que analisei referentes à primeira metade do século XIX, e os
1627 requerentes relativos ao período de 1851 a 1870, identificados pela
pesquisa realizada por Soares. Ele explicou que, no caso da primeira metade
do século XIX, grande parte da documentação se perdeu ou foi consumida
pelo tempo. Isto pode se confirmar pelo fato de eu ter encontrado 26
pedidos de renovação, além de 14 pedidos de novas chapas, por motivos de
perda e extravio, dos quais não localizei as primeiras licenças. Dos 16
escravizados listados no relatório do Fiscal da Freguesia de Santa Rita, de
30 de junho de 1830, por exemplo, não achei também nenhuma das
respectivas licenças. Esses são apenas alguns exemplos que podem mostrar
que parte da documentação relativa a esse período foi realmente perdida.
A discrepância de números, no entanto, é muito grande para ser
explicada apenas pela perda da documentação. Poderia se pensar, então, que
o número de escravizados ao ganho teria aumentado na segunda metade do
século. Porém, a quantidade de cativos decaiu vertiginosamente nesse
período na Corte. Se em 1849 eles computavam 41,5% da população total,
em 1872 eles passaram a representar somente 17,8% dos habitantes do
município.107
Mary Karasch apontou diversas razões para essa diminuição na
população escrava. Uma delas foi a alta taxa de mortalidade nos anos
iniciais da década de 1850. A outra foi que o aumento dos preços dos
escravizados, devido ao fim do tráfico negreiro e à demanda de braços nas
fazendas de café, teria levado muitos senhores a alugar ou vender seus
negros para as áreas rurais.108 A partir desses dados fica difícil considerar
que o número de licenças tenha aumentado na segunda metade do século
XIX em virtude do crescimento de negros ao ganho nas ruas da cidade.
Uma outra hipótese plausível para explicar essa diferença seria a de que
a fiscalização e, consequentemente, a obrigatoriedade da licença, teriam se
tornado maiores no decorrer da segunda metade do século XIX.109 A maior
incidência de licenças ocorreu no ano de 1847, foram 63. Foi nesse mesmo
ano que pude perceber uma maior padronização em seu texto, além de
terem sido expedidas de forma mais rápida. Essa uniformidade pode ter
sido alcançada justamente com o aumento da demanda. Marilene Rosa
Nogueira da Silva, que pesquisou as licenças relativas ao período de 1820 a
1886, mostrou que o maior aumento ocorreu entre 1860, que tinha cerca de
300 licenças, e 1870, quando houve pico no número de pedidos, com cerca
de 1.300. Em 1880, elas caíram somente para 100.110 Embora a autora não
tenha analisado esses dados, talvez essa seja uma amostra não de um maior
número de negros ao ganho pelas ruas, mas de uma maior fiscalização e
punição por parte do Estado na segunda metade do XIX.
De qualquer forma, creio que o número de licenças encontradas não
correspondeu exatamente ao número efetivo de cativos a andar ao ganho
pelas ruas da cidade na primeira metade do século XIX, seja porque parte
da documentação se perdeu, seja também porque possivelmente muitos
saíam ao ganho sem as devidas licenças. Foram 169 pedidos para 199
trabalhadores, e esse é um número irrisório se pensarmos na população
negra do Rio de Janeiro no período. Em 1849, por exemplo, a população
escrava chegou ao seu auge com 110.602 pessoas no município, enquanto
para este mesmo ano têm-se apenas 25 licenças. O número certamente foi
muito maior até mesmo porque os negros ao ganho já tinham um papel
marcante no funcionamento da cidade na primeira metade do século.
Os livres e forros que requereram licenças para sair ao ganho pelas ruas
da cidade contabilizaram 63, todos referentes ao período entre 1850 e 1870.
Mais uma vez o número parece ser muito diminuto se comparado com a
população livre da cidade no período.111 As razões para essa discrepância
podem ser as mesmas já citadas anteriormente, como perda da
documentação e, principalmente, o fato de que muitos saíam ao ganho sem
a devida licença.
Nas licenças pedidas por proprietários de veículos têm-se, em relação ao
período de 1837 a 1850, 378 registros, e 330 proprietários diferentes. Já
para o período de 1851 a 1870, foram 1.718 registros, e 1.528 proprietários
diferentes. A outra documentação é relativa à Casa de Detenção do Rio de
Janeiro e os livros desta instituição possibilitam verificar a origem dos
detidos (nacionalidade e naturalidade de brasileiros e estrangeiros), as
idades, as ocupações, locais e motivos da prisão. Eles possuem ainda uma
ficha antropométrica, na qual eram anotadas a cor, altura, cor dos olhos
etc.112 Foram encontrados 194 trabalhadores relacionados ao transporte nos
livros referentes ao período entre 1860 e 1870. Desses, 123 eram livres, 51
escravos e 20 forros.
Os trabalhadores ao ganho, também conhecidos como ganhadores,
desenvolviam as mais diversas funções possíveis no meio urbano. Eles
podiam ser vendedores ambulantes, barqueiros e desempenhar atividades
em ofícios industriais, e, até mesmo, a mendicância e a prostituição
constituíram modalidades de ganho.113 A documentação permite verificar
que algumas ocupações, que exigiam um grau maior de especialização,
eram exclusivas dos livres, como corretores e guarda livros. As vendas de
produtos, no entanto, eram exercidas tanto por livres quanto por cativos.
Enquanto isso, outras atividades estavam ligadas apenas aos escravizados,
como as de serventes de obras e ganhos com cesto. Nesta, os escravos
exerciam a função de carregadores responsáveis pelo transporte de cargas
leves, pacotes e até mesmo móveis. Eles “transportavam, com cestos à
cabeça, os mais diferentes tipos de objetos e não deixavam de colocar em
suas cabeças uma rodilha (pano de algodão grosseiro enrolado) que servia
como almofada para atenuar o peso da carga levada no cesto”.114
A grande maioria dos trabalhadores, no entanto, foi identificada apenas
como “ganhador” ou “andar ao ganho”, que era uma denominação utilizada
para todas as funções exercidas ao ganho e que não tinham especialização.
Luiz Carlos Soares afirmou que entre os cativos que não tiveram as suas
atividades mencionadas, nas licenças que pesquisou, pode-se imaginar que
eles foram empregados em grande parte como carregadores. Isso porque
esta atividade não exigia nenhuma especialização, apenas o dispêndio de
força física, e os senhores não declaravam suas ocupações, até mesmo
porque não era um procedimento obrigatório.115 Contudo, é preciso ter em
mente que não havia uma separação muito rígida nas atividades por eles
exercidas, sendo que um cativo podia trabalhar na casa do seu senhor, e
também transportar algum tipo de mercadoria ou vender alguma coisa.116
Apesar de ser tida como uma das principais ocupações dos ganhadores
no Rio de Janeiro do século XIX, o carregamento não era discriminado na
documentação analisada. Uma saída encontrada para tentar computar o
número de carregadores foi adotar a hipótese de Soares e considerar que
boa parte daqueles identificados somente como ganhadores era, na verdade,
de carregadores.
No que diz respeito aos cocheiros e carroceiros, nas licenças para
proprietários de carros, apenas dois indicaram os condutores de seus
veículos. O brasileiro Nicalo Antonio Cosme dos Reis pediu licença, em 23
de fevereiro de 1853, para um carro de boi que era conduzido por seus
escravizados crioulos Athanazio e Theotonio.117 Já o brasileiro Joaquim da
Fonçeca Guimarães requisitou licença, em seis de março de 1961, para dois
carros de boi conduzidos pelos portugueses Manoel Antonio Tavares e
Antonio Teixeira.118
Se em apenas dois casos foram indicados os condutores dos veículos, o
que fez, então, que eu supusesse que os proprietários dos carros fossem
também os condutores dos mesmos? Alguns exemplos da documentação
comprovam essa hipótese, como um requerimento assinado por homens que
se proclamaram proprietários e condutores de pipas d’água, enviado à
Câmara em 23 de abril de 1866.119 O português Henrique dos Santos pediu
recompensa por ter comparecido com sua carroça de pipa d’água num
incêndio.120 Ana Maria da Silva Moura, por sua vez, propôs que os
carroceiros trabalhavam a frete e por conta própria, além de serem
proprietários de sua ferramenta de trabalho, que era sua única fonte de
rendimento.121
Como forma de computar os possíveis proprietários que poderiam ser
condutores eu selecionei somente os homens que possuíam veículos a
frete.122 As razões para isso consistem, em primeiro lugar, no fato de que
possuir carros particulares era um sinal de status, sendo mais comum,
portanto, que eles não conduzissem seus próprios veículos e utilizassem
seus escravos para isso; e, em segundo, porque não há qualquer indício de
que as mulheres conduzissem os veículos, embora pudessem possuí-los.123
A eles foram somados aqueles que eram identificados como cocheiros e
carroceiros nos livros da Casa de Detenção.
Tabela 1 - Trabalhadores do setor de transporte no
Rio de Janeiro (1824-1870)
Período Escravizados % Libertos % Livres %
1824-1850 152 33,1 3 0,7 304 66,2
1851-1870 2766 68,6 36 1,0 1229 30,4
Fonte: AGCRJ - Códices 66.1.44 a 6.1.47, 39.1.30, 57.1.17, 57.4.10, 57.4.13, 57.4.4, 57.4.15,
57.4.18, 57.4.20; Luiz Carlos Soares. “Os escravos de ganho no Rio de Janeiro do século XIX”.
Revista Brasileira de História, 16 (Mar/ ago.1998). Marco Zero/ ANPUH. p.116. APERJ, Casa de
Detenção, 01, 03 a 07.
Os dados da Tabela 1 possibilitam repensar vários aspectos dos estudos
que trataram dos trabalhadores no setor de transporte no Rio de Janeiro do
século XIX. Ao contrário do que afirmou Moura, por exemplo, o sistema
carroçável não surgiu a partir de 1850. Se for levado em conta que os
cocheiros e carroceiros representavam a totalidade dos trabalhadores livres
presentes nas fontes referentes à primeira metade do século, eles eram
inclusive a maioria da mão de obra do transporte presente na Tabela 1.
A mesma autora expôs ainda que os carroceiros não sofriam, a partir de
1850, nenhuma concorrência significativa por parte de escravizados ou
outros grupos de estrangeiros, pois os considerou como sendo
majoritariamente mão de obra livre nacional. Porém, os carroceiros foram
descritos realizando as mesmas funções dos carregadores, transportando
mudanças, carregamentos de materiais de construções, fretes de café. Não
se deve, portanto, considerar que em um primeiro momento havia
carregadores e depois eles seriam subitamente substituídos pelos cocheiros
e carroceiros. A Tabela acima mostra justamente que em nenhum momento
esses trabalhadores apareceram sozinhos, sendo que, na segunda metade do
século, os carregadores escravos ao ganho representavam inclusive a
maioria do setor.
Sendo assim, o transporte de mercadorias e pessoas pelas ruas da cidade
não era monopólio dos escravizados ao ganho, principalmente na primeira
metade do século XIX, como propuseram os estudos que trataram da
escravidão urbana, nem monopólio dos trabalhadores livres na segunda
metade, como afirmou Moura. Trabalhadores livres, libertos e escravizados
dividiram o mesmo setor ao longo de todo o século. O importante, portanto,
foi verificar quem eram os diferentes trabalhadores envolvidos e de que
forma se dava a participação deles.
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I
O objetivo deste artigo é abrir uma discussão sobre a participação de
trabalhadores urbanos assalariados no processo de Abolição da Escravatura
no Brasil, tomando como base a experiência da cidade do Rio de Janeiro.
Considerando o processo em questão como um movimento histórico
composto por diversos movimentos sociais, grande parte das vezes inter-
relacionados, o foco da análise está na atuação de um segmento que
costuma ser visto apenas de maneira periférica quando se trata do debate
em torno da Abolição. Os diversos grupos sociais que se articulavam neste
movimento apresentavam interesses e efetuavam ações muitas vezes
contraditórias, evidenciando suas diferenças e marcando as relações
estabelecidas por eles. Em meio às ações organizadas por escravizados192 e
libertos, bem como por setores médios urbanos, o debate parlamentar cada
vez mais pautava a necessidade da Abolição. Crescia na cidade o número de
trabalhadores assalariados – nacionais e estrangeiros – que não estavam
alheios à movimentação que acontecia pelas ruas da Corte imperial. De
fato, veremos como estes trabalhadores – ou, pelo menos, uma parte
organizada deles – estavam relacionados com outro193 s grupos nesse
movimento histórico.
Um movimento que toma corpo a partir da década de 1870, porém, as
origens de sua formação remontam às décadas anteriores e nos ajudam a
compreendê-lo. Dessa forma, as lutas com o objetivo de alcançar a
libertação dos escravizados são anteriores ao marco parlamentar defendido
por Joaquim Nabuco, com o discurso de Jerônimo Sodré,e envolvem
setores sociais não contemplados em sua abordagem do movimento.
Ao discutirmos sobre esses trabalhadores assalariados, devemos levar
em conta também a existência da exploração do trabalho compulsório não
escravo, de outros “livres”. Sabemos da larga utilização deste modo de
exploração nos casos dos africanos livres, dos imigrantes europeus (os
“engajados”) e asiáticos. Marcelo Badaró Mattos chama a atenção para o
fato de que, apesar de ser mais comum no campo, também encontraremos
tais formas de exploração do trabalho na cidade, além do retorno ao espaço
urbano de aqueles que conseguiam cumprir o tempo de trabalho na área
rural.194 Não seria de se espantar se encontrássemos alguma pessoa antes
submetida à escravidão ou a outras formas de trabalho compulsório entre os
assalariados que iremos pesquisar.
II
A segunda metade do século XIX é um período de profundas
transformações na sociedade brasileira, que alteraram a dinâmica da cidade
em questão – com grandes fluxos migratórios, tanto de trabalhadores livres
quanto de escravos, tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. Um período
em que o trabalho assalariado vivia em contato constante com o trabalho
compulsório, e estes trabalhadores, sujeitos de maneiras diversas à
exploração, se relacionavam entre si, com seus patrões e com o Estado,
definindo e redefinindo suas identidades e suas formas de ação.
Soares195 nos mostra que os escravos de ganho constituíam uma
importante parcela da mão de obra disponível na cidade, mesmo após o
processo de venda maciça de escravos para a região cafeeira no período
posterior a 1850, com a abolição do tráfico atlântico. A segunda metade do
século XIX realmente assiste a uma grande diminuição do contingente de
mão de obra escravizada na cidade, porém esta diminuição não tira a
importância da presença constante de trabalhadores escravizados que
exerciam as mais diversas atividades, desde o trabalho nas indústrias,
passando pelos ofícios praticados nas ruas, até o trabalho doméstico,
sempre bastante presente. Grande parte dessas atividades era executada por
escravos de ganho, que tinham uma significativa proximidade da
experiência de trabalho com outros trabalhadores urbanos, dadas as suas
características nas relações de trabalho com os senhores e a sua mobilidade
na cidade.
Assim como o peso da experiência da escravidão não se faria sentir
somente pela pessoa escravizada, a proximidade da experiência do trabalho
assalariado também era sentida pelos escravizados que não estavam ao
ganho, mesmo que de uma maneira menos incisiva. Antes de passarmos à
discussão central deste artigo é importante apresentarum panorama do que
entendemos por organizações de trabalhadores no século XIX e suas
relações com o processo de Abolição da Escravatura.
Entre as organizações que lutaram diretamente pela liberdade figuram as
sociedades de emancipação e abolicionistas, as sociedades positivistas –
todas estas legalmente reconhecidas –, e aquelas que tinham uma existência
mais clandestina, como a organização de padeiros, liderada por João de
Matos,196 os quilombos197 e os zungús.198 Quilombos e zungús podem não
ser organizações abolicionistas formais, mas cotidianamente travavam a
luta contra a escravidão, e são assim considerados por se apresentarem
como alternativas de organização para a liberdade dos trabalhadores
escravizados. Se em alguns casos a luta podia não ser exatamente contra a
escravidão em si, sem dúvida era contra a forma como esta se expressava
em seus locais de trabalho específicos. Existiam também organizações que
caminhavam à margem da lei, mas contavam com o apoio de militantes que
permaneciam na frente de luta legal, como é o caso do quilombo
abolicionista do Leblon, estudado por Eduardo Silva.199 Por fim, é
necessário citar a existência de organizações como a Sociedade Beneficente
Socorro Mútuo dos Homens de Cor, criadas nos moldes das associações
mutuais de assalariados, que tinham a pretensão (frustrada) de serem
reconhecidas pelo Conselho de Estado.200
Entre as organizações que não tinham a luta contra a escravidão como
centro de sua existência figuram principalmente as sociedades mutuais de
trabalhadores assalariados, que se expressavam de maneiras diversas ante a
exploração do trabalho escravizado, e com o avançar do século, em vários
casos documentados,201 se posicionavam e agiam mais claramente e
incisivamente a fim de influenciar no processo de Abolição. A partir das
lutas dessas organizações podemos indagar com mais veemência sobre a
experiência de trabalho não só nas ruas, mas também no interior das
fábricas, oficinas e demais locais de trabalho. Sabemos que o
compartilhamento desses espaços por escravizados e não escravizados foi
decrescendo ao longo de toda a segunda metade do século XIX, mas não
devemos supor a partir deste fato que a percepção da experiência comum e
da necessidade da Abolição também decresceu, ao contrário, é possível
supor que os trabalhadores livres destes estabelecimentos (e também os
libertos) agregaram suas experiências ao movimento em prol da Abolição, e
não somente aderiram aos programas de outros grupos sociais.
III
A visualização do compartilhamento de experiências entre trabalhadores
escravizados e livres é fundamental para a compreensão da formação da
classe trabalhadora carioca. É através da experiência da luta de classes que
são forjadas as concepções de liberdade, e a forma como essa ideia é tratada
na prática transforma, dialeticamente, a experiência da ação política desses
seres humanos.
Mesmo que não estejamos tratando aqui da formação da classe, estamos
sim nos debruçando sobre uma experiência de luta de classes, cujos
antagonismos estão inseridos na estrutura de uma sociedade específica em
um período histórico determinado. O antagonismo fundamental por nós
enfocado, liberdade e escravidão, foi, como sabemos, superado, entretanto,
a experiência de luta que possibilitou esta superação não desapareceu de
uma hora para a outra e, portanto, influenciou na sociedade posteriormente,
em suas novas experiências e na configuração das lutas e dos novos
antagonismos. Este processo pode ter aproximado sujeitos não tão próximos
anteriormente, e separado outros que lutavam na mesma trincheira décadas
antes. Os significados de liberdade certamente se transformaram após o fim
desta etapa de luta que nos propomos a analisar.
Assim como tomamos emprestado o conceito de experiência do
historiador inglês E. P. Thompson, entendemos classe enquanto uma
categoria histórica, em convergência com a afirmação do mesmo autor de
que:
[...] as classes não existem como entidades separadas, que olham ao redor, e encontram uma
classe inimiga e começam a lutar. Pelo contrário, as pessoas se encontram em uma
sociedade estruturada em modos determinados (crucialmente, mas não exclusivamente, em
relações de produção), experimentam a exploração (ou a necessidade de manter o poder
sobre os explorados), identificam pontos de interesses antagônicos, começam a lutar por
essas questões e no processo de luta se descobrem como classe, e chegam a conhecer este
descobrimento como consciência de classe. A classe e a consciência de classe são sempre as
últimas, não as primeiras, fases do processo histórico real.202
Devemos procurar saber que espaço na sociedade ocupavam os agentes
organizados na luta contra a escravidão, entre os trabalhadores livres
principalmente, saber que trabalhadores eram esses. Em se tratando de uma
sociedade ainda escravista, em que a classe trabalhadora ainda não se define
claramente, se torna imprescindível a retomada da noção de luta de classes
como antecedente da própria formação da classe. Sendo assim, estamos
certos de que no momento tratado não estamos nos deparando com uma
cultura e com instituições de classe que se colocam de forma “madura”
como antagônicas a outra classe. Entretanto, estamos observando um
momento que vai ser decisivo para a formação da classe, até mesmo no que
diz respeito às posteriores lutas por hegemonia.
IV
A procura dos indícios do compartilhamento de experiências e projetos
entre os trabalhadores do século XIX deve ser articulada nos diversos
espaços ocupados por eles na cidade – locais de trabalho, ruas, e
moradias.203 Ao que me parece, Lobo e Stotz204 tendem a separar a vida
associativa da vida das ruas, como se as determinações estatutárias (que
tinham limites legais) explicitassem as visões que os trabalhadores
organizados em sociedades mutuais tinham do mundo. Entretanto, é
possível imaginar os membros de associações participando dos
ajuntamentos de ruas, das sociedades carnavalescas etc. Afinal, sem dúvida
compartilhavam espaços de sociabilidade comuns. Érika Arantes205 chama a
atenção, por exemplo, para diversos elementos ligados ao trabalho no porto
e às folias portuárias no início do século XX, todos, portanto, trabalhadores
nascidos durante o século XIX. No período de que tratamos, os
trabalhadores em padarias organizavam fugas de escravizados escondidos
sob a fachada de um curso de dança, para burlarem a repressão.206 Para
casos no Rio Grande do Sul (Pelotas e Rio Grande, mais especificamente),
Beatriz Loner nos aponta diversas articulações entre sociedades teatrais,
musicais, carnavalescas e associações de trabalhadores no período logo
posterior à Abolição.207
Os artesãos empurrados para a miséria nivelavam-se à massa dos
chamados “desocupados”, como mulheres que se entregavam à prostituição,
ao furto, os vendedores de diversos produtos nas ruas e os trabalhadores
escravizados de ganho, que também podiam ser empregados nas indústrias,
nos comércios e nos transportes. Estes escravizados conviviam no mesmo
espaço de trabalho com trabalhadores livres, e o preço dos aluguéis
daqueles também parece constituir um importante aspecto na fixação dos
salários dos demais trabalhadores. Como Wissenbach aponta:
Internamente ao grupo escravo, as práticas do ganho e do aluguel equiparavam, em
determinados sentidos, a vida e o trabalho de grande parte dos que se encontravam sob a
experiência citadina, reduzindo distinções. Estendiam-se das funções braçais aos trabalhos
semi-qualificados [...] e envolviam, da mesma forma, os escravos habilitados [...].
Acolhiam numa experiência comum os domésticos, os artesãos, tropeiros e cocheiros,
colocando-os num mesmo espaço social e, especialmente, introduzindo mediações similares
nas relações que mantinham com os senhores.208
Enquanto o número de escravizados decrescia – seja por deslocamento
da mão de obra, mortalidade, ou processos vitoriosos de luta pela liberdade
(fugas e alforrias, entre outros) –, a cidade passava por um processo de
mudança na composição de sua força de trabalho, com a chegada de
migrantes estrangeiros e de outras províncias do país. A partir dos anos
1870, mesmo com o incremento nos transportes que nos aponta Abreu,209 as
freguesias urbanas tenderam a inchar com os trabalhadores – fossem
escravizados, libertos, ou livres, nacionais e estrangeiros – que procuravam
moradias próximas aos locais de trabalho (sem contar com aqueles que
dormiam no próprio estabelecimento de trabalho). Estes locais eram os
famosos cortiços, casas de cômodos, de dormida ou de habitação,
hospedarias, estalagens e zungús.210
O aumento da população moradora de cortiços e o aumento do número
de cortiços ou de quartos alugados acompanham também o aumento da
população da cidade, e da concentração desta população nas freguesias
centrais. A densidade demográfica domiciliar na cidade aumenta de 5,71
pessoas por unidade, em 1870, para 7,21 em 1890. Esses dados gerais, no
entanto, se tornam mais elevados se considerarmos apenas as freguesias da
Cidade Velha e da Cidade Nova. Fazendo uma média da densidade
domiciliar nestas freguesias, encontraremos um aumento de 5,49 pessoas
para 8,40 entre os anos de 1870 e 1890. Isto ocorre dá em um período em
que houve grande aumento no número de domicílios, excetuando-se as
freguesias da Candelária – que foi onde ocorreu o maior aumento de
densidade domiciliar – e do Sacramento, que tiveram seus domicílios
reduzidos. Em todo o Município Neutro o número de domicílios aumentou
de 41.200 para 71.807, ou seja, em 74,3%. Nas freguesias priorizadas aqui
este aumento foi de 47,3%, passando de 29.382 para 43.283. Há de se levar
em conta que este é um período de grande expansão para as freguesias
rurais, mas principalmente para aquelas dos chamados arrabaldes, próximas
às freguesias centrais. Em números absolutos, a região central deixou de
concentrar aproximadamente 71% dos domicílios de 1870, para, em 1890,
concentrar aproximadamente 60%.211
É nesta conjuntura que veremos como os posicionamentos dos
trabalhadores não escravizados e de suas organizações ante o trabalho
escravo eram variados. Entretanto, apesar desta variedade, observa-se um
movimento ao longo de todo o período na direção de uma atitude mais
uniforme em relação à necessidade de abolição.
V
Uma visão inicialmente corrente era que o trabalho escravo era nocivo,
por rebaixar os preços dos salários, e assim a necessidade do fim da
escravidão dar-se-ia mais por uma questão econômica, que por qualquer
tipo de solidariedade entre trabalhadores, ou ideais de sociedade. Batalha
argumenta que esta visão fazia mais sentido em relação à primeira metade
do século XIX, e que seria menos significativa para a segunda
quando, além de um decréscimo da escravidão urbana e dos escravos de ganho, há um
crescimento – particularmente a partir da década de 1870 – das associações mutualistas
operárias, o que leva a crer que o número desses trabalhadores livres estava em progressão
e/ou que elementos de uma identidade coletiva haviam se fortalecido.212
Em 1867 o jornal O Typographo apresentava posicionamentos sobre o
problema do problema do trabalho, fazendo diversas comparações entre os
trabalhadores livres e os escravizados, algumas delas com o sentido de
desqualificar a capacidade destes de exercerem as mesmas funções que os
demais tipógrafos. Perguntava-se, e apresentava-se logo em seguida a
resposta sobre as qualidades necessárias para o exercício desta profissão:
“Dar-se-á estes predicados em todo e qualquer indivíduo? Um africano, por
exemplo, poderia jamais ser um bom tipógrafo? Não julgamos isso fácil,
nem mesmo possível”.213 Nesse momento, portanto, há tipógrafos que
estavam preocupados com a defesa de seus interesses em contraposição aos
africanos, e não na formulação de uma proposta de abolição. No entanto,
confirmando a análise de Batalha, os mesmos tipógrafos, que se
organizavam na Associação Tipográfica Fluminense, mais tarde fundarão o
Club Abolicionista Gutemberg em 1880, e estarão presentes em outras
sociedades que também faziam coro a favor da libertação dos escravos, com
argumentos políticos e humanitários. O Clube Gutemberg, segundo Artur
Vitorino,214 atuou de maneira bastante significativa no movimento
abolicionista, editando o jornal Lincoln, entregando “cartas de liberdade”, e
organizando uma escola noturna e gratuita que contava com alunos de
diversas profissões e nacionalidades. Este clube expressava a força de um
posicionamento que vinha sendo debatido no interior da categoria dos
tipógrafos pelo menos desde a fundação da Tipográfica Fluminense. Ainda
segundo Vitorino:
Apesar de alguns tipógrafos apresentarem publicamente o seu desprezo pelas atividades não
qualificadas dos trabalhadores manuais livres, outros tipógrafos participaram da campanha
abolicionista, visando à valorização da figura do trabalhador na formação social
brasileira.215
Voltando ao final da década de 1860, podemos perceber uma das origens
possíveis da estruturação de uma ideia abolicionista entre os tipógrafos.
Trata-se das comparações das experiências de vida e produção em que eles
se perguntavam sobre o sofrimento de um escravizado de fato, e de um
autodenominado “trabalhador escravizado moralmente”, como na seguinte
passagem, publicada na edição anterior do mesmo jornal:
Quem sofrerá mais: o escravo que sempre se achou sob a influência dessa condição anti-
humana desde o seu nascimento até a idade da reflexão, ou a criatura livre desde que [...]
tendo atravessado os dias da infância na posse de gosos inefáveis, aos quais já se achava
familiarizado, vê-se de súbito peado em suas ações, sofrendo a pressão de um cativeiro
moral que a desmarcada cobiça muitas vezes lhe impõe.
Necessariamente o segundo está colocado num vértice de tormentas mais terrível do que o
primeiro [...].216
As condições de vida e trabalho dos trabalhadores assalariados na
cidade os aproximavam das condições daqueles que eram escravizados. Se
em um momento percebe-se um tom desqualificador não só do trabalho,
mas dos trabalhadores escravizados, é a própria percepção das condições de
vida que aproxima-los-á na luta pela Abolição. Por meio da elaboração da
ideia de trabalhador escravizado moralmente se desenvolve parte da luta
pelas melhores condições de vida, e consequentemente pelo fim da própria
escravidão de fato.
Acredito que exatamente nestas comparações reside uma das origens,
mesmo que contraditórias, tanto da defesa da causa abolicionista entre
aqueles que não eram escravizados, quanto do processo de formação de
uma consciência de classe que pudesse comportar todas essas experiências
de vida e luta na cidade do Rio de Janeiro. Não há dúvidas de que era
preciso lutar contra a escravização, mesmo que em um primeiro momento
fosse contra aquela qualificada como moral, afinal foi para isso que a
categoria dos tipógrafos se organizou e criou seu órgão de imprensa:
A criação do Typographo, devida a uma infinidade de homens que moralmente vivem
escravizados, não tem outro fim além do de demonstrar com toda evidência os fatos de
requintada iniquidade que se repetem incessantemente no recinto do edifício das folhas
diárias.217
E essa linguagem não era mera metáfora, ela se fazia sentir na pele, na
experiência comum que esses trabalhadores viviam em relação àqueles que
estavam de fato escravizados. Talvez para os tipógrafos a aproximação das
condições de trabalho com a escravidão fosse ainda mais dolorosa, uma vez
que, como vimos anteriormente, eram poucos os trabalhadores que
dominavam a leitura e a escrita, habilidade esta que os tipógrafos deveriam
ter.218 É na luta pelos seus interesses que a questão da escravidão se torna
inevitável para todos os trabalhadores do século XIX. Se esta questão não
está explícita em muitos dos estatutos de sociedades, ela é ainda assim
importante, e certamente estava presente na vida dos associados.
Ao que parece, reconheciam também que seus “superiores” não estavam
ao menos habilitados para escrever sobre as desumanidades da escravidão,
uma vez que submetiam seus empregados a situações de igual sofrimento,
questões estas ditas sem meias palavras no mesmo artigo que acabamos de
citar:
Quem estudar com severidade a linguagem dos redatores desses jornais e acompanhá-los
em suas cantilenas diárias, entrará no conhecimento de que apregoam a liberdade
continuando a escravidão: estarão eles por ventura habilitados para escrever sobre ela?219
Em O Typographo número 5 encontraremos uma chamada para que
todos os trabalhadores, que vivem em condições de miséria, se unam contra
o mal comum. Os tipógrafos se mostram como uma das categorias que
tinham, ou poderiam ter, as melhores condições de vida, e se reconheciam
como artistas assim como diversas outras categorias, e como artistas,
portanto, lutariam contra o estado de miséria. Neste artigo, sobre as artes no
Brasil, eles afirmavam:
[...] O carpinteiro, o sapateiro, o alfaiate e outros vivem quase na miséria.
A arte tipográfica, uma das que dispõe de suficientes recursos para colocar-se no grau
elevadíssimo de prosperidade, acha-se imersa no mais profundo pelago de aniquilamento, e
os seus filhos entregues ao estado contristador de desolamento.
[...] O tipógrafo, criado nessa conjuntura, sob a influência de idéias puras, com o fim de
advogar os interesses da arte tipográfica, não abandonará com tudo as demais artes que
com ela sofrem” [grifo meu].
[...] Os tipógrafos são artistas, os artistas formam uma importante fração do povo; reunidos
poderão formar o poder, esse apanagio da inteligência e da riqueza social.220
Já no final da década de 1870, a Imperial Associação Tipográfica
Fluminense contribuía para a campanha abolicionista, promovendo, por
exemplo, uma conferência em 1879, com Vicente de Souza, intitulada “O
Império e a Escravidão; o Parlamento e a Pena de Morte”.221 Vicente de
Souza é um dos personagens que estão presentes em mais de uma das
organizações do período, tendo sido também um dos membros do Corpo
Consultor da União Operária.
Em documento de 30 de janeiro de 1889, a mesma sociedade concede ao
imperador D. Pedro II um brinde em consideração ao “completo
restabelecimento da saúde d’aquele seu augusto protetor”. Uma comissão
de três membros da associação entrega o brinde, que é um “quadro gráfico e
artístico em que se acha transcrita a Lei Áurea de 13 de maio firmada pela
Princesa Imperial a quem o povo em seu justo entusiasmo saudou – Izabel a
Redentora.”222
O Corpo Coletivo União Operária parece ter sido uma sociedade muito
bem articulada, sendo composta (assim como a Liga Operária de 1872223)
por trabalhadores de diversos ofícios, e contribuindo para a formulação de
projetos de montepios para algumas categorias, como uma das maneiras de
realizar o objetivo de tratar dos interesses gerais da classe operária. É assim
que, em 1883, esta organização leva em frente a confecção do projeto de
montepio dos operários do Arsenal de Guerra da Corte.224 A confecção do
montepio do Arsenal de Guerra não é a primeira realizada pelo Corpo
Coletivo, pois, um ano antes, logo que formado, ele tratou de organizar o
“monte de pensões” dos operários do Arsenal de Marinha, existente desde a
década de1870.225 A organização deste “monte de pensões”, que passou a se
chamar formalmente montepio, partiu dos operários do Arsenal de Marinha
que faziam parte do Corpo Coletivo União Operária.
Sobre a relação entre a União Operária e a Liga Operária acho
importante chamar a atenção para as pistas que nos são dadas pela figura do
jornalista Octaviano Hudson. Este participou ativamente da formação do
Corpo Coletivo em 1882, tendo sido convidado para colaborar em seu
jornal, a Gazeta dos Operários, “em [honra dos] importantes serviços
prestados à classe pelo mesmo cavalheiro”.226 Ele era o idealizador da Liga
Operária227 em 1872, e nesse mesmo ano lia uma carta, que suscitava grande
entusiasmo entre os presentes na assembleia da Liga, dirigida ao presidente
da Associação Tipográfica Fluminense, e estampada no periódico Tribuna
Artística.228 O presidente da primeira reunião da Liga deixava expressa a
intenção de se diferenciar de vertentes de pensamento, como o socialismo,
afirmando que era preciso ter uma associação que garantisse “a vida dos
artistas isenta da política e dos atuais fins da internacional”.229
Até aqui já foi possível perceber como o Corpo Coletivo União Operária
se articulava entre os trabalhadores, mas também, ao mesmo tempo, tinha a
sua expressão marcada pela presença de elementos de outras classes e suas
ações voltadas mais para o objetivo de construir uma nação dignificada pelo
“trabalho livre”, do que voltada para o confronto entre trabalhadores e
patrões. Este aspecto talvez fique mais evidente em 1886, quando a União
Operária realizou uma come- moração pelo aniversário da independência do
Império. Nesta comemoração transparece a relação mais íntima da
associação com o Estado Imperial e com os trabalhadores de órgãos
militares, uma vez que estavam presentes membros do Arsenal de Guerra,
do Corpo de Polícia da Corte, do Batalhão de Engenheiros, da Escola
Militar, e do Arsenal de Marinha, todos com suas bandas executando
óperas. Os grandes homenageados nesta ocasião eram, sem causar espanto,
o Imperador, a Imperatriz e a Princesa, aos quais foram dedicadas
saudações e poesias pelo sócio Octaviano Hudson,230 e pelo operário do
Arsenal de Marinha da Corte, Manoel Benevuto de Lima. Naquele ano o
presidente era um senador, Manoel Francisco Correia, e o orador que
proferiu o discurso oficial foi o conselheiro de Estado e senador João Lins
Vieira Cansansão de Sinimbú. Por fim, para afirmar o objetivo de
dignificação do trabalho, uma poesia foi distribuída aos presentes, intitulada
“Deus – Trabalho – Patriotismo”. Um dos importantes membros da União
Operária era o engenheiro negro André Rebouças, que seria um dos
membros da Comissão Executiva da Confederação Abolicionista em 1883.
O comprometimento com a causa abolicionista em fins do século XIX
parecia ser o tom geral destas organizações, até onde pudemos perceber.
Mais um exemplo disto se encontra nas páginas do jornal O Abolicionista
de 28 de setembro de 1881, que relata a decisão de mestres e operários das
oficinas de fundição e de ferreiros do Arsenal de Marinha de fazer uma
contribuição mensal a ser entregue para a “Sociedade Emancipadora.”231 A
presença de Rebouças tanto na União Operária quanto na Confederação
Abolicionista é mais um indício que nos permite afirmar a participação de
trabalhadores assalariados, organizados, no movimento abolicionista,
formando ou incentivando associações com este caráter, e organizando
eventos para discutir o tema. Não que o próprio Rebouças seja um desses
trabalhadores, mas assim como seu nome se evidencia em uma associação,
não me parece plausível que os anônimos desta também não
compartilhassem os interesses da outra, demonstrando a provável
importância das organizações de trabalhadores também no interior de
associações abolicionistas. Se reforça ainda a ideia de uma forte articulação
de setores dos trabalhadores com outros membros da sociedade imperial.
Evaristo de Moraes relata da seguinte maneira a formação da
Confederação Abolicionista em 1883:
Tendo se multiplicado, em três anos, as sociedades abolicionistas, cogitou-se em consagrá-
las numa confederação e para este fim reuniram os representantes de algumas delas, a 10 de
maio de 1883, na redação da Gazeta da Tarde.
... Desde então foi a campanha popular dirigida pela Confederação, que promovia, a bem do
abolicionismo, conferências, quermesses, espetáculos teatrais, concertos. Pleiteava
constantemente as causas dos cativos perante a administração pública e os tribunais.232
Esta mesma confederação, que promovia tantas ações pela Abolição
pelos caminhos legais, era também conhecida por suas ações “extralegais”,
que eram protegidas por uma ampla rede de relações entre abolicionistas
membros dos setores médios e até mesmo dominantes da cidade. Evaristo
de Moraes uma vez mais relata algumas características dessas ações:
Não menos intensa era a sua atividade extralegal, que se manifestava por várias formas:
retirando escravos maltratados das casas dos seus senhores e pondo-os em lugares seguros;
recebendo no Rio os lhe eram enviados do Norte, escapos clandestinamente ao cativeiro;
remetendo para o Norte os que não podiam, por nenhum meio, ficar aqui ocultos. ...)
conheciam-se as autoridades que toleravam esses e outras investidas contra a propriedade
escrava.233
Uma das atividades extralegais da confederação foi a formação de
“quilombos abolicionistas”, uma forma totalmente particular de
comunidade de escravos fugidos, que se inseria no movimento abolicionista
que estava se espraiando pelos setores médios da sociedade. Esta forma de
ação foi estudada pelo historiador Eduardo Silva, ao tratar de um dos
principais quilombos sustentados pela confederação, o quilombo do Leblon,
conhecido por cultivar a flor-símbolo do movimento abolicionista, as
camélias.234
Ao estudar esta “história secreta” do movimento abolicionista, Silva nos
coloca em contato com uma extensa rede de relações entre o “movimento
político abolicionista”, o “movimento social negro”, as fugas em massa e as
formações de quilombos. Essa rede ia além do quilombo centralmente
estudado por ele, sendo composta de diversos outros também apontados
pelo autor, sem sombra de dúvida imprimindo um novo quadro na luta pela
Abolição na Corte. Acredito que podemos, entretanto, avançar em alguns
aspectos apontados por Silva. O primeiro diz respeito à participação de
organizações de trabalhadores assalariados neste movimento, o que
alargaria a rede de relações para além dos comerciantes, capitalistas e
membros do “movimento político abolicionista”, trabalhados pelo autor.
Este aspecto muito nos interessa, e já fica sugerido pela participação de
membros das classes médias urbanas nos tipos de organização (o que
inclusive, apesar de camuflar possíveis conflitos, está em perfeita conjunção
com o discurso da harmonia do “corpo social”). Um segundo aspecto diz
respeito ao discurso de que esses eram quilombos abolicionistas,
historicamente novos, por ter um tipo de liderança que era “uma espécie de
instância de intermediações entre a comunidade de fugitivos e a sociedade
envolvente”.235 Eram evidentemente quilombos articulados a um
movimento abolicionista mais amplo, entretanto, não tinham os outros
quilombos e os chamados zungús o papel de intermediar os fugitivos com a
sociedade envolvente? Não podiam essas intermediações ser realizadas por
determinadas lideranças? Esta não é a discussão a que estamos nos
propondo no momento, entretanto, é importante ser pautada para que
conheçamos e reconheçamos os “movimentos abolicionistas” e as
articulações estabelecidas entre eles. No caso dos zungús, contudo, algumas
palavras ainda devem ser ditas.
As cidades portuárias como o Rio de Janeiro eram centros de
movimentação de produtos e pessoas, com intenso fluxo de trabalhadores
pobres, escravizados ou não, que se fixavam no meio urbano ou transitavam
por ele. Os zungús eram espécies de ocupações urbanas do século XIX em
que se encontravam diversos trabalhadores. Em sua maioria negros, alguns
eram escravizados, que estavam nos zungús por serem postos ao ganho, ou
também por estarem fugidos. Entre os fugidos havia uma rede de relações
que poderia mandar da cidade para o campo – longe do senhor que vivia na
cidade – ou receber aqueles vindos do campo, e acoitá-los enquanto
procuravam outro destino.236
Existiam, entretanto, aquelas organizações que tinham a luta pela
liberdade como sua bandeira principal. Dentre estas é preciso destacar a
Sociedade Beneficente Socorro Mútuo dos Homens de Cor.237 Aqui não se
trata de uma organização diretamente identificada com o trabalho – apesar
de seus membros terem feito questão de citar seus ofícios no requerimento
encaminhado ao Conselho de Estado –, mas ao que tudo indica encaramos
uma sociedade formada majoritariamente – e provavelmente
exclusivamente – por trabalhadores negros, pobres, livres, libertos e até
escravizados. Em 1873, nove membros da Sociedade dos Homens de Cor
estavam reunidos na freguesia de Santana, já nas proximidades da freguesia
do Espírito Santo, mais especificamente no número seis da Ladeira do
Senado, em Paula Matos, residência de um de seus sócios-instaladores,
Cândido Pedroso. O intuito desta reunião era a aprovação dos estatutos da
sociedade. Cândido Pedroso não era o único que morava na freguesia de
Santana, a mesma em que moravam alguns membros da Sociedade
Beneficente da Nação Conga “Amiga da Consciência”, que buscou registro
na mesma época.238
Entre os quatro membros que assinam como sendo instaladores temos
um artista e três cozinheiros. Carlos Eugênio L. Soares mostra que a
profissão mais disseminada entre os escravos presos era a de cozinheiro, e
não a de escravo ao ganho, apesar de a categoria mais forte entre os
escravos capoeiras ser “a dos artesãos, englobando um anel largo de
profissões, desde sapateiros a pedreiros (56%)”.239 Não se quer dizer com
isso que a Sociedade dos Homens de Cor era de capoeiras, mas esta é mais
uma pista para entendermos as experiências e identidades compartilhadas.
Na definição de seus fins, no artigo 2 do capítulo 1, os estatutos são um
tanto quanto vagos, afirmando que o fim da “Associação é promover tudo
quanto estiver a seu alcance em favor de seus membros”.240 Entretanto, a
Sociedade dos Homens de Cor deixava mais claras as suas concepções e
finalidades em outros artigos dos estatutos. No artigo 7 do capítulo 2,
tratando da admissão dos sócios, os estatutos permitem, no parágrafo 3o que
para ser sócio a pessoa deveria “ser livre, liberto, ou mesmo sujeito, de cor
preta, de um ou outro sexo”.241 Desta maneira a sociedade permitia
estatutariamente – pois extra oficialmente outras organizações certamente o
permitiam – a participação de cativos em seus quadros. Este fato ficava
mais evidente no momento em que a associação explicita os seus
verdadeiros objetivos. Assim, no capítulo 3, que trata dos deveres e direitos
dos sócios, de tratamento médico em caso de moléstias, de auxílio-funeral,
e de auxílio em caso de prisão, como nas demais associações, os estatutos
também anunciam no artigo 14 outro direito: “Os sócios sujeitos ganharão
da vantagem de entrar no sorteio [anual] para a libertação; e uma vez
libertos poderão exercer todos os cargos da Sociedade, para os quais,
enquanto naquela condição, não poderão ser nomeados ou eleitos.”242
E o artigo 44 estabelece que o sorteio seria feito nos aniversários de
instalação da sociedade, libertando “um sócio sujeito do sexo masculino e
outro do sexo feminino”.243 Para que se efetue o sorteio anual a sociedade
estabelece uma contribuição trimestral, além da mensalidade, destinada à
formação de um fundo com este fim exclusivo. Este fundo estava assim
definido pelo artigo 45: “Para recorrer a essas duas despesas, que não
podem ser inferiores a 2:000$000 rs, cada sócio contribuirá, de 3 em 3
meses, com uma jóia de 2$000 rs [...] as quais serão recolhidas a uma caixa
mensal.”244
Essa forma de organização, em que os escravos e negros livres se
cotizavam para propagar “ideias subversivas” nas áreas urbanas e rurais, ou,
como neste caso, para comprar a alforria de algum escravo, pode ser
herança, como nos aponta Costa e Silva, de “procedimentos cooperativos
tipicamente africanos e que tiveram ampla vigência no Brasil, como o esusu
iorubano”.245 A forma como os membros da Sociedade dos Homens de Cor
lutavam pela liberdade está em perfeita confluência com as afirmações de
Costa e Silva, quando nos diz que:
Semanalmente ou uma vez por mês, um grupo recolhia de cada um de seus membros uma
pequenina quantia de dinheiro e, quando essa quantia atingia o montante necessário,
entregava-a a um deles, escolhido por sorteio, para que adquirisse a liberdade. Os escravos
de um mesmo canto de trabalho, de uma mesma etnia ou de uma mesma fazenda podiam
contribuir regularmente para essa espécie de caixa de poupança, que os ia remindo um a
um.246
O Conselho de Estado, ao analisar o requerimento de legalização da
Sociedade, impediu que aquela fosse oficializada, de início com argumentos
comuns a outros pedidos indeferidos, mas logo depois apareceram as
“preocupações de ordem pública”. É claro que a presença de escravos na
associação, admitidos como sócios, é rejeitada em virtude das leis em vigor,
mas os conselheiros também combatem o fato de a associação ser formada
somente por homens de cor, argumentando da seguinte maneira:
Os homens de cor, livres, são no Império cidadãos que não formam classe separada, e
quando escravos não têm direito a associar-se. A Sociedade especial é pois dispensável e
pode trazer os inconvenientes da criação do antagonismo social e político: dispensável, por
que os homens de cor devem ter e de fato tem admissão nas Associações Nacionais, como é
seu direito e muito convém a harmonia e boas relações entre os brasileiros.247
Os conselheiros, que no mesmo dia tinham formulado o parecer sobre a
Associação da Nação Conga “Amiga da Consciência”, chamam a atenção
de que estas seriam as primeiras sociedades especiais deste tipo –
esquecendo-se curiosamente da Associação da Nação Conga que tentara
conseguir registro através do Conselho dez anos antes248 –, e que a
existência destas não seria em nada aconselhável. Com essa preocupação os
conselheiros fizeram a seguinte recomendação ao imperador:
A sabedoria do Governo Imperial decidirá, se convém ou não convém tomar conhecimento
reservado, por meio da Polícia, dos indivíduos que as promovem e das circunstâncias que
lhes dão causa: talvez unicamente esforços para viverem a custa dos incautos que se deixam
enganar.249
Tal conselho continuava com a mesma lógica da política, apontada por
Gomes, de mapeamento da cidade, quando as autoridades tentavam
“esquadrinhar em toda a cidade os focos que davam origem ao medo”.250
Sem dúvida, os negros dessas três associações, escravos ou não, estavam
lutando pela liberdade e pelo que julgavam ser seus direitos.
Não sabemos se continuou a existir clandestinamente, nem qual a
importância de sua extensão entre os trabalhadores cariocas do período, no
entanto ela constitui uma experiência singular e que acumula em si formas
de lutas diversas. O que nos parece inovador no caso da sociedade dos
Homens de Cor não é somente, portanto, o fato de ela ser organizada com
os objetivos citados, nem tampouco ser formada por negros escravizados e
livres que lutavam pelos seus interesses, e sim que eles agora lutavam
também para ter a sua organização reconhecida pelo governo imperial, e
com a estrutura já organizada conforme outras associações mutuais, o que
os aproximavam da experiência organizativa mais comum entre os
trabalhadores assalariados do período.
Existiam, por outro lado, organizações com estatutos racistas. Nenhuma
organização podia legalmente admitir sócios escravizados, e a cláusula que
dizia que todos os sócios tinham de ser de “condição livre” está presente em
todas elas. Entretanto, não existia barreira legal para a organização de
negros não escravizados, e a sociedade que desejasse colocar esse limite
tinha de expor isto em seus estatutos. É o que faz a Sociedade Beneficente
dos Artistas de São Cristóvão.251 Esta postura singular, tomada por uma
organização com 1.020 sócios, demonstra como nenhum outro documento a
que tivemos acesso, a existência do racismo entre os trabalhadores já em
1876. Esse racismo parece ter o objetivo de negar a proximidade com o
sujeito escravizado, já que a restrição era contra negros ou libertos de
qualquer cor. Batalha chama a atenção, no entanto, para o fato de que
associações com essa postura eram exceções, pois, no geral, não constava
discriminação racial nos estatutos.252
É possível perceber o discurso de uma certa unidade sendo elaborado
por organizações de trabalhadores ao longo do período, não sendo raras as
referências à necessidade de um programa comum e as tentativas (algumas
efetivadas) de formar associações com todas as categorias. Essa unidade,
entretanto, não levava sempre em conta os trabalhadores escravizados, e,
além disso, podia ter um caráter de unidade entre as classes (fragmentando
os trabalhadores por seus ofícios profissionais), e não da classe
trabalhadora. Um exemplo desse discurso está presente em um texto,
tratando da criação do Grande Centro Operário, que propunha uma
estrutura organizativa com unidades municipais e paroquiais (o corpo), e
com uma organização central (a cabeça).
Todo coletivo divide-se e subdivide-se em muitas outras classes; que não são mais que os
diversos membros de seu corpo, ligados pelas mesmas precisões, pelos mesmos direitos e
deveres; não há superiores nem inferiores, não há brancos nem negros, não há pequenos
nem grandes, não há nacionais nem estrangeiros, há sim cidadãos trabalhadores que se
devem mútuo respeito.
Pelo lado material, as classes são diversas, por isso que cada uma tem uma missão especial
a cumprir no exercício da vida, e nem se pode prescindir dessa diversidade que é a lei da
harmonia; [...] artistas ou operários, industrial ou mecânico, são todos iguais, na parte
concreta dos direitos hipotéticos ou positivos”.253
Esta unidade, apesar de pregar a igualdade entre brancos e negros, nem
sempre levava em conta o trabalhador escravizado. A unidade entre estes
trabalhadores, entretanto, está presente nas experiências comuns que eles
provavelmente viviam. Ao refletirem sobre suas condições de vida,
explicitam as proximidades de experiências, as mesmas condições de
moradia e de trabalho, reivindicando inclusive o fim de sua própria
escravidão, a escravidão moral. Em textos de protesto contra a importação
de produtos, ou a forma como eram tratados nas oficinas particulares e do
governo, os trabalhadores, já em 1867, diziam:
[...] O que é feito das artes? [...]
Um surdo murmúrio nos responderá...
Correi essas suntuosas ruas do Rio de Janeiro e procurai a casa dos artistas. Não a
encontrareis!
Procurai esses albergues em lugares retidos da cidade: aí o encontrareis rodeado de filhos e
da inconsolável esposa, cobertos de andrajos, implorando ao altíssimo os meios de haver o
pão para mitigar a fome e fazer calar o grito desordenado de seus filhos!254
A necessidade de se construir uma unidade com escravizados está mais
explícita em alguns discursos positivistas, importantes de serem frisados
por estarem presentes em organizações de trabalhadores, marcadamente o
Corpo Coletivo União Operária. As sociedades positivistas nas últimas
décadas do século XIX se afirmavam como as grandes defensoras do
abolicionismo, e voltavam seus discursos para a “inserção do proletariado
escravo”. É nesse espírito que a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro
distribui, em 1883, um manifesto em que pregava a necessidade de acabar
com o “mais nefando dos cativeiros, o cativeiro em pleno regime
industrial.”255 O manifesto apresenta discursos de José Bonifácio e Miguel
Lemos, e é este último que vai frisar no projeto a necessidade de
assimilação dos escravizados à pátria como cidadãos livres.
Findo este ponto [abolição decretada], servirá ele de base para os artigos sucessivos do
decreto em que se assentarão os meios de assegurar a sorte dos novos cidadãos, facilitando
a sua livre assimilação à Pátria, à qual foram violentamente anexados por nossos
antepassados, e para cuja constituição têm concorrido com o trabalho e com o sangue.256
Em 1888, no momento de agonia da escravidão, Miguel Lemos e
Teixeira Mendes se apressam para escrever um outro manifesto, com os
objetivos de afirmar os positivistas como os verdadeiros e originais
abolicionistas, de primeira hora – contra os “abolicionistas de última hora”
–, e de pregar mais uma vez “a incorporação do proletariado na sociedade
moderna”.257 Os positivistas brasileiros se consideravam, através do
esclarecimento pela teoria de Augusto Comte, “os primeiros a proclamar a
superioridade afetiva do elemento africano”,258 acreditando que os
escravizados só aceitaram e suportaram a escravidão por serem
afetivamente superiores. E explicam o que consideravam por proletariado, e
como este deveria ser incorporado, agora já sem o jugo da escravidão: “o
proletariado, isto é, o conjunto dos pobres, constitui um dos elementos
normais do organismo coletivo. É fatal que a sociedade se compunha
sempre de ricos ou patrícios, em diminutíssimo número, e de pobres ou
proletários formando a grande massa”.259
É defendida, portanto, a ideia de que cada um tem o seu papel no
funcionamento do corpo social, tendo a mesma dignidade, como
“funcionários públicos”.
Os positivistas, entretanto, não eram os únicos que se reivindicavam
“abolicionistas de primeira hora”. A experiência dos padeiros relatada por
João de Mattos260 mostra uma luta iniciada em Santos, que passou por São
Paulo, e continuou no Rio de Janeiro, e que, antes da Abolição, libertou
diversos trabalhadores escravizados em padaria. Tanto no que diz respeito à
gênese de um movimento abolicionista, quanto sobre a questão de uma
possível unidade entre escravizados e assalariados, a prática dos padeiros é
fundamental para o aprofundamento deste estudo. Por meio desse relato
entramos em contato com um movimento muito importante para a
discussão da relação entre os trabalhadores urbanos, em três das mais
importantes cidades do Sudeste brasileiro.
João de Mattos relata que as ações do movimento dos padeiros de que
ele participou se iniciaram em 1876 com um levante abolicionista na cidade
de Santos. Dois anos depois o mesmo tipo de ação repetir-se-ia em São
Paulo. Com o mesmo intervalo de tempo ele chegaria à Corte em 1880 para
iniciar a sua organização, a qual agiria um ano depois com os mesmos
métodos já experimentados anteriormente; é essa atuação que nos interessa
e que será brevemente relatada agora.
Em 1880 é fundado o Bloco de Combate dos Empregados de Padaria,
com o lema “pelo Pão e pela Liberdade”. Na primeira reunião, realizada no
chafariz do Largo do Paço, na freguesia da Candelária, estiveram presentes
16 pessoas, e foi eleita por aclamação a diretoria do que era, segundo ele, a
única sociedade de classe de combate à escravidão até então. O próprio
João de Mattos era o seu diretor.
Como esta sociedade era obviamente ilegal e, portanto, clandestina, seus
membros encamparam o nome de Curso de Dança, e fizeram a sua segunda
reunião já na primeira sede, na rua da Conceição, no 28, na freguesia do
Sacramento. A freguesia do Sacramento era um dos principais terrenos em
que trabalhadores de diversas categorias se encontravam para se organizar e
lutar por seus objetivos. No que diz respeito às padarias esta era
provavelmente uma das freguesias mais bem supridas, se não era a que
tinha o maior número de estabelecimentos deste tipo.
O número de trabalhadores organizados no bloco de defesa foi
gradualmente crescendo, até que em 1881, no aniversário da sede, com 100
associados, eles realizaram o levante abolicionista. Seguiram todos os
escravizados em fuga por terra em direção a Barra do Piraí onde se
dispersaram. João voltou para a cidade e foi preso em função da delação de
um dos membros que foi pego pela polícia antes e que, segundo João,
vendeu-se por 100$000 que um escravocrata lhe deu.261 Após mais de três
meses preso, ele foi libertado pela ação judicial do famoso advogado
abolicionista Saldanha Marinho, o qual tratava como amigo.
João de Mattos e seus companheiros padeiros, entretanto, não deixaram
de militar após a assinatura da Lei áurea. Segundo o histórico que ele
escreve, 1888 foi o ano em que eles realizaram a maior vitória da sua luta
“ficando o caminho desentravado dos escravizados de fato”.262 A luta
continuou no final do século XIX e durante o início do XX, até pelo menos
o momento em que o documento foi escrito, com a formação de sociedades
de padeiros e a publicação de jornais. Nessa etapa a luta passava a ser, nas
palavras de João de Mattos, contra a escravatura que “era agora geral”,263
continuando os padeiros a trabalhar durante 16 e 18 horas consecutivas, dia
e noite.
Esta não era uma sociedade que procurava oficializar o seu modelo de
organização. No entanto, a forma mascarada que encontrou para funcionar
nos traz mais um exemplo de como os trabalhadores livres e escravizados
podiam esconder atrás de uma roupagem legal as suas atuações em verdade
clandestinas. Segundo João de Mattos, ainda em 1888 os trabalhadores nas
padarias estariam divididos entre 50% livres e 50% escravizados mais ou
menos, mesmo com a grande maioria dos trabalhadores na cidade já sendo
livres. Se em Santos, em 1876, existiam cinco padarias, e na São Paulo de
1877, 11 ou 12, no Rio de Janeiro de 1878 João de Mattos e seus quatro
companheiros padeiros fundadores do Bloco de Combate vão encontrar
uma cidade com 133 padarias. De 1878 até 1880, quando o número de
padarias já havia subido para 169 em toda a cidade, os cinco procuraram
organizar seus companheiros de trabalho da mesma forma que já havia sido
feito em Santos e em São Paulo.
Em sua viagem ao Brasil na primeira metade do século XIX, Debret faz
a prancha de uma padaria da Corte, onde figuram o dono e escravizador em
primeiro plano, e os trabalhadores escravizados trabalhando ao fundo. Por
esta ocasião o viajante francês relata que a indústria do pão, que antes era
pequena, sendo sua produção artigo de luxo, após a coroação do rei e com a
afluência de estrangeiros, principalmente franceses, cresceu enormemente,
passou a ser comércio lucrativo para os capitalistas, e abundante já em
1829.264 Em 1852, 30 anos antes da fundação do bloco de defesa, a
freguesia do Sacramento já tinha o maior número de padarias na cidade,
totalizando 21 entre as 97 que havia espalhadas pelo Rio – 80 delas nas
freguesias da Cidade Velha e da Cidade Nova. Neste ano, as padarias
representavam 25,93% das fábricas existentes na cidade.265 Sem dúvida em
30 anos muita coisa mudou, e os dados de 1852 não podem ser transferidos
para a análise de 1880. Entretanto, tendo em vista que nestes 30 anos o
número de padarias aumentou em 75%,266 acredito que seja possível supor
que o Sacramento continuasse a ser uma importante freguesia neste ramo da
indústria alimentícia. O fato de a primeira sede do bloco estar situada nesta
freguesia já nos dá uma pista da sua importância para esses trabalhadores.
O relato desse padeiro, além de nos permitir ver a dinâmica de um
movimento organizado de trabalhadores livres e escravos tendo como
objetivo primordial a luta pela Abolição, também nos permite saber as
razões que moviam estes trabalhadores. João e seus companheiros
acreditavam naquele momento – já que ao longo de sua narrativa, após a
Abolição eles tomam uma outra consciência do problema – que as
condições de vida dos trabalhadores assalariados só melhorariam com o fim
da escravidão. Para eles o fato de os escravizados não correrem o risco de
serem demitidos trazia grande instabilidade para os livres, impedindo o
caminho para as lutas pelas melhorias econômicas. Esse documento permite
também perceber a proximidade das relações de trabalho e das experiências
vividas por esses trabalhadores, que estavam claramente separados nas suas
condições de escravos ou livres. Segundo João, “Os patrões eram demais
carrascos e abusavam do seu poderio. Os empregados escravizados livres,
as prerrogativas eram as mesmas dos de fato, por qualquer coisa davam
supapos, pontapés, empurrões – pela porta afora. E apelar pra quem!”267
Essa organização, portanto, é um importante exemplo da capacidade e
das possibilidades organizativas de trabalhadores livres e escravizados na
segunda metade do século XIX. Estes padeiros, que trabalhavam em
péssimas condições em horários que varavam a madrugada, iam entregar
seus pães de manhã – ou melhor, os pães dos patrões – e assim
disseminavam suas idéias entre os demais trabalhadores escravizados da
cidade. Esses trabalhadores eram então, nas suas próprias palavras, os
“primitivos abolicionistas”,268 em um movimento que era organizado por
quem mais sabia da necessidade de alcançar este objetivo.
VI
É nessas condições que o conjunto desses trabalhadores vai-se ver
explorado de maneiras semelhantes, se não idênticas, sejam escravizados de
fato ou não, e vão assim procurar lutar contra a escravidão. Esta luta pode
se traduzir de diversas formas, como nas tentativas de organizações negras,
compostas por libertos ou escravizados, ou nas vertentes operárias do
abolicionismo. Todas elas compartilhando experiências até certo ponto
comuns.
Na medida em que a escravidão vai chegando ao final, os trabalhadores
da cidade, que já compartilhavam os mesmos espaços – e condições – de
trabalho e moradia, vão deixando de fato de ser divididos em escravizados e
livres, e entre os escravizados e seus descendentes a divisão étnica vai-se
tornando menor. Aqui se faz necessário o apontamento de um último
debate, tomando-se como referência trabalhos de Sidney Chalhoub e de
João José Reis.
Chalhoub, na tentativa de demonstrar que os cativos não assistiam
passivos aos acontecimentos, enfatiza a ação destes como sendo informada
a partir de “lógicas ou racionalidades próprias, [...] [com] movimentos [...]
sempre firmemente vinculados a experiências e tradições históricas
particulares e originais”.269 Esta concepção leva à conclusão de que os
escravos, por mais que estivessem influenciados pela sociedade em que
viviam, limitavam esta influência apenas à definição de suas estratégias de
luta “quando escolhiam buscar a liberdade dentro do campo de
possibilidades existente na própria instituição da escravidão [...]”.270 Nos
dizeres de Chalhoub se tornam impossíveis as políticas que tivessem, em
1871, a propensão de organizar o mercado de trabalho livre no Brasil a
longo prazo, ou negros com visões de liberdade que levassem em conta a
inclusão na sociedade de classes em formação.271 Não acredito que devamos
pensar as ações dos escravizados como simples tentativas de tornarem
trabalhadores assalariados, mas uma das possibilidades de liberdade
inscritas na sociedade dos fins do século XIX também é a transformação de
trabalhador escravizado para assalariado. A passagem de um regime de
mão-de-obra escravizada para um de mão-de-obra assalariada poderia, e
certamente estava, sendo percebida tanto pelos setores dominantes da
sociedade, quanto por trabalhadores assalariados e escravizados, uma vez
que as suas “aspirações eram válidas nos termos de sua própria
experiência”,272 e as experiências em fins do século XIX possibilitavam este
projeto.
O processo histórico do qual estamos tratando é repleto de contradições,
e uma delas se deve ao fato de que a transformação histórica que se
processa é projetada e defendida por alguns com base não apenas na ideia
de uma nova sociedade, mas sim na inserção em uma “civilização” já
existente, aquela que se vê consolidando no mesmo período na Europa, com
a generalização do trabalho assalariado. Neste ponto algumas disputas
ideológicas se tornam evidentes. A força da ideia do associativismo, do
positivismo, e dos discursos de harmonia nacional, de uma sociedade sem
conflitos, já aparecem claramente durante este processo.
Como nos aponta João José Reis, quando analisa o trabalho de rua em
Salvador, ao final da escravidão os trabalhadores passaram a ter uma
tendência classista, pois a identidade no trabalho comum passava a
predominar, “uma vez que a liberdade ajudou a nivelar, em alguma medida,
trabalhadores que anteriormente se dividiam na rua entre libertos e
escravos”.273
Entretanto, os conflitos de projeto presentes nas disputas pela Abolição
da escravatura no Brasil também traziam os termos pelos quais se gestaria o
Estado brasileiro após a queda do Império. As experiências vivenciadas
pelos trabalhadores neste processo de luta vão contribuir para as posteriores
lutas e organizações que se formarão. Estas lutas se apresentavam enquanto
disputas ideológicas, em sentido duplo, tanto como de inversão da
realidade, quanto “como as formas nas quais os homens tornam-se
conscientes dos conflitos surgidos das condições e das mudanças de
condição na produção econômica”.274
No caso da Corte imperial essas disputas de projeto de sociedade são
mais claramente apreendidas ao analisarmos alguns discursos de Joaquim
Nabuco. Em O Abolicionismo este parlamentar do Império afirma o que
para ele era a opinião dos abolicionistas, portanto daquilo que ele
considerava como adequado ao movimento abolicionista: “[...] os
abolicionistas, que querem conciliar todas as classes, e não indispor umas
contra as outras: que não pedem a emancipação tão somente no interesse do
escravo, mas do próprio senhor, e da sociedade toda [...]”.275
Analisando os discursos de Joaquim Nabuco, dos positivistas e a
composição de algumas das sociedades operárias, percebemos um
movimento de busca de um certo consenso, e até mesmo de preparo de um
consenso para a constituição da sociedade pós-Abolição.
Procuramos aqui, para além de entendermos a proximidade do
escravizado com o mundo do trabalho livre, compreender o papel dos
trabalhadores assalariados e de suas organizações no processo de luta contra
a escravidão, com todas as suas contradições e conflitos. Dessa forma,
propomos um novo ângulo de abordagem na análise das forças atuantes e
dos desdobramentos do abolicionismo no meio urbano no Rio de Janeiro, e
os possíveis reflexos deste processo na formação da classe trabalhadora
carioca.
O processo de Abolição trazia uma tensão fundamental para as futuras
definições de relação de trabalho e classe. Se, por um lado, trabalhadores
escravizados e livres se aproximavam pelo objetivo comum da libertação
dos primeiros e pela experiência de vida de ambos, por outro, uma ligação
com os setores dominantes da sociedade se forjava pelo interesse de a
Abolição ser também comum a muitos desses. Estas questões vão sem
dúvida influenciar o processo posterior de construção da dominação e a
nova dinâmica da luta de classes na sociedade brasileira.
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2 Sobre a discussão em torno da utilização do termo escravizado e não escravo, ver: CARBONI;
MAESTRI, 2003.
3 NABUCO, 1999, p. 171.
4 MATTOS, 2004.
5 SOARES, 1988.
6 DUARTE, 2002.
7 Ver por exemplo: AMANTINO, 1998; e GOMES, 2006.
8 SOARES, 1998.
9 SILVA, 2003.
0 Esta organização, assim como as duas da Nação Conga que veremos adiante, também foi estudada
por CHALHOUB, 2003, e no livro coletivo No labirinto das nações; FARIAS; SOARES; GOMES,
2005.
1 Ver MATTOS, 2008, pp. 149 e ss.
2 THOMPSON, 1979, p. 37.
3 Como bem sabemos a própria rua era (e ainda é) um importante local de trabalho; escravos de ganho,
quitandeiras e outros já foram bastante estudados por historiadores e descritos por viajantes. Sobre a
relação entre livres e escravizados nas ruas do Rio, ver, por exemplo: TERRA, 2006.
4 LOBO; STOTZ, 1985.
5 ARANTES, 2004.
6 DUARTE, 2002.
7 LONER, 2001.
8 WISSENBACH, 1998.
9 Em 1870 os bondes e trens começam a atuar sincronicamente, em horários mais adequados às horas
de entrada e saída dos locais de trabalho do centro; em 1878 é criada a Companhia Carris Urbanos, e
em 1886, a Leopoldina. ABREU, 1997, pp. 36, 45, 50 e 53.
0 SILVA, Eduardo, 1997, p. 78; e ver também SOARES, 1998. Sobre o período de 1830-1840:
SOARES; GOMES, 2001.
1 MATTOS, 2008, p. 51.
2 BATALHA, 1999, p. 63.
3 O Typographo – Nº 3 – 13 de Novembro de 1867 – Ano I
4 VITORINO, 2000, p. 100.
5 Idem, Ibidem, p. 99.
6 O Typographo – Nº 2 – 04 de Novembro de 1867 (Ano I)
7 O Typographo – nº 2 – 04 de novembro de 1867 (Ano I).
8 Este fato certamente também influencia na nossa análise sobre os trabalhadores no século XIX, uma
vez que para os tipógrafos provavelmente era mais fácil deixar registros escritos, em comparação
com outras categorias.
9 O Typographo – nº 2 ...
0 O Typographo – Nº 5 – 27 de Novembro de 1867 (Ano I)
1 BATALHA, 1999, p.63.
2 Arquivo Nacional, Casa Imperial, Caixa 18, pacote 5, documento 164.
3 Sobre os Estatutos da Sociedade denominada Liga Operária (1872) AN – Caixa 551/Pacote
1/Documento 8.
4 Projeto de Montepio confeccionado e oferecido aos operários do Arsenal de Guerra da Corte pelo
diretório do Corpo Coletivo União Operária. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1883. BN, I – 206,
2, 2.
5 Montepio dos Operários do Arsenal de Marinha da Corte. Decreto legislativo no 3.274 de 12 de
junho de 1886, Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1887.
6 Aprovação dos Estatutos do Corpo Coletivo União Operária (1882) AN – Caixa 559/ Pacote 2/
Documento 14.
7 Na comissão nomeada na primeira reunião da Liga se faziam representar maquinistas, tipógrafos,
fundidores, músicos (o primeiro 2º secretário), pintores (o vice-presidente), arquitetos (o presidente),
escultores, sapateiros, construtores navais, pedreiros, ferreiros, alfaiates, caldeireiros, polieiros,
funileiros, torneiros, modeladores, serralheiros, fogueteiros pirotécnicos, latoeiros, calafates, e
carpinteiros. Sobre os Estatutos da Sociedade denominada Liga Operária (1872)...
8 Idem,Ibidem.
9 Tribuna Artística – Nº 6 – 25 de Fevereiro de 1872 (Ano I).
0 Programa da sessão Solene do Corpo Coletivo União Operária comemorativa da independência do
Império em 7 de setembro de 1885. Biblioteca Nacional, Obras Raras, loc. 084,05,14 nº1.
1 O Abolicionista – Nº 12 –28 de Setembro de 1881 – Ano II.
2 CARNEIRO, 2005, p. 74. (Trecho de: Morais, Evaristo A Confederação Abolicionista).
3 Idem, Ibidem, p. 75.
4 SILVA, 2003.
5 Idem, Ibidem, p. 11.
6 SOARES, 1998.
7 Associação Beneficente Socorro Mútuo dos Homens de Cor (24 de Setembro de 1874) – Arquivo
Nacional; 1R; CODES. Caixa 552/ Pacote 2/ Documento 43.
8 Sociedade de Beneficência da Nação Conga “Amiga da Consciência” – 1874 (A.N./ CODES/ 1R/
Caixa 552/ Pacote 2/ Documento 45).
9 SOARES, 1999, p. 115
0 Associação Beneficente Socorro Mútuo dos Homens de Cor..., fl. 9.
1 Ibidem, fl. 10.
2 Ibidem, fl. 11.
3 Ibidem, fl. 19.
4 Ibidem, fl. 19.
5 SILVA, 2003, p. 159.
6 Idem, Ibidem, p. 159.
7 Associação Beneficente Socorro Mútuo dos Homens de Cor..., fl. 3.
8 Sociedade Beneficente da Nação Conga – 1862 (A.N./ CODES/ 1R/ Caixa 531/ Pacote 3/
Documento 46).
9 Idem, fl. 3 verso.
0 GOMES, 1998, p. 74.
1 BATALHA, 1999; AN CE, 559/2/14.
2 BATALHA, 1999.
3 Gazeta Operária – Nº 7 – 7 de Fevereiro de 1885 (Ano II).
4 O Typographo – Nº 7 – 14 de Dezembro de 1867 (Ano I).
5 A incorporação do proletariado escravo. Protesto da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro contra o
recente projeto de governo. – Distribuição gratuita. Recife; Tipografia Mercantil; 1883. Biblioteca
Nacional, ref.: IV – 201, 4, 15 nº 7. p. 3.
6 Idem, p.13.
7 LEMOS; MENDES, 1888.
8 Idem, Ibidem, p. 10.
9 Idem, Ibidem, p.19.
0 DUARTE, 2002.
1 Idem, Ibidem, p. 69.
2 Idem, Ibidem, p. 70.
3 Idem, Ibidem, p.71.
4 DEBRET, 1989.
5 LOBO, p. 279.
6 Idem, Ibidem, p. 305.
7 DUARTE, 2002, p. 65.
8 Idem, Ibidem, p. 63.
9 CHALHOUB, 1990, p. 252.
0 Idem, Ibidem.
1 Idem, Ibidem, pp. 160 e 80.
2 THOMPSON, 1987, p. 63.
3 REIS, 2000, p. 240.
4 WILLIAMS, 2007, p. 215. Os textos de Marx que Williams cita no verbete ideologia são A ideologia
Alemã (1845-47) e A luta de classes na França (1850), para o primeiro sentido do conceito, e
Contribuição à crítica da filosofia política (1859), sobre a segunda forma.
5 NABUCO, 1988, p. 39.
PRETOS, BRANCOS, AMARELOS E
VERMELHOS: CONFLITOS E
SOLIDARIEDADES NO PORTO DO RIO DE
JANEIRO
Érika Bastos Arantes
Este artigo pretende contribuir com algumas reflexões referentes à
história do trabalho no Brasil. Uma das reflexões diz respeito à discussão
sobre o “marco” estabelecido pela história social do trabalho e que coloca o
ano de 1888 como um divisor de águas: antes a era da escravidão e,
portanto, não era possível falar em “história social do trabalho”, que só teria
sentido no pós-1888, quando finalmente essa história seria possível, pois
identificada com o trabalho livre. Assim, a história do trabalho no Brasil
quase sempre foi a história do trabalhador livre e branco, de preferência
imigrante. É a aceitação da ideia de que escravo por ser escravo não é
trabalhador. Mas será que a história do trabalho pode ser limitada a essa
dicotomia?
A outra reflexão que se coloca diz respeito à formação da classe
operária carioca e às relações étnicas envolvidas na construção das
identidades desses trabalhadores. Por muito tempo, a bibliografia da classe
operária trabalhou com outra dicotomia: a de que a “verdadeira” classe
operária era aquela revolucionária, mais identificada com os imigrantes de
ideias anarquistas e estabelecidos em São Paulo. Do outro lado, estavam os
cariocas e suas divisões étnicas. A presença de negros egressos da
escravidão entre a classe trabalhadora faria com que, no Rio de Janeiro, os
conflitos étnicos a dividissem, dificultando a construção de uma identidade
de classe. Mas também, nesse caso, a mesma pergunta fica no ar: será que a
formação da classe trabalhadora pode ser limitada a essa dicotomia?
O texto busca estabelecer um diálogo entre a história do trabalho e a
história da escravidão no Brasil. Para isso, discutirei parte da bibliografia
sobre esses assuntos, buscando pontos de comunicação entre eles, mas
também utilizarei fontes primárias para tentar dar suporte aos meus
argumentos. Aqui, privilegiarei uma categoria específica de trabalhadores:
os portuários da cidade do Rio de Janeiro. Essa escolha foi feita por
diversos motivos. O primeiro deles por ser esta uma categoria
profundamente identificada com a história da escravidão, como veremos
adiante. No mais, mesmo após o fim do cativeiro, o trabalho portuário
continua sendo identificado ao braço negro, apesar de toda massa de
imigrantes que chega para disputar um lugar no mercado de trabalho.
Um conflito étnico?
Em 13 de maio de 1908, um violento conflito explodiu entre os
trabalhadores do porto do Rio de Janeiro que estavam reunidos na sede da
Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, no centro
da cidade. Após uma eleição que decidira os novos membros da diretoria
daquela sociedade, uma assembleia foi convocada às pressas. Logo no
início da sessão, tomaram a palavra alguns oradores que teceram
comentários que questionavam a legalidade daquela eleição, sendo
constantemente interrompidos por outros sócios que queriam garantir a
validade do pleito. Após muita confusão, apartes, protestos e insultos, a
sede daquela sociedade transformou-se em uma verdadeira praça de guerra,
ficando completamente destruída pelos próprios sócios. O conflito resultou
em um morto, vários feridos e um processo de 109 páginas. A partir dos
depoimentos das testemunhas, consta do processo o resumo dos fatos. O
trecho é longo, mas vale a pena ser transcrito, pois pode oferecer elementos
importantes para nossa análise:
No dia 13 do mês corrente, cerca de 1 hora da tarde, produziu-se um conflito entre os sócios
da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, na sede social, à rua
Marechal Floriano Peixoto n. 20. Foram disparados diversos tiros de revólver, de que
saíram feridos os sócios Antônio Henrique, Manoel Rodrigues, Cândido Francisco Pinto de
Almeida e Antônio Pereira; o primeiro faleceu no dia 15 na Santa Casa de Misericórdia [...],
e os demais receberam ferimentos reputados leves.
Referem as testemunhas que depuseram no inquérito, e os ofendidos que, sancionando a lei
n. 1.637 de 5 de janeiro de 1907, que criou os sindicatos profissionais e sociedades
corporativas, a Sociedade de Resistência resolveu alterar a sua denominação e organizar-se
de acordo com as prescrições do referido decreto, cujo art. 2o , & 2o estabelece que só
podem fazer parte das administrações dos sindicatos, brasileiros natos, ou naturalizados
com mais de cinco anos e residência no País e no gozo de todos os seus direitos civis.
Havendo na diretoria vagos os lugares de Presidente e Tesoureiro, fez-se uma eleição no dia
10 do mês corrente, saindo vitoriosos os nomes de Fernandes Ribeiro e Manoel Dias,
ambos de nacionalidade portuguesa. A sessão de posse foi marcada para o dia 13.
Aberta a sessão, tomou a palavra o sócio brasileiro Rozendo Alfredo dos Santos, e
protestou contra a validade daquelas eleições, que no seu conceito era írrita e nula, não só
pela nacionalidade dos eleitos como ainda porque a eleição não foi anunciada com a devida
antecedência, sendo publicado o anúncio da convocação apenas em um só jornal, no próprio
dia da sessão. Esse discurso, a proporção que se desenvolvia era cortado por violentos
apartes, dados por um grupo composto de Henrique Roseira, Antônio Henrique, Raphael
Munhões e Gumercindo Terra, todos estrangeiros, a exceção do primeiro que, embora
brasileiro, é filho de português.
Em seguida tomou a palavra o sócio Rufino Ferreira da Luz, que desenvolveu o mesmo
tema do orador presente, mas então os apartes já se mostraram mais violentos e
organizados, e em um dado momento, um dos do grupo, Antônio Henrique, bradou: – “o
que se tem de fazer, faz-se já” – e juntando à palavra a ação, sacou de um revólver, e
detonou-o em mira ao orador Rufino Ferreira da Luz. Acompanhando a decisão de Antônio
Henrique, Henrique Roseira, de revólver em punho, abriu um vácuo na multidão dos sócios,
e pôs-se a dar tiros, secundando nessa tarefa pelos seus consócios Raphael Munhões e
Gumercindo Ferro. Antes que a polícia pudesse intervir, Roseira, Munhões e Gumercindo
evadiram-se, sendo Antônio Henrique encontrado gravemente ferido [...].”276
O episódio acima se transformou em “exemplo” ao ser constantemente
mencionado por muitos historiadores como representativo do quanto os
conflitos étnicos e as diferenças de nacionalidade tenderam a dificultar a
solidariedade de classe e limitar a ação operária no porto carioca e no Rio
de Janeiro de uma maneira geral.
Boris Fausto foi um dos autores que defenderam a tese de que as
diferenças étnicas e de nacionalidade não apenas limitaram a ação operária
no Rio de Janeiro, como também teriam praticamente definido a
predominância do sindicalismo reformista, de caráter não revolucionário,
que ele chama de “trabalhismo carioca”. Para o autor, o setor de serviços,
que abrange os ferroviários, marítimos e doqueiros, formava um grupo de
trabalhadores intocados pela ideologia anarquista em fins do século XIX,
principalmente devido à superioridade numérica de trabalhadores nacionais,
especialmente negros. O mesmo não teria acontecido em São Paulo, sempre
considerada como palco dos movimentos revolucionários justamente pela
predominância dos imigrantes com tendências libertárias.277
Sheldon Maram segue a mesma linha de Fausto ao afirmar que os
conflitos internos, por vezes, abortaram tentativas de organização entre os
portuários, acarretando o declínio de vários sindicatos, como a Sociedade
de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, que ele cita como
exemplo. Segundo ele, após a disputa entre nacionais e portugueses, o
sindicato declinou vertiginosamente, vendo o número de associados cair de
4.000 para apenas 200 em um só ano. E ainda aponta que alguns anos
depois a “Resistência” se reergueu sob nova liderança.278
Em uma posição diferente deste autor, Marli Albuquerque, que tratou
especialmente dos trabalhadores do porto, rejeita a tese de que conflitos
étnicos teriam limitado a organização daqueles trabalhadores, afirmando
que a ação política das categorias portuárias era intensa e marcada pela
solidariedade de classe, não tendo qualquer conteúdo racial:
Na pesquisa realizada não foi constatada a ocorrência de disputa entre trabalhadores
motivados pelas diferenças étnicas. A ideia de apatia política dos trabalhadores negros,
motivada pela sua condição de ex-escravo, foi rejeitada, visto que as fontes, sobretudo as
primárias, demonstram que a ação política das categorias, compostas principalmente de
negros (carregadores e estivadores) era intensa e destituída de qualquer conteúdo racial, ao
contrário, propunha a manutenção de laços de solidariedade entre as categorias atuantes do
porto do Rio de Janeiro numa luta essencialmente dirigida aos empregadores”.279
No entanto, há que se considerar que o trabalho de Marli Albuquerque
tende a exagerar na ênfase à harmonia e solidariedade entre os portuários,
descartando os conflitos que certamente ocorriam.
Sidney Chalhoub, em seu livro sobre o cotidiano dos trabalhadores no
Rio de Janeiro dos primeiros anos do século XX, define a situação dos
portuários naqueles tempos afirmando que as diferenças internas à classe
limitaram em algum grau a organização daqueles operários, mas reconhece
que o grupo era forte e bastante consciente de sua situação de classe.
Segundo ele, a enorme competição pelo trabalho traduzia-se em ações
contraditórias, revestindo-se não só de um conteúdo de luta e desagregação,
mas também de solidariedade e de espírito comunitário. Mas, baseando-se
em Maram, o autor também cita o conflito na “Resistência” como o motivo
do vertiginoso declínio do sindicato e afirma que sua revitalização se deu
sob uma liderança diferente daquela anterior. O autor argumenta ainda que
o fato de alguns sócios estrangeiros gritarem “abaixo a plebe” durante a
falação de Rozendo Alfredo dos Santos demonstra o “inequívoco caráter
racial da disputa”.280
Maria Cecília Velasco e Cruz, em sua tese sobre estivadores e
carregadores no Rio de Janeiro da Primeira República, esclarece que a crise
que resultou na desorganização da “Resistência” não pode ser atribuída
àquele conflito. Segundo Cruz, a verdadeira causa da crise institucional do
sindicato fora a perda dos fundos sindicais causada pela falência do Banco
União do Comércio, e o lock-out feito pelo Centro de Comércio de Café
contra a “Resistência”, na mesma época. E diz ainda que antigos sócios
foram elementos estratégicos e até mesmo essenciais à reorganização da
sociedade após a crise, contrariando a afirmação de que ela teria se
reerguido com novos líderes.281 No entanto, a autora fala pouco sobre esse
assunto, não se perguntando se a questão étnica teria gerado o conflito ou
não.
Apesar de não haver consenso, a tendência da historiografia foi associar
diretamente o conflito ao “problema” da diversidade étnica. Da mesma
forma, muitas das interpretações sobre a história mais ampla do movimento
operário carioca, e especialmente no porto, tiveram base nesses
pressupostos e enxergaram não só desmobilização da classe como também
associaram tendências políticas dos sindicatos portuários à composição
étnica de seus trabalhadores. Aqui, pretendo apontar algumas questões e
trazer alguns elementos que possam contribuir com a discussão, buscando
desnaturalizar certas associações diretas que, ao meu ver, simplificam
demasiadamente uma história que é muito mais complexa...
Apesar de alguns autores citarem o episódio ocorrido na sede da
“Resistência”, e de até usarem o processo como fonte para legitimar suas
teses, poucos se detiveram mais detalhadamente nele.282 Alguns dados que
constam das 109 páginas do processo trazem elementos que, apesar de não
“solucionarem” a questão, podem nos fazer pensar sobre o assunto em
outros termos. Voltemos, então, ao processo.
Em depoimentos dos nacionais que ficaram contra a eleição, aparecem
alguns elementos em comum: oito deles283 citam o Decreto no 1.637, de 5 de
janeiro de 1907, que criou os sindicatos profissionais e associações
corporativas. Segundo essas testemunhas, os sócios daquela sociedade –
brasileiros e estrangeiros – haviam decidido em assembleia que a Sociedade
de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café iria guiar-se por tal
decreto e converter-se em sindicato. De acordo com o parágrafo 2o do artigo
2o do decreto só podem ser admitidos para a administração dos sindicatos os
brasileiros natos ou naturalizados com residência no país há mais de 5 anos
e no gozo de seus direitos civis. Não era o caso daqueles estrangeiros: o
presidente eleito José Fernandes Ribeiro e o tesoureiro Manoel Dias eram
portugueses. Mas esse não parecia ser o problema em si: acontece que os
estrangeiros não só não eram naturalizados como também o presidente
estava em dívida com a sociedade, devendo dois meses de mensalidade aos
cofres da associação, o que fazia dele uma pessoa sem as qualidades que se
esperam de um presidente, ao não honrar os compromissos com a
associação que iria presidir.
Mas não era só isso. Os depoimentos chamam a atenção para
irregularidades na eleição. Rozendo Alfredo dos Santos, por exemplo,
contou que a divulgação da eleição “não foi feita com a devida
antecedência, o que só foi feito no dia em que se realizou a eleição e assim
mesmo em um só jornal”.284 Outros sete depoentes confirmaram essa
versão. Segundo Manoel Matheus dos Santos, por conta disso, muitos
sócios não puderam votar porque simplesmente não sabiam que haveria
pleito. O sócio Etelvino José da Silva chega a dizer que nem mesmo sabia
qual era o motivo da assembleia, quanto mais que havia tido eleição.
Por mais que os depoimentos desses sócios devam ser relativizados por
ser este grupo contrário aos eleitos, deve ser considerado o fato de todos
insistirem em alguns fatos: a ilegalidade da eleição, a não divulgação da
mesma e rejeitarem um presidente que não paga suas mensalidades. O
jornal Correio da Manhã, por exemplo, ao noticiar o conflito comentou que
“não era um problema fixado pela associação, lá estava a lei, clara e
precisa, devidamente discutida pelos poderes públicos”.285 Segundo
Evaristo de Moraes, que escrevia uma coluna no mesmo jornal, há muito os
trabalhadores lutavam para que suas associações sindicais fossem
regulamentadas pelos poderes públicos.286 Ora, se o problema daquela
eleição era uma questão legal, o problema da rivalidade étnica já merece ser
relativizado.287
Mas o mais interessante, ainda analisando o processo, foi perceber que
nem todos os brasileiros se mostraram contrários aos estrangeiros. Henrique
Roseira e Raphael Serrato Munhões, que defenderam os portugueses
eleitos, eram brasileiros.288 José Cardoso de Moraes Rego, que presidiu a
eleição, também era brasileiro. Em seu depoimento, ele diz que a
insatisfação dos contrários àquele pleito não tinha razão de ser. Diz que
houve, sim, a convocação dos sócios com a devida antecedência. Mas foi o
único que fez essa afirmação. No entanto, ele não faz menção ao decreto de
1907. Vale mencionar, ainda, que Gumercindo Ferro Louzada, também
defensor dos portugueses, era, na verdade, espanhol.
Podemos perceber, a partir desses detalhes que constam do processo,
que as identificações e associações internas ao grupo são mais complexas e
que a disputa pelo controle do sindicato não opunha simplesmente
brasileiros e portugueses, ou negros e brancos, mas essencialmente grupos
com interesses antagônicos. No mais, mesmo quando os brasileiros se
colocaram prontamente contrários à eleição dos estrangeiros, suas
justificativas para tal oposição se baseavam em questões que iam além da
rivalidade étnica.
Não estou querendo reafirmar a tese de Marli Albuquerque de que a
harmonia e a solidariedade de classe reinavam absolutas sobre aqueles
trabalhadores e que as rivalidades étnicas nunca tiveram vez entre os
portuários. Não é isso. Claro que houve tensões e que em alguns momentos
elas se tornavam mais claras, como é o caso de situações – limite como o
episódio narrado. Nessas situações, diferenças de toda ordem emergem e
são percebidas mais facilmente.
No entanto, não creio que devam ser associadas diretamente à
desmobilização da classe e à limitação da luta operária. Kirk Neville, em
seu artigo do livro Culturas de Classe, nega que a diversidade
automaticamente interdita a solidariedade de classe. Para o autor “nem a
classe trabalhadora nem qualquer outra classe social será jamais um ente
completamente unido e indiferenciado, fixo e congelado no tempo”. Para
ele, “elementos tanto de diversidade e semelhança quanto de divisão e
unidade coexistem entre os trabalhadores”.289
A experiência dos trabalhadores do porto do Rio de Janeiro deve ser
pensada não a partir do velho contraponto integração/desintegração. É
preciso estarmos atentos para a heterogeneidade dessas experiências e para
as contradições presentes no fazer-se da classe,290 sem relacioná-las
diretamente com desmobilização.
Conflitos e solidariedades
As colunas dos jornais no início do século XX costumavam trazer
relatos das brigas entre trabalhadores no porto. Em janeiro de 1906, o
Correio da Manhã narrou um conflito ocorrido na Estação Marítima da
Gamboa:
[...] Logo pela manhã, apresentaram-se na porta daquela Estação, cerca de 300
trabalhadores. Como de praxe, o feitor José Duarte disse precisar de 70 homens, que
escolheu entre os presentes. Isso provocou entre os não escolhidos para o serviço,
murmúrios que dentro de poucos minutos se transformaram em protestos. De repente, do
grupo dos que não tinham sido escolhidos partiu um tiro, cujo projétil foi se alojar nas
costas do feitor José Duarte [...]291
Já no final do século XIX, o Jornal do Brasil denunciava o modo
desorganizado, criminoso e reprovado pelas instituições do país, desprezado até do
cumprimento do dever que têm as autoridades no policiamento sobre os ajuntamentos de
trezentos ou quatrocentos trabalhadores que ali vão mendigar e implorar das entidades
absolutas, os contramestres,292 na escolha de trabalhadores que devem embarcar para o
trabalho da estiva”.293
As frequentes cenas de brigas entre os portuários eram provocadas
principalmente pela competição cotidiana por trabalho. A falta de
estabilidade era responsável pela insegurança que o processo arbitrário de
contratação causava nos trabalhadores, fazendo com que a competição
desenfreada pelo serviço fosse uma das principais características dos portos
de uma maneira geral. Entre os cariocas, ela estava presente no próprio
jargão dos operários, que costumavam chamar o ato de levantar a mão na
“parede” de “fazer fé”, numa referência clara às apostas no jogo do bicho
ou em outros jogos de azar, muito comuns já naquela época. O linguajar
refletia a incerteza vivida diariamente pelos trabalhadores avulsos, que
muitas vezes causavam raiva, frustração e brigas entre os que disputavam
uma vaga no serviço ou entre esses e o responsável pela escolha.294
Brigas causadas pelas incertezas acerca do mercado de trabalho eram
uma característica dos portos de uma maneira geral e muitas vezes
somavam-se à disputa pelo trabalho também as divergências no interior da
classe. No porto de Nova Iorque, por exemplo, as rivalidades entre
irlandeses, negros e italianos fizeram com que os grupos constituíssem
comunidades separadas, cada um em seu quarteirão, além de os
trabalhadores se organizar em diferentes sindicatos. No porto de Londres, o
elevado grau de compartimentação habitacional também era fruto das
fissuras profissionais e étnicas. Em algumas cidades, os armadores
buscaram tirar proveito da situação de conflito, como aconteceu na cidade
de Saint John, no Canadá, onde as hostilidades entre protestantes e católicos
eram exploradas pelos empregadores. O mesmo aconteceu com as
rivalidades entre brancos e negros em New Orleans, cidade onde formaram-
se sindicatos distintos e, em situações de crise, as disputas por emprego
tornavam-se extremamente violentas.295
No Rio de Janeiro, não houve compartimentação da população portuária
em bairros diferentes ou em sindicatos diferenciados por nacionalidade ou
etnia. No entanto, como já foi comentado, a enorme disputa pelo mercado
de trabalho entre nacionais (a maioria negros) e imigrantes (principalmente
portugueses) foi quase sempre referida como elemento desagregador da
classe e desencadeador de cenas de violência entre trabalhadores.
Assim, na manhã de 9 de dezembro de 1909, um estivador
pernambucano chamado Caetano Damásio, de 19 anos, morador do Morro
da Favela, foi parar na delegacia do 3o Distrito Policial, acusado de ter
disparado um tiro no português Manoel Gomes, vulgo “Cabo Verde”, de 25
anos. A cena ocorrera no Cais das Docas Nacionais, em frente ao Trapiche
Silvino e todas as testemunhas arroladas no processo afirmaram mais ou
menos a mesma coisa: que, em uma embarcação encostada à ponte do
Trapiche Silvino, um grupo de homens trabalhava na descarga de farinha e
feijão, quando, dentro da tal embarcação, travou-se luta corporal entre o
brasileiro Caetano Damásio e o português Manoel Gomes, tendo aquele
disparado um tiro contra este, que caiu por terra e foi levado por uma
ambulância. Na enfermaria da Santa Casa de Misericórdia, o ofendido
prestou seu depoimento:
que às 8 horas mais ou menos desembarcou do navio de guerra ‘Deodoro’, onde trabalhava
como foguista, passando a trabalhar no serviço de descarga de mercadorias na Saúde; que lá
pelas 7 para as 8 horas da manhã [sic] trabalhava na descarga de uma embarcação encostada
em frente do Trapiche Silvino quando foi provocado por um indivíduo que ali chegou
armado de revólver; esse indivíduo empurrou uma [...] sobre o declarante que o advertiu
que [parasse com essa] liberdade e brincadeira, visto não conhecê-lo. Não se conformando
com a advertência, o tal indivíduo atirou contra o depoente vários pontapés, tendo ele
declarante dado-lhe um soco. Para evitar nova agressão, o indivíduo retirou-se do trapiche
onde o mesmo indivíduo em sua perseguição feriu-lhe pelas costas [...].296
Esse caso pode ser entendido como mais um conflito que tem um fundo
étnico, afinal coloca em lados opostos um brasileiro e um português. No
entanto, se dermos uma olhada nas testemunhas arroladas no processo,
vemos que, apesar de brasileiros, os depoentes não se colocam em defesa de
Caetano Damásio e contrários ao português Manoel. O carioca Acácio José
de Oliveira, que também trabalhava nas descargas de sacas no tal trapiche,
por exemplo, diz em seu depoimento que a briga se deu “pelo fato de
Caetano Damásio arrebatar um saco para conduzir, tirando-o das mãos do
declarante que ia entregar a Manoel Gomes”. Ou seja, o brasileiro parece
culpar o conterrâneo Damásio de provocar a briga e absolver o português
Manoel. O depoimento das outras três testemunhas, todos brasileiros vai na
mesma linha.
Mas assim como as brigas “por questões de serviço” ocorriam opondo
brasileiros e imigrantes, também acontecia de o conflito opor trabalhadores
de mesma nacionalidade. Foi o que aconteceu no dia 13 de março de 1902,
quando os estivadores brasileiros Benedito José da Silva e José Teixeira
tiveram “uma questão” à bordo do navio onde ambos trabalhavam e
acabaram se ferindo mutuamente após trocarem socos e pontapés.297
E há também casos como o que aconteceu em 24 de outubro de 1903,
quando o estivador brasileiro Vicente Rodrigues, vulgo “Bexiga”, agrediu
fisicamente, com uma faca, um português e um brasileiro no Trapiche da
Cia do Gás.298
Que havia competição acirrada pelo mercado de trabalho portuário e que
essa competição cotidiana causava descontentamentos que desencadeavam
muitos daqueles conflitos parece incontestável. Já a partir do final do século
XIX levas e mais levas de imigrantes vieram se somar aos inúmeros
brasileiros – especialmente os negros – que disputavam trabalho na estiva e
no carregamento de mercadorias. A forma da contratação transformava o
porto em um local de concorrência diária, o que aumentava a disputa e fazia
com que as brigas fossem mais constantes e, por isso, “visíveis”, daí a fama
de “valentões” e “briguentos”. Essa competição colocava em lados opostos
não apenas nacionais e imigrantes, mas trabalhadores diversos que
brigavam por uma vaga nas turmas de trabalho.
Contudo, como apontou Fernando T. da Silva, essas ações violentas
podem ser encaradas também como expressão de um “universo masculino”
baseado em um sistema de valores que tendia a legitimar o papel do homem
valente, corajoso e agressivo. Um mundo governado por regras informais,
onde imperava a lei do mais forte, e as demonstrações de valentia eram
respeitadas dentro e fora do porto.299 No conflito ocorrido na sede da
“Resistência”, essa ostentação da valentia estava presente o tempo todo.
Segundo depoimentos, palavras de baixo calão eram ouvidas durante a fala
dos oradores e o sócio Antônio Henrique, por exemplo, teria dito “eu sou
homem e brigo”, ao que responderam “pois então, briga-se já”.300
Os trabalhadores do porto carregavam, desde muito cedo, estigmas de
desordeiros e valentões. Segundo um antigo estivador do porto de Santos, a
categoria “era mal vista, tinha má fama”.301 Vários deles eram conhecidos
das autoridades como criminosos famosos e que aterrorizavam a região
contígua ao cais, a chamada zona portuária, formada pelos bairros da
Saúde, Gamboa e Santo Cristo. São inúmeros os casos em que portuários
eram identificados pela polícia como “desordeiros perigosos”, “famosos
vagabundos e desordeiros da Saúde e Gamboa” etc. Alguns desses homens,
conhecidos no cais, nas docas e suas vizinhanças, tinham presença
constante não só nas páginas dos registros policiais, mas também na
imprensa, como o “célebre” Papa-Rancho, como era chamado o “desordeiro
conhecido” Martinho de Souza Oliveira, estivador.302 E também homens
como José Gomes Cardoso, o Cardosinho, que, a julgar pelo número de
prisões e de vezes em que seu nome apareceu nas colunas policiais dos
jornais cariocas, parece ter sido o mais famoso de todos os valentões do
porto. Para João do Rio, “homens da espécie de Cardosinho fazem o sinal
da cruz ao levantar da cama para matar um homem horas depois”.303
A fama de valentão e as passagens pela prisão conferiam autoridade
dentro daquele universo marcado por ritos de masculinidade e valorização
da valentia e da força física, numa oscilação entre a identificação do herói
pelos próprios portuários e do marginal, como eram vistos pelas
autoridades.
As páginas da documentação policial estão cheias de casos de brigas
envolvendo portuários. No entanto, posto como a forma de contratação era
feita – com trabalhadores disputando uma vaga todo santo dia, e às vezes,
mais de uma vez por dia –, talvez seja mais plausível se perguntar como não
havia briga todo dia...
Apesar de todos os conflitos que realmente aconteceram nos portos –
independentemente da cor e das nacionalidades –, a experiência daqueles
homens não pode ser resumida às brigas. Segundo Fernando T. da Silva,
esses são aspectos inerentes à cultura portuária, não significando, no
entanto, que sejam responsáveis pela despolitização e ausência de uma
cultura classista entre aqueles trabalhadores. Se, como outros aspectos da
vida dos portuários, a valentia andava de mãos dadas com a natureza
ocasional do trabalho avulso no cais, junto a esse fenômeno estava também
a luta dos operários para “eliminar os patrões” e controlarem eles mesmos a
mãodeobra. Dessa forma, se por um lado a contratação funcionava como
elemento desagregador, gerador de conflitos internos, por outro, foi
justamente em torno dessa questão que os portuários de diversas cidades do
mundo se uniram, fazendo frente ao poder dos contratadores e
reivindicando o controle do mercado de trabalho por meio dos sindicatos
closed shop.
No Rio de Janeiro, não foi diferente. Desde muito cedo, já nos primeiros
anos do século XX, os trabalhadores portuários se uniram, lutaram e
conseguiram impor a closed shop ao patronato mesmo com toda a
diversidade no interior da classe. Vital nessa luta, sem dúvida, foi a atuação
da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café.
Fundada em março de 1905, “sob os auspícios da União dos Estivadores”304
– outro sindicato de grande expressão no porto carioca, fundado havia dois
anos –, a “Resistência” já nasceu forte, arregimentando os trabalhadores e
impondo sua presença ao patronato.
Tanto a “Resistência” quanto a União Operária dos Estivadores eram
sindicatos formados por uma maioria de trabalhadores negros, tendo o
primeiro o enorme percentual de quase 80% de negros nos primeiros anos
de sua existência.305 Talvez esse seja o motivo de o porto ter sido
considerado o “bastião” daquilo que ficou pejorativamente conhecido como
“sindicalismo amarelo”.
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Conclusão
O internacionalismo propagado pelos anarquistas constitui um dos mais
importantes e fundamentais aspectos de diversas correntes operárias que se
pretendem revolucionárias. Dentre estas, o anarquismo, por não aceitar
negociar com o Estado, talvez seja uma das correntes mais intransigentes no
combate dos sentimentos nacionais, uma vez que eles ofuscariam a
percepção do internacionalismo do capital e das relações de poder, ao
mesmo tempo em que impediriam que os trabalhadores identificassem seus
interesses comuns através das artificiais fronteiras nacionais.
Diante de um contexto marcado pelo fortalecimento dos Estados
nacionais em disputa por monopólios de mercado, a construção hegemônica
do discurso nacionalista foi um entrave difícil de ser transposto pelos
anarquistas de todo o mundo. Por outro lado, para os anarquistas do Brasil,
havia ainda o problema de existirem múltiplos sentimentos nacionais em
um mesmo território, o que, por preconceitos de raça vigentes dificultava
por vezes o estabelecimento de laços de solidariedade mútua. Pelo menos à
diversidade de nacionalidades os anarquistas atribuíram algumas das
dificuldades de sua propaganda no Brasil.
Apesar de todo o discurso internacionalista, de combate às divergências
provocadas por sentimentos nacionais e pelo racismo, os militantes
anarquistas viviam neste mundo, e, como tal, sofriam as influências da
visão de mundo hegemônica. De certa forma, as teorias racialistas poderiam
ser incorporadas na sua percepção ao avaliarem os movimentos
revolucionários do exterior. Dos “civilizados” esperava-se a condução de
um processo revolucionário que pusesse fim à sociedade industrial
capitalista. Contudo, na avaliação de movimentos de rebeliões populares de
grandes proporções como a que ocorreu no México, embora também se
tenha recorrido a argumentos racialistas, a raça não parecia ser entrave para
a revolta.
Mas, apesar das análises sobre o México, muitos anarquistas no Brasil
não pareciam acreditar no potencial instintivo dos negros, que ainda sofriam
os efeitos da subjugação escravocrata. Pode ser encarada como uma
desculpa, ou um recurso retórico para justificar a baixa penetração do seu
ideário entre os trabalhadores brasileiro, o que, de certa forma, seria o
mesmo que reconhecer os limites não de sua propaganda, mas de sua
convicção política. De todo o modo, se não havia “instinto”, havia mais um
motivo para intensificar a propaganda, uma vez que, apesar das
dificuldades, mantinham a certeza da revolução.
No entanto, cabe ressaltar que o uso de argumentos racialistas para
avaliar os limites de sua propaganda e perceber a organização social não
fazia dos militantes anarquistas racistas. Ao contrário, deve-se, antes,
reconhecer que, a partir dos seus esforços na construção de laços de
solidariedade internacional e de sua batalha para a unificação do conjunto
da classe, acima das diferenças de cor, constituíram uma pedagogia pela
qual se procurou enfrentar e superar essas divisões sociais, junto com a
superação do capitalismo pela classe trabalhadora.
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SKIDMORE, Thomas. Preto no branco: raça e nacionalidade no
pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
8 Os primeiros capítulos desta obra coletiva trazem um apanhado do debate historiográfico a respeito
da diversidade da classe trabalhadora brasileira em seu processo de formação, razão pela qual não
iremos retomá-lo aqui, concentrando-nos na análise das fontes primárias.
9 MACHADO, 2002, p.18.
0 Contudo, como fazem notar HALL e PINHEIRO, 1985, p. 100, as condições de vida e trabalho que
os imigrantes, em seu conjunto, encontraram no Brasil foram mais fundamentais do que uma prévia
experiência política. A maioria dos imigrantes provinha de áreas rurais em seus países de origem sem
terem desenvolvido atividades sindicais ou qualquer intimidade com doutrinas socialistas.
1 MARAM, 1979, p. 13-27, indica os altos índices de emprego de mão de obra estrangeira nas
atividades urbanas de São Paulo e, em menor número, no Rio de Janeiro.
2 Sobre as práticas repressivas e o mito do agitador estrangeiro, ver ALVES, 1997.
3 Os anarquistas brasileiros. Ao povo. Spártacus. Rio de Janeiro, ano I, n. 9, 27 set. 1919, p. 1-2.
4 O emprego do termo “raça” neste texto é mantido por ser aqui um objeto de estudo, um importante
elemento constitutivo da ideologia dominante no Brasil e no mundo no período estudado. Afinal, em
uma sociedade onde há racismo, há necessariamente a ideia de raça.
5 P. ex.: ESPIRIDIÃO, Antonio. Mais uma vez, Viva a República Argentina! A Guerra Social –
Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 22, 1 maio 1912, p. 2; Aos homens livres de todo o
mundo. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 11, 3 fev. 1912, p. 4; n. 13,
17 fev. 1912, p. 4; n. 14, 28 fev. 1912, p. 4; n. 15, 06 mar. 1912, p. 4; n. 16, 13 mar. 1912, p. 4; n. 18,
27 mar. 1912, p. 4; n. 19, 3 abr. 1912, p. 4; n. 20, 10 abr. 1912, p. 4; n. 21, 24 abr. 1912, p. 4.
6 P. ex.: SCALARINI. Na terra de Wilson – Feroz perseguição aos elementos avançados – Na famosa
democracia são praticadas indescritíveis crueldades. A Plebe, São Paulo, ano II, n. 7, 5 abr. 1919, p.
3; V. Na democracia de Wilson – O reverso da medalha – Processos inquisitoriais. A Plebe, São
Paulo, ano II, n. 9, 19 abr. 1919, p. 3.
7 P. ex.: PORTO, Amaro. Era nova. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n.
23, 14 ago. 1912, p. 1; Movimento Internacional – A Inglaterra revolucionária. A Guerra Social –
Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 14, 28 fev. 1912, p 3; VASCO, Neno. Sindicalismo
revolucionário. A Voz do Trabalhador, ano VI, n. 25, 15 fev. 1913, p. 2; Crônica Internacional. A
Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 27, 14 set. 1912, p. 3.
8 P. ex.: Crônica internacional. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 26,
4 set. 1912, p. 3.
9 P. ex: A. de P. Contra-revolução alemã – Os magnos histriões. A Plebe, São Paulo, ano IV, n. 57, 20
mar. 1920, p. 1.
0 P. ex: Contra a guerra. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de
Janeiro, ano VI, n. 23, 15 jan. 1913, p. 1; VASCO, Neno. Sindicalismo..., op. cit.
1 P. ex: CADETE, Andrade. Ecos do 1° de Maio. A Plebe, São Paulo, ano II, n. 14, 24 maio 1919, p. 3.
2 P. ex: O banditismo republicano em Portugal. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação
Operária Brasileira, Rio de Janeiro, ano, n., 15 jul. 1913, p. 2; O terror em Portugal. A Voz do
Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de Janeiro, ano, n., 1 ago. 1913, p. 2
3 P.ex: A Itália em convulsão – Começou a luta decisiva entre o proletariado e a burguesia. A Plebe,
São Paulo, ano II, n. 9, 19 abr. 1919, p. 4.
4 P. Ex: H. G. [Herme Gildo]. A Itália em convulsão social. A Plebe, São Paulo, ano V, n. 115, 30 abr.
1921, p. 1.
5 P. ex: O momento internacional. A Plebe, São Paulo, ano V, n. 119, 28 maio 1921, p. 3.
6 Por exemplo: Movimento Internacional – A Inglaterra revolucionária. A Guerra Social – Periódico
Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 14, 28 fev. 1912, p 3; JUREMA, Paulo. Inglaterra: Imponente
afirmação de força do operariado inglês – Solidários, os operários franceses e alemães entram na luta.
– Cuidado com os políticos. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 17, 20
mar. 1912, p. 2.
7 Por exemplo: TORRESÃO, Basílio. Pela desordem! A Plebe, São Paulo, ano I, n. 1, 9 jun. 1917, p. 2;
A. de P. Contra-revolução alemã..., op. cit.
8 O momento operário – O que se tem feito, o que se faz e o que há a fazer – Uma ‘enquête’ da
‘Guerra’. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 19, 3 abr. 1912, p 1.
9 P. ex.: SUAREZ, J. M. Para a Federação Anarquista. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de
Janeiro, ano II, n. 27, 14 set. 1912, p. 1.
0 Pela paz dos povos – Guerra à guerra! – Projeto da Confederação – Ao proletariado brasileiro. A Voz
do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, 1 jul. 1908,
p. 1.
1 Na verdade, os rumores de eventuais guerras não passavam de especulações nos argumentos
utilizados pelos que defendiam a modernização das forças armadas brasileiras.
2 Pela paz dos povos – Guerra à guerra! – A manifestação do dia 1° de Dezembro – 5.000
manifestantes – O triunfo da Confederação. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação
Operária Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. 7, 6 dez. 1908, p. 1. A manifestação contou ainda com
algum apoio de outros grupos e indivíduos não ligados diretamente ao movimento operário (tais
como o Apostolado Positivista do Rio de Janeiro, o Centro Republicano Conservador de Niterói, a
Loja Maçônica Fratellanza Universale de São Paulo), Sobre a indiferença da imprensa, da recusa de
outros antimilitaristas em tomar parte na manifestação da COB, ver ainda a nota IVAN. Ecos. A Voz
do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. 7, 6 dez.
1908, p. 1.
3 Por exemplo, a invasão de escritórios e a destruição de documentos, praticadas por mulheres para
evitar o sorteio militar de seus filhos e maridos no interior do estado da Bahia e outras manifestações
pelo país. “Bravo! Bravo! Reação contra o sorteio. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação
Operária Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. 5, 22 nov. 1908, p. 1; O Sorteio Militar. Mulheres
revoltadas – Assassinatos – Cidade abandonada – Suicídios – Famílias que emigram – Ataques às
juntas – Comíncios – Protestos, etc. etc. Não Matarás! – Órgão da Liga Antimilitarista Brasileira. Rio
de janeiro, ano I, n. 3, dez. 1908, p. 3-4; A morte do sorteio. Não matarás.., op. cit., p. 3; JAGUNÇO.
No caminho da vitória. Não Matarás..., op. cit. p. 1-2.
4 Além dos efeitos da Guerra recaírem com maior ferocidade sobre as classes trabalhadoras, a
modernização das forças armadas brasileiras previa o serviço militar obrigatório. Os submetidos ao
sorteio militar, no entanto, seriam quase que exclusivamente provenientes das classes trabalhadoras,
uma vez que os filhos dos setores médios e altos podiam ser dispensados desta obrigatoriedade se
comprovassem terem tido algum vínculo com clubes de tiros. Sobre o caráter classista do serviço
militar obrigatório no início do século XX, ver HAHNER, 1993, pp. 298-301.
5 A Aliança Anarquista ao Povo. – A intervenção do Brasil na guerra. A Plebe, São Paulo, ano I, n. 3,
23 jun. 1917, p. 4.
6 Idem, ibidem.
7 Congresso Anarquista Sul-Americano. A Vida – Publicação mensal anarquista. Rio de Janeiro, ano I,
n. 7, 31 maio 1915, p. 97 e 111.
8 VIEYTES, Antonio; PEREIRA, Atrojildo. Pela Paz! Aos socialistas, sindicalistas, anarquistas e
organizações operárias de todo o mundo. Na Barricada – Jornal de combate e de crítica social. Rio
de Janeiro, ano I, n. 12, 26 ago. 1915, p. 3; Idem, A Luz, New Bedford, ano II, n. 33, 18 set. 1915, p.
1-2.
9 Para relatos sobre os dois congressos, ver a sequência de notícias publicadas no jornal carioca Na
Barricada, a partir do seu número 19, de 14 de outubro de 1915.
0 O Congresso Operário Sul-Americano. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária
Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. 4, 15 ago. 1908, p. 1.
1 Por exemplo: Argentina. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de
Janeiro, ano I, n. 9, 17 abr. 1909, p. 3; Crônica operária – Uma greve. A Guerra Social – Periódico
Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 30, 5 out. 1912, p. 3.
2 REINOSO, E. Cães que visitam o Brasil. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro,
ano I, n. 17, 20 mar. 1912, p 1.
3 Uma ‘enquête’ da ‘G.S.’ – O Momento Operário – O que se tem feito, o que se faz e o que há a fazer.
A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 26, 4 set. 1912, p. 1-2.
4 Aos homens livres de todo o mundo..., op. cit.
5 Pelo menos para este período das duas primeiras décadas do século XX e envolvendo o movimento
operário do centro do Brasil. Já para outros períodos e outras regiões, principalmente no sul, sim. Ver,
por exemplo, Boicote à Firma Padilla. O Syndicalista, Porto Alegre, ano VI, n. 1, 1 Fev. 1924, p. 5.
6 O caso Ettor-Giovannitti – Comícios para domingo. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de
Janeiro, ano II, n. 23, 14 ago. 1912, p. 2; MYER. Crônica Internacional. A Guerra Social – Periódico
Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 23, 14 ago. 1912, p. 3; O caso Ettor-Giovannitti – Abaixo a
pena de morte! Os protestos – O comício na Federação Operária – Manifesto dos ‘Jovens
Libertários’. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 24, 21 ago. 1912, p.
2; O caso Ettor-Giovannitti – Contra a pena de morte! – A agitação em S. Paulo e em Santos. A
Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 25, 28 ago. 1912, p. 1-2; O caso
Ettor-Giovannitti – Ecos da agitação. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II,
n. 26, 4 set. 1912, p. 2; Crônica operária. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária
Brasileira, Rio de Janeiro, ano VI, n. 23, 15 jan. 1913, p. 1.
7 Subscrição pró-Malatesta. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 29, 28
set. 1912, p. 3.
8 Ver a série intitulada No país da liberdade... Em torno de uma monstruosidade, publicada nas
seguintes edições de A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de
Janeiro, ano I, n. 8, 13 jan. 1909, p. 4; ano VI, n. 22, 1 jan. 1913, p. 1; n. 23, 15 jan. 1913, p. 1; n. 24,
2 fev. 1913, p. 1; n. 25, 15 fev. 1913, p. 1-2; n. 26, 1 mar. 1913, p. 1; n. 27, 15 mar. 1913, p. 3; n. 28,
1 abr. 1913, p. 2; n. 31, 15 maio 1913, p. 3; n. 32, 1 jun. 1913, p. 2.
9 HOBSBAWM, 1997, p. 349-382.
0 Entre os muitos trabalhos que tratam da ideologia da imigração/miscigenação, destacam-se:
SKIDMORE, 1976; SCHWARCZ, 1993; NAXARA, 1998.
1 HIDAIB, M. O comunismo na Palestina. A Plebe, São Paulo, ano V, n. 124, 30 jul. 1921, p. 3.
2 Idem, ibidem.
3 Pela África do Sul. A Voz do Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de
Janeiro, ano VI, n. 35, 15 jul. 1913, p. 3; Movimento Internacional – União Sul Africana. A Voz do
Trabalhador – Órgão da Confederação Operária Brasileira, Rio de Janeiro, ano VI, n. 44, 1 dez.
1913, p. 3 (na nota seguinte “Índia”, relata-se sobre os protestos realizados na Índia em solidariedade
aos sul-africanos)
4 No Reino da Senegambia – A Constituição republicana é uma burla: está em cena a heróica polícia
de S. Paulo. Numerosas prisões de operários – Assalto à tipografia onde se imprime A Plebe e às
Ligas operárias – Subtração dos originais – A prisão do nosso diretor Edgard Leuenroth – O Centro
Libertário é violentamente assaltado e todos os móveis e arquivo removidos para a Polícia Central –
Espancamentos – Outras proezas. O intuito da polícia e do governo. A Plebe, São Paulo, ano I,
suplemento, 15 set. 1917.
5 R. F. Comentários de um plebeu. A Plebe, São Paulo, ano I, n. 9, 11 ago. 1917, p. 1. Apesar de não
dar maiores detalhes, o Sião citado provavelmente não deve ter relação com o Monte Sião e seu
templo salomônico, mas ao asiático Reino de Sião, que, em 1939, passaria a se chamar Tailândia.
6 A Obra – Semanário de Cultura Popular, São Paulo, ano I, n. 7, 23 jun. 1920, p. [8]. Sobre o
confronto moral de culturas, tendo a religião como mote, ver também o texto literário, sob forma de
diálogo entre um missionário e um “preto” em: DESHUMBERT, M. Em um país longínquo. A Plebe,
São Paulo, ano I, n. 10, 18 ago. 1917, p. 4.
7 Entre outras iniciativas, ver, por exemplo, o relato de Primitivo Raimundo Soares (Florentino de
Carvalho) sobre o comício contra a repressão na Argentina e em apoio à Revolução Mexicana,
realizado em 3 de março de 1912 na cidade de Santos em: De Santos – Grande protesto contra a
tirania do governo argentino e pró-revolução social no México – Greve das classes da construção
civil – Operários feridos – Lock-out – Atitude do Centro Espanhol. A Guerra Social – Periódico
Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 16, 13 mar. 1912, p 3; e arrecadação de fundos em Piracicaba
para o jornal Regeneración: Revolução mexicana. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de
Janeiro, ano II, n. 30, 5 out. 1912, p. 4.
8 Aos anarquistas no Brasil. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 18, 27
mar. 1912, p 3.
9 A Revolução Mexicana – Escritores afirmam, como nós, que a Revolução Mexicana constitui o mais
belo movimento expropriador conhecido até aqui. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de
Janeiro, ano I, n. 21, 24 abr. 1912, p. 1.
0 JUREMA, Paulo. A revolução mexicana. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro,
ano II, n. 25, 28 ago. 1912, p. 2.
1 Causas e origens da Revolução Mexicana – O instinto da raça. A Guerra Social – Periódico
Anarquista, Rio de Janeiro, ano II, n. 28, 21 set. 1912, p. 2.
2 Uma “enquête” da “Guerra” – O Momento Operário – O que se tem feito, o que se faz e o que há a
fazer. A Guerra Social – Periódico Anarquista, Rio de Janeiro, ano I, n. 22, 1 maio 1912, p. 2.
3 18 de Março – A comemoração da Comuna. A Plebe, São Paulo, ano IV, n. 57, 20 mar. 1920, p. 2.
4 MORTIÇO, Helto. Comentários: O 13 de Maio e a Ação Direta. A Rebelião – Semanário de
propaganda socialista-anarquista – Escrito por trabalhadores e para trabalhadores, São Paulo, ano I,
n. 3, 17 maio 1914, p. 1.
5 Grupo Comunista Brasileiro ‘Zumbi’ (1919) apud CARONE, 1984, p. 333-334; Grupo Comunista
Brasileiro ‘Zumbi’. Spártacus. Rio de Janeiro, ano I, n. 23, 3 jan. 1920, p. 3.
6 Este Partido de 1919, de caráter anarquista, não deve ser confundido com o PCB marxista fundado
em 1922. Em meio ao entusiasmo gerado pela Revolução Russa, sua criação foi uma tentativa de
melhor articulação da ação e da propaganda revolucionária de grupos anarquistas do país, sem
dedicar-se à estratégia eleitoral, repelida pelos militantes.
7 Voz do Povo – Órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro e do Proletariado em geral.
Rio de Janeiro, edição especial, 13 maio 1921.
8 De acordo com RODRIGUES, 1999, a ativa militante Isabel Cerruti utilizava os pseudônimos de
Isabel Silva, Ruti e Isa em seus escritos políticos. Ainda que o autor não tenha certeza, indica que é
provável que ela tenha nascido na Itália, ou, se não, seja filha de italianos. Dada essa informação,
continuaremos a nos referir à autora como Isabel Silva, nome com que ela assina os textos aqui
citados.
9 SILVA, Isabel. Treze de Maio – A Abolição. A Obra – Semanário de Cultura Popular, São Paulo, ano
I, n. 2, 13 maio 1920, p. [4].
0 A propósito da participação de Rui Barbosa no movimento abolicionista, lê-se, ao final do texto, uma
breve nota da redação com a seguinte ressalva: “É de estranhar que o Dr. Rui Barbosa, grande vulto
da campanha abolicionista, seja, hoje, um dos principais defensores da escravatura vigente.”. Ibidem,
idem.
1 Idem, ibidem.
2 João Crispim militava na Federação Operária Local de Santos (FOLS), associação que esteve à frente
de diversas iniciativas do movimento operário dessa cidade portuária. Em junho de 1913, a
associação declarou-se abertamente anarquista, atitude que, neste mesmo ano no II Congresso
Operário Brasileiro, recebeu críticas de outros militantes anarquistas que defendiam a neutralidade
política e religiosa nos sindicatos. Sobre isso há um interessante debate entre Crispim e Neno Vasco
no jornal da C.O.B., A Voz do Trabalhador, que precedeu o evento.
3 CRISPIM, João. 13 de Maio. A Rebelião – Semanário de propaganda socialista-anarquista – Escrito
por trabalhadores e para trabalhadores, São Paulo, ano I, n. 2, 9 maio 1914, p. 1.
4 Idem, ibidem.
5 Idem, ibidem.
6 Idem, ibidem.
7 13 de Maio. A Plebe, São Paulo, ano V, n. 117, 14 maio 1921, p. 1-2.
8 Idem, ibidem.
9 CRISPIM, João. 13 de Maio..., op. cit.
Os autores
Érika Bastos Arantes é mestra em História pela Unicamp e doutoranda no
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
Fluminense.
Gabriel Aladrén é mestre e doutorando em História na UFF e atualmente
atua como professor substituto de História da América no Departamento de
História da UFRJ.
Marcela Goldmacher é doutora em História pela UFF. Sua tese de
doutorado abordou a greve geral de 1903 na cidade do Rio de Janeiro.
Marcelo Badaró Mattos é professor titular de História do Brasil da UFF.
Paulo Cruz Terra é doutorando em História na UFF e prepara uma tese
sobre os trabalhadores em transporte na cidade do Rio de Janeiro no início
do século XX.
Rafael Maul de Carvalho Costa é mestre e doutorando em História na
UFF.
Tiago Bernardon de Oliveira é mestre em História pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, doutor em História na UFF e professor da
Universidade Estadual da Paraíba.