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V CONGRESSO NACIONAL DE ENGENHARIA MECÂNICA

V NATIONAL CONGRESS OF MECHANICAL ENGINEERING


25 a 28 de agosto de 2008 – Salvador – Bahia - Brasil
August 25 – 28, 2008 - Salvador – Bahia – Brazil

ANÁLISE EXPERIMENTAL DA UTILIZAÇAO DE BIOGÁS EM UM


MOTOR A COMBUSTÃO INTERNA PARA GERAÇÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA

Alexandre Ryoiti Takahashi, takahashi@labcet.ufsc.br


Edson Bazzo, ebazzo@emc.ufsc.br
Ricardo Morel Hartmann, ricardo@labcet.ufsc.br

Laboratório de Combustão e Engenharia de Sistemas Térmicos


Departamento de Engenharia Mecânica
Universidade Federal de Santa Catarina
Campus Universitário – Trindade
88040-900 – Florianópolis - Brasil

Resumo: Apresenta-se neste trabalho o estudo da viabilidade econômica da utilização de biogás em motores a
combustão interna visando a produção de energia elétrica. O motor acoplado a um gerador elétrico está operando em
uma cooperativa produtora de leitões utilizando biogás, a 1800 rpm, produzindo 60 kWel de energia elétrica. A planta
de geração de energia elétrica consiste de um motor estacionário a gás natural adaptado para operar com biogás,
conectada a um gerador elétrico de 74 kVA nominal. Os testes foram realizados variando a potência gerada de 20
kWel a 60kWel, utilizando biogás, o que corresponde a aproximadamente 70% da potência mecânica máxima do
motor usando gás natural. O biogás é composto por 60 a 70% de metano (CH4), de 30 a 40% de dióxido de carbono
(CO2) e outros hidrocarbonetos, amoníaco e gás sulfídrico. A eficiência global deste equipamento aplicado em
sistemas de cogeração utilizando biogás também foi considerado.

Palavras-chave: geração de energia elétrica, motor a combustão interna, biogás, energia renovável.

1. INTRODUÇÃO

A crescente preocupação com as mudanças climáticas e com recentes eventos climáticos incentiva as nações a
discutir e implementar acordos e leis na tentativa de reverter o quadro de aquecimento global. Somado à isto, existe no
Brasil, uma iminente ameaça de um novo racionamento de energia devido ao crescimento econômico associado à falta
de investimento no setor elétrico, mostrando ao país a inconveniência da enorme dependência da matriz de geração de
energia hidrelétrica. Existe a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, aumentar a eficiência das
máquinas térmicas e ampliar as pesquisa e desenvolvimento de novas alternativas energéticas obtidas a partir de fontes
renováveis.
O estado de Santa Catarina possui um rebanho de aproximadamente 5,5 milhões de suínos, que produzem 586 mil
toneladas de carne. O setor responde por 7% do PIB, gerando emprego e renda em mais de 40 mil propriedades rurais.
No entanto, são gerados mais de 25 milhões de m3 de efluentes por ano, com um potencial poluente equivalente a uma
população de 25 milhões de habitantes, concentrado nas regiões oeste e sul do Estado, prejudicando a qualidade de vida
dos habitantes da região e causando um grande dano ambiental. A composição do biogás varia dependendo da origem
dos rejeitos e das propriedades do processo de digestão anaeróbia. Neste trabalho a composição do biogás foi assumida
como tendo os seguintes valores (ver tabela 1):

Tabela 1: Composição do biogás.


%
Componente
(Volumétrica)
Metano (CH4) 70
Dióxido de carbono (CO2) 26
Ácido sulfídrico (H2S) 1
Hidrogênio (H2) 1
Nitrogênio (N2) 2
V Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, 18 a 21 de Agosto 2008, Salvador-Bahia

O biogás pode ser usado de forma racional para a produção de energia elétrica e geração de calor, contribuindo para
minimizar a poluição causada pelos resíduos produzidos pela atividade de produção de suínos e emissão de gases de
efeito de estufa. Estima-se que o tratamento de resíduos de suínos pode produzir até 920.000 m3/dia de biogás, gerando
cerca de 31GWh por mês.

2. DESENVOLVIMENTO E TESTES

Um grupo-gerador foi desenvolvido adaptando um motor originalmente a gás natural acoplado a um gerador
elétrico de 74 kVA. Um painel elétrico e de controle foi instalado para monitorar as funções do grupo-gerador e realizar
a transferência da energia elétrica gerada para a rede interna da propriedade. Para este estudo foi utilizado um motor do
ciclo Otto V8 de 5,7 litros, fabricados pela General Motors. O processo de adaptação consistiu basicamente na
modificação de alguns componentes do sistema de admissão e exaustão do motor, fabricados utilizando materiais mais
resistentes ao biogás, como o aço inoxidável. Alguns componentes adquiridos já são aptos a operar com biogás.
Os testes foram realizados com o gerador gerando energia elétrica na faixa de 10 e 60 kWel. A energia elétrica
gerada é transferida em rampa à rede elétrica interna de uma Unidade Produtiva Leitões (UPL). Existem três UPL’s na
propriedade (cooperativa). Os rejeitos produzidos são submetidos ao processo de digestão anaeróbia através de
biodigestores. Existem dois biodigestores instalados nesta UPL, produzindo aproximadamente 600 m³/dia de biogás. A
demanda elétrica do UPL varia ao longo do dia na faixa de 10 e 70 kW e o pico de demanda ocorre entre as 8AM e
10AM, quando muitos equipamentos elétricos trabalham simultaneamente. Fora do período de pico o consumo da UPL
situa-se na faixa de 10 e 40 kW.

3. RESULTADOS

O gráfico da Figura 1 apresenta a curva para o consumo de biogás em função da potência elétrica. Os resultados
foram obtidos variando-se a potência elétrica gerada no intervalo entre 10 e 60 kW. A eficiência do gerador elétrico foi
considerada como 90%.
25
Consumo Biogás (Nm³/h)

20

15

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70
Potência Elétrica (kW)

Figura 1: Consumo de biogás x potência elétrica.

40

35

30
Eficiência (%)

25

20

15

10

0
0 10 20 30 40 50 60 70
Potência Elétrica (kW)

Figura 2: Eficiência do motor x potência elétrica.


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O gráfico na figura 2 apresenta a eficiência do motor em função da potência elétrica. A eficiência é de 36% na
potência máxima de energia elétrica entregue à rede. Quatro seqüências de testes foram realizadas para melhorar os
resultados. O gráfico da figura 3 apresenta os resultados do motor testado em laboratório, utilizando um freio
dinamométrico do tipo correntes parasitas. Os ensaios em dinamômetro foram realizados para carga parcial do motor.
O limite máximo de ensaio foi de 60% da potência máxima do gerador elétrico, devido à limitação da carga máxima
nominal do dinamômetro.

40% carga do gerador


50
50% carga do gerador
45 60% carga do gerador
40
35
Potência (kW)

30
25
20
15
10
5
0
1400 1600 1800 2000 2200 2400 2600
Rotação do motor (rpm)

Figura 3: Resultados de testes do motor no dinamômetro.

30,00
gás natural
25,00 biogás
Vazão (Nm³/h)

20,00

15,00

10,00

5,00

0,00
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0
Potência (kW)

Figura 4: Consumo de biogás x potência elétrica gerada.

As duas curvas da figura 4 mostram o consumo de combustível do motor quando alimentado com gás natural e
biogás. Pode-se verificar uma tendência de consumo similar com gás natural e com biogás. Esse tipo de comportamento
pode ilustrar o fato de que quando o motor estava sendo alimentado com biogás usou-se uma relação ar/combustível
mais pobre em combustível do que quando utilizou-se o gás natural. Isto foi proporcionado pela escolha da válvula
reguladora de pressão de biogás e pelo avanço no ponto de ignição, de modo a adequar o motor à menor velocidade de
chama do biogás. Esta configuração permitiu uma melhor combustão. Serão realizados estudos aprofundados para
melhorar a compreensão sobre o processo de combustão do biogás.
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4. ANÁLISE ECONÔMICA

A demanda elétrica total da propriedade é de 300 kW, consumida por ventiladores, bombas de água, compressores
de ar, aquecimento, iluminação e outros equipamentos. O grupo gerador funciona 10 horas por dia e é programado para
gerar 60 kW. Quando o grupo gerador produz mais energia do que a UPL consume o excedente de eletricidade gerada é
transferido para as outras duas unidades. O preço da energia elétrica é U $ 0.14/kWh. O custo do grupo gerador é
apresentado na tabela 2.

Tabela 2: Custo planta de geração de energia elétrica.


Descrição Custo (U$)
Motor 8,180.50
Gerador 4,541.40
Radiador 2,679.20
Painel elétrico e de comando 10,500.00
Materiais de consumo 13,888,90
39,790.00

A atratividade do investimento é avaliada através da taxa interna de retorno modificada (MIRR), em vez de uma
taxa interna de retorno (TIR). Embora a TIR assume que os fluxos de caixa de um projeto são reinvestidos no IRR, o
MIRR pressupõe que todos os fluxos de caixa são reinvestidos no projeto do custo de capital. Portanto, MIRR melhor
reflete a rentabilidade de um projeto. A MIRR é calculada como segue:

1
⎡ − NPV (1 + R )n ⎤ n −1
MIRR = ⎢ ⎥ −1 Eq. 1
⎢⎣ NPV (1 + F ) ⎥⎦

NPV corresponde ao valor atual do fluxo líquido de caixa, R é a taxa de retorno, F é a taxa de financiamento e n é o
tempo total do projeto, considerados 10 anos. A usina funciona 335 dias por ano. Os resultados econômicos obtidos são
apresentados na tabela 3.

Tabela 3: Fluxo de caixa e IRR.


Receita anual Despesa
Descrição
(R$) anual (R$)
Energia elétrica 27.436,50 (+)
Manutenção 1.861,10 (-)
Total 25.575,40 (+)
MIRR 35%

O custo da usina foi de U $ 39.790,00. A despesa anual com a operação e manutenção é U $ 1.861,10 e da
redução anual dos gastos de energia elétrica é U $ 27.436,50. O valor excedente garante o retorno do investimento em
19 meses e o MIRR é de 35%. Considerando a utilização do calor do motor através da água de refrigeração e dos gases
de exaustão a eficiência global aumenta para até 70%. O custo de uma planta cogeração é apresentado na tabela 4.

Tabela 4: Custo de uma planta de cogeração.


Descrição Custo (U$)
Motor 8.180,50
Gerador 4.541,40
Radiador 2.679,20
Painel elétrico e de comando 10.500,00
Materiais de consumo 3.377,80
Materiais permanentes
20.000,00
(trocadores de calor, etc)
49.278,90
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Para uma planta de cogeração o tempo de retorno do investimento é de 12 meses e o MIRR aumenta para 41% (ver
tabela 5).

Tabela 5: Fluxo de caixa e IRR.


Receita anual Despesa
Descrição
(R$) anual (R$)
Energia elétrica 27,436.50 (+)
Manutenção 1,861.10 (-)
Total 25,575.40 (+)
MIRR 41%

5. CONCLUSÕES

Os resultados mostraram a viabilidade da utilização de biogás para produção de energia elétrica na atividade
suinícola. Apesar do alto investimento, em torno de U $ 663,00/kW, e os baixos preços de energia elétrica nas áreas
rurais, U $ 0.14/kWh, a viabilidade da usina é dada pelo custo zero de biogás. Este estudo demonstrou um período de
retorno de 19 meses sobre o investimento e IRR para 10 anos de trabalho de 35%. Para uma planta de cogeração o
investimento baixou para U $ 421,20/kW e o período de retorno diminui para 12 meses. A TIR para 10 anos de trabalho
é de 41%.
O comportamento do protótipo trabalhando com biogás foi excelente. A potência máxima atingida pelo grupo moto
gerador foi de 70 kW, superando em 25% a potência elétrica esperada. A eficiência do motor usando biogás foi superior
a com gás natural para o mesmo intervalo de energia elétrica.
Os agricultores estão interessados em melhorar a qualidade dos seus produtos. É esperado o aumento da utilização
desta tecnologia para os próximos cinco anos, devido ao aumento das exigências dos consumidores pela
sustentabilidade da produção suinícola. Como exemplo, existe a posicionamento da Comunidade Européia pela
adequação da produção de suínos de modo a evitar a suspensão das importações de carne de suínos do Brasil. Saliente-
se também que criadores de suínos podem ter acesso a créditos de carbono, no âmbito do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, agregando valor ao projeto.
O produto desenvolvido visa sustentar o crescimento da procura de produtos e serviços de eletricidade em áreas
rurais e comunidades isoladas, diversificando a matriz elétrica, desenvolvendo tecnologias para a geração de energia
com baixo impacto ambiental, contribuindo para o uso racional e eficiente da energia.

6. AGRADECIMENTOS

Esta seção, se houver, deve ser colocada antes da lista de referências.

7. REFERÊNCIAS

Arroyo, N. A. R., Thermodynamic and Combustion Process, Update Course of Energy, FEESC, Florianópolis, 1979.
Bazzo, E., Matelli, J. A., Francisco Jr., R. W., Simulation of a Small Scale Cogeneration Plant Applied to UFSC
University Hospital, ENCIT 2004 - 10º Brazilian Congress of Thermal Sciences and Engineering; Braz. Soc. of
Mechanical Sciences and Engineering - ABCM, Rio de Janeiro, Brazil, 2004.
BEJAN, Adrian; TSATSARONIS, George; MORAN, Michael. Thermal Design and Optimization. Jonh Wiley & Sons
Inc., 1996. 542 p.
Biogas. Special issue, presented at the general assembly of Brancheforeningen for Biogas, 2002.
Central electric of Santa Catarina - Celesc, “Costumer service: Price List”. Presents the Current Price of Electric Energy
in Santa Catarina. Website: http://www.celesc.com.br, 2006.
Chiu, C., The development and Utilization of Biogas Generation in Chinese Taipei, Energy and Resources
Laboratories, ITRI, Taiwan, 2000.
D.L. Klass (1999): An introduction to biomass energy research - a renewable resource, Biomass Energy Research
Association.
Jensen J, Tafdrup S, Christensen J, Combined Utilization of Biogas and Natural Gas. WGC97 (Paper No. BO-06).
Karottki, R. and Olesen, G. B. Biogas in India: A Sustainable Energy Success Story.
Porpatham, E., Ramesh, A., Nagalingam, B., Investigation on the Effect of Concentration of Methane in Biogas when
used as a Fuel for a Spark Ignition Engine, Indian Institute of Technology Madras, India, 2007.
V Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, 18 a 21 de Agosto 2008, Salvador-Bahia

Schuster, A., Storch, G., Karl, J., Hauer, A., Innovative Concepts for Combined Heat and Power Production with
Biogenous Gases, Technische Universitat Munchen, Germany, 2007.

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