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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ANDREIA FERNANDES OLIVEIRA

A FORMAÇÃO PARA O MINISTÉRIO PASTORAL:


PERCEPÇÕES DE PASTORAS METODISTAS

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2018
ANDREIA FERNANDES OLIVEIRA

A FORMAÇÃO PARA O MINISTÉRIO PASTORAL:


PERCEPÇÕES DE PASTORAS METODISTAS

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu Escola de Comunicação, Educação
e Humanidades da Universidade Metodista
de São Paulo, para obtenção do título de
Doutora em Educação.
Orientadora: Profª. Drª Roseli Fischmann
Coorientador: Prof. Dr. Marcelo Furlin

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2018
FICHA CATALOGRÁFICA

OL4f Oliveira, Andreia Fernandes


A formação para o ministério pastoral: percepções de pastoras
metodistas / Andreia Fernandes Oliveira. 2018.
238 p.

Tese (Doutorado em Educação) --Escola de Comunicação,


Educação e Humanidades da Universidade Metodista de São Paulo,
São Bernardo do Campo, 2018.
Orientação de: Roseli Fischmann.
Coorientação de: Marcelo Furlin.

1. Teólogos - Formação profissional 2. Ministério pastoral -


Mulheres - Igreja Metodista 3. Educação teológica - Ministério
pastoral I. Título.
CDD 374.012
A tese de doutorado sob o título “A formação para o Ministério Pastoral:
percepções de pastoras metodistas”, elaborada por Andreia Fernandes Oliveira
foi defendida e aprovada em 31 de agosto de 2018, perante banca examinadora
composta por Prof. Dr. Marcelo Furlin (Presidente/UMESP), Profª Drª. Denise D’
Aurea Tardeli (Titular/UMESP), Profª. Drª. Patricia Margarida Farias Coelho
(Titular/UMESP), Prof.ª Drª. Sandra Duarte de Souza (Titular/UMESP), Prof. Dr.
Boris Agustín Nef Ulloa (Titular/PUC/SP).

__________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Furlin
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Furlin
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Programa de Pós-Graduação em Educação


Área de Concentração: Educação
Linha de Pesquisa: Formação em Educadores
A todas as mulheres que, em suas entranhas, têm fé na vida e o coração na luta.
A todas as pastoras metodistas e àquelas que virão a ser.
À Gabriela e Ana Clara.
AGRADECIMENTOS

A Deus por seu sustento e motivação.

À minha família,

A tantas amigas e amigos que no exercício peculiar do dom da amizade foram


lugar seguro na realização desse doutorado. Os nomeio no meu coração.

Á Telma Cezar, Beatriz Faleiro, Joana Darc Meireles, Giselma Matos, Isabelle
de Freitas, Fábio Fonseca, Sara de Paula, Maryuri Mora Grisales, Mauren Julião,
Emily Everett, Lais Bessa que em vários momentos deram suportes efetivos e
afetivos para que eu pudesse persistir na aventura de escrever esse texto.

À Igreja Metodista, em especial à Sede Nacional.

À Universidade Metodista de São Paulo, em especial ao Programa de Pós-


graduação em Educação e à Faculdade de Teologia.

Às pastoras participantes da pesquisa.

À professora Roseli Fischmann, minha querida e admirável companheira nessa


aventura acadêmica.

Ao professor Marcelo Furlin

Às professoras Sandra Duarte de Souza e Zeila de Brito Fabri Demartini

Aos professores e professoras de toda a minha a vida.


RESUMO

OLIVEIRA, Andreia Fernandes. A formação para o ministério pastoral:


Percepções de pastoras metodistas. 2018. Tese (Doutoramento) - Programa
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo/SP, 2018.

Esta tese tem por objetivo identificar as percepções de oito mulheres no


exercício do ministério pastoral, graduadas pela Faculdade de Teologia da Igreja
Metodista. Partindo de pressupostos de autoras(res) do pensamento crítico de
distintas áreas dos estudos sociais (COLLINS, RIBEIRO, KILOMBA), teológicos
(GEBARA, DEIFELT) e educacionais (FREIRE, HOOKS), o embasamento
teórico desta pesquisa é formado a partir de pensadoras(es) que, ao
problematizarem as relações entre homens e mulheres, marcadas pela
imposição dos valores hegemônicos, como a colonização, a masculinização e o
embranquecimento do saber, evidenciam que a educação pode ser um
instrumento de reprodução desses valores. Neste sentido, a formação teológica
para o exercício do ministério pastoral tem sido influenciada por esses
valores. Conceitos de educação teológica, ministério pastoral,
interseccionalidade e educação problematizadora fazem parte desse diálogo
crítico entre as fontes bibliográficas. Como instrumento metodológico de campo,
foi utilizado aplicação de grupo focal com pastoras em exercício ministerial,
formadas em períodos diferentes na Faculdade de Teologia da Universidade
Metodista de São Paulo. A partir da análise dos dados, confirmou-se a hipótese
de que a formação teológica da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista é
masculinizada e masculinizante, estabelecida prioritariamente por homens e
para homens. Por isso, faz-se necessário transformar o espaço de formação
teológica e o espaço clerical. É preciso construir lugares de reflexão e fomento
de ações que confrontem a igreja em relação às práticas de discriminação e de
rejeição das mulheres no exercício do ministério pastoral.

Palavras-chave: formação teológica, educação teológica, ministério pastoral,


pastoras, interseccionalidade, educação problematizadora.
ABSTRACT

OLIVEIRA, Andreia Fernandes. Formation for pastoral ministry: Perceptions


of Methodist Female Pastors. 2018. Thesis (Doctorate) - Graduate Program in
Education, Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo / SP,
2018.

This thesis aims to identify the perceptions of women in the practice of pastoral
ministry who graduated from the School of Theology of the Methodist Church.
Based on the assumptions of critically thinking authors in various areas of social,
theological and educational studies, the theoretical basis of this research is
composed from thinkers who, when discussing relationships between men and
women, which are marked by the imposition of hegemonic values, such as
colonization, masculinization and whitening of knowledge, make it evident that
education can be an instrument toward the reproduction of these values. In this
sense, the theological formation for the practice of the pastoral ministry has been
influenced by these values. Concepts of theological education, pastoral ministry,
intersectionality, and problematizing education are part of this critical dialogue
among bibliographic sources. As a methodological field instrument, the focus
group included female pastors in ministerial practice, who all studied and
graduated from the School of Theology of the Methodist University of São Paulo
at different times. From the analysis of the data, the hypothesis was confirmed
that the theological formation of the School of Theology of the Methodist Church
is masculinized and masculinizing, established mainly by men and for men. It is
therefore necessary to transform the space of theological formation and clerical
space. It is necessary to build places for reflection and encouragement of actions
that confront the church in relation to practices of discrimination and rejection of
women in the exercise of pastoral ministry.

Keywords: theological formation, theological education, pastoral ministry, female


pastors, intersectionality, problematizing education.
RESUMEN

OLIVEIRA, Andreia Fernandes. A formação para o ministério pastoral:


Percepções de pastoras metodistas. 2018. Tese (Doutoramento) - Programa
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo/SP, 2018.

Esta tesis tiene como objetivo identificar la percepción que las mujeres,
graduadas en la Facultad de Teología de la Iglesia Metodista, tienen en el
ejercicio del ministerio pastoral. Partiendo de presupuestos teóricos de
autores/as de pensamiento crítico de diferentes áreas de estudios sociales
teológicos y educacionales. El fundamento teórico de esta investigación se
compone a partir de pensadoras(es) que, al problematizar las relaciones entre
hombres y mujeres, marcadas por la imposición de valores hegemónicos como
la colonización, la masculinización y el blanqueamiento del saber, colocan en
evidencia que la educación puede ser un instrumento de reproducción de esos
valores. En este sentido, la formación teológica para el ejercicio del ministerio
pastoral ha sido influenciada por estos valores. Conceptos de educación
teológica, ministerio pastoral, interseccionalidad y educación problematizadora
hacen parte de ese diálogo crítico entre las fuentes bibliográficas. Como
instrumento metodológico de campo fue realizado un grupo focal con pastoras
en ejercicio ministerial, graduadas en periodos diferentes en la Facultad de
Teología de la Universidad Metodista de São Paulo. A partir del análisis de los
datos, se confirmó la hipótesis de que, la formación teológica de la Facultad de
Teología de la Iglesia Metodista es masculinizada e masculinizante, establecida
prioritariamente por hombres y para hombres. Por esto, se hace necesario
transformar el espacio de formación teológica y clerical. Es necesario construir
lugares de reflexión y fomento de acciones que confronten la iglesia en relación
a sus prácticas de discriminación y de rechazo de las mujeres en el ejercicio
pastoral.

Palabras clave: formación teológica, educación teológica, ministerio pastoral,


pastoras, interseccionalidad, educación problematizadora.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPED - Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação..13


DNED – Departamento Nacional de Escola Dominical.....................................14
PVMI – Plano para a Vida e Missão da Igreja...................................................16
FATEO – Faculdade de Teologia......................................................................16
EST – Escola Superior de Teologia...................................................................18
UMESP – Universidade Metodista de São Paulo..............................................18
EAD – Educação à Distância.............................................................................19
IPEA – Instituto de Pesquisa e Estatística Aplicada..........................................22
PNET – Plano Nacional Missionário de Educação Teológica...........................96
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Bibliografia básica e complementar: autorias masculinas e


femininas..........................................................................................................104
Gráfico 2 – Composição do quadro docente da FATEO por gênero...............105
Gráfico 3 – Titulação da equipe docente – FATEO.........................................107
Gráfico 4 – Corpo Docente da FATEO quanto à titulação e gênero................108
Gráfico 5 – Formandos em Teologia EAD.......................................................109
Gráfico 6 - Formandas em Teologia EAD........................................................109
Gráfico 7 – Membros Clérigos(as)...................................................................144
Gráfico 8 – Categorias de Nomeação..............................................................144
Gráfico 9 – Liderança nas igrejas locais..........................................................145
Gráfico 10 - Superintendência distrital e supervisão...................................... 146
Gráfico 11 – Remuneração financeira.............................................................146
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 13
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 21
CAPÍTULO 1. CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO .................................................. 33
1.1 Referenciais teóricos ............................................................................................ 33
1.1.1 Educação: aportes freireanos ..................................................................... 33
1.1.2 Gênero, interseccionalidade e lugar de fala ........................................... 42
1.1.3 Teologia Feminista ......................................................................................... 54
1.2 Caminhos metodológicos .................................................................................... 58
CAPÍTULO 2. EDUCAÇÃO TEOLÓGICA ........................................................................... 70
2.1. Educação teológica: uma aproximação conceitual .............................................. 70
2.2. O início da educação teológica das mulheres na Igreja Metodista .............. 80
2.3. Educação Teológica no Século XXI ....................................................................... 91
2.4. O curso de teologia: regulamentações eclesiástica e federal........................ 98
2.5 O projeto pedagógico do curso de Teologia ...................................................... 100
2.6. A estrutura curricular do curso ............................................................................ 101
2.7. A presença das mulheres no corpo docente e discente da FATEO ........... 106
CAPÍTULO 3. O MINISTÉRIO PASTORAL NA IGREJA METODISTA ....................... 113
3.1. Ministério e pastoral: aproximações conceituais ............................................ 113
3.2. O ministério pastoral na Igreja Metodista .......................................................... 116
3.3. A participação de mulheres na igreja ................................................................. 128
3.4 A participação de mulheres nos primórdios do movimento metodista...... 131
3.5. Histórias do início do ministério pastoral das mulheres na Igreja Metodista
............................................................................................................................................... 134
3.6 As pastoras metodistas em São Paulo: um retrato em 2018 ......................... 143
CAPÍTULO 4. AS NARRATIVAS DAS PASTORAS ....................................................... 151
4.1 Formação teológica .................................................................................................. 152
4.2.1. “A faculdade teve esse abrir de horizontes para mim”: a educação teológica
........................................................................................................................................... 154
4.2.2. “Aí no murinho eu aprendi teologia”: outros espaços formativos ................ 164
4.2.3. “A eletiva de Teologia Feminista”: sobre Teologia Feminista ...................... 168
4.2.4. “Você quer ser bonita ou quer ser pastora”: as relações entre homens e
mulheres na FATEO ...................................................................................................... 171
4.2. Ministério Pastoral ................................................................................................... 175
4.1.1: “A minha palavra é Ministério Pastoral”: conceituações expressas nas vozes
das mulheres ................................................................................................................... 176
4.1.2: “E o “nós vai” dele tem mais poder porque ele é homem?”: preconceitos e
discriminações ................................................................................................................ 182
4.1.3: “Não espere que eu vá ser um homem no púlpito, porque eu sou mulher”:
insurgências necessárias .............................................................................................. 199
4.3. Considerações sobre a análise ............................................................................ 205
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 208
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 217
13

APRESENTAÇÃO

“...e se não nos veem nas cadeiras das universidades,


não se pode dizer que seja por incapacidade, mas sim por
efeito da violência com que os homens se sustentam
nesses lugares em nosso prejuízo”.
(Nísia Floresta, Direitos das mulheres e injustiça dos homens, 1832)

Contar a história da minha família é reconhecer o protagonismo das


mulheres que trabalharam desde muito cedo e nunca ascenderam à
universidade. Minhas bisavós, avós, mãe, tias e primas, nenhuma delas
conseguiu cursar uma faculdade e, entre elas, havia as que não sabiam ler. Eu
fui a primeira a ter um diploma de curso superior, logo em seguida minha irmã
ingressou e terminou a faculdade de fisioterapia, depois uma prima e agora
seguimos esperando e esperançando com as nossas pequenas.
Ao escrever este breve itinerário, recordo-me da minha avó Geni (avó
materna), analfabeta, mas que volta e meia me pedia explicações sobre o porquê
de eu nunca sair da universidade. Conversávamos muito, ela me escutava atenta
e, com um misto de orgulho e preocupação, sempre sentenciava: “isso mesmo
minha filha, estude mesmo, mas cuidado para não ficar maluca, estudar muito
faz a gente ficar ruim do juízo”.
Quando criança, minha avó não pôde estudar porque trabalhava na roça.
Quando foi para cidade, trocou a enxada pela máquina de costura. Sempre que
eu lhe perguntava por que não havia estudado, mesmo depois de adulta, ela me
confidenciava: “não sou boa para os estudos, não tenho cabeça para isso”. Eu
consegui chegar até as cadeiras da universidade, lá adquiri possibilidades de
suspeitar, questionar e problematizar a fala da “vó” Geni.
Minha avó era uma mulher que dominava a matemática; tinha uma
oralidade deliciosa; pronunciava muito bem as palavras e se orgulhava disso:
“eu não tenho estudo, mas falo direitinho. O português é para ser bem falado”.
Ao relembrar tudo isso, me pergunto: realmente ela não tinha habilidades para
aprender? Uma pena que as transgressoras e necessárias reflexões da
14

professora Nísia, escritas bem antes da minha avó nascer, não tenham chegado
até ela.
Quando chego ao doutorado, venho imbricada com histórias de mulheres
como a minha avó e com o protagonismo de outras mulheres como Nísia
Floresta, geralmente tomados como transgressão. O fato de ser fonoaudióloga,
professora e pastora me coloca em espaços de exercício do cuidado. Foram as
cadeiras da universidade que me garantiram a possibilidade de problematizar
esses espaços de cuidado e os próprios papéis que desempenho. Chego na
atual etapa da minha vida, fascinada com a possibilidade de estudar e conhecer,
mas também com o compromisso político de ocupar espaços historicamente
negados às mulheres, de refletir e questionar as relações de gênero e de
colaborar com a emancipação feminista das mulheres.
Esse mesmo compromisso político tenho assumido no espaço
eclesiástico. Foi nele que encontrei o terreno e participantes desta pesquisa. A
partir da minha militância na igreja há mais de 30 anos, foi que surgiu o desejo
de conhecer as narrativas de pastoras metodistas, suas percepções sobre a
formação teológica e o ministério pastoral exercido por elas.
Educação, gênero e ministério pastoral são temas fundamentais na minha
trajetória. Meu primeiro contato com a palavra gênero se deu no início da
formação escolar. Ao lado do gênero, estavam o número e o grau, palavras
inseparáveis nas aulas de português. Sempre estudávamos e classificávamos
as palavras quanto ao gênero, ao número e ao grau.
À medida que o grau – não o das palavras, mas o da minha formação –
evoluía, deparei-me com outros tipos de significados para a palavra gênero.
Significados que já estavam presentes, ainda que ocultos, no início da minha
formação. Na realidade, tais significados nasciam desde que o médico, no pueril
momento do meu nascimento, proclamou a notícia: é menina! Isso aconteceu no
ano de 1974.
Minha infância foi marcada pela presença constante da mãe e do pai, e três
anos depois, com a companhia inseparável de uma menina, minha irmã. Seis
anos depois, chegou o meu irmão para terminar de compor a trupe.
Meu irmão, fruto do desejo paterno de ter um filho homem e do desejo
materno de atender às aspirações do marido, nasceu com síndrome de Down. A
figura da descendência masculina se perdeu em meio às limitações. Era menino,
15

mas não dava para ser o menino. Para muitos, com defeito de fábrica, para mim,
numa descoberta diária, com itens mais que especiais de fabricação. Isso
acontecera no ano 1980.
Diante das limitações do filho homem, à minha irmã coube assumir o
sucesso no esporte. Eu não dei conta desse papel, embora o tenha tentado por
muito tempo. Quanto a mim, coube estudar e perceber que a vida se tornou mais
viva com uma pessoa deficiente em casa. Estudo e sensibilidade levam à
reflexão e, em seguida, aos questionamentos. Assim, mesmo sem perceber e
até entender, eu era a que mais perguntava por que? e a que menos aceitava
respostas prontas.
Durante meu período escolar, as artes industriais na escola pública eram
mais aprazíveis do que as aulas de educação para o lar. Como muitas meninas,
passei pelo dilema da minha época: curso normal ou 2º grau? Confesso que não
fugi à regra, sempre quis ser professora, mas professora não ganha dinheiro,
disse a família. Portanto, era preciso fazer 2º grau. Nisso já estávamos no ano
de 1988.
O Ensino Médio cursado no Colégio Pedro II foi fantástico, que tempo bom!
Este colégio se apresentou como porta para mudanças significativas na minha
vida, que incluíam a angústia do meu pai em ter uma filha comunista, como ele
me classificava. Vivenciei bons e maus encontros. Deparei-me com Elis Regina,
Chico Buarque, grêmio estudantil, passeatas na Avenida Presidente Vargas,
centro do Rio de Janeiro, professores exilados na ditadura, mas não só. Me
encontrei também com a física, que dureza! Mas tudo bem, isso era coisa para
meninos, não para meninas, não fui tão cobrada por tais dificuldades.
No final do Ensino Médio brotou o desejo de fazer Ciências Sociais, o que
foi totalmente impugnado pelo pai militar com medo de que uma filha comunista
se perdesse de vez. Fiz vestibular para Direito com a promessa rebelde de que
se eu passasse entraria para o MST - Movimento Sem Terra. Não usei esse
nome na época, mas era o que eu queria dizer. Não passei. Um alívio para mim
e para meu pai! Eu não queria fazer Direito. Fui trabalhar. “Como? Você tem que
estudar, não trabalhar”, essa foi mais uma fala do pai amoroso e assustado com
alguém que fugia às regras que ele, como militar de baixa patente, tinha
aprendido que deveriam ser seguidas, principalmente por meninas.
16

Embora nesse relato cite menos a minha mãe, ela foi determinante para
que eu pudesse trabalhar, esteve perto o tempo todo; penso que por isso não dá
para pontuar só alguns momentos de sua atuação. Todas as minhas subversões
eram um pouco dela também, tinham sempre sua voz somada.
Com as querelas familiares e as pressões ideológicas, acabei por desistir
de ingressar na faculdade de Ciências Sociais e fui cursar Fonoaudiologia. Um
reduto feminino, onde cuidado e assistência eram palavras mestras na formação
que vivenciávamos na graduação.
Resgatei meu interesse por educação e logo comecei o diálogo da
fonoaudiologia com a aprendizagem, especialmente quando fui estagiar em um
posto de saúde na Tijuca, Rio de Janeiro. Lá se atendia crianças com
dificuldades de aprendizagem, oriundas das favelas do bairro. Isso aconteceu no
ano de 1995. A vida seguiu e em 2001, na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), me especializei na prevenção e acompanhamento de
dificuldades na aprendizagem.
Como diz Chico Buarque: “roda viva, roda gigante”, a vida rodou, rodou e
rodou. Mas como a vida roda quando a gente roda a vida, eu acabei vivenciando
um exercício político e uma construção sociológica por meio da militância no
movimento de juventude da Igreja Metodista, e da educação não formal através
da Escola Dominical, um espaço de educação cristã na Igreja Metodista, que
tradicionalmente funciona aos domingos pela manhã, em todas as igrejas
metodistas no Brasil.
Minha militância nos movimentos de educação e juventude na Igreja
propiciou-me oportunidades maravilhosas, dentre elas a ciência explícita de que
gênero vai além da classificação de palavras. Gênero, aos poucos, me foi
apresentado como uma importante categoria de análise social. Isto começou
num encontro com uma teóloga feminista (assim eu a enxergava), pastora
metodista, chamada Rosangela Soares, brasileira, que vive em Nova Iorque e
que trabalhou durante muito tempo com um programa de educação de mulheres
metodistas por toda América Latina.
Conhecer, ouvir e conviver com ela parecia me dar significado para
suspeitas e ideias que já estavam dentro de mim. Em 2003, resolvi fazer teologia
no Instituto Metodista Bennett e essas questões saltaram aos meus olhos. Eu,
que estudara num reduto feminino, agora me encontrava num reduto masculino,
17

em um espaço onde o protagonismo masculino e o androcentrismo 1 no


conhecimento são reinantes e ditatoriais.
O curso de Teologia me soava como um reencontro. Era o meu primeiro
contato formal com os estudos de religião, sociologia, filosofia, teologia da
libertação, mas a sensação de reencontro estava presente, e se dava na medida
do meu desejo de emaranhar-me por tudo aquilo. Era como se eu já soubesse
que queria saber sobre tais assuntos.
Nesse delicioso emaranhado, encontrei-me com a teologia feminista.
Participei de um encontro de mulheres estudantes de teologia no Rio Grande do
Sul, em uma universidade metodista, fundada por uma mulher. Naquele encontro
deparei-me com a teóloga feminista Nancy P. Cardoso que em uma oficina
contou, de uma forma instigante e diferente da que eu já havia ouvido, a história
de João e Maria. Após a narração, ela trouxe algumas questões: por que foi
Maria que trabalhou para engordar o João? Por que não aconteceu o contrário?
Outras descobertas ainda estavam por vir: edições do Fórum Social Mundial na
Índia e em Porto Alegre, o Fórum Social das Américas no Equador. Em tudo isso,
as relações de gênero e educação tomavam cada vez mais espaço na minha
vida.
Com o término da faculdade veio o ingresso no ministério pastoral, isso não
era, a princípio, tão certo para mim. Fui aos poucos me acostumando, ou me
apropriando desse espaço e da ideia de me tornar pastora. Confesso que às
vezes não me sinto tão confortável no ministério pastoral, é uma espécie de não
lugar. Isto se dá, acredito eu, mais pela estrutura social e política, do que pelas
relações interpessoais que essa função proporciona. De qualquer forma, no
início de 2007, aceitei e ingressei no período probatório do ministério pastoral.

1 De uma forma superficial, a partir do próprio vocábulo andro-centrismo, podemos inferir que
esta palavra significa ter a visão masculina no centro. No entanto, Araceli González VÁZQUEZ
nos previne que não basta afirmar que o androcentrismo limita-se apenas a ter o homem, o
masculino e a masculinidade são o centro de todas as coisas, mas é preciso destacar que
existe uma série de fatores, que atuam na subjetividade, que colaboram para que o
androcentrismo se mantenha. Assim, os estereótipos, a misoginia, o machismo, o sexismo, são
alguns destes fatores que colaboram para a centralidade/ superioridade da visão androcêntrica.
Afirma ela: “el androcentrismo surge históricamente en la especie humana como táctica y como
estrategia, como ideología y como recurso ideológico, y ha demostrado una enorme
perdurabilidad temporal y una amplia extensión geográfica. Es una manera de entender a las
personas que permea las cosmologías, las ontologías y las epistemologias”. (VÁZQUEZ, 2013,
p.493-494)
18

Diferentemente do esperado, eu não fui para uma comunidade local (igreja)


exercer o pastorado. Por conta da minha atuação na Igreja Metodista, ainda
como leiga2, na coordenação do Departamento Regional de Escola Dominical no
Rio de Janeiro, fui convidada para trabalhar na Sede Nacional da Igreja
Metodista. Assumi a função de redatora das revistas de Escola Dominical 3 para
as crianças. Começava aqui a se desenrolar a necessidade e a possibilidade de
ingresso no mestrado. Sobre o que estudar? Não tive muitas dúvidas, eu
precisava e queria muito me aprofundar nas relações de gênero e educação.
É do fascínio à necessidade de uma pesquisa elaborada e sistemática que
surgiu o meu interesse em estudar gênero e educação. Foi na consciência do
meu reduzido conhecimento de tais temáticas que me interessei por estudar a
produção acadêmica brasileira em gênero e educação. Queria saber o que se
produzia, pesquisava e pensava na área, daí a minha opção por um
levantamento bibliográfico, por um mapeamento do campo.
Diante do meu desejo de adentrar no cenário da pesquisa educacional optei
pela ANPED (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em
Educação), a principal instituição de pesquisa em educação em nível nacional.
Esta associação contava com um grupo de trabalho que tratava das relações de
gênero e educação, o Grupo de Trabalho 23, intitulado Gênero, Sexualidade e
Educação. Foi ele o campo da minha pesquisa.
Minha dissertação, intitulada Gênero e Educação: uma análise do material
produzido pelo grupo de trabalho Gênero, Educação e Sexualidade da ANPED
no período de 2003 a 2009, é o relato e a análise da produção deste grupo.
A pesquisa teve como um dos objetivos compreender quais as principais
temáticas relacionadas a gênero e educação que são abordadas pelos trabalhos
apresentados no Grupo de Trabalho 23, nas reuniões anuais da ANPED. Além
disso, pesquisou-se como esses trabalhos abordavam e relacionavam a
temática das políticas públicas em educação com a promoção da igualdade de
gênero.

2
Membro não clérigo da Igreja.
3 Material didático e pedagógico para a educação cristã das crianças e pré-adolescentes (4 a 13
anos). Eu era responsável por elaborar seis publicações que compreendiam três títulos com
revistas para alunos e alunas e professores e professoras.
19

Cursar o mestrado foi fascinante, mas não só. Minha percepção da vida ia
se abrindo a passos largos, meu conhecimento se deparando com inúmeras
oportunidades de ampliação. No entanto, foi nesse período que vivenciei uma
das experiências mais marcantes da minha vida: o carcinoma de mama da minha
mãe. Longe de casa eu me dividia entre Rio e São Paulo para, junto com ela,
vencer esse processo. Esta doença, cuja maior incidência e as piores
consequências acontecem no corpo das mulheres, me trazia ainda mais para o
universo feminino. Poder desenvolver, nessa época e situação, uma pesquisa
que se comprometia com uma análise feminista, foi algo muito rico.
O corpo da minha mãe foi marcado pela ausência da mama que não seria
mais reconstruída, e o meu corpo por sinais de cansaço. Foi um tempo intenso
que cansou meu corpo e fatigou a minha alma, adoeci. Surgia mais uma crise
depressiva. Não foi nada fácil superá-la, mas isso, para mim, já não era
novidade. A primeira havia acontecido em 1989.
O novo nesse processo surgiu dentro do programa de pós-graduação em
educação. Foi quando um professor, na época coordenador do programa, me
assediou sexualmente. Eu não fui a única, descobri que isso acontecera com
outras companheiras também. Empenhar-se nessa luta foi um processo difícil. A
vergonha em denunciar foi sendo, aos poucos, suprimida pela união e pelo
encorajamento das mulheres que se organizaram para fazê-lo parar.
Conseguimos, não como gostaríamos, mas ele foi demitido. De certa forma, isso
foi libertador, a dissertação emperrada a tantos meses, jorrou, finalizou e fui
aprovada.
Ao final do mestrado, uma nova possibilidade de trabalho surgiu na esfera
nacional da Igreja e assumi a coordenação do Departamento Nacional de Escola
Dominical (DNED)4. Paralelo ao novo desafio, ingressei na docência no ensino
superior na faculdade Zumbi dos Palmares, especificamente no curso de
pedagogia. As disciplinas que ministrei nos três anos que trabalhei na faculdade
Zumbi dos Palmares foram: Prevenção à saúde da criança; Educação,

4 Órgão da administração geral da Igreja Metodista subordinada a Coordenação Nacional de


Educação Cristã. O Departamento Nacional de Escola Dominical tem como funções prioritárias
promover o fortalecimento da Escola Dominical, promover formação para as equipes docentes
e gestoras das escolas dominicais das igrejas locais e coordenar o processo de elaboração das
revistas de Escola Dominical, material didático oficial da Igreja Metodista para Escola
Dominical. Hoje o Departamento é responsável pela produção de 6 títulos, totalizando 11
publicações semestrais.
20

Diversidade e relações humanas; Família e escola; História da infância numa


abordagem multicultural; Representações étnico-raciais nos livros didáticos.
Todas elas dialogavam com as relações de gênero e raça.
Aos meus estudos sobre gênero, uniram-se os estudos sobre raça. Agora,
trabalhando com um público muito específico, a maioria de mulheres negras, só
a utilização da categoria gênero já não era suficiente para as minhas pesquisas
e interpretações da vida.
No percurso acadêmico me reconheci como negra, mas não só. Percebi
que o racismo à moda brasileira, nas suas formas perversas de escamotear-se,
faz com que a variação fenotípica seja um critério de negação ou consentimento
para que a população negra se insira e ocupe espaços sociais e geográficos.
Descobri que ainda que negra e tendo dificuldade de ocupar alguns territórios5,
a cor da minha pele, por ser mais clara, me garante um trânsito social maior do
que o de minhas companheiras negras retintas.
Com as experiências vividas, senti o desejo de retornar à pós-graduação
para o doutoramento. Aqui sigo e persigo nessa trajetória que a educação tem
me proporcionado.
O registro dessa história me faz ver o quanto a educação em espaços
formais e não formais foi o fio condutor do que me encanta, do que partilho, e de
como me constituo. Assim, o desejo de conhecer mais sobre a trajetória do
ministério pastoral feminino da Igreja Metodista no Brasil, a educação teológica
e a percepção das pastoras metodistas sobre a sua formação teológica e o
exercício do ministério pastoral, são fruto da minha curiosidade, experiência e
militância.

5 Uso a expressão território não apenas no sentido estrito de espaço geográfico, mas também
como palco das relações de poder, econômicas e simbólicas. A este respeito ler: SANTOS, M.;
SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI – Livro viva-vira
1. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2011; QUEIROZ, Tiago A. N. Espaço geográfico, território usado
e lugar: ensaio sobre o pensamento de Milton Santos. In: Para Onde!?-Revista Eletrônica, 8
(2): 154-161, ago./dez. 2014 UFRGS, Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação
em Geografia, Porto Alegre, RS, Brasil. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/paraonde/article/view/61589/36420>. Acesso em: 12/03/2018.
21

INTRODUÇÃO

Educação e ministério pastoral são temas fundamentais na vida da


pesquisadora. O desejo de refletir sobre eles conjuga sua experiência como pastora
e o seu encontro com outras pastoras. A vivência institucional na Igreja Metodista
gerou suspeitas e questionamentos sobre os lugares que as mulheres têm ocupado
na referida igreja e a formação para o ministério pastoral.
O interesse da tese centra-se nas mulheres que exercem o ministério,
especialmente na formação que adquirem na Faculdade de Teologia (FATEO). A
pergunta que norteou a pesquisa foi: qual a percepção das pastoras sobre a formação
dada pela Faculdade de Teologia para o exercício do ministério pastoral? Assim, o
objetivo geral da tese é identificar as percepções de mulheres no exercício do
ministério pastoral, graduadas pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, sobre
a formação vivenciada na referida faculdade.
Neste sentido, a tese analisa o conceito de educação teológica evidenciado no
documento Diretrizes para Educação da Igreja Metodista, contidas no Plano para Vida
e Missão da Igreja (PVMI); reflete sobre a atual estrutura curricular do curso de
Teologia da FATEO; discorre sobre o conceito normativo de ministério pastoral,
analisando as disposições regulamentares para a formação teológica e o exercício
ministerial de pastores e pastoras.
A hipótese de trabalho foi que a formação teológica da Faculdade de Teologia
da Igreja Metodista é masculinizada e masculinizante, isto é, estabelecida
prioritariamente por homens e para homens.
Historicamente a mulher tem ocupado um espaço de subalternidade na maioria
das religiões e em vários âmbitos das igrejas cristãs (GEBARA, 2000). Nesses
espaços, é notório o silenciamento das mulheres e sua ausência nos ambientes
decisórios. Elas se ocupam de funções que hierarquicamente são
consideradas inferiores e, por conseguinte, menos valorizadas. Essa situação
expressa a constituição de uma sociedade machista, excludente, que tem na maioria
das religiões e, especialmente, nas igrejas cristãs, aliadas para legitimar e colaborar
com a manutenção das desigualdades, impedindo, inclusive, que as mulheres
22

assumam funções sacerdotais embora sejam mão de obra abundante e constante


para muitas tarefas na vida da igreja.
O ministério pastoral na Igreja Metodista é desempenhado por mulheres e
homens que compõem a membresia clériga da Igreja. Segundo os Cânones da Igreja
Metodista, um membro clérigo é “a pessoa que a Igreja Metodista reconhece chamada
por Deus, dentre os seus membros, para a tarefa de edificar, equipar e aperfeiçoar a
comunidade de fé, capacitando-a para o cumprimento da missão.” (IGREJA
METODISTA, 2017, p.157)
Embora o documento citado afirme que o ministério pastoral da referida Igreja
pode ser desempenhado por mulheres e homens, é só a partir de 1970, mais de um
século depois da implantação do metodismo no Brasil, que as mulheres são
legalmente reconhecidas como aptas para exercer esse ministério.
Para Marisa de Freitas Ferreira, primeira episcopisa metodista, eleita em 2003,
mesmo que o espaço clerical feminino seja fato, ainda existem muitas dificuldades e
desafios. Dentre os citados por ela, destaco:

Mulheres que exercem o ministério demonstrando um sentimento


excessivo de gratidão à Igreja por “lhes conceder o favor” de serem
pastoras[...]. e o exercício pastoral feminino sem identidade feminina,
mas impregnada de ações determinadas por uma cultura dominada
pelo gênero masculino (Marisa de Freitas FERREIRA, 2005, p.146)6.

O sentimento de gratidão destacado na citação é fruto da naturalização do


sacerdócio como prerrogativa masculina, que encontra eco na teologia clássica que
historicamente tem sido sinônimo de teologia masculina.
Para Ivone GEBARA (2000, p.220) "a teologia masculina é um discurso
globalizante ancorada na masculinização das ações de Deus forjada pela cultura”. Na
nossa cultura as formas de ação de Deus são espontaneamente consideradas como
masculinas, mesmo aquelas que poderiam ser vistas como principalmente femininas,
como é o caso das que se referem ao cuidado.

O “masculino de Deus engloba o feminino, coopta-o, o faz seu. Não


se trata de juízo de valor, mas de uma constatação de ordem, antes

6
Os textos citados nesta tese que forem de autoria feminina serão identificados pelo nome, escrito em
letras maiúscula e minúscula; e sobrenome da autora, escrito em maiúscula como rege a norma. Esse
é um compromisso político da pesquisadora em dar visibilidade para a produção científica de autoria
feminina.
23

de tudo, cultural e depois uma construção teológica. De fato, o


teológico é essencialmente cultural.” (Ivone GEBARA, 2000, p.221)

A partir da perspectiva de que as formas de ação de Deus são masculinas, a


educação teológica e a prática pastoral, por serem identificadas como ações humanas
dirigidas, inspiradas por Deus, podem ser consideradas como masculinizadas. Deus,
o grande pastor, é homem, portanto, a prática pastoral é masculinizada e se constitui
a partir da concepção hegemônica de masculinidade, construída pelo sujeito que não
só é universal, mas que também universaliza e reforça um paradigma hegemônico.
Refiro-me ao paradigma do homem, branco, eurocentrado, heterossexual, cidadão e
rico.
O fazer teológico de Mary DALY (1973) denuncia a imagem masculina de Deus
e o quanto isso é opressor para as mulheres. A sua clássica frase “if God is male, then
the male is God” (p.19)7, reverbera a necessidade de questionar o quanto as práticas
masculinizadas e masculinizantes no fazer teológico e na ação pastoral fortalecem a
perversa misoginia.
No caso da Igreja Metodista, a principal instância educacional para a formação
do ministério pastoral é a graduação em teologia pela FATEO, na Universidade
Metodista de São Paulo. Por isso, a FATEO é o campo dessa pesquisa que investiga,
a partir das narrativas de pastoras formadas por lá, as percepções que elas têm sobre
a colaboração da formação teológica para o exercício do ministério pastoral.
Inicialmente foi realizado um levantamento bibliográfico nas bibliotecas de
algumas universidades e faculdades: Universidade Metodista de São Paulo (UMESP),
Centro Universitário Metodista IPA, Instituto Metodista Izabela Hendrix, Instituto
Metodista Granbery, escolhidas por serem instituições de ensino da Igreja Metodista.
Apenas duas delas possuem graduação em Teologia, o Instituto Metodista Izabela
Hendrix e a UMESP, que também possui um programa de pós-graduação em ciências
da religião. Além das instituições metodistas, foi feita uma pesquisa no banco de teses
e dissertações do Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Teologia da Escola
Superior de Teologia (EST).
A pesquisa nas bibliotecas das instituições de ensino, da Faculdade de
Teologia e no banco de teses e dissertações dos programas de pós-graduação em
ciências da religião e educação, demostrou um número restrito de estudos e

7
numa tradução livre: “Se Deus é homem, então o homem é Deus”.
24

pesquisas sobre o tema. Para o levantamento foram utilizadas as seguintes palavras-


chave: formação teológica, educação teológica, pastora; pastora metodista; ministério
feminino; ordenação feminina; mulheres metodistas. A maioria das obras encontradas
estão na UMESP.
A quantidade de material relevante encontrado para a tese pode ser
quantificada da seguinte maneira: 02 teses; 20 dissertações; 20 monografias; 08
artigos de periódico; 25 livros; 06 folhetos; 01 analítica de obras; 02 obras de
referência; arquivo digital da 61ª semana wesleyana – “Caladas na igreja? Mulheres
e Igrejas nos dias de hoje: vozes das pastoras metodistas”; arquivo digital dos
encontros nacionais de capacitação de mulheres (2010 a 2016); arquivo digital das
aulas anuais em EAD para capacitação de mulheres, um projeto desenvolvido pela
Confederação Metodista de Mulheres e o Centro Otília Chaves, da Faculdade de
Teologia da Igreja Metodista (2010 a 2016).
Das publicações selecionadas nos bancos de pós-graduação da UMESP e da
EST, apenas 01 tese e 02 dissertações incluíam as pastoras como participantes da
pesquisa. São elas:
- Tese de doutorado: “Altruísmo na autoimagem de pastores e pastoras metodistas”,
escrita pelo professor e pastor metodista Paulo Bessa da Silva (2008) defendida na
UMESP;
- Dissertações de mestrado: “O carisma social nas pastoras metodistas: estudo de
caso da prática pastoral em ministérios sociais realizados por um grupo de pastoras
formadas no período de 1970-1990”, escrita pela professora e pastora metodista
Elena Alves Silva Pinto (2002); “O ministério pastoral feminino na Igreja Metodista no
Brasil”, escrita pela professora e pastora metodista Jussara Rotter Cavalheiro (1996);
“Retorno às fontes para atualização dos sonhos, escrita pela professora Regina Coeli
Freitas dos SANTOS (2001) para o programa de pós-graduação do Instituto
Ecumênico de Pós-graduação em Teologia, da Escola Superior de Teologia. O autor
da tese e as autoras das dissertações participaram da Igreja Metodista, inclusive
trabalharam em Instituições Metodistas de ensino.
O levantamento bibliográfico mostrou que é restrita a produção acadêmica que
dá visibilidade às narrativas das pastoras metodistas e ao ministério pastoral exercido
por elas. Não foi encontrado nenhum trabalho que tratasse especificamente da
25

percepção das pastoras sobre a sua formação teológica, fato que garante à tese um
protagonismo nessa perspectiva.
É possível que a restrita produção acadêmica se justifique pela ausência de
preocupação eclesiástica com o tema, e pelas reservas teológicas em relação à
legitimidade do ministério pastoral exercido pelas mulheres. No entanto, é preciso
estudar, trabalhar e lutar para que isso mude, para que o protagonismo das mulheres
tenha visibilidade e as discriminações sofridas sejam eliminadas.
A invisibilidade e o silenciamento das mulheres não está restrito às religiões, é
algo que perpassa as instituições sociais em geral. Desde o século XX temos visto,
às custas da luta de mulheres e homens, conquistas adquiridas e avanços na
superação de preconceitos. Essas lutas são de extrema valia, pois descortinam o
machismo e outras barreiras a serem superadas, como o racismo e a homofobia.
O protagonismo das mulheres é imperativo. A presidenta Dilma Roussef, que
na percepção da pesquisadora foi afastada injustamente da presidência em 2016,
declarou enquanto recebia o prêmio Berta Luthz8 no dia 13 de março de 2012, que o
“século XXI é o século das mulheres”, enquanto fazia alusão às políticas públicas
implementadas em seu governo. Políticas necessárias devido às condições de
vulnerabilidade social das mulheres que podem ser evidenciadas em muitas
estatísticas. A seguir serão destacadas algumas que se referem à violência e à
disparidade salarial.
O Mapa da violência (WAISELFISZ, 2015) elegeu para o ano de 2015 o tema
de estudo e pesquisa sobre a violência contra as mulheres, trazendo especialmente
um panorama sobre o homicídio. Esta publicação mostrou o perfil de quem mais
agride as mulheres:

82% das agressões a crianças do sexo feminino, de <1 a 11 anos


de idade, que demandaram atendimento pelo SUS, partiram dos pais
– principalmente da mãe, que concentra 42,4% das agressões.
Para as adolescentes, de 12 a 17 anos de idade, o peso das agressões
divide-se entre os pais (26,5%) e os parceiros ou ex-parceiros (23,2%).
Para as jovens e as adultas, de 18 a 59 anos de idade, o agressor
principal é o parceiro ou ex-parceiro, concentrando a metade de
todos os casos registrados. Já para as idosas, o principal agressor foi
um filho (34,9%). No conjunto de todas as faixas, vemos que

8
Premiação instituída pela Resolução nº 2/2001, com base em Projeto de Resolução de 1998,
apresentado pela Senadora Emília Fernandes. É um diploma para agraciar mulheres que tenham
oferecido relevante contribuição na defesa dos direitos da mulher no Brasil.
26

prepondera largamente a violência doméstica. Parentes imediatos ou


parceiros e ex-parceiros (grafados em alaranjado, nas tabelas) são
responsáveis por 67,2% do total de atendimentos (WAISELFISZ,
2015, p.48).

Quem mais agride as mulheres são os homens. A violência física é a que mais
incide e as vitimiza. Veja os dados do mapa:

Vemos que a violência física é, de longe, a mais frequente,


presente em 48,7% dos atendimentos, com especial incidência
nas etapas jovem e adulta da vida da mulher, quando chega a
representar perto de 60% do total de atendimentos. Em segundo
lugar, a violência psicológica, presente em 23,0% dos atendimentos
em todas as etapas, principalmente da jovem em diante. Em terceiro
lugar, a violência sexual, objeto de 11,9% dos atendimentos, com
maior incidência entre as crianças até 11 anos de idade (29,0%
dos atendimentos) e as adolescentes (24,3%). Destaque entre as
crianças, a negligência/abandono por parte dos pais ou responsáveis
é registrada em 28,3% dos atendimentos nessa faixa. Também entre
idosas se observa elevados níveis de abandono (WAISELFISZ,
2015, 2015, p.50).

Quando se investiga como mulheres e homens morrem no Brasil, percebe-se


que elas são mais violentadas do que eles:

(..) se nos homicídios masculinos prepondera largamente a


utilização de arma de fogo (73,2% dos casos), nos femininos essa
incidência é bem menor: 48,8%, com o concomitante aumento de
estrangulamento/sufocação, cortante/ penetrante e objeto
contundente, indicando maior presença de crimes de ódio ou por
motivos fúteis/banais (WAISELFISZ, 2015, 2015, p.39)

Os dados estatísticos mostram “que a residência é o local privilegiado de


ocorrência da violência não letal, para ambos sexos; significativamente superior para
o sexo feminino (71,9%), em relação ao masculino (50,4%)” (WAISELFISZ, 2015,
2015, p.50).
A dissertação de mestrado de Valéria VILLHENA (2009), que analisou a
violência doméstica entre as mulheres evangélicas, apontou que a religião, muitas
vezes, é um instrumento que legitima a violência e as resigna a esperar em Deus uma
saída, uma solução. No entanto, a pesquisadora destaca que as mulheres também
podem encontrar na religião forças para superação das violências sofridas ao longo
dos anos.
A que tipo de religiosidade abraçamos fará uma grande diferença. Mas o que
se dirá daqueles que não terão oportunidade ou real condição de avaliar a
27

que religiosidade abraçarão diante desse “supermercado espiritual”? Ficarão


à mercê da sorte? Cabe às instituições religiosas avaliarem suas agendas e
refletirem com seriedade sobre violência doméstica na vida de seus fiéis.
(Valéria VILHENA, 2009, p.128)

No que se refere às desigualdades salariais e de oportunidades no mercado de


trabalho, as estatísticas perpetuam a desvantagem das mulheres. Isto se explica por
conta da divisão sexual do trabalho9 presente na sociedade. Em recente estudo
intitulado “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça – 1995 a 2015” (2017), o
IPEA destaca que ainda que as mulheres tenham mais tempo de escolaridade do que
os homens, elas são as que têm mais dificuldades de conseguir emprego. Afirma o
estudo:

As barreiras para as mulheres entrarem no mercado de trabalho se mostram


presentes, apesar dos avanços das décadas passadas. Os últimos vinte anos
parecem indicar que as brasileiras atingiram um “teto” de participação difícil
de ser ultrapassado. Entre 1995 e 2015, a taxa de participação feminina
pouco oscilou em torno dos 54-55%, não tendo jamais chegado a 60%. Isto
significa que quase metade das brasileiras em idade ativa está fora do
mercado de trabalho. (Natália FONTOURA; Marcela T. REZENDE; Joana
MOSTAFA, 2017, p.2)

Além da dificuldade do ingresso, encontram-se os desafios da permanência no


trabalho, do cumprimento de uma jornada muito maior do que a dos homens (o mesmo
estudo aponta que as mulheres trabalham 7,5 horas a mais do que os homens, por
semana). Evidencia-se também a questão da discrepância salarial que, mesmo tendo
diminuído nos últimos 10 anos, deixa ainda as mulheres em desvantagem. O estudo
Mulheres e trabalho: breve análise do período 2004-2014 (IPEA, 2016) afirma:

Em 2014, as mulheres ultrapassaram pela primeira vez o patamar de 70% da


renda masculina; dez anos antes esta proporção era de 63%. No entanto, as
mulheres negras ainda não alcançaram 40% da renda dos homens brancos.
Ou seja, apesar do movimento de aproximação dos rendimentos, é preciso
destacar que este se dá de forma ainda lenta e desigual entre os grupos, não
alterando de fato a estrutura das desigualdades: os homens continuam
ganhando mais do que as mulheres (R$1.831 contra R$1.288, em 2014), as
mulheres negras seguem sendo a base da pirâmide (R$946 reais, em 2014)
e homens brancos, o topo (R$2.393 no mesmo ano). (IPEA, 2016, p.13)

9
Daniele KERGOAT define assim a divisão sexual do trabalho: “é a forma de divisão do trabalho social
decorrente das relações sociais de sexo; essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade. Tem
por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera
reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte valor social agregado
(políticas, religiosas e militares, etc.)” (KERGOAT, Daniela apud Helana HIRATA, Françoise LABORIE,
Hélène DOARÉ, Daniele SENOTIER, 2009, p.67).
28

Como acontece na sociedade, muitas religiões, em suas estruturas e gestões


patriarcais e em sua educação, reforçam o machismo e as hierarquias. Propagam
discursos que afirmam a superioridade dos homens em relação às mulheres. Muitas
mulheres que frequentam a igreja são vítimas de violência, muitos homens que
frequentam a igreja são agressores e ocupam cargos de destaque nas instituições
eclesiásticas.
No que diz respeito à disparidade salarial entre homens e mulheres, isso
também acontece no ministério pastoral. Na Igreja Metodista, muitas mulheres são
nomeadas sem ônus para as comunidades. No caso das pastoras que são casadas
com pastores, em muitas situações, essas mulheres não recebem nenhum recurso
financeiro. Tendo em vista que a nomeação pastoral do seu marido é com ônus, a
remuneração do trabalho da mulher fica subsumida no salário pago ao seu cônjuge.
Esta remuneração passa a valer pelo exercício pastoral dos dois. São raros os casos
em que as mulheres são nomeadas com ônus e os maridos pastores sem ônus.
Na manutenção de tais disparidades, a função educativa da igreja por meio do
discurso religioso, teológico, colabora com a naturalização e perpetuação das
desigualdades. E a figura sacerdotal – no caso da Igreja Metodista e outras
protestantes, o pastor e a pastora – pode ser um instrumento na manutenção destas
desigualdades. Daí a necessidade de refletir e ressignificar a prática pastoral e a
atuação ministerial. É preciso ter cuidado.
Paulo Freire, em seu texto O papel educativo das Igrejas na América Latina,
destaca a inviabilidade de pensar teologia e educação de forma separada, dicotômica.
O papel das igrejas em relação à educação deve ser pensado de forma histórica, uma
vez que a igreja é na história e a educação acontece nesta história.

As igrejas de fato, não existem, como entidades abstratas. Elas são


constituídas por mulheres e homens ‘situados’, condicionados por uma
realidade concreta, econômica, política, social, cultural. São instituições
inseridas na história, onde a educação também se dá. Da mesma forma, o
quefazer educativo das Igrejas não pode ser compreendido fora do
condicionamento da realidade concreta em que se acham (FREIRE, 1982,
p.106).

Isto significa que a igreja e a educação não podem assumir condição de


neutralidade diante da sociedade. Qualquer posição assumida, inclusive a de
insistência na neutralidade, reflete uma posição política. É bem verdade que a
laicização do Estado traz a secularização da educação, entretanto, ainda hoje, à igreja
29

se reserva um considerável papel educativo, que influencia, inclusive, a educação


secular, laica.
Essa tese se insere como uma tentativa de refletir sobre esses processos
educativos da igreja, tendo em mente a educação libertadora proposta por Paulo
Freire. Essa produção acadêmica se une às pesquisas cujo compromisso principal foi
garantir o protagonismo das mulheres – neste caso, pastoras da Igreja Metodista,
tendo-as como participantes para ouvir suas vozes e dar visibilidade às suas ideias
no que diz respeito à formação pastoral vivenciada na Faculdade de Teologia da
referida igreja.
A pesquisa para essa tese, por ser voltada para os sujeitos, foi concebida a
partir de uma relação dialógica, portanto, assumiu a característica de uma pesquisa
qualitativa. Isto porque trabalhou com o universo dos significados, dos motivos, das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes (Maria Cecília de S. MINAYO,
GOMES, 2007, p.21).
Tendo em vista que o principal objetivo desse trabalho é identificar as
percepções de mulheres no exercício do ministério pastoral sobre a formação
vivenciada na FATEO e considerando que o processo de formação é uma experiência
relacional, o grupo focal foi a metodologia escolhida para atender esta demanda. A
proposta dessa metodologia cria condições para que as pessoas explicitem seus
pontos de vista e interajam entre si. Isto ajuda a perceber a confluência, ou não, de
experiências e trajetórias das pastoras participantes na formação acadêmica teológica
e no exercício do ministério pastoral, espaços historicamente e politicamente
dominados por homens.
A tese está organizada em quatro capítulos. O primeiro apresenta os caminhos
teórico e metodológico. O caminho teórico conjuga considerações sobre os conceitos
que auxiliaram as reflexões desta tese: as reflexões de Paulo Freire sobre a educação
problematizadora, caracterizada como uma educação que “se funda na criatividade e
estimula a reflexão e ação verdadeiras dos homens sobre a realidade” (FREIRE,
2005a, p.83); os conceitos de interseccionalidade e lugar de fala, que surgem dentre
das reflexões oriundas do feminismo negro.
A interseccionalidade é uma categoria cunhada na militância e intimamente
relacionada à luta das mulheres negras. Essas mulheres, por meio de movimentos
insurgentes, vão ressignificando seus lugares de fala para que com suas narrativas,
30

descontruam aquelas que são historicamente hegemônicas e, portanto, perpetuam a


colonização, a masculinização e o embranquecimento do saber.
No terreno dos estudos teológicos, o saber colonizado, masculino
embranquecido tem influenciado as reflexões teológicas, mas saberes insurgentes
sempre aparecem. A Teologia Negra e a Teologia Feminista são vozes dessa
insurgência. Paulo Freire, ao escrever o prefácio da edição argentina de “A black
theology of liberation” de James Cone, um livro clássico da teologia negra, destaca:

Dizer sua palavra, por isso mesmo, não é apenas dizer "bom-dia” ou seguir
as prescrições dos que, com seu poder, comandam e exploram. Dizer a
palavra é fazer história e por ela ser feito e refeito. As classes dominadas,
silenciosas e esmagadas, só dizem sua palavra quando, tomando a história
em suas mãos, desmontam o sistema opressor que as destrói. É na práxis
revolucionária, com uma liderança vigilante e crítica, que as classes
dominadas aprendem a “pronunciar” seu mundo, descobrindo, assim, as
verdadeiras razões de seu silêncio anterior. (FREIRE, 1981, p.104)

As teologias Feministas e Negras têm se pronunciado à medida que lutam para


desconstruir conceitos aprisionadores e construir novos discursos sobre Deus e outros
temas afins, na certeza de que é preciso publicizar os silêncios e os silenciamentos
(Ivone GEBARA, 2000, p.35). Esta tese não se compromete em aprofundar conceitos
da teologia feminista, mas em se tratando de formação teológica e tendo aparecido
nas narrativas das pastoras participantes da pesquisa, faz-se mister que ela seja
contemplada, encerrando o relato do caminho teórico.
O registro do caminho metodológico percorrido na pesquisa compreende a
descrição da metodologia grupo focal utilizada para a coleta de dados. Inspirando-se
prioritariamente nas reflexões de Bernadetti A. Gatti (2005) e Maria Cecília de Souza.
Minayo (2007), traçou-se considerações sobre tal metodologia.
O grupo focal foi construído considerando-se a presença de 8 participantes, no
entanto contou com a participação de cinco pastoras. Por conta da ausência de três
mulheres, conseguiu-se, por meio de entrevista semiestruturada, colher as
percepções de uma pastora que não esteve presente no dia que o grupo aconteceu.
Os relatos do grupo focal e da entrevista foram analisados levando-se em conta as
orientações técnicas sobre Análise de Conteúdo. Utilizou-se como referenciais
teóricos para tanto, as contribuições de Laurence Bardin (1977), Roque Moraes (1999)
e Sônia Gondim (2003). Os resultados das análises foram registrados no quarto
capítulo.
31

O segundo capítulo apresenta o conceito de educação teológica da Igreja


Metodista; registra alguns aspectos da história desta educação na Igreja Metodista;
explicita, a partir das reflexões registradas nas atas dos primeiros encontros nacionais
de pastoras, preocupações das pastoras e das estudantes de teologia com a
educação teológica que vivenciavam na FATEO. Além disso, a fim de conhecer como
tem se configurado o percurso e o curso de teologia da Igreja Metodista, esse capítulo
se propõe a apresentar dados sobre a regulamentação da educação teológica pela
Igreja Metodista, do curso de bacharel em teologia pelo MEC e algumas
considerações sobre a estrutura curricular que a Faculdade de Teologia da Igreja
Metodista tem priorizado, tornando-se assim, um capítulo descritivo do universo da
educação teológica da Igreja Metodista
O ministério pastoral ordenado da Igreja Metodista é o tema do terceiro
capítulo, que apresenta os conceitos de ministério e pastoral, algumas considerações
sobre o ministério pastoral da Igreja Metodista, a participação das mulheres no
movimento de Jesus, na história da igreja cristã e no início do movimento metodista
na Inglaterra. Além disso, busca-se registrar histórias dos primórdios do ministério
pastoral feminino que se encontram registrados nas atas dos primeiros encontros
nacionais de ministério pastoral feminino. Por fim, apresenta-se um perfil do ministério
pastoral metodista, enfocando a situação eclesiástica das mulheres nomeadas na 3ª
região eclesiástica, onde centram-se os sujeitos da pesquisa que fundamentaram este
trabalho.
O quarto capítulo foi construído a partir dos dados levantados na pesquisa de
campo. Neste capítulo fez-se o registro das análises das percepções das pastoras
sobre a formação teológica e o ministério pastoral, categorias que foram pré-
selecionadas por serem os dois eixos de interesse da tese (Bernadetti A. GATTI,
2005). A partir da escuta repetitiva dos relatos, extraiu-se as unidades de significação
(Laurence BARDIN, 1977) para essas categorias. As unidades para Formação
Teológica foram: educação teológica; outros espaços formativos; as relações entre
homens e mulheres; sobre teologia feminista. As escolhidas para a categoria
Ministério Pastoral foram: conceituações sobre ministério pastoral; preconceitos e
discriminações; insurgências.
As considerações finais foram elaboradas levando-se em conta que se faz
necessário transformar o espaço clerical e o espaço de formação teológica. É preciso
32

construir lugares de reflexão e fomento de ações que confrontem a igreja em relação


às práticas de discriminação e de rejeição das mulheres no exercício do ministério
pastoral. Nesse processo de enfrentamento para o combate das discriminações, a
educação pode ser um instrumento determinante para promover a consciência crítica,
a emancipação humana e a transformação social.
33

CAPÍTULO 1. CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO

O diverso universo da pesquisa possui em si o fascínio pelo desconhecido e o


incômodo pelo estabelecido. Nessa conjunção, a pessoa que pesquisa, ao assumir a
sua condição de “ser inacabado” (FREIRE, 2005, p.83), entrega-se ao exercício de
pensar, investigar, desmistificar, denunciar e, se possível, transformar a realidade que
é sempre um produto das ações e contradições dos seres humanos.
Como referenciais teóricos e metodológico escolhidos para essa tese estão
aqueles que apresentam uma perspectiva dialógica, crítica, tendo em vista a
necessidade de considerar e problematizar a realidade e, a partir disso, comprometer-
se com a possibilidade do ser humano de mudar o mundo, não como um sonho, mas
como um “ato político”, como adverte Paulo Freire. (FREIRE, 2000, p.54)
Na perspectiva de uma análise crítica e política da realidade, a educação
problematizadora, o conceito de interseccionalidade que deriva da problematização
do conceito de gênero e o ideário de lugar de fala norteiam a trajetória dessa tese. Na
perspectiva metodológica, dentre as metodologias qualitativas, o grupo focal foi a
metodologia escolhida, já que tem como pressuposto a interação e a possibilidade de
propiciar um espaço para que as narrativas se evidenciem e interajam.
Neste capítulo vamos apresentar os referencias teóricos e metodológicos que
nos ajudaram na escolha do tema, na construção da tese e na análise dos dados.

1.1 Referenciais teóricos

1.1.1 Educação: aportes freireanos

Na linguagem freireana, o inacabamento do ser humano é a base para a educação.


É nesse espaço de ser mais que as relações estabelecidas com o mundo vão
propiciando a transformação. Romão (apud STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2010,
p.133) afirma que “para Freire não existe educação, mas educações, ou seja, formas
diferentes de os seres humanos partirem do que são para o que querem ser”.
No exercício de ser mais, a educação pode assumir a função emancipatória, à
medida que colabora com o processo de tomada de consciência.
A emancipação é uma preocupação básica na reflexão freireana. Ela aparece
em Freire “como uma grande conquista política a ser efetivada pela práxis humana”
34

(STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2010, p.145). Ela é a finalidade da educação


problematizadora. “Para a educação problematizadora, enquanto um quefazer
humanista e libertador, o importante está, em que os homens submetidos à
dominação, lutem por sua emancipação” (FREIRE, 2005a, p.86).
A luta pela emancipação afirma a importância do diálogo e se dá por meio dele,
pois é o diálogo que propicia o desvelamento da realidade. Ao servir à libertação e à
emancipação, a educação problematizadora “se funda na criatividade e estimula a
reflexão e ação verdadeiras dos homens sobre a realidade” (Ibidem, p.83).
Quando Freire pensa sobre educação percebe a importância vital de uma
educação problematizadora, portanto política, que leva em conta a realidade da
pessoa educanda. Isto acontece a partir da experiência do autor com a existência de
uma educação que não caminhava para isso, e que ele conceitua como educação
bancária.
A educação bancária é considerada por Freire o oposto da educação
problematizadora, porque sob uma perspectiva de hierarquização da relação entre
quem ensina e quem aprende, essa educação elimina o diálogo e, com isso, de forma
intencional, “mata a curiosidade, o espírito investigador e a criatividade” (FREIRE,
1981, p.8). A educação problematizadora caminha na direção contrária porque
estimula essa curiosidade e possui em si o compromisso de transformação da
realidade.
O que é a curiosidade em Paulo Freire? No texto Ação cultural para liberdade,
Freire aponta que a curiosidade lhe permite conectar teoria e prática e, mediante esta
interação, mudar no que é necessário. A curiosidade está, neste movimento,
entrelaçada com o ato de amar e de tentar saber (FREIRE, 2005b, p.140).
A curiosidade é ontológica no ser humano, é o que o movimenta em direção a
ser mais e, também, o que lhe põe a par da sua inconclusão. É entre a inconclusão e
o desejo de ser mais que a educação problematizadora – como ato político e, portanto,
intencional – encontra a possibilidade de transformar a curiosidade ingênua em
epistemológica, para que o processo de emancipação humana aconteça.
A curiosidade epistemológica é aquela que constrói conhecimento e não
apenas absorve-o. É mediante a construção do conhecimento que a criticidade
comprometida com a mudança social se estabelece.
35

Se a mudança faz parte necessária da experiência cultural, fora da qual não


somos, o que se impõe a nós é tentar entendê-la na ou nas suas razões de
ser. Para aceita-la ou negá-la devemos compreendê-la, sabendo que, se não
somos puro objeto seu, ela não é tampouco o resultado de decisões
voluntaristas de pessoas ou de grupos. Isto significa, sem dúvida que, em
face das mudanças de compreensão, de comportamento, de gosto, de
negação de valores ontem respeitados, nem podemos simplesmente nos
acomodar, nem também nos insurgir de maneira puramente emocional. “É
neste sentido que uma educação crítica, radical, não pode jamais prescindir
da percepção lúcida da mudança que inclusive revela a presença
interveniente do ser humano no mundo.” (FREIRE, 2000, p.31-32)

Este excerto do livro Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros


escritos (2000), aponta a coerência da curiosidade epistemológica de Freire10. Mais
uma vez, como em outras obras, Freire destaca a importância de se dispor a estar em
constante processo de transformação. É uma pessoa de 76 anos que afirma: “em face
das mudanças, [...] nem podemos simplesmente nos acomodar, nem também nos
insurgir de maneira puramente emocional” (Ibidem, p.32). Paulo Freire segue
mudando, se transformando e nos transformando também.
Ao escrever Pedagogia do Oprimido (2005), Paulo Freire relata ter recebido
muitas críticas das mulheres; o livro, lançado primeiro nos EUA, rendeu ao autor um
sem número de cartas de mulheres lhe questionando a linguagem machista. Ao
escrever Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido
(1992), conta como foi a sua experiência em relação às cartas:
Me lembro como se fosse agora que estivesse lendo as duas ou três primeiras
cartas que recebi, de como, condicionado pela ideologia autoritária, machista,
reagi. [...]. Em certo momento de minhas tentativas, puramente ideológicas,
de justificar a mim mesmo, a linguagem machista que usava, percebi a
mentira ou a ocultação da verdade que havia na afirmação: “Quando falo
homem, a mulher está incluída" [...]. Neste sentido é que explicitei no começo
destes comentários o meu débito àquelas mulheres, cujas cartas infelizmente
perdi também, por me terem feito ver o quanto a linguagem tem de ideologia.
Escrevi então, a todas, uma a uma, acusando suas cartas e agradecendo a
excelente ajuda que me haviam dado. Daquela data até hoje me refiro sempre
a mulher e homem ou seres humanos. Prefiro, às vezes, enfeiar a frase
explicitando, contudo, minha recusa à linguagem machista. Agora, ao
escrever esta Pedagogia da Esperança, em que repenso a alma e o corpo da
Pedagogia do Oprimido, solicitarei das casas editoras que superem a sua
linguagem machista. E não se diga que este é um problema menor porque
na verdade, é um problema maior. Não se diga que, sendo o fundamental a
mudança do mundo malvado, sua recriação, no sentido de fazê-la menos
perverso, a discussão em torno da superação da fala machista é de menor
importância, sobretudo porque mulher não é classe social A discriminação da
mulher, expressada e feita pelo discurso machista e encarnada em práticas
concretas é uma forma colonial de tratá-la, incompatível, portanto, com
qualquer posição progressista, de mulher ou de homem, pouco importa.
(FREIRE, 1992, p.35).

10
Paulo Freire faleceu durante a produção desse livro. Foi sua esposa, Ana Maria Araújo Freire, que
providenciou a publicação e inclusive deu título à obra.
36

Ainda que Freire tenha recebido as cartas logo após o lançamento da primeira
edição de Pedagogia do Oprimido em 1970, seu processo de mudança foi lento, suas
obras seguintes não estavam desvinculadas dessa linguagem sexista. A
desconstrução das relações opressoras é um processo educativo lento e, por isso,
necessita ser constante. O movimento feminista seguiu incomodado com a linguagem
androcêntrica de Freire.
A feminista bell hooks 11que se identificou muito com o pensamento freireano,
também se posicionou quanto a isso. Ao ser perguntada se não via contradição em
ser feminista e valorizar a obra de Freire, respondeu:

É o pensamento feminista que me dá forças para fazer a crítica construtiva a


obra de Freire (da qual eu precisava para que, como jovem leitora de seus
trabalhos, não absorvesse passivamente a visão de mundo apresentada),
mas existem muitos outros pontos de vista a partir dos quais abordo sua obra
e que me permitem perceber o valor dela, permitem que essa obra toque o
próprio âmago do meu ser. (HOOKS, 2013, p.70-71)

A reflexão de bell hooks aponta que o pensamento feminista e sua perspectiva


de questionamento das relações de poder e hierarquia entre as pessoas, pode nos
acompanhar na nossa reflexão, mas não deve impedir de nos relacionarmos com
outros saberes.
A teoria e a crítica feminista podem ser subsídios na construção de uma
educação problematizadora sob a perspectiva freireana que, à medida que se
fortalece no engajamento para transformação social, deve valer-se de outras
contribuições epistêmicas, como por exemplo os estudos antirracistas e a
deconolonialidade12, conceitos que não serão tratados de forma amiúde neste

11
Bell Hooks é o pseudônimo de Glória Jean Watkins, feminista negra, professora, que ao assinar
com assume o nome da sua avó é prefere que seja escrito em minúsculo. (Djamila RIBEIRO, 2017).
12
A decolonialidade é assim definida por Catherine Walsh: la decolonialidad propone una postura
ofensiva de intevención, transgresión y construcción. Uma ofensiva que posibilita, viabiliza y visibiliza,
por un lado, las concepciones, prácticas y modos de ser, estar, pensar y vivir de carácter decolonial
acutalmente normal existentes, haciendo que ellos abran processo, de ensenañza, desaprendizajen y
reflexión, no como nuevos modelos para ser reproduzidos sino como bases para la deliberación, el
cuestionamento y el enfrentamiento con nosotros mismos y con las concepciones, práticas y modos
modernos, capitalistas, occidentales, y crescidamente alienantes – entre otros – del vivir cotidiano.
Concebida de esta manera, la decolonialidad no es un nuevo paradigma (o “para – dogma”), tampoco,
una nueva invencón teórico-ideológica sino uma manera de nombrar um proyecto centenario con su
reciente re-in-surgir. Por el otro lado y al mismo tiempo esta ofensiva no se queda en presenciar
concepciones y prácticas de carácter decolonial existentes. Busca también la creación de nuevas
estructuras, condiciones, realaciones y experiencias, incluyendo la de nuevos lugares de pensamiento
(Catherine WALSH, 2009, 234).
37

trabalho, mas que perpassam o horizonte teórico e vivencial da pesquisadora. Faz-se


mister destacar que a opção em trazer Paulo Freire como referencial teórico para essa
tese tem também relação com a sua trajetória no universo eclesiástico, suas ricas
reflexões sobre o papel da igreja no compromisso com uma educação libertadora, e
sua influência no pensamento teológico latino-americano.
Qualquer exercício de análise da conjuntura da América Latina identifica a
presença de opressão e luta, escravização e libertação, colonização e
descolonização. Como afirma Eduardo Galeano no livro “Veias abertas da América
Latina”: “o desenvolvimento é uma viagem com mais náufragos do que navegantes.”
(GALEANO, 1978, p.187)
Este é o cenário no qual Freire desenvolve suas reflexões e obra. A influência
do professor recifense no pensamento latino-americano não se deu apenas na
educação, ela também foi muito forte no campo da teologia, especialmente para a
teologia da libertação.
As ideias freireanas de ser como sujeito inacabado, sujeito histórico que se
constrói a partir de uma relação dialógica consigo mesmo e com as outras pessoas, e
o fato de que o ser oprimido, não é só oprimido, mas à medida que adquire consciência
crítica, se torna sujeito desta história, tiveram grande pertinência para teologia da
libertação que:

ao fazer a opção pelos pobres contra a sua pobreza, assume a visão de Paulo
Freire. O processo de libertação implica fundamentalmente numa pedagogia.
A libertação se dá no processo de extrojeção do opressor que carregamos
dentro e na constituição da pessoa livre e libertada, capaz de relações
geradoras de participação e solidariedade. A teologia da libertação é um
discurso sintético, porque junto com o discurso religioso incorpora em sua
constituição também o analítico e pedagógico. Por isso, Paulo Freire desde o
início foi e é considerado um dos pais fundadores da teologia da Libertação.
(BOFF apud. GADOTTI, 1996, p. 497).

O binômio teologia-educação foi por muito tempo imbricado e interdependente,


uma vez que à igreja era confiada a função de educar. A laicização do Estado traz a
secularização da educação, entretanto, ainda hoje, à igreja se reserva uma função
educativa.
Em seu texto “O papel educativo das Igrejas na América Latina” (1982), Paulo
Freire oferece importantes contribuições para o pensamento teológico latino-
americano. Ele destaca a inviabilidade de pensar teologia e educação, de forma
separada, dicotômica. O papel das igrejas em relação à educação deve ser pensado
38

de forma histórica, uma vez que igreja é na história e a educação acontece nesta
história.

As igrejas de fato, não existem, como entidades abstratas. Elas são


constituídas por mulheres e homens ‘situados’, condicionados por uma
realidade concreta, econômica, política, social, cultural. São instituições
inseridas na história, onde a educação também se dá. Da mesma forma, o
quefazer educativo das igrejas não pode ser compreendido fora do
condicionamento da realidade concreta em que se acham (FREIRE, 1982,
p.106).

Isto significa que nem a igreja, nem a educação podem assumir condição de
neutralidade diante da sociedade. A bem da verdade, a neutralidade não existe, todo
posicionamento é político (FREIRE, 1996). As classes dominadas e dominantes estão
sempre em posições antagônicas, por isso, estar ao lado de uma, é estar contra outra.
O que significa então optar pelas classes dominadas?
Uma posição a favor das pessoas pobres e oprimidas implica crer e agir para
transformação das estruturas sociais e não desenvolver apenas ações paliativas, que
mascaram a necessidade de mudança estrutural. Quando a igreja, ao contrário dessa
postura, assume práticas que Freire (1996, p. 85) chama de “ação anestesiadora”, só
está preservando o ‘status quo’:

São estas, em última análise, modalidades de ação, cujo pressuposto


consiste na ilusão – ou em fazer crer nela – de que é possível transformar o
coração dos homens e das mulheres, deixando, contudo, virgens, intocadas,
as estruturas sociais em que o ‘coração’ não pode ter saúde. (FREIRE, 1996,
p.96)

A igreja, a partir dessa afirmação, é desafiada a pensar e agir além das


prédicas, das obras humanitárias e assistencialistas. É incomodada a enxergar que a
racionalidade que rejeita a realidade, é ineficaz para quem pretende agir em favor das
pessoas empobrecidas, mas torna-se efetiva caso deseje manter-se próxima e a
serviço da classe dominante.
Para se manter junto e a serviço de quem domina, a igreja precisa continuar
com os sermões que acusam e culpabilizam; com o assistencialismo esvaziado de
escuta; e com a doutrinação que aniquila qualquer possibilidade de reflexão.
Espertos e inocentes, segundo Freire, são categorias de pessoas envolvidas
nessa dinâmica. Os espertos, segundo ele, já assumiram sua opção: a classe
dominante. Os inocentes são as pessoas que acreditam em ações paliativas no
processo de transformação.
39

As pessoas inocentes podem, a partir de sua prática histórica, perceber e


perceber-se na realidade e, com isso, “tanto podem assumir a ideologia de
dominação, transformando, assim, sua ‘inocência’ em ‘esperteza’, quanto podem
renunciar a suas ilusões idealistas” (Ibidem, p.86).
O que significa optar pelas classes dominadas? Renunciar os mitos
(superioridade; pureza de alma; da tarefa de salvar os pobres; a inferioridade do povo;
e a ignorância absoluta).
Significa assumir uma nova concepção de transformação da consciência
ingênua para a consciência crítica (a mudança se dá pela prática, pela ação na
realidade e não no discurso apenas); a vivência de uma existência esperançosa (a
partir de ações e reações que nos levam a sair da apatia, a arriscarmos, a escolher,
tendo como motivação a esperança da renovação); e a valorização harmônica do “eu”
e do “nós” (subjetividade e coletividade se alimentam entre si, assumindo uma postura
de convivência não paralela, mas interdependente).
À medida que se tem o pressuposto da coerente relação entre igreja e
Evangelho, fica claro que a resposta é apenas uma: a igreja deve assumir uma postura
profética. O que isso significa?
No texto “Las iglesias, la educación y el proceso de liberación humana en la
historia”13, FREIRE (1984) apresenta algumas características de uma igreja profética:
- Está em constante processo de reflexão da sua prática: “para ser, tiene que
estar siendo”14 (Ibidem, p.41);
- Assume um pensar crítico: “no se concibe neutral ni esconde su opción”15
(p.41);
- Não dicotomiza mundanidade de transcendência, nem salvação de libertação:
“sabe que no hay un yo te doy conocimiento, un yo te libero, un yo te salvo, sino por
el contrario, un nosotros somos; un nosotros no liberamos; un nosotros nos
salvamos”16 (Ibidem, p.42);
- Sua realidade profética se expressa na realidade concreta, dramática e
desafiadora;

13 Tradução livre: “As igrejas, a educação e o processo de libertação humana na história”.


14 “Para ser, tem que estar sendo”.
15 “Não se concebe neutra nem esconde a sua opção” (tradução livre, feita pela autora).
16 “Sabe que não há eu te dou conhecimento, eu te liberto, eu te salvo, pelo contrário, o que há é nós
somos, nós nos libertamos, nós nos salvamos” (tradução livre, feita pela autora).
40

- Sabe que a realidade é um processo e não um fato dado, “se mueve


contradcitoriamente”17 (Ibidem, p.43);
- Entende que os conflitos são expressões históricas das contradições a serem
enfrentadas. “De ahí que toda tentativa de solución de los conflictos que no tenga en
vista la superación de las contradicción que los genera, de un lado sólo los encubre,
de otro sirve a las clases dominantes”18 (Ibidem, p.43).
A filosofia pedagógica de uma igreja profética é analisar de forma crítica as
estruturas sociais, onde os conflitos acontecem. Para isso requer conhecimento
científico do mundo concreto. Assim, a postura profética de uma igreja está imbricada
numa postura pedagógica libertadora que colabore para que seus membros saiam da
curiosidade ingênua para a epistemológica, que se evidencia no compromisso de
transformação da realidade.

Naturalmente, numa linha profética a educação se instauraria como método


de ação transformadora. Como práxis política a serviço da permanente
libertação dos seres humanos, que não se dá, repitamos, nas suas
consciências apenas, mas na radical modificação das estruturas em cujo
processo se transformam as consciências. (FREIRE, 1982, p.127)

Ser igreja profética que desenvolve educação profética, libertadora e


esperançada. Essa é a contribuição mais proeminente do pensamento freireano à
construção teológica na América Latina.
Profética, libertadora e esperançada, características de uma educação que
colabora no processo de emancipação do ser humano. No texto Educação e
esperança no livro Pedagogia da Indignação, Freire (2000, p.114) afirma que “a matriz
da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano: o inacabamento do seu
ser de que se tornou consciente”, pois justifica que tal consciência fornece ao ser
humano uma busca esperançosa, essa busca é um processo que ele conceitua como
educação.
A consciência de ser no mundo, fruto do processo de educação,
independentemente de ser libertadora ou bancária, dá ao ser humano uma presença
no mundo, isto é uma maneira de ser e interagir no mundo, com o mundo e com as
pessoas. No entanto, a educação libertadora propicia um agir comprometido com a

17 “se move contraditoriamente” (tradução livre, feita pela autora).


18 “Daí que toda tentativa de solução dos conflitos que não tenha em vista a superação das
contradições que o geram, de um lado só os encobre, de outro serve às classes dominantes” (tradução
livre, feita pela autora).
41

transformação da realidade e, no processo de transformação da realidade, a presença


no mundo não pode estar desvinculada da valorização da individualidade.
Valorizar a individualidade perpassa por enxergá-la a partir do corpo e seus
marcadores de diferença, isto é, sexo, raça, orientação sexual, religião, estado civil,
idade, massa corpórea, etc. Tais marcadores interferem diretamente na maneira como
o ser humano se expressa e se afirma como presença no mundo (SILVA, 2009). Com
isso, sem dúvida, a intersecção desses fatores coloca as pessoas em posições
diferentes na estrutura social, o que interfere diretamente na forma de ser presença
no mundo.
Os corpos das mulheres, ao longo dos séculos, carregam uma série de
prejuízos sociais e históricos. Por serem mulheres os sujeitos deste trabalho, faz-se
necessário buscar nos conceitos de gênero e interseccionalidade, bem como nas
considerações sobre o lugar de fala das mulheres, suporte para pensar sobre as
narrativas das mulheres que participaram dessa pesquisa, já que todas elas, assim
como a pesquisadora, estão imbricadas nesses múltiplos pertencimentos. Como
explicita a pastora Vasti (INFORMAÇÃO VERBAL)19 , participante do grupo focal:
(Nossa, eu nasci discriminada, né? ((risos)) “Quando eu nasci veio um anjo
chapado querubim” ((cantando)) ((risos)) e disse que eu ‘tava’ destinada. Mulher
negra, né? Apesar que eu fui me dar conta da... porque eu cresci na igreja metodista
e eu fui me dar conta de que eu era negra quando eu era adolescente, né? Assim, me
dar conta da questão racial, assim, do próprio... porque até então eu vivia domingo na
igreja, Escola Dominical. Lógico, meu pai não era metodista, então a gente tinha uma
vida à parte, né? Então a gente... era um tempo década de 70, 80 que tinha uma... a
gente tinha uma certa estabilidade financeira, então eu ia em alguns lugares, eu
reparava que era só eu, né? Só nós enquanto família. Então a gente ia na festa dos
amigos do meu pai e só tínhamos nós, aí às vezes alguém perguntava “ah, você é
filha da empregada?” Eu falava “não, eu não sou filha da empregada a minha mãe
está ali na festa”. Então eu tinha que sempre ‘tá’ justificando a minha presença nos
lugares aonde os brancos eram maioria).
O estranhamento vivenciado pela pastora Vasti é parte da experiência de vida
de muitas mulheres que, como ela, sofrem ao ocupar espaços historicamente negados

19Às participantes do grupo focal e da entrevista foram dados nomes de mulheres da Bíblia para
preservar suas identidades. Sobre isso, discorre-se nas páginas 57 e 58.
42

às mulheres e, em especial, às mulheres negras. Os conceitos de gênero,


interseccionalidade e lugar de fala, tratados a seguir, colaboram na compreensão dos
preconceitos e na luta contra as discriminações.

1.1.2 Gênero, interseccionalidade e lugar de fala

Os estudos feministas, hoje mais comumente denominados estudos de gênero,


têm, em sua gênese, a militância social feminista que, em tempos de perseguição
política, década de 1970, se refugiou na academia. Assim, o discurso da militância
passou a ser alvo de reflexão e construções teóricas. No entanto, sua gênese militante
fez com que o mundo acadêmico olhasse com reservas para os estudos feministas,
tendo em vista a perspectiva política e prática do mesmo. No entanto, para Louro, “o
caráter político de tais estudos constitui-se uma das suas marcas mais significativas”
(Guacira Lopes LOURO, 1998, p.19). Corrêa também destaca que é impossível se
pensar em estudos feministas sem a dimensão política como parte de sua história
(Marisa CORRÊA, 2001, p.25).
Estes estudos surgem como fruto de uma luta política por dar visibilidade às
mulheres, que por causa da segregação histórica eram invisíveis à filosofia e à ciência.
Para fazer valer esse movimento de visibilidade, os estudos iniciais se constituíram,
num primeiro momento, em descrições das condições de vida e de trabalho das
mulheres nos mais diferentes espaços (Guacira Lopes LOURO, 1998, p.17-18).
No início desse movimento acadêmico a palavra gênero, cujo conceito
extrapola a designação das palavras e firma-se como categoria de análise da história
e das relações sociais, não era utilizada. O que se utilizava era categoria mulher
mostrando que o homem universal não incluía as questões que eram específicas da
mulher (Joana M. PEDRO, 2003, p.80). Este processo de afirmação da identidade
tinha nas narrativas das mulheres o seu veículo de sustentação e fortalecimento.
A categoria mulher foi questionada por ser limitada, porque as reflexões
levavam mais em conta as demandas das mulheres brancas, desconsiderando
demandas específicas das mulheres negras, indígenas, mestiças, etc. A
homogeneização não providencia a igualdade, ela acaba por visibilizar o sujeito
dominante. Embora todas sejam mulheres, há outros marcadores de diferença que ao
serem hierarquizados em uma sociedade masculinizada e branca, colocam as
mulheres em posições diferentes.
43

A hierarquização das diferenças não atinge apenas as mulheres, os homens


também sofrem essa hierarquização. E nessa construção social, mulheres e homens
negros estão em desvantagem, sendo as mulheres negras, por não serem nem
brancas nem homens, as menos privilegiadas. Por isso, há necessidade de romper
com a universalização das categorias, pois ela acaba servindo para a exclusão de
quem não é parte da norma. Todas as realidades precisam ser nomeadas para serem
visibilizadas é o que afirma Djamila Ribeiro: “se não se nomeia uma realidade sequer
serão pensadas melhorias para uma realidade que segue invisível” (Djamila RIBEIRO,
2017, p.41).
Não se falava mais de mulher, mas de mulheres; no entanto, essa categoria,
ainda que na militância respondesse a boa parte das necessidades dos movimentos
de luta, era uma categoria que reafirmava o binarismo e privilegiava o sexo em
detrimento do gênero, palavra que passaria a ser utilizada de forma bem abrangente
no discurso acadêmico feminista20.
A historiografia que havia se apropriado da categoria mulheres, passa a utilizar
a categoria gênero. O texto de Joan SCOTT (1995) “Gênero: uma categoria útil para
análise histórica”, publicado em 1990 no Brasil torna-se um importante aporte teórico.
Neste texto a autora apresenta o itinerário semântico da palavra gênero e a sua
configuração dentro do movimento feminista:

As que estavam mais preocupadas com o fato de que a produção dos estudos
femininos centrava-se sobre as mulheres de forma muito estreita e isolada,
utilizaram o termo “gênero” para introduzir uma noção relacional no nosso
vocabulário analítico. Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram
definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um

20
O livro de Eleni Varikas “Pensar o sexo e o gênero” traz a problematização do conceito gênero como
substituição ao conceito de diferença sexual e sua aceitabilidade no cenário acadêmico, destacando a
rejeição do cenário acadêmico francês a essa mudança; além disso, aponta a mudança como uma
forma de apropriação e legitimidade acadêmica de uma discussão nascida nos movimentos sociais, o
que não é bem visto na academia, especialmente a eurocêntrica. Segundo Varikas: “as objeções
relativas ao gênero concerniam menos à sua validade teórica, que até recentemente quase não era
discutida, do que ao seu caráter ‘intransferível’ na pesquisa francesa. O próprio termo parecia abstrato
e obscuro, percebido como uma noção especificamente anglo-saxã que, diziam, mais semeava a
discórdia do que oferecia um enquadramento analítico para as relações de sexo [...]. Desse ângulo
semear a discórdia não é uma desvantagem, mas, pelo contrário, a maior virtude desse campo
conceitual: ele permite desestabilizar os automatismos em ações e nas maneiras como se percebe, se
interpreta e, portanto, se reconstrói o mundo segundo distinções conformes às diferenças dos sexos.
[...] O Gênero adquiriu muito rapidamente um direito de cidadania no vocabulário científico americano
e britânico: de um lado sua ressonância mais neutra em inglês choca menos diretamente as certezas
da “diferenças dos sexos”; percebendo, por outro lado, mais ao lexo científico do que à linguagem
corrente, o termo atribuiu certa respeitabilidade científica a uma reflexão que, conduzida com a
denominação women studies ou feminist studies, desperta a suspeita de parcialidade e de militantismo”
(Eleni VARIKAS, Pensar o sexo e gênero. Campinas/SP: Editora Unicamp, 2016, p.20-21, 56).
44

poderia existir através de estudo inteiramente separado (Joan SCOTT, 1995,


p.3).

Em seguida descreve as posições teóricas da época para o conceito de gênero


e defende a necessidade de ir um pouco mais além de um caráter descritivo. Além de
perguntar o que é gênero, é preciso saber como ele opera e interfere nas relações de
poder. Após a análise crítica das posições teóricas existentes na época, ela apresenta
sua proposição conceitual que se divide em duas partes e diversas subpartes que
precisam se relacionar na análise:

Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser distinguidas na análise. O núcleo
essencial da definição repousa sobre a relação fundamental entre duas
proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é um
primeiro modo de dar significado às relações de poder”. (SCOTT, 1995, p.4)

As reflexões teóricas não param em Joan Scott, a opção de citá-la se firma por
ser dela um texto clássico e convidativo para repensar a história, especialmente em
relação às mulheres, suas narrativas e seus papéis sociais.
Ao longo do tempo os estudos feministas se complexificaram e diversificaram.
A categoria gênero se mostrou instável e dinâmica, mas Sandra Duarte de SOUZA
(2015, p.20) adverte que isso não quer dizer que não se tenha ancoragem teórica,
apenas indica a multi/interdisciplinaridade que caracteriza o pensamento feminista
contemporâneo, que demanda uma forma mais plural de abordagem, a partir de
variadas ancoragens teóricas.
Há uma profícua produção acadêmica sobre gênero e ela não se restringe aos
campos da teologia e da educação. Neste movimento, a produção se diversificou e, à
medida que ampliou sua reflexão, surgiu o entendimento de que a categoria gênero
para análise da realidade, precisava se articular com outros marcadores da diferença
para que os sujeitos pudessem ser pensados de forma mais completa e, ao mesmo
tempo, diversa. É neste contexto que surge o conceito de interseccionalidade.
Este conceito surge a partir das reflexões e demandas das mulheres negras a
respeito do movimento feminista vigente nos EUA que, ao subsumir as questões
raciais em meio às discussões feministas, invisibilizavam as demandas das feministas
não brancas, mantendo-as em condições subalternas.
O tema da interseccionalidade está presente na produção acadêmica de
Kimberly Crenshaw, que define interseccionalidade como uma forma de pensar sobre
45

as discriminações e opressões levando-se em conta a interação de dois ou mais eixos


de subordinação. Segundo a autora, a interseccionalidade:

Trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a


opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades
básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias,
classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como
ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais
eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento
(Kimberlé CRENSHAW, 2002, p.177).

Ao pensar sobre as opressões que as mulheres sofrem, ela conclui que a


categoria de gênero se torna limitada. Daí a necessidade de promover uma
intersecção com raça e classe. A pesquisadora afirma que a interseccionalidade
busca:

Capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois


ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual
o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas
discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições
relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras (CRENSHAW, 2002,
p.177)

A consolidação deste conceito no cenário dos estudos de gênero não foi isento
de luta, como bem nos lembra Adriana Piscitelli (2008) no artigo “Interseccionalidades,
categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras”, quando destaca a
tensão na trajetória dos estudos feministas. A autora relembra que na história deste
conceito algumas reflexões teóricas afirmavam que ao articular gênero com outros
marcadores de diferença, se enfraqueceria a identidade das mulheres, por isso gênero
devia se manter como o maior e mais relevante pressuposto político da luta feminista.
O renomado texto de Joan SCOTT, já citado aqui, apontava uma corrente de
historiadoras(es) que se preocupava em articular gênero, raça e classe, destacando
este grupo com uma visão política mais global e uma preocupação em evidenciar a
história de grupos oprimidos porque “levavam cientificamente em consideração o fato
de que as desigualdades de poder estão organizadas segundo, no mínimo, estes três
eixos” (SCOTT, 1995, p.4). Este grupo de pesquisadoras(es) já dialogava com o que
viria se transformar no conceito chamado interseccionalidade.
A crítica de Scott é de que a postura das pesquisadoras(es) que levavam em
conta tais categorias, sugeria uma paridade entre raça, classe e gênero que, segundo
ela, não há. De fato, não existe.
46

A interseccionalidade não se limita a reconhecer a existência dos marcadores


de diferença (classe, raça, gênero, idade etc.), não afirma a paridade entre as
categorias, mas também recusa a divisibilidade e hierarquização das mesmas. Ela
afirma que estes marcadores não agem em separado porque estão em constante
interação para a produção das desigualdades e opressões (Silma BIRGE, 2009).
Se gênero como categoria surge como expressão da segunda onda do
feminismo, a interseccionalidade, junto ao feminismo pós-colonial/ descolonial, tem
sido considerada um dos paradigmas dos estudos feministas contemporâneos
(POCAHY, 2011). Este conceito surge nos EUA como fruto de contestações de
feministas chicanas21, latino-americanas, afro-americanas em relação a um feminismo
universalista que privilegiava as mulheres brancas, contestação muito ancorada na
militância e na teoria feminista das mulheres negras.
Atualmente, o feminismo pós-colonial pode ser considerado mais uma
expressão de reflexão no campo dos estudos de gênero. Ele é o deslocamento do
feminismo interseccional para o exercício de descolonizar o gênero que, como afirma
Maria Lugones, não viaja para fora da modernidade colonial; portanto, o que significa
este difícil exercício de descolonizar gênero?
Descolonizar o gênero é necessariamente uma práxis. É decretar uma crítica
da opressão de gênero racializada, colonial e capitalista heterossexualizada
visando uma transformação vivida do social. Como tal, a descolonização do
gênero localiza quem teoriza em meio a pessoas, em uma compreensão
histórica, subjetiva/intersubjetiva da relação oprimir  → resistir na
intersecção de sistemas complexos de opressão. Em grande medida, tem
que estar de acordo com as subjetividades e intersubjetividades que
parcialmente constroem e são construídas “pela situação”. Deve incluir
“aprender” sobre povos. Além disso, o feminismo não fornece apenas uma
narrativa da opressão de mulheres. Vai além da opressão ao fornecer
materiais que permitem às mulheres compreender sua situação sem
sucumbir a ela (Maria LUGONES, 2014, p.939).

O feminismo descolonial promove a crítica ao “sexismo, racismo e ao


etnocentrismo epistêmico da modernidade colonial e tem se somado aos reclamos da
interseccionalidade nos Estudos Feministas” (Sandra Duarte de SOUZA, 2015, p.21).

21
O feminismo chicano se constrói como uma corrente teórica oriunda das reflexões sobre a luta e
trajetória de mulheres mexico-estadunidenses. Glória Andaluza é uma referência para esse tema.
Assim ela afirma a luta das mulheres mestizas: “É imperativo que as mestizas apoiem umas às outras
no processo de mudança dos elementos sexistas na cultura índio-mexicana. Enquanto as mulheres
forem diminuídas, o/a índio/a e o/a negro/a em todos/as nós são diminuídos/as. A luta da mestiza é,
acima de tudo, uma luta feminista. Enquanto los hombres pensarem que têm que chingar mujeres e
uns aos outros para serem homens, enquanto forem ensinados que são superiores e, portanto,
culturalmente favorecidos em relação a la mujer, enquanto ser uma vieja for motivo de escárnio, não
poderá haver uma cura real de nossas psiques.” (Glória ANDALUZA, 2005, p.711)
47

Ainda que essa proposição seja instigadora, optamos pela interseccionalidade como
referencial teórico deste trabalho.
Se a interseccionalidade como conceito nasce das reflexões acadêmicas, a
interseccionalidade como prática, é fruto da luta de mulheres negras feministas,
evidenciando as opressões e discriminações por elas sofridas cotidianamente e,
também, os movimentos de resistência e combate a tudo isso.
O artigo “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e
política emancipatória” de Patricia H. Collins (2017) situa a história do conceito de
interseccionalidade desde antes de ser apropriado pela academia.
Se a autoria deste conceito é atribuída comumente à Kimberlé Crenshaw em
seu artigo de 1991: “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and
Violence against Women of Color”, publicado na Stanford Law Review (Crenshaw,
1991), Collins (2017) problematiza essa atribuição ao afirmar que a origem militante
deste conceito não está na década de 1990, mas no movimento feminista negro das
décadas de 1960, 1970, 1980, anteriormente chamados como estudos de
raça/gênero/classe. Se Crenshaw é a acadêmica legitimada pela academia como
referência para esse conceito, Collins evoca Audre Lorde, bell hooks, Angela Davis, e
as militantes do coletivo negro feminista afroamericano Combahee River22 como
protagonistas do uso das intersecções dos marcadores de diferença, especialmente
raça, gênero e classe. No entanto, adverte Collins:

Dada a diminuição histórica de mulheres de ascendência africana, é tentador


conferir às afro-americanas a descoberta de uma interseccionalidade ainda
não nomeada. No entanto, é evidente que nos Estados Unidos as mulheres
afro-americanas faziam parte de um movimento mais amplo de mulheres, em
que mexicanas e outras latinas, mulheres indígenas e asiáticas estavam na
vanguarda de reivindicar a inter-relação de raça, classe, gênero e

22
“As fundadoras do coletivo Combahee River (CRC) se encontraram pela primeira vez na conferência
regional da Organização Feminina Negra Nacional (NBFO) em 1973. Um ano depois, as mulheres
começaram a se reunir regularmente em Boston, Massachusetts. Em uma dessas reuniões, elas
escolheram seu nome baseado na invasão do Rio Combahee de 1863, liderada por Harriet Tubman.
Elas escolheram o nome não só porque centenas de escravos conseguiram escapar, mas porque essa
foi a primeira estratégia militar criada por uma mulher. No verão de 1974, o coletivo se separou do
NBFO para se tornar um grupo feminista negro separado. Os fundadores do CRC sentiram que o NBFO
não transmitiu a importância do lesbianismo negro e sentiu que eles não eram radicais o suficiente para
fazer com que o impacto que sentiam fosse necessário para a mudança. As crenças do Coletivo eram
sobre igualdade, separatismo não lésbico, paz e união junto com o reconhecimento da
interseccionalidade de homens e mulheres de cor. Essas crenças mostravam como o feminismo negro
era poderoso, mas nunca era sobre estar no topo da hierarquia pelo poder e controle de outro grupo
de pessoas. A interseccionalidade é importante porque é a raiz central do motivo pelo qual o Coletivo
estava lutando por seus direitos devido a múltiplos tipos de opressão” In:
https://combaheerivercollective.weebly.com/history.html acesso em 02/06/2018. Tradução livre.
48

sexualidade em sua experiência cotidiana. O coletivo Combahee River não


estava sozinho ao propor essas ideias. Nos Estados Unidos, por exemplo,
latinas estavam engajadas em lutas intelectuais e políticas similares, ao
criarem espaço para seu empoderamento dentro dos limites dos movimentos
sociais que, como na política afro-americana, eram moldados por um
nacionalismo patriarcal. O feminismo latino veio na mesma década de 1980,
com o trabalho de Gloria Anzaldua, especialmente seu clássico
Borderlands/La Frontera, que marcou uma importante contribuição na
construção dos estudos de raça, gênero e sexualidade (Anzaldua, 1987).
(Patrícia H. COLLINS, 2017, p.8-9)

O conceito de interseccionalidade entrou e se solidificou na academia de


diversas partes do mundo e em várias áreas do saber. Ao reconhecer e evidenciar
este movimento, Collins afirma que isso aconteceu dentro de uma luta de poder na
qual, a perspectiva de transformação social inerente ao conceito de
interseccionalidade à época da sua evidência no cenário político e social, subsumiu
diante de uma perspectiva descritiva, portanto, nem tão incômoda ao projeto de
mudança social presente na militância feminista negra.

Ironicamente, assim como a estruturação dos movimentos sociais nos anos


de 1960 e 1970, retornaram ao passado, a incorporação da
interseccionalidade à academia nos anos 1990 e no início dos anos 2000 se
tornaram um novo normal que cada vez mais separou o conhecimento
emancipatório da política emancipatória. Interseccionalidade como projeto de
conhecimento deslocou dos projetos de conhecimento bottom-up refletidos
na habilidade de Crenshaw a partir de políticas de base, a projetos de
conhecimento top-down cujos contornos estruturais foram cada vez mais
moldados pelas práticas normativas da academia e cujos contornos
simbólicos refletiam os objetivos, o conteúdo temático e as abordagens
epistemológicas dos campos de estudo existentes (Patrícia H. COLLINS,
2017, p.12).

A interseccionalidade como um projeto de conhecimento top-down, isto é, de


cima para baixo, ou seja, estabelecendo-se em conformidade com o saber
hegemônico e, ao invés de questioná-lo, abrindo concessões a ele, esvazia o conceito
de interseccionalidade. Os estudos que a utilizam apenas na perspectiva descritiva,
valorizando mais a verdade que a justiça, depreciam o valor conceitual e
transformador da interseccionalidade:

Estudos interseccionais que parecem mais dedicados a descrever a verdade


do que criticá-la e reescrevê-la deterioram inadvertidamente o propósito da
interseccionalidade em si. Ironicamente, esse afastamento da justiça social
tem sido tão incremental que muitos assumem que a interseccionalidade está
fundida inerentemente com a justiça social, apesar de evidências
decrescentes para essa convicção. A interseccionalidade pode servir como
uma ferramenta teórica e metodológica para estudar qualquer coisa e não
precisa estar conectada às experiências das pessoas com a injustiça ou a
justiça social. A verdade importa, porém, quando os estudos interseccionais
49

privilegiam a verdade sobre a justiça, entrando no terreno escorregadio do


conluio com hierarquias de poder. (Patrícia H. COLLINS, 2017, p.14)

Se “a promessa inicial do feminismo negro e a ideia de interseccionalidade que


a acompanhou consistia em promover políticas emancipatórias para as pessoas que
aspiravam a construção de uma sociedade mais justa” (Patricia H. COLLINS, 2017,
p.15), o uso deste conceito nos estudos acadêmicos não pode perder o seu
compromisso com a visibilidade dos sujeitos historicamente em situação de opressão.
Para isso, não basta apenas descrever, é preciso estudar e denunciar as opressões
e, sobretudo, garantir o lugar de fala desses sujeitos, que ainda continuam
objetificados na academia, como afirma Grada Kilombo 23:

These questions are importante to ask because the centre, which I refer to
here as the academic centre, is not a neutral location. It is a white space where
black people have been denied the privilegie to speak. Historically, it is a
space where we have been voiceless and where white scholars, have
developed theoretical discourses that formally constructed us a the inferior
‘Other’, placing Africans in absolute suboordination to the White subject. Here
we have a been described, clasified, dehumanized, primitivized, brutalized,
killed. This is not a neutral space. Within these rooms we were made the
objects “of predominantly whiteaesthetic and cultural discourses” (Hall 1992:
252), but we have rarely been the subjects.
This position of objecthood that we commonly occupy, this place of
‘Otherness’ does not, as commonly believed, indicate a lack of resistance or
interest, but not that we have not been speaking, but rather our voices –
thougth a system of racism – have been either systematically disqualified as
invalid knowledge; or else represented by whites who, ironically, become the
‘experts’ on ourselves. Either way, we are caught in a violent colonial order24.
(Grada KILOMBA, 2010, p. 27-28).

23Tradução na íntegra da citação: Essas perguntas são importantes para perguntar, porque o centro,
ao qual me refiro aqui como o centro acadêmico, não é um local neutro. É um espaço branco onde os
negros têm negado o privilégio de falar. Historicamente, é um espaço em que estivemos sem voz e
onde estudiosos brancos desenvolveram discursos teóricos que formalmente nos construíram para o
"Outro" inferior, colocando os africanos em absoluta suboordenação ao sujeito branco. Aqui fomos
descritos, classificados, desumanizados, primitivizados, brutalizados, mortos. Este não é um espaço
neutro. Nessas salas, nos tornamos objetos de "discursos predominantemente whiteaestésicos e
culturais" (Hall 1992: 252), mas raramente somos os sujeitos.Esta posição de objetividade que
comumente ocupamos, esse lugar de "alteridade" não indica, como comumente se acredita, falta de
resistência ou interesse, mas não temos falado, mas nossas vozes - um sistema de racismo - também
têm sido sistematicamente desclassificado como conhecimento inválido; ou então representado por
brancos que, ironicamente, se tornam os "especialistas" em nós mesmos. De qualquer maneira, somos
pegos em uma ordem colonial violenta. (KILOMBA, 2010, p.27-28)

24Essas perguntas são importantes para levantar, porque o centro, ao qual me refiro aqui como o centro
acadêmico, não é um local neutro. É um espaço branco onde xs negrxs foram privados do privilégio de
falar. Historicamente, é um espaço em que estivemos sem voz e onde acadêmicos brancos
desenvolveram discursos teóricos que formalmente nos construíram como um "Outro" inferior,
colocando xs africanxs em subordinação absoluta ao sujeito branco. Aqui nós temos sido descritxs,
classificadxs, desumanizadxs, primitivizadxs, brutalizadxs, mortxs. Este não é um espaço neutro.
Dentro dessas salas, tornamo-nos objetos “de discursos predominantemente brancos, estéticas e
culturais” (Hall 1992: 252), mas raramente somos os sujeitos.
50

Por isso, torna-se tão importante conjugar prática e episteme. No entanto, a


perspectiva eurocentrada do conhecimento, hierarquiza prática e episteme,
priorizando a teorização como fruto do pensamento intelectual e não como expressão
de militância social. A interseccionalidade como teoria emerge pela voz das pessoas,
pelo lugar de fala de pessoas oprimidas em uma sociedade opressora, normatizadora.
Neste sentido não pode se desapropriar de uma prática libertadora. Porque, como
afirma Collins, “propor novas maneiras de pensar desacompanhadas de novas
maneiras de agir oferecem possibilidades incompletas de mudança.” (Patricia H.
COLLINS, 2015, p.15)
E o que é o lugar de fala?
São duas as intencionalidades em trazer este conceito para o corpo teórico
deste trabalho. A primeira porque se trabalha aqui com as vozes das mulheres em um
cenário religioso, cujo valor da voz masculina é superior e divinizado. A segunda, é
por entender que na educação problematizadora o diálogo é condição fundamental no
processo de libertação das pessoas, entretanto propiciar o diálogo não é suficiente, é
preciso conhecer e respeitar o lugar de fala das pessoas.
Djamila Ribeiro no livro “O que é lugar de fala?”, apresenta o tema de forma
pedagógica e instigante. O livro é o primeiro da coleção Feminismos Plurais que tem
a intenção de “trazer para o grande público questões referentes aos mais diversos
feminismo” (Djamila RIBEIRO, 2017, p. 13). Neste primeiro volume Djamila constrói o
seu texto, dando visibilidade às mulheres negras como aquelas que ao longo da
história “vêm lutando para serem sujeitos políticos e produzindo discursos contra
hegemônicos (idem, p. 19).
Lélia Gonzalez, Giovana Xavier, Grada Kilomba, Patricia H. Collins são teóricas
feministas negras com as quais Djamila dialoga no texto, além da panamenha Linda
Alcoff. Nesses diálogos, Ribeiro problematiza a hierarquização dos saberes, o
privilégio epistêmico que a academia embranquecida possui, reafirmando a

Essa posição de objetividade que normalmente ocupamos, esse lugar de alteridade não indica, como
normalmente se acredita, falta de resistência ou interesse, mas sim uma falta de acesso à
representação por parte dos próprios negrxs. Não é que não estamos falando, mas as nossas vozes -
através de um sistema de racismo - têm sido sistematicamente desqualificados como conhecimento
inválido; ou então representados por brancos que, ironicamente, se tornam os ‘especialistas’ em nós
mesmos. De qualquer maneira, somos pegxs em uma ordem colonial violenta.
51

necessidade de se promover disputas de narrativas, pois segundo ela, “pensar a partir


de novas premissas é necessário para se desestabilizar verdades” (idem, p.24).
A disputa de narrativas que fazem as feministas negras e outros grupos
minoritários politicamente (Márcia TIBURI25, 2017), é a luta pela garantia de que
outras vozes narrem, construam e transformem as histórias e a sociedade. Essa
disputa pressupõe a diferença como fator determinante no processo. Por ser a
diferença hierarquizada e transformada em desigualdades, é preciso garantir lugares
de fala diversos para combater um discurso que homogeneíza e, portanto, invisibiliza.
O interesse nessa expressão lugar de fala concentra-se no aspecto político que
ele tem para os estudos feministas, antirracistas e decoloniais. Para Jota Mombaça,
este conceito é uma “ferramenta de interrupção de vozes hegemônicas, é porque ele
está sendo operado em favor da possibilidade de emergências de vozes
historicamente interrompidas” (MOMBAÇA, 2017).
Djamila Ribeiro situa o conceito de lugar de fala26 “como fruto da tradição de
discussão sobre feminist stand point – em uma tradução literal “ponto de vista
feminista” – diversidade, teoria racial crítica e pensamento decolonial” (Djamila
RIBEIRO, 2017, p.58).
O ponto de vista feminista a que Djamila Ribeiro se refere é fruto da reflexão
de intelectuais negras, afro-americanas a partir de lugares de marginalidade. É uma
forma de se reinventar, preservar, valorizar e romper com os perversos mecanismos
de opressão. Em seu artigo “Aprendendo com a outsider within: a significação
sociológica do pensamento feminista negro”, Patricia H. Collins, 2016, p.101-102,
afirma que:

O pensamento feminista negro consiste em ideias produzidas por mulheres


negras que elucidam um ponto de vista de e para mulheres negras. Diversas
premissas fundamentam essa definição em construção. Primeiro, a definição
sugere que é impossível separar estrutura e conteúdo temático de

25
Em seu artigo “O lugar de fala é o lugar democrático em relação ao qual precisamos de diálogo, sob
pena de comprometer a luta”, Marcia Tiburi alerta que “o termo minoria em seu uso isolado perde sua
conotação fundamental, por isso, não apenas por dever didático, é que devemos sempre falar em
minorias políticas” (Márcia TIBURI, 2017) Disponível em: < https://revistacult.uol.com.br/home/lugar-de-
fala-e-etico-politica-da-luta/>. Acesso em 03/06/2018.
26
Djamila Riberiro também destaca que o conceito de lugar de fala é considerado nos estudos de
comunicação como “um instrumento teórico-metodológico que cria um ambiente explicativo para
evidenciar que os jornais populares ou de referência falam de lugares diferentes e concedem espaços
diversos às falas das fontes e dos leitores” (AMARAL, Marcia Franz. Lugares de fala: um conceito para
abordar o segmento popular da grande imprensa. Contracampo, n.12, p.104, jan./jul.,2005 apud
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?, Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017).
52

pensamento das condições materiais e históricas que moldam as vidas de


suas produtoras (Berger & Luckmann, 1996; Mannheim, 1954). Dessa forma,
enquanto o pensamento feminista negro pode ser registrado por outras
pessoas, ele é produzido por mulheres negras. Em segundo lugar, a definição
assume que mulheres negras defendem um ponto de vista ou uma
perspectiva singular sobre suas experiências e que existirão certos elementos
nestas perspectivas que serão compartilhados pelas mulheres negras como
grupo. Em terceiro lugar, embora o fato de se viver a vida como mulher negra
possa produzir certas visões compartilhadas, a variedade de classe, região,
idade e orientação sexual que moldam as vidas individuais de mulheres
negras tem resultado em diferentes expressões desses temas comuns.
Portanto, temas universais que são incluídos nos pontos de vista de mulheres
negras podem ser experimentados e expressos de forma distinta por grupos
diferentes de mulheres afro-americanas. Por último, a definição pressupõe
que, embora o ponto de vista de mulheres negras exista, seus contornos
podem ainda não se dar de forma clara para as próprias mulheres negras.
Logo, um papel para mulheres negras intelectuais é o de produção de fatos
e de teorias sobre a experiência de mulheres negras que vão elucidar o ponto
de vista de mulheres negras para mulheres negras. Em outras palavras, o
pensamento feminista negro contém observações e interpretações sobre a
condição feminina afro-americana que descreve e explica diferentes
expressões de temas comuns.

Dessa forma, lugar de fala tem a ver com a localização dos grupos em relação
aos espaços de poder e aos discursos hegemônicos. E a experiência dos diversos
grupos a partir de seus lugares de fala devem ser ouvidos. Essa é a advertência de
Márcia Tiburi:

O lugar de fala é fundamental para expressar a singularidade e o direito de


existir. Deturpado, ele também é reivindicado por muitos cidadãos autoritários
que reivindicam expressar preconceitos e, em sua visão deturpada, o fazem
democraticamente. Esquecem que o que destrói a democracia não é
democrático, mas isso é outro problema.
Quando pensamos no lugar de fala do autoritário, vemos que esse lugar é
realmente complexo. Se confundimos o lugar de fala com a expressão de
uma verdade pessoal à qual não deveríamos reduzir a singularidade, sempre
podemos usá-lo para fins autoritários. Por meio dele, podemos interromper a
luta como um fascista o faz. Não é possível falar do lugar de fala sem
pressupor o diálogo enquanto reconhecimento do outro. (Márcia TIBURI,
2017, online)

O lugar de fala enquanto espaço social não garante, por parte de quem o ocupa,
a responsabilidade com a transformação social. O desafio que este conceito traz em
seu aspecto político é que a pessoa que assume um lugar de fala privilegiado, consiga
enxergar os privilégios que lhe são concedidos a partir da hierarquização social, e as
opressões sofridas por quem ocupa lugares menos valorizados.
Lugar de fala enquanto um conceito político precisa se comprometer com a
transformação social, com narrativas desestabilizadoras engajadas em uma
hermenêutica que suspeite de saberes legitimados academicamente e de
53

narradores(as) hegemônicos(as). Neste sentido, a educação problematizadora,


portanto dialógica, torna-se importante aliada desde que quem ensina e quem
aprende tenham suas diversidades e interseccionalidade reconhecidas e respeitadas
no processo de formação. A obra de Freire (2005) quando universaliza o sujeito, acaba
invizibilizando quem é considerado o “outro”, no caso do stand point feminista, as
mulheres, especialmente as negras e as demais não brancas.
Diante dessa perspectiva, é mister neste trabalho afirmar que a
interseccionalidade garantida na escolha dos sujeitos assumiu, além de uma
perspectiva descritiva e de garantia de representatividade de vários lugares de fala, a
perspectiva de referencial teórico para ajudar a pensar sobre as dimensões da
opressão e as possibilidades de transformação. No entanto, ainda que atualmente, a
interseccionalidade dialogue com vários marcadores de diferença, nas diversas
leituras realizadas para essa pesquisa, a intersecção com a religiosidade não
apareceu muito nas leituras da pesquisadora.
Elina VUOLA (2014), no artigo Interseccionalidade na América Latina? As
possibilidades da análise interseccional nos estudos latino americanos de religião,
afirma a falta de diálogo das teorias feministas com a religião, inclusive a
interseccionalidade que surgiu como problematização da teoria feminista que não
valorizava o sujeito em sua pluralidade:

A teoria feminista [...] sempre foi cega e algumas vezes bastante negativa em
relação a qualquer sinergia positiva entre feminismo e religião, assim como
em relação às experiências de mulheres religiosas. Mesmo teorias de
interseccionalidade, que explicitamente fazem uma (auto)crítica dos pontos
cegos das teorias feministas e da miríade de diferentes entre as mulheres,
não têm sido capazes de ver a religião como um fator importante na vida das
mulheres. Será que a religião é a última maneira de alterizar as mulheres,
especialmente aquelas de uma cultura ou subculturas diferentes – na teoria
feminista? (Elina VUOLA, 2014, p.15)

Alteridade, segundo o Dicionário de Filosofia (2007, p.35), “é ser outro, pôr-se


ou constituir-se como outro”. Frei Betto, em sua obra em conjunto com Leonardo Boff,
Mística e espiritualidade destaca que alteridade “é ser capaz de apreender o outro na
plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto
menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem.”
(BETTO, F, BOFF, L., 1994, p.28)
A partir dessa conceituação, a pergunta de Elina Vuola provoca a necessidade
de pensar o quanto a religião não tem sido validada nas teorias feministas,
54

especialmente na interseccionalidade, que surgem de um movimento de militância


(dentro do próprio feminismo) para ouvir a voz de quem tem sido silenciada(o) e
oprimida(o) pela história.
Assim, na busca de referenciais teóricos que aportassem a construção dessa
tese, a educação problematizadora e a interseccionalidade se aliaram à teologia
feminista. Em se tratando de uma tese que nasce dentro de um programa de pós-
graduação em educação, não se pretende assumir o compromisso de uma reflexão
teológica apurada e sistematizada, mas entende-se a importância da teologia,
especialmente da teologia feminista, para ajudar a analisar as narrativas das
mulheres.

1.1.3 Teologia Feminista

A teologia feminista faz parte de uma caminhada teológica que se articula ao


redor de lutas por libertação. Trata-se de uma irrupção, um grito diante de teologias
emergentes no século XX que, apesar de estarem motivadas por um forte intuito
transformador da realidade, não conseguiam enxergar as mulheres como vítimas dos
discursos teológicos patriarcais e hierárquicos, menos ainda entendê-las como
agentes da história, isto é, sujeitos do fazer teológico.
O fazer teológico feminista nasce, assim como outros feminismos, como um ato
de resistência e de coragem epistêmica no interior do “cânone” teológico ocidental,
por séculos controlado e pautado pela racionalidade masculina. Lembrando que a
cultura patriarcal impôs às mulheres a não razão como limite de pensamento e ação.
(Ivone, GEBARA, 2004, p.51)
A teologia tradicional é pautada por ausências: da voz, da experiência e do
pensamento das mulheres. Tal constatação tem implicações e efeitos concretos na
vida das mulheres. Não só pela ausência de representação e seus correspondentes
efeitos simbólicos, mas pelas consequências práticas – como exclusão, submissão e
violência – de discursos religiosos autoritários e hierárquicos decorrentes do
pensamento, experiência e anseios masculinos, que por muito tempo foram
considerados verdades divinas.
Um ponto de partida fundamental na teologia feminista é a reivindicação da
experiência das mulheres na compreensão e elaboração teológica. O objetivo é
transformar um espaço restrito e excludente, através da desconstrução de paradigmas
55

simbólico-culturais que historicamente justificaram e legitimaram o lugar subalterno


que as mulheres ocuparam na igreja, na sociedade e na academia teológica.
Wanda DEIFELT (2003, p.171-186, apud Marcia PAIXÃO, Edla EGGERT,
2011, p.13) aponta alguns caminhos por onde este fazer teológico procede: “suspeita;
recuperação de memórias e tradições esquecidas ou colocadas à margem; crítica,
correção e transformação de conceitos; repensar o modo como o mundo acadêmico
opera; autoavaliação crítica”.
O atrevimento de assumir uma perspectiva feminista dentro da teologia não é
uma tarefa fácil. Implica necessariamente uma leitura e análise crítica dos elementos
míticos e narrativos que constituem o centro do cristianismo e que tem sustentado
relações injustas e hierarquias que justificam (legitimando/sacralizando) até hoje
diferentes formas de violência contra as mulheres.
Nesse processo, a hermenêutica da suspeita se tornou uma das principais
ferramentas metodológicas usadas pela teologia feminista. Trata-se de uma
interpretação crítica, um método capaz de fazer perguntas complexas a qualquer
discurso, verdade ou prática pretensamente universal. Elisabeth Schussler Fiorenza
(2009) tem trabalhado arduamente na explicitação de uma hermenêutica feminista
crítica de libertação, baseada na suspeita como método de desconstrução e
reconstrução.
Vale frisar que a Bíblia, enquanto livro sagrado e autoridade de fé, é alvo
importante deste método crítico. Para Elisabeth Schüssler Fiorenza, a interpretação
feminista da Bíblia constitui uma estratégia hermenêutica de recuperação do poder
das memórias, palavras e tradição das mulheres como uma herança permanente que
sustenta a luta por libertação e transformação (SCHÜSSLER FIORENZA, 1998, p. 5).
Assim, através da aplicação do método da hermenêutica da suspeita, teólogas
feministas têm recuperado a voz de mulheres na história do cristianismo, têm
desconstruído discursos hegemônicos e têm proposto formas diferentes de existir
tanto na igreja como fora dela.
E nesse sentido, tal como afirma Elisabeth Schussler Fiorenza, a teologia
feminista não é simplesmente uma análise acadêmica descritiva das realidades de
opressão, consiste antes que nada, numa prática política concreta que visa uma
mudança estrutural (FIORENZA, 2000, p. 30). Esta mudança está relacionada com
56

uma transformação da teologia, seus pressupostos, e, sobretudo com uma revisão e


crítica das suas próprias ideologias.
A teologia feminista não é, de maneira alguma, uma adição do “feminino” a um
núcleo duro e fechado da teologia masculina. Também não se trata de atribuir
teologicamente às mulheres temas convencionalmente diferenciados por gênero e
atrelados sempre a elas. Trata-se de uma revolução epistêmica, política e ética. Isto
é, da “desconstrução e re-construção do discurso teológico na sua totalidade”
(ROSADO-NUNES, 2000, p. 36).
Trata-se de um caminho de desconstrução sistemática e profunda. Porém, não
é fácil desconstruir algo (o corpus teológico) que levou séculos se construindo. As
mulheres, historicamente excluídas da mesa teológica, chegaram, ocuparam espaços
e levantaram a voz. Tal ousadia foi considerada transgressão, problema, ameaça.
As mulheres que articularam um pensamento crítico tiveram que lidar com a
oposição operada desde o pensamento teológico hegemônico, dos setores mais
conservadores que deslegitimavam (e ainda deslegitimam) a sua elaboração
teológica, questionando sua voz e a validez da sua constituição como sujeitos
teológicos. Em alguns casos, inclusive, o pensamento elaborado por mulheres foi
cooptado, tornando-o útil para o programa teológico tradicional, e aproveitando a força
política do seu pensamento. Foi o caso da teologia latino-americana que, muitas
vezes, usou a força das mulheres na luta contra a pobreza e a miséria do continente,
mas desconhecendo a particularidade e os interesses próprios de uma reflexão
teológica feita por mulheres (Pilar AQUINO, 1992, p 53).
Para Ivone Gebara, em todo processo de desconstrução está embutida uma
proposta ou uma ação de reconstrução, mesmo “imprecisa e não hegemônica” (Ivone
GEBARA, 2010, p.184). Não é possível abalar uma estrutura sem instituir, no mesmo
movimento, uma nova estrutura, ainda que precária, ou pelo menos apontar o que, a
partir dos pedaços, é possível reconstruir. Neste sentido, enquanto a desconstrução
tornou-se objetivo e metodologia no pensamento teológico feminista, a construção e
reconstrução constituíram-se também em seu paradigma de ação, consequência,
desafio. Enquanto criticaram o patriarcado e o androcentrismo da teologia tradicional,
as teólogas feministas forjaram novas perguntas, perceberam outras realidades e aos
poucos colocaram as bases (ainda incertas) de um marco conceptual e uma
hermenêutica própria.
57

A mediação da categoria gênero, junto à análise de classe social, herança do


diálogo da teologia da libertação com o marxismo, fizeram com que a experiência das
mulheres, principalmente sua experiência de opressão – individual, comunitária e
estrutural – se tornasse um ponto de partida central para a reflexão teológica e a
prática de libertação das teologias feministas no continente.
Ivone Gebara seria uma das primeiras teólogas a se interessar por
compreender e narrar, de alguma maneira, a experiência das mulheres no contexto
latino-americano desde uma perspectiva teológico-filosófica. Corpo e cotidiano são
dois lugares centrais, porque é neles e através deles que acontece qualquer
experiência humana. Geralmente desprezados pela tradição ocidental, são
resgatados por essa teóloga feminista como categorias úteis no intuito de assumir
uma reconstrução teológica que parta da vida real e concreta das mulheres no seu dia
a dia. Para Ivone: “Tudo é corpo. Nada é fora do corpo. É pelo corpo que sentimos,
conhecemos, amamos, odiamos!” (Ivone GEBARA, 2010, p. 96).
Para Maryuri Mora Grisales, na teologia e na filosofia de Ivone Gebara, o
cotidiano aparece como categoria central, quase que no mesmo nível que o corpo e
inseparável dele. Qualquer princípio teológico precisa passar pelo cerne da
experiência cotidiana. “Mais do que tocar a realidade como vindo de fora, são os
sistemas teológicos que precisam ser tocados pela vida, no seu caráter provisório,
contraditório, ambíguo” (Maryuri Mora GRISALES, 2016, p. 55).
Para Ivone Gebara, o feminismo opera mudanças no cristianismo na medida
em que ajuda a reinterpretar crenças, conteúdos, símbolos. Segundo ela,

A teologia introduz uma ruptura nas maneiras de pensar o mundo e de acolher


a herança cristã. Essa ruptura significa a acolhida das mulheres na
pluralidade de suas identidades, assim como de outros grupos
marginalizados no direito de viver e reinterpretar a tradição cristã de outra
maneira. [...] Essa ruptura trazida pelo feminismo abre novos caminhos para
o cristianismo, muito embora esses caminhos ainda sejam pouco perceptíveis
nas instituições da religião. (Ivone GEBARA, 2017, p. 39)

É possível afirmar que a teologia feminista busca construir não simplesmente


sua própria história, mas aponta para um projeto mais global ao propor a reconstrução
de toda a teologia, inclusive de uma nova história do cristianismo. Nesse processo,
são muitas as mulheres, teólogas cristãs (tanto católicas como protestantes) que
assumiram o desafio de repensar Deus, refletir sobre a própria experiência de fé,
questionar o relacionamento com instituições religiosas, assim como revisar os
58

conceitos teológicos e sua pertinência na vida cotidiana de homens e mulheres em


graves contextos de sofrimento.
As contribuições que tanto a teologia feminista quanto a epistemologia
feminista proporcionam ao questionamento de estruturas hierárquicas e excludentes,
junto com as reflexões de pesquisadoras que articulam a categoria gênero com as
narrativas das mulheres, tornam-se caminhos interessantes e possíveis.
A professora Eddla Eggert tem desenvolvido pesquisas com narrativas de vida
na interface entre teologia e pedagogia, valendo-se de alguns aportes da teologia
feminista e da hermenêutica feminista. Sobre isto, ela afirma:

A hermenêutica feminista valoriza a fala e quem fala. Por isso, dizer a sua
palavra a partir do seu lugar é fundamental para reinventar outras formas de
viver e ver a vida. Dizer o que sente, o que sofre, quais as alegrias vividas é
devolver a dignidade perdida ou ocultada pelas práticas excludentes
patriarcais. Pensar sobre as histórias de vida e fazer disso uma prática que
repensa a vida é promover o protagonismo e empoderamento das mulheres.
Essas formas de ser e fazer viabilizam relações sociais mais justas e
igualitárias entre os seres humanos. É isso que o feminismo busca e espera
das relações entre homens e mulheres. A partir dessa hermenêutica,
percebe-se a complexidade dos mecanismos sociais, religiosos, econômicos,
psicológicos e culturais e quanto se faz necessário pensar e contar a história
pessoal e dar-se conta das relações sociais no nosso tempo e espaço para
recuperar a vida e o bem-estar das pessoas. (Márcia PAIXÃO; Edla
EGGERT, 2011, p.13).

Uma vez que a tese dialoga com narrativas de mulheres, teólogas e pastoras,
as ferramentas da epistemologia e da teologia feministas colaboraram no processo
metodológico de análise das narrativas.

1.2 Caminhos metodológicos


Foi ancorado na perspectiva freireana de que “pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo educo e me educo” (FREIRE, 1996, p.29), que
este trabalho foi concebido. Diferentemente do trabalho de mestrado da pesquisadora,
cujas fontes de pesquisa foram artigos científicos, o doutorado levou-a ao trabalho de
campo, ao encontro de pessoas, ao diálogo com mulheres. Assim, essa pesquisa de
cunho exploratório que não tem a pretensão de quantificação de resultados, classifica-
se como uma pesquisa de abordagem qualitativa, que se caracteriza por trabalhar
com “o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos
valores e das atitudes” (MINAYO, GOMES, 2007, p.21).
59

Na busca por conhecer as experiências subjetivas e valorizar a interação dos


sujeitos, não só na relação pesquisadora e pessoas pesquisadas, mas também entre
as pessoas pesquisadas, foi escolhida a metodologia de caráter qualitativo,
denominada grupo focal.
A metodologia grupo focal pode ser definida como “uma técnica de coletar
dados diretamente das falas de um grupo, que relata suas experiências e percepções
em torno de um tema de interesse coletivo” (LEOPARDI, BECK, NIETSCHE,
GONZALES, 2001, p.258 apud GOMES, TELLES, ROBALLO, 2009, p.857).
Conforme a classificação de D. Morgan, o grupo focal da pesquisa para essa
tese se classifica como autorreferente:

Os grupos focais auto-referentes servem a uma variedade de propósitos, não


só para explorar novas áreas pouco conhecidas pelo pesquisador, mas
aprofundar e definir questões de outras bem conhecidas, responder a
indagações de pesquisa, investigar perguntas de natureza cultural e avaliar
opiniões, atitudes, experiências anteriores e perspectivas futuras (MORGAN,
1997 apud Sônia GONDIN, 2003).

O grupo focal teve a sua composição estabelecida a partir da prerrogativa de


que as pessoas tivessem alguma característica em comum e, também, alguma
vivência com o tema discutido (Bernadete A. GATTI, 2005). Para a pesquisa os
sujeitos escolhidos foram mulheres que exercem o ministério pastoral na Igreja
Metodista, que estão atuando na 3ª Região Eclesiástica – que compreende parte do
estado de São Paulo – e que se formaram na Faculdade de Teologia da Igreja
Metodista, localizada em São Bernardo do Campo/ SP.
Além das semelhanças entre os sujeitos pesquisados, o uso dessa metodologia
precisa “estar integrado ao corpo geral da pesquisa e a seus objetivos, com atenção
às teorizações já existentes e às pretendidas” (Ibidem, p.8).
Tendo em vista que o principal objetivo da pesquisa era identificar as
percepções de mulheres no exercício do ministério pastoral sobre a formação
vivenciada na FATEO, e levando-se em conta que o processo de formação é uma
experiência relacional, o grupo focal atendeu a essa demanda à medida que criou
condições para que as pessoas explicitassem seus pontos de vista e interagissem
entre si.
A interação possibilitou a percepção das diferenças e confluências de
experiências e trajetórias das participantes no ministério pastoral, um espaço
historicamente e politicamente dominado por homens.
60

No caminho teórico desta tese destacou-se o conceito de interseccionalidade e


o conceito de educação problematizadora. Nestes estão implícitos a valorização da
subjetividade, da diversidade, da interação e da participação ativa no processo de
construção de conhecimento e transformação social. Os referenciais teóricos
descritos, sustentam o grupo focal como metodologia de investigação. Vale ressaltar
que na configuração do grupo focal, levou-se em consideração a interseccionalidade
de alguns marcadores de diferença, a saber: idade, estado civil, raça e região
geográfica.
Dentre as possibilidades que o grupo focal oferece como metodologia, está a
captação de significados que, com outros meios, poderiam ser difíceis de se
manifestar (Bernadete A. GATTI, 2005, p.9). Neste sentido, essa metodologia ajudou
a identificar algumas percepções de pastoras sobre a formação recebida na FATEO
e sobre o ministério pastoral exercido por mulheres na Igreja Metodista.
Foram convidadas 12 mulheres, todas pastoras da Igreja Metodista, 8
confirmaram a participação, no entanto 5 compareceram. As três ausências foram
justificadas.
A quantidade mínima de participantes do grupo focal não é consenso entre os
autores que estudam essa metodologia; enquanto Bernadete A. Gatti (2005, p.22)
aponta o mínimo de 6 pessoas, Sônia Gondin afirma que:

Apesar de se convencionar que este número varia de quatro a 10 pessoas,


isto depende do nível de envolvimento com o assunto de cada participante;
se este desperta o interesse de um grupo em particular, as pessoas terão
mais o que falar e, neste caso, o tamanho não deve ser grande, para não
diminuir as chances de todos participarem. (Sônia GONDIN, 2003, p.154)

Reunir cinco participantes de um universo de dez mulheres escolhidas foi algo


que incomodou a pesquisadora; foi de fato frustrante, mas o interesse das mulheres
pelo tema e a participação ativa de todas elas no grupo, fez a mesma concluir que 5
pessoas foi um bom número para aquele momento.
O grupo focal teve a presença do filho de 12 anos de uma das participantes. A
pastora convidada condicionou sua participação à necessidade de levar o seu filho,
pois não poderia deixa-lo sozinho ou acompanhado por outra pessoa. Isto leva a uma
indagação: Seria isso necessário se fossem homens os sujeitos participantes?
A participação das mulheres no espaço público nunca está desligada dos
arranjos necessários para que o espaço privado siga funcionando sem nenhum dano.
61

Vale destacar que uma das 3 mulheres que desistiu de participar da pesquisa, teve
como motivo o fato de que não havia uma pessoa disponível para ficar com a sua filha
pequena e, ainda que lhe tenha sido aberta a possibilidade de comparecer com a
criança, ela optou por não participar do grupo focal.
A outra desistência se deu pelo fato da pastora, que também é professora de
uma escola pública, ter sido convocada para uma reunião depois que o agendamento
do grupo focal já estava realizado. A conjugação do ministério pastoral com outras
profissões não é algo incomum, quer para homens, quer para mulheres. No entanto,
muitas mulheres, por serem nomeadas no quadro pastoral da igreja sob a categoria
sem ônus, isto é, sem subsídios financeiros ou por receberem menos que o valor
mínimo estipulado pela lei canônica da igreja, precisam trabalhar em outros espaços
para garantir a sua sobrevivência. Ao analisar o mapa de nomeação pastoral da
terceira região eclesiástica da Igreja Metodista, que corresponde a grande parte
estado de São Paulo, foi possível perceber o número de mulheres nomeadas sem
direito à remuneração financeira. Esse tema será abordado no terceiro capítulo.
Todas as pastoras que participaram do grupo focal cursaram a Faculdade de
Teologia de São Paulo e apenas uma das participantes fez o curso noturno por
trabalhar em turno diurno. As demais estudaram no turno matutino e moraram no
alojamento da Faculdade de Teologia.
A escolha dos sujeitos levou em conta alguns critérios: o ano de conclusão do
curso; o tempo de ministério pastoral; o estado civil, a idade, a raça. Buscou-se, por
meio desses marcadores de diferença, garantir a diversidade do grupo que tinha em
comum o fato de todas estarem ordenadas ao ministério pastoral e terem feito a
graduação em teologia na mesma instituição.
Por ocasião da conclusão da tese, das pastoras que participaram da pesquisa,
quatro estão nomeadas para uma igreja local; uma conjuga a igreja local com a
atuação na pastoral universitária de uma das instituições metodistas de ensino; uma
se aposentou em dezembro de 2017, logo após a realização do grupo focal.
Ficou assim composto e caracterizado o grupo focal:
Nome Idade Cor/ Estado civil Filhos(as Ano Outra Pós- Tempo de
Raça ) de Graduação graduação ordem
conclusão presbiteral
Teologia
Hulda 62 branca divorciada 2 1990 Psicologia Mestrado 25 anos
62

Pedagogia (não
informado)
Rode 36 parda Solteira 0 2005 Pedagogia Não 11 anos
(cursando)
Dorcas 58 Não Casada 3 2010 Não Epidemio- 5 anos
especi- logia
ficado
Rispa 34 branca Casada 1 2009 Não Piscologia 8 anos
(falecido) organiza-
cional
Priscila 46 Branca Casada 1 1995 Não Mestrado 18 anos
Bíblia

Para preservar a identidade das mulheres participantes foram escolhidos


nomes de personagens bíblicas femininas. Os nomes escolhidos foram: do Antigo
Testamento, Hulda, Vasti, Rispa. Do Novo Testamento, Rode, Priscila e Dorcas.
Para conhecer melhor as personagens bíblicas escolhidas para nomear as
mulheres que são os sujeitos de pesquisa, segue uma pequena descrição, a título de
curiosidade:
- Hulda: profetisa com habilidade para ensinar o povo simples e os nobres reis.
- Rode: Uma mulher, empregada doméstica, que orava e agia ao mesmo
tempo. Apesar de desacreditada, ela insistiu em levar uma boa notícia.
- Dorcas: a única mulher no Novo Testamento que recebeu o título – até então
masculino – de discípula. Era uma mulher que partilhava os ensinos de Jesus e
ajudava as pessoas carentes, especialmente as viúvas.
- Rispa: Uma mulher que lutou durante muitos meses para que seus filhos e
outros jovens tivessem seus corpos enterrados dignamente. Ela contou com uma
comunidade de mulheres para sustentá-la enquanto protestava mediante um silêncio
ensurdecedor.
- Prisicila: uma das mulheres líderes da igreja primitiva, foi responsável por
colaborar no discipulado do Apóstolo Paulo.
- Vasti: rainha que não se submeteu aos desejos do rei, seu marido, que queria
exibi-la como um troféu. Ela se negou a ter seu corpo objetificado sexualmente.
O encontro do grupo focal se realizou numa quinta-feira, dia 11 de dezembro
de 2017. A princípio, o horário combinado era de 14 às 17h, marcado mediante
consulta e disponibilidade das pessoas envolvidas. No entanto, duas pessoas
63

sinalizaram que chegariam atrasadas e o grupo teve início às 15h. Das pessoas
atrasadas apenas uma chegou, a outra desistiu de participar porque teve problemas
com o carro enquanto se dirigia ao local.
O local escolhido foi a Universidade Metodista de São Paulo, onde todas
cursaram Teologia. A escolha foi proposital tendo em vista que retornar ao lugar onde
realizaram a sua graduação poderia ajudá-las a rememorar suas experiências. E isso
apareceu em alguns momentos nas vozes das mulheres:

Informação verbal27 (Eu consegui ainda aqui para dar aula de ensino religioso na
Pastoral. Então eu ficava a tarde fora. As meninas ficavam soltas nessa faculdade inteira aí
(HULDA)). Informação verbal (Vamos ter um emprego para você no restaurante. E como eu
sempre fui muito falante [...]. Então com isso eu comecei a conhecer do varredor ao reitor.
(RODE)) Informação verbal ([...] a igreja me dava a casa, o alojamento para eu morar aqui. E
à tarde eu ia fazer curso de línguas, eu ia assistir aula como ouvinte na pós-graduação.
Quando a pós-graduação ainda era ali no porão, ali no outro edifício. Eu passava a tarde na
biblioteca, a noite. Então eu fui sugando tudo aquilo que o ambiente universitário deixava à
disposição. Eu falei: - eu vou usufruir disso. Eu me sentia no primeiro mundo aqui nesse
campus (PRISCILA)).
Para a realização do grupo focal, escolheu-se uma mediadora e uma relatora.
A pesquisadora, na maior parte do tempo atuou como observadora do grupo. No
entanto, por também ser pastora metodista e em alguns momentos se sentir
representada nas falas, fez algumas interferências.
Destaca-se duas dessas interferências: a primeira foi na apresentação do tema
e objetivo geral da pesquisa e a outra quando o assunto dizia respeito a forma como
os homens tratavam as mulheres na faculdade, dizendo que é preciso escolher entre
ser bonita e ser pastora: ou se é bonita, ou se é pastora.
Informação verbal28 (Você sabe que eu nem sabia disso. Porque quando eu entrei na
faculdade um professor chegou para mim e falou assim: “Poxa vida! Você vai ser pastora e
vai ser bonita?” [...] que raiva. Desculpa a intervenção. Eu estou totalmente fora da
metodologia (ANDREIA)).
Nesse momento, veio à memória da pesquisadora o tempo em que cursou a
Teologia em outra instituição. Ela identificou que estereótipo: beleza ou vocação,
também estava presente naquela instituição. Na sua interferência, o distanciamento

27 Transcrição literal da fala das entrevistadas.


28 Transcrição literal da fala da entrevistada.
64

do objeto como pesquisadora foi sublimado, era a pessoa que também vivenciara
essa violência verbal que acabava de se indignar.
Interessante destacar que, tendo em vista o atraso de uma hora para o início
do grupo, as pessoas conversaram muito, o que facilitou a interação no momento da
aplicação da metodologia. A maioria das mulheres se conhecia, então essa primeira
hora serviu para colocar a conversa em dia.
A pesquisadora, a moderadora e a relatora aproveitaram esse momento para
observar o grupo. Houve nos diálogos informais, antes do começo do grupo focal,
partilhas sobre experiências ministeriais negativas, isto deu indicativos de que haveria
facilidade em expor as querelas do ministério pastoral, tema que a pesquisa também
tinha interesse.
A moderadora percebeu que havia certa tensão no grupo por não saber do que
especificamente se tratava aquele encontro já que o que lhes foi informado é que seria
uma conversa sobre ministério pastoral feminino. A relatora percebeu que a espera
de uma hora não causou constrangimento no grupo, até porque aproveitaram o
momento para dialogar sobre as nomeações pastorais para as igrejas locais, que
acabara de acontecer, e as situações vivenciadas na vida pastoral.
O grupo focal foi iniciado pela moderadora, Prof.ª Dr.ª Telma Cezar da Silva
Martins, doutora em educação, que nos seus estudos sobre educação infantil e
processo de branqueamento usou a metodologia grupo focal (CEZAR, 2017). A
relatora do grupo foi a Prof.ª Ma. Beatriz Faleiro do Nascimento, mestre em educação,
que nos seus estudos sobre boas práticas na creche, se valeu da observação
participante e da pesquisa narrativa. (NASCIMENTO, 2017)
A moderadora explicou os procedimentos e distribuiu o formulário de
identificação que deveria ser preenchido. O preenchimento se deu sem maiores
problemas, percebeu-se apoio mútuo, apenas uma pastora pediu orientações. A
moderadora prosseguiu explicando sobre o funcionamento da atividade e estabeleceu
junto com o grupo, as regras para o bom andamento da pesquisa. Em seguida,
explicitou-se o tema e o foco da pesquisa e elas demonstraram atenção e disposição
para o diálogo.
Tendo em vista que a maior parte do grupo se conhecia e que a espera de uma
hora favoreceu a sua interação, eliminou-se o momento de apresentação pessoal e
65

deu-se início a uma dinâmica, uma espécie de aquecimento. (Bernadete A. GATTI,


2005, p.9)
Para a dinâmica selecionou-se previamente as seguintes palavras:
DISCRIMINAÇÃO, MACHISMO, IGREJA, MULHER, MINISTÉRIO PASTORAL. De
forma aleatória, cada uma recebeu uma palavra, e foi-lhes solicitado que
explicitassem o que viesse na memória sobre a palavra recebida. Elas foram
orientadas a falar apenas sobre a sua palavra, sem interferir na explanação de outra
participante. Cumprir essa regra não foi fácil, pois a cada opinião expressa, as demais
pastoras desejavam trazer suas experiências com aquela palavra. Houve muita
interação nesse momento, inclusive uma participante expressou o descontentamento
de não poder expor suas considerações sobre outra palavra, além da que recebera.
A moderadora explicou que assim que todas tivessem exposto suas
percepções seria aberto um espaço para que quem desejasse, expusesse suas
opiniões sobre as demais palavras. A interação e a contribuição em termos de
conteúdo para a pesquisa foram tamanhas, e acabou se investindo mais tempo do
que o previsto na dinâmica, no entanto foi um excelente exercício de aquecimento. A
necessidade de se expressar em relação a mais de uma palavra demonstra a
pluralidade das experiências que tocam os seres humanos.
A seguir a moderadora iniciou a segunda etapa do grupo focal com as seguintes
perguntas:
1. “Como foi a formação teológica?”;
2. “Como eram as relações dos homens com as mulheres na faculdade?”;
3. “Que outros espaços foram importantes para a sua formação para o
ministério pastoral?”;
4. “Defina com uma palavra a dificuldade que a mulher tem para exercer o
ministério pastoral”;
5. “Como a igreja pode colaborar para o exercício do ministério pastoral
pelas mulheres?”;
6. “O que pensam sobre a expressão ministério pastoral feminino?”

Essas perguntas formaram o roteiro da discussão, a fim de permitir um


aprofundamento nos temas que interessavam à pesquisa e garantir também, como
66

alerta Sônia Gondin, “a fluidez da discussão sem que o moderador precise intervir
muitas vezes.” (Sônia GONDIN, 2003, p.154)
Devido ao atraso não houve intervalo para descanso; havia uma mesa com
lanches e, enquanto conversavam, tinham liberdade de ir à mesa e comer algo. A
conversa fluiu com muito entusiasmo e a moderadora ia intervindo cuidadosamente
para que as perguntas fossem sendo apresentadas.
Com a ausência de três pessoas no grupo focal, das oito que haviam se
comprometido, optou-se por conjugar à pesquisa mais um procedimento
metodológico, haja vista que não haveria tempo hábil para fazer mais um grupo focal.
Realizou-se uma entrevista individual, a fim de coletar, ainda que de modo diferente,
mais percepções. As pastoras que não puderam participar do grupo focal foram
convidadas para uma entrevista, mas apenas uma delas aceitou participar de uma
entrevista individual. A seguir sua identificação:

Nome Idade Cor/Raça Estado Filhos(as) Ano de Outra Pós- Tempo de


civil Conclusão Graduação graduação ordem
Teologia presbiteral
Vasti 52 negra solteira 1 1990 não Mestrado 26 anos
anos Ciências da
Religião

Segundo GOMES (2005, p.288), a pesquisa qualitativa abre a “possibilidade de


conciliação entre distintas escolhas metodológicas, em que uma pode suprir a
deficiência da outra e se beneficiar de suas virtudes”. Sendo a entrevista individual
uma das metodologias mais utilizadas na pesquisa qualitativa, ela pode ser conjugada
ao grupo focal que também é fonte de busca de dados qualitativos. Gomes conclui: “o
argumento principal para essa proposição é o de que nenhuma opção metodológica
é autossuficiente e não há obstáculos intransponíveis entre abordagens
metodológicas distintas” (GOMES, 20005, p.289).
Para registro dos dados do grupo focal utilizou-se uma câmera e um gravador
de voz; para entrevista pessoal, apenas o gravador. As gravações foram transcritas
para que a análise se desenvolvesse.
O tratamento dos dados foi feito a partir de duas perspectivas: as orientações
de Bernadetti Gatti sobre grupo focal e as considerações sobre a técnica de análise
de conteúdo de Laurence Bardin (1977), definida como:
67

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. (Laurence
BARDIN, 1977, p.42)

Na análise dos dados, Gatti propõe um percurso explicitando que “não existe
um modelo único e acabado de análise de dados dos grupos focais” (Bernadete A.
GATTI, 2005, p.46). A escuta repetitiva do documento a ser analisado, no caso deste
trabalho, os relatos do grupo focal, além de ser evidenciada por Gatti, está presente
nas orientações de Bardin (1977). Mais importante que a leitura da transcrição é a
escuta repetitiva dos diálogos, a fim de “se agrupar alguns aspectos das opiniões
expressas ou dos relatos, em função dos sentidos percebidos e dos valores
subjacentes” (idem, p.46).
Tal escuta permitirá a extração das categorias de análise relacionados ao
objeto de pesquisas para a “identificação das questões relevantes contidas no
conteúdo das mensagens” (Magali R. G. MEIRELES; Beatriz V. CENDÓN, 2010,
p.78). Esse procedimento é a categorização, que segundo Roque Morais (1999,p.6):

é um procedimento de agrupar dados considerando a parte comum


existente entre eles. Classifica-se por semelhança ou analogia, segundo
critérios previamente estabelecidos ou definidos no processo. Estes critérios
podem ser semânticos, originando categorias temáticas. Podem ser
sintáticos definindo-se categorias a partir de verbos, adjetivos, substantivos,
etc. As categorias podem ainda ser constituídas a partir de critérios léxicos,
com ênfase nas palavras e seus sentidos ou podem ser fundadas em critérios
expressivos focalizando em problemas de linguagem. Cada conjunto de
categorias, entretanto, deve fundamentar-se em apenas um destes critérios.

Para se estabelecer as categorias foi preciso definir as unidades de contexto,


conceituada por Roque Moraes como “uma unidade, de modo geral mais ampla do
que a de análise, que serve de referência a esta, fixando limites contextuais para
interpretá-la.” (MORAES,1999, p.12)
A partir das unidades de contextos selecionou-se as unidades de análise
explícitas no capítulo 4. Foi a partir dessas unidades de análise que as categorias
emergiram.
A criação de categorias é chamada por Bardin como processo de categorização
e assim definida por ela: “uma operação de classificação de elementos constitutivos
68

de um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o


gênero” (Laurence BARDIN, 1977, p.117).
Para Claudinei Campos, a partir da definição dada por Bardin, as categorias
podem ser caracterizadas como:

Grandes enunciados que abarcam um número variável de temas, segundo


seu grau de intimidade ou proximidade, e que possam através de sua análise,
exprimirem significados e elaborações importantes que atendam aos
objetivos de estudo e criem novos conhecimentos, proporcionando uma visão
diferenciada sobre os temas propostos. (CAMPOS, 2004, p.614)

Para explicitar as categorias de análise do trabalho estabeleceu-se os


seguintes organogramas:

“A faculdade teve esse abrir de


horizontes para mim”: a educação
teológica

Unidades de “Aí no murinho eu aprendi teologia":


Categoria: Significação outros espaços formativos
FORMAÇÃO
TEOLÓGICA "Você quer ser pastora ou quer ser
bonita?": as relações entre mulheres e
homens na FATEO

"A eletiva de teologia feminista": sobre


teologia feminista

“A minha palavra é Ministério


Pastoral”: conceituações expressas
nas vozes das mulheres
Unidade de
Significação
Categoria:
“E o 'nós vai' dele tem mais poder
MINISTÉRIO porque ele é homem?”: preconceitos
e discriminações
PASTORAL

“Não espere que eu vá ser um


homem no púlpito porque eu sou
mulher”: insurgências necessárias
69

Um caminho teórico e metodológico é sempre uma escolha, dentre muitas


possibilidades que se apresentam. Não há linearidade neste processo, nem
tranquilidade no percurso. É uma escolha impregnada dos sentidos, do tempo vivido,
não se escolhe caminhos de forma anacrônica. É uma escolha ética, política,
comprometida com os desafios que a vida oferece a quem pesquisa.
Na trajetória da pesquisadora, a educação e o ministério pastoral são contextos
em que muitos desafios políticos têm se apresentado. Por isso, foi maravilhoso ter a
oportunidade de analisá-los de perto. Na análise, foi precípuo optar por um caminhar
esperançado, comprometido com a utopia transformada em dever de mudar o mundo,
que como afirma Freire (2000), pressupõe o sonho como um ato político e uma
aproximação da realidade de forma crítica, problematizadora. Os próximos dois
capítulos que tratam da educação teológica e do ministério pastoral, respectivamente
são a expressão desse caminhar.
70

CAPÍTULO 2. EDUCAÇÃO TEOLÓGICA

O exercício deste trabalho não se arroga a uma análise da educação teológica


a fim de estabelecer juízo de valor sobre a mesma. A trajetória da pesquisadora não
confere a ela tal possibilidade; assim, neste capítulo, a aproximação que se faz da
educação teológica caminha no sentido de: apresentar o conceito de educação
teológica da Igreja Metodista; registrar alguns aspectos da história da educação
teológica da referida igreja; explicitar a partir das reflexões dos encontro nacionais de
pastoras metodistas e acadêmicas de teologia, a preocupação das pastoras e das
estudantes da época com a educação teológica que vivenciaram na Faculdade de
Teologia.
Além disso, a fim de conhecer como tem se configurado o percurso e o curso
de teologia da Igreja Metodista, este capítulo se propõe a apresentar dados sobre a
regulamentação da educação teológica pela referida igreja, do curso de bacharel em
teologia pelo MEC e algumas considerações sobre a estrutura curricular que a
Faculdade de Teologia da Igreja Metodista tem priorizado, tornando-se assim, um
capítulo descritivo do universo da educação teológica da Igreja Metodista.

2.1. Educação teológica: uma aproximação conceitual

A inconclusão do ser humano é uma ideia fundamental na concepção


pedagógica de Paulo Freire (2005a), uma vez que nela reside a possibilidade de
interação com o mundo, com a realidade histórica que é também inacabada. Assim,
na inconclusão humana reside o movimento de ir mais além, movimento que promove
a formação do ser humano, quando na consciência do seu inacabamento se
movimenta no mundo e com o mundo. “O mundo é ao mesmo tempo mediador das
relações e lugar da incidência histórica do ser humano” (FREIRE, 2005a, p. 87).
Tal incidência, quando problematizada por meio de uma educação libertadora,
evoca no ser humano uma vivência engajada com a transformação do mundo. Por
outro lado, quando essa incidência tem como algoz a educação bancária ela se
conforma ao exercício perverso de preservação do ‘status quo’.
Pensar em formação teológica cristã ao longo da história, é enxergá-la como
instrumento de poder, às vezes também como coerção de conhecimentos não
hegemônicos e negação de conhecimento teológico às mulheres. A teologia imprimia
71

o tom da formação teológica. Na Idade Média, o poder do saber teológico hegemônico


ao mesmo tempo que santificava indivíduos, demonizava corpos. Assim as heresias
iam sendo aprisionadas à medida que corpos, especialmente os de muitas mulheres,
iam sendo queimados!
Se por um lado essa educação teológica hegemônica sobreviveu a séculos de
história, os movimentos de resistência dentro dela também o fizeram e cotidianamente
se refazem. Eles se perpetuam em luta por espaço, em conquista por território, em
construir, inclusive, uma educação teológica que resista à formação autoritária e
excludente.
Portanto, pensar sobre o conceito de educação teológica é refletir o quanto ele
está imbricado com uma lógica conceitual de uma formação teológica comprometida
com o aprisionamento do ser humano ou com o fomento de uma consciência transitiva
ingênua, que se caracteriza, segundo Paulo Freire (1967), entre outras coisas, como
“a impermeabilidade à investigação, a que corresponde um gosto acentuado pelas
explicações fabulosas” (FREIRE, 1967, p.59). Há, portanto, na consciência transitiva
ingênua, um distanciamento da problematização do mundo, dando ao discurso “um
forte teor de emocionalidade e uma frágil argumentação” (idem, p.59).
Em que direção caminha a proposição conceitual da Igreja Metodista sobre
educação teológica? É o que trataremos a seguir.
No Plano para a Vida e Missão da Igreja Metodista29 encontramos o conceito
de Educação Teológica da Igreja Metodista:

Educação Teológica é o processo que visa à compreensão da história em


confronto com a realidade do Reino de Deus, à luz da Bíblia, e da tradição
cristã reconhecida e aceita pelo metodismo histórico como instrumentos de
reflexão e ação para capacitar o povo de Deus, leigos e clérigos, para a vida
e missão, numa dimensão profética. (IGREJA METODISTA, 2017, p.179)

29
O Plano para a Vida e a Missão da Igreja é um documento de orientação que norteia a ação
missionária do metodismo no Brasil. O Plano foi aprovado pelo XIII Concílio Geral da Igreja Metodista
do Brasil, realizado em 1982, desde então tem sido um instrumento fundamental para a renovação da
prática missionária do povo chamado metodista em nosso país. Ainda que atualmente o quadro pastoral
não divulgue este documento em suas comunidades locais ele continua sendo um documento de
referência reconhecido pelo governo episcopal.
Para saber mais, indica-se a leitura de: IGREJA METODISTA. Plano para a vida e missão. São Paulo:
Imprensa Metodista, 1996; RIBEIRO, Claudio; LOPES, Nicanor. Vinte anos depois: a vida e a missão
da Igreja em foco. São Bernardo do Campo, SP: Editeo, 2002; CASTRO, Clovis Pinto; CUNHA Magali
do Nascimento. Forjando uma nova igreja: dons e ministérios em debate. São Bernardo do Campo, SP:
Editeo, 2001.
72

A concepção conceitual de educação teológica da Igreja Metodista imbrica-se


em outros dois conceitos que a instituição possui sobre educação e educação cristã,
descritos a seguir:

Educação como parte da Missão é o processo que visa oferecer à pessoa e


comunidade, uma compreensão da vida e da sociedade, comprometida com
uma prática libertadora, recriando a vida e a sociedade, segundo o modelo
de Jesus Cristo, e questionando os sistemas de dominações e morte, à luz
do Reino de Deus. (IGREJA METODISTA, 2017, p.174)

Educação Cristã é um processo dinâmico para transformação, libertação e


capacitação da pessoa e da comunidade. Ela se dá na caminhada da fé e se
desenvolve no confronto da realidade histórica com o Reino de Deus, num
comprometimento com a Missão de Deus no mundo, sob a ação do Espírito
Santo, que revela Jesus Cristo, segundo as Escrituras. (IGREJA
METODISTA, 2017, p.174)

Nestes conceitos é possível perceber a valorização de uma reflexão crítica da


realidade tendo como parâmetros para a mesma a Bíblia e os valores do reino do
Deus. Além da reflexão sobre a realidade, fica explícito um engajamento com a
transformação social que promova a valorização da dignidade humana e, segundo
Nicanor Lopes, “o projeto educacional metodista abrange um caráter pedagógico que
tem por objetivos a ação transformadora do indivíduo e da sociedade” (LOPES, 2012,
p.226).
A educação é parte da tradição histórica do metodismo no mundo e no Brasil e
fator preponderante, fundante, na concepção missionária da Igreja. É isso que afirma
o documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, aprovado em 1982 pelo
seu XIII Concílio Geral:
A educação tem sido um dos instrumentos sempre presentes na ação da
Igreja Metodista no Brasil. Como instrumento de transformação social, ela é
parte essencial do envolvimento da Igreja no processo da implantação do
Reino de Deus. A ação educativa da Igreja acontece de diversas maneiras:
através da família, da igreja local em todas as suas agências (comissões,
escola dominical, o púlpito, os grupos societários, etc.), através das suas
instituições de ensino secular, teológico, de ação comunitária e de
comunicação (IGREJA METODISTA, 2017, p.179) (grifo nosso).

Como parte fundante desse labor missionário, o documento, após uma análise
de conjuntura da educação brasileira à época e das expectativas da ação educativa
da igreja, estabelece suas diretrizes educacionais. No caso específico da Educação
Teológica, assim estão descritas:

1 - “A Educação Teológica é o processo que visa à compreensão da história


em confronto com a realidade do Reino de Deus, à luz da Bíblia, e da tradição
cristã reconhecida e aceita pelo metodismo histórico como instrumentos de
73

reflexão e ação para capacitar o povo de Deus, leigos e clérigos, para a vida
e missão, numa dimensão profética”.

2 - Os currículos serão fundamentados nas bases teológicas reconhecidas


pela Igreja Metodista, como identificadas no presente documento, com vistas
a mudanças na metodologia do trabalho teológico, a partir das necessidades
do povo.

3 - No recrutamento e seleção dos professores de teologia se observará não


apenas a sua adequada qualificação aos cursos a serem ministrados mas,
também, a sua vivência pastoral e a consciência que tenham de que a tarefa
teológica deve ser feita a partir da revelação, no contexto do povo brasileiro
e tendo em vista o atendimento de suas necessidades.

4 - O processo de recrutamento dos que aspiram ao pastorado, incluirá,


sistematicamente, um programa pré-teológico de estudos, que os iniciará no
processo de reflexão sobre as preocupações da Igreja, como definidas nos
seus documentos.

5 - A educação teológica será desenvolvida observando-se os seguintes


relacionamentos:

• Relacionamento com o contexto social: a metodologia do trabalho teológico,


em todos os níveis, terá relação direta com a realidade da sociedade
brasileira, na perspectiva do oprimido, visando ao processo de sua libertação.

• Relacionamento com outras áreas do conhecimento humano: o trabalho


teológico deverá ser desenvolvido de uma forma integrada à outras áreas do
conhecimento, incluindo tanto as ciências humanas, como também as áreas
de tecnologia, de ciências exatas, de saúde, ciências aplicadas, e outras.

• Relacionamento entre as instituições de ensino: o trabalho teológico deverá


ser realizado de maneira integrada, de tal modo que todo o ensino teológico
na Igreja promova a sua unidade de pensamento e ação naquilo que seja
fundamental.

• Relacionamento ecumênico: a educação teológica será enriquecida pelo


contato com outras Igrejas cristãs, inclusive de outros países

6. As instituições de ensino teológico oferecerão cursos de formação e


atualização teológica para pastores e leigos, com a finalidade de os ajudar a
reexaminarem continuamente seu ministério e serviço, desde a perspectiva
do Reino de Deus.

7 - As instituições de ensino teológico desenvolverão esforços na pesquisa


junto à igreja local e outras fontes para a renovação litúrgica, levando em
conta as características culturais do povo brasileiro.

8 - Os órgãos competentes estudarão uma maneira de uniformizar o


tratamento dos seminaristas, pelas regiões eclesiásticas, em termos de ajuda
financeira (bolsas), apoio e requisitos dos estudantes para ingresso e
continuação dos estudos na Faculdade de Teologia e Seminários. (IGREJA
METODISTA, 2017, p.174).

Tais diretrizes para educação teológica da Igreja Metodista são estabelecidas


antes da regulamentação do curso pelo MEC, fato que aconteceria somente 17 anos
depois.
74

Essas diretrizes apontam a necessidade de uma educação teológica que se


comprometa com a análise crítica da realidade; com o engajamento para a
transformação da mesma; com uma formação que alie teoria e prática por parte da
equipe docente; com uma formação que garanta ao corpo discente uma experiência
prévia ao curso e sustento, inclusive financeiro, durante o curso; e com um ensino
teológico que preze a integração, a transversalidade, o relacionamento com o contexto
social, outras áreas do conhecimento, outras instituições de ensino e outras
experiências religiosas; que forneça formação continuada aos membros leigos e
clérigos da Igreja Metodista.
O documento denominado Diretrizes para a Educação da Igreja Metodista é a
afirmação da sua filosofia educacional, o direcionamento da sua prática educativa e a
definição das suas ações pedagógicas. Ao analisar todo o documento, a concepção
de educação libertadora é premente. Ainda que não seja a intencionalidade desta
tese, vale a pena destacar o trabalho de Josué Adam Lazier (2010), bispo da Igreja
Metodista, cuja tese de doutorado, intitulada: “Diretrizes educacionais da Igreja
Metodista e sua aproximação com a proposta de educação libertadora em Paulo
Freire”, afirma:

A concepção de educação evidenciada no DEIM indica uma ação educativa


numa perspectiva libertadora, oferecendo às pessoas que buscam a sua
formação numa Instituição Metodista, o desenvolvimento de uma consciência
crítica e transformadora da sociedade, ou seja, uma educação que visa
alcançar a libertação das pessoas e da sociedade. (LAZIER, 2010, p.85)

As Diretrizes de Educação da Igreja Metodista também foram alvo de estudo


da pesquisadora Simone Silva Dorneles; em sua dissertação de mestrado intitulada
O sujeito do discurso: uma leitura de gênero das diretrizes para a educação na Igreja
Metodista, ela afirma:

O Documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista não é uma


proposta curricular, tampouco ensaia um desenho de currículo comum para
as instituições metodistas de ensino. Mas ele fundamenta, através da teologia
da libertação, a análise crítica da tradição educativa liberal, apresentando
princípios que devem orientar as práticas educativas da igreja em nível formal
e não-formal, institucional e comunitário. Trata-se de princípios que, na
perspectiva de missão da igreja, transforma as práticas educativas de
instrumentos de reprodução da cultura dominante em exercícios construtores
de novas relações na sociedade brasileira, sob o paradigma da construção
do Reino de Deus. (Simone Silva DORNELES, 2007, p.81-82).
75

No trabalho a autora problematiza sobre o sujeito que enuncia as diretrizes e o


sujeito histórico que é alvo das práticas educativas preconizadas nas diretrizes. Neste
sentido, conclui:

Nas diretrizes, encontram-se exemplos de um discurso universalizado e


considerado universal desde a experiência humana, mas, de fato, centrado
na experiência de parte da humanidade e sistematizado a partir de uma
leitura que, mesmo inclusiva é androcêntrica. Os estudos teológicos
feministas permitiram descobrir que a universalidade do sujeito histórico
presente no discurso educacional do documento foi construída sobre a
concepção patriarcal de cidadania eclesial e política.
Nessa perspectiva, a referência para a prática educativa e cidadã de
participação social é o homem; mesmo considerando-se que as primeiras
experiências educacionais da Igreja Metodista foram destinadas à educação
da mulher, o modelo de cidadania historicamente construído foi o patriarcal,
ou seja, o modelo feminino de educação para a cidadania estava e esteve
sempre condicionado a corresponder a outro modelo, à outra referência
normativa. (Simone Silva DORNELES, 2007, p.123-124)

As reflexões da pesquisadora Simone Dorneles nos provocam a perguntar:


quem enuncia a educação teológica e quem é o sujeito histórico alvo desta educação?
E pela história da igreja e da educação teológica metodista, as mulheres também não
estão aqui. No entanto, na sua luta por ingresso ao ministério ordenado e pelo acesso
à educação teológica, elas foram se organizando e resistindo.
Antes de discorrer sobre como se dá a educação teológica das mulheres na
Igreja Metodista, vamos considerar alguns fatos relacionados com o início da
educação metodista no Brasil
A educação e a evangelização no Brasil e na América Latina aconteceram no
contexto de expansão da colonização europeia, é o que enfatiza Martin N. Dreher
(2000). Este processo aconteceu tanto na perspectiva política e militar, quanto na
perspectiva da conquista espiritual, o que significou eliminar as culturas, línguas e
religiões e, por meio da Igreja Católica, ensinar a religião, a língua e a cultura da
colonizadora.
O primeiro movimento de educação colonizadora se deu pela Igreja Católica,
mas as igrejas protestantes também se somaram a este movimento. Segundo Dreher
(2000), “a instalação de forma definitiva do protestantismo no Brasil se dá a partir de
1824 com a instalação dos núcleos coloniais de Nova Friburgo/RJ e São Leopoldo,
onde são assentados imigrantes alemães” (p.49).
O autor enfatiza que a metodologia pedagógica luterana era o método indutivo,
que exigia a interação de quem estava aprendendo. Havia uma preocupação em
76

elaborar materiais didáticos que levassem em conta o contexto social e natural do


Brasil. Não foi uma escola para conversão, mas para que, de fato, as pessoas
tivessem uma formação.
A pedagogia do protestantismo de missão, na qual a tradição metodista se
encaixa, no entanto, era conversionista, dando ênfase na salvação. A educação era
uma forma de salvar as pessoas e o ensino da leitura e da escrita tinha a finalidade
de doutrinar as pessoas na fé apregoada. Essa perspectiva pode ser aferida no
relatório de Justin Spaulding, primeiro missionário metodista, enviado para trabalhar
no Brasil em 1836:

Sob recomendação e pedido de alguns dos meus amigos aqui, abri uma
escola diária...Geralmente, crê-se que o estabelecimento de escolas de
aprendizagem sobre princípios largos e liberais será um dos meios mais
diretos de acesso ao povo deste país. Há muitos que valorizam o aprendizado
e, porque não podem educar os filhos aqui, mandam-no para outros países.
Se pudéssemos prestar-lhes esse serviço, creio que, com a bênção de Deus,
talvez poderíamos nos aproximar deles para prestar-lhes um serviço maior,
sim o maior dos serviços, o de encaminhá-los ao ‘cordeiro de Deus que tira
o pecado do mundo.’ (REILY, 2003, p.103)

Para essas missões a escola era continuidade da igreja. Ela era necessária ao
projeto conversionista, tanto como estratégia de aproximação, como explicita o
argumento de Justin, “quanto para superar o analfabetismo”. (DREHER, 2000, p.52).
Nessa educação protestante, diferente da luterana, o autor destaca a proeminente
participação das mulheres como professoras.
No livro “Vozes femininas no início do protestantismo brasileiro”, Rute S.
Almeida (2014), dá visibilidade às histórias das mulheres cujos nomes são rastreados
em meio à escassez de fontes, e suas participações são percebidas em várias frentes
da expansão do protestantismo, entre elas, a educação.
O capítulo 5 do livro trata das mulheres educadoras. Nele, a autora destaca a
missionária metodista estadunidense Martha Watts como uma pessoa singular. A
singularidade de Martha, para autora, centra-se nos seguintes aspectos: seu estado
civil, ela era solteira e assim permaneceu; sua missão, fundou uma escola para
mulheres; e seu sustento, foi a primeira mulher a ser enviada como missionária por
uma sociedade de mulheres da Igreja Metodista Episcopal dos EUA (Estados Unidos).
Estes aspectos, na minha percepção, desestabilizam, de certo modo, os estereótipos
de gênero para época, por isso tornam-se dignos de destaque.
77

No entanto, como bem apontou a professora Sandra Duarte na banca de


qualificação deste trabalho30, quando levamos em conta a nacionalidade e a raça de
Martha Watts e a conjugamos a partir da perspectiva da interseccionalidade,
percebemos que esses marcadores identitários dão a ela uma posição de privilégio
na condução da sua iniciativa educacional missionária em relação a outras
mulheres31. Se, sendo mulher branca e estadunidense já foi difícil dar seguimento ao
seu protagonismo pedagógico, o fato de não o ser, poderia, inclusive, impedi-la de
realizar tal tarefa.
De fato, o trabalho de Martha ultrapassou as esferas da evangelização e
caminhou também na perspectiva da emancipação e libertação das mulheres. Ao
dirigir-se à entidade financiadora do seu trabalho, a Woman’s Missionary Board,
Martha enfatizava no seu discurso o

Aspecto missionário de sua atuação para combater os erros do catolicismo,


a necessidade de emancipar e educar as mulheres brasileiras, prepará-las
por meio da educação para a emancipação e independência financeira e
religiosa que permitisse o acesso ao verdadeiro evangelho cristão das
missionárias. (Eliane Moura da SILVA, 2008, p.30)

Martha, outras mulheres e homens aqui no Brasil, foram parte do projeto


educacional da Igreja Metodista iniciado muito antes.
A educação foi uma marca da ação ministerial de João Wesley, precursor do
movimento metodista. Em se tratando da tradição wesleyana, Nicanor LOPES (2012,
p.25) afirma que a educação, a responsabilidade social e a pregação, são “ações
essenciais no desenvolvimento do projeto missionário” e, também “elementos
indissociáveis”. A tríade (responsabilidade social, educação e pregação) do
metodismo inglês, como o autor denomina, pode ser vista no metodismo
estadunidense e, por conseguinte, no brasileiro. (LOPES, 2012, p.27)

30 26 de Junho 2017.
31 A figura de Martha Watts é determinante para a implementação e fortalecimento do Colégio
Piracicabano na cidade. Veja o que relata a Gazeta de Piracicaba por ocasião do primeiro exame: “Além
de uma paciência de fazer inveja, a Srta. Watts possui um método que pode ser considerado original.
Não é fácil descrever a arte e habilidade que ela tem para ensinar a todos aqueles pequeninos
aritmética, inglês, etc. Assistida por professores capazes e devotados, ela pode se orgulhar pelos
resultados de seus esforços. Nós não exageramos quando dizemos que o estabelecimento, sob sua
direção, é o primeiro na Província de São Paulo; e esperamos em pouco tempo ver uma procura por
parte dos ais que desejam dar a suas filhas uma educação verdadeira – isto é, uma educação que veja
além do memorize, memorize sem fim e universal.’’ in MESQUITA, Zuleica. Evangelizar e civilizar:
Cartas de Martha Watts, 1881 -1908. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2001.
78

Após a visita do missionário estadunidense Fountain Elijah Pitts em 1835, a


primeira incursão missionária efetiva do metodismo no Brasil aconteceu em 1836, por
meio de Justin Spaulding e sua família32 que chegam em terras brasileira em
29/04/1837, após uma viagem de 37 dias.

No primeiro relatório minucioso preparado no dia 1 de setembro, após quatro


meses de permanência no país, ele oferece detalhes sobre a iniciativa. Diz
que apesar de toda antipatia e oposição conseguiu organizar uma escola
dominical a que denominou Escola Dominical Missionária Sul-americana. Aos
domingos, às 16:30 horas, mais de quarenta crianças e jovens, em oito
classes dirigidas por quatro professores e quatro professoras, sendo duas
dessas classes formadas por negros, uma falando inglês e outro português,
reuniam-se para estudar a Palavra de Deus. E após referir-se ao conteúdo
do ensino ministrado, dizer ter iniciado outro projeto anexo à Escola
Dominical, que era a biblioteca da juventude, com contribuição oferecida por
uma Escola Dominical dos EUA, de Bangor, em Maine”. (BARBOSA, 2005,
p.13)

No relato do missionário percebe-se a educação como projeto central da


evangelização. A historiografia metodista no Brasil destaca a atuação determinante
de mulheres no desenvolvimento da educação metodista do Brasil; a professora
Margarida Ribeiro tem um trabalho excelente no levantamento dessas histórias e
nomeação dessas mulheres.
Sobre a inegável contribuição das mulheres, a professora destaca que “no
cumprimento de sua missão como educadoras, elas transcenderam as fronteiras das
escolas e desenvolveram trabalhos nas instituições educacionais a serviço da
comunidade” (Margarida RIBEIRO, 2009, p.111).
Ainda que as mulheres metodistas tenham, notadamente, atuado na área de
educação de forma determinante, quando se trata da educação teológica a atuação
delas, quer como professoras, quer como alunas, é bem restrita e cheia de
empecilhos.
O livro Mais de um século de educação metodista (2000) escrito pelo bispo
Paulo Ayres Mattos, expressa no seu subtítulo a sua função precípua: “tentativa de
um sumário histórico-teológico de uma aventura educacional”. Nessa perspectiva, o
livro divide-se em quatro capítulos, sendo que os três primeiros abordam as
perspectivas educacionais da Igreja Metodista: Educação Cristã, Educação Teológica,
Educação Secular.

32Como de praxe, o nome da sua mulher foi invisibilizado, faz-se necessário uma pesquisa mais
apurada para ver se é possível descobri-lo.
79

Segundo Mattos (2000), a Educação teológica de forma institucionalizada


começa com duas escolas. O Seminário d’O Grambery, criado em 1890, foi a primeira
escola de formação teológica da Igreja Metodista, em Juiz de Fora/MG. No entanto já
em 1889, na casa do missionário J. M. Mander, na mesma cidade, havia alguns jovens
recebendo formação teológica. Depois de um longo percurso e alguns percalços, essa
escola foi elevada à categoria de faculdade em 1928.
A formação teológica do ministério pastoral era uma preocupação desde 1886.
Assim expressou-se o bispo John C. Grambery por ocasião de sua visita ao Brasil
naquele ano: “vemos a grande necessidade de uma escola bem graduada em que,
especialmente os moços que se sentem chamados por Deus para pregar, possam
obter suficiente educação literária.”33 (EDUCAÇÃO, 2011, p.3)
A segunda escola teológica metodista foi criada em 1923 no Rio Grande do Sul,
logo após a fundação do colégio Porto Alegre. Ela se transforma em faculdade em
1928 e em 1930 é equiparada a faculdade teológica de Juiz de Fora (MATOS, 2000,
p.46).
O 3º Concílio Geral da Igreja Metodista (1938) unificou as duas faculdades de
teologia a partir da proposição do bispo César Dacorso Filho que recomendava a
criação de uma nova instituição teológica34. A nova Faculdade de Teologia da Igreja
Metodista, a princípio, funcionou em Juiz de Fora, mas em 1940 migrou para São
Paulo. No começo ocupou uma casa na Vila Mariana e a partir de 1942 instalou-se
em São Bernardo do Campo.
Além da Faculdade de Teologia em São Paulo, ao final da década de 60, a
despeito das orientações canônicas de concentrar os estudos teológicos em uma
escola, a Igreja Metodista possuía três instituições teológicas regionais: o Seminário
Metodista César Dacorso Filho (Rio de Janeiro/RJ); Instituto João Wesley (Porto
Alegre/RS); e o Instituto Teológico João Ramos Jr (Belo Horizonte/MG).

33O grifo na palavra moços foi opção da pesquisadora a fim de destacar o público alvo da educação
teológica para o ministério pastoral.
34
No livro do bispo Paulo Ayres Matos encontramos uma parte do relatório episcopal que diz respeito
a proposição da criação de uma nova instituição. Vejamos: “Minha opinião é que haja uma só Faculdade
de Teologia, independente de qualquer colégio, sob a direção de um conselho superior, nomeado pelo
Concílio Geral, com estatutos próprios mantidos pelas três regiões eclesiásticas, por um plano que lhes
garanta interesses, e no lugar que mais convier à Igreja em geral. Creio que de tal modo a preparação
ministerial será mais variada, mais profunda, mais econômica, mais fortalecedora da coesão da igreja,
desfazendo regionalismos inconvenientes por desagregantes, mas uniformizadora de nossas
atividades e mais entrelaçadora dos próprios ministros”
80

A educação teológica como processo de formação para o ministério pastoral foi


desde o seu início concebida para os homens, pois apenas a eles era dado o direito
de ser pastor da igreja. No entanto, a participação das mulheres, ainda que não
visibilizada historicamente, sempre aconteceu, inclusive nos espaços de poder
majoritariamente masculinos.
Além de um ensino teológico para os homens, ele também foi concebido por
homens e, por muito tempo, o corpo docente foi apenas masculino. Vale notificar que
Otília Chaves lecionou sociologia e educação religiosa na Faculdade de Teologia
quando ainda era do Instituto Grambery, no entanto ao problematizar a sua ocupação
neste espaço, vale notificar também que na época em que lecionou, seu marido
tornara-se o reitor da instituição (Margarida RIBEIRO,s.d, s.p35). A ocupação dos
espaços de educação teológica quer como educandas, quer como educadoras não foi
uma trajetória fácil para as mulheres.

2.2. O início da educação teológica das mulheres na Igreja Metodista

Uma das motivações na realização deste trabalho é escutar e dar visibilidade a


histórias de mulheres. Neste caso, pastoras metodistas. Além da contribuição com o
processo de registro da história, há o desejo de escuta e ressignificação da própria
história da pesquisadora neste exercício de investigação.
Falar de história é também falar de memória, condição sine qua non para o
registro da história tanto na perspectiva individual, quanto coletiva. A pouca produção
referente ao ministério pastoral feminino pode ser um indicativo da falta de interesse
em dar visibilidade às pastoras no processo de registro da memória coletiva da Igreja
Metodista.
O sociólogo Maurice Halbwach (2013), entre os anos 20 e 30 do século XX,
cunha o termo memória coletiva. O ponto essencial da teoria de Halbwachs é, pois,
considerar a memória como um fenômeno social, uma reconstrução (e não
conservação) do passado a partir dos quadros sociais do presente. Halbwachs

35
RIBEIRO, Margarida. Nos trilhos da vida... Contando a história de Otília de Oliveira Chaves, sem
data, sem página. Disponível em: < http://portal.metodista.br/centrootiliachaves/artigos-para-
estudo/nos-trilhos-da-vida-contando-a-historia-de-otilia-de-oliveira-chaves>. Acesso em 17/05/18
81

apresenta a memória para além da ideia de faculdade mental, de algo individual. Ele
evidencia a memória em sua perspectiva coletiva.
Para o autor, as memórias são construções dos grupos sociais, são eles que
determinam o que é memorável e os lugares onde essa memória será preservada.
Portanto, memória individual é pertencente, subsumida, imbricada nessa memória
coletiva:

Examinemos agora a memória individual. Ela não está inteiramente isolada e


fechada. Para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa
recorrer às lembranças de outras, e se transporta a pontos de referência que
existem fora de si, determinados pela sociedade. Mais do que isso, o
funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos
que são as palavras, as ideias, que o indivíduo não inventou, mas toma
emprestado de seu ambiente. (HALBWACHS, 2013, p.72)

Michell Pollack no texto Memória, esquecimento, silêncio (1989), colabora na


problematização do conceito de memória. Afirma que a memória nacional (forma mais
completa de uma memória coletiva) não é algo livre de uma intencionalidade
coercitiva. Afirma que a memória é um espaço de luta, de disputa, onde a memória
nacional se constrói a partir da dominação de outras memórias, que ele chama de
subterrâneas.
É preciso pensar como os fatos sociais são sedimentados, que processos e
sujeitos contribuem na constituição e formalização das memórias, especialmente da
memória nacional. O provocativo em seu texto é apontar que ainda que a memória
nacional se sobreponha sobre outras memórias, chamadas subterrâneas, essas não
deixam de existir.
As memórias subterrâneas são consideradas parte integrante das culturas
minoritárias do ponto de vista político e, portanto, dominadas. Elas assumem uma
posição contrária à memória oficial, nacional, instituída por ter vencido uma disputa e,
todavia, em luta para se manter nesse espaço.
Opondo-se à mais legítima das memórias coletivas, essas lembranças são
transmitidas no quadro familiar, em associações, em redes de sociabilidade afetiva
e/ou políticas. Elas são zelosamente guardadas em estruturas de comunicação
informais e passam despercebidas pela sociedade englobante (POLLACK, 1989, p.8).
As memórias subterrâneas são vivas e vivificadas, muitas vezes, pelo silêncio.
Pollack aponta que o silêncio e o esquecimento de certos temas e eventos não
82

significam necessariamente “desapego ao grupo”, mas formas de gestar o dizível e o


indizível em cada época.
A afirmação de uma história oficial contada por quem venceu implica na
afirmação de que o movimento de fomento, veiculação e perpetuação dessa história
se dá pela decisão do grupo vencedor em relação ao que deve ser lembrado e ao que
deve ser esquecido. Então, porque outros pontos de vista da mesma história
sobrevivem? Pollack afirma que:
“o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a
resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos
oficiais. Ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes
familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição
das cartas políticas e ideológicas” (POLLACK, 1989, p.5).

Há um silêncio perturbador nas memórias subterrâneas. Ele se dá na


perspectiva de saber encontrar uma forma de adaptar-se, sem deixar de resistir. Mas
não só isso, o autor ainda aponta outras facetas do silêncio: ausência da possibilidade
de escuta; culpa; poupar a descendência de crescer nas lembranças tristes da
ascendência, entre outras.
No entanto, sendo o espaço da memória um espaço complexo, diverso, um
espaço de luta, há nesse silêncio não a ausência de barulhos, mas gritos que podem
se encontrar com outros gritos e ecoarem vozes para organizar as lembranças contra
o esquecimento.
É na busca desses silêncios que gritam, entendendo que outras vozes são
necessárias no processo de construção de um novo mundo, mais digno, que a
historiografia feminista de mulheres vem se empenhando.
A historiografia feminista é um campo entre a história e o feminismo que disputa
a concepção de que a história invisibilizou as mulheres por séculos, naturalizando sua
ausência ou seu lugar subalternizado na narrativa historiográfica.
No Brasil, por exemplo, um dos primeiros caminhos trilhados pelos estudos
feministas da década de setenta foi na direção de dar visibilidade às mulheres.
Estudos que se constituíram, muitas vezes, em descrições das condições de vida e
de trabalho das mulheres em diferentes instâncias e espaços (Guacira Lopes LOURO,
2010, p.17-18).
Este movimento não se restringe ao Brasil. Quando chegou aqui, já se iniciara
em outros países o processo de contar a história das mulheres, e olhar a história social
a partir deste sujeito. Na França, Michelle Perrot, um ícone da historiografia feminista,
83

relata que seu interesse pela história das mulheres surge na década de 70 e cita que
este movimento se expandia por outros países da Europa e nos Estados Unidos
(Michelle PERROT, 2008, p.15).
Para ela, escrever a história das mulheres era tirá-las do silêncio e da
invisibilidade. O escasso registro histórico sobre elas encontrava sustento no fato de
que “as mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos ou materiais. Seu acesso
à escrita foi tardio. Suas produções domésticas são rapidamente consumidas, ou mais
facilmente dispersas” (2008, p.17). Assim, o que predomina são os discursos sobre
as mulheres e não o das mulheres.
Michelle Perrot, em seu percurso investigativo, destaca que os registros
escritos das mulheres podem ser agrupados em três tipos de literatura: autobiografia,
diário íntimo, correspondência. “Eles não são gêneros especificamente femininos,
mas se tornam mais adequado às mulheres justamente por seu caráter privado.”
(PERROT, 2008, p.28)
Em relação às biografias destaca a escassa produção; quanto às cartas, estas
eram mais numerosas e com um considerável grau de circulação. No entanto, a
destruição e o anonimato eram ameaças diretas a elas.
Quanto ao diário íntimo, a autora nos traz uma contribuição interessante:

A escrita do diário era um exercício recomendado, principalmente pela Igreja,


que o considerava um instrumento de direção de consciência e controle
pessoal. O mesmo ocorria com os protestantes. As educadoras laicas,
entretanto, eram reticentes quanto a essa prática que impunha uma
excessiva introspecção. (PERROT, 2008, p.30)

Diários, cartas, autobiografias transitam no campo do privado. O destaque a


estes três gêneros literários é justamente porque eles reafirmam que a história de
mulheres começa a ser contada a partir do que ocorre no privado, pois é lá que elas
estão.
Uma historiografia feminista faz-se necessária pois denuncia o valor subalterno
que a sociedade dá para essas histórias e se compromete a desvelar as histórias de
resistência que são subsumidas nos relatos históricos. Como afirma Walter Benjamin:
“articular historicamente o passado não significa conhece-lo ‘como de fato ele foi.”
(BENJAMIN, 1987, p.6)
Foi por conta de um exercício historiográfico comprometido em desvelar a
trajetória de resistência das mulheres, que nomes de feministas como Olympe de
84

Gouges, Cristina de Pisano, Nísia Floresta foram visibilizados em meio a uma


articulação histórica que não apontava a trajetória de mulheres.
Ao comprometer-se em colaborar com o registro da história das mulheres no
ministério pastoral, este trabalho fez a opção de contar a história da educação
teológica das mulheres na Igreja Metodista e a história do início do ministério pastoral
exercido por mulheres, priorizando a voz delas. Num exercício de “escovar a história
a contrapelo” (BENJAMIN, 1987, p.2), essa pesquisa se valeu de atas de alguns
encontros de pastoras que aconteceram no final da década de 1970 e década de
1980.
A educação teológica de mulheres na Igreja Metodista, que começou no século
XX, direcionava-se à formação de professoras para a educação cristã. Margarida
Ribeiro, em seu trabalho historiográfico, destaca a criação de dois institutos
educacionais com este fim: o Instituto Metodista de Ribeirão Preto, SP, e Instituto
Rural Evangelístico de Colatina, ES, ambos criados “inicialmente visando a formação
de quadros para a Igreja Metodista, especialmente na área de educação religiosa”
(Margarida RIBEIRO, 2009, p.125).
No instituto educacional do Espírito Santo, mediante decisão do seu conselho
superior em outubro de 1952, passou-se a oferecer um curso especial para pastores
e obreiros (RIBEIRO, 2009, p.129).

terminando o curso, prestará exames para ser admitido à experiência


preliminar para o ministério sendo nomeado e começando seu trabalho na
Igreja e para a Igreja. As moças estudarão as mesmas matérias, mas
naturalmente não farão os exames perante a Igreja. (EXPOSITOR CRISTÃO,
v.67, n.49, 1959 apud RIBEIRO,2009, p.126)

Tal reportagem, ao registrar que naturalmente as mulheres não fariam exames


perante a igreja, mostra quão naturalizada era a negação do direito das mulheres
ocuparem o ministério pastoral, mas felizmente, anos depois, isso teria fim.
Quanto ao Instituto Metodista de Ribeirão Preto, ele começou a funcionar em
1941 (idem, p.125). Segundo Dina Rizzi:

Existia em Ribeirão Preto, uma escola, que em 1935 havia passado por uma
modificação na sua estrutura, passando de escola primária, para uma espécie
de centro comunitário. Durante cinco anos realizou a sua obra, beneficiando
a comunidade local. Em 1940, no seu Conselho Superior, como era então
chamado, havia uma senhora – D. Agnes Dawsey, esposa do Rev. Ciro
Dawsey, que mais tarde chegou a ser um de nossos bispos. Por sua
sugestão, e porque não dizer, por inspiração divina, o Instituto Metodista
iniciou em 1941 um curso de Educação Cristã para jovens que haviam
85

terminado o seu curso primário. Era um curso de dois anos apenas, nos quais
as professoras tentavam dar às jovens o máximo possível, para que
pudessem voltar às suas igrejas e desempenhar o seu trabalho junto às
mesmas no campo da Educação Cristã (Dina RIZZI, 1979, p.21).

À medida que o tempo foi passando a formação das mulheres foi sendo mais
apurada, no princípio a exigência era o curso primário, depois passou a ser o ginasial.
O Instituto Metodista de Ribeirão Preto foi transferido para São Paulo, na
Chácara Flora, passando a chamar-se Instituto Metodista Santo Amaro,
transformando-se em instituição da área geral da Igreja. Suas atividades foram
iniciadas em 1950 sob a reitoria de Sarah Bennett (Margarida RIBEIRO, 2009, p.126).
A formação feminina também não habilitava as mulheres para o ministério
pastoral da igreja. Albertina Damasceno foi a primeira diaconisa a se formar. O curso
de Educação Cristã oferecido por esse instituto recebia mulheres ao diaconato.
Segundo Romilde S. Sant’Ana o curso preparava as mulheres para:

a) ser boa esposa e dona de casa: havia aulas de nutrição, boa postura,
culinária, enfermagem, horticultura, primeiros socorros com orientação sobre
obstetrícia, artes plásticas, etc. b) ser boa mãe e educadora: tínhamos aula
de psicologia da criança do adolescente e educação cristã no lar. c) ser
obreira: havia aulas sobre educação cristã, história da igreja, doutrinas da fé
cristã, música (harmonia, solfejo, hinologia e regência), seminários de
formação para trabalhos em favelas, serviço social na casa e em
comunidades, aconselhamento pastoral, criatividade, mitologia, liturgia e
pregação, cânones. O lema do Instituto era Viver para Servir e o Hino de
marcha trazia as seguintes expressões: o Instituto é sagrada montanha, onde
vemos um rosto brilhar; mas lá em baixo a agonia é tamanha, precisamos
descer e curar. As diaconisas mesmo depois de haverem concluído o curso,
após o casamento eram obrigadas a renunciarem a função. (V
ENCONTRO..., 1982, p.4-5)

O relato de Romilde é parte da sua palestra no V Encontro Nacional de Pastoras


Metodistas realizado na FATEO em 1982.
A primeira ordenação a que as mulheres obtiveram acesso foi a ordem das
diaconisas e isso aconteceu em 1955 no VII Concílio Geral da Igreja. Essa ordem
surge para atender a necessidade de educação religiosa, cuidado das crianças nos
orfanatos, aulas nas escolas paroquiais, assistência social. A ordem diaconal é assim
definida nos Cânones: “o corpo de obreiras leigas vocacionadas para o trabalho
cristão e, mediante voto, consagradas pela imposição das mãos de um bispo para a
obra educativa, social e evangelizante da Igreja” (Cânones da Igreja Metodista, 1955,
apud Romilde dos Santos SANT’ANA, s/d.).
86

Ainda que a ordem diaconal restringisse às mulheres, os papeis socialmente


aceitos, isto é, os ligados ao cuidado, a aprovação dessa ordem em 1955 foi
consequência de uma articulação que começou em 1940.
Ainda por ocasião do IV Concílio Geral, 1940, foi recomendado e aceito pelo
Concílio Regional do Sul que a Junta Regional de Ação Social do Sul encaminhasse
ao Concílio Geral o pedido para a fundação da Ordem de Diaconisas, ou seja, uma
ordem leiga de trabalhadoras sociais. Para que o pedido não ficasse nisso apenas, foi
reeleita uma comissão de estudos e propaganda da ordem. No VII Concílio Geral
(1955) há a aprovação da ordem das diaconisas. No VIII Concílio Geral (1960) as
diaconisas, ao mesmo tempo que conquistavam o direito de se tornarem membros
votantes nos concílios distritais e paroquiais, tiveram negado o direito de votar nos
concílios regionais.
A aprovação do ingresso das mulheres na ordem presbiteral acontece em 1971
e logo em seguida começa o ingresso das que aspiravam o ministério pastoral na
Faculdade de Teologia.
O V Encontro Nacional de Pastoras, ao que parece, mediante os registros em
ata, teve a intencionalidade de reconstruir a história do ministério pastoral feminino.
Em uma das palestras referentes ao tema, a história foi construída “a partir da
presença das alunas na Faculdade de Teologia e Instituto Metodista Bennett de
Ensino” (V ENCONTRO..., 1982, p.06). Assim registrou-se em ata:

Em 1973 apareceu a primeira mulher como candidata ao curso Bacharel em


Teologia, em 1974, mais três mulheres fizeram matrícula, mas estas não
chegaram a completar o curso. Em 1975 Abigail Silva, Eunice Roberto de
Araújo e Cleusa Maksumbaker iniciaram o curso. (V ENCONTRO..., 1982,
p.4-5).

A chegada das mulheres na FATEO não foi fruto de um incentivo eclesiástico


para tal; não houve, como destaca Zeni de Lima Soares, “nenhum trabalho de
divulgação nas igrejas locais. A partir de 1973, depois da chegada das mulheres é que
foram arranjar as acomodações na Faculdade de Teologia” (V ENCONTRO..., 1982,
p.07).
Zeni Lima Soares, a primeira presbítera eleita, problematiza o encerramento
das atividades do Instituto de Santo Amaro, nos trazendo uma consideração
importante sobre a limitação do acesso das mulheres à educação teológica. Adverte
a pastora:
87

Acho – opina Zeni que- uma vez que a oportunidade foi dada ao ministério
feminino, a mulher deve corresponder a ele dizendo “presente”. Sei –
continua – que nos próximos anos muitas colegas que estudaram no extinto
Instituto Metodista serão ordenadas presbíteras. A maioria desempenha
função pastoral, como diaconisas, em regiões mais abertas à participação da
mulher. Recorda Zeni que- até 1967, O Instituto Metodista tinha como
finalidade preparar moças para o trabalho nas Igrejas. Do currículo do curso
constava, além da matéria básica – educação cristã – uma série de cursos
práticos, que colocava a moça ao par dos problemas existentes na Igreja.
O curso não existe mais. As moças que queiram se preparar para servir a
Igreja estão sendo dirigidas ao Instituto Metodista de Ensino Superior – o IMS
- em Rudge Ramos, SP. Segundo observa Zeni “isto diminui um pouco o
número de moças interessadas. No Instituto Metodista – o de Santo Amaro -
a instrução mínima exigida era o ginásio completo. Na faculdade é o colegial.
Isto também dificulta os planos de muita gente”. (Claudia Romano de
SANT’ANA, 1974, apud REILY, 2003, p.392)

As resistências não se apresentavam apenas em termos de acomodação da


estrutura para receber mulheres na Faculdade, os registros desse V Encontro relatam
dois episódios que retratam a dificuldade por parte de professores com o ingresso das
mulheres no ministério pastoral:

No ano de 1977, um movimento liderado pelo professor Reinaldo Brose tentou


forjar uma maneira de as mulheres assumirem a área de educação cristã e
mais uma vez as pastoras brigaram pelo pastorado local. Ainda no ano de 1976
o prof. Duncan Alexander Reily convocou a acadêmica Isaly Rubim para uma
conversa particular em que tentou convencê-la da incapacidade em poder
conciliar a responsabilidade familiar e o pastorado. Observa-se que a própria
faculdade questionava a Faculdade e o Ministério Pastoral Feminino. (V
ENCONTRO..., 1982, p.07)

O registro acima personifica a discriminação que as mulheres sofriam


nomeando dois professores da época, mas obviamente que tais discriminações eram
muito mais profundas e cotidianas e foram para além de uma conversa aqui, outra ali.
A ata do V Encontro está repleta de denúncias nesse sentido. E já não se estava mais
no início da década de 1970, era 1982. Essa era a época do Plano para a Vida e
Missão, que preconizava um conceito libertador de educação teológica, e época das
diretrizes para educação da Igreja Metodista que afirmavam que:

Toda a ação educativa da Igreja deverá proporcionar aos participantes


condições para que se libertem das injustiças e males sociais que se
manifestam na organização da sociedade, tais como: a deterioração das
relações na família e entre as pessoas, a deturpação do sexo, o problema
dos menores, dos idosos, dos marginalizados, a opressão da mulher, a
prostituição, o racismo, a violência, o êxodo rural resultante do mau uso da
terra e da exploração dos trabalhadores do campo, a usurpação dos direitos
do índio, o problema da ocupação desumanizante do solo urbano e rural, o
88

problema dos toxicômanos, dos alcoólatras, e outros (IGREJA METODISTA,


1996, p. 51) (grifo da autora).

Na ata do V Encontro Nacional de Pastoras Metodistas é possível se deparar


com outros relatos que denunciam a discriminação:

Clauri M. Gonçalves: Aqui na Faculdade também existe discriminação, a


Mulher é sempre taxada por aquilo que deixou de fazer. O critério para as
notas são os mesmos para homens e mulheres, mas sempre é possível uma
nota justa quando se corre atrás da justiça. Tive de empreender uma longa
espera até que a Faculdade decidisse nomear um orientador para me
acompanhar na elaboração da monografia. As colegas Maria Helena Garin e
Maria de Jesus foram descontinuadas, uma alegando-se ter ficado em
dependência, e outra por problemas de relacionamento com os colegas. No
entanto, percebo que estamos abrindo picadas para o M.P.F., no início em
75 com a chegada das colegas Abigail, Eunice e Cleuza, em 78 realizou-se
aqui nas dependências da F.T. o primeiro encontro das pastoras, atualmente
estamos lutando para que haja maior abertura ao diálogo e a participação das
mulheres na vida da F.T. (V ENCONTRO..., 1982, p.11-12)

O relato evidencia a Faculdade de Teologia na época como um espaço hostil,


de luta das mulheres por sua manutenção na academia e seu ingresso no ministério
pastoral. Este espaço não se restringia apenas à faculdade, mas à Igreja Metodista
que, de maneira geral, reagia negativamente a essa perspectiva. No entanto, foi na
própria Faculdade de Teologia que surgiu o fomento de encontros de pastoras, e onde
se realizaram os encontros iniciais. Na ata há, também, registros sobre o valor da
formação teológica vivenciada na FATEO, especialmente contrapondo-a com a
educação oferecida às diaconisas:

Romilde: Durante 13 e 14 anos que vivi em Minas Gerais atuei na igreja como
esposa de pastor, alienada da realidade não cheguei nem mesmo a perceber
a crise de 64 no Brasil. Sempre procurei uma forma de voltar para a
Faculdade de Teologia e isso só foi possível a 3 anos atrás. Foi aqui que tive
minha visão de mundo ampliada, sinto que temos que nos salvar, superar a
castração que nos foi imposta pela sociedade e igreja, temos que nos
ajudarmos (V ENCONTRO..., 1982, p.06).

A expressão de Romilde Foi aqui que tive a minha visão de mundo ampliada
evoca o processo que Freire chamou de transitividade crítica da consciência que é:

[...] voltada para a responsabilidade social e política, se caracteriza pela


profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de
explicações mágicas por princípios causais. Por procurar testar os “achados”
e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo de preconceitos na
análise dos problemas e, na sua apreensão, esforçar-se por evitar
deformações. Por negar a transferência da responsabilidade. Pela recusa a
posições quietistas. Por segurança na argumentação (FREIRE, 1967, p.60).
89

A transitividade a que Freire se refere, diz respeito ao movimento do ser


humano como um ser no mundo e com o mundo. Assim afirma o autor: “existir é um
conceito dinâmico” (FREIRE, 1967, p.59). Da transitividade ingênua à transitividade
crítica há um movimento que demanda um posicionamento pedagógico comprometido
com a libertação, com a emancipação do ser humano e o respeito à dignidade
humana. E, de alguma forma, esse espírito estava presente na Faculdade de
Teologia:

Rosenice: Existe um ponto de tensão entre o que ensina a Faculdade de


Teologia e a Igreja Local. Na Faculdade aprendemos a não ser autoritárias,
a trabalhar em equipe, enquanto na igreja local exige que sejamos
autoritárias, que decidamos, que busquemos soluções para os problemas.
Glória: Nós mulheres não somos educadas para ocupar o lugar para onde
somos destinadas. Acontece que nós pensamos, analisamos, nos
conscientizamos a respeito dos fatos mas nunca vamos além disso. O que
podemos fazer para denunciar? (V ENCONTRO..., 1982, p.13).

Uma educação reflexiva que apontava caminhos libertadores, posturas


contrárias às da igreja local em relação à maneira como dialogar com a religião e
respeitar as pessoas, mas, no entanto, não chegava a atingir totalmente as
necessidades das mulheres em sua formação para o ministério pastoral. Por quê? A
inquietante questão da prof.ª Simone Dorneles sobre quem é o sujeito do discurso e
para que sujeito se discursa nas diretrizes de educação da Igreja Metodista, já
enfatizada neste capítulo, pode colaborar com o processo de reflexão. E a partir
destas perguntas, e por meio dos relatos de mulheres aqui expostos, é possível
afirmar que as mulheres não são os sujeitos, elas são o “outro”, a que Simone de
Beauvoir se refere no livro O Segundo Sexo:

O homem é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem. Ela não é senão
o que o homem decide que seja; daí dizer-se o “sexo” para dizer que ela se
apresenta diante do macho como um ser sexuado: para ele a fêmea é sexo,
logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação
ao homem, e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o
essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro (Simone du
BEAVOIR, 2009, p.16).

Em muitos momentos o tema da educação teológica esteve presente nas


discussões dos encontros nacionais de pastoras que questionavam a dicotomia entre
o que se ensinava e o que a igreja esperava de uma atuação pastoral, mas também
quanto ao discurso teológico ensinado e a forma como alunas e alunos eram tratados:
90

Abigail: como transpor a cultura da Fac. de Teologia para a Igreja Local. A


Educação Teológica tem demostrado ser verdadeiros “pacotes”. Há a
necessidade desta educação vir a obedecer um processo libertador do aluno
para que ele tenha condições de participar deste processo. I. AÇO:
Precisamos refletir a respeito do “como comunicar”, “como dizer”, como
transmitir os conhecimentos teológicos duma forma que o povo aceite ouvir.
MARISA: a nova proposta de educação libertadora, estando ainda ausente
uma prática pastoral, enquanto a grande maioria de alunos e ex-alunos da
Fac. teologia faça um levantamento destas pessoas para trabalhar suas
crises. I. AÇO: a crise não é devido a crise da Fac. de Teologia, mas da
Educação Teológica da Igreja. É importante entender a crise, assumi-la, lutar
e pagar por ela. Há necessidade de se trabalhar a partir desta postura, numa
proposta dialógica, honesta, utilizando instrumentos adequados (V
ENCONTRO, 1982, p.10).

Os encontros nacionais de pastoras, as articulações das acadêmicas de


Teologia foram determinantes no processo político de fortalecimento da presença das
mulheres nesse espaço.
Ainda em relação à educação das mulheres um marco importante foi a criação
da Cátedra Otília Chaves. Não existem pesquisas sobre o processo de formação
dessa cátedra, que depois passou a se chamar Centro Otília Chaves. É preciso
escrever essa história de forma mais amiúde, pois apenas algumas informações estão
disponíveis na página do Centro Otília Chaves:

O Centro Otília Chaves foi criado com a finalidade de integrar cada vez mais
os temas igreja-gênero-sociedade. Refletir sobre a presença das mulheres
na Igreja e na sociedade, capacitando-as para atuarem de maneira
consciente e transformadora, além de incentivar e dinamizar as pesquisas
relacionadas às histórias de mulheres.
Objetivos
Priorizar as questões relacionadas à mulher, pastoral, gênero e cidadania;
capacitar e refletir sobre a presença da mulher na Igreja Metodista e na
sociedade; proporcionar a integração da Fateo com a Confederação das
Sociedades Metodistas de Mulheres; capacitar e estimular a presença das
mulheres jovens nas igrejas e nos movimentos ecumênicos e na sociedade;
capacitar e ampliar a ação pastoral, especialmente no que diz respeito à
inclusão das mulheres nas diversas situações do cotidiano; incentivar e
dinamizar as pesquisas relacionadas às histórias de mulheres (memória de
mulheres do protestantismo brasileiro, especialmente mulheres metodistas);
Desenvolver publicações que atendam a prática missionária da Igreja,
principalmente destinadas às mulheres;
Histórico do Centro Otília Chaves
A Cátedra Otília Chaves surgiu no contexto da Década de Solidariedade das
Igrejas com as mulheres – CMI, por iniciativa das seguintes pessoas: Profª.
Bárbara Kemper, Prof. Thomas Kemper, Prof. Rui de Souza Josgrilberg,
Instituto Pastoral da FaTeo.
Para viabilizar este projeto buscou-se ajuda da Junta de Ministérios Globais
– Divisão de Mulheres dos EUA e da Igreja Unida do Canadá. A Cátedra Otília
Chaves, ampliou a sua atuação, transformando-a em Centro Otília Chaves.
Ao mesmo tempo preservando o aspecto acadêmico da Cátedra, na
91

ministração de aulas com temas afins36(UNIVERSIDADE METODISTA DE


SÃO PAULO, s.d.).

O atual centro Otília Chaves, na sua concepção, foi nomeado como Cátedra
Feminista Otília Chaves, pois a sua intencionalidade era de fato ser um espaço para
estudos feministas e para viabilizar as demandas relacionadas às desigualdades nas
relações de gênero, dentro e fora do espaço eclesiástico. A palavra feminista não
permaneceu, nomeou-se, a princípio, como Cátedra Otília Chaves e posteriormente,
como Centro Otília Chaves. Enquanto era uma cátedra, esteve sob a coordenação da
Prof.ª Bárbara Hufner e depois da Prof.ª e pastora Nancy Cardoso Pereira. Atualmente
quem coordena o Centro Otília Chaves é a Prof.ª e pastora Margarida Ribeiro. Este
centro tem sido importante no processo de apoio para a formação das mulheres na
Igreja Metodista e para a formação de estudantes pesquisadoras(es), entre outras
atividades.
Nesse processo de disputa de território, um terreno bem difícil é a composição
da equipe docente no que diz respeito à presença de mulheres. Uma pesquisa sobre
a trajetória das professoras na Faculdade de Teologia, discutindo as disciplinas por
elas ministradas, e problematizando a ausência das mulheres, é algo de extrema valia.
Se atualmente a presença das mulheres se faz notória em termos numéricos
no quadro discente, a presença de professoras é bem mais tímida. Recentemente na
renovação do quadro docente da Faculdade foram contratados muitos homens, mas
o número de mulheres permanece restrito e, em decorrência do polêmico processo
de renovação do quadro docente, que não cabe discutir aqui, infelizmente, a faculdade
perdeu uma mulher, a professora Magali do Nascimento Cunha, que pediu demissão.

2.3. Educação Teológica no Século XXI

Educação teológica no século XXI: rumos, perspectivas e visões foi o tema da


58ª Semana Wesleyana em 2011. Este tema foi inspirado nos 120 anos da Educação
Teológica. Na ocasião o Mosaico Apoio Pastoral, uma publicação da Faculdade de
Teologia da Igreja Metodista, publicou uma edição especial sobre os 120 anos de
educação teológica no Brasil. Outra publicação oriunda deste momento histórico na

36
Sobre o Centro Otília Chaves. Disponível em: <http://portal.metodista.br/centrootiliachaves/sobre-o-
centro>. Acesso em: 17/05/2018.
92

vida da Igreja Metodista foi o livro Educação Teológica no século XX: rumos
perspectivas e visões sob a organização do prof. José Carlos de Souza. A publicação
é uma excelente fonte de reflexão sobre a educação teológica no Brasil, ainda que
dos treze artigos publicados apenas dois sejam de autoria de mulheres.
Três perguntas provocativas nortearam parte das reflexões registradas no livro,
que é fruto das palestras que aconteceram na 58ª Semana Wesleyana. São elas: Para
que serve a educação teológica? Ela é realmente necessária? O que as Igrejas
esperam da educação teológica?
As duas primeiras perguntas nortearam a exposição do pastor da Igreja
Presbiteriana Unida, Zwinglio M. Dias, que define educação teológica como:

Processo de formação de novos dirigentes eclesiásticos e de novos


intérpretes de sua herança na fé, sempre esteve ligada à preservação da
tradição teológica identificadora da instituição, e ao mesmo tempo, à
atualização e/ou reformulação ou, como se diz hoje, releitura dos marcos
teológicos institucionais frente às novas demandas impostas pelas mudanças
históricas. Portanto, mais do que necessárias, a educação teológica das
novas gerações das igrejas e a contínua reelaboração de seus marcos
teológicos confessionais, numa perspectiva de diálogo e comunhão com as
demais tradições eclesiais, se impõem como um verdadeiro articulus standis
et cadentes ecclesia (uma questão diante da qual a igreja permanece ou cai)
(DIAS, 2011, apud SOUZA (org.), 2011, p.19).

É preciso buscar uma educação teológica comprometida com a perpetuação


da história, sem, contudo, abrir mão de uma reflexão que dialogue com os temas
emergentes na sociedade e as demandas que deles surgem. Neste exercício, Dias
atenta para que a educação seja feita com a intencionalidade de que ao conhecer a
história, as novas gerações possam ter a possibilidade de se “livrarem de repetir os
erros do passado ou, simplesmente não inventarem a roda, depois de se perderem
indo atrás de qualquer vento de doutrina” (idem, p.19-20). O autor ainda aponta uma
outra responsabilidade da educação teológica:

Devem esses centros criar as condições espirituais e intelectuais para que as


futuras lideranças se tornem capazes de exercer a sua responsabilidade na
recriação, com as marcas de sua tradição particular, de uma teologia mais
fiel e consequentemente com a herança bíblica e que responda às
necessidades mais profundas do momento histórico que lhes toca atravessar
(DIAS, 2011, apud SOUZA (org.), 2011, p.20).
Essas afirmações do autor são decorrentes de sua constatação de que as igrejas
nascidas na era do protestantismo de missão no Brasil, século XIX (entre elas a Igreja
Metodista), se desenvolveram “em contraposição aos reais problemas,
93

condicionamentos culturais e interrogações do conjunto da população deste país”


(idem, p.20).
A proposição de Zwinglio é que a educação teológica assuma voz profética e
contextual; tal posicionamento, por coerência, tornar-se-á sempre diferente do que a
Igreja pensa e acredita? É possível que sim. Nesse binômio educação teológica-igreja
é benéfico que essa relação contenha em si o saudável conflito da diversidade e os
cuidados respeitosos por meio do diálogo. Por isso, é interessante saber o que as
igrejas esperam da educação teológica.
À pergunta: o que as igrejas esperam da educação teológica?, a 58ª Semana
Wesleyana contou com a reflexão de três pessoas: o bispo metodista João Carlos
Lopes, a pastora metodista Hideide Brito Torres, hoje bispa, e o professor e pastor da
igreja presbiteriana independente, Leontino Farias da Silva.
Em suas considerações os autores e a autora convergem, assim como o pastor
e professor Zwinglio já apontou, para a ideia de que há um conflito entre o ambiente
acadêmico e o ambiente eclesiástico, o que um espera do outro é que ambos sejam
o seu próprio eco, fato impossível ao se considerar as suas distintas naturezas e
identidades. Para este capítulo nos ateremos, de forma mais amiúde, às expectativas
apresentadas por João Carlos Lopes e Hideide Brito Torres.
João Carlos Lopes (2011, apud SOUZA (org.), 2011), ao responder essa pergunta
sob a perspectiva pastoral, aponta as expectativas, na percepção da pesquisadora,
do ponto de vista do poder eclesiástico. Assim, segundo Lopes “a igreja espera que a
educação teológica sirva à igreja de forma diaconal, priorize o conhecimento da
vontade de Deus” (p.32). Sua fala parece expressar, por meio da expressão diaconal,
a necessidade de uma teologia prática que beneficie a igreja, ao invés de uma
preocupação acadêmica.
Sob a perspectiva diaconal da educação teológica o autor afirma que:
isso pode beneficiar a própria igreja mais intensamente que as especulações
a respeito do próprio Deus; colaborar na elaboração de convicções e na
definição de limites do que é e do que não é inegociável, reafirma que o
caráter profissionalizante do curso tendo em vista o seu reconhecimento, não
se sobreponha, ou diminua a sua perspectiva ministerial”. (LOPES, 2011,
apud SOUZA (org.), 2011, p.34-36)
Além disso, traz outros dois destaques para educação teológica, primeiro
afirmando que “o fundamento do profissional da educação teológica “deve estar
voltado mais para o leigo, do que para o profissional” (p.32). O segundo enfatizando
que ela deve ser missionária, a fim de que as pessoas que nela se formem não apenas
94

guardem os dogmas e doutrinas da fé, mas saibam compartilhar a fé. O bispo termina
sua fala evocando Wesley e, partir dele, oferece três sugestões:

Então, o que John Wesley diria a respeito da formação teológica? Quero


sugerir três coisas:
Primeiro: se algo não pode ser alvo da reflexão, então não merece ser crido.
Aquilo que merece que eu creia deve ser alvo de reflexão. Trata-se do desafio
de integração da razão e da revelação.
Segundo: se algo não pode ser cantado, não merece ser ensinado. Tudo que
merece ser ensinado pode ser cantado. É o desafio da integração entre a
beleza e a verdade.
Finalmente, se algo não pode ser vivido, pelo que comunica, seja pastor,
pastora, leigo, leiga, professor, professora, então não merece ser
comunicado. O desafio é a integridade, coerência, testemunho e a ética cristã
(LOPES, 2011, apud SOUZA (org.), 2011, p.36).

2 Já a pastora Hideide Brito Torres, atualmente bispa da igreja, produz sua


análise “na qualidade de pastora como me foi solicitado” (Hideide Brito TORRES, apud
SOUZA (org.), 2011, p.48). Nesta direção, ela expõe as expectativas a partir de dois
eixos: o povo e a formação teológica da liderança pastoral, e o que a administração
espera da educação teológica. Sobre o povo e a formação teológica do pastor e da
pastora ela afirma que:

[...] a membresia espera que a formação teológica dê coerência ao todo no


ministério pastoral. A formação teológica deve ser capaz também de ajudar a
forjar um caráter santo no pastor e na pastora [...] A educação teológica deve
gerar no pastor e na pastora um senso de preservação relacional e
comunitária nesses tempos de individualismo religioso (Hideide Brito
TORRES, apud SOUZA (org.), 2011, p.54-55).

Quanto à expectativa da administração em relação à educação teológica,


primeiro é preciso destacar que administração a que a autora se refere é a instituição
eclesiástica que, segundo ela, “para manter-se em funcionamento, ela (igreja-
instituição) aguarda que a educação teológica lhe dê a mão de obra especializada
para as tarefas a que se propõe” (idem p.56).
Na reflexão da pastora, surge a expectativa de uma educação libertadora, e ela
assim a define:

A educação teológica deve ser libertadora no sentido de elevar as pessoas


às condições de protagonistas de sua história. Vivemos um novo nível de
massificação como nunca imaginado. A teologia tem se tornado produto e
tem gerado mercados. Prova disso, é o grande número de cursos que se
oferece. Se, por um lado podemos agradecer pela ampla oferta de
conhecimento, por outro, nos deparamos com o consumo e com o
pragmatismo que caracterizam, em muitos momentos, a educação teológica
que temos recebido. A educação teológica libertadora deve ser, portanto,
95

comprometida, assumindo posturas e negando qualquer falsa neutralidade


em nome de um bem-estar aparente, do que seria politicamente correto
(Hideide Brito TORRES, apud SOUZA (org.), 2011, p.57).

Ao ser libertadora, afirma a autora, ela não pode sucumbir ao academicismo e


opor-se à espiritualidade e se tornar instrumento de dominação cultural, porque “se
priorizar o seu lado acadêmico, a teologia pode se mundanizar, se secularizar e se
tornar consumo. E se priorizar seu lado, digamos espiritual, pode perder suas raízes
e ficar ao sabor do vento.” (Hideide Brito TORRES, apud SOUZA (org.), 2011, p.59-
60)
Em sua reflexão a autora não abre mão de uma educação teológica que seja
instrumento de formação dos pastores e pastoras da igreja, mas também abre espaço
para um pensar teológico que possa se exercitar para além disso, dando ao aluno e à
aluna possibilidades de problematizar a sua crença em Deus e na vida, como exercício
positivo de fundamentação da fé e de uma atuação pastoral que dialogue com a
sociedade, com a vida real de uma maneira mais criteriosa e menos ingênua. Salienta
Hideide Torres:

Se não somos impactados, em nenhum momento, pela faculdade de teologia,


se não vivemos uma ‘crise’ aqui para estabelecer um relacionamento entre
nossa teologia do povo com a teologia acadêmica, isso se deve ao fato de
não termos usado nossas mentes racionais, como nos exorta Agostinho de
Hipona. E se não crescemos nisso, certamente sofreremos mais à frente a
crise entre a teologia do púlpito e a teologia do povo. (Hideide Brito TORRES,
2011, apud SOUZA (org.), 2011, p.52)

Leontino Faria dos Santos aponta temas muito semelhantes ao que João
Carlos Lopes e Hideide Brito Torres destacam quanto à expectativa da igreja em
relação à educação teológica e ainda acrescenta que “as igrejas esperam que seus
seminários não se descuidem da formação adequada dos docentes” (SANTOS, 2011,
apud SOUZA (org.), 2011, p. 41); e “que os seminários sejam fiéis reprodutores da
‘imagem-ideal’ desta instituição” (idem, p.41). Sobre este último tópico, destaca:

Quando o seminário assume a “imagem-ideal” da instituição (Igreja): neste


caso, ele atende ao anseio da Igreja e ganha a confiança dela pois o
dogmatismo da denominação está assegurado. Perguntamos, porém, onde
está esse Seminário ou onde ele não está? Quando o seminário tem visão
profética no processo de educação teológica, sua teologia pode não caber na
estrutura da instituição: põe-na em perigo; gera instabilidade, desconforto,
ameaça de divisão ou fechamento do Seminário. (SANTOS, 2011, apud
SOUZA (org.), 2011, p. 44)
96

O exercício proposto pela FATEO por meio da 58ª Semana Wesleyana foi de
extrema valia, pois de fato é preciso que a faculdade se proponha a (re)pensar seu
papel, problematizar a educação teológica que está proposta no seu fazer num diálogo
com a igreja e com a sociedade, mas no binômio igreja-educação teológica, também
deve haver espaço, disposição da igreja para que a educação teológica apresente
suas expectativas: o que a educação teológica espera da Igreja-instituição? É uma
pergunta que clama por espaço e resposta e seguramente a Faculdade de Teologia
tem muito a dizer.
Se a educação teológica está em uma relação intrínseca com a igreja ela
acontece na sociedade e com a sociedade porque “toda reflexão teológica deve
sempre começar a partir da consciência da situação concreta em que nos
encontramos” (DIAS, 2011, apud SOUZA (org.), 2011, p.19). Por isso, o diálogo com
a sociedade de modo geral é fundamental, e a maneira como a sociedade caminha
também interfere diretamente no desenvolvimento da educação teológica.
O teólogo e pastor metodista Cláudio de Oliveira Ribeiro, que também
participou dessa semana, afirmou durante o evento:

Minha proposição é que se não ocorrerem, nos próximos vinte anos, rupturas
no processo democrático brasileiro que cerceiam os avanços sociais e a
liberdade das instituições, incluindo as igrejas e as de ensino, e se as igrejas
mantiverem o perfil conservador [mesmo com o aceleramento das propostas
intimistas, massificantes e refratárias ao pensamento crítico, como vemos
hoje], mas não eliminarem o espaço de reflexão mais crítica, a educação
teológica vai ser mais avançada do que ela é hoje. (RIBEIRO, 2011, apud
SOUZA (org.), 2011, p.19)

Quase dez anos depois da sua reflexão, o Brasil está inserido em uma contexto
político-religioso extremamente complexo; Magali do Nascimento Cunha chama
atenção para o neoconservadorismo evangélico que paira na sociedade, assim
definido por ela:

O neoconservadorismo emerge, no Brasil, como reação a transformações


socioculturais que o país tem experimentado, em especial a partir dos anos
2002, com a abertura e a potencialização de políticas voltadas para direitos
humanos e gênero. O prefixo “neo” se deve à forma como as lideranças
evangélicas se apresentam: como pertencentes aos novos tempos, em que
a religião tem como aliados o mercado, as mídias e as tecnologias – mas que
se revelam defensoras de um conservadorismo explícito e discursos de
rigidez moral, visando à conquista de poder na esfera pública. O
neoconservadorismo evangélico não é, no entanto, um dado isolado, é parte
de um contexto de fortalecimento de posturas conservadoras na esfera
pública brasileira em geral (Magali do Nascimento CUNHA, 2016, p.152-153).
97

O retrocesso que o Brasil vive atualmente pode ser evidenciando na politização


do judiciário e na judicialização da política; no golpe que destituiu a presidenta Dilma,
no recrudescimento e resistência aos movimentos sociais; na desmobilização e até
mesmo suspensão de políticas públicas para emancipação das mulheres, reparação
histórica com a população negra, e garantia dos direitos humanos às populações
marginalizadas. Esses retrocessos encontram eco e apoio na frente parlamentar
evangélica e nos pastores e pastoras midiáticos. Tudo isso acaba por dar o tom das
pregações nos púlpitos das igrejas. O quanto tal pressão interfere na educação
teológica? Isso é algo a se pesquisar.
Na 58ª Semana Wesleyana temas referentes às mulheres e à população negra
estiveram presentes em dois registros na publicação referente a este importante
momento de reflexão. Na expressão do pesquisador Cláudio Ribeiro, especialmente
quando constata que “é bastante reduzido o número de mulheres e pessoas negras
nos corpos docentes, além de ser bastante tímida a presença leiga” (RIBEIRO, 2011,
apud SOUZA (org.), 2011, p.138). E quando constata em sua projeção para o futuro
da educação teológica em 2020, continua a afirmar que:

O número de mulheres e pessoas negras nos corpos docentes continuará, a


meu ver, lamentavelmente reduzido. O mesmo se dará em relação à
presença leiga na docência teológica. Ainda que haja um bom número de
mulheres e pessoas negras que tenham passado pelos processos de
formação nas últimas décadas ou que passarão nos próximos anos. As
instituições não criaram formas objetivas para responder a esse grande
desafio que o século 20 gerou (RIBEIRO, 2011, apud SOUZA (org.), 2011,
p.140).

Essa e outras semanas wesleyanas, bem como as semanas teológicas (SET)


são profícuos espaços de produção do conhecimento, reflexão da prática e
prospecção do futuro. Isso no processo de toda instituição educacional é fundamental
e, nesse exercício, crises, especialmente em relação à igreja como instituição, podem
surgir. O olhar crítico é necessário, assim destaca Eni Walter Seibert: “se o olhar crítico
não é bem-vindo, então pode ocorrer o confronto. No entanto, o exercício crítico tem
uma força positiva de análise que nunca deveria ser desprezada” (SEIBERT, 2011,
apud SOUZA (org.), 2011, p.66).
Ao que parece o Colégio Episcopal da Igreja tem reconhecido e avaliado de
forma positiva a Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, pois assim se pronunciou
em seu relatório ao XIX Concílio Geral da Igreja:
98

A Faculdade de Teologia - FaTeo, na continuidade dos anos anteriores, tem-


se esmerado em oferecer um ensino teológico com qualidade acadêmica e
com estreito vínculo com a realidade e a prática das igrejas locais. O resultado
disso, no quadriênio, foi que ela teve avaliações positivas por parte dos
órgãos governamentais, sendo destaque em cursos EAD’s, fazendo parte de
um pequeno número de cursos no Brasil considerados de excelência.
Também, o crescimento do número de alunos aponta para a relevância da
formação oferecida para aqueles e aquelas que desejam vivenciar a vocação
pastoral nas mais diversas denominações cristãs. Ao final desse período
eclesiástico, a FaTeo alcançou a incrível marca de 1900 alunos/as,
oriundos/as das mais diferentes denominações cristãs do país. No curso
presencial, conta com 230 discentes, dos quais 122 são recomendados pela
Igreja Metodista. No Curso Teológico Pastoral - CTP conta com 111 discentes
(todos recomendados). Também em Porto Velho, em um CTP, oferecido em
parceria da FaTeo com a Rema, tem 26 discentes. A Faculdade participa,
portanto, nesse ano de 2016, da formação de 259 discentes recomendados
pela Igreja. Essa tem sido a média do último período eclesiástico.
Em termos de produção de conhecimento, a FaTeo tem dado atenção
especial na produção de uma reflexão teológica metodista brasileira. Foram
publicados, ao longo desses anos, obras de pesquisa de docentes da FaTeo,
como também de pesquisadores/as metodistas. O objetivo é desenvolver e
sistematizar um pensamento wesleyano brasileiro. Para tanto, as semanas
Wesleyanas e Teológicas têm desempenhado importante papel na
concretização desse objetivo (COLÉGIO EPISCOPAL, 2016, p.38).

2.4. O curso de teologia: regulamentações eclesiástica e federal

A educação teológica metodista faz parte do sistema metodista de educação,


que é composto também pela educação cristã, instituições de educação e pastorais
escolares e universitárias. Cada uma supervisionada por um órgão afim.
O órgão responsável pela educação teológica é a Coordenação Nacional de
Educação Teológica (CONET) criada no Concílio Geral de 1991 com a
responsabilidade de orientar e supervisionar o ensino teológico metodista (Renilda
Martins GARCIA, 2013, p.195).
A CONET37, sob supervisão do Colégio Episcopal, tem as seguintes funções,
constadas em seu regimento:

- Elaborar e implementar o Plano Nacional de Educação Teológica (PNET),


bem como os critérios de padrão para ministração dos cursos de formação
teológica;
- Assessorar o Colégio Episcopal visando à educação teológica na Igreja
Metodista;
- Encaminhar anualmente ao Colégio Episcopal o relatório de atividades;

37
A CONET, órgão assessor do Colégio Episcopal na área de educação teológica, é composta por
representantes do Sistema Metodista de Educação, Colégio Episcopal, Reitor ou Reitora da Faculdade
de Teologia, diretores e diretoras dos Centros Teológicos Regionais e outras pessoas de reconhecido
saber e experiência no campo da educação teológica, nomeados/as pelo Colégio Episcopal, com a
responsabilidade de preparar e implementar o desenvolvimento do PNET, nos termos da
regulamentação aprovada pelo Colégio Episcopal. (IGREJA METODISTA, 2017, p.180)
99

- Acompanhar todos os projetos visando a implementação do PNET;


- Estabelecer uma política para a administração de recursos para a educação
teológica;
- Estabelecer sua estrutura de funcionamento;
- Indicar nomes para a composição da CONET;
- Encaminhar ao Colégio Episcopal lista tríplice de nomes para escolha do
Secretário Executivo da CONET;
- Preparar e enviar projetos às agências cooperantes;
- Elaborar a estrutura acadêmica do Plano Nacional de Educação Teológica
(PNET) e elaborar os currículos plenos dos cursos teológicos;
- Estabelecer um programa para formação e aperfeiçoamento de docentes,
visando a educação teológica. (CONET, 2003, p.2)

A educação teológica acontece por meio da Faculdade de Teologia e dos


seminários regionais, mas conforme atribuição canônica, a instituição geral de preparo
bíblico-teológico de nível superior é a FATEO. Todas as instituições de ensino
teológico da Igreja Metodista precisam estar credenciadas junto à CONET. Além da
regulamentação dos cursos, a CONET regulamenta o programa de orientação
vocacional ao ministério pastoral, o programa de acompanhamento aos alunos e
alunas indicados pela Igreja Metodista à FATEO, e o programa de ingresso e
permanência de recém-formados(as) ao período probatório, onde aspiram tornar-se
presbíteras e presbíteros da Igreja Metodista.
A Coordenação Nacional de Educação Teológica precisou adequar-se ao
regulamento dos cursos de teologia pelo Ministério de Educação, uma vitória muito
importante no processo de fortalecimento dos estudos teológicos. Antes da
regulamentação do curso, os principais cursos de teologia do Brasil tinham na ASTE38
(Associação de Seminários Teológicos), criada em 1961, um órgão aglutinador das
instituições de formação teológica e norteador da educação teológica no Brasil. Esta
associação existe até hoje.
O curso de Teologia recebeu parecer favorável ao credenciamento em julho de
1999. A Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, segundo Renilda Martins Garcia,
“teve seu curso registrado em 2001(Portaria NEC 1558/01), depois de obter o conceito
máximo (A) em todos os quesitos da comissão avaliadora” (Renilda Martins GARCIA,

38 Em 2015 a ASTE tinha 35 instituições teológicas vinculadas a ela. “Os estatutos enumeram oito
objetivos ou finalidades: estimular a cooperação mútua entre os membros; realizar esforço para a
execução de ideais comuns; publicar literatura teológica; promover estudos de temas de interesse das
instituições filiadas; promover a obtenção e oferecimento de bolsas de estudos a professores e alunos
das instituições filiadas; aplicar o Padrão de Reconhecimento aos membros associados que o
solicitarem; fazer levantamento estatístico das instituições de ensino teológico existentes no Brasil; e
publicar periodicamente um diretório das instituições evangélicas de ensino teológico existentes no
Brasil”( In: ASTE - quem somos. Disponível em: <http://www.aste.org.br/quemsomos.php>. Acesso em
03/06/2018.
100

2013, p.197). Os quesitos foram: projeto pedagógico; corpo docente; qualificação do


coordenador de curso; infraestrutura; biblioteca (UMESP, 2009, p.7).
O curso de bacharel em teologia é oferecido pela Faculdade de Teologia da
Igreja Metodista em duas modalidades: presencial (turnos matutino e noturno) e EAD
(educação a distância). O conceito do ENADE (Exame Nacional de Desempenho
Estudantil) para ambas modalidades foi 4, sendo a nota máxima 5. O CPC (Conceito
Preliminar de Curso) que avalia a qualidade do curso foi 3 para a modalidade EAD e
4 para a modalidade presencial, sendo também a nota máxima 5. O ENAD e O CPC
são critérios de avaliação propostos pelo Ministério de Educação do Governo Federal.
A FATEO oferece outra modalidade de formação em teologia que se dá em
regime semipresencial, chamado Curso Teológico Pastoral, no qual duas vezes no
ano os(as) discentes ficam internos na Faculdade por 15 dias. Este curso, embora
atenda às demandas da igreja para a formação pastoral, não confere o diploma de
bacharel em teologia, sendo um curso da modalidade livre.
O projeto pedagógico da Faculdade de Teologia foi construído levando-se em
conta as diretrizes curriculares da Igreja Metodista para o curso de graduação em
Teologia, publicadas em setembro de 1999, e as diretrizes curriculares nacionais para
o curso de graduação em teologia instituídas pela resolução nº 4 de 16/09/2016 do
Ministério da Educação.

2.5 O projeto pedagógico do curso de Teologia

O projeto pedagógico do curso de Teologia da Universidade Metodista de São


Paulo está assim constituído: a concepção do curso, que aborda a missão da
Universidade Metodista no âmbito do curso e a missão do curso no âmbito da
Universidade e núcleo de formação cidadã; avaliação institucional; histórico;
justificativa, finalidade e identidade do curso; objetivos norteadores da formação
acadêmico-profissional do(a) aluno(a); competências e habilidades; explicitação do
perfil do egresso; concepção do currículo, que abrange a matriz curricular, descrição
em módulos, atividades complementares, estágios e atividades práticas e trabalho de
conclusão de curso.
Dos tópicos aqui mencionados, destaca-se que o projeto pedagógico do curso
“se apoia na concepção de práxis pastoral, tendo em vista a superação dos limites da
educação teológica tradicional oferecendo um olhar ecumênico das dimensões
101

religiosas” (Universidade Metodista de São Paulo, 2009, p.2). Assim, a formação do


curso atende os eixos teológico, filosófico, metodológico, histórico-cultural,
sociopolítico, linguístico e interdisciplinar, conforme preconizados “no relatório da
comissão do Parecer CNE/CES nº 51/2010 (p. 4-5) e transcritos no Parecer CNE/CES
nº 60/2014 (p. 17)” (idem, p.8).
A formação do curso atende às demandas para o ministério pastoral e, além
disso, se constitui em oportunidade para “o pensamento, produção e diálogo
teológico” (idem, p.8).
No que diz respeito ao ministério pastoral, o projeto pedagógico determina:

Essa atividade, que tem por objeto a assistência religiosa a pessoas, famílias,
grupos, comunidades, instituições, possui função social relevante. Já vem de
longa data a formação de pessoas para o exercício pastoral, tarefa por meio
da qual irão propiciar atendimento, regular e constante, a diversos segmentos
sociais. Trata-se de dar atenção a um dos eixos centrais de sustentação da
vida humana, que é a experiência do sagrado, a busca do sentido da vida e
a vivência da dimensão da religiosidade (UMESP, 2009, p.8).

O perfil do(a) egresso(a) fica assim estabelecido:

a) Formação teórica e prática que o capacite para o exercício do ministério


pastoral e/ou para práticas de promoção humana que integrem a constante
atenção a outras necessárias e possíveis formas ministeriais que se voltem
tanto para a Igreja como para a comunidade de fé, bem como a grupos sociais
ou problemas específicos na sociedade contemporânea;
b) Desenvolver conscientemente a sua vocação pessoal no caminho da
maturidade cristã com base nos princípios éticos do Reino de Deus;
c) Capacidade de reflexão teológica e ação missionária com amplitude
ecumênica;
d) Responder com eficiência às demandas institucionais, desempenhando
com competência funções administrativas e tarefas organizativas, mantendo
postura lúcida em relação às políticas, diretrizes e ênfases de sua igreja ou
organização;
e) Colaborar efetivamente com igrejas e organismos fraternos na tarefa
evangelizadora e na promoção da Missão de Deus;
f) Atuar solidariamente, em parceria com setores da sociedade civil
organizada, na defesa da vida plena e na promoção do bem comum;
g) Conduzir-se profissionalmente com a devida ética e revelar caráter
condizente com a formação oferecida pelo curso;
h) Possuir disciplina pessoal de leitura, estudo, piedade pessoal e motivação
para prosseguir em sua formação teológica na perspectiva da formação
continuada (Universidade Metodista de São Paulo, 2009, p.8).

O projeto pedagógico do curso destaca o princípio da interdisciplinaridade na


elaboração e no tratamento dos conteúdos curriculares, que serão tratados a seguir.

2.6. A estrutura curricular do curso


102

Ao longo de mais de um século, a educação secular, cristã e teológica tem sido


parte da tradição e do compromisso missionário das igrejas. A educação teológica
metodista é pioneira no Brasil, presente desde 1889 e ao longo dos anos se constitui
em uma referência no cenário da educação teológica protestante. Neste sentido, o
projeto pedagógico do curso afirma seu compromisso com as diretrizes curriculares
para educação teológica da Igreja Metodista:

Como marca da educação teológica metodista, o currículo, cada módulo, bem


como outras atividades de pesquisa, extensão, pedagógicas e cúlticas
adequadas a um curso de teologia levarão em conta, como perspectiva e
relevância, o diálogo com as seguintes ênfases: a relação entre religião e
ciências; as antropologias; a missão e a evangelização; a graça de Deus; o
reconhecimento de que pessoas e grupos possuem diferentes dons e,
portanto, podem desenvolver muitos ministérios; e o compromisso com uma
agenda conjuntural. (UMESP, 2009, p.12)

A atual estrutura curricular do curso de teologia é constituída a partir de


módulos para atender “ao que preconiza a Diretriz para Projetos Pedagógicos da
UMESP e, ao mesmo tempo, reflete a experiência avaliada da matriz curricular
oferecida pelo curso em sua modalidade EAD (Educação a Distância)” (UMESP, 2009,
p.10). A seguir, a estrutura modular do curso, que compreende um total de 3480 horas-
aula, extraída do projeto pedagógico do curso e descrita por período:

1º PERÍODO
Módulo: Introdução ao Antigo Testamento e Antropologia Teológica
(120H/A)
Temas: Literatura e Contexto Histórico do AT (80h/a); Criação e Antropologia
(40h/a).
Módulo: Metodologia da Pesquisa e Fundamentos de Teologia e História
dos Cristianismos (120h/a)
Temas: Fundamentos de Teologia (40 h/a); Fundamentos de História dos
Cristianismos (40 h/a); Metodologia da Pesquisa Científica (40h/a).
Módulo: Linguagem e Comunicação na Prática Pastoral (120h/a)
Comunicação na Prática Pastoral (40 h/a).
Linguagens (80h/a).

2º PERÍODO
Módulo: Introdução ao Novo Testamento e Cristologia (80h/a)
Temas: Literatura e Contexto Histórico do NT (40h/a); Trindade e Cristologia
(40h/a).
Módulo: História e Teologia dos Cristianismos Antigos (80h/a)
Tema: História e Teologia dos Cristianismos Antigos (80h/a).
Módulo: Liturgia e Música na Prática Pastoral (80h/a)
Temas: Liturgia (40h/a); Música na Prática Pastoral (40h/a).
Módulo: Formação Cidadã (120h/a)
Formação Cidadã (120h/a).

3º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Pentateuco (120 h/a)
103

Temas: Metodologia Exegética e Pentateuco (80h/a); Hebraico Bíblico:


Aspectos Gramaticais Pentateuco (40h/a).
Módulo: Eclesiologia Missionária e História e Teologia dos
Cristianismos Medievais (120h/a)
Temas: Missão e Evangelização (40 h/a); Eclesiologia (40 h/a); História e
Teologia dos Cristianismos Medievais (40h/a).
Módulo: Liturgia e Gestão Eclesiástica (120h/a);
Temas: Gestão Eclesiástica (40 h/a); Laboratório de Liturgia (40h/a);
Estruturas Eclesiásticas (40 h/a).

4º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Profetas e Escritos (120h/a)
Temas: Metodologia Exegética e Profetas e Escritos (80h/a); Hebraico
Bíblico: Aspectos Gramaticais - Profetas e Escritos (40h/a).
Módulo: História e Teologia dos Cristianismos Modernos e
Pneumatologia (120h/a)
Temas: História do Cristianismos Modernos (80 h/a); Pneumatologia (40 h/a).
Módulo: Introdução à Educação Cristã, Homilética e Hermenêutica Teológica
(120h/a)
Temas: Educação Cristã na Prática Pastoral (40h/a); Homilética (40h/a);
Hermenêutica Teológica (40h/a).

5º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Evangelhos (120h/a)
Temas: Metodologia Exegética e Evangelhos (80h/a); Grego Bíblico:
Aspectos Gramaticais Evangelhos (40h/a).
Módulo: História e Teologia dos Cristianismos Contemporâneos,
Ecumenismo e Soteriologia (120h/a)
Temas: História e Teologia do Cristianismos Contemporâneos (40h/a);
Ecumenismo (40h/a); Salvação e Escatologia (40h/a).
Módulo: Ministério Pastoral e Educação Cristã (120H/A);
Temas: Educação Cristã (40h/a); Laboratório de Homilética (40h/a);
Ministério Pastoral (40h/a).

6º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Cartas e Apocalíptica (120h)
Temas: Metodologia Exegética Cartas e Apocalíptica (80h/a); Grego Bíblico:
Aspectos Gramaticais - Cartas e Apocalíptica (40h/a).
Módulo: Estudos Wesleyanos e Fundamentos da Ética Cristã (120h/a)
Temas: Estudos Wesleyanos (80h/a); Ética (40h/a).
Módulo: Ministérios Específicos e Sociedade (120h/a)
Temas: Ministérios Específicos (40h/a); Igreja e Sociedade (40h/a);
Sociologia da Religião (40h/a).

7º PERÍODO
Módulo: Hermenêutica Bíblica: Interpretação e Prática (120h/a)
Temas: Hermenêutica do AT: Interpretação e Prática (60h/a); Hermenêutica
do NT: Interpretação e Prática (60h/a).
Módulo: Teologias e Questões Éticas Contemporâneas (120h/a)
Temas: Teologias Contemporâneas (40h/a); Teologias Latino-Americanas
(40h/a); Questões Éticas Contemporâneas (40h/a).
Módulo Antropologia da Religião e Práticas Educativas (120h/a)
Temas: Antropologia da Religião (40h/a); Aconselhamento Pastoral (40h/a);
Práticas Educativas em Comunidades Religiosas (40h/a).

8º PERÍODO
Módulo 1Bíblia e Teologia da Missão na Prática Pastoral (100h/a)
Temas: Situações Missionárias na Bíblia (50h/a); Missiologia Contemporânea
na Igreja Hoje (50h/a).
104

Módulo História dos Cristianismos no Brasil e Seminário Temático de


Teologia e História (120h/a)
Temas: História dos Cristianismos no Brasil (40h/a); História do Metodismo
no Brasil (40h/a); Seminário Temático de Teologia e História (40h/a).
Módulo Teologia Pastoral e Aconselhamento (120h/a)
Temas: Laboratório de Aconselhamento Pastoral (80h/a); Seminário
Temático de Teologia Pastoral (40h/a).

Existem ainda as atividades complementares, assim definidas:

A Faculdade de Teologia atende à Resolução CONSUN 39/2007, segundo a


qual as atividades complementares são atividades consideradas em todas as
Diretrizes Curriculares Nacionais e compõem os currículos dos cursos,
possibilitando o reconhecimento, por meio de avaliação, habilidades,
conhecimentos e competências do estudante, inclusive fora do ambiente
acadêmico, incluindo a prática de estudos e atividades independentes,
transversais, opcionais, de interdisciplinaridade, especialmente nas relações
com a sociedade e nas ações de extensão na comunidade. Ademais,
possibilitam a ele/a [discente] enriquecer o currículo, razão por que devem
ser motivo de escolha livre a modalidade que é de seu interesse para ser
cumprida. (UMESP, 2009, p14)

Além das atividades complementares, o curso exige o cumprimento de horas


de estágio:

O estágio contempla, em uma versão única, duas áreas: Prática Ministerial e


Promoção Humana. Os/as discentes organizam sua prática em comunidades
locais e em espaços não eclesiais (comunidades religiosas, organizações não
governamentais, escolas, comitês de ética e bioética, capelanias de hospitais,
asilos, Febem, Projeto Meninos e Meninas de Rua, órgãos governamentais,
etc.) (UMESP, 2009, p.15).

A estrutura curricular apresentada não traz nenhuma disciplina que dialogue


sobre as relações de gênero, teorias e teologia feministas. As pastoras que
participaram do grupo focal que estudaram na década de 80 e 90 afirmaram ter uma
eletiva denominada Teologia Feminista:
Informação verbal39 (Então a gente olhava para cada um que trazia... os
conteúdos que traziam. Isso também nos ajudou bastante. E uma outra coisa que
ajudou nessas eletivas foi essa formação nessa questão feminista, nesses estudos
que a Bárbara trazia (HULDA). Na faculdade. E aí a Bárbara (Hufner) que trouxe a
eletiva de teologia feminista, aí depois eu fazia parte do grupo de pesquisa, nem ‘tava’
no mestrado ainda, mas eu comecei a fazer parte do... de um grupo de estudos da
América Latina que tinha na pós-graduação lá da Metodista e aí ajudei, participei das
mesmas reuniões da Mandrágora, né? (VASTI)).

39 Transcrição literal da fala das entrevistadas.


105

A disciplina eletiva não se manteve ao longo dos anos, porque as outras


mulheres mencionaram não ter o tema explícito em uma disciplina específica. O
Centro Otília Chaves iniciou em 2018 um grupo de formação de pesquisadoras com
interesse em temas relacionados com os estudos sobre as relações de gênero e
teologia, o que traz esperança para a problematização curricular do curso de teologia.
Se não há uma disciplina específica, existe ao menos a garantia de que
reflexões feitas por mulheres, independentemente da sua área e/ou posicionamento
político, estejam presentes nas bibliografias das disciplinas do curso?
Os planos de curso de cada disciplina apresentam as ementas e as respectivas
bibliografias básicas e complementares. Ao todo são indicados nas duas categorias
de bibliografia um total de 370 indicações bibliográficas e nesse volume a participação
das mulheres é irrisória. A seguir a configuração das referências bibliográficas
levando-se em conta o gênero da autoria.

Gráfico 1 – Bibliografia básica e complementar: autorias masculinas e femininas


106

Bibliografia básica e complementar


autorias masculinas e femininas
250
200
150
100
50
0
básica complementar
autoria feminina 7 10
autoria masculina 124 214
outro 0 8
autoria conjunta 0 4

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Este gráfico mostra que as referências bibliográficas são majoritariamente


masculinas, o que denota não a ausência da produção teológica e bíblica das
mulheres, mas a não valorização da produção das mulheres. O tema da ausência de
bibliografias escrita por mulheres surgiu no diálogo com a pastora entrevistada:
Informação verbal40 (VASTI: se uma mulher entra na faculdade de teologia e se ela não
conhece uma pastora, ah, dificilmente ela vai ter as informações, né? Porque a bibliografia
nunca traz, a Elizabeth Fiorenza, eu sempre dou uma olhadinha, os meus amigos são
professores, às vezes na ementa, né? E eu falo “hum”... PESQUISADORA: Onde está?
VASTI: “... nossa, não tem nenhuma mulher aqui que escreveu alguma coisa sobre (Wesley)?”
Vocês não vão falar nada?” “Ah, nem vou perguntar (se é uma pessoa) negra, mas tudo bem
gente, são meus amigos, mas tá faltando a nossa ementa”. PESQUISADORA: Uma
mulherzinha. VASTI: É, uma mulher, pelo menos pra disfarçar, né? Foi lá no final da ementa).
As mulheres não estão visibilizadas nas bibliografias, estariam elas em
condição de igualdade em relação ao quadro docente e discente?

2.7. A presença das mulheres no corpo docente e discente da FATEO

O ensino superior tem na universidade o seu lócus por excelência, cuja


finalidade é o permanente exercício da crítica, “que se sustenta na pesquisa, no ensino

40 Transcrição literal de entrevista com colaboradoras da pesquisa.


107

e na extensão”. (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p.161). Esses se fazem e se


perfazem no exercício intelectual de mulheres e homens que, quer como discentes ou
docentes, movimentam o ensino superior.
O censo da educação superior de 2016 (INEP, 2017), mostra que as mulheres
são maioria discente tanto no ingresso quanto na conclusão do ensino superior. No
entanto, quando se trata do perfil discente, os homens ainda são maioria tanto nas
instituições privadas quanto nas públicas.
Parte dessa realidade se reflete no curso de teologia da Faculdade de Teologia.
Ao analisarmos a equipe docente, sob a perspectiva de gênero, evidenciou-se, por
meio das informações contidas no site da instituição, que tanto na modalidade EAD
quanto no curso presencial o quadro docente é majoritariamente masculino.

Gráfico 2 – Composição do quadro docente da FATEO por gênero

Composição do quadro docente


da FATEO por gênero
HOMENS MULHERES

Mulheres
9 - 25% Homens
27 - 75%

Fonte: Elaboração da autora (2018)


Onde estão as mulheres que podem ocupar o cargo de docência da Faculdade
de Teologia? Não existem mulheres que se habilitam a esse cargo? Não existem
mulheres com formação para tanto? Quais são os critérios de escolha desses nomes?
Onde estão as mulheres metodistas que estudaram teologia e se doutoraram na área?
À memória da pesquisadora surgem alguns nomes de extrema relevância no
cenário teológico metodista e protestante, de modo geral: Nancy Pereira Cardoso,
Genilma Boehler, Tânia Mara Sampaio, Ana Claudia Figueroa, teólogas metodistas,
doutoras em teologia, que poderiam contribuir com a reflexão teológica metodista,
inclusive com aportes da teologia feminista. Será por isso que elas não figuram no
escopo de possíveis alternativas para a docência na FATEO?
108

Apenas perguntas, mas não tão retóricas assim.


Pela ausência de tantas mulheres, deseja-se registrar, segundo informações
do site, a presença das nove mulheres que compõem atualmente o quadro docente
da Faculdade de Teologia:
Na área de Teologia pastoral e ciências humanas e sociais: Prof.ª Dr.ª
Blanches de Paula; Prof.ª Dr.ª Sandra Duarte de Souza; área de Bíblia: Prof.ª Dr.ª
Danielle Lucy Bósio Frederico, Prof.ª Dr.ª Suely Xavier do Santos, Prof.ª
Ma.Elizangela A. Soares; área de Teologia e história: Prof.ª Dr.ª Margarida Fátima
de Souza Ribeiro; área não especificada: Prof.ª Ma. Lídia Maria de Lima; Prof.ª
Ma.Luana Martins Golin; Prof.ª Ma. Patrícia Regina Moreira Marques.
A presença de mulheres na docência da Faculdade de Teologia vem se
consolidando com o tempo; atualmente a coordenação do curso de teologia na
modalidade presencial está sob a coordenação da professora Blanches de Paula.
Entretanto, desde 1938 a Igreja Metodista não elegeu nenhuma mulher como reitora
da universidade. A seguir o quadro de reitores da Faculdade de Teologia:
Figura 1: Quadro de reitores da Faculdade de Teologia
Período Reitor
1938 Santo Uberto Barbieri
1938-1942 Paul Eugene Buyers
1942-1950 Walter Harvey Moore
1950-1955 Afonso Romano Filho
1955-1962 Natanael Inocêncio do Nascimento
1963-1964 Isnard Rocha
1964-1968 Otto Gustavo Otto
1969-1970 Reinhard Brose
1971-1978 Nilo Belotto
1978-1978 Ely Eser Barreto César
1979-1979 Prócoro Velasquez Filho
1979-1980 Duncan Alexander Reily
1981-1982 Isac Alberto Rodrigues Aço
1983-1996 Rui de Souza Josgrilberg
1997-2002 Clóvis Pinto de Castro
2002-2010 Rui de Souza Josgrilberg
109

2011– em vigor Paulo Roberto Garcia


Fonte: Renilda Martins GARCIA, 2013, p.196-197
Ao analisarmos a titulação do quadro docente da faculdade é possível perceber
que a maioria do quadro é composta de doutores(as) e mestres(as), o que confere ao
curso uma excelente titulação do corpo docente.

Gráfico 3 – Titulação da equipe docente-FATEO

Titulação da equipe docente - FATEO

Especialistas
2- 6%

Doutores(as)
Mestres(as) 17 - 47%
17- 47%

Doutores(as) Mestres(as) Especialistas

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Quando analisamos o quadro docente levando-se em consideração a titulação


e o gênero, percebemos que 44% do corpo docente masculino possui doutorado. Em
se tratando das mulheres, 55% possuem doutorado.
110

Gráfico 4 – Corpo docente da FATEO quanto à titulação e gênero

Corpo docente da fateo quanto à titulação e gênero


14

12

10

0
DOUTORES(AS) MESTRES(AS) ESPECIALISTAS

PROFESSORES PROFESSORAS

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Quanto ao corpo discente da faculdade de teologia na modalidade EAD a


presença das mulheres continua muito tímida em relação à presença dos homens:

Gráfico 5 – Formandos-Teologia EAD

Formandos - Teologia EAD


120

100

80

60

40

20

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

MULHERES HOMENS

Fonte: Elaboração da autora (2018)

As mulheres que cursam Teologia se formam mais na modalidade EAD e


presencial. Estes são cursos que dão a certificação de bacharelado em teologia, o
semipresencial não.
111

Gráfico 6 – Formandas -Teologia EAD

Formandas - Teologia EAD


35
30
30
25
24 24
25 22
21
20
19
20 17

15 13
12 12
11 11 11
10 10
9 9
10 8 8
7 7 7 7
6 6
5 5
4 4
5 3 3
1
0 0 0
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Presencial Semi-presencial EAD

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Em suma, o curso de teologia ainda continua sendo um reduto majoritariamente


masculino. No entanto, se em 1973 entravam as primeiras três mulheres para estudar
teologia, vale destacar que se formaram no EAD de 2006 a 2014-1º semestre, 156
mulheres; e no curso presencial e semipresencial de 2004 a 2016, 238 mulheres. É
preciso e possível que mais mulheres ocupem os espaços teológicos e, em especial,
as faculdades de teologia. E isto é uma mudança política como afirma Ivone Gebara:
Uma das aquisições do feminismo contemporâneo é a consciência de que a
política entendida como a arte de organizar a vida e também como o poder
de dominar e controlar a vida das pessoas está fortemente presente nas
teologias que informam a vida das Igrejas cristãs. Nesse sentido, sonhar e
mudar a teologia e reconstruir uma Igreja plural parece um atrevimento, mas
é um ato político de vivência da justiça, fundamental no processo de
instauração de relações humanos mais igualitárias (Ivone GEBARA, 2017,
p.90).

As mulheres no curso de Teologia figuram tanto no espaço discente, quanto no


docente, assim como nos demais cursos de graduação. Entretanto, ao investigar a
presença das mulheres no ensino superior é perceptível a localização de mulheres
em cursos que estão mais atrelados ao cuidado, cursos que reproduzem a atuação
da mulher no espaço privado, fato que reflete a divisão sexual do trabalho na
perspectiva androcêntrica, há muito cunhada em nossa sociedade.
112

Será que a presença de mulheres na docência do ensino superior é garantia


de uma educação não sexista? O androcentrismo amalgamado em homens e
mulheres, faz deles e delas agentes sociais que em sua maioria reproduzem e
fortalecem em seus espaços de ação, as relações de poder desiguais entre homens
e mulheres. Não é difícil afirmar e constatar a universidade como um nicho social de
manutenção e perpetuação de discriminações, sejam elas de gênero ou de outra
origem. Isto porque a presença de mulheres na educação superior ou em qualquer
outro espaço docente não é a garantia de uma educação não sexista.
Quando se trata da teologia, Ivone Gebara aponta um sonho: “mudar a teologia
e reconstruir uma igreja plural”. para isso é preciso também reconstruir uma faculdade
plural na sua constituição docente e discente, e na sua construção do conhecimento
que milite cotidianamente para a superação de discursos excludentes. (Ivone
GEBARA, 2017, p.90)
113

CAPÍTULO 3. O MINISTÉRIO PASTORAL NA IGREJA METODISTA

Este capítulo apresenta os conceitos de ministério e pastoral, algumas


considerações sobre o ministério pastoral da Igreja Metodista, a participação das
mulheres no movimento de Jesus, na história da Igreja cristã e no início do movimento
metodista na Inglaterra. Além disso, busca-se registrar histórias dos primórdios do
ministério pastoral feminino que se encontram registradas nas atas dos encontros
nacionais de ministério pastoral feminino. Por fim, apresenta-se um perfil do ministério
pastoral metodista, enfocando a situação eclesiástica das mulheres nomeadas na 3ª
região eclesiástica, onde centram-se os sujeitos da pesquisa que fundamentaram o
trabalho.

3.1. Ministério e pastoral: aproximações conceituais

A palavra ministério apresenta diferentes significados, um deles relaciona-se


com a execução de uma tarefa, de um serviço que não necessariamente se restringe
ao ambiente eclesiástico. Essa palavra, cunhada na história e tradição da Igreja, se
relaciona às funções exercidas, especialmente, no contexto do Novo Testamento, a
partir da formação da igreja primitiva que se dá, de acordo com os relatos bíblicos,
após a assunção de Jesus Cristo, já ressurreto. De acordo com o Martin Volkmann
(2008, p.652 apud BORTOLLETO FILHO, 2008) “nas versões atuais da Bíblia,
ministério geralmente é a versão de diakonia, que originalmente significa “servir à
mesa” ou, em sentido genérico ‘servir’”. Neste sentido, a palavra ministério, atrelando-
se ao serviço, esvazia-se do sentido de poder, autoridade, assume uma função de
simplicidade, abrindo mão do destaque.
Ora, sendo ministério, no contexto bíblico, uma palavra atrelada ao serviço, e
sendo as mulheres aquelas que historicamente são destinadas ao serviço, porque no
contexto da igreja cristã as funções ministeriais foram historicamente negadas a elas?
Ainda que na origem da palavra o conceito seja o serviço, no desenvolvimento das
ações, as relações de poder que foram estabelecidas deram a essa palavra um caráter
de autoridade e prestígio, fixando-a no espaço público, um espaço historicamente e
religiosamente negado às mulheres.
114

Isso significa que as mulheres não desempenhavam funções na igreja? As


mulheres sempre trabalharam e ainda hoje são uma força motriz da igreja, no entanto,
nem todas as funções são possibilitadas a elas. Nem todos os ministérios,
especialmente aqueles que estão mais atrelados ao poder do que ao serviço, são
legitimados a elas. Entre esses ministérios, essa tese se atém ao ministério pastoral,
especialmente na Igreja Metodista do Brasil. Após essas considerações sobre o
significado da palavra ministério, a ênfase será o conceito da palavra pastoral: o que
é pastoral?
Tratar-se-á de pastoral neste capítulo considerando os referenciais teóricos
protestantes e metodistas. A intencionalidade ao dialogar sobre os conceitos implícitos
nas palavras ministério e pastoral é refletir sobre a atuação do ministério pastoral na
Igreja Metodista.
Segundo Rosa (2004, p.61), pastoral é a “ação de Deus, como pastor, no
mundo, por meio de agentes pastorais e de estruturas fundamentais de ação pastoral”.
O autor considera a ação pastoral a partir de três perspectivas:
A primeira é fazer com que o ser humano, apesar de seu caráter efêmero e
finito, vivencie a possibilidade do encontro com Jesus Cristo, que transcende as
categorias humanas. “A pastoral, através da ação do laicato e de pessoas ordenadas,
procura trazer para o concreto e provisório da vida humana o efeito do encontro com
a verdade, o Cristo.” (ROSA, 1996, p.62)
A segunda perspectiva apresenta a pastoral como intersecção entre vida e
religião. O autor apresenta a pastoral como uma ponte. “A ação pastoral, tanto em sua
forma teórica como prática, visa, em essência, à construção de ‘pontes’ entre a religião
e a vida.” (ROSA, 1996, p.62)
A terceira perspectiva é analisar a pastoral a partir do viés da justiça social, que
confere a ela possibilidades de ser agente na promoção dessa justiça:
Por pastoral entendemos um conjunto integrado de ações que objetivam
restaurar no ser humano o senso de sua própria dignidade, derivada de sua
criação à imagem e semelhança de Deus. Este sentido da dignidade humana
tem sido negado através dos sistemas de organização social (...). Essa
ênfase na justiça social é coerente com espiritualidade bíblica e decorrência
dessa. (ROSA, 1996, p.62)

Assim, de uma maneira geral, pastoral em seu conceito mais amplo preocupa-
se com a relação do ser humano com Deus, com a relação do ser humano com a
religião e com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
115

As reflexões sobre pastoral de Clóvis Pinto de Castro, teólogo e pastor


metodista, também foram escolhidas como referencial teórico. No seu livro “Por uma
fé cidadã- a dimensão pública da igreja” (2000), ele discute o termo pastoral a partir
do diálogo com as reflexões de dois teólogos católicos, o espanhol Casiano Florestan
e o brasileiro João Batista Libânio e apresenta sua opção teórica pelo termo pastoral:

Pastoral é, no contexto deste livro, entendida como a ação do povo de Deus


na realidade cotidiana, onde, na relação tempo e espaço, o ser humano se
encontra. A preocupação básica da pastoral é a eficácia e a relevância da fé
cristã. Pastoral é também responsável pela inserção do povo de Deus no
espaço público. Pastoral é a ação intencional, sistemática e organizada
coletivamente. É fruto do esforço missionário da igreja que busca mudanças,
vislumbrando novos tempos na perspectiva do Reino Messiânico de Deus.
Não é portanto, qualquer tipo de ação, Não é uma ação esvaziada de
sentidos. É a ação que instaura o novo. Não é ação isolada, individualizada
e personalizada do pastor e da pastora, mas ação da comunidade de fé,
organizadas em pastorais específicas, que atua e colabora na produção de
eventos de ação pública. (CASTRO, 2000, p.105)

Em suas reflexões, Castro nos adverte que “no senso comum das igrejas
evangélicas, o conceito de pastoral tem um forte conteúdo clerical, ou seja, relaciona-
se com atividades do pastor ou da pastora” (idem, p.104). De fato, ainda que o
conceito de pastoral seja mais amplo do que a atuação de uma pessoa, no universo
protestante e evangélico ele também se traduz na função exercida por alguém que
tem uma vocação e um carisma para desenvolver a pastoral por meio de um
ministério, o ministério pastoral.
Vocação, do latim vocatione, é entendida como ato de chamar, inclinação ou
propensão natural para um estado ou profissão, predestinação, escolha, talento. Na
perspectiva religiosa, Oliveira Filho destaca que vocação “possui o sentido de chamar,
convidar, escolher” (FILHO, 2005, p.112 apud RENDERS (org.), 2005). A autoria de
tais ações está atrelada a Deus. É Deus, quem chama, escolhe, vocaciona o seu povo,
para o desenvolvimento de alguma missão, de algum projeto.

Vocação, como vivência cristã, é o meio pelo qual Deus reúne o seu povo e
o convida para segui-lo. ‘Se alguém vir após mim...’ (Mateus 16,24). Assim, a
vocação aponta-nos a ideia de que o chamado de Deus é a todos os que
creem para serem salvos e serem cristãos em tudo o que fazem. Tudo o que
fazemos inclui a nossa vocação (FILHO, 2005, p.114)

A vocação é o chamado de Deus para a vivência e proclamação do seu Reino.


Todas as pessoas que estão na igreja, leigas e clérigas, são chamadas, vocacionadas
116

para servir a Deus. É o exercício de uma missão dada por Deus, que não compreende
um ato isolado, ‘a-histórico’, antissocial. Ela se dá perfazendo a história,
possivelmente como fruto dessa história. É na história, na sociedade, que essa
vocação aparece, se confirma e se alimenta. Isto ocorre de forma processual,
sistêmica e não como um evento isolado em si mesmo. “A vocação acontece sempre
no contexto da Igreja, pois o vocacionado deve estar integrado ao Corpo de Cristo” é
o que afirma o Bispo metodista Josué Adam Lazier. (LAZIER, 2003, p.15)
Por carisma entende-se “o dom mediante o qual o Espírito Santo age na vida
do/da cristão/ã e da Igreja à medida que o/a cristão/ã se oferece a Deus em resposta
ao Seu amor” (LAZIER, 1982, p.89). Dessa forma, o carisma se manifesta na
coletividade, pois tem como finalidade o fornecimento de ferramentas à Igreja para o
serviço. Isto confere ao carisma uma finalidade específica. Para se falar de carisma
pastoral é preciso considerar, também, aspecto comunitário (igreja), bem como a
premissa de que o modelo do carisma é o ministério de Jesus (idem, p.93):
O carisma pastoral é, portanto, um mandato da Igreja. É a Igreja que capacita
que avalia que ordena e consagra e dá o mandato. A vocação, o chamado, o
despertamento para ministério pastoral pode ser individual, ou pessoal, mas
o mandato, a ordenação, a autorização para o exercício dos atos pastorais e
dos sacramentos são dados exclusivamente pela Igreja. (LAZIER, 2004, p.4)

Na Igreja Metodista a comunidade assume um papel importante no que diz


respeito ao reconhecimento das pessoas vocacionadas ao ministério pastoral que, a
partir do carisma recebido de Deus, têm a cumprir funções previamente estabelecidas
nessa comunidade:

Os pastores são vocacionados para permitirem a plenitude do ministério de


todo o povo de Deus. Sua função será basicamente docente, pois sua tarefa
é a de edificar, equipar, aperfeiçoar a comunidade da fé, capacitando-a para
o cumprimento da missão divina no mundo (IGREJA METODISTA, 1980,
p.19).

Logo, se conclui que pensar o Ministério Pastoral na Igreja Metodista é


enxergá-lo como ministério específico e desempenhado por pessoas vocacionadas
por Deus e reconhecidas pela comunidade.

3.2. O ministério pastoral na Igreja Metodista


117

O ministério pastoral na Igreja Metodista é considerado, segundo o Plano


Nacional de Ênfases e Diretrizes de 1997, um dos ministérios da igreja. Entretanto, é
destacado como um ministério especial, fundamental para a igreja, desempenhado
por mulheres e homens nas categorias de presbíteras (os) e pastoras (es), que são
os membros clérigos da Igreja.
Por membro clérigo pode-se entender “a pessoa que a Igreja Metodista
reconhece chamada por Deus, dentre os seus membros, para a tarefa de edificar,
equipar e aperfeiçoar a comunidade de fé, capacitando-a para o cumprimento da
missão” (IGREJA METODISTA, 2017a, p.35).
A pessoa vocacionada tem seu carisma reconhecido pela comunidade e
ingressa num programa de formação teológico-pastoral que o auxiliará a desenvolver
o carisma. Após o processo de formação há a ordenação, que é a autorização
eclesiástica para desempenhar o ministério e sinaliza que a igreja reconhece a
vocação pastoral, o carisma pastoral e a formação teológico-pastoral como suficientes
para exercer o ministério pastoral (RENDERS, 2005, p.5).
O ministério pastoral da Igreja Metodista pode ser exercido por mulheres e
homens, heterossexuais; ainda que a orientação sexual não esteja explícita nos
cânones a igreja como requisito, doutrinariamente, como a maioria das igrejas cristãs,
se posiciona contra a homossexualidade. No que diz respeito ao estado civil, não há
exigência específica. A regulamentação da atuação dos membros clérigos encontra-
se nos Cânones da Igreja Metodista (IGREJA METODISTA, 2017a, Cap. III).
Os membros clérigos são inscritos em duas modalidades na Igreja Metodista:
pastores(as) e presbíteros(as). O processo para tornar-se membro clérigo da Igreja
Metodista possui diferenças entre essas duas modalidades, no entanto, em ambas há
exigência de formação teológica, período probatório e aprovação conciliar mediante
processo eleitoral que ocorre nos concílios regionais41 das regiões eclesiásticas. Cada
pessoa que solicita ingresso como membro clérigo concorre a eleição no respectivo

41 O Concílio Regional é o órgão deliberativo e administrativo de uma Região Eclesiástica. O Concílio


Regional estabelece a organização da Região Eclesiástica de acordo com as suas características, não
podendo, entretanto, suprimir cargos, órgãos ou instituições expressamente criados por esta legislação
canônica. O Concílio Regional reúne-se por iniciativa e convocação do Bispo ou Bispa Presidente,
ordinariamente, uma vez por biênio e, extraordinariamente, nas vezes necessárias. Para saber mais,
leia a Seção I do Capitulo IV dos Cânones (2017) da Igreja Metodista.
118

concílio da sua região eclesiástica. Apenas os membros clérigos candidatos ao


episcopado são eleitos em uma assembleia geral, denominada concílio geral 42.
Após aprovação, quer como presbítero(a), quer como pastor(a), a pessoa
encontra-se apta para receber a nomeação episcopal. Todo membro clérigo só pode
exercer seu ministério mediante uma nomeação episcopal. As nomeações para as
igrejas locais ou para outros ministérios específicos na estrutura da igreja podem ser
feitas para tempo integral ou tempo parcial, com ônus financeiro ou sem ônus. Uma
marca do ministério pastoral da Igreja Metodista é a itinerância, isto é, a transferência
de um local para outro mediante os interesses da igreja. Em se tratando de uma
nomeação de tempo integral, a pessoa, caso deseje estudar, isto é, matricular-se em
alguma instituição de ensino ou algo do gênero, precisa de autorização da igreja para
fazê-lo.
Não existe, nos registros canônicos, uma idade mínima para o ingresso no
ministério pastoral, apenas o cumprimento de todas as exigências para o mesmo. No
entanto, em relação à aposentadoria, esta é concedida pelo Concílio Regional quando
o membro possui 35 anos de ministério, ou de forma compulsória aos 70 anos. A
legislação canônica também preconiza orientações sobre o processo de
desligamento, afastamento, reingresso, licenças diversas do ministério pastoral.
Em 21 de julho de 2016 o Colégio Episcopal da Igreja Metodista publicou um
documento intitulado Regulamento do Regime de Nomeações Pastorais. Neste
documento chama a atenção o fato de que a partir de sua publicação, o processo de
ingresso nas ordens pastoral e presbiteral passaria a acontecer mediante os seguintes
passos:

Edital com a declaração de vagas existentes na Região; conclusão da


formação conforme exigência da igreja, nos termos da Legislação da Igreja
Metodista; solicitação por escrito, do ingresso na Ordem Presbiteral ou
Ministério Pastoral; disponibilidade para itinerância, tanto em nível regional,
nacional ou internacional, conforme Cânones da Igreja Metodista. (IGREJA
METODISTA, 2016, p.1)

Se em 1992 houve por parte da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista uma


campanha nacional vocacional43 para o despertamento de novas vocações pastorais,

42 O Concílio Geral é o órgão superior de unidade da Igreja e suas funções são legislativas, deliberativas
e administrativas. O Concílio Geral reúne-se ordinariamente a cada cinco (5) anos e,
extraordinariamente, quando necessário. Para saber mais, leia a Seção I do Capítulo V dos Cânones
(2017) da Igreja Metodista.
43 A Campanha Vocacional visava o despertamento de vocações para o ministério pastoral. Por meio

de cadernos motivadores, as comunidades locais em todo o Brasil tiveram acesso a este material de
119

tendo em vista a escassez de pessoas e as demandas missionárias da própria igreja,


em 2016, há a publicação de um documento que preconiza a declaração de vagas
existentes para o ingresso das pessoas no ministério pastoral. Hoje os quadros do
ministério pastoral da Igreja Metodista no Brasil excedem a quantidade de vagas
oferecidas pela igreja.
Por meio da experiência da pesquisadora como pastora e da sua vivência
eclesiástica é possível constatar, ainda que não haja estudos sobre o tema, que
grandes igrejas locais possuem em seus quadros pastorais de 3 a 4 pastores, algo
que não era comum há 15 anos. Há que se registrar que em algumas regiões do
território nacional um pastor ou pastora também presta assistência a duas ou mais
igrejas.
Se antes todas as pessoas que saiam da Faculdade de Teologia tinham sua
nomeação garantida, isto não é realidade hoje, não é incomum termos pessoas que
mesmo concluindo o curso e estando aptas a receberem nomeação, não o
conseguem pela ausência de vagas para tal. Isto pode indicar que, no que diz respeito
ao ministério pastoral e à ordem presbiteral, a oferta tem sido maior do que a
demanda.
Por um bom tempo na estrutura administrativa da igreja a pessoa, ao desejar
ingressar ao ministério pastoral, quer na categoria de pastor(a), quer na de
presbítero(a), cumpridas as exigências de formação, ingressava como aspirante no
período probatório. Hoje uma nova categoria se destaca na estrutura: o de
missionário(a) designado(a), ainda não preconizado na legislação canônica, mas já
regulamentada pelo Colégio Episcopal.
Uma pessoa que ingressa como aspirante à ordem presbiteral ou ao ministério
pastoral, enquanto cumpre esse período probatório, não possui ainda os direitos de
membro clérigo. Isso também acontece com a pessoa nomeada como missionária
designada. No entanto, enquanto a legislação canônica prevê a periodicidade do
período probatório entre 2 e 5 anos (IGREJA METODISTA, Cânones, Artigo 38, inciso
III, p.48), a condição de missionário(a) designado não tem tal definição.
Em 21 de julho de 2016 o Colégio Episcopal publicou o regimento do(a)
missionário(a) designado(a). Esse ministério já é preconizado nos cânones da igreja

despertamento vocacional. A Campanha foi uma iniciativa da Faculdade de Teologia da Igreja


Metodista no ano de 1992 tendo em vista o momento de expansão missionária que a igreja vivenciava
e o número restrito de pessoas que se apresentavam ao ministério pastoral.
120

no Artigo 16 (IGREJA METODISTA, 2017, p.29), como um ministério exercido por


membro leigo. No entanto, a sua utilização como categoria para as pessoas que saem
da formação teológica e com aspiração a nomeação pastoral, é um fenômeno recente.
Atualmente, as pessoas que saem da faculdade de teologia não ingressam mais como
aspirantes a ordem presbiteral ou ao ministério pastoral, agora são nomeadas como
missionárias designadas. Daí a necessidade de uma regulamentação.
Uma pessoa na condição de missionária designada exerce seu ministério
mediante votos religiosos. Conforme o Artigo 2, parágrafo único: “o voto religioso e a
designação acontecem em celebração pública presidida pelo/a bispo/a ou por
autoridade religiosa com delegação episcopal” (IGREJA METODISTA, 2016 b, p.1).
A quem assume a condição de missionária(o) designada(o) é conferida, sob
caráter excepcional, autorização para ministração de sacramentos: batismo e santa
ceia, funções especificamente pastorais. A esta pessoa é providenciado sustento e é
exigido que se submeta às orientações do ministério de apoio episcopal ou a um(a)
presbítero(a) designado pelo(a) bispo(a).
Atualmente, uma pessoa com aspirações ao ministério pastoral ou à ordem
presbiteral, que cumpre às exigências de ingresso, ao ser nomeada como
missionária(o) designada(o), apesar de exercer parte das funções pastorais para as
quais estudou, não tem garantia, mediante essa regulamentação, de quando entrará
no período probatório para alcançar o seu desejo de ser tornar pastor(a) ou
presbítero(a) da Igreja Metodista.
A Igreja Metodista, mesmo com tantas pessoas disponíveis ao ministério
pastoral e à ordem presbiteral, não tem alcançado um crescimento exponencial na
quantidade de membros em nível nacional. No censo demográfico de 2010, os dados
sobre religião indicam que das 190.755.799 pessoas que compõem a população
brasileira, 123.280.172 são católicas, enquanto que 42.275.440 se consideram
evangélicas. A população metodista compreende, segundo este censo, 340.938
pessoas que estão inseridas na população evangélica oriunda do protestantismo de
missão que compreende 7.686.827 pessoas.
Nem todas as pessoas metodistas registradas neste censo são parte da Igreja
Metodista do Brasil, haja vista que esta denominação se subdividiu ao longo da
história. De acordo com o Relatório do Concílio Geral apresentado em 2016, em
31/12/2015 a membresia da Igreja Metodista era de 259.729 pessoas. Na membresia,
121

inclui-se membros leigos e clérigos, a saber: leigos e leigas registrados no rol de


membros, compreendem 258.261; clérigas e clérigos compreendem 1.468. Existe um
quantitativo de membros de 80.573 pessoas que não estão registradas – são as
crianças que frequentam as igrejas em todo território nacional. Hoje, a membresia está
dividida entre as 1325 igrejas em todo território nacional.
A Igreja Metodista, que não possui um número expressivo de fiéis no cenário
da população evangélica do país, almeja por meio do seu planejamento nacional
estratégico, aumentar o número de membros e ter representatividade em todos os
estados do Brasil. Para isso, tem desenvolvido seu esforço missionário.
No entanto, no que diz respeito à responsabilidade administrativa com seus
obreiros e obreiras, elas diminuem quando ao invés de nomear aspirantes à ordem
presbiteral e ao ministério pastoral, nomeia seus obreiros e obreiras como
missionários(as) designados(as). Seria isso uma desvalorização do trabalho? Quais
as motivações dessa opção? Tais motivações ainda não se encontram registradas em
nenhum documento oficial.
Neste sentido, podemos considerar que as responsabilidades administrativas e
financeiras que a instituição eclesiástica tem com pastores(as) e presbíteros(as), não
são as mesmas em relação aos missionários(as) designados(as), mesmo que
estes(as) desempenhem praticamente as mesmas funções que presbíteros(as) e
pastores(as).
Essas diferenças de categorias explícitas na estrutura organizacional não são
visíveis quando se diz respeito à igreja local, no entanto, a pesquisadora acredita que
a designação de missionários(as) confere à instituição eclesiástica um custo benefício
muito maior, pois assim, há mais trabalhadores e trabalhadoras e menos investimento
financeiro para os cumprimentos das exigências canônicas.
O ministério pastoral da Igreja Metodista é alvo de constante preocupação do
Colégio Episcopal, que conforme os Cânones, artigo 118, é composto dos “Bispos e
Bispas eleitos e eleitas pelo Concílio Geral e designados/as para as Regiões
Eclesiásticas e Missionárias” (IGREJA METODISTA, 2017a, p.133). A esse Colégio
se atribui a responsabilidade de zelar pelo bom desenvolvimento do ministério pastoral
da igreja.
122

Em seu Relatório apresentado ao 18º Concílio Geral em 200644, o Colégio


Episcopal, composto na época por 7 homens e 1 mulher, destaca aspectos
fundamentais do ministério pastoral ordenado, transcritos a seguir:

▪ Zelar pela proclamação da Palavra de Deus;


▪ Orientar e ministrar os sacramentos;
▪ Cuidar para que as marcas essenciais da Igreja circundem os diversos
ministérios exercidos na igreja local;
▪ Desenvolver o cuidado pastoral;
▪ Promover a evangelização e o testemunho cristão;
▪ Exercer as atividades docentes na Igreja;
▪ Ser fiel às decisões conciliares e orientações episcopais;
(COLÉGIO EPISCOPAL, 2006, p.56)

O relatório do Colégio Episcopal é sempre produzido ao final de cada período


eclesiástico, que atualmente compreende 5 anos. O relatório, além de ser instrumento
para prestação de contas das atividades da Igreja para a Assembleia Geral, tem a
função de fazer uma análise conjuntural, de reforçar questões doutrinárias, pontuar os
problemas existentes e apontar as linhas gerais de ação para o próximo período
eclesiástico.
Na Assembleia Geral de 2016, o Colégio Episcopal realizou uma conferência
missionária doutrinária45 e o tema ministério pastoral46 esteve em evidência. Na
conferência, assim como no relatório episcopal de 2006, foram pontuados vários
desafios para o ministério pastoral e o perfil que se espera dos pastores e pastoras
metodistas. O perfil comporta no total 16 aspectos que podem ser conferidos em
anexo.
Na análise dos dois documentos percebe-se que tanto um quanto o outro,
quando confrontados com o conceito de pastoral já descrito nesse trabalho, deixam a
desejar no que diz respeito ao compromisso com o zelo e o desenvolvimento do que
Clóvis Pinto de Castro chama de Fé cidadã, definida como:

44
Relatório do Colégio Episcopal ao 18º Concílio Geral da Igreja Metodista. Sede Nacional, SP, 1ª ed.,
junho / 2006, p. 56.
45 A conferência missionária doutrinária aconteceu durante o 20ºConcílio Geral da Igreja Metodista,

realizado entre os dias 3 e 10 de julho de 2016. Na ocasião a conferência tratou de temas para orientar
a caminhada ministerial da Igreja. Os temas tratados foram: Ministério Pastoral; Escola Dominical; Dons
e Ministérios; Eclesiologia; Discipulado e Igreja Conciliar. A conferência foi elaborada com o objetivo
de que a “Igreja Metodista esteja firmada sobre os fundamentos sólidos de sua fé, à luz de sua história
e da sua vocação expressa através dos seus documentos e decisões conciliares” (IGREJA
METODISTA, 2016, p.6).
46 Grifo da autora para reforçar a ênfase da Assembleia.
123

Fé vista na perspectiva da ação, como fé participativa, que ativa a consciência


ética do cristão, abrindo-lhe a possibilidade de inserção (testemunho) no
espaço público, podendo assim expressar sua singularidade na pluralidade.
(CASTRO, 2000, p.109)

Não há um incentivo para a inserção da ação pastoral da igreja e do pastor e


da pastora nas demandas sociais, que clamam por justiça e pela defesa da população
menos favorecida. Ao contrário, há um reforço para o exercício de uma fé
comprometida quase que exclusivamente com as práticas devocionais e o
comportamento puritano. Isto faz transparecer a crença de que por meio do
testemunho pessoal e da relação individual com Deus, há a redenção do mundo, que
não necessariamente implica em transformação social, mas em arrependimento de
uma vida pecaminosa. Um exemplo:
Que sejam pastores e pastoras segundo o coração de Deus, e por isso
possuam uma vida de intimidade com ele. Pastores e pastoras que amem a
vida de oração, e possuam uma vida de piedade exemplar diante do rebanho,
orem e jejuem por si mesmos, por suas famílias, pela igreja e pela redenção
do mundo (IGREJA METODISTA, 2016b, p.12).

O pastor e a pastora devem prezar por um comportamento pessoal ilibado,


assim como os membros de sua paróquia. As orientações caminham para um cuidado
individual sem chamar a atenção para a ética comunitária da igreja frente ao clamor
da sociedade. Enquanto Castro (2000) adverte para a importância da desprivatização
da fé47, as orientações eclesiásticas da Conferência Doutrinária, referentes ao
ministério pastoral, reforçam a privatização da fé. Elas não contemplam a atuação
pública e comprometida com a transformação social, do ponto de vista político e
histórico. Este comprometimento faz parte da tradição da Igreja Metodista no Brasil,
tanto no seu percurso histórico, quanto na sua constituição, pois assim aponta o 2º
artigo do Capítulo II, parágrafo único, alínea a, dos Cânones da Igreja Metodista:

A Igreja Metodista cumpre sua missão realizando o culto a Deus, pregando a


sua palavra, ministrando os sacramentos, promovendo a fraternidade e a
disciplina cristãs e proporcionando aos seus membros meios para alcançar
uma experiência de vida progressiva, visando ao desempenho do seu
testemunho e serviço no mundo. (IGREJA METODISTA, 2017, p.18)

47A desprivatização da fé cristã possibilita a afirmação de um cristianismo relevante que se firma no


compromisso em tornar o mundo público mais democrático. Segundo o autor, não implica na
desvalorização do aspecto individual da fé, da mística necessária e inerente à religião, mas não torna
essa fé individual como a única razão do exercício da prática religiosa; desprivatizar a fé é, como afirma
o autor, “não permitir que a fé se torne refém de um individualismo radical” (CASTRO, 2000, p. 107).
124

Sobre este artigo da constituição Castro assim se refere:

Quero chamar atenção para as últimas palavras: “para alcançar uma


experiência de vida progressiva, visando ao desempenho do seu testemunho
e serviço no mundo”. Esta é a parte mais difícil da Missão da Igreja. Celebrar
cultos, ministrar os sacramentos e promover a fraternidade são os aspectos
mais prazerosos da Missão. Porém, desenvolver um estilo de vida que
permita o testemunho público da fé – discipulado – é muito mais difícil e
desafiador (CASTRO, 2005, p.24).

Ao relacionar o relatório do Colégio Episcopal de 2006 e a Conferência


Doutrinária de 2016 com o conceito de ministério, na perspectiva do serviço e da
humildade, percebe-se que há um apelo, especialmente na Conferência Doutrinária
para que os pastores e pastoras não desprezem essas dimensões na sua atuação.
Um exemplo:

[...] que sejam pastores e pastoras que rejeitem toda forma de arrogância
ministerial para ser considerado servo de Deus, do povo e da igreja; que
entendam o espírito de superioridade, o orgulho espiritual, a soberba da
posição que ocupam são refugados ao lixo, pois preferem a humildade de
Cristo quando lavava o pé dos seus discípulos, do que serem comparados
aos fariseus neotestamentários deste século (IGREJA METODISTA, 2016b,
p.13-14).

A necessidade de reafirmação, por parte do Colégio Episcopal, de um perfil


pastoral em 2006 e em 2016, pode significar a presença de uma prática pastoral que
tem se afastado de tais princípios. Ao analisar tais orientações, podemos organizá-las
pedagogicamente em três categorias: formação teológica, ação administrativa e
espiritualidade.
Nas orientações de 2006, essas três categorias estão presentes, ainda que
haja uma preocupação maior com aquelas que são fruto, na percepção desta
pesquisadora, de uma boa formação teológica. Nas orientações de 2016, há uma
preocupação maior com as categorias que são destinadas ao cultivo da espiritualidade
individual e ao exercício da evangelização proselitista.
No que diz respeito à formação teológica destaca-se no documento de 2006:

• Zelar pela proclamação da Palavra de Deus;


• Orientar e ministrar os sacramentos;
• Cuidar para que as marcas essenciais da Igreja circundem os diversos
ministérios exercidos na igreja local;
• Desenvolver o cuidado pastoral;
• Promover a evangelização e o testemunho cristão;
125

• Exercer as atividades docentes na Igreja. (IGREJA METODISTA, 2006,


p.25)

Ao se destacar as orientações referentes à formação teológica, percebe-se que


elas são extremamente básicas, porque não dizer pueris, expectativas elementares
em relação a uma pessoa que cursou a graduação de teologia para o exercício do
ministério pastoral. O que dificulta essa aprendizagem? O quão transformador e
convincente pode ser o ensino teológico e prático para formar pessoas ao ministério
pastoral? O quão disponíveis para a apreensão deste ensino se encontram as
pessoas que vão cursar a teologia? O quão ciente está o corpo docente dessas
limitações e da necessidade de atuação para diminuir tal abismo?
O curso de teologia é um espaço privilegiado do encontro da razão com a
espiritualidade. No entanto, a mesma igreja que valoriza a formação teológica, a
constrói e a regulamenta como exigência para o exercício do ministério pastoral, a
deprecia. Por vezes, de forma equivocada, o ensino teológico tem sido considerado
um algoz da espiritualidade, e a faculdade um espaço de desconstrução irresponsável
da fé.
Muitas pessoas que ingressam na faculdade para se tornarem pastoras entram
já avisadas sobre o perigo espiritual que passarão lá. Algumas se referem a esse
espaço como um deserto necessário no cumprimento da vocação que receberam de
Deus. E a forma de reagirem a esse perigo espiritual é se fechando ao ensino e às
propostas de reflexão lá apresentadas.
Não se pode negar que, de fato, racionalizar a experiência teológica é um
exercício muito intenso e, em alguns momentos, provoca sim, incômodos, mas não
dialogar com eles é extremamente nocivo à formação acadêmica, ao crescimento
espiritual e humano, propriamente dito. Por outro lado, há também quem se incomode
com as pessoas que acabam assumindo uma postura mais comprometida com
estudos teológicos. Reporto-me a uma experiência vivenciada pessoalmente na
Faculdade de Teologia no Rio de Janeiro:
Informação verbal48 (Certa vez, ao subir as escadas do prédio onde eu estudava, um
colega de classe me esperava na porta e pediu para ter uma conversa particular comigo. O
motivo da conversa era o fato de eu ter tirado a maior nota da classe em uma prova de teologia
sistemática, e o professor ter utilizado a minha prova como parâmetro para corrigir as outras.

48 Relato de experiência da pesquisadora.


126

Eu achei esse padrão de avaliação extremamente equivocado. Ao expressar a sua revolta


pela nota baixa que tirou, me disse: “para ser pastor não precisa nada disso, desse negócio
de estudar, é só muita oração, jejum, levar o povo para o monte. É isso que é ser pastor, não
ficar com essas coisas de ler livro, tu tá por fora Andreia, pare de prejudicar a turma”).
Se as orientações episcopais de 2006 evidenciavam, na perspectiva desta
pesquisadora, uma preocupação com a ausência de práticas ligadas à educação
teológica, as orientações de 2016 estão preocupadas com o caráter e a espiritualidade
dos pastores e pastoras, e muito do que se exige no perfil apresentado tem relação
com isso. Dois exemplos:

Que possuam forte dependência de Deus por entender que foram chamados
por ele e está a serviço dele na Igreja Metodista [...]. Que sejam pastores e
pastoras que não vivam sem o enchimento do Espírito Santo, pois entendem
que sem ele não há ministério, nem ministro de Deus na igreja e no mundo.
(IGREJA METODISTA, 2016b, p.11-12).

O relatório do Colégio Episcopal enviado ao 20º Concílio Geral da Igreja


Metodista, onde foi realizada a Conferência Doutrinária, no item que diz respeito ao
Ministério Pastoral (Anexo) também apresenta uma preocupação com a
espiritualidade dos pastores e pastoras, com a preocupação evangelística e com a
idoneidade, o caráter de quem está no ministério.
As orientações episcopais para o ministério pastoral centram-se em três
afirmativas a partir da seguinte pergunta: “o que Deus espera do pastor e da pastora?”
(COLÉGIO EPISCOPAL, 2016c, p.28). E responde que Deus espera que:

a) O pastor e a pastora o amem. Sobre isso afirmam: “todas as demais coisas são
importantes, doutrina, estratégia pastoral, mas nada acontece sem essa primeira”
(COLÉGIO EPISCOPAL, 2016c, p.29).

b) Que o pastor e a pastora amem as ovelhas que lhes são confiadas. Sobre isso
afirmam:

Pastores e pastoras não escolhem as ovelhas, sua tarefa é cuidar, curar,


apascentar, ensinando os caminhos de Deus. Sempre prontos/as a buscar a
que se perdeu. Deveria ser dia de choro e tristeza, quando se tem de cortar
uma ovelha do rebanho. Não são aceitáveis medidas pastorais, que se
apressem a cortar ovelhas ausentes, sem antes jejuar, orar e se afadigar em
trazê-las de volta ao aprisco das ovelhas (COLÉGIO EPISCOPAL, 2016c,
p.29-30).
127

c) Que o pastor e a pastora amem e busquem as pessoas que se perderam de Deus.


Sobre isso afirmam:

Pastor/a é, acima de tudo, uma pessoa apaixonada pelas vidas (almas) sem
Deus. Seu zelo pelas vidas que estão longe de Cristo o/a faz gemer por elas,
se comove ao ver as crianças na rua, os jovens drogados e o mundo sem
Deus. Esta paixão o/a faz apaixonado/a pela evangelização, pelo serviço ao
mundo, pelas missões mundiais. (COLÉGIO EPISCOPAL, 2016c, p. 30)

As orientações do relatório neste item terminam com um diálogo com o que tem
acontecido na sociedade, destacando o cenário corrupto em que a sociedade se
encontra inserida, situando que em alguns momentos a igreja evangélica tem
sucumbindo à corrupção. Diante disso, situa-se com um alerta:

Finalmente, o que não pode continuar ocorrendo, é o povo chamado


metodista seguir assistindo as coisas acontecerem, ou mesmo seguir
discursando sobre libertação, sob qualquer perspectiva. Tampouco pode
aceitar que homens e mulheres, chamados por Deus para serem instrumento
de ação d’Ele fora das quatro paredes do templo, continuem encerrados lá
dentro, “engordando” a si e às suas ovelhas, numa apropriação antibíblica da
fé e da experiência religiosa. Assim, espera-se que cada pastor/a, no Brasil,
possa apresentar-se a Deus aprovado/a como obreiro/a que não tem do que
se envergonhar, e que maneja bem a palavra da verdade. E que isso possa
ser verificado nos frutos evidentes do seu ministério (COLÉGIO EPISCOPAL,
2016b, p.31)

Diversos desafios circundam o ministério pastoral da Igreja Metodista. Uma vez


que o próprio cenário religioso mudou, a prática pastoral acabou por ser influenciada
por tais mudanças. O cenário religioso marcado, segundo Dias (2005), por uma
transição da religião tradicional para religião de mercado, faz surgir novos modelos
pastorais para atender a nova realidade. E a Igreja Metodista, tradicional ramo do
protestantismo histórico, não se isenta dessa metamorfose.
Dentre os desafios que Dias cita está:

O aumento da atuação e do espaço das mulheres em vários segmentos da


sociedade faz que elas, em muitos momentos sejam protagonistas com mais
força decisória. Assim, há um velho público das igrejas que agora assume
uma nova posição, fato que desafia a prática pastoral, por muitas vezes
machista e conservadora. (DIAS, 2005, p.17)

Os pastores precisam não só lidar com as mulheres que ocupam cargos de


liderança leiga na vida da igreja, mas também com as mulheres vocacionadas para o
128

exercício do ministério pastoral. Hoje, quer em algumas igrejas protestantes históricas,


quer nas pentecostais e neopentecostais, as mulheres têm assumido esse espaço.
As principais igrejas oriundas do protestantismo histórico, isto é protestantismo
de conversão ou missão49 são: Luterana, Metodista, Episcopal Anglicana,
Presbiteriana do Brasil, Presbiteriana Independente do Brasil, Presbiteriana Unida do
Brasil, Congregacional e Batista. Dessas igrejas apenas as igrejas Metodista,
Episcopal Anglicana e Luterana ordenam mulheres ao ministério pastoral. Este
trabalho concentra seu interesse na Igreja Metodista. Antes de trazer considerações
sobre o ministério pastoral das mulheres na Igreja Metodista, vamos traçar
considerações sobre a participação das mulheres na história da igreja.

3.3. A participação de mulheres na igreja

A participação das mulheres na igreja vem de tempos remotos. A ausência das


mulheres em cargos de autoridade nos espaços eclesiais é resultado de um
sistemático processo, não só de silenciamento, mas também de uma clara divisão
sexual do trabalho ao interior da igreja.
Nos evangelhos, a despeito de todo contexto patriarcal da época, há inúmeros
registros da participação ativa das mulheres no ministério de Jesus, isto é, antes da
existência da igreja cristã. Elisabeth Schussler Fiorenza, no seu clássico livro “Em
memória dela” (1982) faz uma reconstrução histórica das origens do cristianismo a
partir de uma perspectiva feminista. Ela resgata a voz silenciada das mulheres nos
textos bíblicos, através de uma análise crítica não só da história, mas da linguagem e
da política por trás da elaboração e da proteção do cânone.
No entanto, Elsa Tamez (2004), teóloga mexicana, por meio de um método
criativo, utiliza a voz de uma mulher do Novo Testamento como ferramenta literária
para narrar episódios do movimento de Jesus. O texto de 2004 é uma afirmação da
presença das mulheres e uma reivindicação do papel central que elas tiveram na
construção e manutenção desse movimento.

49“O protestantismo de conversão ou missão estabeleceu-se no Brasil a partir dos anos 50 do século
XIX após um período preparatório promovido pelas sociedades bíblicas internacionais que enviaram
seus agentes bem antes da chegada dos primeiros missionários [...]. Assim, entre 1888 e 1965, todos
os ramos do protestantismo histórico do Brasil, tornaram-se administrativamente autônomo, ao mesmo
tempo em mantêm relações fraternais e de cooperação com seus congêneres por intermédio de
organizações regionais e mundiais” (MENDONÇA, A.G. Protestantismo Histórico (verbete). In:
BORTOLLETO FILHO, F. (Org,). Dicionário Brasileiro de Teologia, São Paulo: Aste, 2008).
129

Porém, a despeito dessas importantes conclusões sobre o lugar das mulheres


nos primórdios da igreja, decorrentes de uma séria de reconstrução histórica e crítica,
o caminho até a ordenação feminina é cheio de obstáculos.
José Dimas Soberal (1989) em seu livro O ministério ordenado da mulher
apresenta um breve histórico do ministério feminino. Ele divide esse histórico a partir
das igrejas protestantes e da igreja católica. Seus registros sobre as igrejas
protestantes a partir do século XIX mostram que as mulheres conseguiram espaços
com muita luta e reivindicação. A atuação delas era limitada, sendo o ministério
ordenado algo sempre proibido:

No ano de 1848, os participantes da convenção sobre os direitos da mulher,


celebrada na pequena igreja wesleyana de Seneca Falls, Nova Iorque,
pronunciaram-se contra os homens, por eles haverem usurpado o poder
eclesiástico. Uma das demandas contidas na “Declaração de Princípios e
Resoluções” diz: “é permitido à mulher participar na Igreja de forma limitada;
fica excluída do ministério, baseando-se na autoridade apostólica e, salvo em
poucas ocasiões, será lhe permitido participar nas funções públicas da Igreja
(SOBERAL, 1989, p.11).

Autoridade e espaço público eram (ainda são em alguns contextos eclesiásticos)


absolutamente prerrogativa masculina. O espaço sagrado da igreja foi por muito
tempo um espaço de poder outorgado e protegido pelos homens. Soberal registra que
foi a 1ª Igreja Congregacional do Condado de Wayne que, em 1853, ordenou a
primeira ministra: a senhorita Antoniette Louisa Brown (idem, p.11). A partir de alguns
relatos sobre a história da ordenação das mulheres o autor conclui:
Pode-se notar que a admissão da mulher aos ministérios nas comunidades
das igrejas cristãs50 tem sofrido um processo lento, porém constante (...). A
aceitação não foi unânime desde o princípio, ela foi bem lenta e sofreu
resistência. As ordenações das mulheres se proliferaram e é grande o
número de mulheres que se encontram em seminários e casas de formação
recebendo instrução e capacitação necessárias para o ministério sacerdotal
(SOBERAL, 1989, p.13-14).

A admissão das mulheres foi lenta, porém constante. Isto mostra que, ainda
que os registros historiográficos da trajetória da igreja não priorizem as mulheres,
trata-se de uma realidade presente desde os registros bíblicos. Os movimentos de
mulheres em prol da ocupação de espaços legítimos a elas, porém negados,
estiveram sempre presentes nas suas trajetórias.

50 Assim se denomina as igrejas protestantes para diferenciá-las da igreja católica.


130

Uma pergunta cabe a essa linha histórica traçada por José Dimas Soberal:
quem eram essas mulheres que conseguiam ocupar tais espaços? Qual a sua raça?
Sua idade? Seu estado civil? Os registros do autor não nos concedem respostas para
estas perguntas. A não ser o estado civil da primeira ministra ordenada nos Estados
Unidos: a senhorita Antoniette Louisa Brown, uma mulher que não era casada.
Antoniette era uma mulher branca, solteira e professora, portanto assumia uma
posição mais privilegiada na sociedade. Isto ajuda a suspeitar que nem todas as
mulheres estavam em condição de igualdade entre si para conseguir ocupar os
espaços masculinizados na igreja da época. E hoje, elas se encontram em condição
de igualdade? Uma pergunta retórica.
O historiador eclesiástico, professor e pastor metodista Duncan A. Reily, tem
uma significativa obra sobre o ministério feminino. O livro Ministérios femininos em
perspectiva histórica reúne as pesquisas de Reily em três períodos históricos da
igreja: antigo, medieval e moderno, este último compreendendo da reforma até o
século XX.
Em suas considerações, o autor afirma que o debate sobre os ministérios
femininos se relaciona de forma mais evidente à questão da ordenação e ministração
no altar. Tal dilema, segundo Reily, “reduz-se a duas indagações: pode a mulher
legitimamente ser ordenada sacerdotisa? Pode, portanto, a mulher licitamente
ministrar a Eucaristia?” (REILY, 1997, p.13). Essa obra apresenta as várias faces dos
ministérios femininos, no entanto explicita desde o começo que não pretende
“escrever a história da ordenação das mulheres” (idem, p.13), muito embora faça
menção de assuntos como ordens, ordenações, sacerdócio e outros fins.
No que diz respeito à idade antiga, cujos estudos começam a partir da época
de Jesus, o autor afirma que o protagonismo dessa época foi maior do que na idade
medieval. Afirma Reily:

Não pretendo argumentar que as mulheres gozassem da mesma liberdade


de servir ou seja, que tivessem acesso, na mesma medida dos homens, aos
variados ministérios cristãos, mas afirmo que algumas mulheres, em muito
maior número do que geralmente se suspeita, exerceram quase todos, senão
todos, os ministérios que seus irmãos em Cristo desempenharam. (REILY,
1997, p.34)
131

Quanto à idade média, a atuação protagonista das mulheres encontra


dificuldades nos espaços públicos, sendo os conventos um espaço privilegiado de sua
atuação.

A liderança que lhe era negada na igreja secular era exercida tranquilamente
pela mulher enclausurada. A intensidade da sua devoção muitas vezes se
expressava em escritos cuja influência real tornava algumas destas mulheres
verdadeiras teológicas e dirigentes do pensamento da igreja. (REILY, 1997,
p.98)

Apesar de um recrudescimento do contexto para atuação das mulheres, elas


continuaram a agir, a atuar, com mais dificuldades no movimento ortodoxo e um pouco
menos nos heterodoxos (p.98). A idade moderna marca uma maior abertura à
participação das mulheres e seguramente isso é fruto do trabalho contínuo e da
militância das mulheres e não uma abertura intencional e piedosa da história. Nossa
intencionalidade centra-se nas igrejas protestantes e a elas nos ateremos aqui.
Segundo Reily (1997), os primeiros movimentos a permitirem a atuação das mulheres
na pregação, espaço historicamente destinado aos homens, foram nessa ordem: os
anabatistas; os quakers; movimentos metodistas e o exército da salvação, fundado
por um metodista.
No Brasil, o protagonismo das mulheres no início do protestantismo se dava
por meio dos seguintes ministérios: missionárias, geralmente solteiras, esposas de
missionários e diaconisas (p.181). As mulheres não podiam fazer parte do ministério
pastoral, o que não significava que não desenvolviam funções pastorais, ainda que
não reconhecidas como tal. O último tópico do livro, ao tratar dos ministérios femininos
específicos, não incorpora o ministério pastoral ordenado como um deles. Ainda que
o autor tenha explicitado que isso não fazia parte da sua intencionalidade, incomoda
saber que dentro de uma obra referencial sobre o ministério das mulheres nas igrejas,
este tópico não tenha sido alvo sequer de pequenas considerações.

3.4 A participação de mulheres nos primórdios do movimento metodista

A partir daqui direciona-se o interesse em registrar neste trabalho a atuação


das mulheres no início do movimento metodista e em seguida, a história do ministério
pastoral exercido por mulheres na Igreja Metodista do Brasil.
132

Como se deu a trajetória da participação das mulheres na origem do movimento


metodista no século XVIII? Segundo Maria Inés Simeone:

A participação feminina dentro do movimento metodista aconteceu


praticamente junto com o nascimento do próprio movimento. Há mais de 250
anos, as mulheres entraram para as sociedades metodistas para não mais
sair (...). Elas realizavam seu trabalho nas suas casas, nos campos, nas
prisões, nos hospitais, em escolas para crianças pobres e trabalhadoras, e
por onde houvessem pessoas necessitadas (SIMEONE, 1993, p.31).

Quanto à participação das mulheres, a autora, em sua pesquisa, respondeu


algumas perguntas: que papel elas desempenharam? Foram pioneiras e
mantenedoras do movimento. Como desempenharam seu papel? Reunindo-se para
falar sobre seus problemas e sobre a Bíblia, orando, exortando, iniciando novos
grupos, cuidando das pessoas necessitadas, etc. Qual a metodologia que utilizavam?
no geral elas partiam da sua própria experiência de vida para realizar suas tarefas.
(Maria Inés SIMEONE, 1993, p.33)
A crescente participação não passou impune. Considerando o contexto
machista da época, é fácil imaginar as reações negativas. Reações que atingiam as
mulheres e ao próprio movimento. Alguns registros destas reações:

O metodismo nascente foi suscetível à mesma censura feita contra os/as


Quakers no século anterior, dizendo que suas sociedades consistiam
principalmente, se não exclusivamente, de mulheres...Willian Fleetwod, em
1741, sumariamente rejeitou estes assim chamados perfeccionistas,
declarando que a maioria dos seus membros são mulheres tolas. (...) Creio
que a maior parte das pessoas do movimento são mulheres; e não poucas
são azedas, solteironas desiludidas, algumas com um temperamento um
pouco menos melindroso (SIMEONE, 1993, p.35)

O tom pejorativo dado às mulheres aponta o protagonismo das mesmas no


movimento, no entanto, vale destacar que as reuniões do movimento metodista eram
feitas em grupos separados entre mulheres e homens. O protagonismo feminino em
termos de ação e número de membros não se refletia na sua interação com os homens
do movimento metodista. A desqualificação das mulheres por meio da depreciação do
seu humor (azedas), do exercício da sua sexualidade (solteironas desiludidas) e da
sua inteligência (tolas) são formas de desqualificação que atravessam os séculos e
estão presentes ainda hoje, como explicitado no relato de uma das pastoras
133

entrevistadas no grupo focal: Informação verbal51 (Quando a gente entra e a frase que a
gente ouve: - você quer ser pastora ou você quer ser bonita?)

O trabalho de Maria Inés Simeone (1993) afirma o protagonismo das mulheres


no movimento metodista e traz registros quantificados:

Figura 2: Porcentagem de mulheres na origem do movimento metodista de mulheres na Inglaterra

Anos Porcentagem de mulheres

1759-1770 57,8%

1771 – 1780 56,4%

1781-1790 55%

1791 – 1800 57,5%


Fonte: Maria Inês SIMEONE,1993, p.36.

Diante desse quadro, podemos perguntar: Quem eram essas mulheres? Até
onde ia esse protagonismo? Como se desenvolvia? Ainda recorrendo às pesquisas
de Simeone, vale destacar que as mulheres eram de várias classes sociais, elas
dirigiam pequenos grupos de mulheres, pregavam e ensinavam nesses grupos, eram
missionárias, abrindo caminhos para o movimento e iniciando sempre novos grupos;
visitavam as pessoas enfermas, ajudavam as pessoas necessitadas, acolhiam
pregadores em suas casas, apoiavam financeiramente a expansão do movimento.
É importante frisar que, como Simeone (1993, p. 41) também afirma, “o
problema de John Wesley e os homens metodistas da época em relação às mulheres
dizia respeito ao direito das mulheres pregarem, “eles eram contra elas falarem em
público, e muitas sutilmente continuaram”. E essa discordância encontrava amparo no
texto bíblico em 1Coríntios 14.34 que até hoje serve de base para negligenciar o direito
das. mulheres ao púlpito e ao ministério pastoral: “conservem-se as mulheres caladas
nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também
a lei o determina” (BÍBLIA SAGRADA,2015,p.1652).
A saída que John Wesley encontrou para explicar a atuação das mulheres que
pregavam, era que se tratava de algo extraordinário, sobrenatural, vindo da parte de

51 Transcrição literal da fala de Rode.


134

Deus, mas que ainda sim, elas tinham que agir com reservas. Segue o comentário
dele ao texto bíblico de 1Coríntios 14.34:

Conservem-se as mulheres caladas na igreja – a não ser que elas estejam


sob um extraordinário impulso do Espírito Santo. Porque em outros casos,
“não lhes é permitido falar” – para ensinar em assembleias públicas. “Mas
estejam submissas” – ao homem, cuja verdadeira posição é liderar e instruir
a congregação (GONZALÉZ, 1998, p.178).

Para Paul Chicote:

Muito do reconhecimento de J. Wesley aos dons femininos e à utilização


deles na vida da Igreja podem ser vestígio da influência da sua mãe, da
herança da tradição puritana, da sua redescoberta das práticas da igreja
primitiva e da sua amizade com os moravianos (CHILCOTE, 1991, p.19, apud
SIMEONE, 1993, p.40).

O fato é que mesmo diante das discordâncias de Wesley e outros homens


metodistas, o ministério das mulheres no movimento metodista nunca deixou de
existir, assim como a sua rejeição – e isso, até os dias de hoje.
Rode, informação verbal52 (Então a caminhada pela FATEO, apesar de ser densa,
quando a gente percebe a nomeação, por exemplo, nomeação de 1º ano. Você vê os
aspirantes homens, nomeações integrais, igrejas grandes. Aí você vai ver as mulheres
coadjutores. Co-co-coadjutores. Em alguns lugares co-colugares. Então assim, essa
brincadeira é muito difícil de encarar por que você fala assim: - eu fiz igual. A minha nota foi
superior. Mas a igreja olha para ele. Às vezes você é a titular e o cara é um co-co-co seu. Mas
se ele falar A, o A dele tem um poder que o seu Z não tem).

3.5. Histórias do início do ministério pastoral das mulheres na Igreja Metodista


Como já foi citado, uma das motivações na realização deste trabalho é escutar
e dar visibilidade a histórias de mulheres. Neste caso, pastoras metodistas. Além da
contribuição com o processo de registro da história, há o desejo de escuta e
ressignificação da própria história da pesquisadora neste exercício de investigação.
Os trabalhos de Jussara Rotter Cavalheiro (1996), Elena Alves da Silva Pinto
(2002) e Margarida Ribeiro (2009) são excelentes fontes de pesquisa sobre a história
das mulheres metodistas e o ministério pastoral. Além de algumas considerações já

52 Transcrição da entrevista concedida por “Rode”.


135

apontadas por elas, nos utilizamos dos relatórios dos encontros nacional de ministério
pastoral feminino que aconteceram nos primórdios deste ministério.
Em 1971 a Igreja Metodista do Brasil aprovou no X Concílio Geral a ordenação
de mulheres ao ministério pastoral. Conforme registra Jussara Rotter CAVALHEIRO
(1996) este concílio aconteceu em duas etapas: a primeira de 15 a 22/07/1970 em
Belo Horizonte no Instituto Metodista Izabela Hendrix, a segunda de 31/01 a
07/02/1971 no Instituto Metodista Bennett. Um concílio bem longo e, conforme afirma
a autora: “a periodicidade singular deste concílio resultou de um ambiente tenso
desencadeado em setores importantes da igreja num momento da vida nacional
igualmente conturbado” (Jussara R. CAVALHEIRO, 1996, p.96).
A inclusão das mulheres no ministério pastoral feminino fez parte do projeto de
reforma constitucional da Igreja Metodista do Brasil que sugeria a mudança redacional
dos artigos 12 e 13 dos Cânones para:

Art.12. Ordens são categorias eclesiásticas nas quais a Igreja Metodista


acolhe aqueles que reconhece vocacionados para serviços especiais no
desempenho de sua missão.
Art.13. As ordens na Igreja Metodista são duas: presbiteral e diaconal,
construídas, respectivamente, de presbíteros e diáconos, sem distinção de
sexo.
Parágrafo Único – Na ordem presbiteral, a Igreja acolhe homens e mulheres
que reconhece vocacionados para a plenitude do ministério ordenado e na
diaconal acolhe homens e mulheres que, por voto, prometem servir à Igreja
de acordo com sua capacidade e dons. (Jussara R. CAVALHEIRO, 1996,
p.96)

Elena Alves Silva Pinto (2002) apresenta no seu trabalho o extrato da ata
referente à votação: “O resultado desta votação foi: Sim: 64 e Não:0” (p.38). O trabalho
de Pinto mostra duas questões relevantes referentes ao processo que sucedeu a
questão da ordenação. A primeira é onde se originou essa proposta. Ainda que a ata
do concílio atribua a autoria da proposta ao senhor Odyr Gideão Köeche, na verdade
essa proposta é oriunda da Comissão Geral de Legislação. Afirma a autora:

O depoimento do Rev. Sergio Marcus Pinto Lopes conta os detalhes ainda


não publicados da história da ordenação feminina. Segundo ele, a proposta
original da inclusão da mulher na ordem presbiteral da Igreja Metodista, partiu
da Comissão Geral de Legislação, nomeada pelo IX Concílio Geral e
composta dos seguintes membros: Mariana Allens Peterson, presidente,
James Willian Goodwin, Dácio de Toledo Lima, Moacyr Louzada Machado,
Aser d’Avila Ramos, vogais, e ele próprio, secretário (Elena Alves Silva
PINTO, 2002, p.39).
136

A história credita a proposta a um homem e não a uma comissão presidida por


uma mulher. Outro dado importante que a pesquisadora apresenta diz respeito ao
estilo redacional da proposta. A redação final dos artigos canônicos, descritos acima,
encontra-se totalmente no masculino, o que difere radicalmente da intencionalidade
redacional da comissão de legislação que a publica na edição de 14 de abril de 1970
no Expositor Cristão53, antes da realização do concílio em questão.
A redação do artigo no jornal Expositor já contemplava a linguagem inclusiva:
“a ordem pastoral é constituída de presbíteros e presbíteras ativos e aposentados e a
ordem diaconal de diáconos e diaconisas ativos e aposentados. Art.9º. Os presbíteros
e presbíteras ativos estão sujeitos à Itinerância” (Elena Alves Silva PINTO, 2002,
p.39). Para a autora “é a Comissão Geral de Legislação que cunha a palavra
“presbítera”, jamais ouvida antes em qualquer tradição religiosa cristã na língua
portuguesa (p.40). A redação canônica da época não assumiu esse compromisso
antissexista.
A exigência da linguagem inclusiva na redação dos documentos da igreja é
uma luta que travada há muito. Ainda que não tenha amparo legal, existe por parte da
Sede Nacional da Igreja Metodista este esforço, mas o ideal é que isso fosse uma
regulamentação canônica tendo em vista a dificuldade para implementação da
mesma. Assumir tal política é expressar um comprometimento antissexista diante da
nossa língua historicamente excludente e masculina.
Atualmente essa é a redação canônica relativa a esses artigos:

Art. 7º. São membros da Igreja Metodista as pessoas que satisfazem


os requisitos canônicos e são recebidas de acordo com o Ritual da
Igreja Metodista à sua comunhão, tendo os nomes arrolados numa
igreja local.
§ 1º. Os membros da Igreja Metodista, leigos e leigas e clérigos e
clérigas, dela participam segundo dons e ministérios por ela
reconhecidos (IGREJA METODISTA, 2017, p.22).

A aprovação conciliar para o ingresso das mulheres ao ministério pastoral e à


ordem presbiteral acontece em 1971, no entanto a iniciativa de inclusão delas vem de
muito antes.

53
Expositor Cristão: jornal oficial da Igreja Metodista, jornal protestante mais antigo do Brasil que ainda
em circulação. Sua primeira edição foi em 01/01/1886.
137

A primeira tentativa de inclusão das mulheres na ordem presbiteral se deu por


ocasião da constituinte da igreja, em 1930 (Margarida RIBEIRO, 2005, p.157 apud
RENDERS, H.(org.), 2005), ano da sua autonomia. Infelizmente não obteve sucesso.
Antes da abertura para as mulheres ingressarem na ordem presbiteral e no
ministério pastoral da igreja, o seu Concílio Geral de 1954 estabeleceu a ordem das
diaconisas, definindo-a como “o corpo de obreiras leigas vocacionadas para o trabalho
cristão e, mediante voto, consagradas pela imposição das mãos de um bispo para a
obra educativa, social e evangelizante da Igreja” (Cânones da Igreja Metodista, 1955,
apud Romilde dos Santos SANT’ANA, s/d.).
As mulheres, a despeito das proibições, atuaram ao longo dos séculos na vida
da igreja; antes mesmo da abertura do ministério pastoral, elas já atuavam
pastoralmente. Margarida Ribeiro registra em sua pesquisa uma reportagem da Voz
Missionária54, intitulada Uma pastora no sul:

Na reportagem da Voz Missionária de 1962, com o título “Uma pastora no


sul”, em que o bispo José Pedro Pinheiro, escreve sobre Nadir Jaime
Krüeger, residente em Porto Alegre, R.S. Ela colaborava com as igrejas em
Esteio e Canoas, próximas à capital, conforme descreve o bispo: “Ela faz tudo
que, mesmo não sendo pastor, pode fazer: ensina, visita, administra o
programa da igreja, aconselha, orienta, prega e de tudo põe o pastor a par
para os seus relatórios e os convoca para os atos do ritual que lhe são
necessários. (Margarida RIBEIRO, 2009, p.147)

É só no X Concílio Geral da Igreja Metodista (1970/1971) que acontece a


aprovação para o ingresso das mulheres na ordem presbiteral, quarenta anos após a
primeira iniciativa. A abertura não pode ser vista de forma anacrônica. Fulgurava na
sociedade nessa época a “segunda onda” do movimento feminista.
É em 1974, depois de mais de um século da presença da primeira missão
estadunidense metodista no Brasil, que a Igreja Metodista, já autônoma, consegue
ordenar a sua primeira presbítera, Reverenda Zeni de Lima Soares, membro da
terceira região eclesiástica (SÃO PAULO).
As mulheres presentes no processo de autonomia da Igreja Metodista brasileira
já entendiam a importância do acesso das mulheres à ordem presbiteral, seguramente

54 A Revista Voz Missionária é conhecida como a Revista da Mulher Metodista. Neste ano a Revista
completa 89 anos de circulação. No ano de sua criação, 1929, as mulheres no Brasil ainda não tinham
direito a voto. As mulheres ainda eram silenciadas na urnas mas por meio da revista sua voz foi
compartilhada em todo o país. As mulheres brasileiras só tiveram direito ao voto, sem qualquer
restrição, em 1934.
138

por vivenciarem suas experiências pessoais e testemunharem a atuação ministerial


de tantas outras na vida da igreja. A luta se perpetuou e 44 anos depois – e somente
desse tempo – é que se conseguiu ter a primeira mulher presbítera.
A eleição da primeira episcopisa (bispa) aconteceu 26 anos após a eleição da
primeira presbítera; e a eleição da segunda episcopisa, 16 anos após a da primeira.
Quando se trata da trajetória das mulheres na ocupação dos espaços de poder
eclesiásticos, especialmente aqueles que se referem ao governo da igreja, como é o
caso dos ministérios pastoral e episcopal, percebe-se que a trajetória é lenta e muito
sinuosa.
A reinvindicação mais recente aprovada pelo XX Concílio Geral da Igreja
Metodista em 2016 foi que no mínimo,30% das vagas em todos os órgãos colegiados
da igreja em nível local, distrital, regional, nacional fossem preenchidos por mulheres.
Essa proposta quando aprovada, transformou-se em artigo canônico que depois,
juntamente com outros artigos, foram anulados por decisão da Comissão Geral de
Constituição e Justiça da igreja55.
O ingresso das mulheres no ministério pastoral e na ordem presbiteral implicou
em desafios e mudanças inevitáveis na dinâmica da igreja, incluindo desafios para o
próprio processo de formação do quadro pastoral, o que obviamente incluía a
Faculdade de Teologia.
Para contar a história dos primórdios do ministério pastoral feminino ordenado
na Igreja Metodista, nos reportamos aos registros dos encontros nacionais de
pastoras organizados pela iniciativa de mulheres, com o apoio da Faculdade de
Teologia. Ao que parece foram 9 encontros nacionais. No entanto, nas pesquisas só
foi possível encontrar na biblioteca da FATEO materiais referentes a três encontros: I,
II e III. Em diálogo com uma pastora metodista, a Reverenda Joana D’arc Meirelles,
consegui os registros do V e do VIII encontro.
O primeiro encontro pastoral feminino foi realizado nas instalações da
Universidade Metodista, em São Bernardo do Campo, em 1978, com o apoio do então
reitor da universidade, Rev. Professor Ely Eser Barreto César. Este encontro foi
precedido por alguns encontros casuais em 1977 provocados pela preocupação com
as estudantes mulheres.

55
A Comissão Geral de Constituição e Justiça anulou as decisões legislativas tomadas na 9ª e 10ª
sessões do XX Concílio Geral mediante recurso de um membro clérigo. A proposta referente às
mulheres foi tema de uma dessas sessões.
139

O objetivo do encontro, segundo o próprio documento afirma, era “oferecer


oportunidade às acadêmicas de teologia e às pastoras de refletir sobre o ministério
pastoral feminino na igreja metodista” (I ENCONTRO..., 1978, p.3). As palavras da
professora Fanny Geymonat-Pantelis, coordenadora do encontro, na apresentação do
relatório, manifesta o desejo de que a partir desse primeiro encontro se fortaleça “um
diálogo que contribua a um ministério mais fecundo ao qual são chamados por igual
homens e mulheres” (p.2). Tal afirmação expressava a necessidade de refletir para
eliminar as desigualdades existentes entre mulheres e homens no ministério pastoral.
Segundo o relatório do primeiro encontro pastoral feminino, realizado em 1978,
a Faculdade de Teologia promoveu encontros casuais para discutir “a problemática
que levanta o ministério pastoral feminino, tanto para a igreja como para as mulheres
que se envolvem nele.” (I ENCONTRO..., 1978, p. 2)
Por ocasião do primeiro encontro, a pastora Mara Aparecida Freitas Barbosa
ministrou a palestra intitulada A realidade da mulher-pastora na Igreja Metodista. A
partir dela, para descrever as dificuldades que as pastoras enfrentavam no começo
do mistério ordenado, destaca-se o seguinte trecho:
Até há pouco tempo atrás, o máximo que a mulher poderia desejar ser na
Igreja Metodista, era diaconisa. A esta era negado, discriminadamente, a
vivência do lar. A diaconisa não podia ser esposa, mãe, nem morar com seus
pais, enquanto que isso nunca fora negado ao homem por ele ser pastor ou
mesmo pastora, independente de seu estado civil. Entretanto, algumas
barreiras ainda necessitam de ser superadas pela mulher pastora. É preciso
que reconheça suas capacidades reais dentro deste campo e que as assuma
na vida prática. Um exemplo recente nós pudemos acompanhar através do
Expositor Cristão e até ouvir de algumas colegas (eu, particularmente)
quando foi dito que as mulheres não estavam correspondendo ao que a Igreja
(Bispo e demais “colegas”) estava esperando que fossem. É uma expectativa
um tanto infundada, ridícula, egoísta e precipitada. Alei canônica, permitindo
o pastorado pleno à mulher não tem mais que cinco anos. E já desejam o
máximo, a perfeição de parte da pastora. E o que me parece mais grave é
que pastorado feminino que deve ser atingido por todas sem serem
consideradas as características e tendências individuais Nada disto,
entretanto, é contado na avaliação do pastorado masculino. Todos os
pastores têm correspondido satisfatoriamente ao que a Igreja espera deles?
Suas qualidades e características individuais têm sido consideradas como
quando se chega ao ponto muitas vezes, de serem sacrificadas as
comunidades locais (não raras vezes indo de vento em popa) para o
atendimento de um interesse geral ou regional? Todos estes fatos revelam
que na Igreja Metodista há também e ainda uma acentuada tendência
patriarcalista. (BARBOSA, 1978, apud FACULDADE DE TEOLOGIA DA
IGREJA METODISTA, 1978, p.8)

O segundo encontro foi realizado na mesma faculdade entre 23 e 25 de agosto


de 1979. O encontro foi aberto ao público e contou com a participação de 45 pessoas,
das quais 4 eram homens. Nesse encontro houve um estudo detalhado do lugar da
140

mulher na sociedade, passando por uma análise de seu papel na família e no trabalho,
fazendo um panorama tanto da situação da opressão das mulheres quanto das
condições e luta por libertação. Os registros que se tem desse encontro são as cópias
das palestras ministradas e não há relato de situações específicas que pastoras
estavam vivenciando no ministério.
O terceiro encontro foi realizado na Faculdade de Teologia no ano seguinte,
1980, mas não se obteve, por meio dos documentos disponíveis na Biblioteca, o
registro da data. O que se encontra disponível sobre este encontro são os registros
das reflexões que nele ocorreram, a saber: A participação da mulher na Bíblia e na
Igreja elaborada por Joana D’Arc Meireles, Wilma Joan Roberts, Rosângela Soares
de Oliveira, Ernesto Barros Cardoso e “A Participação da Mulher na História da Igreja”,
elaborada por Duncan Alexander Reily, Isaly Rubin Duarte Pinto, Maria de Lourdes
Mendes das Neves e Zeni Soares de Lima.
A ata do quinto encontro nacional do ministério pastoral feminino é a que mais
fornece informações a respeito do processo histórico do início do ministério pastoral
de mulheres. O quinto encontro aconteceu na Faculdade de Teologia, de 05 a 08 de
outubro de 1982 e contou no primeiro dia com a participação de 16 pessoas (pastoras
e acadêmicas da FATEO), chegando até 18 pessoas no último dia. Ao que parece a
baixa aderência ao encontro foi incômoda a ponto de constar em ata uma justificativa:
“feito esclarecimentos sobre o motivo da ausência de grande número de pastoras no
presente encontro constatou-se que a grande maioria delas não puderam participar
por problemas de saúde” (V ENCONTRO, 1982, p.1).
A construção da agenda deste encontro contemplou as demandas que a
avaliação do quarto encontro apontou e ficou assim constituída:
1.história do MPF (painel); 2. Hoje no MPF (experiências); 3. Estudo do Plano
para a Vida e Missão da Igreja – Diretrizes para a educação teológica; 4.
Cânones (Nova Legislação); 5. Eleições de 15 de novembro (Como estamos
tratando este assunto nas igrejas); 6. Reflexão enquanto pastoras da I.
Metodista; 7. Eleição organizadora do IV EMPF 56, celebração da eucaristia e
avaliação (V ENCONTRO..., 1982, p.2).

A agenda aponta uma preocupação em instrumentalizar as mulheres para a


ação pastoral e para as demandas cotidianas. Tendo em vista o desejo de registrar
histórias do início da caminhada, destacam-se as colaborações registradas em ata
referentes ao item História do Ministério Pastoral Feminino. Nessa ata registra-se que

56 Encontro do Ministério Pastoral Feminino.


141

a aprovação do ingresso das mulheres no ministério ordenado fomentou muitas


polêmicas na vida da igreja. Segundo o registro em ata:
A questão da mulher pastora: o que a Igreja pretende fazer com a mulher no
pastorado? Será que a mulher consegue ser pastora? A Faculdade de
Teologia pressionava as mulheres: “quer ou não quer ir para a igreja local?
No 3º ano as mulheres teriam que receber nomeação episcopal por ser
requisito da Faculdade de Teologia, e a 3ª região encarregada de fazê-la
omitiu-se, provocando uma reação por parte das acadêmicas que exigiram
da Fac. De Teologia nomeação para uma igreja local em 1976 (V
ENCONTRO, 1982, p.7).

Lutava-se pelo acesso à nomeação e pela permanência na igreja para qual foi
nomeada; em seu trabalho, Elena Pinto traz o registro de uma pastora que ingressou
como aluna em 1978 na FATEO sobre o seu primeiro ano já como pastora ordenada
e nomeada:

Houve episódios terríveis no meu primeiro ano. O então guia leigo (da
legislação antiga) ameaçou sair da igreja, fez boicotes e por fim, chegou ao
extremo de contratar pessoas (três rapazes) para tentar me expulsar da
cidade. Esses rapazes tinham como tarefa me aterrorizar. Nas madrugadas,
tentavam invadir a minha casa. Precisei adquirir uma arma de fogo (um
revólver) para a defesa pessoal. Meu pai ficou por três semanas em minha
casa escondido para poder pegar os rapazes e a polícia teve de dar proteção
por algum tempo. Quando o caso foi solucionado, é que foi descoberto que
os rapazes foram contratados para me expulsar. Este episódio triste, mas a
igreja se sensibilizou e passou a dar a atenção ao meu trabalho e caminhar
comigo. O guia leigo saiu da comunidade. Fiquei nesta comunidade por três
anos. Isto não me fez desistir, pelo contrário deu muito mais força para
continuar. (Elena Alves Silva PINTO, 2002, p.45)

Aceitar a presença de uma mulher como pastora era algo realmente incômodo,
como o fora sempre a participação das mulheres em espaços não legitimados
historicamente para elas, quer na igreja ou fora dela, pois em vários setores da
sociedade as mulheres sempre encontraram – e ainda encontram – dificuldades para
ocupar e permanecer em tais posições.
Nas reflexões do quinto encontro, registradas em ata, surge o questionamento
sobre o preconceito vivenciado:
Havia uma discriminação clara por parte dos colegas, igrejas, e tivemos que
assumir que éramos pastoras. Temos que ser pastoras, mas que tipos de
pastoras? Nas regiões somos isoladas, não contamos com o apoio dos
bispos nem de ninguém; temos que descobrir pistas para prática pastoral em
igrejas sem jovens, anestesiadas, porque estas são as igrejas que como
pastoras recebemos. (V ENCONTRO, 1982, p.8)

Se nas reflexões do primeiro encontro de pastoras já havia por parte da igreja


a expectativa e a reprovação da prática das pastoras, o quinto encontro explicita que
142

as mulheres continuavam desenvolvendo a construção da sua prática pastoral em


condições desiguais e sem apoio da igreja.
O oitavo encontro de pastoras ocorreu de 07 a 09 de setembro de 1995 não
aconteceu na FATEO, mas na Fazendinha da Universidade Metodista de Piracicaba
(UNIMEP). O encontro contou com a participação de 56 mulheres, conforme registro
em ata, que também destaca que além das pastoras, havia esposas de pastor,
presidentas das Federações Metodistas de Mulheres e a presidenta da Confederação
Metodista de Mulheres, além de filhos, filhas e esposas de pastoras.
Na ata faz-se menção ao questionamento de um grupo de pastoras negras
diante da palestra sobre “a presença da mulher no metodismo histórico”. A seguir o
registro em ata:

Na discussão, as pastoras negras questionaram quem eram essas mulheres


no metodismo histórico? Reclamaram da invisibilidade de mulheres negras
no texto lido. Questionaram que as mulheres referidas eram brancas, de
classe média alta. (VIII ENCONTRO,1995, p.1)

A esse questionamento a ata registra a seguinte resposta da palestrante:

Nazareth afirma que não estamos preocupadas em contestação [...], mas sim
em perceber aspectos da teologia, da tradição metodista, que viabilizaram a
participação das mulheres, e que podemos hoje nos apropriarmos dos
mesmos, para a viabilização do nosso ministério de mulheres (FATEO,1995,
p.1).

O fato de não haver preocupação por parte da palestrante, não significa que a
invisibilidade dos marcadores de diferença não seja preocupante. Não foi isso que
afirmou a bispa Marisa de Freitas Ferreira na 61ª Semana Wesleyana, que aconteceu
em 2012 sob o tema: “Caladas na Igreja? Mulheres e Igrejas nos dias de hoje”.
Em sua palestra sobre o ministério pastoral, a bispa destaca que a classe
social, a etnia e a aparência contam muito quando se trata da aceitabilidade das
mulheres no ministério pastoral como em outros espaços sociais. Na palestra a bispa
destaca que o início do ministério pastoral foi marcado pelo movimento organizado
das pastoras, destacando-as como mulheres que abriram o caminho.
Sobre os enfrentamentos dessas mulheres, a bispa destaca que elas
vivenciaram uma luta muito árdua, que custou o sangue e a fé dessas mulheres que
neste tempo, além de construírem uma nova prática, foram achincalhadas,
143

perseguidas, desacreditadas da sua vocação pastoral. Destaca que em meio às


situações adversas as mulheres se organizaram, refletiram, dialogaram.
Ao analisar o momento histórico à época da 61ª Semana Wesleyana, 2012, 21
anos depois da aprovação conciliar da ordenação das mulheres ao ministério pastoral,
Marisa de Freitas Ferreira lamenta a desorganização das pastoras, o
desconhecimento da história das pastoras pioneiras, afirmando que o ônus do
desconhecimento tanto por parte das mulheres quando dos homens, impede que o
mundo seja liberto da opressão.
As pastoras pioneiras lidavam com desconfiança, com preconceitos e com a
construção de uma prática pastoral exercida por mulheres sem nenhum parâmetro e
apoio para tanto. Afirma Elena Pinto:

Naquele momento, a condição de pioneira acarretava um preço alto: em


primeiro lugar, a dificuldade de ser aceita pela comunidade local, em
segundo, a necessidade de construir um “estilo” de ser pastora. Tudo estava
por ser feito, os modelos existentes não se encaixavam no padrão feminino.
(Elena Alves Silva PINTO, 2002, p.43)

Atualmente, as pastoras ainda lidam com a desconfiança, com os preconceitos


e outras dificuldades que surgem na caminhada pastoral, no entanto a articulação tão
necessária e presente nos primórdios do ministério pastoral feminino não existe mais
hoje.
A Bispa Hideide Brito Torres, recém-eleita e designada para a 8ª região
eclesiástica, que compreende o Distrito Federal, Goiás, Tocantins e Mato Grosso,
realizou um em março de 2018 um Retiro Regional de Pastoras e estendeu esse
convite às demais pastoras do Brasil. O encontro, que contou com a presença de
cerca de 50 mulheres entre pastoras e esposas de pastoras, também teve resistência
e críticas por parte de pastores, pastoras, leigos e leigas e outras lideranças da igreja
em nível nacional.

3.6 As pastoras metodistas em São Paulo: um retrato em 2018

Segundo o Relatório do Colégio Episcopal apresentado ao 20º Concílio Geral


(2016), a Igreja Metodista no Brasil até 2015 era composta por 259.729 membros.
Deste número, 1.468 são membros clérigos, o que compreende mulheres e homens
nomeados ao ministério pastoral e à ordem presbiteral.
144

O relatório não contemplou a categoria gênero, por isso não sabemos, de forma
oficial, quantas mulheres fazem parte do corpo pastoral. Em uma contagem realizada
por esta pesquisadora, a partir das listas de nomeações das regiões eclesiásticas
disponibilizadas pelas regiões no início do ano de 2018, foram contabilizadas, a
princípio, 472 pastoras nas oito regiões eclesiásticas e nas duas regiões missionárias.
Este número mostra que cerca 32% do corpo clerical da igreja é composto por
mulheres nas diversas categorias do ministério pastoral: presbíteras; pastoras,
aspirantes ao presbiterado e missionárias designadas.
As pastoras metodistas têm desenvolvido seus ministérios em várias instâncias
da Igreja Metodista: nas igrejas locais, nas sedes nacional e regionais, nas
universidades e escolas da Rede Metodista de Educação, quer como professoras,
quer como agentes de pastoral, em instituições parceiras da Igreja Metodista do Brasil
no próprio país e em outros países.
Tendo em vista que os sujeitos pesquisados neste trabalho são pastoras
ligadas à 3ª Região Eclesiástica,57 que compreende a maior parte do estado de São
Paulo, optou-se por elaborar um perfil mais amiúde das pastoras lotadas nessa região.
Para isso cadastramos o corpo pastoral da Igreja Metodista na 3ª Região Eclesiástica,
a fim de fazer um comparativo entre mulheres e homens ordenados ao ministério
pastoral e considerados como membros ativos(as) no ministério, isto é, aqueles e
aquelas que não estão licenciados.
A seguir, por meio de gráficos, apresenta-se um perfil das pastoras da 3ª região
eclesiástica.
O número de pastoras ativas no quadro pastoral da igreja da 3ª região segue a
mesma tendência do número de alunas e professoras na Faculdade de Teologia. Hoje
as mulheres representam um pouco mais de 34% da membresia clériga.

57
A terceira região eclesiástica localiza-se no estado de São Paulo e está dividida em dez distritos, a
saber: 1. Distrito do Vale do Paraíba (igrejas localizadas em Cruzeiro, Cacheira Paulista, Piquete,
Lorena, Guaratinguetá, Potim, Cunha, Ubatuba, Campos de Jordão, Pindamonhangaba, Tremembé,
Taubaté, São Luís do Paraitinga, Caraguatatuba, São Sebastião, Paraibuna, São José dos Campos,
Jacareí. 2. Distrito Grande ABC (igrejas localizadas em Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Santo André,
São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul). 3. Distrito Leste 1 (igrejas localizadas em Santa Izabel,
Mogi das Cruzes, Itaquaquecetuba, Poá, Suzano). 4. Distrito Leste 2 (igrejas localizadas na zona leste
da cidade de São Paulo). 5. Distrito Central (igrejas localizadas na cidade de SP). 6. Distrito Norte
(igrejas localizadas em Atibaia, Guarulhos). 7. Distrito Sul (igrejas localizadas em Itapecerica da Serra,
Embu Guaçu, Embu Taboão). 8. Distrito Oeste (igrejas localizadas em Barueri, Osasco, Caieiras,
Francisco Morato, Campo Limpo Paulista, Jundiaí, Itatiba). 9. Distrito Litoral (igrejas localizadas em
Registro, Cubatão, São Vicente, Praia Grande, Santos, Guarujá, Bertioga. 10. Distrito Sorocaba (igrejas
localizadas em Capão Bonito, Itapeva, Itapetininga, Tatuí, Sorocaba, Ibiúna, São Roque, Cotia).
145

Gráfico 7 – Membros Clérigos(as)

Membros Clérigo(as)

70

215

Mulheres Homens

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Os membros clérigos podem ser presbíteros(as), pastores(as) ou


missionários(as) designados(as). A seguir demonstra-se como os membros clérigos
estão nomeados(as).

Gráfico 8 – Categorias de Nomeação


146

categorias de nomeação
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Mulheres Homens
presbíteras(os) 47 173
pastores(as) 2 1
Missionários(as)MD 8 26
pastores(as) acadêmicos(as) 12 13
Aspirantes 1 2

presbíteras(os) pastores(as)
Missionários(as)MD pastores(as) acadêmicos(as)
Aspirantes

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Quanto à liderança na igreja local, os membros clérigos são nomeados como titulares
ou coadjutores.

Gráfico 9 – Liderança das igrejas locais

Liderança das igrejas locais


70 60
60
48
50 43
40 30 31
30
20 10
10
0
mulheres homens
titulares 10 43
coadjutores(as) 30 48
não especificado 31 60

titulares coadjutores(as) não especificado

Fonte: Elaboração da autora (2018)

A categoria nomeada como não especificado a que o gráfico acima se refere,


sãos os pastores e pastoras acadêmicos que recebem nomeação quando começam
147

a cursar o último ano da Faculdade de Teologia, sendo considerados em processo de


estágio.
Quanto à liderança nos distritos, são jurisdições que compreendem um certo
número de igrejas sobre as quais uma pessoa é nomeada superintendente distrital a
fim de acompanhar o bom andamento das mesmas. Uma pessoa superintendente
distrital é a representante episcopal mais próxima das igrejas locais. Outra categoria
é a nomeação para supervisão de duas ou mais igrejas que possuem pastores e
pastoras acadêmicos ou missionários e missionárias habilitadas que ainda não têm
legitimação canônica para desenvolver todas as funções pastorais. Vejamos a
discrepância entre mulheres em homens nomeados para estes cargos:

Gráfico 10 – Superintendência distrital e supervisão

Superintendência distrital e supervisão


9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
Mulheres Homens
Superintendentes Distritais 2 8
Supervisão 1 8

Superintendentes Distritais Supervisão

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Quanto à remuneração financeira, os membros clérigos podem ser


nomeados(as) com ônus e sem ônus.

Gráfico 11 – Remuneração financeira


148

Remuneração financeira
120

100

80

60

40

20

0
Mulheres Homens
Com ônus 35 101
Sem ônus 33 43

Com ônus Sem ônus

Fonte: Elaboração da autora (2018)

Quanto à localização geográfica dos pastores e pastoras metodistas na


Terceira Região eclesiástica. Pastores:
Figura 3: Localização geográfica dos homens nomeados para a 3ªRE

Pastoras:
149

Figura 4: Localização geográfica das mulheres nomeadas para a 3ªRE

Pastores e pastoras:
Figura 5: Localização geográfica das mulheres e homens nomeados para a 3ªRE

Os gráficos apontam o quanto as mulheres ainda se encontram em


desvantagem em relação aos homens no ministério pastoral da terceira região
eclesiástica. Provavelmente essa disparidade seja evidenciada em todas as demais
regiões, mas para confirmar tal suspeita será feito, posteriormente, um perfil nacional
detalhado. Para esta tese, a pesquisa concentrou-se na busca e tabulação de dados
da terceira região, onde se encontram as pastoras participantes da pesquisa.
150

No comparativo quantitativo, as mulheres estão em número menor do que os


homens. No entanto, uma análise qualitativa também mostra essa discrepância.
Apesar da distribuição geográfica não demonstrar uma concentração das mulheres
em regiões periféricas, elas são as que menos recebem por seu trabalho, que menos
ocupam cargos de liderança nos distritos e que menos são consideradas para
assumirem a titularidade de uma igreja local.

Diante do exposto, evidencia-se uma suspeita: seria a educação teológica um


importante instrumento na mudança desse quadro para garantir às mulheres melhores
condições? Qual o papel da igreja em seu compromisso missionário de lutar pela
dignidade humana e pela igualdade entre as pessoas para diminuir a discrepância
entre membros clérigos masculinos e femininos na igreja?

O que as mulheres pensam sobre a educação teológica e o ministério pastoral


feminino? Algumas dessas perguntas nos motivaram ao encontro com as pastoras
metodistas e ao diálogo com elas a partir do grupo focal. Os resultados dessa
conversa e da entrevista realizada com uma delas, que não pôde ir ao grupo focal,
serão abordados no próximo capítulo.
151

CAPÍTULO 4. AS NARRATIVAS DAS PASTORAS

Ao comprometer-se em colaborar com o registro da história das mulheres no


ministério pastoral este trabalho é feito com a opção de priorizar a voz das mulheres.
Num exercício intuitivo de “escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1987, p.2),
se utilizou, além de registros bibliográficos, de atas de alguns encontros de pastoras
e acadêmicas de teologia que aconteceram nas décadas de 1970 e 1980. Essas atas
serviram de subsídio para contar, no capítulo 2, a história da educação teológica das
mulheres na Igreja Metodista e, no capítulo 3, o início do ministério pastoral exercido
pelas mulheres na referida igreja.
As mulheres, ao longo da história, continuam se expressando e neste quarto
capítulo, os objetivos são apresentar mais registros que colaborem com a história da
educação teológica e do ministério pastoral exercido por elas e analisar as percepções
das pastoras sobre esses dois temas.
O mesmo interesse em desvelar as percepções daquelas mulheres, registradas
nas atas, continuou na interação com as cinco mulheres que participaram do grupo
focal e a mulher que foi entrevistada após a realização do grupo. Estas, como aquelas,
ingressaram na Faculdade de Teologia com o intuito de se tornarem pastoras da Igreja
Metodista.
Após escuta repetitiva dos diálogos e a leitura exaustiva dos relatos, como
orienta Bernadete A. Gatti (2005), e levando-se em conta as orientações da
metodologia da análise de conteúdo, reuniram-se os relatos do grupo focal em duas
categorias: ministério pastoral e formação teológica. Essas categorias estavam pré-
selecionadas, pois são os dois eixos de interesse do trabalho. Faltava evidenciar, a
partir dos relatos, as unidades de significado ou unidades de significação. Elas ficaram
assim estabelecidas:
152

“A faculdade teve esse abrir de


horizontes para mim”: a educação
teológica

Unidades de “Aí no murinho eu aprendi teologia":


Categoria: Significação outros espaços formativos
FORMAÇÃO
TEOLÓGICA "Você quer ser pastora ou quer ser
bonita?": as relações entre mulheres
e homens na FATEO

"A eletiva de teologia feminista": sobre


teologia feminista

“A minha palavra é Ministério


Pastoral”: conceituações
expressas nas vozes das
mulheres
Unidades de
Significação “E o “nós vai” dele tem mais
Categoria:
poder porque ele é homem?”:
MINISTÉRIO preconceitos e
PASTORAL discriminações

“Não espere que eu vá ser um


homem no púlpito porque eu
sou mulher”: insurgências
necessárias

4.1 Formação teológica

Já são quase 130 anos de educação teológica metodista no Brasil. Neste período,
por 82 anos as mulheres não tiveram o direito de estudar para se tornarem pastoras
da Igreja Metodista. É só em 1972 que elas são recebidas na faculdade. Será que
antes de 1972 Deus chamou apenas homens para o ministério pastoral? Porventura
teria Deus se despertado para vocacionar mulheres apenas a partir dos anos 1970,
em plena segunda onda do movimento feminista?
A historiografia da trajetória das mulheres no protestantismo brasileiro mostra que
elas trabalhavam em todas as áreas da igreja. Ainda que sem título, muitas mulheres
153

assumiam funções pastorais. Nadir Jaime Krüger, de Porto Alegre/RS, é uma destas
mulheres, que o trabalho de Margarida F. Ribeiro (2009) destacou e que foi citada no
capítulo 3.
A Faculdade de Teologia de São Paulo em São Bernardo do Campo começou a
ser construída em 1941, uma arquitetura pensada para receber apenas os homens.
Se naquela época, em que as mulheres não tinham conquistado o direito de ocupar
as cadeiras da faculdade, a igreja conquistou mulheres para que as salas de aula
fossem construídas. A seguir o testemunho de um dos reitores da Faculdade, bispo
Sante Uberto Barbieri:
Um testemunho de compromisso. Eu estava na Igreja de Vila Isabel, no Rio
de Janeiro, e lembro que lá preguei a favor da Faculdade de Teologia, e,
comecei a levantar um fundo patrimonial; nessa noite se levantou uma coleta.
E o que eu tenho mais vivido dessa época, foi que uma senhora de origem
africana, que tinha sido escrava, depois da tomada de tomada a oferenda,
veio dizer para mim: ‘não tenho dinheiro...’ – já era uma pessoa idosa –
“...mas o que eu tenho vou lhe dar...é um par de brincos para essa oferenda’
[Para o Fundo da nova Faculdade]. Naturalmente, isso me sensibilizou
muito...’ No Expositor Cristão nº32, de 30/08/1938, no artigo “Iniciando o
trabalho”, Barbieri registra que a doadora foi a senhora Inácia de Assis
Teixeira e que ela adquiriria aquele par de brincos em 1893.
(EDUCAÇÃO,2011, p.6)

Inácia colaborou com seus brincos e Maria da Silva com o seu trabalho de
lavadeira e com a oferta de “50$000” (Margarida RIBEIRO, 2009, p.168). A Faculdade
de Teologia foi construída, depois dela veio Universidade Metodista de São Paulo;
hoje a FATEO tem uma estrutura maravilhosa e isso foi evidenciado nas narrativas
das mulheres no grupo focal: Priscila, Informação verbal58 (eu me sentia no primeiro
mundo aqui nesse campus”).
A educação teológica é a principal parte da formação teológica, mas a formação
não se restringe apenas à graduação. Uma série de pré-requisitos são exigidos para
que uma pessoa se torne membro do ministério pastoral, antes do ingresso na FATEO
e após a conclusão do curso. Se a educação teológica dialoga mais diretamente com
o ensino formal, a formação é mais ampla. Ela acontece dentro e fora das salas de
aula, antes e depois da conclusão do curso.
A análise da unidade contextual chamada Formação Teológica se propõe a
analisar a percepção das pastoras sobre a educação teológica, o tema da teologia

58 Informação de entrevistada.
154

feminista, outros espaços formativos que elas vivenciaram e a relação entre mulheres
e homens na faculdade.

4.2.1. “A faculdade teve esse abrir de horizontes para mim”: a educação


teológica

A boa qualidade da educação teológica da FATEO não foi reconhecida apenas


pela CAPES, as narrativas das pastoras do grupo focal reforçam isso.
A partir do questionamento da moderadora sobre “como se deu a formação
teológica na Faculdade de Teologia para o ministério pastoral?”, as pastoras, tanto no
grupo focal quanto na entrevista, trouxeram narrativas sobre a experiência acadêmica.
A partir destas narrativas, agrupou-se a percepção delas sobre a formação teológica
em quatro eixos: confirmação da vocação; descobertas e sistematização do
conhecimento; relações entre quem ensina e quem aprende; tomada de consciência
crítica.
a) Confirmação da vocação
No curso de graduação existem pessoas que vão cursar a teologia para se
bacharelar e outras que fazem o curso para o ingresso no ministério pastoral, o que
dá a esse último público uma posição particular na trajetória acadêmica.
A vocação, como chamado de Deus para realização da missão, é entendida, na
perspectiva metodista, como algo que se revela a partir da relação que a pessoa
vocacionada tem com Deus. E se confirma por meio do aceite da comunidade de fé,
onde ela congrega. Ao ler as narrativas das pastoras, parece haver a expectativa de
que a vocação seja paulatinamente confirmada enquanto se cursa a graduação.

Informação verbal59 Relato 1 (Rispa: E para mim a formação teológica foi algo
que deu estrutura àquilo que eu já vivenciava no meu relacionamento com
Deus...Pesquisadora: E ela colaborou para sua formação pastoral, assim, para como
você é pastora? Rispa: Ah, sempre. Até hoje. Porque até hoje eu recorro às vezes
aos universitários. Porque é essencial na verdade. Para mim foi esse fundamento
mesmo, porque eu tinha aquela experiência com Deus, aquele chamado, aquela...
Moderadora: Sim. Rispa: Mas na Faculdade de Teologia eu confirmei tudo isso. E

59 Relato das entrevistadas.


155

ela foi fundamental para que eu me fortalecesse e me firmasse nesse exercício do


ministério. Eu falei assim: - é isso mesmo que eu quero.

Relato 2 Dorcas: Posso falar? Da formação? A mesma pergunta? Moderadora:


Isso. A mesma pergunta. Dorcas: Então... À formação teológica, para mim, eu posso
acoplar a educação, porque foi a descoberta. Eu vim de uma tradição diferente e eu
fiquei encantada com todo aquele processo educativo que eu sofria no sentido para
melhorar aquilo que eu já tinha dentro de mim. Então só foi colocando... aquilo que
tinha eu fui vendo que era realidade. O que eu já processava na minha mente e
coração eu fui vendo que aquilo era realidade e de uma forma muito pedagógica.
Assim, o espaço educativo foi muito importante para minha vida).
Nas narrativas acima fica explícita a valorização do conhecimento sobre
teologia adquirido antes do ingresso no curso em outros espaços formativos. Ao que
parece, a vida devocional e a igreja são espaços privilegiados de formação de
concepções teológicas. Na interação com os conteúdos do curso, o conhecimento
teológico adquirido antes do ingresso na FATEO se manteve presente e nas
narrativas; percebe-se um certo tom de gratidão e alívio por ele ter sido confirmado
com o curso. Seria interessante investigar quais foram os conhecimentos e
concepções teológicas prévias que foram se transformando durante o curso e como
as participantes se comportaram com tal desconstrução. No entanto, a pesquisa não
se conduziu nessa direção.
Uma questão relevante a respeito da valorização do conhecimento teológico
adquirido antes da realização do curso, é a maneira como estudantes de teologia
lidam com ele. Muitas pessoas o colocam em um lugar seguro, isto é, o isolam de
qualquer questionamento, porque têm medo de que a desconstrução desses
pressupostos, adquiridos por meio da vida devocional e da vivência comunitária,
possa ameaçar sua fé, sua espiritualidade e, por conseguinte, sua vocação pastoral.
Tal temor não se evidenciou nas narrativas das pastoras participantes da
pesquisa. No entanto, para muitas pessoas da igreja, a formação da Faculdade de
Teologia interfere negativamente na qualidade da fé e do exercício pastoral das
pessoas que lá estudam. É a velha celebração da dicotomia entre fé e razão. Uma
percepção equivocada e, na concepção desta pesquisadora, medíocre, diante do
valor da FATEO como um excelente centro de formação teológica, valor este
156

explicitado nas narrativas das pastoras participantes, especialmente no que diz


respeito à descobertas e sistematização do conhecimento como base para o exercício
do ministério pastoral.

b) Descobertas e sistematização do conhecimento


A inconclusão do ser humano e a sua ontológica busca por ser mais são fundantes
no processo de construção e sistematização do conhecimento, seja ele de que ordem
for. Para Freire (2005), o conhecimento é, ao mesmo tempo e de forma indissociável,
objetivo e subjetivo. Portanto, sua construção por parte do ser humano se dá mediante
a integração da pessoa no mundo. Este processo dialógico requer uma participação
ativa por parte de quem aprende.
A evidência da inconclusão do ser humano e o seu desejo ativo em buscar
conhecimento se destacam nas narrativas das pastoras participantes da pesquisa.
Informação verbal60 Relato 1- Priscila: (Eu tenho claro para mim a bênção que
Deus me deu, foi um tempo de bênção na minha vida de eu poder conhecer coisas,
pessoas, ter contato com pessoas de outras culturas, de outros estados, de outros
países e você poder perceber que, puxa, você não é tudo aquilo. Olha quantas outras
circunstâncias. Então, a educação para o Ministério Pastoral, ou diria assim, para a
prática pastoral em si, algumas coisas, eu olhava para trás e: - ué... mas isso eu não
aprendi. Mas aí, quando você tem dentro da igreja a estrutura do aspirantado, é lá que
você vai treinar a prática. Mas o subsídio, a base você tem. Dorcas: Tem na
faculdade. Priscila: Você tem. Então você sabe, assim, o que te fundamenta para
poder receber uma pessoa, para batizar uma criança. Qual é a sua base para ir orar
com alguém que está morrendo no hospital. Essa base você tem).
A inconclusão e a busca por conhecimento parecem valorizar não só o
conhecimento específico para o exercício do ministério pastoral, mas outros que se
tornam relevantes no seu processo de emancipação humana. Na narrativa acima
destaca-se a interação com pessoas de várias culturas e localizações geográficas, já
que a faculdade congrega pessoas de várias partes do país.
Outra questão importante no processo de aquisição e sistematização do
conhecimento são as lacunas existentes no processo. O exercício de qualquer

60
Relato das entrevistadas.
157

profissão, que exige formação de ensino superior, evidencia lacunas teóricas


mediante a prática. Ao que parece, na formação teológica, o período de aspirantado,
isto é, o período probatório antes da pessoa tornar-se pastora ou presbítera, lhe
confere possibilidades de evidenciar lacunas e suprir muitas delas. No entanto, o valor
da educação teológica recebida na FATEO não se deprecia por isso, nem deveria.
Informação verbal61 Relato 2- Dorcas: (... Assim, o espaço educativo foi muito
importante para minha vida. Muito importante para minha vida não só ministerial, mas
para a minha vida familiar. Foi ali que eu fui descobrir muita coisa. Então eu posso
dizer, assim, que salvou a minha casa também, a minha família. E hoje eu uso isso,
embora eu tenha bastante dificuldade porque eu estou lá no fim do mundo e fazendo
umas reciclagens, eu uso isso para ajudar a outros. Eu uso isso para poder salvar
vidas. Porque a gente fala salvar assim, eu vejo muito isso: - eu preciso ganhar almas.
Mas eu falo: - eu preciso ganhar vidas, tirar elas do sofrimento. Porque trazer para
Jesus não é só falar que vai morar no céu. Tem toda uma complexidade. E isso eu já
tinha na mente. Mas eu aprendi).
O processo de sistematização do conhecimento precisa levar a pessoa
educanda a descobertas e problematização da realidade. No relato de Dorcas, a
problematização do conceito de salvação é algo emblemático e, por isso, destacado
aqui. Não se trata de entrar no valor teológico deste conceito, mas de evidenciar um
ensino teológico que colabore com a transição de uma consciência ingênua para uma
consciência crítica, o que significa para Freire (1986) abrir mão de explicações
fabulosas e emocionais para uma postura profética que utilize a religião não como
domínio de massas, mas como instrumento de emancipação humana e de
transformação de quem a professa:
Naturalmente, en la línea profética, la educación se instauraría como un
método de acción transformadora. Como praxis política al servicio de la
permanente liberación de los seres humanos, que no se da, repitamos, solo
en sus conciencias, sino en la radical transformación de las estructuras, en
cuyo proceso se transforman las conciencias.
Desde el punto de vista profético, no importa cuál sea el campo específico en
que se imparta la educación, ella es siempre un esfuerzo de clarificación de
lo concreto, para lo cual educadores-educandos y educandos-educadores
deben encontrarse ligados a través de su presencia actuante. Es siempre
praxis desmitificadora que, al desenmascarar la realidad de la conciencia,
ayuda al desarrollo de la conciencia de la realidad 62 (FREIRE, 1986, p.47).

61
Relato das entrevistadas.
62
Naturalmente, na perspectiva profética, a educação se instauraria como um método de ação
transformadora. Como práxis política a serviço da permanente libertação dos seres humanos, que não
se dá, repitamos, só em suas consciências, senão na radical transformação das estruturas, em cujo
158

Dorcas mostra-se extremamente impactada com os conhecimentos teológicos


que lhe evidenciam novos saberes transformando não apenas a si própria, mas sua
família. Parece que a isso se deve sua expressão: “salvou a minha casa também, a
minha família”. Durante a realização do grupo focal percebeu-se que para Dorcas a
família é uma estrutura muito importante em sua concepção de vida e de exercício do
ministério pastoral.
Priscila, Informação verbal63 colabora com o tema da descoberta problematizando
a educação que pode possibilitar ou não a descoberta e sistematização dos
conhecimentos: (Eu quero costurar um pouco essa questão da educação, do
ministério com o machismo e um pouco daquilo que eu vivi, aquilo que eu percebo na
minha caminhada, na minha trajetória. A educação é fundamental, mas realmente a
educação era isso que eu tinha quando você mostrou a palavra. Ela tanto pode
condicionar para você se fechar ou para você se abrir, você explorar outros campos,
outros horizontes. E também, na minha vida a Faculdade de Teologia, foi libertadora,
porque me ajudou a enxergar tantos outros horizontes).
Uma educação teológica precisa ser problematizadora para que não feche
horizontes. Ela também transforma a relação entre educandos (as) e educadores(as).
Esta relação foi evidenciada em alguns relatos das pastoras que, na maioria das
vezes, valorizaram a importância da relação para sua formação teológica.
c) Relação entre educandos (as) e educadores(as)
As expressões educando e educador, ainda que apenas no masculino,
representam homens e mulheres. Estas, maioria no campo da educação, não estão
visibilizadas na vasta literatura escrita por Paulo Freire. No entanto, apesar de não
levar em consideração a linguagem inclusiva, o autor utiliza as expressões educando
e educador impregnadas de intencionalidades libertadoras.
Paulo Freire(2005a) cunha dois termos novos, educador-educando e educando-
educador, porque para ele “o educador já não é o que apenas educa, mas o que

processo se transformam as consciências. Do ponto de vista profético, não importa qual seja o campo
específico em que se comunica a educação, ela é sempre um esforço de esclarecimento do concreto,
para o qual educadores-educandos e educandos-educadores devem se encontrar ligados através da
sua presença atuante. É sempre uma prática desmistificadora que ao desmascarar a realidade da
consciência, ajuda o desenvolvimento da consciência da realidade (tradução livre realizada pela
autora).
63 Relato de entrevistada.
159

enquanto educa, é educado em diálogo com o educando que, ao ser educado,


também educa” (FREIRE, 2005a, p.79). Dessa forma, por meio de uma relação
dialógica, os dois interagem em comunhão, se transformando por meio de uma
educação problematizadora em sujeitos cognoscentes, para usar outra terminologia
de Paulo Freire.
Na educação problematizadora as pessoas educandas e educadoras se
transformam em sujeitos do processo “em que crescem juntos e em que os
argumentos de autoridade já não valem. Em que, para ser-se funcionalmente,
autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas”
(FREIRE, 2005a, p. 79). Essa reconfiguração da autoridade se expressa num belo
relato de Hulda na sua relação com um professor:
Informação verbal64 (Hulda: Eu fazia todos os meus trabalhos numa máquina de
escrever portátil pequenininha. E eu trabalhava. Eu consegui ainda aqui para dar aula de
ensino religioso na Pastoral. Então eu ficava a tarde fora. As meninas ficavam soltas nessa
faculdade inteira aí. E quando eu chegava, o meu papelzinho para terminar o meu trabalho
estava dentro da máquina. Só que tinha uma cara colega que vinha à tarde e pegava a minha
máquina emprestada e tirava o meu papelzinho que estava quase no final, e eu não conseguia
por ele de volta.
Rispa: Nossa. Capaz!
Hulda: Aí eu tinha que ‘bater’ tudo de novo. Então, essas eram as dificuldades que a
gente tinha.
Moderadora: sobre a questão da tua formação como pastora. O que você teve de
conteúdo, a formação que a faculdade deu?
Hulda: Então, é isso que estou tentando colocar. Que a formação pelas eletivas, esse
trabalho que era integral, só que... como eu trabalhava e não tinha condições de estudar tudo
que eles pediam, eu passava a noite trabalhando e estudando para entregar no dia seguinte.
Mas tudo isso me ajudou e me deu condições para que eu pudesse ser formada. Uma das
coisas que eu não sei se vocês tinham, mas tinha vez que eu não conseguia ‘bater’ o trabalho.
Eu chegava para o professor, principalmente o professor Tércio, que era da parte do Antigo
Testamento, eu batia na porta: - professor, eu não vou conseguir entregar o seu trabalho no
dia seguinte. Ele falou assim: - então você senta aqui e a gente vai fazer isso oralmente. Então
a gente sentava e eu falava, mostrava tudo aquilo que eu tinha escrito, o que eu pensava e
tal. Aí ele falou assim: - tudo bem. Você não precisa de dez, a minha nota é só sete.
Moderadora: Que era a média para passar?

64
Relato de experiência das entrevistadas.
160

Hulda: Que era média para passar. Só sete. Sete para mim é dez. Sete para
mim é dez. Aí ele falou assim: - então. Não. Você não vai tirar sete. Você vai tirar oito.
Está muito boa a sua... Porque dez é só do para o Milton Schwantes 65.
Rispa: É.
Hulda: Muito boa. E no final ele me dava um cafezinho com pão de queijo.
Pesquisadora: Pão de queijo.
Rode: Era a melhor coisa.
Dorcas: Isso é da formação também. Isso é formação também).
Além de episódios positivos, as narrativas das pastoras contemplam
experiências com docentes que evidenciam uma relação distante da propagada por
Freire. E mais uma vez, a narrativa da pastora Hulda pode ilustrar essa situação.
Informação verbal66 (Até ao ponto de o reitor chegar para mim e falar assim: - olha...
Como você não é casada... se você fosse casada você estava no espaço das
mulheres casadas e teria um marido. E você não é solteira. Então você teria que estar
num lugar que era e você teria um pai, uma família, um pai. Então antes que eu tenha
que explicar que focinho de porco não é tomada, eu gostaria que você não se
envolvesse com os teus colegas de classe. Eu não podia estudar, eu não podia me
envolver, eu não podia estar em equipe com eles. Aí eu disse para o meu reitor, eu
falei assim: - eu não concordo com isso. Porque quando eu casei eu casei com véu e
grinalda e meu pai me levou no altar. Eu não tive problema nenhum com ele. E quando
eu estou vindo aqui eu estou vindo com as minhas duas filhas e eu venho com uma
família. Eu sou família. Eu não sou casada, mas eu sou família. E não sou solteira. E
eu tenho família. Então eu gostaria que o senhor me respeitasse. Eu respeito o senhor
e respeito todos os meus colegas. Eu gostaria de ser respeitada aqui. E desde então,
depois, quando eu terminei, quando eu me formei, esse reitor veio e me deu um
abraço e falou: - muito bem. Você conseguiu. Você se superou. Você não deu um
trabalho para mim. Isso é discriminação gente. A gente sofre. Sofre. Mulher, ser
mulher aqui, ser mulher, ser divorciada, ser solteira, ser branca, ser negra, a gente
sofre. O ser mulher é isso).

65 Teólogo, biblista, professor, pastor luterano. Milton Schwantes foi um ser humano especial e muito
querido que lecionou durante muito tempo na Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de
São Paulo.
66 Fala das entrevistadas.
161

À expressão de Hulda somam-se outras narrativas de relações hierárquicas


entre professores(as) e alunos(as); a seguir destacamos uma que diz respeito a
dicotomia da relação entre prática e teoria: Informação verbal67 (Dorcas: Um dia
eu vi na sala de aula um colega meu que trabalhava aqui muito revoltado. Muito
revoltado porque é assim: Ele trabalhava na área de administração. Não vou citar
nomes aqui por questão ética. Mas ele foi muito corajoso na sala de aula de um
professor (omissão do nome para garantir a privacidade). E que eu também gosto
muito, mas aquele dia ele deu uma resposta para ele que eu não engoli muito.
Porque ele começou botar para fora: - vocês ficam falando do pobre, mas vocês
estão usando o pobre. Porque, olha, meu colega ali... ele foi apontado porque ele
ficava aqui dentro trabalhando, ele via. Aí o professor virou para ele falou assim: -
sabe o que eu faço com isso? Eu pico tudo. Não. - Sabe o que você faz com isso?
Pica tudo e coloca no liquidificador e faz uma vitamina. Eu não entendi muito bem
a resposta. Isso foi na sala de aula. Tá, gente? Não foi segredo. Todo mundo
ouviu. Aí ele ficou quieto. Eu não sei se ele (aluno) não entendeu a resposta.
Rode: Não entendeu.
Dorcas: Porque eu demorei. É. Eu demorei muito para entender. Depois eu fui
refletindo o que o professor quis dizer com aquilo. Mas assim, eu não deixei que isso
virasse uma crise na minha vida. Mas que eu não quero... por que só ela aqui que
apresentou a crise. Eu não quero só enaltecer. Tem um lado que é assim. O professor
traz a informação que é muito rica, que eu levei e levo até hoje, mas muitos deles
não... na prática... Entendeu? Fica, vamos dizer assim, que acaba tendo um patamar
social acima do ponto. Isso eu não posso deixar de falar. Vou deixar ela coitada falar
só (sozinha) da crise).
Em sua expressão, Dorcas destaca o tema da crise, que faz parte do próximo
ponto a ser destacado: a consciência crítica.

d) Tomada de consciência
O desejo de uma educação problematizadora é colaborar para que a pessoa
faça a transição de uma consciência ingênua para uma consciência crítica e esse
processo não é tranquilo, mas totalmente necessário para o processo de
emancipação humana, já que, conforme afirma Freire, “num primeiro momento a

67 Descrição das entrevistadas.


162

realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência
crítica” (FREIRE, 1980, p.26).
A aproximação da realidade se dá, a princípio, de forma mais ingênua, mas à
medida que a problematização da realidade acontece, isto é, à medida que a
tomada de consciência se dá, ela pode evoluir para a conscientização, definida
por Freire como um processo que implica que “ultrapassemos a esfera espontânea
da apreensão da realidade para chegarmos a uma esfera crítica na qual a
realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição
epistemológica” (FREIRE, 1980, p.26).
Obviamente que esse processo de apropriação da realidade de forma crítica
traz implicações para o sujeito, haja vista que a construção do conhecimento é
tanto objetiva quanto subjetiva. Neste sentido, as crises destacadas nas narrativas
das pastoras do grupo focal são expressão desse processo de tomada de
consciência e conscientização da realidade.
A palavra crise é recorrente entre as pessoas que cursam teologia. Muitas
alunas e alunos não se abrem integralmente para apropriação e reflexão sobre os
conteúdos com medo da crise que, geralmente, é destacada como uma crise de
fé, de princípios teológicos e dogmas doutrinários apropriados na vivência família
e na comunidade de fé. No entanto, nas narrativas das pastoras, as crises sob
essa perspectiva não foram evidenciadas. Ao contrário, elas destacam que não
tiveram esse tipo de crise: Informação verbal68 (Relato 1:
Eu sempre falo que minha maior crise na Faculdade de Teologia foi morar com
quem eu não namorei. Que a gente já chega casando, assim, vai morar junto com
alguém que você não conheceu antes, que você não conviveu antes. E esse processo
também é muito difícil. Mas em termos de formação teológica eu não lidei com crises
que vieram me causar algum tipo de conflito interno em relação à minha fé ou em
relação ao meu chamado, à minha vocação ou alguma coisa nesse sentido. Relato 2:
O espaço físico e a convivência com os colegas. Eu fiquei numa turma muito boa.
Muito mesclada. Era noturna e tínhamos quinze metodistas, o resto tudo vinha do
Evangelho Quadrangular, não sei o que, não sei o que. E para mim a diversidade
também é fundamental. E então foi muito importante. Eu peguei uma fase do grupo

68 Relatos das entrevistadas.


163

que não tive crise nenhuma. Graças a Deus, como ela disse, assim, a minha fé eu só
amadureci. Eu acho que só me ajudou. )
O relato 2 pertence à pastora Dorcas que, a princípio, cita não ter vivenciado
nenhuma espécie de crise, mas à medida que a interação do grupo vai acontecendo,
ela muda de ideia, como já destacado no item b, sobre a relação entre educandos(as)
e educadores(as). Talvez seja esta crise nas relações a que mais se aproxima das
crises relacionadas à espiritualidade.
A pastora Rispa aponta um tipo de crise relacionada às dificuldades em dividir a
moradia com que não se conhece. Porém, são duas as crises que se quer dar
destaque aqui por entender que são as que demonstram, de forma mais explícita, o
processo de tomada de consciência e de conscientização. A primeira é a relatada pela
pastora Rode que, mediante o diálogo do grupo, não se intimida e se posiciona de
forma diferenciada: Informação verbal69 (Rode: É. Uma coisa: quando elas falam
graças a Deus a gente não teve crises, eu tive todas as crises. Todas. E assim, pior
do que o caso da Priscila. Quando eu vim para cá, até a da Priscila tinha bolsa ainda
da Terceira Região, que é uma bolsa boa.
Priscila: É.
Rode: Na minha época já não tinha essa bolsa. E eu vim de uma família...
Hulda: Não tinha?
Rode: Não tinha. Não tinha nada. Não tinha nada. A igreja que tivesse, pudesse
dar alguma coisa, dava. Mas a minha igreja não tinha condições nenhuma. Então eu
vim zerada e uma família paupérrima onde os meus dois pais separados estavam os
dois desempregados. E quando eu vim para cá eu tinha acabado de... minha irmã
mais nova nascer, fruto de um forró da minha mãe. Então era assim. Extremo da
pobreza. Extremo da crise total. Quando eu cheguei aqui, é esse mundo que a gente
vive. Para quem vem de uma família paupérrima tudo isso aqui é rico. Todo mundo
aqui é rico. Todo mundo é rico.)
Rode anuncia uma crise vivenciada a partir da sua realidade: mulher parda 70,
solteira e pobre, que precisou conseguir um emprego em um dos restaurantes do
centro de convivência para conseguir se manter na FATEO, sendo esta uma forma de

69 Descrição das entrevistadas.


70 Auto-identificação da pastora participante.
164

se manter financeiramente, mas ela consegue outros mecanismos de insurgência


para se manter na faculdade:

Informação Verbal71 (Aí no murinho eu aprendi a Teologia. Por que no murinho


eu já tinha... o pessoal que estava em crise no quarto ou podia estudar, já tinha
refletido, já tinha enlouquecido, já tinha querido se matar e reviver. E eu pegava eles
nesse ponto, onde já tinha muita coisa mastigada. Então, eu tentava, enquanto
trabalhava no restaurante, repensar aquilo que eu já tinha visto pela manhã. E quando
eu chegava à noite eu via os comentários e ia fazendo só aquele resumão. Assim: -
Ah, é assim, assim, assim. Ah, eu já tentei por essa forma o grego. Ela falou: - eu vou
tentar de outra forma. Eu falo: - me dá essa outra forma que aquela eu não quero nem
tentar. Então eu pegava os resumos e fazia. E claro, é base para a gente? É. Porque
é colocado em teoria aquilo que a gente só imaginava no nosso universinho. Então
você: - Ah, Deus é assim? – É. Deus é assim. Porque eu descobri que tem um teórico,
que tem um professor, que tem os meus colegas conversando. Mas, foi um tempo de
muita crise, acho que mais social do que teológica ).
O murinho da Teologia, a que Rode se refere, se localiza próximo ao alojamento
dos alunos e alunas da FATEO. A escuta no murinho, como é conhecido, era uma
dessas insurgências e, por isso, se transformou num espaço alternativo de formação
para Rode e para outras pessoas. Que outros espaços foram evidenciados nas
narrativas das pastoras participantes?

4.2.2. “Aí no murinho eu aprendi teologia”: outros espaços formativos


A apreensão do conhecimento teológico não se resumiu às salas de aula, aos
professores e professoras e nem aos conteúdos curriculares expressos no projeto
pedagógico do curso. Todo processo formativo na educação formal supera essa
estrutura e, na Faculdade de Teologia, isso não foi diferente.
As narrativas das pastoras mostram outros espaços formativos, os não formais,
dentro e fora do espaço do campus, que fortaleceram o conhecimento teológico, mas
também o questionaram. Que outros espaços formativos foram evidenciados durante
o período que as pastoras cursavam a teologia?

71 Informações da entrevistada Rode.


165

Os espaços citados foram organizados em duas categorias: intra-campus e


extra-campus. Além do murinho, os espaços intra-campus citados foram:
-Aulas de língua estrangeira, biblioteca e a pós-graduação em ciências da
religião da UMESP: Segundo Priscila: Informação verbal72 (E à tarde eu ia fazer curso
de línguas, eu ia assistir aula como ouvinte na pós-graduação. Quando a pós-
graduação ainda era ali no porão, ali no outro edifício. Eu passava a tarde na
biblioteca, a noite. Então eu fui sugando tudo aquilo que o ambiente universitário
deixava à disposição. Eu falei: - Eu vou usufruir disso. Eu me sentia no primeiro mundo
aqui nesse campus.
- As faculdades da UMESP: Segundo Hulda: A minha formação foi ótima. Eu
só tenho a agradecer porque, lógico que eu tinha já minha formação de Psicologia,
que me ajudou bastante. Com a oportunidade de ser funcionária da Metodista,
naquele tempo a gente tinha bolsa de estudo, não sei se tem ainda, mas eu tinha a
bolsa das meninas e tinha a bolsa para mim. Eu podia estudar outras faculdades.
Então aí que eu terminei. Eu fiz Didática em Psicologia que eu estava precisando
terminar. E fiz Pedagogia. Com essa formação eu fiz Pedagogia. Então eu tenho
Psicologia, Pedagogia e Teologia. Então isso me ajudou muito. Quando eu saio daqui
eu saio com essa bagagem. Eu vim com pouco e saí com muito mais ainda.
- O grupo de liturgia
Agora, uma coisa que foi fundamental no pastorado foi o meu tempo que estive
com a equipe de liturgia da faculdade. E, nossa, gente! Foi maravilhoso ter a Simei
Monteiro, o Tércio. A gente produzir no mimeógrafo, mimeógrafo, os nossos textos.
Tinha alguns que não iam, mas aquilo me deu uma formação muito boa para o
pastorado.
- O grupo de pesquisa Mandrágora/NETMAL

Segundo vasti: Eu comecei a fazer parte do... de um grupo de estudos da


América Latina que tinha na pós-graduação lá da Metodista e aí ajudei, participei das
mesmas reuniões da Mandrágora, né?
- Semanas de Atualização Teológica e Semanas Wesleyanas promovidas pela
Faculdade de Teologia. Segundo Vasti: Uma outra coisa que você coloque aí, que eu
acho que é muito interessante aqui o que contribuiu, uma das coisas, além das eletivas
e tudo mais, foram as semanas de atualização que a gente não falou, semanas de

72 Fala das entrevistadas.


166

atualização e a semana brasileira que trazem temas importantíssimos para a gente,


que nos ajudou muito. As semanas de atualização, então, incríveis. Não é? Trazendo
pastorais. Nós tivemos uma vez a Pastoral Hospitalar que foi espetacular, com um
padre, Padre Léo).
Os espaços extra-campos citados foram:
Informação Verbal73- Viagens missionárias. (Segundo Rode: Então, como eu tinha
notas muito boas... E é aquele negócio. Deus tirou dinheiro, mas deu inteligência,
então assim, quando eu estava na faculdade a regra era: com a nota mais alta, sem
faltas, você pode viajar para qualquer lugar. Então tem uma viagem para o Nordeste,
missionária. Tudo eu me candidatava. Eu conheci a maioria dos estados brasileiros
graças à nota alta, ao fato deu ter essa sede de conhecimentos na faculdade que era
tudo novo, tudo muito gostoso.
- A rua, o presídio, o cortiço, os encontros ecumênicos. Segundo Vasti: A rua. A rua,
o presídio, o cortiço, a favela. Isso foi pra mim fundamental; os encontros ecumênicos,
nossa, os encontros eclesiais de base, aquelas reuniões que a gente tinha lá no Rio,
o Iser).74
Além desses espaços citados, a pesquisa evidenciou a família e a igreja como
espaços não formais que colaboraram para a formação delas enquanto pastoras. Este
trabalho centrou a análise nos espaços que elas experimentaram enquanto cursavam
a teologia. Os espaços não formais classificados pela pesquisadora como intra-
campus atuaram diretamente no que diz respeito à formação teórica, como bem se
espera de um campus acadêmico. Já os espaços extra-campus colaboraram na
formação das pastoras na perspectiva da prática pastoral.
De uma maneira geral, as narrativas das pastoras participantes sobre a sua
formação teológica no período que cursaram a FATEO, quer nos espaços formais,
quer nos não formais, são muito positivas, entretanto, a pesquisa revelou, por meio
da entrevista com a pastora Vasti, uma narrativa divergente quanto à formação
teológica da FATEO: Pesquisadora: E a sua formação teológica, como é que você
avalia a sua formação teológica? Vasti: Então, foi a que é dada até hoje, né? A branca,
europeia, né? Aquela coisa bem certinha em que ainda uma teologia feminista, uma
teologia negra, são apêndices, né? “Ah, é uma forma diferente que a gente nem

73
Relato das falas das entrevistadas.
74
Iser: Instituto de Estudos da Religião. Disponível em: <www. iser.org.br>. Acesso em: 12/08/2018.
167

discute muito, mais uma forma de ver a questão da teologia.” Então assim, eu sou
muito grata porque existiram pessoas fundamentais na minha vida que me fizeram ver
a teologia e a vida de forma diferente. Um foi reverendo Santana que batalhou na
igreja, criou o Cenacora75, fazia... ‘tadinho’, se matava de fazer reuniões nas igrejas
pra trabalhar essa questão da negritude, acho que muita gente deve a vida pro
Santana, né? E a outra questão foi a questão da teologia feminista, eu já por conta...
quando eu comecei a estudar, mas eu já era feminista de berço, então quando eu
entrei na faculdade até o meu trabalho foi sobre a questão da Maria Madalena, né, as
companheiras de Jesus.
Pesquisadora: Aham.
Vasti: [...] Se uma mulher entra na Faculdade de Teologia e se ela não conhece
uma pastora, ah, dificilmente ela vai ter as informações, né? Porque a bibliografia
nunca traz, a Elizabeth Fiorenza, eu sempre dou uma olhadinha, os meus amigos são
professores, às vezes na ementa, né? E eu falo “humm”...
Pesquisadora: Onde está?
Vasti: “... nossa, não tem nenhuma mulher aqui que escreveu alguma coisa
sobre Wesley?” Vocês não vão falar nada?” “Ah, nem vou perguntar se é uma pessoa
negra, mas tudo bem gente, são meus amigos, mas tá faltando a nossa ementa”.
Pesquisadora: Uma mulherzinha.
Vasti: É, uma mulher, pelo menos pra disfarçar, né? Foi lá no final da ementa lá,
no edital. Ah, então... porque nenhum deles, nenhum deles vão, imagina, bobagem,
isso não é científico, né? Que uma vez eu ouvi “ah Vasti, mas isso não é científico”,
eu falei “ah, e o que você fica aí boiando no paralelo, isso é científico, né?” A gente
trabalha muito com a questão pé no chão, né?)
A narrativa evidencia o clamor por uma formação teológica que leve em conta
teologias não hegemônicas, como a teologia negra e a teologia feminista, que não
devem ser apresentadas como apêndices, como destaca Vasti. Elas e outras têm que
ser parte do fazer teológico da faculdade, pois ao que parece o contato com tais
teologias acontece sempre de forma marginal. No seu relato, Vasti cita o pastor
metodista Antônio Olímpio de Sant’Ana, cuja trajetória destaca-se por sua militância
no combate ao racismo, dentro e fora do espaço eclesiástico. Outra citação de Vasti,
confirmada pela pesquisa, diz respeito à ausência de mulheres nas bibliografias

75 CENACORA: Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo.


168

indicadas no curso. A pesquisa não revelou a ausência de produções cientificas de


mulheres, mas uma ínfima participação delas, mais concentrada nas bibliografias
complementares.
A teologia feminista, bem como as discussões sobre as relações de gênero,
surgiram nas narrativas das pastoras, tanto no grupo focal quanto na entrevista, e são
os próximos temas a serem tratados.

4.2.3. “A eletiva de Teologia Feminista”: sobre Teologia Feminista


No grupo focal a palavra feminista surge pela primeira vez no exercício de
aquecimento do grupo, a partir das considerações sobre a palavra machismo:
Informação verbal76 (Moderadora: Machista. Hulda: Machista. Foi uma educação
que elas tiveram que superar quando elas foram para as igrejas. E eu lembro, assim,
que as primeiras pastoras que se formaram, que foram para as igrejas, elas sofreram
muito, principalmente as negras. Teve uma que... a Agar77, que sofreu muito, muito
mesmo ao ponto dela ficar doente. E a gente percebe, assim, que é muito novo para
nós ainda, a nossa educação pastoral dentro dessa linha, eu vou dizer, feminista. A
gente tem medo desse nome, mas a gente é feminista. A gente tem que ser feminista
porque a gente está lidando com machismo, gente. Se a gente não buscar... eu não
quero ser igual ao homem. Eu quero o meu direito de ser mulher. Então eu sou
feminista. Então a gente não pode... E a minha educação na Faculdade de Teologia,
ela foi para nos despertar para isso. Eu tive professores que nos despertaram para
isso, o Thomas Kempis, a Bárbara Rufner. Então, são pessoas que nos despertaram
para um momento muito especial. E aí a gente ainda pegou uma década que foi a
década da questão da mulher, principalmente na questão teológica e tudo mais).
Hulda fala de um momento em que a Teologia Feminista fazia parte da grade
curricular como uma eletiva, mas tal disciplina não se perpetuou no currículo. Não foi
possível descobrir por quanto tempo essa disciplina esteve disponível como eletiva.
O que se sabe pela pesquisa é que apenas Vasti e Hulda, que cursaram a faculdade
de 1987 a 1990, relatam ter escolhido e cursado essa disciplina. As outras pastoras
não vivenciaram essa proposta.

76Entrevista concedida pelas colaboradoras da pesquisa.


77Agar ou Hagar: egípcia escravizada que gerou o primeiro filho de Abraão. Agar foi a única mulher a
receber a mesma promessa de perpetuação da descendência feita para o patriarca Abraão.
169

No grupo focal a ausência da Teologia Feminista foi pontuada, mas as


narrativas não se resumiram a isso. Este tema foi um motivador para que as pastoras
pensassem sobre o número de professoras na Faculdade de Teologia, sobre
professores e professoras que dialogaram e valorizaram sobre o ministério pastoral
feminino e a linguagem inclusiva e outros temas que dizem respeito às relações de
gênero e o protagonismo das mulheres.
O número de mulheres na docência foi sempre restrito na Faculdade de
Teologia. Para Rode, atualmente a situação das mulheres na docência melhorou. De
fato, a pesquisa mostrou um aumento, mas ainda falta muito para se obter a paridade
no quadro docente. Rode: Eu só penso que na caminhada a gente tem... na igreja
local a gente é ensinada por mulheres, professoras geralmente. Quando a gente
chega na faculdade, diferente da Hulda, eu só tinha a maioria, tipo de 20, 21 eram
homens, professores homens na educação teológica. Hoje tem um espaço maior de
mulheres. Tem duas, três. Mas na minha época era, tipo, uma e meia.
Rispa: Era meia.
Rode: Era meia por que raramente eu via professoras ensinarem na FATEO. E
as classes também eram muito díspares. Eram, tipo, cinco mulheres para quarenta e
cinco homens. Era sempre muito desequilibrado o quadro de voz ativa dentro de uma
sala de aula).
Duas professoras se destacam no relato das pastoras: Sandra Duarte e
Blanches de Paula. Elas, de alguma maneira, se relacionam com as questões
referentes às mulheres e/ou a teologia feminista. Informação verbal78 (Relato 1
Dorcas: Eu vim para estudar Filosofia e encontrei. Porque eu fiz BETEL. E uma das
minhas professoras no BETEL79, no primeiro ano, foi a Sandra Duarte, que tinha saído
daqui. Então, assim, eu tinha uma boa referência. Quem não gosta não importa. Eu
tenho uma...
Rode: Quem não gosta não gosta. Mas eu gosto.
Dorcas: Eu gosto porque ela foi uma referência de mulher para mim...
Rispa: Sim. E continua sendo.

78 Informações fornecidas pelas entrevistadas.


79
Seminário Teológico Betel localizado em São Paulo. Para mais informações acesse<
http://seminarioteologicobetel.com.br/>.
170

Dorcas: Referência de mulher que trouxe um trabalho que chocou lá o BETEL.


Quase, acho, que custou a demissão dela. É que ela fez o TCC dela aqui. Tinha
acabado de sair aqui. Deus é um Deus ou é uma deusa? Então os caras lá...
Hulda: Boa pergunta.
Dorcas: É uma boa pergunta. Mas aí ela responde no TCC. Mas não deixaram
nem, acho que, ela responder. Mas, assim, então eu fiz com isso o quê? Peguei isso...
Eu já vinha, eu já sabia dessa crise que tinha aqui.
Hulda: Ela é da minha turma.
Dorcas: Eu já sabia disso. Porque eu acompanhava desde 1997.
Relato 2
Eu não tinha esse olhar. Assim, eu não percebia o machismo. Eu não percebia
na caminhada. Mas no terceiro ano, a professora Blanches, [...]. Eu fiz um trabalho de
Aconselhamento Pastoral. E o trabalho eu entreguei para tirar 10. Tudo que eu faço
eu entrego para tirar 10. E quando eu recebi o trabalho da mão dela eu vi lá 9,5. Eu
fiquei muito nervosa. Eu: - professora. 9,5? E tal... Eu fiz para tirar 10. Ela: - você fez.
Mas abra o trabalho para você ver porque você não tirou 10. E eu abri e eu surtei.
Rispa: Tirou 10.
Rode: Não. Não. Porque tinha assim: o pastor. Ela colocou: o/a pastor/a. E ela
colocou em todo o trabalho de vermelho: /a, /a, /a. E eu não tinha ideia de o quanto a
nossa escrita, a nossa fala, ela está impregnada do universo masculino. Eu não tinha
ideia. E o fato dela me fazer pensar a respeito disso com um 9,5...
Dorcas: Meio ponto.
Rode: Eu fiquei uma semana xingando. Mas hoje eu falei com ela, eu a
encontrei. Toda vez que eu encontro com ela, ela dá risada. Ela olha para a minha
cara e ri. Porque ela era minha tutora na época. Eu tinha uma tutoria, um projeto. Ela
me xingava. E, assim, eu xingava muito. Falava assim: - como é que você pode me
dar uma nota... 0,5 ponto, você tirar 0,5 ponto por causa disso? Ela falou assim: - você
não entende o que esse meio ponto representa. E até hoje lembro. Toda vez que eu
encontro com ela eu falo: - olha lá o barra a. E, assim, hoje eu agradeço.
Sandra Duarte e Blanches de Paula foram professoras evidenciadas no relato
por conta da sua postura docente. Nas narrativas, um professor foi evidenciado:
Priscila: Agora, alguns professores, o que me vem mais à cabeça é o Paulo Garcia.
Assim... Ele teve a postura dele. Mesmo sendo um homem nos ajudava a ter essa visão do
171

ministério feminino, essa valorização. E dos outros, assim, não. A gente sentia a abertura e
tal, mas...
Rispa: Mais específico.
Priscila: É. Mais específico dele. E depois eu me sinto privilegiada, eu falo isso e tenho
orgulho, me sinto realizada de ter trabalhado com pastores, nessa fase, que tinham essa
visão, tinham esse olhar, essa valorização que aí foram ajudando.
Percebe-se que a atuação de docentes são iniciativas isoladas, centradas em
sua prática. Os relatos não evidenciam uma preocupação pedagógica do curso e nem
da equipe docente, no que diz respeito à problematização da participação das
mulheres no ministério pastoral, à teologia feminista como disciplina, e ao uso da
linguagem inclusiva como estratégia para visibilizar um grupo historicamente excluído.
Assim, conclui a pastora Rode, sobre a linguagem inclusiva: Porque eu nunca mais
vou esquecer da linguagem inclusiva e o fato de ser uma linguagem, ela coloca outras
pessoas dentro do ambiente, da conversa, dentro daquilo que a gente entende como
respeito. Então, assim, dentro da formação inteira, não me lembro de ninguém ter
enfatizado a ideia de mulher a respeito do ministério).
A ausência de discussões que incluam a Teologia Feminista e as pautas dos
estudos de gênero colaboram para a perpetuação de uma linguagem sexista, e para
uma epistemologia descomprometida com a reflexão dos saberes hegemônicos.
Obviamente que a falta de reflexão sobre o tema reforça comportamentos machistas
nas relações sociais. A partir das narrativas das pastoras foi possível perceber
episódios preconceituosos e discriminatórios nas relações entre mulheres e homens
na FATEO.

4.2.4. “Você quer ser bonita ou quer ser pastora”: as relações entre homens e
mulheres na FATEO
As narrativas das pastoras participantes evidenciaram os preconceitos
existentes em relação ao ministério pastoral exercido por mulheres. O primeiro deles
encerra-se na frase você quer ser bonita ou quer ser pastora?, estabelecendo um
padrão estético para pastoras:
Informação verbal80 (Rode: Quando a gente entra e a frase que a gente ouve: -
você quer ser pastora ou você quer ser bonita?

80
Transcrição literal da fala das entrvistadas.
172

Rispa: É.
Rode: Todas nós, eu acho que já devem ter ouvido isso.
Rispa: Eu ouvi.
Priscila: Eu já ouvi.
Rode: A gente entrou, primeiro ano de faculdade. Acho que a Dorcas tinha, ela
tinha menos acesso.
Rispa: Eu falei que eu entrei nas duas filas.
Rode: Mas a gente entrou na faculdade e isso vinha de alunos de primeiro,
segundo, terceiro, quarto ano. Mas era o seguinte: - Deus não perguntou pra você se
você queria ser bonita ou ser pastora? Então era uma pergunta que toda mulher que
entrasse na Faculdade de Teologia ouvia.
Hulda: Eu ouvi.
Dorcas: Eu nunca ouvi.
Rode: Então você tinha que escolher.
Mais piadas que ridicularizam as mulheres foram denunciadas nas narrativas:
Rode: A gente entrava e vinha a pergunta, você já entende que para ser pastora
tem que ser feia, tem que ser o patinho feio, o escondido, aquele que não deu em
nada certo?
Priscila: Não conseguiu casamento.
Rode: - Ah, você não casou? Você não casou, não vai casar. Se não casou na
faculdade, misericórdia. Não vai casar nunca.
A concepção preconceituosa referente ao estado civil das pastoras, acabou
permeando as reflexões de Rispa em relação à sua entrada no ministério pastoral:
Eu tinha esse pensamento porque quando eu conversei com meu pastor na
Faculdade de Teologia, eu cheguei para ele e falei assim: - pastor, tudo bem, Deus
não quer que eu tenha família. Deus não quer que eu case. Então eu vou para a
Faculdade de Teologia. E ele falou assim: - não entendi a relação. Aí eu falei assim: -
quantas pastoras solteiras e casadas o senhor conhece? Eu não tinha um
relacionamento com pastores. Ele falou assim: - são poucas. [...]. Eu falei: - se eu não
namorei até hoje o senhor acha que agora alguém vai querer namorar comigo? [...]
Bom. Se eu for para o Ministério Pastoral eu vou ser freira. Porque ninguém vai querer
casar comigo (RISPA).
173

O humor não é neutro e nem acontece descontextualizado da realidade, antes


reverbera afirmações que permeiam o senso comum e, muitas delas, refletem
preconceitos que estão na base de diversos tipos de discriminação: machismo,
racismo, homofobia, dentre outros. O limiar entre o humor e uma brincadeira de mau
gosto que ofende e violenta a pessoa, é muito tênue e difícil de identificar. A pastora
Priscila relata seu incômodo em relação às piadas machistas escutadas na FATEO
em sua época, e como as mulheres se articularam para resistir.
Priscila: Eu não vou fugir da questão, da pergunta, não. Mas assim, quando eu
tive o meu chamado essa foi uma questão que eu fiquei pensando. Porque eu queria
casar e ter filhos. Mas aquela imagem que ainda a igreja passava é que as duas coisas
fossem incompatíveis. Aí eu orei muito. Falei: - Bom, se é da vontade de Deus eu abro
mão disso e vou para o pastorado. Apesar de eu ter tido quando mocinha, como
pastoras minhas, a Tânia Mara e a Bispa Marisa, que já eram seminaristas casadas
naquela época. Então eu já tinha visto uma pastora casada. Mas ainda era mais forte
essa ideia. Ninguém chegou e perguntou para mim assim: - quer ser pastora ou quer
ser bonita? Mas isso era a piadinha que estava no corredor. Em um evento que
aconteceu, que assim, espiritualmente até demorou muito para eu perdoar porque
dois presbíteros que hoje estão na nossa terceira região, que não eram oriundos da
nossa região, eles fizeram uma música para tirar sarro das colegas pastoras. Um deles
dividia o quarto com o Áquila81 que era o meu namorado. Mas eu fiquei, assim,
enfurecida. Eu não podia olhar para cara dos dois. Depois eu falo para vocês quem
são os dois.
Rode: Claro.
Priscila: Nós fizemos um abaixo-assinado e fomos para a reitoria. E eles assim:
- é uma brincadeira. É uma brincadeira. Mas assim, uma brincadeira de péssimo
gosto. Da parte dos professores eu nunca senti. Se algum deles tinha, eles eram muito
reservados, muito polidos. Mas de uma forma geral, assim, quem não era metodista
como o Etiene e o Jung, eles também eram muito acadêmicos com uma visão mais
ampla. Então, não entrava nisso aí. Mas essa brincadeira dos próprios colegas, quer
dizer, essa marcou muito.
Rode: É difícil. É muito complicado.

81
Personagem bíblico, relatado como marido de Priscila.
174

Priscila: Foi. Isso, assim, revoltou muito. Tanto que eu confesso a vocês,
pessoalmente eu demorei muito para perdoar esses dois. Porque eu falei: - ninguém
brinca com isso. Não é para brincar).

Nas narrativas identifica-se que os preconceitos estéticos e os relacionados ao


estado civil permearam as relações entre alunos e alunas, expondo às mulheres a
condições inaceitáveis: Informação verbal82 (Hulda: A minha questão do meu preconceito
por ser mulher e ser divorciada, que eles achavam que se eu não tinha um homem eu era de
todos. Então batiam na minha porta para saber se eles podiam entrar para passar a noite
comigo.
Rode: Está vendo?
Rispa: Isso continua. Mesmo sendo solteira.
Hulda: É. Mas eles achavam que... E o mais engraçado que eram os mais carismáticos.
Rode: Exatamente.
Rispa: Continua também.
As piadas, músicas e convites na calada da noite evidenciam o quanto as
narrativas masculinas depreciam e objetificam as mulheres. Ao que parece a
educação teológica oferecida pela Faculdade de Teologia, ainda que tenha fornecido
às pastoras condições para sua formação pastoral, não tratou das relações misóginas
e machistas. E a presença de relatos de discriminação se mantém viva nas histórias
de alunas da FATEO, eles puderam ser observados nas narrativas das pastoras e
acadêmicas de teologia que frequentavam os primeiros encontros de pastoras e nas
interações com o grupo focal.
Muitos temas permearam as narrativas das pastoras, a escolha do que abordar
na tese foi muito penosa. Ainda que a opção tenha sido por tratar os temas até aqui
relatados, vê-se a necessidade de, ao menos, citar um tema que surgiu no final do
diálogo do grupo focal: alunas e alunos homossexuais.
O tema surge na reflexão da pastora Hulda: Hulda: O que vocês não colocaram
aqui que era muito forte na minha época era a questão do homossexualismo. Tanto na
questão dos homens quanto na questão das mulheres. E pesava muito forte. Tanto é que
algumas mulheres, elas se formaram, mas elas hoje não estão no pastorado.
Rispa: No ministério.
Hulda: No Ministério Pastoral. A gente conhece alguns.

82 Transcrição lietral da fala das entrevistadas.


175

Rispa: Sim.
Rode: Me conta depois também.
Hulda: E alguns homens também. E alguns homens. Então, tanto é que teve um
colega que eu amei, que me ajudou muito e hoje ele é homossexual e não foi para o
pastorado. E eram pessoas fantásticas. E havia não só esse preconceito contra os as
mulheres, quanto também aos homossexuais da turma).
Outras pastoras relatam suas experiências com a presença de alunas e alunos
homossexuais. Das experiências relatadas, a maioria desses alunos e alunos
concluíram o curso, mesmo tendo sendo descontinuados no processo de ingresso do
ministério pastoral, já que a Igreja Metodista do Brasil não aceita a ordenação de
pessoas homossexuais83.
A falta de diálogo, de reflexão e formação continuada do corpo pastoral da
Igreja Metodista sobre o tema da sexualidade têm colaborado para a perpetuação de
preconceitos e práticas homofóbicas nas comunidades locais e, quiçá, no próprio
corpo pastoral. O desafiador exercício de acumular reflexões acadêmicas sobre o
tema no cenário da Igreja Metodista pode colaborar para a diminuição dos
preconceitos e discriminações.

4.2. Ministério Pastoral

O ministério pastoral foi o tema do capítulo 3 deste trabalho que, a partir de


filiações teóricas de teólogos metodistas, destacou que a palavra ministério em sua
origem conceitual está atrelada ao serviço, no entanto no âmbito eclesiástico, além
dessa conotação, ela também sofreu uma transformação, agregando-se o sinônimo
de cargo, de autoridade, especialmente em se tratando de ministério pastoral. Já o
conceito de pastoral, especialmente como ação exercida por pessoas vocacionadas,
se desenvolve no sentido de colaborar para que as pessoas tenham um exercício
saudável da sua espiritualidade, conheçam a fé cristã, e se comprometam com a luta
por justiça social.

83
Sobre o posicionamento da Igreja Metodista em relação à homossexualidade, ler o pronunciamento
do Colégio Episcopal na Carta Pastoral “Igreja e a questão do homossexualismo – uma orientação
pastoral” publicada em abril de 2000. A palavra homossexualismo não é considerada atualmente a
terminologia adequada, haja vista que preconiza que a homossexualidade seja uma doença. Para a
Organização Mundial da Saúde a homossexualidade não é uma doença e foi retirada da classificação
dos transtornos mentais.
176

O ministério pastoral como função exercida na igreja tem por função cuidar das
pessoas, educá-las nos princípios doutrinários da fé, preocupar-se com a vida cúltica
da comunidade, coordenar a igreja local prezando pelo bom desenvolvimento da
comunidade de fé, a comunhão entre seus membros e o desenvolvimento missionário
da igreja a partir do trabalho dos diversos ministérios que ela congrega.
O tema do ministério pastoral, mais do que a formação teológica vivenciada
pelas pastoras, deu ao grupo focal uma identidade prioritária: todas são pastoras. A
localização geográfica as aproximou ainda mais: todas estão em São Paulo, fazem
parte da mesma região eclesiástica, são presididas pelo mesmo bispo e estão
inseridas na mesma equipe pastoral.
O atraso de uma hora para começar o grupo focal, como foi relatado no capítulo
um, não se tornou incômodo porque havia muito assunto em comum. Além de
reencontro, o tempo foi destinado à discussão de questões relacionadas à região
eclesiástica, a trajetória e práticas pastorais de alguns pastores e pastoras.

4.1.1: “A minha palavra é Ministério Pastoral”: conceituações expressas nas


vozes das mulheres

O Ministério pastoral foi uma das palavras que fez parte do exercício de
aquecimento proposto pela moderadora no início. Começamos a análise desse tema
partilhando o que a pastora Priscila que ficou com essa palavra, Informação verbal84
explicitou: (A minha palavra é Ministério Pastoral. O que vem ao meu coração é o
cuidado. Cuidar das pessoas, ter atenção com as pessoas. Talvez na minha
experiência eu percebo que a gente nem precisa fazer muita coisa, mas a gente
cuidando, tendo atenção com as pessoas, você está exercendo o Ministério Pastoral).
Na expressão aparece uma perspectiva conceitual de ministério pastoral
referente ao cuidado. De fato, este é um aspecto conceitual muito relevante em se
tratando do ministério pastoral. É interessante que tenha sido este o primeiro conceito
apontado, porque a dimensão do cuidado está muito presente na atuação das
mulheres na sociedade.
O patriarcado estrutura as relações sociais de sexo e, por conseguinte,
promove a divisão sexual do trabalho. Na divisão, as funções atribuídas às mulheres

84
Fala das entrevistadas.
177

têm a ver com a reprodução, o que faz com que o cuidado torne-se, prioritariamente,
uma função feminina.
A conceituação teórica de ministério pastoral, apontada no capítulo 3 deste
trabalho, também aponta o cuidado, na perspectiva da restauração da dignidade
humana, como algo que deve estar presente na atuação de um pastor e pastora. A
partir do destaque do cuidado, algumas perguntas suscitam curiosidade, e embora
não se tenha respostas aqui, elas ficam no horizonte hermenêutico da pesquisadora:
de que maneira o pastor, homem, exerce o cuidado na igreja? É da mesma maneira
que as mulheres o fazem? Qual a perspectiva da igreja em relação ao cuidado pastoral
com a comunidade? Que atitudes de cuidado pastoral a igreja espera de pastoras e
pastores? A igreja tem expectativas diferentes em relação aos homens e às mulheres,
pastores e pastoras, no exercício do cuidado pastoral?
No grupo focal, o tema do cuidado ressurge na fala de mais uma pastora que o
problematiza. Informação verbal85 (Rode: Hoje a gente estava conversando, eu e a
Rispa, nós vamos viajar de férias. E a pessoa de lá já falou: - Vem para trabalhar com
Escola Bíblica de Férias (EBF)? Eu falei: - Eu não trabalho com criança. Até eu falei:
- Eu não quero ver criança tão cedo. E ficamos as duas assim (expressão de espanto).
Né?
Priscila: É sério.
Rode: Por que não fala para a gente administrar? Por que não fala para a gente
dirigir? Por que não fala para a gente fazer qualquer outra coisa? Tem que ser EBF
nas nossas férias?
Além de reafirmar a existência da divisão sexual do trabalho na perspectiva de
quem as convidou para o trabalho, ela pontua outra questão muito relevante: o fato
de trabalhar nas férias, especialmente cuidando de crianças. Isso reafirma a divisão
sexual do trabalho, especialmente porque as tarefas destinadas às mulheres, que
estão intrinsecamente relacionadas ao espaço privado, são exigidas a todo tempo, é
como se não houvesse legislação trabalhista para aquilo que está e acontece no
privado. Mulheres não tiram férias das suas obrigações naturalizadas mediante uma
construção sócio histórica patriarcal.

85
Fala das entrevistadas.
178

Além do cuidado, outro aspecto conceitual foi evidenciado no diálogo do grupo,


o que diz respeito à postura política de compromisso com as pessoas menos
favorecidas ou em situação de vulnerabilidade:

Na igreja exatamente eu sou aquilo que eu gostaria de ser [...]. Porque como
diz um colega meu da igreja da Assembleia, ele fala assim: - O pastor tem um
microfone na mão e com microfone na mão você pode falar e o outro ter esse aspecto.
Então eu posso dizer o que eu sinto do coração porque as coisas que eu falo dentro
da igreja são coisas que vão na contramão, na maioria das vezes, da sociedade, até
mesmo da própria igreja. Que a igreja traz tudo aquilo que a sociedade abraça de
preconceito, de discriminação, até às vezes pior. E eu falo tudo na contramão. Na
contramão. E na família e em casa, como esposa e como mãe, às vezes, eu tenho
que engolir muita coisa para poder eu ter a minha família de pé. E na igreja eu consigo
ser eu. Daí eu falo assim: - Tem que amar, gente. Tem que amar e acabou. Sabe?
Tem que dar a cesta básica sim. Porque tem um alemão lá que fala que não vai encher
o bucho de porco. Eu falo assim: - Mas o bucho de porco está sentindo fome. E às
vezes o filho fala assim: - Ah, mãe, não vou dar essa oferta. Eu não vou ajudar. E você
fica... você fala, você dá, mas você engole mais. E lá na igreja é o meu espaço, onde
eu vou mesmo na contramão de muita coisa. Eu não estou nem aí. Porque eu falo
assim: - Jesus me ensinou assim. Eu não desrespeito. Eu vou pelo amor mesmo,
pelos valores humanos. É difícil, gente. É difícil no sentido de que você pensa assim:
- Ah, o pessoal é duro? Tsi-tsi (faz movimento de negação com a cabeça). Às vezes
o pastor é maior amoroso. Mas quem é duro são as ovelhas. Eles são duros de
coração. Então a igreja para mim é o meu espaço).
Ao trazer a sua postura política de enfrentamento, a pastora dialoga sobre a
importância de se comprometer com quem tem fome, com quem precisa. Além disso,
evidencia que tal compromisso, muitas vezes, exige confronto e este deve ser feito,
ainda que seja difícil. Ela afirma que o seu embasamento para o enfrentamento se
encontra nos ensinos de Jesus, no amor e nos valores humanos. Na fala, fica explicita
o poder que o ministério pastoral lhe confere de ser ela mesma: “e na igreja eu consigo
ser eu”.
A função pastoral e o seu exercício na comunidade de fé conferem a essa
mulher um protagonismo que lhe faz bem, que parece afirmar a sua identidade. Assim
179

o espaço público torna-se mais propício ao seu protagonismo do que o seu espaço
familiar (espaço privado). Na casa, ao que parece, sua omissão colabora para a
manutenção do equilíbrio familiar: “E na família e em casa como esposa e como mãe,
às vezes, eu tenho que engolir muita coisa para poder eu ter a minha família de pé”
(Dorcas). Na igreja, como pastora titular de sua comunidade, tal omissão não se faz
necessária.
O conceito de interseccionalidade, quando estabelece que os diversos
marcadores de diferença que uma pessoa possui conferem a ela posições sociais
diferenciadas, parece ser aplicável aqui. A pastora, enquanto mãe e esposa, sente-se
mais oprimida do que enquanto pastora titular em sua igreja local.
Uma pergunta se apresenta: porque a sua posição de falar e agir na contramão
- para usar a sua própria expressão - na igreja, não consegue sobressair no seu
espaço familiar? Ao que parece o exercício de poder e de protagonismo é mais fácil
de ser exercido na igreja do que em casa. Neste caso, ao que parece, o espaço
público torna-se mais confortável do que o privado para essa mulher.
Carol Hanisch (1969) afirmou que o pessoal é político, desmistificando a
dicotomia público e privado. Essas esferas estão em constante relação, obviamente
uma relação marcada por desigualdades por conta da estrutura patriarcal em que a
sociedade ainda está inserida e, por isso mesmo, deve ser alvo de constante
desconstrução e desmistificação da separação dos espaços e das pessoas.
No texto “Críticas feministas à dicotomia público/privado”, Carole Paternan
afirma:

As feministas estão tentando desenvolver a teoria de uma prática social que,


pela primeira vez no mundo ocidental, seria uma teoria verdadeiramente geral
que incluísse homens e mulheres de forma igual — baseada na interrelação
da vida individual com a coletiva ou da vida pessoal com a política, em vez
de sua separação e oposição. No nível imediatamente prático, esta demanda
é expressa no que talvez seja a conclusão mais clara das críticas feministas:
a de que, para que as mulheres participem plenamente, como iguais, da vida
social, os homens têm de dividir de forma igual a criação das crianças e outras
tarefas domésticas. Enquanto as mulheres se identificarem com esse
trabalho “privado”, seu status público será sempre prejudicado. Natural de
que as mulheres, e não os homens, dão à luz; o que ela nega é afirmação
patriarcal de que este fato natural implica que apenas as mulheres possam
cuidar das crianças. A participação igual na criação das crianças e em outras
atividades da vida doméstica pressupõe algumas mudanças radicais na
esfera pública, na organização da produção, no que se entende por “trabalho”
e na prática da cidadania. A crítica feminista à divisão sexual do trabalho no
local de trabalho e em organizações políticas de todas as tendências
ideológicas, bem como sua rejeição à concepção liberal-patriarcal sobre a
política, amplia e aprofunda o desafio ao capitalismo liberal postulado pela
180

crítica participativa democrática e marxista nas duas últimas décadas, mas


também vai muito além dele. (Carole PATEMAN, 2013, 75-76)

A problematização do espaço privado é fundamental neste processo para que


facilite a atuação das mulheres no espaço público. No caso do ministério pastoral
exercido pelas mulheres, a problematização do espaço privado no imaginário social
da comunidade de fé pode colaborar para que a comunidade consiga entender que a
atuação pastoral das mulheres não está atrelada ao cuidado como ele é concebido
culturalmente com base na divisão sexual do trabalho.
Quais conceituações emergiram da voz da pastora entrevistada? Houve
convergência com as vozes das mulheres que participaram do grupo focal? O conceito
de ministério pastoral que emerge da pastora Vasti é o de engajamento político
expresso pelo compromisso com populações discriminadas historicamente, inclusive
discriminadas pela igreja, como é o caso de travestis e prostitutas. Informação verbal86
(Vasti: Então, o meu ministério até... eu falo sempre para os bispos que eu fiz uma
opção e eu prometi pra Deus no dia da minha formatura que eu ia trabalhar com as
pessoas que a igreja não acolhe, que é prostituta, povo de rua, travesti, esse povo
não entra na igreja, né?
Pesquisadora: Não mesmo.
Vasti: E eles não merecem? Ah não, então eu... eu... aliás, ainda falei para o último
bispo, falei “oh, faço que nem Jesus, tá? Não fico no templo não, eu fico lá no meio
do povo que ninguém quer, lá”.
O seu engajamento político está na origem da sua decisão em tornar-se
pastora, segundo ela motivada pelo desejo de “mudar o mundo, mudar o Brasil” (Vasti)
pelo encontro com uma realidade diferente da sua: Vasti: Com o pessoal das CEBS87
eu conheci uma pastora da igreja... uma igreja que chamava Igreja de Cristo,
americana, e ela era uma das voluntárias num projeto com a Pastoral da Mulher
Marginalizada e trabalhava com prostitutas na estação da Luz, aí ela falou “ai, eu
precisava de uma protestante lá, só tem católico, (não sei o que, mas), vamos lá” aí
eu fui conhecer também. Aí aprendi ver Deus de outra forma, porque eu fui, eu
morava, tinha um apartamento pequeno, mas eu tinha teto, eu tinha casa, tinha
apartamento.
Pesquisadora: Tudo arrumadinho.

86 Fala das entrevistadas.


87
Comunidades Eclesiais de Base pertencentes à Igreja Católica Apostólica Romana.
181

Vasti: Tudo arrumadinho. Eu cheguei lá com a Cláudia e a Bel, a gente foi lá na


Estação da Luz, a gente foi num sábado de manhã e encontramos a Sandra, era uma
mulher que fazia programa e ela ‘tava’ com o olho bem vermelho. Aí ela veio conversar
meio que chorando, ela falou “nossa, eu não consegui fazer nenhum programa nessa
noite e eu queria tanto visitar meus filhos, eles moram no Itaim Paulista, olha que
absurdo, aqui em São Paulo e eu não tenho dinheiro ‘pro’ ônibus pra ir.” Aí a Cláudia
falou “ah, eu vim sem nada”, né? E pra evitar aquela coisa de assalto ali no Centro eu
fui com passe de ônibus e eu tinha dois passes, aí eu falei “Não Cláudia, você vai
visitar os seus filhos, eu tenho dois passes, dá pra você ir?” “Ah, mas como você vai
voltar pra casa?” “Não, eu volto andando, moro no Centro, meia hora, 40 minutos ‘tô’
em casa.” E eu dei, né? E aí uma outra vez, conversando com uma prostituta, ela falou
assim “ai, sabe qual é o meu sonho pastora? É ter um cantinho pra dormir em paz
sem medo de ser violentada, sem medo de alguém fazer mal, podia ser um quartinho
com o colchão no chão, eu não queria outra vida, sabe? De um lugar de você puder
entrar na sua casa e...”. E aí eu falei, nossa, eu fico até com vergonha das coisas que
eu pedia pra Deus, né? E tal, precisava tanto de um carro para poder me deslocar
mais perto, precisava tanto de dinheiro para viajar, aí eu falei “nossa, que vergonha”.
Então...
Pesquisadora: Mudou muito, né?
Vasti: Mudou muito, nossa, minha convivência com a prostituição, com a rua é outra,
né?)
Os conceitos de cuidado e de compromisso político perpassam a fala das
pastoras e a construção teórica da atuação pastoral a partir da perspectiva de teólogos
metodistas sobre o tema. Entretanto, a partir da minha experiência como pastora há
onze anos na igreja e como leiga durante 20 anos, percebo que pastoras e pastores
que se comprometem de forma mais efetiva com uma pastoral compromissada com
transformação social e política são vistos de forma negativa na vida da igreja. E, ao
serem estigmatizados(as), vão tendo diversos espaços negados, o que inclui a
diminuição da participação em espaços de poder em nível regional e nacional, a
nomeação para igrejas consideradas grandes na região eclesiástica, etc. Muitos
pastores e pastoras que optam por um exercício pastoral comprometido com uma fé
cidadã, como é o caso de Vasti, sofrem discriminação. Vasti, atualmente, ainda que
182

se encontre como presbítera ativa da igreja, disponível para o trabalho como pastora,
não recebeu nomeação episcopal para nenhuma igreja.

4.1.2: “E o “nós vai” dele tem mais poder porque ele é homem?”: preconceitos
e discriminações

As palavras preconceito e discriminação estão imbricadas no estabelecimento


das desigualdades. Segundo o Dicionário de Ciências Sociais preconceito é “uma
atitude negativa, desfavorável para com um grupo ou seus componentes individuais.
É caracterizado por crenças estereotipadas” (SILVA, 1987, p. 962). Os preconceitos
estão profundamente arraigados no senso comum e nele se cristalizam, assim como
nas práticas políticas.

Os preconceitos são realidades historicamente construídas e dinâmicas;


são reinventados e reinstalados no imaginário social continuamente. Os
preconceitos atuam como filtro de nossa percepção, fortemente
impregnados de emoções, colorindo nosso olhar, modulando o ouvir,
modelando o tocar, fazendo com que tenhamos uma percepção simplificada
e enviesada da realidade. (GUERZOLA, Marilena; LUCINDA Maria
Consolação; MORGADO Patricia; RAMIREZ, Janett; SACAVINO Susana;
SAAVEDRA Anita,2003, p.17)

Os preconceitos, fundamentados em diversos estereótipos88, quer de raça,


gênero, religião, classe social ou etnia, segregam e acomodam pessoas em posições
hierárquicas e, assim, desiguais. São eles a base de toda discriminação que se
manifesta em “comportamentos e práticas sociais.” (GUERZOLA, Marilena; LUCINDA
Maria Consolação; MORGADO Patricia; RAMIREZ, Janett; SACAVINO Susana;
SAAVEDRA Anita,2003, p.18)
Relatos de preconceitos e discriminações estão presentes nas vozes das
mulheres sobre experiências com a formação teológica e o exercício do ministério
pastoral. A palavra DISCRIMINAÇÃO também fez parte da dinâmica de aquecimento
do grupo focal. Informação verbal89 (Dorcas: Bom... Discriminação. Na verdade, a gente

88
“O estereótipo, assim como conceito, é um reflexo/refração específica da realidade – ou seja, reflete
com desvios, como um lápis que, colocado em um copo de água, “entorta”, mas o estereótipo comporta
uma carga adicional do fator subjetivo, que se manifesta sob a forma de elementos emocionais,
valorativos e volitivos, que vão influenciar o comportamento humano. Ele se manifesta, portanto, em
bases emocionais, trazendo em si, como já dissemos, juízos de valor preconcebidos, preconceitos, e
atuam na nossa vontade. Nossa cultura está plena de exemplos, entre os quais podemos lembrar os
indígenas e os afrodescendentes”. (BACCEGA,1998, p.10).
89 Fala das entrevistadas.
183

estudou isso na Escola Dominical domingo. Não nesse. No outro. Ela vem atrelada com o
preconceito. Então, quando a gente tem preconceito a gente acaba discriminando. E é só isso.
Moderadora: Quer falar mais?
Dorcas: Não.
Moderadora: Está bom?
Dorcas: Está bom.
Hulda: Eu posso falar?
Moderadora: Você pode falar da sua palavra.
Hulda: Ah, eu gostei dessa aí (mostra a palavra discriminação).
Depois que cada pessoa se expressou sobre a sua palavra, a moderadora
possibilitou que quem assim desejasse, pudesse trazer informações sobre outras
palavras. Discriminação foi uma das que se repetiu. Para além da consideração sobre
a palavra no exercício de aquecimento, vários foram os relatos de preconceito e
discriminação que as mulheres sofreram e sofrem como pastoras. Houve consenso
do grupo ao entender que as mulheres têm uma trajetória marcada por preconceitos
e discriminações na trajetória pastoral.
Priscila: E quando eu já falo peso institucional é porque a instituição, ela carrega um
peso e por momentos, às vezes, o peso está uma carga, um fardo bem pesado para a gente
carregar, lidar com as demandas administrativas, as políticas. Então a palavra igreja ela
carrega ou o conceito igreja ela também carrega esse lado que é necessário porque é uma
instituição, é uma organização, precisa...
Hulda: É o I maiúsculo.
Priscila: É. Mas ela tem um ônus que nós temos que lidar com ele. Aí em nosso caso,
em sendo mulheres no Ministério Pastoral, o ônus às vezes é maior do que o ônus do pastor.
Rispa: Mulher exercendo o ministério pastoral
Hulda: Concordo.
Rispa: Plenamente. Concordo.
Hulda: Concordo).
A seleção dos relatos de preconceito e discriminação não foi algo fácil de se
fazer. Os escolhidos são os que se referem à prática pastoral, especificamente na
relação com outros membros do corpo pastoral e com os membros da comunidade.
Quadro: preconceitos e discriminação na relação com colegas de ministério
Grupo Focal
Rispa: O Ministério Pastoral e o machismo. Né? Porque
embora a gente lide com o machismo na igreja por sermos
mulheres, pastoras, enfim, o próprio preconceito e
184

discriminação que a Hulda sofreu, se dá muito mais por ela ser


mulher do que pelo divórcio.
Rode: Do que qualquer outra coisa.
Relato 1 Hulda: Que a gente sabe que se ela fosse um homem
divorciado o tratamento seria diferente.
Priscila: É verdade.
Rispa: Mas enfim, e a minha questão em relação, assim, ao
machismo no Ministério Pastoral, é que é uma relação às vezes
muito próxima, que se dá inclusive dentro do Ministério
Pastoral. Porque às vezes a gente tem que lidar com esse
machismo que vem do nosso próprio colega, que muitas vezes
se relaciona com a gente e trata a gente como se a gente fosse
inferior, como se a gente não tivesse a capacidade para...
Hulda: Concordo.
Rispa: Para fazer. A mulher não dá para ser às vezes titular
porque ela não tem capacidade, porque ela chora. Isso faz
parte da nossa personalidade. Se o homem tem um sentimento
de ser durão a gente tem um sentimento de chorar. Mas isso
não significa que a gente seja incapaz. Isso faz parte do nosso
próprio ser mulher. Eu acho que a gente não precisa perder
isso para estarmos no lugar onde devemos estar. Pelo
contrário. Eu acho que a gente tem que estar no lugar onde a
gente tem que estar do jeito que nós somos. Eu tenho uma
frase que eu tenho falado bem assim. Quando as pessoas
falam: - Vocês não querem direitos iguais? Eu falo: - Eu quero.
Direitos iguais. E não deveres. Cada um tem o seu papel, mas
o direito eu quero igual. Eu quero ter o mesmo direito de estar
num lugar onde eu sou capaz para estar. Eu quero ter o mesmo
direito de receber aquilo que eu tenho que receber. Eu quero
ter o mesmo direito de ser tratada como outra pessoa é tratada
no lugar que está. Agora eu não preciso ter os mesmos
deveres. Não espere que eu vá ser um homem no púlpito
porque eu sou mulher. É isso que eu sou. Então eu acho que a
gente acaba sofrendo muito com esse machismo dentro do
próprio Ministério Pastoral, que às vezes, espera que a gente
reaja como homem, quando nós somos mulheres. E deveria na
verdade aproveitar isso também. Porque se por um lado a
gente tem alguma sensibilidade diante de algumas questões
da vida, por outro lado isso ajuda também no caminhar da
igreja.

Rode: Só piorando o que a Rispa falou. Piorando porque é isso


que a gente vê.
Relato 2
Rispa: E sofrendo.
Rode: Há um Ministério machista entre as mulheres.
Rispa: Também.
Rode: Então, assim, eu vejo... igreja local que a gente não
aceita outra mulher no púlpito. A gente não a convida. A gente
faz um seminário, a gente faz um curso na igreja, a gente faz
um acampamento e quem vai ministrar? Homem. Então, assim,
185

é algo tão enraizado dentro da gente, dentro da igreja, que eu


falo: - Gente... A gente é hipócrita até para brigar pelos nossos
direitos. Porque nós sabemos que existem. Só que a gente não
dá direito a outra pessoa de exercer o direito de ser mulher
dentro igreja. Então é muito fácil a gente criticar o machismo
como se fosse algo que é inerente ao homem. Não é. Está
também dentro das mulheres metodistas. E assim, a gente vê
pelo quadro de bispos...
[...]
Rode: E eu já vivi uma experiência onde a titular que eu estava
na igreja era mulher e eu também mulher como coadjutor dela.
E ela falou pra mim: - Rode, você aqui se comporte como
homem. Uma outra mulher falou para mim isso. Se vista como
eles se vestem. Se comporte como eles se comportam e fale
no mesmo tom que eles. Eu falei: - Ai! Então assim. É uma
cobrança muito... Eu falo. Eles são machistas porque para mim
hoje é natural deles. Nasceram assim, foram criados assim. Eu
não sei se vai mudar. Mas eu vejo que entre nós, as mulheres,
elas não entendem que elas também têm uma postura, um
comportamento machista e que fica mais feio. Eu não sei se a
palavra é um termo. Mas fica pior do que a gente imagina.
Porque eu falo. Eu imagino que um homem faria isso comigo.
Não uma mulher. E você vê a situação e às vezes ela está
acima. Daí você olha para a cara e fala: - É isso então?

Hulda: Eu tive um caso muito sério. Eu era SD


Relato 3
(superintendente distrital). E eu estava chamando a atenção,
estava visitando o pastor, conversando com ele, vendo o que
estava acontecendo e fazendo o meu trabalho como SD. E
esse pastor, uma hora, chegou para mim, olhou para mim e
falou assim: - Mulheres que colocam o relógio desse lado você
sabe o que é. Eu falei assim: - É mulher. Mulher. – Ah, então,
ó...
Rispa: Solteira. Com o relógio desse lado.
Rode: Eu sempre coloquei aqui desse lado.
Rispa: Não vou dizer que você abriu.
Rode: Tenso. Não é?
Hulda: Quando você não tem marido na igreja, você é solteira
ou divorciada...
Rode: Você é vista como.
Hulda: Você é vista como. E se você tem uma autoridade, se
você tem...
Rode: Pior ainda.
Hulda: Eles vão... se eles não podem te chamar de mulher,
eles vão te chamar de homossexual.
Izilda: Lésbica.
Priscila: É medo. Não é? É medo.
Hulda: É mesmo?
Dorcas: Você passou por isso?
186

Hulda: Passei. Ué. Passei como SD. Como SD. Aí chamei a


atenção dele que ele se ajoelhou, pediu perdão. Eu falei assim:
- Porque isso vai para o seu bispo. Vai para o seu bispo. Vai
para seu bispo porque eu estou aqui porque eu sou autoridade.
E eu estou aqui em nome do Bispo. Eu sou sua SD. Ali ele se
ajoelhou e pediu perdão. E é carismático também. Super
pentecostal que...

Em relação aos preconceitos e discriminações que as pastoras relataram sofrer


por parte de seus colegas de trabalho, isto é, pastores e pastoras, todas as vozes
convergem para o questionamento da autoridade das mulheres quando ocupam o
espaço de poder denominado ministério pastoral. Este espaço, como descrito no
capítulo 3, foi historicamente negado às mulheres. O ingresso das mulheres foi fruto
de luta, da mesma maneira que ainda acontece em outros espaços sociais
prioritariamente masculinizados e ocupados por homens.
Ainda que tenham ingressado, elas não conseguem ocupar este espaço em
posição de igualdade em relação aos homens. Porque, ainda que as mulheres tenham
ocupado o ministério pastoral, o modus operandi solidificado e exigido é o masculino.
Por isso é exigido que as mulheres se comportem como homens e, aquelas que não
o fazem e, que não consentem tal opressão, são muitas vezes questionadas e
ridicularizadas: Informação verbal Segundo Vasti: (E eu sempre quis esquecer, mas
eles sempre fazem eu lembrar, sempre, sempre dão uma recordadinha, né? Porque
querem colocar... mostrar onde que é o meu lugar, mas eu sempre gosto de esfregar
na cara deles, eu falo: - Queridinho, você acha que ali é o meu lugar, mas o meu lugar
é junto. É, sempre o que eu falo: - Somos todos... tirando o cargo de bispo, eu também
sou presbítera [...] somos coleguinhas de profissão).
Outra questão evidenciada é que os sujeitos que discriminam não são apenas
os homens, mas as mulheres também. Isto porque as mulheres estão inseridas na
sociedade patriarcal e opressora. E a opressão precisa ser considerada para além do
individual. Por ser também institucional, ela estrutura as relações de poder.
É preciso ter cuidado com a crítica das discriminações que as mulheres sofrem
por outras mulheres; cuidado para que tal constatação não assuma fortaleça a
descrença e desesperança na mudança das relações entre as mulheres, já que a
inimizade e competitividade entre as mulheres é uma forma do sistema patriarcal
manter sua hegemonia. Segundo a antropóloga feminista Marcela Lagarde:
187

La enemistad entre mujeres es resultado de la organización patriarcal del


mundo y es estimulada en la educación y socialización de género de las
mujeres. Las mujeres compiten sexualmente por los hombres poderosos y
deben ser elegidas entre las otras, por ello, las ideologías femeninas
estimulan la hostilidad como política entre las mujeres y la supremacía
femenina patriarcal se basa en una escala sexual y de género que jerarquiza
a las mujeres entre sí (Marcela LAGARDE, 2012, p.546)90.

O exercício de problematizar as atitudes machistas e discriminatórias das


mulheres deve ser mais profundo, de forma que leve a perceber o lugar de fala de
quem discrimina e de quem sofre a discriminação. Tal problematização precisa
comprometer-se com a destruição de narrativas hegemônicas, por meio de ações que
possibilitem o encontro com outras narrativas, especialmente as contra-hegemônicas.
Um dos relatos sobre discriminação coloca em questão um outro marcador de
diferença: a sexualidade. Mulheres em cargos de poder, quando assumem a postura
de se comprometer de maneira efetiva no cumprimento da sua função, são
questionadas na sua orientação sexual, sendo consideradas como lésbicas.
Interessante perceber que no caso relatado pela pastora Hulda, ao ser questionada
sobre a sua sexualidade, ela usa em sua fala o poder de um outro homem para se
defender: Informação verbal91 (Eu falei assim: - Porque isso vai para o seu bispo. Vai
para o seu bispo. Vai para seu bispo porque eu estou aqui porque eu sou autoridade.
E eu estou aqui em nome do Bispo. Eu sou sua SD. Ali ele se ajoelhou e pediu perdão.)
É só a partir da ameaça de que o bispo da região saiba de sua conduta que o
pastor se mostra arrependido e lhe pede perdão. Ainda que aquela mulher estivesse
em uma posição superior a ele, foi somente evocando a autoridade de um outro
homem que conseguiu se impor. O desafio para as mulheres que ocupam cargos de
poder na igreja, como pastoras, é garantir que esse lugar social se transforme em um
lugar de fala que lhe garanta dignidade de existência de exercício da sua função
porque, como afirma Djamila Ribeiro (2017, p.64): “o falar não se restringe ao ato de
emitir palavras, mas de poder existir”.

90 “A inimizade entre as mulheres é resultado da organização patriarcal do mundo e é estimulada na


educação e na socialização de gênero das mulheres. As mulheres competem sexualmente pelos
homens poderosos e devem ser eleitas entre as outras por eles, as ideologias femininas estimulam a
hostilidade como política entre as mulheres e a supremacia feminina patriarcal se baseia numa escala
sexual e de gênero” (Marcela LAGARDE, 2012, p.546) (tradução livre)
91 Fala da entrevistada.
188

Observando os relatos das pastoras, percebe-se que eles não se restringem às


relações entre pares, mas as pastoras são alvos de discriminação também nas
comunidades locais onde pastoreiam. A seguir, alguns relatos sobre isso.

Quadro: preconceitos e discriminação na relação com a igreja


Grupo Focal
Rode: Você vê os aspirantes homens, nomeações integrais, igrejas
grandes. Aí você vai ver as mulheres coadjutores. Co-co-
Relato 1
coadjutores. Em alguns lugares co-colugares. Então assim, essa
brincadeira é muito difícil de encarar por que você fala assim: - Eu
fiz igual. A minha nota foi superior. Mas a igreja olha para ele. Às
vezes você é a titular e o cara é um co-co-co seu. Mas se ele falar
A, o A dele tem um poder que o seu Z não tem. Então para nós esse
exercício é muito cansativo em alguns momentos. A gente fala
assim: - Eu não quero ter que encarar isso. Eu não quero ter que
fazer mais para provar o meu lugar. Para provar que eu sou
inteligente.
Rispa: Cansa.
Rode: Então, se ele fala: - “nós vai”. [palmas]. Aí a gente fala: - “nós
vamos”. – Oh. A pastora falando difícil. E o “nós vai” dele tem mais
poder porque ele é homem? Eu falo: - Cara, eu não nasci como ele
nasceu. Me respeitem pelo que eu sou. Mas a gente vê. Tem horas
que a gente entende esse papel de ter referência, de galgar lugares,
de ter bispos que graças a Deus tiveram um olhar diferenciado. Mas
tudo isso é exceção. E a exceção, ela cansa, porque exalta um em
algum momento, mas nem todas terão voz, nem todas terão
direito...E é um sonho para nós ver uma COREAM (Coordenação
Regional de Ação Missionária), ver um distrito, ver um SD de forma
equitativa, onde você consegue falar. Aí é por capacidade? A
mulher não tem. Porque, é claro, se é por capacidade que eles
estão lá, então você fala assim: - Então quer dizer que a nossa
região, a nossa igreja não vê as mulheres como seres capazes. É
aquele negócio. Entrelinhas, você vai traduzindo o pensamento
comum que gera a cultura da igreja local, a cultura do distrito, região
[...]. Então assim, tiro o chapéu, sim, para as mulheres que entraram
arregaçando sem poder. E fico feliz, sim, por que eu falo: - Hoje eu
solteira, eu ainda enfrento preconceito. E às vezes pior do que a
divorciada. Porque ainda fala assim: - Ah, a pessoa que foi
divorciada pode aconselhar. Solteiro não pode aconselhar. O que o
solteiro viveu?
Hulda: A gente não pode nem beijar o marido da outra.
Rode: Mas é a história... a senhora tem experiência no casamento.
Eu nem isso tenho.
Rispa: Eu sofri o maior preconceito na igreja local. Eu cheguei na
igreja recém-casada e a pessoa falou assim para mim depois...
Relato 2
numa terça-feira depois do sermão que eu tinha pregado. Vou falar
assim mesmo. Eu falei que Deus chamava quem Ele queria, não
189

importava o gênero, a idade, a cor, a raça, enfim. Foi para mandar


recado mesmo. E aí na terça-feira Deus falou ao coração dela,
embora a minha pregação tenha sido motivada pela raiva porque
eu sabia que era preconceito. E ela chegou para mim e disse assim:
- Pastora, no domingo Deus disse sim para mim. Eu vou falar com
você no louvor. E ela ficou sem coragem de dizer que ela tinha tido
preconceito comigo. Eu falei: - Sim, minha irmã. Então continue. E
ela disse assim: - Então, Deus usa aquele quem ele quer, né
pastora?
Rode: Até as mulheres.
Priscila: Até
Rode: É.
Rispa: Aí eu entendi que ela estava querendo dizer assim: - Deus
falou comigo porque eu tinha preconceito com você. E eu sei que
tinha. Não era nada escondido. Era revelado. E quando eu cheguei
numa outra igreja, numa reunião da CLAM, o irmão que estava na
administração virou e falou assim: - Ah, então o assunto terminou,
vamos para outro assunto. Aí eu bati a mão na mesa assim: - Meu
irmão, eu que presido a CLAM e esse assunto não terminou. Aí ele
ficou assim (cara de espanto). Mas naquele momento eu sabia que
também era um preconceito. Eu era nova e ele achou: - Eu vou
conduzir essa igreja que ela não vai dar conta. Então, assim... Aí fui
para uma outra igreja que é a que eu estou hoje. E aí me deparo
com perguntas do tipo: - Como que você quer ser tratada? De uma
mulher. E aí você fala: - Pode me chamar de pastora. E isso se torna
algo agressivo por que você pediu para ser chamada por aquilo que
você é. E a pergunta que eu perguntei para ela foi essa: - Mas você
perguntou para o pastor do que ele gostaria de ser chamado?
Rode: Perguntou para o seu marido se ele queria ser chamado de
pastor? Porque acontece também. - Posso chamar ele de pastor? -
Não. Eu que sou pastora. Ele não é pastor.
Rode: Assim... Eu peguei muita igreja de primeira vez, onde eu era
a primeira mulher nomeada. Quando eu estava na formação
Relato 3
teológica, no quarto ano eu fui para uma igreja, onde eles falaram
assim para mim numa reunião... Me aceitaram super bem no
primeiro dia. No segundo... Na primeira reunião da CLAM, falaram
assim: - Pastora, fique esperta porque você é a terceira aqui. Se a
senhora errar a gente nunca mais vai aceitar o ministério feminino
na nossa igreja.
Dorcas: Ah, meu Deus! Que horror.
Rode: Eu era seminarista de quarto ano. Tinha 22 anos na época.
Aí eu cheguei lá e fui perguntar qual que era a história. Porque elas
tinham... por que eles tinham esse clima com o ministério feminino?
Aí falaram assim: - A primeira não aguentou ser pastora com a
gente. Daí eu olhei e falei: - Por quê?
[...]
Rode: Porque é assim: - Ah, porque ela era chata. Ela não pregava
bem. Não falava bem. Eu falei: - Ah, por isso não era uma boa
pastora? - Não. E a segunda? A segunda a gente não aceitou, nós
pedimos para sair porque ela foi cuidar do pai. O pai estava doente
190

na mesma época que ela assumiu nossa igreja. E o fato dela ter...
Ela tem que... mulher tem que ser assim. Não é pastora? Tem que
cuidar. Então entre cuidar e ser pastora ela escolheu cuidar do pai.
E o presidente não aceitou que ela ficasse com a gente mais. Aí eu
falei: - Eu estou lascada. Não é? Primeiro por que eu já tinha essa
frase. E ficou muito marcada na minha vida assim: Você vai ter que
limpar tudo que eles acham que ficou errado para trás porque se
você der alguma ‘pisada’, eles nunca mais. E a gente sabe que tem
isso. Tem igreja que pede para o bispo: - Não mande mulher para
mim.
Rispa: É que pastor não erra.
Dorcas: Eu já ouvi falar.
Rode: Não mande mulher para mim.
Dorcas:Eu já ouvi falar.
Rode: [...], mas também tinha a questão de eu não poder fazer nada
de errado. Porque daí eu tive que rezar a cartilha deles. A frase é
essa. Porque eu sabia que se eu errasse eles teriam direito de falar
assim: - Nós tentamos com três. E as três que vieram ‘pisaram na
bola’ com a gente. Então a gente tem direito de chegar no Bispo e
falar: - Não mande mais mulher para lá. Então foi muito custoso
isso.

Quadro: preconceitos e discriminação na relação com a igreja


Entrevista
Vasti: Eu ouvi a seguinte frase na primeira nomeação, em junho, julho, foi
na primeira nomeação numa igreja, de um senhor da igreja, que ele era
Relato 1 bem branco, chegava até a ser vermelhinho, assim, cabelo vermelhinho.
- Pastora, eu tenho que confessar duas coisas com a senhora. Eu falei: -
‘Vixi’, dia de confissão é bom, vamos lá. O que é irmão? - Eu tenho duas
dificuldades em relação à senhora, uma que a senhora é mulher, eu não
acho que mulher tem que ser pastora porque vocês não são a imagem de
Deus. Falei: -Há controvérsias, mas tudo bem. Qual é a segunda? -
Porque a senhora é negra, eu não consigo aceitar a senhora como
pastora. E aí eu falei pra ele: - Bom, vou te dar duas soluções: primeiro
você pode ficar em casa aos domingos, a sua família é da igreja, se elas
quiserem ficar com você paciência, mas você pode ficar em casa
domingo, tem Faustão, tem Fantástico, passa futebol, filme, você fica em
casa, né? Não precisa vir... ou segunda: você muda de igreja, vai para
uma igreja que tem um homem, né? Que vá, que faça o culto, porque não
é por que você tá me dizendo isso que você acha que eu vou pra casa
pedir pro bispo pra sair da igreja porque não quero atrapalhar a sua festa,
ser pedra de tropeço; pelo contrário, você não vai ser a minha pedra de
tropeço na minha caminhada pastoral. Então assim, essa é a solução que
eu vou te dar, enquanto o bispo mandar eu ficar aqui, minha nomeação é
até o final do ano, então até o final do ano o senhor vai ter que me
aguentar ou você vai pra outra igreja porque eu não vou sair daqui porque
você não quer.
Pesquisadora: E ele?
Vasti: - Ah, não, pastora, não queria ofender. Eu falei: - Você não me
ofendeu, pelo contrário, eu lhe agradeço porque eu queria que todos os
191

membros tivessem a coragem que você tem e que fossem sinceros, só


que eu estou sendo extremamente sincera pra você, eu não vou mudar,
não vou vir de terno, não vou colocar nenhum enchimento pra você achar
que é um pênis, né? Eu não vou, não vou mudar. Então você vai ter que
me aceitar como eu sou, né? Aí ele falou: É, eu já pensei se isso é pecado.
Eu falei: - É pecado grave, mas aí é seu papo com Deus, né?
Pesquisadora: Sim.
Vasti: - É o seu papo com Deus... eu acho que tem que orar um pouco
mais, mas enfim, mas é assim que vai ser. Então, é muito difícil, tem
gente... eu lembro da Raabe falando que tinha gente que perguntava para
ela se ela estava menstruada porque tinha dificuldade de tomar ceia da
mão dela porque ela estava[...]. Eu falei, gente, a gente não passa a ‘porra’
da mão em outro lugar, a gente... lava a mão, né? Que loucura, mas aonde
vai a cabeça das pessoas.
Pesquisadora: É, é muito... é assustador isso.
Vasti: Pois é. [...] Até eu propus a solução, falei: - Podemos colocar minha
tabela menstrual no boletim da igreja, se calhar de ser o dia da
menstruação, você não toma ceia, problema seu. Mas tinha gente que fala
que tinha dificuldade de ver pastora grávida, né? Então olha que loucura,
né? Porque a pastora fez sexo, né? Gente, de onde que eles tiraram? Mas
da onde que sai, né? Eu sempre... quando eu faço palestra nos lugares,
tal, que às vezes eu faço... fazia muita palestra, e aí eu... às vezes eu toco
no assunto, né? Que a questão do machismo no patriarcado, a igreja tem
muita, 99% de culpa, né?

O primeiro relato dos preconceitos que aconteceram nas comunidades diz


respeito ao poder da narrativa masculina. Essas narrativas são mais valorizadas do
que as narrativas femininas no espaço eclesiástico. O discurso teológico é o discurso
sobre Deus, cuja imagem masculina engloba o feminino, sobrepondo-se a ele ao
mesmo tempo em que legitima a posição de privilégio para a masculinidade,
especialmente a masculinidade considerada hegemônica que aquela universaliza o
sujeito como homem, branco, casado, heterossexual, cristão e rico.
O discurso teológico, além de priorizar algumas masculinidades e
feminilidades, deslegitima tudo o que foge à sua normatização. Portanto, qualquer
atuação das mulheres em espaços onde o fazer teológico é legitimado aos homens,
se transforma em espaço de luta, de conquista, de ocupação de um lugar que não é
destinado prioritariamente às mulheres. Essa luta contra a opressão institucional se
revela por meio de interações dos indivíduos e, como afirma uma das pastoras, é uma
luta cansativa: “E a exceção, ela cansa porque exalta um em algum momento, mas
nem todas terão voz, nem todas terão direito” (Informação verbal, Rode). Além de ser
totalmente dependente de circunstâncias e atuações pontuais.
Como a atuação masculina na igreja, especialmente em cargos de liderança,
como o ministério pastoral, interesse da tese, é legitimado pelo fato de Deus ser
192

homem, a capacidade dos homens ou a falta delas para o exercício do ministério não
é posta em questionamento. Ao se tratar da participação das mulheres, é justamente
o discurso da “capacidade para o exercício de um cargo” que entra em questão.
Quando mulheres reclamam sua ausência em cargos de liderança, a escusa
do sistema é que não se trata de ocupar cargos levando-se em consideração o fato
das pessoas serem mulheres ou homens, mas sim, de se estarem bem formadas para
tanto. Assim, subsumido neste discurso está o questionamento da competência das
mulheres:

Se é por capacidade que eles estão lá, então você fala assim: - Então
quer dizer que a nossa região, a nossa igreja não vê as mulheres como
seres capazes. É aquele negócio. Entrelinhas, você vai traduzindo o
pensamento comum que gera a cultura da igreja local, a cultura do
distrito, região. (Rode)

Se nos relatos referentes às relações entre colegas pastores e pastoras foi


evidenciado o tema da sexualidade, outro marcador de diferença interfere nas
relações prejudicando as mulheres no exercício do ministério pastoral. É o estado civil:
especialmente o divórcio e a solteirice. Isso mostra o quanto as mulheres são
estabelecidas e respeitadas no espaço eclesiástico sempre em relação ao homem.
Divórcio e solteirice as colocam em posição desprivilegiada em relação às
mulheres casadas, quer elas pastoras ou não. Pois o fato de serem divorciadas, as
transforma em ameaça para os homens e o fato de serem solteiras as transforma em
mulheres ingênuas em relação às relações sociais, especialmente, as relações
sexuais. Assim, se estabelece uma ameaças do ponto de vista moral e outra de
ameaça da eficiência do exercício ministerial. Informação verbal92 (Rode: A pessoa
que foi divorciada pode aconselhar. Solteiro não pode aconselhar. O que o solteiro
viveu?
Hulda: A gente não pode nem beijar o marido da outra.
Rode: Mas a história senhora tem experiência no casamento. Eu nem isso tenho).

Vale destacar que há uma ambiguidade em relação à solteirice. Se por um lado,


as mulheres solteiras não são consideradas completas para o exercício pastoral
porque não terão condições de acompanhar os casais da comunidade de fé, por outro,
elas são mão de obra barata para o sistema eclesiástico, custam menos e têm mais

92 Relato das entrevistadas.


193

tempo para dedicar ao trabalho do que homens e mulheres casadas, como bem
lembrou a professora Sandra Duarte na banca de qualificação da tese para o
doutoramento.
A legislação canônica confere às mulheres e homens casados assistências em
relação aos seus cônjuges, filhos e filhas. Mulheres solteiras, além de não dividirem o
seu tempo com o cuidado da família, custam menos para a instituição. No entanto, se
as mulheres são toleradas como solteiras, os homens não são julgados por este
critério. Pelo contrário, pastores solteiros sofrem uma grande pressão para se
casarem e formarem a sua família. Isto colabora de forma determinante na
legitimidade de seu ministério. Seria muito interessante ter uma pesquisa sobre o
ponto de vista dos homens e mulheres em relação à sua expectativa e a da igreja,
quanto ao estado civil dos ministros(as) para a legitimidade no exercício do ministério
pastoral.
O descrédito de outras mulheres em relação às mulheres no ministério pastoral
destacado nas relações entre pastores e pastoras, também é demonstrado nas
relações com a comunidade de fé. A construção teológica masculinizada de Deus é
fundante nessas manifestações misóginas. Essa construção dificulta que mulheres e
homens vejam as pastoras como legitimas para esse exercício.
No entanto, em uma instituição que legalmente já legitima as mulheres como
pastoras, é interessante perceber como as interações misóginas se dão. Na
experiência da pastora Rispa, o caminho encontrado por uma mulher para aceitar a
fala de Rispa, foi a misericórdia de Deus. Segundo a mulher, é a misericórdia divina
permite que uma pessoa não legitimada seja utilizada por Deus: E ela chegou para mim
e disse assim: - Pastora, no domingo Deus disse assim para mim: - Eu vou falar com você no
louvor. E ela ficou sem coragem de dizer que ela tinha tido preconceito comigo. Eu falei: - Sim,
minha irmã. Então, continue. E ela disse assim: - Então, Deus usa aquele quem ele quer, né
pastora? (Rispa)
Ainda levando em conta a experiência da pastora Rispa, a aceitabilidade de
uma voz feminina como mensageira de Deus em momento de culto parece ter sido
mais fácil de ser absorvida, do que a sua atuação no expediente administrativo da
igreja local, onde teve dificuldades de presidir uma reunião. Informação verbal93
segundo Rispa: (E quando eu cheguei numa outra igreja, numa reunião da CLAM, o

93
Relato das entrevistadas.
194

irmão que estava na administração virou e falou assim: - Ah, então o assunto terminou,
vamos para outro assunto. Aí eu bati a mão na mesa assim: - Meu irmão, eu que
presido a CLAM e esse assunto não terminou. Aí ele ficou assim (cara de espanto).
Mas naquele momento eu sabia que também era um preconceito. Eu era nova e ele
achou: - Eu vou conduzir essa igreja que ela não vai dar conta).
Na sua fala coloca-se outro marcador de diferença que é a faixa etária. Sua
pouca idade agregada à sua posição social, a colocou em desvantagem na relação
estabelecida naquela reunião. Diversos são os mecanismos de não aceitabilidade,
alguns explícitos, outros nem tanto. Outra discriminação que pode ser considerada
como não explícita tem a ver com a forma de tratamento que as mulheres recebem
nas igrejas. Isso pode ser evidenciado em uma experiência da pastora Rispa,
informação verbal94: (Aí fui para uma outra igreja que é a que eu estou hoje. E aí me
deparo com perguntas do tipo: - Como que você quer ser tratada? De uma mulher. E
aí você fala: - Pode me chamar de pastora. E isso se torna algo agressivo por que
você pediu para ser chamada por aquilo que você é. E a pergunta que eu perguntei
para ela foi essa: - Mas você perguntou para o pastor do que ele gostaria de ser
chamado?)
O fato das mulheres serem chamadas de pastoras é o reconhecimento da sua
nomeação e autoridade para o exercício deste ministério. Ainda que a nomeação
esteja documentada e legitimada por meio de uma nomeação episcopal respaldada
em legislação canônica, elas têm muita dificuldade para conseguir respeito e o direito
de serem chamadas assim.
Na maioria das profissões, o(a) profissional consegue o direito de ser
reconhecido(a) como tal quando adquire a sua certificação de conclusão de cursos e
cumprem todas as exigências legais para tanto, como no caso de quem cursa direito,
consegue aprovação para o ingresso na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ou,
no caso dos(as) fonoaudiólogos(as), se filiam ao Conselho Regional de
Fonoaudiologia.
No caso das pastoras, as mulheres encontram dificuldades para serem
reconhecidas como tal e, muitas vezes, são violentadas de forma simbólica pela
negação dos membros da igreja, homens e mulheres, de lhes chamarem como

94
Idem.
195

pastoras. Isso foi identificado na experiência da pastora Rispa e a interação da pastora


Rode em relação ao pronunciamento de Rispa traz uma consideração muito
importante, informação verbal95: (Perguntou para o seu marido se ele queria ser
chamado de pastor? Porque acontece também. - Posso chamar ele de pastor? - Não.
Eu que sou pastora. Ele não é pastor).
As pastoras casadas com homens que não são pastores enfrentam essa
dificuldade, a igreja quer nomeá-los como pastores, ainda que eles não sejam. Um
fenômeno recente que tem acontecido e que merece ser estudado, é o fato de que
muitas mulheres de pastor estão sendo tratadas nas igrejas locais como pastoras,
pelo fato de serem esposas de pastor. Isso é uma prática presente nas igrejas
neopentecostais e quem tem sido absorvida por várias igrejas metodistas.
O fato das igrejas locais quererem chamar os maridos de pastoras de pastores,
e o fato de esposas de pastores serem tratadas como pastoras, mesmo sem terem
cursado a graduação ou realizado todas as tratativas legais para o ingresso no
ministério pastoral, evidenciam a dificuldade que as igrejas, seus membros e o próprio
corpo pastoral tem em relação ao reconhecimento das mulheres como pastoras. Pois
no caso das esposas de pastores, o que as legitima na grande maioria dos casos não
é a atuação delas, mas o ministério desempenhado por seus maridos.
Legalmente, na igreja metodista, esposas de pastor ou esposos de pastoras
não têm o direito de serem chamados como pastores e pastoras se não tiverem
cumprido as exigências canônicas para tal.
Outra face da discriminação que pastoras sofrem no exercício do seu ministério
pastoral é a generalização da atuação das mulheres no pastorado, fato que não
acontece com os homens. A experiência da pastora Rode na sua primeira nomeação,
ainda como pastora acadêmica, mostra que a comunidade local transferiu as
responsabilidades de experiências frustrantes com outras pastoras para a atuação
dela na igreja local. Informação verbal96 (Rode: Eu era seminarista de quarto ano. Tinha
22 anos na época. Aí eu cheguei lá e fui perguntar qual que era a história. Porque elas
tinham... por que eles tinham esse clima com o ministério feminino? Aí falaram assim: - A
primeira não aguentou ser pastora com a gente. Daí eu olhei e falei: - Por quê?
Porque é assim: - Ah, porque ela era chata. Ela não pregava bem. Não falava bem.
Eu falei: - Ah, por isso não era uma boa pastora? - Não. E a segunda? A segunda a

95 Relato das entrevistadas.


96 Idem.
196

gente não aceitou, nós pedimos para sair porque ela foi cuidar do pai. O pai estava
doente na mesma época que ela assumiu nossa igreja. E o fato dela ter... Ela tem
que... mulher tem que ser assim. Não é pastora? Tem que cuidar. Então entre cuidar
e ser pastora ela escolheu cuidar do pai. E o presidente não aceitou que ela ficasse
com a gente mais. Aí eu falei: - Eu estou lascada. Não é? Primeiro por que eu já tinha
essa frase. E ficou muito marcada na minha vida assim: Você vai ter que limpar tudo
que eles acham que ficou errado para trás porque se você der alguma ‘pisada’, eles
nunca mais. E a gente sabe que tem isso. Tem igreja que pede para o bispo: - Não
mande mulher para mim.
Rispa: É que pastor não erra.
Dorcas: Eu já ouvi falar.
Rode: Não mande mulher para mim.
Dorcas: Eu já ouvi falar.
Rode: Porque daí eu tive que rezar a cartilha deles. A frase é essa. Porque eu sabia
que se eu errasse eles teriam direito de falar assim: - nós tentamos com três. E as três
que vieram pisaram na bola com a gente. Então a gente tem direito de chegar no Bispo
e falar: - Não mande mais mulher para lá. Então foi muito custoso isso).
As experiências que a comunidade teve com outras pastoras foram transferidas
para a relação com essa nova pastora que acabara de assumir. Será que a igreja teve
o mesmo comportamento de transferência de experiências negativas com outros
homens que recém assumiam a comunidade?
Ao que parece o uso das experiências negativas das outras pastoras foi uma
forma de controle da postura da pastora recém-chegada, que preocupada em não
inviabilizar que outras mulheres exercessem o ministério naquela comunidade depois
que ela saísse, cedeu às pressões, agindo como a comunidade queria, ainda que
tenha se violentado para tanto.
A pastora Vasti também traz um relato de discriminação na sua primeira
experiência pastoral, mas diferente da pastora Rode, não foi a experiência frustrante
com outras mulheres ou a pouca idade que deram corpo ao discurso misógino, mas
sim o fato de Vasti ser mulher e negra, assim esse discurso tornou-se racista também,
já que o seu agressor era sua antítese: um homem branco. Informação verbal97
(Vasti: Eu ouvi a seguinte frase na primeira nomeação, em junho, julho, foi na primeira

97 Relato das entrevistadas.


197

nomeação numa igreja, de um senhor da igreja, que ele era bem branco, chegava até
a ser vermelhinho, assim, cabelo vermelhinho. - Pastora, eu tenho que confessar duas
coisas com a senhora. Eu falei: - ‘Vixi’, dia de confissão é bom, vamos lá. O que é
irmão? - Eu tenho duas dificuldades em relação à senhora, uma que a senhora é
mulher, eu não acho que mulher tem que ser pastora porque vocês não são a imagem
de Deus. Falei: -Há controvérsias, mas tudo bem. Qual é a segunda? - Porque a
senhora é negra, eu não consigo aceitar a senhora como pastora.
Pesquisadora: E ele?
Vasti: - Ah, não, pastora, não queria ofender. Eu falei: - Você não me ofendeu, pelo
contrário, eu lhe agradeço porque eu queria que todos os membros tivessem a
coragem que você tem e que fossem sincero, só que eu estou sendo extremamente
sincera pra você, eu não vou mudar, não vou vir de terno, não vou colocar nenhum
enchimento pra você achar que é um pênis, né? Eu não vou, não vou mudar.
Como já explícito, a não aceitação das mulheres como pastoras se expressa
de diversas formas; poucas pessoas têm coragem de assumir de forma explícita como
este senhor fez. Ainda que ele tenha usado o subterfúgio de “não querer ofender”, foi
bem enfático em expressar a sua misoginia e racismo. Vasti também relata a história
de discriminação de uma companheira sua de ministério: Informação verbal98 (Vasti:
eu lembro da Raabe99 falando que tinha gente que perguntava para ela se ela estava
menstruada porque tinha dificuldade de tomar ceia da mão dela porque ela estava[...].
Eu falei, gente, a gente não passa a ‘porra’ da mão em outro lugar, a gente lava a
mão, né? Que loucura, mas aonde vai a cabeça das pessoas.
Pesquisadora: É, é muito... é assustador isso.
Vasti: Pois é. [...] Até eu propus a solução, falei: - Podemos colocar minha tabela
menstrual no boletim da igreja, se calhar de ser o dia da menstruação, você não toma
ceia, problema seu. Mas tinha gente que falava que tinha dificuldade de ver pastora
grávida, né? Então olha que loucura, né? Porque a pastora fez sexo, né? Gente, de
onde que eles tiraram? Mas dá onde que sai, né? Eu sempre... quando eu faço
palestra nos lugares tal, que às vezes eu faço... fazia muita palestra, e aí eu... às vezes
eu toco no assunto, né? Que a questão do machismo no patriarcado, a igreja tem
muita, 99% de culpa, né?)

98 Idem.
99 Nome fictício para resguardar a privacidade da pastora.
198

Vasti traz duas manifestações biológicas das mulheres cerceadas pelo estado
e pela religião: a menstruação e a gravidez, ambas ligadas à capacidade reprodutiva
das mulheres. Trata-se do corpo das mulheres, que quando legislado, pensado
estudado e divinizado, ao longo dos séculos, pelo direito, a filosofia, a ciência e a
teologia, tornou-se pecaminoso e inferior ao corpo dos homens. Segundo a teóloga
católica Liane Berres:

A filosofia clássica e a teologia patrística corroboraram a disseminação de um


dualismo hierárquico. O corpo foi relegado ao universo privado, ao passo que
a cultura e a mente foram associadas ao universo público. A teoria feminista
mostrou que os dualismos existentes foram especialmente perniciosos às
mulheres. A mulher foi identificada com o corpo. Os corpos das mulheres
foram objetificados, e suas experiências, negligenciadas. O homem, por sua
vez, foi identificado com a cultura. A sua proximidade com a cultura e o
universo público foi instrumental para assegurar o seu domínio e poder. Nesta
lógica, ao divinizar a alma e demonizar o corpo, a mulher foi identificada com
o pecado, fraqueza, em suma, tudo o que deveria ser repudiado. Se o corpo
é construção social, o corpo feminino, por sua vez, serviu de motivo para
muitas construções teóricas e teológicas. (Liane BERRES, 2008, apud Lucia
WEILER, Raquel P. PINTO, Sandra M. PIRES, 2008, p.53)

Os discursos teológicos sobre as mulheres não estão isentos das reflexões


feministas das próprias mulheres. Assim, a teologia feminista em diálogo constante
com os feminismos conseguiu não só problematizar as opressões dos corpos das
mulheres, como imaginar, no sentido de criar, novas hermenêuticas para esses
corpos, por isso é possível rejeitar essa opressão, problematizar e recriar as narrativas
e possibilidades. Essa não é uma imaginação no sentido de um devaneio
despreocupado ou indiferente às opressões ainda existentes. A voz da teóloga Ivone
Gebara anima tal movimento:
O que é mesmo meu corpo? Meu corpo sou eu, minha história, minhas
circunstâncias, minhas escolhas, meus pensamentos, meus medos, meus
erros, meus prazeres e minhas dores. Hoje dizemos isso, embora saibamos
que a grande maioria dos corpos de mulheres continua sendo definida a partir
dos corpos masculinos, dos corpos de poder, das autoridades políticas, dos
líderes da economia e da moda, das autoridades das religiões. E nessa
espécie de “produção” de corpos para outros e pelos outros fomos acordando
para uma série de conflitos e contradições que nos habitavam; querendo sair
das prisões que preparavam para nós, denunciamos horrores que
coletivamente nos atingiam. (Ivone GEBARA, 2017, p.80)

A capacidade de afirmar-se em meio às opressões é uma forma de resistir a


elas. A capacidade de se afirmar, de lutar por um lugar de fala, de inventar novas
narrativas são formas de negociação para ocupação de outros espaços e derribada
de históricas hegemonias.
199

Se o movimento feminista tem logrado isso de forma mais efetiva e explícita na


sociedade neste início do século XXI, o ritmo de transformação nas igrejas ainda é
lento e imbricado numa série de dificuldades; no entanto, há resistência, há
mudanças, transformações e libertações. E neste movimento são as mulheres as
protagonistas.
O lugar de fala explicita o lugar social, a denúncia da opressão, mas, também,
a proposição de formas de resistência e insurgência. O que se percebeu é que junto
às discriminações aqui relatadas pelas pastoras, estavam também explícitas suas
formas de resistir e insurgir, e é de extrema valia que sejam evidenciadas.

4.1.3: “Não espere que eu vá ser um homem no púlpito, porque eu sou mulher”:
insurgências necessárias
O último capítulo do livro “O que é lugar de fala?” tem no seu título a seguinte
afirmativa: “Todo mundo tem um lugar de fala” (Djamila RIBEIRO, 2017, p.81). Nesse
capítulo a autora provoca quem lê a pensar o lugar de falar como uma postura ética,
como uma postura de denúncia das opressões e como um lugar que deve servir para
que vozes dissonantes sejam ecoadas, vozes que resistem. “Pensar lugar de fala
seria romper o silêncio instituído para quem foi subalternizado, um movimento no
sentido de romper com a hierarquia, muito bem classificada como violenta por Derrida”
(idem, p.90).
Um silêncio instituído não significa ausência de vozes que se rebelem a ele,
por isso os relatos que as pastoras fazem sobre as discriminações sofridas sempre
carregam suas formas de resistir. Se as discriminações são mais conhecidas e mais
fáceis de identificar, é porque são historicamente denunciadas há muito. O conceito
de lugar de fala provoca a necessidade de evidenciar a voz de quem sofre e,
especialmente, as resistências que dela emergem.
Ainda que não tenha sido a intencionalidade primeira identificar as formas de
resistência, as reflexões sobre as narrativas das pastoras, a partir dos referenciais
teóricos escolhidos, possibilitou identificar essas insurgências, essas formas de
resistência e defesa que serão registradas. Em todas elas, percebe-se que foi a
expressão verbal que imperou. Apenas uma das pastoras relata ter usado o corpo,
especialmente as mãos, neste movimento de resistência: “Aí eu bati a mão na mesa
assim: - Meu irmão, eu que presido a CLAM e esse assunto não terminou” (Informação
verbal, Rispa).
200

Nem todas as atitudes de resistência se manifestaram diante do fato ocorrido.


Algumas resistências são reflexões sobre o que aconteceu, e é interessante perceber
que o grupo focal foi um espaço promotor para essas reflexões.
No exercício de escuta exaustiva dos relatos, decidiu-se agrupar as narrativas
consideradas como resistência, a partir das características que Paulo Freire (1982)
aponta sobre uma igreja que se manifesta de forma profética, contrária às opressões
e preocupada com as pessoas menos favorecidas, como foi explicitado no capítulo 1.
Para Freire (1982), uma igreja profética se compromete da seguinte maneira:
renunciando mitos; transformando a consciência ingênua em crítica, existindo de
forma esperançosa, e valorizando harmonicamente o eu (individualidade) e o nós
(coletividade). Dos quatro princípios citados, a classificação se inspirou nos três
primeiros. Obviamente que a classificação é apenas uma opção didática para agrupar
as narrativas, delimitadas pela pesquisadora como insurgências necessárias.

a) Renúncia dos mitos:


Os discursos míticos sobre as mulheres são geralmente depreciadores das
mesmas e encontram na teologia e, especialmente na religiosidade, fortes canais de
legitimidade. Estes discursos naturalizam as diferenças e reforçam as desigualdades.
Nas expressões insurgentes das pastoras é possível identificar a renúncia a alguns
desses mitos. Informação verbal100 (Segundo Rispa: Se o homem tem um sentimento
de ser durão a gente tem um sentimento de chorar. Mas isso não significa que a gente
seja incapaz. Isso faz parte do nosso próprio ser mulher. Eu acho que a gente não
precisa perder isso para estarmos no lugar onde devemos estar. Pelo contrário. Eu
acho que a gente tem que estar no lugar onde a gente tem que estar do jeito que nós
somos [...]. Não espere que eu vá ser um homem no púlpito porque eu sou mulher. É
isso que eu sou. Então eu acho que a gente acaba sofrendo muito com esse
machismo dentro do próprio Ministério Pastoral, que às vezes, espera que a gente
reaja como homem, quando nós somos mulheres. E deveria na verdade aproveitar
isso também. Porque se por um lado a gente tem alguma sensibilidade diante de
algumas questões da vida, por outro lado isso ajuda também no caminhar da igreja).

100
Relato das entrevistadas.
201

Não existe uma preocupação em se igualar aos homens e tampouco a


necessidade disso, o que se percebe é o pleito de exercer o ministério pastoral como
mulher, não mediante a reprodução de um modus operandi masculinizado. Além
disso, é possível evidenciar que o fato de ser mulher confere ao ministério pastoral
uma diversidade boa e necessária para o bom desenvolvimento da igreja.
As renúncias, os incômodos diante de narrativas que explicitam o preconceito
que embasa as discriminações aqui relatadas é fruto de um movimento de
transformação de consciência, uma transição da consciência ingênua para a
consciência crítica, como se evidencia nas narrativas.

b) Transição para uma consciência crítica:


Para Freire a tomada de consciência significa “muitas vezes o começo da busca
de uma posição de luta” (FREIRE, 1982, p.8). Porque a tomada de consciência da
realidade, ainda que não garanta a luta, abre caminhos para a expressão da
insatisfação. Segundo Freire, “é próprio da consciência crítica a sua integração com a
realidade” (idem, p.105) e a partir daí, surge o seu repúdio às injustiças. Informação
verbal101, segundo Rode: (E eu já vivi uma experiência onde a titular que eu estava na
igreja era mulher e eu também mulher como coadjutor dela. E ela falou pra mim: -
Rode, você aqui se comporte como homem. Uma outra mulher falou para mim isso.
Se vista como eles se vestem. Se comporte como eles se comportam e fale no mesmo
tom que eles. Eu falei: - Ai! Então assim. É uma cobrança muito... Eu falo. Eles são
machistas porque para mim hoje é natural deles. Nasceram assim, foram criados
assim. Eu não sei se vai mudar. Mas eu vejo que entre nós as mulheres, elas não
entendem que elas também têm uma postura, um comportamento machista e que fica
mais feio. Eu não sei se a palavra é um termo. Mas fica pior do que a gente imagina.
Porque eu falo. Eu imagino que um homem faria isso comigo. Não uma mulher. E
você vê a situação e às vezes ela está acima. Daí você olha para a cara e fala: - É
isso então?).
O primeiro passo para a consciência crítica é a tomada de consciência da
realidade, para que em seguida possa problematizá-la. Neste relato, a pastora Rode
se depara com uma realidade presente no ministério pastoral exercido por mulheres:

101
Relato das entrevistadas.
202

a apropriação de uma imagem masculinizada para garantir o respeito dos colegas de


ministério e legitimidade frente à comunidade de fé. É uma pena que seja isso o
escolhido para ser reproduzido. Mas talvez o seja por ser realmente o mais valorizado:
um pastoreio patriarcal.
Muitas mulheres, com o discurso e a forma de discursar, a forma de se vestir, a
forma de se comportar na liderança de algo, refletem posturas masculinizadas e
opressoras. Não há a inventividade para criar alternativas. A consciência crítica do
lugar de “outro” que as mulheres ocupam no ministério pastoral, deveria dar a elas a
possibilidade de criar formas de atuação pastoral a partir de uma nova perspectiva, a
fim de ressignificar as narrativas e comportamentos que denunciem as opressões.
Obviamente que este processo de formação de consciência crítica é longo e deve
ser intencional, tendo como base uma pedagogia libertadora. A ausência de espaços
para que pastoras e pastores discutam, de forma libertadora, a pastoral e
problematizem a teologia vigente, inviabiliza muito a análise crítica da atuação das
mulheres e dos homens e, consequentemente, a possibilidade de existência de um
corpo pastoral mais saudável e menos autoritário.
c) Viver esperançado:
Paulo Freire afirma que “como presença consciente no mundo não posso
escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo” (FREIRE, 2000,
p.113). Viver esperançado é mover-se no mundo de forma comprometida com a sua
transformação. O viver esperançado se estabelece por meio das ações e reações que
levam as pessoas a saírem da apatia, a se arriscarem. Por isso, a insurgência, o
rebelar-se, o reagir é uma forma de viver esperançado. E isso é evidenciado de forma
muito explícita nos relatos da pastora Vasti, aqui destacada como reação referente ao
homem que a rejeitava como pastora por ser mulher e negra: Informação
verbal102(Relato 1 Vasti: E aí eu falei pra ele: - Bom, vou te dar duas soluções:
primeiro você pode ficar em casa aos domingos, a sua família é da igreja, se elas
quiserem ficar com você paciência, mas você pode ficar em casa domingo, tem
Faustão, tem Fantástico, passa futebol, filme, você fica em casa, né? Não precisa vir...
ou segunda: você muda de igreja, vai para uma igreja que tem um homem, né? Que
vá, que faça o culto, porque não é por que você tá me dizendo isso, que você acha

102
Relato das entrevistadas.
203

que eu vou pra casa pedir pro bispo pra sair da igreja, porque não quero atrapalhar a
sua festa, ser pedra de tropeço. Pelo contrário, você não vai ser a pedra de tropeço
na minha caminhada pastoral. Então assim, essa é a solução que eu vou te dar,
enquanto o bispo mandar eu ficar aqui, minha nomeação é até o final do ano, então
até o final do ano o senhor vai ter que me aguentar ou você vai para outra igreja,
porque eu não vou sair daqui porque você não quer.
Pesquisadora: E ele?
Vasti: - Ah, não pastora, não queria ofender. Eu falei: - Você não me ofendeu, pelo
contrário, eu lhe agradeço porque eu queria que todos os membros tivessem a
coragem que você tem e que fossem sinceros, só que eu estou sendo extremamente
sincera pra você, eu não vou mudar, não vou vir de terno, não vou colocar nenhum
enchimento pra você achar que é um pênis, né? Eu não vou, não vou mudar. Então
você vai ter que me aceitar como eu sou, né? Aí ele falou: - É, eu já pensei se isso é
pecado. Eu falei: -É pecado grave, mas aí é seu papo com Deus, né?)
A postura de Vasti em relação ao homem mostra a importância de reagir diante
dos preconceitos e discriminações sofridas; essa postura, ainda que pareça agressiva,
faz-se necessária porque é uma disputa de narrativas e de ocupação de território. As
pastoras já entram na disputa em desvantagem, daí a necessidade de trazer cada vez
mais criticidade para a análise da realidade, a fim de que tal criticidade encontre
caminhos de rejeição a essas situações opressivas.
O diálogo com a pastora Vasti foi muito rico e algo que chama atenção na sua
forma de expressar-se é a linguagem engajada, militante e, especialmente, que rompe
o pudor que se espera de uma pessoa religiosa.
A linguagem é um sistema de poder, daí a necessidade de questioná-la e recriá-
la para ir além das “fronteiras da conquista e da dominação” (bell hooks, 2003, p.226).
Se espera que o lugar de fala impregnado de um viver esperançado tenha espaço
para a diversidade de vozes e de modos de falar, e ainda para o protagonismo de
vozes silenciadas pelo racismo, o machismo e quaisquer outras formas de
discriminação.
A linguagem de Vasti é fruto do seu diálogo com vozes dissonantes, seu viver
esperançado a levou para o exercício de um ministério pastoral para longe do templo:
Informação verbal103...então o meu ministério até... eu falo sempre para os bispos que eu fiz

103 Relato da fala da entrevistada.


204

uma opção e eu prometi pra Deus no dia da minha formatura que eu ia trabalhar com as
pessoas que a igreja não acolhe, que é prostituta, povo de rua, travesti, esse povo não entra
na igreja, né?)
Essa é de fato uma das maiores insurgências identificadas entre as mulheres
que se tornaram sujeitos da pesquisa para a tese. Alguém que se dispõe a dialogar
com um público que não é aceito nas igrejas locais e o interessante é que o tipo de
diálogo traçado não assume um tom proselitista, moralista, antes assume um tom
acolhedor e libertador. Informação verbal104 (Eu quando eu vou na igreja central, numa
igreja assim, na hora do culto, cara, aquela coisa bonita, tal, não sei o que, né? Mas
outra coisa é você ‘tá’ ali com.... Eu nunca esqueço um dia que eu ‘tava’ fazendo culto
lá pro povo de rua, que eu convidei vários pastores ninguém quis ir, vários, ninguém;
“ai, eu não posso” porque quem quer fazer culto pra gente fedida, né? Ninguém quer,
né? Só pra gente bonita.
Ninguém quer fazer pra gente feia, né? E aí um dia tinha um cara lá, ele era gay e ele
‘tava’ chorando, ele falou: - Ai, pastora, eu posso falar com a senhora? Eu falei: - Pode;
e ele falou assim: - Ai pastora, sabe o que houve... eu ‘tava’ chorando porque ontem
à noite eu pensei em me matar, eu e o meu companheiro porque eu sou... eu estou
na rua porque eu sou... meus pais são da igreja Assembleia de Deus e eles me
colocaram pra fora de casa, e eu não tinha emprego e aí eles me largaram na rua e
eu não ‘tô’ aguentando, né? Mas eu gosto muito do meu companheiro, e aí pastora
eu acho que eu ‘tô’ nessa vida porque eu ‘tô’ pecando.”Eu falei: - Não, pára com isso,
meu, você ‘tá’ sendo abençoado, um monte de gente não tem o amor, olha aí, você
‘tá’ na rua, seu companheiro, vocês ‘tão’ na rua, ‘tão’ sofrendo, olha que coisa linda, é
uma novela. Eu falei: - Cara, Deus é amor, Jesus falou pra gente se amar, não ‘tava’
escrito, ó, fulano ama sicrana, fulano ama um sicrano, Falei: - Você ‘tá’ feliz? ‘Tá’
sentindo a Deus? Olha, se é por isso eu te liberto, sinta-se livre, vai viver o seu amor.
Aí ele me abraçou chorando e falou: -Pastora, porque que não tem tantas pastoras
que nem a senhora? Eu falei: Ah, isso é outra coisa, mas olha, sorte sua que você me
achou, sorte sua que eu te achei. Aí eu abracei ele e falei: - Vai em paz, vai em paz,
vai ser feliz, vai ser feliz, eu quero que você arrume um emprego, que você termine
de estudar, que vocês tenham uma casa, que vocês vão viver dignamente, é isso que
Deus quer, vida digna e abundante pra todo mundo.)

104 Idem.
205

Ao que parece o viver esperançado de Vasti renovou a esperança de alguém.

4.3. Considerações sobre a análise

A hipótese de trabalho da pesquisadora era de que a formação teológica da


Faculdade de Teologia da Igreja Metodista (FATEO) é masculinizada e
masculinizante, estabelecida prioritariamente por homens e para homens e, mediante
a análise de dados, conclui-se que tal hipótese se confirma.
A educação teológica masculinizada interfere na prática pastoral das mulheres
na Igreja Metodista. Tanto no espaço acadêmico para formação teológica, quanto no
espaço eclesiástico onde a prática pastoral acontece, as mulheres são testemunhas
ou parte envolvida em episódios de discriminação e perpetuação de preconceitos. No
entanto, não é possível que as atenções e culpabilizações se restrinjam a tais
espaços.
A Faculdade de Teologia e a Igreja Metodista estão inseridas nos contextos da
academia e das religiões e, por isso, acabam transformando-se também em espaços
que reproduzem o que prevalece na academia e na maioria das religiões. No que diz
respeito aos espaços acadêmicos, os estudos decoloniais denunciam a colonização
do saber como estratégia da colonização do poder. Guerrero Arias (2010) afirma que:

La colonialidad del poder ha sido también un escenario que ha posibilitado la


lucha de sentidos por el control de los significados y el control del poder
interpretativo; de ahí que sentipensamos se hace necesario hablar de la
existencia en plural de geo(s) política(s) del conocimiento una desde el
ejercicio del poder, que como lo entiende Walsh opera como una estrategia
vital de la colonialidad modernidad y que busca erigirse como único y
universal horizonte civilizatorio del cual emergen los conocimientos que se
transforman en discursos de verdad necesarios para el ejercicio del poder,
pues son mostradas como únicas e inobjetables verdades sobre el mundo, la
humanidad, la naturaleza y la vida, y conducen a la subalternización, a la
invisibilización y el silenciamento a otros conocimientos y a los sujetos
productores de conocimientos, a quienes también silencia, oculta, invisibiliza
(ARIAS, 2010, p.29)105.

105 A colonialidade do poder também tem sido um cenário que tem possibilitado a luta de sentidos pelo
controle dos significados, e o controle do poder interpretativo; daí que sentipensamos se faz necessário
falar da existência plural de geo(s) políticas(s) do conhecimento a partir do exercício do poder, que
como entende Walsh, opera como uma estratégia vital de colonialidade modernidade e que busca
erigir-se como único e universal horizonte civilizatório do qual emergem os conhecimentos que se
transformam em discursos de verdade necessários para o exercício do poder, pois são mostradas como
únicas e incontestáveis verdades sobre o mundo, a humanidade, a natureza e a vida, e conduzem a
subalternização, a invisibilidade e ao silenciamento de outros conhecimentos e dos sujeitos produtores
de conhecimento, aos quais também silenciam, ocultam e invisibilizam (Tradução livre).
206

Na disputa acadêmica das narrativas e do lugar de narração, o saber legitimado


é branco, eurocêntrico e masculino, sendo a academia o seu lugar por excelência. No
entanto, outras vozes e outros sujeitos sempre se colocam de forma insurgente,
garantindo vitalidade a essa disputa. É preciso resistir e persistir em ocupar a
academia, produzir outras narrativas que afirmem e legitimem saberes decoloniais,
narradoras e narradores historicamente excluídos. Esse movimento precisa se
traduzir também na luta para a construção e implementação de epistemologias
resistentes ao saber hegemônico, como é o caso da epistemologia feminista. Não
adianta que a diversidade de corpos adentre o espaço acadêmico, sem que as
universidades tenham o saber instituído e o seu lugar androcêntrico de fala
questionado e desconstruído.
No caso do saber teológico, é inegável que as epistemologias feministas
colaboram para que enganos sejam desfeitos, narrativas e histórias de mulheres na
Bíblia sejam descobertas e ressignificadas, e a imagem de Deus seja construída sobre
outras perspectivas. Informação verbal106, duas narrativas da pastora Vasti apontam
caminhos: (Relato 1 Vasti: Então é muito... é muito complicado, então... enquanto a
gente ainda falar, eu quando vou fazer alguma ceia eu nunca falo: - Deus é pai. Deus
é Deus, né? Quando a minha filha perguntou pra mim: -Mãe, o que que é Deus?, eu
falei: - Deus é o vento, você sente o vento? Sente o vento. Você vê o vento? Você
não vê o vento, mas você sente o vento, se vem a ventania, sabe que ele existe, não
é? Ele refresca, às vezes, né? Acontece alguma coisa, mas Deus tá sempre
modificando alguma coisa. Deus é isso filha, a gente não vê. - E mãe, o que que é a
trindade? Eu falei: - Ah, é uma bobagem que o povo inventou pra justificar algumas
coisas assim: Deus é Deus, Jesus é Jesus, Espírito Santo é Espírito Santo.
Pesquisadora: E ‘tá’ tudo bem.
Vasti: - ‘Tá’ tudo bem filha, não precisa ficar preocupada com mais nada. Então essa...
essa imagem que é passada à igreja, da família ideal, da mulher submissa, do Deus
de barba, né, e branco e do Jesus moreno de olho azul... enquanto isso não mudar,
nossa, ninguém vai ser feliz.
Relato 2

106 Fala da entrevistada.


207

E aí a filha da minha amiga, uma vez ela... ela tinha 6 anos, ela voltou da igreja, né?
Elas estavam na Alemanha aí ela... a igreja, né? Tal, teve aula de religião [...]. Ela
falou assim: - Mãe, a professora falou na escola que Deus é homem, Deus é pai, mas
a gente não fala que Deus é mãe? Que Deus é mulher? Aí ela falou:- Aí, antes que a
mãe respondesse, ela falou: - Ah já sei, Deus é um casal. Aí ela falou: - Isso minha
filha, Deus é um casal).
O ensino teológico colabora no fortalecimento do exercício da espiritualidade,
e quando ressignificado sob uma perspectiva libertadora, pode ser tornar um aliado
na eliminação das violências perpetradas contra as mulheres e outros grupos
subalternizados. A reflexão da pastora Vasti também caminha nessa direção: Não, a
gente não vai avançar. Eu falo isso ‘pras’ minhas amigas feministas. Falo: - Gente,
enquanto vocês não trabalharem a questão da religião com mulher porque o que
vocês falam hoje aqui o pastor vai desconstruir em dois palitos na igreja e adivinha
em quem que elas vão acreditar? Não vai ser em vocês, vai ser no pastor que diz que
ela tem que orar, que (o marido bate).Ainda temos uma sociedade machista,
masculinizada e que se compromete em masculinizar as narrativas e restringir
espaços a grupos que ela marginaliza, como é o caso das mulheres).
Por isso, a Faculdade de Teologia, que vem colaborando de forma muito
positiva na formação de pastoras e pastores da Igreja Metodista, pode avançar em
seu projeto pedagógico para a função ministerial. Dentre tantas direções, as narrativas
mostram, que é preciso problematizar os espaços clericais, a própria educação
teológica oferecida, levando em conta as discriminações que as mulheres sofrem. Isso
colabora com o desmantelamento da sociedade machista, masculinizada, que Vasti
denuncia em sua fala.
É nesta sociedade que as brechas são abertas até se transformarem em
fendas. Brechas são as insurgências, silenciosas ou não, que propiciam a construção
de novos saberes e narrativas problematizadoras, denunciantes e comprometidas
com a transformação social. Foi nessa direção que a pesquisa se estabeleceu e a
tese se comprometeu em explicitar narrativas das pastoras.
208

CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Todo ponto de vista é a vista de um ponto”, poetiza Leonardo Boff. É assim
que classifico esta tese: uma leitura, das muitas que podem existir sobre a formação
teológica para o ministério pastoral. Além de ser uma leitura é, principalmente, a minha
leitura. Por isso, me aproprio do meu lugar de fala escrevendo as considerações finais
em primeira pessoa.
A minha leitura é localizada no tempo e no espaço. Ela acontece a partir de
onde a minha cabeça pensa e os meus pés pisam (BOFF, 1997). Olhos, cabeça, pés,
ou seja, todo meu corpo tem tomado partido das narrativas e estudos feministas para
suspeitar das relações sociais, evidenciar os preconceitos e denunciar as
discriminações. Neste sentido, minha vida acadêmica tem se configurado entorno da
análise da realidade, a partir da teorização comprometida com reflexões teóricas
emergentes da militância, que como diz Paulo Freire (2000), tem em si a consciência
da sua presença no mundo imbricada com o direito e o dever de muda-lo.
Esta tese de doutorado torna-se assim a confluência da minha militância e do
meu desejo de conhecer mais sobre formação teológica e ministério pastoral, temas
tão importantes na minha trajetória de vida. Ao decidir estudar este tema, o fiz a partir
da minha formação em educação escolhendo escutar e interagir com as narrativas de
pastoras metodistas, minoria no exercício dessa função ministerial, e minhas
companheiras de ministério.
A estrutura patriarcal em que a sociedade está inserida se evidencia nas igrejas.
Muitas delas sequer concebem a ordenação de mulheres ao ministério pastoral. As
que já regulamentaram a participação das mulheres como pastoras, têm seus espaços
de poder majoritariamente ocupados por homens. Ao que parece, em muitas igrejas,
mulheres e homens têm lugares bem definidos e estão longe de estabelecer uma
relação de igualdade de oportunidades.
Muitas perguntas surgiram durante a construção do projeto. Entre elas escolhi
uma para nortear a tese: qual a percepção das pastoras sobre a formação dada pela
faculdade de teologia para o exercício do ministério pastoral?
As narrativas das pastoras participantes mostraram que elas entendem que a
formação teológica vivenciada na FATEO foi extremamente positiva. Forneceu muitos
subsídios teológicos e pastorais para o exercício do ministério. Diferente do que eu
209

acreditava, elas não reconheceram que a ausência de estudos sobre teologia


feminista foi um limitador para a formação teológica, como eu acredito.
Enxergo a FATEO como um centro de excelência do ensino teológico no Brasil,
por isso tem recebido alunas e alunos de várias igrejas cristãs. No entanto, acredito
que seria bom que ela se preocupasse de forma mais sistemática com a discussão de
teologias mais progressistas, especialmente a feminista e a negra. Ainda que esta
última não tenha sido alvo de discussão da tese, gostaria de citá-la aqui.
Ao que parece, essas teologias permeiam o cenário de reflexão da FATEO,
mas como apêndice. O que quero dizer ao tomar emprestada da pastora Vasti a
expressão “como apêndice”? Identifico que essas teologias, bem como os estudos de
gênero, ficam restritos a poucos espaços formativos na trajetória da educação
teológica da referida faculdade.
A partir das narrativas das pastoras e da pesquisa bibliográfica realizada,
percebi que o ensino da teologia feminista se deu por meio de uma disciplina eletiva
e ficou restrito a uma época, a década de 90. A teologia feminista tem se perpetuado
na FATEO de forma muito reduzida. Seu ensino acontece por meio de palestras,
Semanas Wesleyanas, atividades do Centro Otília Chaves, ou como consequência do
percurso acadêmico individual de professoras e professores.
A hermenêutica feminista pode ser um dos eixos epistemológicos na reflexão
teológica e pastoral. Ela pode colaborar de forma significativa para pensar as relações
eclesiásticas, já que a igreja é composta em sua maioria por mulheres. Além disso,
acredito que o ensino da teologia feminista colaboraria para a problematização do
ensino teológico masculinizado e para a emancipação de mulheres e homens quanto
ao seu papel pastoral nas comunidades de fé.
A emancipação dos seres humanos requer o respeito à individualidade. As
narrativas das pastoras mostraram que as mulheres são desrespeitadas em sua
identidade e individualidade. Elas foram alvos de piadas preconceituosas,
discriminações e objetificação sexual no período sua formação teológica. Obviamente
que tal consideração não deseja responsabilizar a Faculdade de Teologia por isso,
seria um comportamento injusto e reducionista. As mulheres sofrem discriminação e
são objetificadas em várias instâncias da sociedade. A partir das narrativas, percebe-
se que as discriminações aconteciam mais especificamente nas relações entre alunas
e alunos.
210

Ao se relacionar os relatos das mulheres participantes dos primeiros encontros


de pastoras e acadêmicas de teologia, às narrativas das pastoras participantes do
grupo focal e da entrevista, é possível identificar a confluência no que diz respeito às
violências sofridas pelas mulheres.
As violências sofridas no percurso acadêmico foram relatadas pelas
participantes do grupo focal em tom de indignação. A tomada de consciência destas
violências é um primeiro passo para a superação. Para evoluir para uma consciência
crítica sobre isso, precisa-se de mecanismos educativos que problematizem, a partir
de uma perspectiva libertadora, essas situações. Reconhecer tais atitudes como
expressão de machismo e misoginia é o primeiro passo, mas é preciso seguir adiante
e se comprometer com a denúncia e a eliminação dessas atitudes.
Volto a afirmar que não atribuo a FATEO nenhuma responsabilidade de
fomento a tais atitudes, entretanto destaco que não ficou explícito nas narrativas das
pastoras, que a faculdade tenha desenvolvido iniciativas pedagógicas específicas que
tenham a ver com a formação teológica para superar tais problemas. No entanto, isso
não apaga a boa reputação que a FATEO, por meio da sua equipe e do seu fazer
pedagógico, adquiriu com as pastoras entrevistadas.
A formação teológica não se reduz às aulas regulares dos cursos de
graduação. A FATEO além da educação teológica nas salas de aulas, possibilita
outros espaços formativos para os acadêmicos e acadêmicas de teologia. Algo de
extrema valia para a ampliação da gama de conhecimento do corpo discente. Algumas
pastoras do grupo relataram seus interesses em aproveitar todas as oportunidades
oferecidas pela faculdade. Independente da opção que o(a) estudante faça, as
oportunidades são oferecidas, e isso é muito bom. Atualmente com a crise das
instituições de educação, acredito que essas oportunidades têm se reduzido, mas é
evidente que há uma preocupação em oferecer outros espaços de formação.
A preocupação formativa da FATEO extrapola o seu público docente, ela
também oferece oportunidades de formação continuada para pastoras e pastores que
estão no ministério pastoral, além de colaborar na formação dos membros leigos(as)
da igreja, apoiando os grupos representativos de crianças, adolescentes, jovens,
mulheres e homens que compõem as comunidades de fé.
As narrativas das pastoras evidenciaram outros espaços que colaboraram na
sua formação teológica para a prática pastoral, a saber: a família, as igrejas, pastoras
211

e pastores, a rua e os movimentos sociais. Uma diversidade de espaços. Percebo que


existe por parte de algumas igrejas, pastoras e pastores que enviam candidatas e
candidatos para FATEO, uma preocupação com o ensino que essas pessoas
receberão lá.
Paira no ar a desconfiança, uma ameaça eminente de que os estudos
teológicos colaborem para o enfraquecimento da espiritualidade do(a) educando(a).
Essa é uma postura equivocada que colabora para dificultar o processo de
conscientização crítica que uma pessoa experimenta na educação, especialmente a
libertadora. A desconfiança pode gerar por parte de quem enviou, a necessidade de
mecanismos de controle para que acadêmicos(as) não se desviem da fé. Dependendo
de como a pessoa responda a tais cobranças ou se aproprie desse temor, ela acaba
rechaçando a educação teológica. Ainda que outros espaços formativos sejam de
grande valia na formação para o ministério pastoral, o espaço formal para a educação
teológica é prioritário e primordial.
A velha dicotomia entre teoria e prática se expressa na trajetória profissional
das pessoas graduadas, independentemente do curso. No cenário eclesiástico não é
diferente. Há uma distância entre o ensino teológico e o exercício do ministério
pastoral nas comunidades de fé. Uma das pastoras participantes apresentou essa
perspectiva afirmando que ainda que a educação teológica forneça a base para a
atuação pastoral, existem situações que emergem da prática que só a vivência no
ministério é que dará condições para superar certos desafios que se apresentam na
caminhada.
A formação pastoral, portanto, extrapola o curso de graduação em Teologia.
Seria interessante que o Colégio Episcopal pensasse de forma mais amiúde,
sistemática e pedagogicamente esse processo de formação que acontece após a
graduação, pois além dos retiros que os alguns bispos(as) fazem como novos
pastores e pastoras, a formação tem se resumido à participação em reuniões da
comissão ministerial, entrega de trabalhos a essa comissão e cumprimento de
exigências documentais.
O ministério pastoral e toda a sua complexidade também foi alvo das narrativas
das pastoras. Por meio da análise, pude concluir que se a formação da FATEO
instrumentaliza pastoras e pastores para o exercício do ministério pastoral, ela não
consegue interferir para que aconteça a eliminação dos preconceitos e discriminações
212

que as pastoras sofrem no exercício do seu ministério. Por outro lado, também não
existe nenhuma iniciativa por parte das regiões eclesiásticas ou do próprio Colégio
Episcopal que demonstre a preocupação em identificar e combater tais
discriminações. Sendo a FATEO um órgão subordinado à Igreja, vejo que seria muito
interessante que tal iniciativa surgisse das estruturas governamentais, mas não
acredito que isso aconteça como política de governo eclesiástico, pois este é um
assunto silenciado nas estruturas administrativas, ainda que muito evidenciado nas
narrativas de mulheres que exercem o ministério pastoral.
Se não há nenhuma iniciativa das estruturas de governo da Igreja Metodista,
tampouco existe, atualmente, iniciativas emergentes da base, isto é, das próprias
pastoras. Acredito que muitas pastoras que descobriram a necessidade do
enfrentamento ao machismo para sobrevivência no ministério pastoral, não possuem
reflexão teórica para tal. Suspeito que suas ações de superação e combate das
discriminações são fruto das experiências surgidas na prática pastoral cotidiana e não
possuem vinculação direta com a educação teológica vivenciada durante o curso de
Teologia, um tema a ser explorado posteriormente como pesquisa.
Se a formação teológica é masculinizada e masculinizante, a prática pastoral
também o é. Por muito tempo as mulheres tiveram negado o seu direito de ingresso
ao ministério pastoral. Desde que isso começou a ser possível, o ministério pastoral
exercido por mulheres tem sido denominado como ministério pastoral feminino. Será
essa uma classificação adequada? Para mim, o ideal é que não haja essa adjetivação
em relação à prática pastoral das mulheres. As reflexões realizadas nesse tempo de
estudo me levam a crer que, mais coerente do que nomear a atuação pastoral das
mulheres como ministério pastoral feminino, seja fazê-lo usando a expressão
ministério pastoral exercido por mulheres.
Algumas pastoras participantes afirmaram a existência das peculiaridades na
forma das mulheres exercerem o ministério, por isso o classificam como ministério
pastoral feminino. Outras rejeitaram essa nomenclatura. Acredito que tais
peculiaridades existem e precisam ser mais estudadas para que não possamos
incorrer na afirmativa que o ministério pastoral feminino carrega uma forma feminina
de agir ministerialmente. Corre-se o risco de validar a velha categorização binária que
os estudos de gênero já subverteram com maestria.
213

Acredito que a adjetivação do ministério pastoral como feminino, relativiza as


mulheres em relação aos homens, colocando-as em uma posição que Simone du
Beavoir (2009) classificou como o Outro, já tratada no capítulo 2. A mulher acaba se
definindo a partir do homem, que não classifica o seu ministério pastoral como
masculino. Essa adjetivação, na minha percepção, valoriza e reafirma a hierarquia
existente entre pastores e pastoras. Hierarquia que mesmo subsumida na lei canônica
e nos regulamentos eclesiásticos, segue forte no imaginário das religiões, portanto,
das igrejas, dos(as) fiéis e dos próprios pastores e pastoras.
As narrativas me levaram a concluir que é importante trabalhar para que haja o
aumento da presença das mulheres no quadro docente da Faculdade de Teologia, a
inclusão da teologia feminista na grade curricular como disciplina obrigatória e o
fomento de políticas eclesiásticas que garantam ações afirmativas para a formação
das mulheres, para a erradicação das desigualdades de gênero e a promoção de
relações sociais mais saudáveis. Sobre isso, algumas considerações precisam ser
feitas.
O aumento da presença das mulheres na docência na Faculdade de Teologia
não é a garantia da desconstrução de uma teologia masculinizada. Ainda assim,
advogo a necessidade de que às mulheres, sejam oferecidas possibilidades de
formação e ingresso nos quadros docentes. Isto é parte da reparação histórica que a
instituição eclesiástica deve às mulheres. Por muito tempo, a igreja deslegitimou e
impediu legalmente o ingresso e a participação delas no ministério pastoral.
A inclusão da teologia feminista na grade curricular como disciplina obrigatória,
também não garante a desconstrução de uma teologia masculinizada. No entanto,
advogo em favor desta inclusão. A teologia feminista e a teologia negra devem fazer
parte do currículo da FATEO. A concepção de educação teológica da Igreja Metodista
preconiza o exercício de compreensão e confronto da história à luz dos valores do
Reino de Deus para que, os membros da igreja – leigas(os) e clérigas(os) – possam
ter uma atuação profética. Para que isso aconteça, a educação precisa ser profética.
Para Paulo Freire (1986), uma educação profética é transformadora e, por isso,
se preocupa em compreender o concreto, a realidade, para propiciar mudanças
estruturais. Neste sentido, a teologia feminista e a teologia negra têm muito a
contribuir. Elas nascem a partir da militância. Surgem como clamor, questionamento
e posicionamento de grupos desfavorecidos politicamente, evidenciando os lugares
214

de fala de mulheres e homens, problematizando estes espaços, e requerendo a


escuta de suas narrativas de resistências e insurgências.
A inclusão destes temas no currículo se tornaria mais um diferencial curricular,
além dos já existentes. Possibilitar que alunas e alunos tenham acesso a esses
conhecimentos, é semear a possibilidade de ressignificar a prática pastoral e o fazer
teológico para a maioria da população brasileira, de maneira geral, e das pessoas que
compõem a maioria das igrejas, especificamente.
Acabamos de afirmar que a diversificação do corpo docente e a inclusão da
teologia feminista, ainda que necessárias, não garantem a desconstrução de uma
teologia masculinizada e masculinizante que, historicamente, tem apresentado
dificuldades em incluir as mulheres e suas reflexões. Como agir para que a formação
teológica siga rumos diferentes e mais assertivos em relação aos valores do Reino de
Deus que circundam em torno da paz, da equidade e da justiça? Me arrisco a
colaborar com algumas percepções.
A Teologia Feminista é importante, no entanto, mais necessário ainda é
desenvolver um modo feminista de fazer teologia. O que quero dizer com isso? O
aumento do número de mulheres na composição dos quadros docentes da FATEO é
necessário, mas o questionamento da hegemonia da autoria feminina no corpo teórico
apresentado na FATEO é urgente. É preciso deslocar o conhecimento.
O papel educativo da FATEO é fundamental na formação de quadros pastorais
que levem em consideração a superação das desigualdades e discriminações de
gênero. No entanto, sua atuação é limitada e regulamentada pela estrutura
eclesiástica que, muitas vezes, reprime e adverte a Faculdade para que esta não
assuma uma postura mais profética e, portanto, transgressora da realidade.
A instituição eclesiástica e as instituições de ensino teológico, não estão em
lados opostos, são a mesma instituição. Em se tratando do valor que a educação
possui na tradição e trajetória do metodismo no Brasil, a igreja não pode só fornecer
as diretrizes a serem seguidas. Ela precisa se abrir para o diálogo, para a escuta, para
uma avaliação crítica sobre o processo que tem desenvolvido no que diz respeito à
educação teológica, que atualmente não se restringe à FATEO. Não é trocando
docentes que as dificuldades se resolvem. É um erro depositar um problema estrutural
na conta de poucas pessoas que se posicionam, às vezes, contrariamente ao que a
igreja tem entendido como diretriz.
215

O foco desta tese é a reflexão sobre a formação teológica no que diz respeito
a suas dificuldades em superar as desigualdades de gênero, mas existem outros
problemas tão relevantes quanto este, que tem carecido do fortalecimento do diálogo
do governo e administração da Igreja com as instâncias de educação teológica.
Políticas afirmativas são necessárias no processo de emancipação de
populações historicamente excluídas, são necessárias para que relações de equidade
sejam viabilizadas. Pensar na diversidade do corpo docente da FATEO, no que diz
respeito a participação mais igualitária entre mulheres e homens, é se deparar com a
necessidade de pensar um projeto de formação que estimule as mulheres para
ingressarem na formação específica, levando-se em conta aqueles núcleos do saber
hegemonicamente masculinos, como é o caso da teologia sistemática e dos estudos
wesleyanos.
Ao me deparar com as narrativas das mulheres sobre a sua formação teológica
na Faculdade de Teologia e evidenciar que de fato ela é masculina, feita por homens
e para homens, entendo que tal educação seja parte de uma estrutura social e
acadêmica comprometida com epistemologias que estabelecem e perpetuam
preconceitos, desvalorizando a participação das mulheres na construção dos saberes
considerados e legitimados científicos. Porém, não me conformo com isso e acredito
imbuída da esperança freireana que a educação problematizadora liberta.
A despeito de todas as limitações que acontecem com a formação teológica
que está debaixo de um governo episcopal também de maioria masculina e
masculinizante, acredito que ela é um importante veículo na construção de novas
relações eclesiásticas onde as mulheres como pastoras, docentes ou em outras
funções administrativas sejam respeitadas e não discriminadas ou impedidas de
ocupar esses espaços. Neste sentido, acredito que esse compromisso tem que ser
assumido não só pela FATEO, mas por todas as instâncias de formação teológica que
a Igreja possui e regulamente por meio da CONET, um órgão que também merece
atenção acadêmica de quem ama e colabora para a formação teologia na vida da
Igreja Metodista.
Ainda que esta tese tem centrado seu interesses e esforços para problematiza
a formação teológica na Igreja Metodista, esta não acontece desarticulada da
sociedade brasileira. Ao contrário, é muito influenciada por ela. Por isso, ao se lutar
por mudanças nas instituições religiosas, se luta também por mudanças na sociedade,
216

no país, que sob a égide de uma constituição laica, tem presenciado em diversos
cenários, educacionais, políticos e midiáticos, a interferência funesta dos
fundamentalismos religiosos, que tem interferido na conquista histórica de direitos das
populações marginalizadas politicamente. Colaborar com a reflexão sobre a formação
teológica é pensar em formas de combater ativamente essas posturas
fundamentalistas, hoje bem evidenciadas por meio das igrejas evangélicas.
Por isso sigo, escutando, aprendendo e recontando histórias. Ouvindo, lutando,
evidenciando e respeitando o lugar de fala de quem tem sido politicamente
discriminada. Esta tese ao mesmo tempo que emerge da minha militância, me
instrumentaliza no processo insurgente e profético de construir, em sororidade,
espaços educativos formais e não formais para que, especialmente, mulheres, leigas
e clérigas, tenham condições de superar as violências, combater as discriminações e
protagonizar narrativas encharcadas da liberdade de “ousar pensar e sentir o mundo
de maneira diferente” (Ivone GEBARA, 2017, p.11).
Para mim, a poesia é onde tenho encontrado refúgio para ousar pensar, sonhar
e sentir o mundo de maneira diferente. É com poesia nascida em mim enquanto
escrevia esta tese, que termino essas considerações.
Porque a vida suspira,
Ela conspira.
Porque a vida canta,
Ela encanta.
Porque a vida é boa, conspiração e cantoria,
Eu quero é mais poesia.
***************
De peito aberto,
O fruto certo
É a luta.
Sob o sol ou sob a lua,
Há mulher na labuta.
Pode falar!
Pode falar!
Pode falar!
Não vamos mais nos calar.
217

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Conferência Doutrinária – bispo Luis Vergílio

Dons e Ministérios
Introdução:
Este tema dos dons e ministérios, em nossa eclesiologia Metodista, tem
seus fundamentos no Sacerdócio Universal de Todos/as os/as cristãos/as na
perspectiva de uma vocação voltada à serviço da missão do Evangelho de
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Assim, a nossa formação docente
cristã, através da prática cúltica, sermões, estudos bíblicos, da ED, do
Discipulado, da confessionalidade manifesta, nas diversas instâncias e órgãos
da Igreja, estão direcionadas para o fato de que os/as metodistas são
chamados/as por Deus e preparados pela Igreja, sob a unção do Espírito
Santo, cumprirem sua missão de testemunho, serviço e evangelização do
mundo. (PNM p. 17).
1. Carisma
A Palavra Carisma significa basicamente "um dom". (Referência as bens
adquiridos "apo agorasias" - por compra e bens adquirido "apo charisma" -
por dádiva. É utilizada, basicamente no NT, pelo apóstolo Paulo no contexto
de sua missão pastoral entre gentios (entre romanos, corintianos e
palmeirenses). Em seu ministério em Roma (Rm. 1.11) o apóstolo pretende
transmitir alguma charisma, ou seja "dádivas da graça". Aos irmãos e irmãs de
Corinto exorta a procurarem as melhores charismatas (1 Cor. 12.31).
Carismata se constituem nas graças da vida cristã.
Carisma é, também, graça e perdão, é contraste entre pecado que gera morte
e graça que gera vida. "O salário do pecado é a morte, mas o charisma de
Deus é a vida eterna em Cristo" (Rm. 6.23).
2. Carisma e Igreja
Os charismas são dons concedidos por Deus ao Corpo de Cristo, Igreja,
para o cumprimento de sua missão. É carisma concedido para cada discípulo
e discípula no ambiente do Corpo, na diversidade de sua composição e na
unidade de sua visão missionária. A concessão dos dons está
indissociavelmente, ligada ao exercício de ministérios de serviço para a
edificação do próprio Corpo e para a evangelização do mundo. Rm. 12.6-8

2 Teresópolis 3 a 10 de julho de 2016



estabelece uma lista de ministérios, 1 Cor. 12. 8-10 outra lista e, ainda, em
1Cor. 12.28-30, indica que os dons são diversos.
É Como reafirma a carta pastoral sobre Dons e Ministérios quando diz que
"os ministérios respondem aos imperativos do Reino de Deus, às
necessidades do Corpo de Cristo e da comunidade humana".
Contrario ao senso comum, a diversidade dos dons, com a consequente
diversidade de ministérios, não concorrem a ruptura, mas a unidade do Corpo.
Conclusão: Institucional e o Bíblico Teológico
Qualquer organização humana lida com o poder institucional. Isto não é
diferente da Igreja. Até o ano de 1987, nós nos organizávamos em termos de
cargos e funções institucionais
No Concilio Geral de 1987, aprovou-se o Programa de Dons e Ministérios,
como uma forma de organização das comunidades locais. Buscou-se, com
esta decisão, retomar o caminho bíblico e teológico do sacerdócio de todas as
pessoas, e desafiando-as6 a servir a Deus com seus dons em ministérios.
Definimos, também, que os ministérios essenciais a igreja metodista se
expressam através de sua Ação missionaria, Ação Docente, Ação social, Ação
Administrativa e Ministérios com Crianças.
Nesta última década temos tido uma atenção maior voltada para o
Discipulado. E, por vezes, suscita-se uma dúvida no sentido de que uma Igreja
Organizada em Dons e Ministérios poderia ser incongruente com uma igreja
de Discipulado.
Afirmamos no PNM que o Discipulado precisa ser compreendido como um
modo de ser igreja e que ser discípulo e discípula de Jesus é uma exigência
do próprio Evangelho.
Isto implica no reconhecimento de que o Discipulado trata da inserção de cada
discípulo e discípula de Jesus, na vida comunitária, formando o caráter cristão
e o desenvolvimento dos dons, visando o fortalecimento da ação ministerial da
Igreja. Tratam-se, portanto, de ações que permitam a caminhada de cada
crente no caminho da santidade bíblica de forma complementar e na visão do
metodismo como movimento de santidade pessoal e social.

3 Teresópolis 3 a 10 de julho de 2016



Conferência Doutrinária – bispa Marisa de Freitas Ferreira

Escola Dominical
Relembrar a história da escola dominical, rever o surgimento
dela no decorrer da história
A escola dominical não é apenas bíblica. NO seu início ela era
espaço de cuidado com crianças e até de alfabetização delas e de
familiares, a partir das escrituras.

1. Salmos 119: 105 “lâmpada para os meus pés...”sem ela


podemos perder o rumo
2. Provérbios “ensina a criança o caminho...”não é
dispensável
3. Mateus 22: 29 Jesus: “errais porque não conheceis as
escrituras e nem o poder de Deus...” Precisamos do poder,
mas, também do conhecimento da palavra.
4. Quadrilátero wesleyano: criação/experiência/tradição/razão.
A bíblia é o centro para estes quatro pilares.
5. Escola dominical e discipulado são diferentes
No discipulado a ênfase é em Jesus sendo a vida
Na escola dominical o estudo é sistemático, é a busca do
conhecimento.
Romanos 12: 3 “Por causa da bondade de Deus para comigo,
me chamando para ser apóstolo, eu digo a todos vocês que não se
achem melhores do que realmente são. Pelo contrário, pensem
com humildade a respeito de vocês mesmos, e cada um julgue a si
mesmo conforme a fé que Deus lhe deu.”
O estudo da palavra nos dá este limite a fim de que não nos
percamos em nossas própria idéias

Ex.: Pelos frutos os conhecereis:

Que frutos? Número? Caráter? Visão missionária?


4 Teresópolis 3 a 10 de julho de 2016



Conferência Doutrinária – bispo Carlos Alberto Tavares

Discipulado e Missão

1. Conceituação
A grande comissão é fazer discípulos (Mateus 28:19)
O discipulado precisa ser compreendido como um modo de
ser igreja
Discipulado metodista
a) Estilo de vida em que Cristo é o modelo
b) Método de pastoreio no qual o/a pastor/a dedicam mais atenção
aos grupos pequenos
c) Estratégia para o cumprimento da missão visando a
evangelização e o crescimento

2. Estratégia e estratégias
A variedade de estratégias, suas origens e aplicações

3. Trilho
É o caminho por onde desejamos andar
Nos leva a identificar o caminho onde estamos e onde queremos
chegar, o que precisamos fazer entre um ponto e outro
Precisamos de um trilho mínimo baseado na mesma
conceituação do discipulado, para gerar unidade na prática do
discipulado e missão, e no que for diferente servindo de
enriquecimento na troca de experiências durante a caminhada
missionária da igreja.
Somos frágeis nessa área e por isso encontramos grandes
dificuldades em ter discipulado como estilo de vida com grande
influência no crescimento de igreja.

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Conferência Doutrinária – bispo Paulo Lockmann

Uma Eclesiologia Bíblica


A Igreja o Corpo de Cristo “Ora, vós sois corpo de Cristo; e,
individualmente, membros desse corpo”. (1Co 12.27)
1) A Igreja como propósito de Jesus.
“Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. (Mt.16.18)
1) A Igreja como propósito de Jesus.
Jesus é o fundador da Igreja, o Senhor e o Mestre da Igreja. Paulo escrevendo
aos Colossenses diz: “Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o
primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia”. (Cl.
1.18)
A Igreja é o próprio Corpo de Cristo. Quem agride a Igreja, quem fere a Igreja,
agride e fere a Cristo.
2) A Igreja é alvo do amor de Cristo.
“Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo
se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da
lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa,
sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem
defeito”. (Ef. 5.25-27)
2) A Igreja é alvo do amor de Cristo.
Por isso Cristo deseja que a Igreja seja espiritualmente bem alimentada,
segura, radiante, afinal é a comunidade dos salvos, Ele deseja que ela seja
Santa, como Ele é santo.
3) A Igreja como um corpo unido
1 Coríntios 12 é reconhecidamente o hino aos dons espirituais e seu papel no
corpo.
a. A Igreja e a ação de Deus nela é trinitária:
“Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há
diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas
realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos”. (1Co. 12. 4-
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6)
b. São muitos os dons e os ministérios, mas um só Espírito opera todas
as coisas:
“Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas
estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz,
a cada um, individualmente”. (1 Co. 12.11)
c. A marca da Igreja enquanto Corpo de Cristo é a unidade:
“Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os
membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito
a Cristo. Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo,
quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado
beber de um só Espírito”. (1 Co. 12. 12-13)
d. Outra marca da Igreja é a diversidade:
“Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se disser o pé:
Porque não sou mão, não sou do corpo; nem por isso deixa de ser do corpo.
Se o ouvido disser: Porque não sou olho, não sou do corpo; nem por isso deixa
de o ser. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse
ouvido, onde, o olfato? Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um
deles no corpo, como lhe aprouve. Se todos, porém, fossem um só membro,
onde estaria o corpo? O certo é que há muitos membros, mas um só
corpo”.(1Co. 12.14-20)
e. Por fim não há corpo sem mutualidade:
“Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça,
aos pés: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que
parecem ser mais fracos são necessários; e os que nos parecem menos
dignos no corpo, a estes damos muito maior honra; também os que em nós
não são decorosos revestimos de especial honra. Mas os nossos membros
nobres não têm necessidade disso. Contudo, Deus coordenou o corpo,
concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para que não haja
divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado,
em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem
com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam. Ora, vós sois
corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo”. (1Co. 12. 21-27)

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Conferência Doutrinária – bispo Adonias Pereira

Ministério Pastoral
Introdução:

Efésios 4:11”E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas,
outros para evangelistas e outros para pastores e mestres.” O ministério pastoral
foi instituído pelos apóstolos como um modo de dar forma e unidade à Igreja, para
que todo serviço refletisse o próprio ministério de Jesus Cristo..

Alguns desafios pastorais do nosso tempo:

Conhecimento e vivência de nossa identidade como Igreja (Quem somos?)


Falta de um padrão de visão missionária.
Diversidade quanto à compreensão e vivência da espiritualidade.
Visão consumista, materializada e secularizada da vida. Humana e espiritual.
Busca inconseqüente por lugares de poder.
Enfraquecimento do testemunho pessoal e comunitária.
Esquecimento e incompreensão da mordomia do Senhor.
Descaracterização das marcas de uma ética comportamental.
Conjunto e diversidade de instituições.
Busca de melhor caracterização quanto aos ministérios.
Igrejas locais, regiões e instituições mobilizadas por Dons e Ministérios. Avanço
para novas fronteiras.
Ausência de compromisso com o princípio da conexidade.
Existência de rupturas na unidade da Igreja.
Ofuscamento dos referenciais emissores de autoridade.
Desconhecimento dos adequados e normalizados caminhos de contestação.
Revigoramento e ampliação dos laços de companheirismo em missão com igrejas
de outras nacionalidades.
Compromisso com a busca da unidade cristã.
Exercício do ministério profético.
Individualização e personalização do carisma pastoral, colocando-o acima do
carisma da Igreja.
Fragilização e depreciação de nossas próprias doutrinas.
Falta de percepção e discernimento correto das enfermidades da Igreja e do povo.
Banalização do evangelho e confusão no mercado religioso e evangélico.
Relativização das Escrituras Sagradas no meio evangélico.

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Confusão eclesiologica.
Rebanho pastoreado por muitos pastores e de diversas vertentes evangélica.
Elementos da vida pastoral, na dinâmica da Igreja Metodista. São bases
necessárias para enfrentar os desafios que se apresentam a nós hoje:

A consciência da vocação e santificação.


A consciência da missão.
A consciência da evangelização.
A consciência da itinerância.
A consciência da espiritualidade.
A consciência participativa e educacional.
A consciência de crescimento.
A consciência litúrgica.
A consciência dos grupos.
A consciência das doutrinas da Igreja.
A consciência dos meios de comunicação.
A consciência das seitas e movimentos não cristão.
A consciência das minorias raciais e empobrecidas.
A consciência rural e urbana.
A consciência da presença do Deus que cura e restaura a Igreja e o povo.
A consciência da centralidade da Bíblia Sagrada na Igreja, na vida humana e no
pastoreio.
A consciência clara de nosso modo de ser Igreja.
Que perfil de pastores e pastoras que a Igreja Metodista necessita para enfrentar e
vencer os desafios de nosso tempo.
São convictos de sua vocação e chamado pastoral. Possuem forte dependência de
Deus, por entenderem que foram chamados por Ele e esta a serviço Dele na Igreja
Metodista. E por isso, estão dispostos a darem suas vidas ao serviço da Igreja, da
missão e são determinados a irem onde Deus os enviarem.
São homens e mulheres que amam profundamente a Palavra de Deus. Por isso se
preparam para entregar a mensagem de Deus ao povo, a tempo e fora de tempo.
No templo e fora do templo. São zelosos no preparo e responsáveis na entrega,
pois sabem que são palavras divinas e por isso de vida, que, alem de glorificar a
Deus, transforma vidas, famílias e nações.
São ministros do sacramento santo. Por serem sérios nas ministrações, honram a
Deus e edificam a Igreja pela pratica correta e cheia de temor para com o Pai, o
Filho e Espírito Santo.
São pastores segundo o coração de Deus e por isso possuem uma vida de
intimidade com Ele. São pastores(as) que amam a vida de oração e possuem uma
vida de piedade exemplar diante do rebanho. Oram e Jejuam por si mesmos, por
suas famílias, pela Igreja e pela redenção do mundo.
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São pastores(as) que cuidam amorosamente do rebanho sob seus cuidados.
Entendem que as ovelhas são de Deus, não de si mesmos, por isso cuidam melhor
que se cuidassem para si mesmos. Deus chama pastores para sua Igreja, por isso
são pessoas especificas e especialmente separadas para conduzir o rebanho para
viverem segundo os propósitos Daquele que os chamou em Jesus Cristo.
São pastores(as) que não vivem sem o enchimento do Espírito Santo. Pois
entendem que sem Ele não há ministério, nem ministro de Deus na Igreja e no
mundo. Sem a presença e atuação do Espírito Santo em nós, não tem como
caminhar em santidade e perfeição cristã na vivencia da Igreja local e também na
sociedade em geral.
São pastores(as) que estão na Igreja Metodista por ama-la e pelo desejo profundo
de servir a Deus atravez dela. De suas marcas, de sua identidade histórica, de sua
vocação peculiar.
São pastores(as) que reconhecem em Jesus Cristo o referencial para o ministério
pastoral em todos os tempo e situações da vida humana.
São pastores(as) que não se conformam com uma Igreja morta, apática,
indiferente ao que Deus requer dela e ao que o mundo espera encontrar nela em
cada época.
São pastores(as) que não tem ciúmes dos leigos consagrados e atuantes, pois
estão em continuo crescimento na graça e na unção de Deus na vida da Igreja
local.
São pastores(as) que buscam com determinação o crescimento da Igreja local,
onde estão pastoreando. Não buscam crescimento pelo crescimento, mas por
terem consciência de que a boa arvore produz bons e muitos frutos para o reino e
para a Igreja local. Por entenderem que também possuem uma paixão
evangelizadora, como a que estava no coração de João Wesley, que disse: “nada
saber senão ganhar almas”.
São pastores(as) que buscam a unidade na dinâmica do Igreja local, distrital,
regional e nacional. Entendem que caminhar sozinhos jamais.
São pastores(as) que rejeitam toda forma de arrogância ministerial para ser
considerado servo de Deus, do povo e da Igreja. Entendem que o espírito de
superioridade, o orgulho espiritual e a soberba da posição que ocupam, são
refugados ao lixo, pois preferem a humildade de Cristo quando lavava os pés de
seus discípulos, que serem comparados aos fariseus neotestamentario e deste
século.
São pastores(as) que dão continuidade a linha de esplendor sem fim, desde o
novo testamento, passando pelo metodismo histórico, chegando até nós com o
mesmo teor serviçal e divino em sua vocação e vivencia pratica.
A Igreja de Cristo espera ter em você este pastor(a) segundo os propósitos de
quem chama e vocaciona, Deus. A Igreja Metodista acolhe cada um de nós em
amor e espera ver em cada um de nós um pastoreio apaixonado, serio,

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responsável, frutífero e abundante. O Mundo precisa perceber que na Igreja
Metodista tem pastores(as) cheios(as) da graça divina; do conhecimento
experimental do Deus da Palavra e da Palavra de Deus; cheios de amor para com
todos, indiscriminadamente; cheios de alegria, por serem servos do Deus vivo e de
estar a seu serviço no mundo; comprometidos em combater toda forma de
injustiças, quer seja dentro ou fora da comunidade de fé; acolhedores e presentes ,
principalmente na vida dos que sofrem; pastores(as) que não vivem como o
sacerdote Eli, sentados na cadeira de balanço, vendo os filhos e o povo sendo
sucumbidos pelos males sociais, morais e espirituais.

Conclusão:
Diante dos muitos desafios que temos em nosso viver ministerial,
convocamos a todos(as), para juntos, continuar nossa busca incansável por um
ministério pastoral aprovado por Deus e que dignifique cada vez mais o Evangelho
do Senhor Jesus Cristo e a Igreja Metodista na quinta Região Eclesiástica., que
tem nos dado a oportunidade servir a Deus por meio de sua vocação. Cabe a cada
um de nós, participar ativamente do aperfeiçoamento do corpo por meio da
santidade bíblica comprometida com o social, moral e ético, do avanço missionário
e do crescimento espiritual do nosso povo, que é povo de Deus sob nossa
responsabilidade, os quais daremos canta para Deus um dia. Concluo com este
versículo de Atos 1.8: “Recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e
sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia, em Samaria e até
os confins da terra.” Sabendo que, uma Igreja pode ter uma linda historia, belos
documentos, boas estratégias de crescimento, boa estrutura física, bons teólogos e
pensadores, mas se estiver vazia da graça, do amor e do poder do Espírito Santo,
ela não passará de museu para consulta histórica, de livros para fundamentar
monografias de estudantes, de lembrança de um passado de triunfo, de pessoas
que fizeram historia no passado. Enfim, No meio de toda essa situação, corremos
o risco de perder a configuração de nossa identidade e o sentido de nossa
finalidade – a vocação para a qual fomos chamados/as. “Preguem a nossa
doutrina, inculquem a experiência, estimulem a prática, reforcem a disciplina. Se
vocês pregarem somente a doutrina, o povo será antinomiano; se pregarem
somente a experiência, ele será entusiasta; se pregarem somente a prática,
fariseu; e se vocês pregarem tudo isso e não reforçarem a disciplina, o Metodismo
será como um jardim cultivado, porém sem cercas, exposto à destruição de porcos
selvagens.” (Texto encontrado abaixo de um antigo retrato de João Wesley,
exposto na Nilcolson Square Church, em Edimburgo, Escócia. É a resposta de
Wesley a respeito de como o Metodismo seria mantido após a sua morte).

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Conferência Doutrinária – bispo Roberto Alves

Somos uma igreja conciliar


2. CONCILIAR
Tem sua origem no latim “concilium”. Significa harmonizar, tranquilizar,
adequar ou ajustar.
3. Concílio é:
Assembléia de metodistas (clérigos e leigos) para deliberar sobre
questões de fé, costumes, doutrina ou disciplina eclesiástica.
O que é conciliar?
Chegar a um acordo com alguém;
Criar uma aliança com o propósito de alcançar um objetivo;
Qual foi o 1º concílio?
Concílio de Jerusalém (Atos 15).
Motivo?
Estavam ensinando que os homens não poderiam receber a salvação
se não fossem circuncidados, o que não era a visão da Igreja.
Igreja metodista
SOMOS UMA IGREJA CONEXIONAL
4. CONEXIONAL
É estar ligado a outro/a (1Co 12.12; Ef.4.5);
Ser um só corpo com um só esforço comum para que o mundo creia.
5. CONEXIONAL
A conexionalidade expressa a UNIDADE da Igreja para cumprir o
Mandato Missionário de Jesus Cristo.
O rev. JOHN WESLEY FALOU SOBRE O Conexionalidade?
“No essencial, unidade; no não essencial, liberdade; em tudo,
amor.”
6. Doutrinas metodista
Os 25 Artigos de Religião do Metodismo Histórico
Doutrinas metodista, foram herdados dos 39 Artigos da Religião Anglicana.
7. 25 artigos de religião
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(01)Da fé na Santa Trindade.
(02) Do Verbo ou Filho de Deus que Se fez verdadeiro homem.
(03)Da ressurreição de Cristo.
(04) Do Espírito Santo.
(05)Da suficiência das Sagradas Escrituras.
(06) Do Antigo Testamento.
(07)Do pecado original.
(08) Do livre arbítrio.
(09)Da justificação do homem.
(10) Das boas obras.
(11)Das obras de superrogação.
(12) Do pecado depois da justificação.
(13)Da Igreja.
(14) Do purgatório.
(15) Do falar na congregação em língua desconhecida
(16)Dos sacramentos.
(17) Do batismo.
(18) Da Ceia do Senhor.
(19)De ambas as espécies.
(20) Da oblação única de Cristo sobre a cruz.
(21)Do casamento dos ministros.
(22) Dos ritos e cerimônias da Igreja.
(23)Dos deveres civis dos cristãos.
(24) Dos bens dos cristãos.
(25) Do juramento do cristão.

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