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Prof. Dr. Marcelo Furlin
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
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Prof. Dr. Marcelo Furlin
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
À minha família,
Á Telma Cezar, Beatriz Faleiro, Joana Darc Meireles, Giselma Matos, Isabelle
de Freitas, Fábio Fonseca, Sara de Paula, Maryuri Mora Grisales, Mauren Julião,
Emily Everett, Lais Bessa que em vários momentos deram suportes efetivos e
afetivos para que eu pudesse persistir na aventura de escrever esse texto.
This thesis aims to identify the perceptions of women in the practice of pastoral
ministry who graduated from the School of Theology of the Methodist Church.
Based on the assumptions of critically thinking authors in various areas of social,
theological and educational studies, the theoretical basis of this research is
composed from thinkers who, when discussing relationships between men and
women, which are marked by the imposition of hegemonic values, such as
colonization, masculinization and whitening of knowledge, make it evident that
education can be an instrument toward the reproduction of these values. In this
sense, the theological formation for the practice of the pastoral ministry has been
influenced by these values. Concepts of theological education, pastoral ministry,
intersectionality, and problematizing education are part of this critical dialogue
among bibliographic sources. As a methodological field instrument, the focus
group included female pastors in ministerial practice, who all studied and
graduated from the School of Theology of the Methodist University of São Paulo
at different times. From the analysis of the data, the hypothesis was confirmed
that the theological formation of the School of Theology of the Methodist Church
is masculinized and masculinizing, established mainly by men and for men. It is
therefore necessary to transform the space of theological formation and clerical
space. It is necessary to build places for reflection and encouragement of actions
that confront the church in relation to practices of discrimination and rejection of
women in the exercise of pastoral ministry.
Esta tesis tiene como objetivo identificar la percepción que las mujeres,
graduadas en la Facultad de Teología de la Iglesia Metodista, tienen en el
ejercicio del ministerio pastoral. Partiendo de presupuestos teóricos de
autores/as de pensamiento crítico de diferentes áreas de estudios sociales
teológicos y educacionales. El fundamento teórico de esta investigación se
compone a partir de pensadoras(es) que, al problematizar las relaciones entre
hombres y mujeres, marcadas por la imposición de valores hegemónicos como
la colonización, la masculinización y el blanqueamiento del saber, colocan en
evidencia que la educación puede ser un instrumento de reproducción de esos
valores. En este sentido, la formación teológica para el ejercicio del ministerio
pastoral ha sido influenciada por estos valores. Conceptos de educación
teológica, ministerio pastoral, interseccionalidad y educación problematizadora
hacen parte de ese diálogo crítico entre las fuentes bibliográficas. Como
instrumento metodológico de campo fue realizado un grupo focal con pastoras
en ejercicio ministerial, graduadas en periodos diferentes en la Facultad de
Teología de la Universidad Metodista de São Paulo. A partir del análisis de los
datos, se confirmó la hipótesis de que, la formación teológica de la Facultad de
Teología de la Iglesia Metodista es masculinizada e masculinizante, establecida
prioritariamente por hombres y para hombres. Por esto, se hace necesario
transformar el espacio de formación teológica y clerical. Es necesario construir
lugares de reflexión y fomento de acciones que confronten la iglesia en relación
a sus prácticas de discriminación y de rechazo de las mujeres en el ejercicio
pastoral.
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 13
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 21
CAPÍTULO 1. CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO .................................................. 33
1.1 Referenciais teóricos ............................................................................................ 33
1.1.1 Educação: aportes freireanos ..................................................................... 33
1.1.2 Gênero, interseccionalidade e lugar de fala ........................................... 42
1.1.3 Teologia Feminista ......................................................................................... 54
1.2 Caminhos metodológicos .................................................................................... 58
CAPÍTULO 2. EDUCAÇÃO TEOLÓGICA ........................................................................... 70
2.1. Educação teológica: uma aproximação conceitual .............................................. 70
2.2. O início da educação teológica das mulheres na Igreja Metodista .............. 80
2.3. Educação Teológica no Século XXI ....................................................................... 91
2.4. O curso de teologia: regulamentações eclesiástica e federal........................ 98
2.5 O projeto pedagógico do curso de Teologia ...................................................... 100
2.6. A estrutura curricular do curso ............................................................................ 101
2.7. A presença das mulheres no corpo docente e discente da FATEO ........... 106
CAPÍTULO 3. O MINISTÉRIO PASTORAL NA IGREJA METODISTA ....................... 113
3.1. Ministério e pastoral: aproximações conceituais ............................................ 113
3.2. O ministério pastoral na Igreja Metodista .......................................................... 116
3.3. A participação de mulheres na igreja ................................................................. 128
3.4 A participação de mulheres nos primórdios do movimento metodista...... 131
3.5. Histórias do início do ministério pastoral das mulheres na Igreja Metodista
............................................................................................................................................... 134
3.6 As pastoras metodistas em São Paulo: um retrato em 2018 ......................... 143
CAPÍTULO 4. AS NARRATIVAS DAS PASTORAS ....................................................... 151
4.1 Formação teológica .................................................................................................. 152
4.2.1. “A faculdade teve esse abrir de horizontes para mim”: a educação teológica
........................................................................................................................................... 154
4.2.2. “Aí no murinho eu aprendi teologia”: outros espaços formativos ................ 164
4.2.3. “A eletiva de Teologia Feminista”: sobre Teologia Feminista ...................... 168
4.2.4. “Você quer ser bonita ou quer ser pastora”: as relações entre homens e
mulheres na FATEO ...................................................................................................... 171
4.2. Ministério Pastoral ................................................................................................... 175
4.1.1: “A minha palavra é Ministério Pastoral”: conceituações expressas nas vozes
das mulheres ................................................................................................................... 176
4.1.2: “E o “nós vai” dele tem mais poder porque ele é homem?”: preconceitos e
discriminações ................................................................................................................ 182
4.1.3: “Não espere que eu vá ser um homem no púlpito, porque eu sou mulher”:
insurgências necessárias .............................................................................................. 199
4.3. Considerações sobre a análise ............................................................................ 205
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 208
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 217
13
APRESENTAÇÃO
professora Nísia, escritas bem antes da minha avó nascer, não tenham chegado
até ela.
Quando chego ao doutorado, venho imbricada com histórias de mulheres
como a minha avó e com o protagonismo de outras mulheres como Nísia
Floresta, geralmente tomados como transgressão. O fato de ser fonoaudióloga,
professora e pastora me coloca em espaços de exercício do cuidado. Foram as
cadeiras da universidade que me garantiram a possibilidade de problematizar
esses espaços de cuidado e os próprios papéis que desempenho. Chego na
atual etapa da minha vida, fascinada com a possibilidade de estudar e conhecer,
mas também com o compromisso político de ocupar espaços historicamente
negados às mulheres, de refletir e questionar as relações de gênero e de
colaborar com a emancipação feminista das mulheres.
Esse mesmo compromisso político tenho assumido no espaço
eclesiástico. Foi nele que encontrei o terreno e participantes desta pesquisa. A
partir da minha militância na igreja há mais de 30 anos, foi que surgiu o desejo
de conhecer as narrativas de pastoras metodistas, suas percepções sobre a
formação teológica e o ministério pastoral exercido por elas.
Educação, gênero e ministério pastoral são temas fundamentais na minha
trajetória. Meu primeiro contato com a palavra gênero se deu no início da
formação escolar. Ao lado do gênero, estavam o número e o grau, palavras
inseparáveis nas aulas de português. Sempre estudávamos e classificávamos
as palavras quanto ao gênero, ao número e ao grau.
À medida que o grau – não o das palavras, mas o da minha formação –
evoluía, deparei-me com outros tipos de significados para a palavra gênero.
Significados que já estavam presentes, ainda que ocultos, no início da minha
formação. Na realidade, tais significados nasciam desde que o médico, no pueril
momento do meu nascimento, proclamou a notícia: é menina! Isso aconteceu no
ano de 1974.
Minha infância foi marcada pela presença constante da mãe e do pai, e três
anos depois, com a companhia inseparável de uma menina, minha irmã. Seis
anos depois, chegou o meu irmão para terminar de compor a trupe.
Meu irmão, fruto do desejo paterno de ter um filho homem e do desejo
materno de atender às aspirações do marido, nasceu com síndrome de Down. A
figura da descendência masculina se perdeu em meio às limitações. Era menino,
15
mas não dava para ser o menino. Para muitos, com defeito de fábrica, para mim,
numa descoberta diária, com itens mais que especiais de fabricação. Isso
acontecera no ano 1980.
Diante das limitações do filho homem, à minha irmã coube assumir o
sucesso no esporte. Eu não dei conta desse papel, embora o tenha tentado por
muito tempo. Quanto a mim, coube estudar e perceber que a vida se tornou mais
viva com uma pessoa deficiente em casa. Estudo e sensibilidade levam à
reflexão e, em seguida, aos questionamentos. Assim, mesmo sem perceber e
até entender, eu era a que mais perguntava por que? e a que menos aceitava
respostas prontas.
Durante meu período escolar, as artes industriais na escola pública eram
mais aprazíveis do que as aulas de educação para o lar. Como muitas meninas,
passei pelo dilema da minha época: curso normal ou 2º grau? Confesso que não
fugi à regra, sempre quis ser professora, mas professora não ganha dinheiro,
disse a família. Portanto, era preciso fazer 2º grau. Nisso já estávamos no ano
de 1988.
O Ensino Médio cursado no Colégio Pedro II foi fantástico, que tempo bom!
Este colégio se apresentou como porta para mudanças significativas na minha
vida, que incluíam a angústia do meu pai em ter uma filha comunista, como ele
me classificava. Vivenciei bons e maus encontros. Deparei-me com Elis Regina,
Chico Buarque, grêmio estudantil, passeatas na Avenida Presidente Vargas,
centro do Rio de Janeiro, professores exilados na ditadura, mas não só. Me
encontrei também com a física, que dureza! Mas tudo bem, isso era coisa para
meninos, não para meninas, não fui tão cobrada por tais dificuldades.
No final do Ensino Médio brotou o desejo de fazer Ciências Sociais, o que
foi totalmente impugnado pelo pai militar com medo de que uma filha comunista
se perdesse de vez. Fiz vestibular para Direito com a promessa rebelde de que
se eu passasse entraria para o MST - Movimento Sem Terra. Não usei esse
nome na época, mas era o que eu queria dizer. Não passei. Um alívio para mim
e para meu pai! Eu não queria fazer Direito. Fui trabalhar. “Como? Você tem que
estudar, não trabalhar”, essa foi mais uma fala do pai amoroso e assustado com
alguém que fugia às regras que ele, como militar de baixa patente, tinha
aprendido que deveriam ser seguidas, principalmente por meninas.
16
Embora nesse relato cite menos a minha mãe, ela foi determinante para
que eu pudesse trabalhar, esteve perto o tempo todo; penso que por isso não dá
para pontuar só alguns momentos de sua atuação. Todas as minhas subversões
eram um pouco dela também, tinham sempre sua voz somada.
Com as querelas familiares e as pressões ideológicas, acabei por desistir
de ingressar na faculdade de Ciências Sociais e fui cursar Fonoaudiologia. Um
reduto feminino, onde cuidado e assistência eram palavras mestras na formação
que vivenciávamos na graduação.
Resgatei meu interesse por educação e logo comecei o diálogo da
fonoaudiologia com a aprendizagem, especialmente quando fui estagiar em um
posto de saúde na Tijuca, Rio de Janeiro. Lá se atendia crianças com
dificuldades de aprendizagem, oriundas das favelas do bairro. Isso aconteceu no
ano de 1995. A vida seguiu e em 2001, na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), me especializei na prevenção e acompanhamento de
dificuldades na aprendizagem.
Como diz Chico Buarque: “roda viva, roda gigante”, a vida rodou, rodou e
rodou. Mas como a vida roda quando a gente roda a vida, eu acabei vivenciando
um exercício político e uma construção sociológica por meio da militância no
movimento de juventude da Igreja Metodista, e da educação não formal através
da Escola Dominical, um espaço de educação cristã na Igreja Metodista, que
tradicionalmente funciona aos domingos pela manhã, em todas as igrejas
metodistas no Brasil.
Minha militância nos movimentos de educação e juventude na Igreja
propiciou-me oportunidades maravilhosas, dentre elas a ciência explícita de que
gênero vai além da classificação de palavras. Gênero, aos poucos, me foi
apresentado como uma importante categoria de análise social. Isto começou
num encontro com uma teóloga feminista (assim eu a enxergava), pastora
metodista, chamada Rosangela Soares, brasileira, que vive em Nova Iorque e
que trabalhou durante muito tempo com um programa de educação de mulheres
metodistas por toda América Latina.
Conhecer, ouvir e conviver com ela parecia me dar significado para
suspeitas e ideias que já estavam dentro de mim. Em 2003, resolvi fazer teologia
no Instituto Metodista Bennett e essas questões saltaram aos meus olhos. Eu,
que estudara num reduto feminino, agora me encontrava num reduto masculino,
17
1 De uma forma superficial, a partir do próprio vocábulo andro-centrismo, podemos inferir que
esta palavra significa ter a visão masculina no centro. No entanto, Araceli González VÁZQUEZ
nos previne que não basta afirmar que o androcentrismo limita-se apenas a ter o homem, o
masculino e a masculinidade são o centro de todas as coisas, mas é preciso destacar que
existe uma série de fatores, que atuam na subjetividade, que colaboram para que o
androcentrismo se mantenha. Assim, os estereótipos, a misoginia, o machismo, o sexismo, são
alguns destes fatores que colaboram para a centralidade/ superioridade da visão androcêntrica.
Afirma ela: “el androcentrismo surge históricamente en la especie humana como táctica y como
estrategia, como ideología y como recurso ideológico, y ha demostrado una enorme
perdurabilidad temporal y una amplia extensión geográfica. Es una manera de entender a las
personas que permea las cosmologías, las ontologías y las epistemologias”. (VÁZQUEZ, 2013,
p.493-494)
18
2
Membro não clérigo da Igreja.
3 Material didático e pedagógico para a educação cristã das crianças e pré-adolescentes (4 a 13
anos). Eu era responsável por elaborar seis publicações que compreendiam três títulos com
revistas para alunos e alunas e professores e professoras.
19
Cursar o mestrado foi fascinante, mas não só. Minha percepção da vida ia
se abrindo a passos largos, meu conhecimento se deparando com inúmeras
oportunidades de ampliação. No entanto, foi nesse período que vivenciei uma
das experiências mais marcantes da minha vida: o carcinoma de mama da minha
mãe. Longe de casa eu me dividia entre Rio e São Paulo para, junto com ela,
vencer esse processo. Esta doença, cuja maior incidência e as piores
consequências acontecem no corpo das mulheres, me trazia ainda mais para o
universo feminino. Poder desenvolver, nessa época e situação, uma pesquisa
que se comprometia com uma análise feminista, foi algo muito rico.
O corpo da minha mãe foi marcado pela ausência da mama que não seria
mais reconstruída, e o meu corpo por sinais de cansaço. Foi um tempo intenso
que cansou meu corpo e fatigou a minha alma, adoeci. Surgia mais uma crise
depressiva. Não foi nada fácil superá-la, mas isso, para mim, já não era
novidade. A primeira havia acontecido em 1989.
O novo nesse processo surgiu dentro do programa de pós-graduação em
educação. Foi quando um professor, na época coordenador do programa, me
assediou sexualmente. Eu não fui a única, descobri que isso acontecera com
outras companheiras também. Empenhar-se nessa luta foi um processo difícil. A
vergonha em denunciar foi sendo, aos poucos, suprimida pela união e pelo
encorajamento das mulheres que se organizaram para fazê-lo parar.
Conseguimos, não como gostaríamos, mas ele foi demitido. De certa forma, isso
foi libertador, a dissertação emperrada a tantos meses, jorrou, finalizou e fui
aprovada.
Ao final do mestrado, uma nova possibilidade de trabalho surgiu na esfera
nacional da Igreja e assumi a coordenação do Departamento Nacional de Escola
Dominical (DNED)4. Paralelo ao novo desafio, ingressei na docência no ensino
superior na faculdade Zumbi dos Palmares, especificamente no curso de
pedagogia. As disciplinas que ministrei nos três anos que trabalhei na faculdade
Zumbi dos Palmares foram: Prevenção à saúde da criança; Educação,
5 Uso a expressão território não apenas no sentido estrito de espaço geográfico, mas também
como palco das relações de poder, econômicas e simbólicas. A este respeito ler: SANTOS, M.;
SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI – Livro viva-vira
1. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2011; QUEIROZ, Tiago A. N. Espaço geográfico, território usado
e lugar: ensaio sobre o pensamento de Milton Santos. In: Para Onde!?-Revista Eletrônica, 8
(2): 154-161, ago./dez. 2014 UFRGS, Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação
em Geografia, Porto Alegre, RS, Brasil. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/paraonde/article/view/61589/36420>. Acesso em: 12/03/2018.
21
INTRODUÇÃO
6
Os textos citados nesta tese que forem de autoria feminina serão identificados pelo nome, escrito em
letras maiúscula e minúscula; e sobrenome da autora, escrito em maiúscula como rege a norma. Esse
é um compromisso político da pesquisadora em dar visibilidade para a produção científica de autoria
feminina.
23
7
numa tradução livre: “Se Deus é homem, então o homem é Deus”.
24
percepção das pastoras sobre a sua formação teológica, fato que garante à tese um
protagonismo nessa perspectiva.
É possível que a restrita produção acadêmica se justifique pela ausência de
preocupação eclesiástica com o tema, e pelas reservas teológicas em relação à
legitimidade do ministério pastoral exercido pelas mulheres. No entanto, é preciso
estudar, trabalhar e lutar para que isso mude, para que o protagonismo das mulheres
tenha visibilidade e as discriminações sofridas sejam eliminadas.
A invisibilidade e o silenciamento das mulheres não está restrito às religiões, é
algo que perpassa as instituições sociais em geral. Desde o século XX temos visto,
às custas da luta de mulheres e homens, conquistas adquiridas e avanços na
superação de preconceitos. Essas lutas são de extrema valia, pois descortinam o
machismo e outras barreiras a serem superadas, como o racismo e a homofobia.
O protagonismo das mulheres é imperativo. A presidenta Dilma Roussef, que
na percepção da pesquisadora foi afastada injustamente da presidência em 2016,
declarou enquanto recebia o prêmio Berta Luthz8 no dia 13 de março de 2012, que o
“século XXI é o século das mulheres”, enquanto fazia alusão às políticas públicas
implementadas em seu governo. Políticas necessárias devido às condições de
vulnerabilidade social das mulheres que podem ser evidenciadas em muitas
estatísticas. A seguir serão destacadas algumas que se referem à violência e à
disparidade salarial.
O Mapa da violência (WAISELFISZ, 2015) elegeu para o ano de 2015 o tema
de estudo e pesquisa sobre a violência contra as mulheres, trazendo especialmente
um panorama sobre o homicídio. Esta publicação mostrou o perfil de quem mais
agride as mulheres:
8
Premiação instituída pela Resolução nº 2/2001, com base em Projeto de Resolução de 1998,
apresentado pela Senadora Emília Fernandes. É um diploma para agraciar mulheres que tenham
oferecido relevante contribuição na defesa dos direitos da mulher no Brasil.
26
Quem mais agride as mulheres são os homens. A violência física é a que mais
incide e as vitimiza. Veja os dados do mapa:
9
Daniele KERGOAT define assim a divisão sexual do trabalho: “é a forma de divisão do trabalho social
decorrente das relações sociais de sexo; essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade. Tem
por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera
reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte valor social agregado
(políticas, religiosas e militares, etc.)” (KERGOAT, Daniela apud Helana HIRATA, Françoise LABORIE,
Hélène DOARÉ, Daniele SENOTIER, 2009, p.67).
28
Dizer sua palavra, por isso mesmo, não é apenas dizer "bom-dia” ou seguir
as prescrições dos que, com seu poder, comandam e exploram. Dizer a
palavra é fazer história e por ela ser feito e refeito. As classes dominadas,
silenciosas e esmagadas, só dizem sua palavra quando, tomando a história
em suas mãos, desmontam o sistema opressor que as destrói. É na práxis
revolucionária, com uma liderança vigilante e crítica, que as classes
dominadas aprendem a “pronunciar” seu mundo, descobrindo, assim, as
verdadeiras razões de seu silêncio anterior. (FREIRE, 1981, p.104)
10
Paulo Freire faleceu durante a produção desse livro. Foi sua esposa, Ana Maria Araújo Freire, que
providenciou a publicação e inclusive deu título à obra.
36
Ainda que Freire tenha recebido as cartas logo após o lançamento da primeira
edição de Pedagogia do Oprimido em 1970, seu processo de mudança foi lento, suas
obras seguintes não estavam desvinculadas dessa linguagem sexista. A
desconstrução das relações opressoras é um processo educativo lento e, por isso,
necessita ser constante. O movimento feminista seguiu incomodado com a linguagem
androcêntrica de Freire.
A feminista bell hooks 11que se identificou muito com o pensamento freireano,
também se posicionou quanto a isso. Ao ser perguntada se não via contradição em
ser feminista e valorizar a obra de Freire, respondeu:
11
Bell Hooks é o pseudônimo de Glória Jean Watkins, feminista negra, professora, que ao assinar
com assume o nome da sua avó é prefere que seja escrito em minúsculo. (Djamila RIBEIRO, 2017).
12
A decolonialidade é assim definida por Catherine Walsh: la decolonialidad propone una postura
ofensiva de intevención, transgresión y construcción. Uma ofensiva que posibilita, viabiliza y visibiliza,
por un lado, las concepciones, prácticas y modos de ser, estar, pensar y vivir de carácter decolonial
acutalmente normal existentes, haciendo que ellos abran processo, de ensenañza, desaprendizajen y
reflexión, no como nuevos modelos para ser reproduzidos sino como bases para la deliberación, el
cuestionamento y el enfrentamiento con nosotros mismos y con las concepciones, práticas y modos
modernos, capitalistas, occidentales, y crescidamente alienantes – entre otros – del vivir cotidiano.
Concebida de esta manera, la decolonialidad no es un nuevo paradigma (o “para – dogma”), tampoco,
una nueva invencón teórico-ideológica sino uma manera de nombrar um proyecto centenario con su
reciente re-in-surgir. Por el otro lado y al mismo tiempo esta ofensiva no se queda en presenciar
concepciones y prácticas de carácter decolonial existentes. Busca también la creación de nuevas
estructuras, condiciones, realaciones y experiencias, incluyendo la de nuevos lugares de pensamiento
(Catherine WALSH, 2009, 234).
37
ao fazer a opção pelos pobres contra a sua pobreza, assume a visão de Paulo
Freire. O processo de libertação implica fundamentalmente numa pedagogia.
A libertação se dá no processo de extrojeção do opressor que carregamos
dentro e na constituição da pessoa livre e libertada, capaz de relações
geradoras de participação e solidariedade. A teologia da libertação é um
discurso sintético, porque junto com o discurso religioso incorpora em sua
constituição também o analítico e pedagógico. Por isso, Paulo Freire desde o
início foi e é considerado um dos pais fundadores da teologia da Libertação.
(BOFF apud. GADOTTI, 1996, p. 497).
de forma histórica, uma vez que igreja é na história e a educação acontece nesta
história.
Isto significa que nem a igreja, nem a educação podem assumir condição de
neutralidade diante da sociedade. A bem da verdade, a neutralidade não existe, todo
posicionamento é político (FREIRE, 1996). As classes dominadas e dominantes estão
sempre em posições antagônicas, por isso, estar ao lado de uma, é estar contra outra.
O que significa então optar pelas classes dominadas?
Uma posição a favor das pessoas pobres e oprimidas implica crer e agir para
transformação das estruturas sociais e não desenvolver apenas ações paliativas, que
mascaram a necessidade de mudança estrutural. Quando a igreja, ao contrário dessa
postura, assume práticas que Freire (1996, p. 85) chama de “ação anestesiadora”, só
está preservando o ‘status quo’:
19Às participantes do grupo focal e da entrevista foram dados nomes de mulheres da Bíblia para
preservar suas identidades. Sobre isso, discorre-se nas páginas 57 e 58.
42
As que estavam mais preocupadas com o fato de que a produção dos estudos
femininos centrava-se sobre as mulheres de forma muito estreita e isolada,
utilizaram o termo “gênero” para introduzir uma noção relacional no nosso
vocabulário analítico. Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram
definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um
20
O livro de Eleni Varikas “Pensar o sexo e o gênero” traz a problematização do conceito gênero como
substituição ao conceito de diferença sexual e sua aceitabilidade no cenário acadêmico, destacando a
rejeição do cenário acadêmico francês a essa mudança; além disso, aponta a mudança como uma
forma de apropriação e legitimidade acadêmica de uma discussão nascida nos movimentos sociais, o
que não é bem visto na academia, especialmente a eurocêntrica. Segundo Varikas: “as objeções
relativas ao gênero concerniam menos à sua validade teórica, que até recentemente quase não era
discutida, do que ao seu caráter ‘intransferível’ na pesquisa francesa. O próprio termo parecia abstrato
e obscuro, percebido como uma noção especificamente anglo-saxã que, diziam, mais semeava a
discórdia do que oferecia um enquadramento analítico para as relações de sexo [...]. Desse ângulo
semear a discórdia não é uma desvantagem, mas, pelo contrário, a maior virtude desse campo
conceitual: ele permite desestabilizar os automatismos em ações e nas maneiras como se percebe, se
interpreta e, portanto, se reconstrói o mundo segundo distinções conformes às diferenças dos sexos.
[...] O Gênero adquiriu muito rapidamente um direito de cidadania no vocabulário científico americano
e britânico: de um lado sua ressonância mais neutra em inglês choca menos diretamente as certezas
da “diferenças dos sexos”; percebendo, por outro lado, mais ao lexo científico do que à linguagem
corrente, o termo atribuiu certa respeitabilidade científica a uma reflexão que, conduzida com a
denominação women studies ou feminist studies, desperta a suspeita de parcialidade e de militantismo”
(Eleni VARIKAS, Pensar o sexo e gênero. Campinas/SP: Editora Unicamp, 2016, p.20-21, 56).
44
Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser distinguidas na análise. O núcleo
essencial da definição repousa sobre a relação fundamental entre duas
proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é um
primeiro modo de dar significado às relações de poder”. (SCOTT, 1995, p.4)
As reflexões teóricas não param em Joan Scott, a opção de citá-la se firma por
ser dela um texto clássico e convidativo para repensar a história, especialmente em
relação às mulheres, suas narrativas e seus papéis sociais.
Ao longo do tempo os estudos feministas se complexificaram e diversificaram.
A categoria gênero se mostrou instável e dinâmica, mas Sandra Duarte de SOUZA
(2015, p.20) adverte que isso não quer dizer que não se tenha ancoragem teórica,
apenas indica a multi/interdisciplinaridade que caracteriza o pensamento feminista
contemporâneo, que demanda uma forma mais plural de abordagem, a partir de
variadas ancoragens teóricas.
Há uma profícua produção acadêmica sobre gênero e ela não se restringe aos
campos da teologia e da educação. Neste movimento, a produção se diversificou e, à
medida que ampliou sua reflexão, surgiu o entendimento de que a categoria gênero
para análise da realidade, precisava se articular com outros marcadores da diferença
para que os sujeitos pudessem ser pensados de forma mais completa e, ao mesmo
tempo, diversa. É neste contexto que surge o conceito de interseccionalidade.
Este conceito surge a partir das reflexões e demandas das mulheres negras a
respeito do movimento feminista vigente nos EUA que, ao subsumir as questões
raciais em meio às discussões feministas, invisibilizavam as demandas das feministas
não brancas, mantendo-as em condições subalternas.
O tema da interseccionalidade está presente na produção acadêmica de
Kimberly Crenshaw, que define interseccionalidade como uma forma de pensar sobre
45
A consolidação deste conceito no cenário dos estudos de gênero não foi isento
de luta, como bem nos lembra Adriana Piscitelli (2008) no artigo “Interseccionalidades,
categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras”, quando destaca a
tensão na trajetória dos estudos feministas. A autora relembra que na história deste
conceito algumas reflexões teóricas afirmavam que ao articular gênero com outros
marcadores de diferença, se enfraqueceria a identidade das mulheres, por isso gênero
devia se manter como o maior e mais relevante pressuposto político da luta feminista.
O renomado texto de Joan SCOTT, já citado aqui, apontava uma corrente de
historiadoras(es) que se preocupava em articular gênero, raça e classe, destacando
este grupo com uma visão política mais global e uma preocupação em evidenciar a
história de grupos oprimidos porque “levavam cientificamente em consideração o fato
de que as desigualdades de poder estão organizadas segundo, no mínimo, estes três
eixos” (SCOTT, 1995, p.4). Este grupo de pesquisadoras(es) já dialogava com o que
viria se transformar no conceito chamado interseccionalidade.
A crítica de Scott é de que a postura das pesquisadoras(es) que levavam em
conta tais categorias, sugeria uma paridade entre raça, classe e gênero que, segundo
ela, não há. De fato, não existe.
46
21
O feminismo chicano se constrói como uma corrente teórica oriunda das reflexões sobre a luta e
trajetória de mulheres mexico-estadunidenses. Glória Andaluza é uma referência para esse tema.
Assim ela afirma a luta das mulheres mestizas: “É imperativo que as mestizas apoiem umas às outras
no processo de mudança dos elementos sexistas na cultura índio-mexicana. Enquanto as mulheres
forem diminuídas, o/a índio/a e o/a negro/a em todos/as nós são diminuídos/as. A luta da mestiza é,
acima de tudo, uma luta feminista. Enquanto los hombres pensarem que têm que chingar mujeres e
uns aos outros para serem homens, enquanto forem ensinados que são superiores e, portanto,
culturalmente favorecidos em relação a la mujer, enquanto ser uma vieja for motivo de escárnio, não
poderá haver uma cura real de nossas psiques.” (Glória ANDALUZA, 2005, p.711)
47
Ainda que essa proposição seja instigadora, optamos pela interseccionalidade como
referencial teórico deste trabalho.
Se a interseccionalidade como conceito nasce das reflexões acadêmicas, a
interseccionalidade como prática, é fruto da luta de mulheres negras feministas,
evidenciando as opressões e discriminações por elas sofridas cotidianamente e,
também, os movimentos de resistência e combate a tudo isso.
O artigo “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e
política emancipatória” de Patricia H. Collins (2017) situa a história do conceito de
interseccionalidade desde antes de ser apropriado pela academia.
Se a autoria deste conceito é atribuída comumente à Kimberlé Crenshaw em
seu artigo de 1991: “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and
Violence against Women of Color”, publicado na Stanford Law Review (Crenshaw,
1991), Collins (2017) problematiza essa atribuição ao afirmar que a origem militante
deste conceito não está na década de 1990, mas no movimento feminista negro das
décadas de 1960, 1970, 1980, anteriormente chamados como estudos de
raça/gênero/classe. Se Crenshaw é a acadêmica legitimada pela academia como
referência para esse conceito, Collins evoca Audre Lorde, bell hooks, Angela Davis, e
as militantes do coletivo negro feminista afroamericano Combahee River22 como
protagonistas do uso das intersecções dos marcadores de diferença, especialmente
raça, gênero e classe. No entanto, adverte Collins:
22
“As fundadoras do coletivo Combahee River (CRC) se encontraram pela primeira vez na conferência
regional da Organização Feminina Negra Nacional (NBFO) em 1973. Um ano depois, as mulheres
começaram a se reunir regularmente em Boston, Massachusetts. Em uma dessas reuniões, elas
escolheram seu nome baseado na invasão do Rio Combahee de 1863, liderada por Harriet Tubman.
Elas escolheram o nome não só porque centenas de escravos conseguiram escapar, mas porque essa
foi a primeira estratégia militar criada por uma mulher. No verão de 1974, o coletivo se separou do
NBFO para se tornar um grupo feminista negro separado. Os fundadores do CRC sentiram que o NBFO
não transmitiu a importância do lesbianismo negro e sentiu que eles não eram radicais o suficiente para
fazer com que o impacto que sentiam fosse necessário para a mudança. As crenças do Coletivo eram
sobre igualdade, separatismo não lésbico, paz e união junto com o reconhecimento da
interseccionalidade de homens e mulheres de cor. Essas crenças mostravam como o feminismo negro
era poderoso, mas nunca era sobre estar no topo da hierarquia pelo poder e controle de outro grupo
de pessoas. A interseccionalidade é importante porque é a raiz central do motivo pelo qual o Coletivo
estava lutando por seus direitos devido a múltiplos tipos de opressão” In:
https://combaheerivercollective.weebly.com/history.html acesso em 02/06/2018. Tradução livre.
48
These questions are importante to ask because the centre, which I refer to
here as the academic centre, is not a neutral location. It is a white space where
black people have been denied the privilegie to speak. Historically, it is a
space where we have been voiceless and where white scholars, have
developed theoretical discourses that formally constructed us a the inferior
‘Other’, placing Africans in absolute suboordination to the White subject. Here
we have a been described, clasified, dehumanized, primitivized, brutalized,
killed. This is not a neutral space. Within these rooms we were made the
objects “of predominantly whiteaesthetic and cultural discourses” (Hall 1992:
252), but we have rarely been the subjects.
This position of objecthood that we commonly occupy, this place of
‘Otherness’ does not, as commonly believed, indicate a lack of resistance or
interest, but not that we have not been speaking, but rather our voices –
thougth a system of racism – have been either systematically disqualified as
invalid knowledge; or else represented by whites who, ironically, become the
‘experts’ on ourselves. Either way, we are caught in a violent colonial order24.
(Grada KILOMBA, 2010, p. 27-28).
23Tradução na íntegra da citação: Essas perguntas são importantes para perguntar, porque o centro,
ao qual me refiro aqui como o centro acadêmico, não é um local neutro. É um espaço branco onde os
negros têm negado o privilégio de falar. Historicamente, é um espaço em que estivemos sem voz e
onde estudiosos brancos desenvolveram discursos teóricos que formalmente nos construíram para o
"Outro" inferior, colocando os africanos em absoluta suboordenação ao sujeito branco. Aqui fomos
descritos, classificados, desumanizados, primitivizados, brutalizados, mortos. Este não é um espaço
neutro. Nessas salas, nos tornamos objetos de "discursos predominantemente whiteaestésicos e
culturais" (Hall 1992: 252), mas raramente somos os sujeitos.Esta posição de objetividade que
comumente ocupamos, esse lugar de "alteridade" não indica, como comumente se acredita, falta de
resistência ou interesse, mas não temos falado, mas nossas vozes - um sistema de racismo - também
têm sido sistematicamente desclassificado como conhecimento inválido; ou então representado por
brancos que, ironicamente, se tornam os "especialistas" em nós mesmos. De qualquer maneira, somos
pegos em uma ordem colonial violenta. (KILOMBA, 2010, p.27-28)
24Essas perguntas são importantes para levantar, porque o centro, ao qual me refiro aqui como o centro
acadêmico, não é um local neutro. É um espaço branco onde xs negrxs foram privados do privilégio de
falar. Historicamente, é um espaço em que estivemos sem voz e onde acadêmicos brancos
desenvolveram discursos teóricos que formalmente nos construíram como um "Outro" inferior,
colocando xs africanxs em subordinação absoluta ao sujeito branco. Aqui nós temos sido descritxs,
classificadxs, desumanizadxs, primitivizadxs, brutalizadxs, mortxs. Este não é um espaço neutro.
Dentro dessas salas, tornamo-nos objetos “de discursos predominantemente brancos, estéticas e
culturais” (Hall 1992: 252), mas raramente somos os sujeitos.
50
Essa posição de objetividade que normalmente ocupamos, esse lugar de alteridade não indica, como
normalmente se acredita, falta de resistência ou interesse, mas sim uma falta de acesso à
representação por parte dos próprios negrxs. Não é que não estamos falando, mas as nossas vozes -
através de um sistema de racismo - têm sido sistematicamente desqualificados como conhecimento
inválido; ou então representados por brancos que, ironicamente, se tornam os ‘especialistas’ em nós
mesmos. De qualquer maneira, somos pegxs em uma ordem colonial violenta.
51
25
Em seu artigo “O lugar de fala é o lugar democrático em relação ao qual precisamos de diálogo, sob
pena de comprometer a luta”, Marcia Tiburi alerta que “o termo minoria em seu uso isolado perde sua
conotação fundamental, por isso, não apenas por dever didático, é que devemos sempre falar em
minorias políticas” (Márcia TIBURI, 2017) Disponível em: < https://revistacult.uol.com.br/home/lugar-de-
fala-e-etico-politica-da-luta/>. Acesso em 03/06/2018.
26
Djamila Riberiro também destaca que o conceito de lugar de fala é considerado nos estudos de
comunicação como “um instrumento teórico-metodológico que cria um ambiente explicativo para
evidenciar que os jornais populares ou de referência falam de lugares diferentes e concedem espaços
diversos às falas das fontes e dos leitores” (AMARAL, Marcia Franz. Lugares de fala: um conceito para
abordar o segmento popular da grande imprensa. Contracampo, n.12, p.104, jan./jul.,2005 apud
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?, Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017).
52
Dessa forma, lugar de fala tem a ver com a localização dos grupos em relação
aos espaços de poder e aos discursos hegemônicos. E a experiência dos diversos
grupos a partir de seus lugares de fala devem ser ouvidos. Essa é a advertência de
Márcia Tiburi:
O lugar de fala enquanto espaço social não garante, por parte de quem o ocupa,
a responsabilidade com a transformação social. O desafio que este conceito traz em
seu aspecto político é que a pessoa que assume um lugar de fala privilegiado, consiga
enxergar os privilégios que lhe são concedidos a partir da hierarquização social, e as
opressões sofridas por quem ocupa lugares menos valorizados.
Lugar de fala enquanto um conceito político precisa se comprometer com a
transformação social, com narrativas desestabilizadoras engajadas em uma
hermenêutica que suspeite de saberes legitimados academicamente e de
53
A teoria feminista [...] sempre foi cega e algumas vezes bastante negativa em
relação a qualquer sinergia positiva entre feminismo e religião, assim como
em relação às experiências de mulheres religiosas. Mesmo teorias de
interseccionalidade, que explicitamente fazem uma (auto)crítica dos pontos
cegos das teorias feministas e da miríade de diferentes entre as mulheres,
não têm sido capazes de ver a religião como um fator importante na vida das
mulheres. Será que a religião é a última maneira de alterizar as mulheres,
especialmente aquelas de uma cultura ou subculturas diferentes – na teoria
feminista? (Elina VUOLA, 2014, p.15)
A hermenêutica feminista valoriza a fala e quem fala. Por isso, dizer a sua
palavra a partir do seu lugar é fundamental para reinventar outras formas de
viver e ver a vida. Dizer o que sente, o que sofre, quais as alegrias vividas é
devolver a dignidade perdida ou ocultada pelas práticas excludentes
patriarcais. Pensar sobre as histórias de vida e fazer disso uma prática que
repensa a vida é promover o protagonismo e empoderamento das mulheres.
Essas formas de ser e fazer viabilizam relações sociais mais justas e
igualitárias entre os seres humanos. É isso que o feminismo busca e espera
das relações entre homens e mulheres. A partir dessa hermenêutica,
percebe-se a complexidade dos mecanismos sociais, religiosos, econômicos,
psicológicos e culturais e quanto se faz necessário pensar e contar a história
pessoal e dar-se conta das relações sociais no nosso tempo e espaço para
recuperar a vida e o bem-estar das pessoas. (Márcia PAIXÃO; Edla
EGGERT, 2011, p.13).
Uma vez que a tese dialoga com narrativas de mulheres, teólogas e pastoras,
as ferramentas da epistemologia e da teologia feministas colaboraram no processo
metodológico de análise das narrativas.
Vale destacar que uma das 3 mulheres que desistiu de participar da pesquisa, teve
como motivo o fato de que não havia uma pessoa disponível para ficar com a sua filha
pequena e, ainda que lhe tenha sido aberta a possibilidade de comparecer com a
criança, ela optou por não participar do grupo focal.
A outra desistência se deu pelo fato da pastora, que também é professora de
uma escola pública, ter sido convocada para uma reunião depois que o agendamento
do grupo focal já estava realizado. A conjugação do ministério pastoral com outras
profissões não é algo incomum, quer para homens, quer para mulheres. No entanto,
muitas mulheres, por serem nomeadas no quadro pastoral da igreja sob a categoria
sem ônus, isto é, sem subsídios financeiros ou por receberem menos que o valor
mínimo estipulado pela lei canônica da igreja, precisam trabalhar em outros espaços
para garantir a sua sobrevivência. Ao analisar o mapa de nomeação pastoral da
terceira região eclesiástica da Igreja Metodista, que corresponde a grande parte
estado de São Paulo, foi possível perceber o número de mulheres nomeadas sem
direito à remuneração financeira. Esse tema será abordado no terceiro capítulo.
Todas as pastoras que participaram do grupo focal cursaram a Faculdade de
Teologia de São Paulo e apenas uma das participantes fez o curso noturno por
trabalhar em turno diurno. As demais estudaram no turno matutino e moraram no
alojamento da Faculdade de Teologia.
A escolha dos sujeitos levou em conta alguns critérios: o ano de conclusão do
curso; o tempo de ministério pastoral; o estado civil, a idade, a raça. Buscou-se, por
meio desses marcadores de diferença, garantir a diversidade do grupo que tinha em
comum o fato de todas estarem ordenadas ao ministério pastoral e terem feito a
graduação em teologia na mesma instituição.
Por ocasião da conclusão da tese, das pastoras que participaram da pesquisa,
quatro estão nomeadas para uma igreja local; uma conjuga a igreja local com a
atuação na pastoral universitária de uma das instituições metodistas de ensino; uma
se aposentou em dezembro de 2017, logo após a realização do grupo focal.
Ficou assim composto e caracterizado o grupo focal:
Nome Idade Cor/ Estado civil Filhos(as Ano Outra Pós- Tempo de
Raça ) de Graduação graduação ordem
conclusão presbiteral
Teologia
Hulda 62 branca divorciada 2 1990 Psicologia Mestrado 25 anos
62
Pedagogia (não
informado)
Rode 36 parda Solteira 0 2005 Pedagogia Não 11 anos
(cursando)
Dorcas 58 Não Casada 3 2010 Não Epidemio- 5 anos
especi- logia
ficado
Rispa 34 branca Casada 1 2009 Não Piscologia 8 anos
(falecido) organiza-
cional
Priscila 46 Branca Casada 1 1995 Não Mestrado 18 anos
Bíblia
sinalizaram que chegariam atrasadas e o grupo teve início às 15h. Das pessoas
atrasadas apenas uma chegou, a outra desistiu de participar porque teve problemas
com o carro enquanto se dirigia ao local.
O local escolhido foi a Universidade Metodista de São Paulo, onde todas
cursaram Teologia. A escolha foi proposital tendo em vista que retornar ao lugar onde
realizaram a sua graduação poderia ajudá-las a rememorar suas experiências. E isso
apareceu em alguns momentos nas vozes das mulheres:
Informação verbal27 (Eu consegui ainda aqui para dar aula de ensino religioso na
Pastoral. Então eu ficava a tarde fora. As meninas ficavam soltas nessa faculdade inteira aí
(HULDA)). Informação verbal (Vamos ter um emprego para você no restaurante. E como eu
sempre fui muito falante [...]. Então com isso eu comecei a conhecer do varredor ao reitor.
(RODE)) Informação verbal ([...] a igreja me dava a casa, o alojamento para eu morar aqui. E
à tarde eu ia fazer curso de línguas, eu ia assistir aula como ouvinte na pós-graduação.
Quando a pós-graduação ainda era ali no porão, ali no outro edifício. Eu passava a tarde na
biblioteca, a noite. Então eu fui sugando tudo aquilo que o ambiente universitário deixava à
disposição. Eu falei: - eu vou usufruir disso. Eu me sentia no primeiro mundo aqui nesse
campus (PRISCILA)).
Para a realização do grupo focal, escolheu-se uma mediadora e uma relatora.
A pesquisadora, na maior parte do tempo atuou como observadora do grupo. No
entanto, por também ser pastora metodista e em alguns momentos se sentir
representada nas falas, fez algumas interferências.
Destaca-se duas dessas interferências: a primeira foi na apresentação do tema
e objetivo geral da pesquisa e a outra quando o assunto dizia respeito a forma como
os homens tratavam as mulheres na faculdade, dizendo que é preciso escolher entre
ser bonita e ser pastora: ou se é bonita, ou se é pastora.
Informação verbal28 (Você sabe que eu nem sabia disso. Porque quando eu entrei na
faculdade um professor chegou para mim e falou assim: “Poxa vida! Você vai ser pastora e
vai ser bonita?” [...] que raiva. Desculpa a intervenção. Eu estou totalmente fora da
metodologia (ANDREIA)).
Nesse momento, veio à memória da pesquisadora o tempo em que cursou a
Teologia em outra instituição. Ela identificou que estereótipo: beleza ou vocação,
também estava presente naquela instituição. Na sua interferência, o distanciamento
do objeto como pesquisadora foi sublimado, era a pessoa que também vivenciara
essa violência verbal que acabava de se indignar.
Interessante destacar que, tendo em vista o atraso de uma hora para o início
do grupo, as pessoas conversaram muito, o que facilitou a interação no momento da
aplicação da metodologia. A maioria das mulheres se conhecia, então essa primeira
hora serviu para colocar a conversa em dia.
A pesquisadora, a moderadora e a relatora aproveitaram esse momento para
observar o grupo. Houve nos diálogos informais, antes do começo do grupo focal,
partilhas sobre experiências ministeriais negativas, isto deu indicativos de que haveria
facilidade em expor as querelas do ministério pastoral, tema que a pesquisa também
tinha interesse.
A moderadora percebeu que havia certa tensão no grupo por não saber do que
especificamente se tratava aquele encontro já que o que lhes foi informado é que seria
uma conversa sobre ministério pastoral feminino. A relatora percebeu que a espera
de uma hora não causou constrangimento no grupo, até porque aproveitaram o
momento para dialogar sobre as nomeações pastorais para as igrejas locais, que
acabara de acontecer, e as situações vivenciadas na vida pastoral.
O grupo focal foi iniciado pela moderadora, Prof.ª Dr.ª Telma Cezar da Silva
Martins, doutora em educação, que nos seus estudos sobre educação infantil e
processo de branqueamento usou a metodologia grupo focal (CEZAR, 2017). A
relatora do grupo foi a Prof.ª Ma. Beatriz Faleiro do Nascimento, mestre em educação,
que nos seus estudos sobre boas práticas na creche, se valeu da observação
participante e da pesquisa narrativa. (NASCIMENTO, 2017)
A moderadora explicou os procedimentos e distribuiu o formulário de
identificação que deveria ser preenchido. O preenchimento se deu sem maiores
problemas, percebeu-se apoio mútuo, apenas uma pastora pediu orientações. A
moderadora prosseguiu explicando sobre o funcionamento da atividade e estabeleceu
junto com o grupo, as regras para o bom andamento da pesquisa. Em seguida,
explicitou-se o tema e o foco da pesquisa e elas demonstraram atenção e disposição
para o diálogo.
Tendo em vista que a maior parte do grupo se conhecia e que a espera de uma
hora favoreceu a sua interação, eliminou-se o momento de apresentação pessoal e
65
alerta Sônia Gondin, “a fluidez da discussão sem que o moderador precise intervir
muitas vezes.” (Sônia GONDIN, 2003, p.154)
Devido ao atraso não houve intervalo para descanso; havia uma mesa com
lanches e, enquanto conversavam, tinham liberdade de ir à mesa e comer algo. A
conversa fluiu com muito entusiasmo e a moderadora ia intervindo cuidadosamente
para que as perguntas fossem sendo apresentadas.
Com a ausência de três pessoas no grupo focal, das oito que haviam se
comprometido, optou-se por conjugar à pesquisa mais um procedimento
metodológico, haja vista que não haveria tempo hábil para fazer mais um grupo focal.
Realizou-se uma entrevista individual, a fim de coletar, ainda que de modo diferente,
mais percepções. As pastoras que não puderam participar do grupo focal foram
convidadas para uma entrevista, mas apenas uma delas aceitou participar de uma
entrevista individual. A seguir sua identificação:
Na análise dos dados, Gatti propõe um percurso explicitando que “não existe
um modelo único e acabado de análise de dados dos grupos focais” (Bernadete A.
GATTI, 2005, p.46). A escuta repetitiva do documento a ser analisado, no caso deste
trabalho, os relatos do grupo focal, além de ser evidenciada por Gatti, está presente
nas orientações de Bardin (1977). Mais importante que a leitura da transcrição é a
escuta repetitiva dos diálogos, a fim de “se agrupar alguns aspectos das opiniões
expressas ou dos relatos, em função dos sentidos percebidos e dos valores
subjacentes” (idem, p.46).
Tal escuta permitirá a extração das categorias de análise relacionados ao
objeto de pesquisas para a “identificação das questões relevantes contidas no
conteúdo das mensagens” (Magali R. G. MEIRELES; Beatriz V. CENDÓN, 2010,
p.78). Esse procedimento é a categorização, que segundo Roque Morais (1999,p.6):
29
O Plano para a Vida e a Missão da Igreja é um documento de orientação que norteia a ação
missionária do metodismo no Brasil. O Plano foi aprovado pelo XIII Concílio Geral da Igreja Metodista
do Brasil, realizado em 1982, desde então tem sido um instrumento fundamental para a renovação da
prática missionária do povo chamado metodista em nosso país. Ainda que atualmente o quadro pastoral
não divulgue este documento em suas comunidades locais ele continua sendo um documento de
referência reconhecido pelo governo episcopal.
Para saber mais, indica-se a leitura de: IGREJA METODISTA. Plano para a vida e missão. São Paulo:
Imprensa Metodista, 1996; RIBEIRO, Claudio; LOPES, Nicanor. Vinte anos depois: a vida e a missão
da Igreja em foco. São Bernardo do Campo, SP: Editeo, 2002; CASTRO, Clovis Pinto; CUNHA Magali
do Nascimento. Forjando uma nova igreja: dons e ministérios em debate. São Bernardo do Campo, SP:
Editeo, 2001.
72
Como parte fundante desse labor missionário, o documento, após uma análise
de conjuntura da educação brasileira à época e das expectativas da ação educativa
da igreja, estabelece suas diretrizes educacionais. No caso específico da Educação
Teológica, assim estão descritas:
reflexão e ação para capacitar o povo de Deus, leigos e clérigos, para a vida
e missão, numa dimensão profética”.
Sob recomendação e pedido de alguns dos meus amigos aqui, abri uma
escola diária...Geralmente, crê-se que o estabelecimento de escolas de
aprendizagem sobre princípios largos e liberais será um dos meios mais
diretos de acesso ao povo deste país. Há muitos que valorizam o aprendizado
e, porque não podem educar os filhos aqui, mandam-no para outros países.
Se pudéssemos prestar-lhes esse serviço, creio que, com a bênção de Deus,
talvez poderíamos nos aproximar deles para prestar-lhes um serviço maior,
sim o maior dos serviços, o de encaminhá-los ao ‘cordeiro de Deus que tira
o pecado do mundo.’ (REILY, 2003, p.103)
Para essas missões a escola era continuidade da igreja. Ela era necessária ao
projeto conversionista, tanto como estratégia de aproximação, como explicita o
argumento de Justin, “quanto para superar o analfabetismo”. (DREHER, 2000, p.52).
Nessa educação protestante, diferente da luterana, o autor destaca a proeminente
participação das mulheres como professoras.
No livro “Vozes femininas no início do protestantismo brasileiro”, Rute S.
Almeida (2014), dá visibilidade às histórias das mulheres cujos nomes são rastreados
em meio à escassez de fontes, e suas participações são percebidas em várias frentes
da expansão do protestantismo, entre elas, a educação.
O capítulo 5 do livro trata das mulheres educadoras. Nele, a autora destaca a
missionária metodista estadunidense Martha Watts como uma pessoa singular. A
singularidade de Martha, para autora, centra-se nos seguintes aspectos: seu estado
civil, ela era solteira e assim permaneceu; sua missão, fundou uma escola para
mulheres; e seu sustento, foi a primeira mulher a ser enviada como missionária por
uma sociedade de mulheres da Igreja Metodista Episcopal dos EUA (Estados Unidos).
Estes aspectos, na minha percepção, desestabilizam, de certo modo, os estereótipos
de gênero para época, por isso tornam-se dignos de destaque.
77
30 26 de Junho 2017.
31 A figura de Martha Watts é determinante para a implementação e fortalecimento do Colégio
Piracicabano na cidade. Veja o que relata a Gazeta de Piracicaba por ocasião do primeiro exame: “Além
de uma paciência de fazer inveja, a Srta. Watts possui um método que pode ser considerado original.
Não é fácil descrever a arte e habilidade que ela tem para ensinar a todos aqueles pequeninos
aritmética, inglês, etc. Assistida por professores capazes e devotados, ela pode se orgulhar pelos
resultados de seus esforços. Nós não exageramos quando dizemos que o estabelecimento, sob sua
direção, é o primeiro na Província de São Paulo; e esperamos em pouco tempo ver uma procura por
parte dos ais que desejam dar a suas filhas uma educação verdadeira – isto é, uma educação que veja
além do memorize, memorize sem fim e universal.’’ in MESQUITA, Zuleica. Evangelizar e civilizar:
Cartas de Martha Watts, 1881 -1908. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2001.
78
32Como de praxe, o nome da sua mulher foi invisibilizado, faz-se necessário uma pesquisa mais
apurada para ver se é possível descobri-lo.
79
33O grifo na palavra moços foi opção da pesquisadora a fim de destacar o público alvo da educação
teológica para o ministério pastoral.
34
No livro do bispo Paulo Ayres Matos encontramos uma parte do relatório episcopal que diz respeito
a proposição da criação de uma nova instituição. Vejamos: “Minha opinião é que haja uma só Faculdade
de Teologia, independente de qualquer colégio, sob a direção de um conselho superior, nomeado pelo
Concílio Geral, com estatutos próprios mantidos pelas três regiões eclesiásticas, por um plano que lhes
garanta interesses, e no lugar que mais convier à Igreja em geral. Creio que de tal modo a preparação
ministerial será mais variada, mais profunda, mais econômica, mais fortalecedora da coesão da igreja,
desfazendo regionalismos inconvenientes por desagregantes, mas uniformizadora de nossas
atividades e mais entrelaçadora dos próprios ministros”
80
35
RIBEIRO, Margarida. Nos trilhos da vida... Contando a história de Otília de Oliveira Chaves, sem
data, sem página. Disponível em: < http://portal.metodista.br/centrootiliachaves/artigos-para-
estudo/nos-trilhos-da-vida-contando-a-historia-de-otilia-de-oliveira-chaves>. Acesso em 17/05/18
81
apresenta a memória para além da ideia de faculdade mental, de algo individual. Ele
evidencia a memória em sua perspectiva coletiva.
Para o autor, as memórias são construções dos grupos sociais, são eles que
determinam o que é memorável e os lugares onde essa memória será preservada.
Portanto, memória individual é pertencente, subsumida, imbricada nessa memória
coletiva:
relata que seu interesse pela história das mulheres surge na década de 70 e cita que
este movimento se expandia por outros países da Europa e nos Estados Unidos
(Michelle PERROT, 2008, p.15).
Para ela, escrever a história das mulheres era tirá-las do silêncio e da
invisibilidade. O escasso registro histórico sobre elas encontrava sustento no fato de
que “as mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos ou materiais. Seu acesso
à escrita foi tardio. Suas produções domésticas são rapidamente consumidas, ou mais
facilmente dispersas” (2008, p.17). Assim, o que predomina são os discursos sobre
as mulheres e não o das mulheres.
Michelle Perrot, em seu percurso investigativo, destaca que os registros
escritos das mulheres podem ser agrupados em três tipos de literatura: autobiografia,
diário íntimo, correspondência. “Eles não são gêneros especificamente femininos,
mas se tornam mais adequado às mulheres justamente por seu caráter privado.”
(PERROT, 2008, p.28)
Em relação às biografias destaca a escassa produção; quanto às cartas, estas
eram mais numerosas e com um considerável grau de circulação. No entanto, a
destruição e o anonimato eram ameaças diretas a elas.
Quanto ao diário íntimo, a autora nos traz uma contribuição interessante:
Existia em Ribeirão Preto, uma escola, que em 1935 havia passado por uma
modificação na sua estrutura, passando de escola primária, para uma espécie
de centro comunitário. Durante cinco anos realizou a sua obra, beneficiando
a comunidade local. Em 1940, no seu Conselho Superior, como era então
chamado, havia uma senhora – D. Agnes Dawsey, esposa do Rev. Ciro
Dawsey, que mais tarde chegou a ser um de nossos bispos. Por sua
sugestão, e porque não dizer, por inspiração divina, o Instituto Metodista
iniciou em 1941 um curso de Educação Cristã para jovens que haviam
85
terminado o seu curso primário. Era um curso de dois anos apenas, nos quais
as professoras tentavam dar às jovens o máximo possível, para que
pudessem voltar às suas igrejas e desempenhar o seu trabalho junto às
mesmas no campo da Educação Cristã (Dina RIZZI, 1979, p.21).
À medida que o tempo foi passando a formação das mulheres foi sendo mais
apurada, no princípio a exigência era o curso primário, depois passou a ser o ginasial.
O Instituto Metodista de Ribeirão Preto foi transferido para São Paulo, na
Chácara Flora, passando a chamar-se Instituto Metodista Santo Amaro,
transformando-se em instituição da área geral da Igreja. Suas atividades foram
iniciadas em 1950 sob a reitoria de Sarah Bennett (Margarida RIBEIRO, 2009, p.126).
A formação feminina também não habilitava as mulheres para o ministério
pastoral da igreja. Albertina Damasceno foi a primeira diaconisa a se formar. O curso
de Educação Cristã oferecido por esse instituto recebia mulheres ao diaconato.
Segundo Romilde S. Sant’Ana o curso preparava as mulheres para:
a) ser boa esposa e dona de casa: havia aulas de nutrição, boa postura,
culinária, enfermagem, horticultura, primeiros socorros com orientação sobre
obstetrícia, artes plásticas, etc. b) ser boa mãe e educadora: tínhamos aula
de psicologia da criança do adolescente e educação cristã no lar. c) ser
obreira: havia aulas sobre educação cristã, história da igreja, doutrinas da fé
cristã, música (harmonia, solfejo, hinologia e regência), seminários de
formação para trabalhos em favelas, serviço social na casa e em
comunidades, aconselhamento pastoral, criatividade, mitologia, liturgia e
pregação, cânones. O lema do Instituto era Viver para Servir e o Hino de
marcha trazia as seguintes expressões: o Instituto é sagrada montanha, onde
vemos um rosto brilhar; mas lá em baixo a agonia é tamanha, precisamos
descer e curar. As diaconisas mesmo depois de haverem concluído o curso,
após o casamento eram obrigadas a renunciarem a função. (V
ENCONTRO..., 1982, p.4-5)
Acho – opina Zeni que- uma vez que a oportunidade foi dada ao ministério
feminino, a mulher deve corresponder a ele dizendo “presente”. Sei –
continua – que nos próximos anos muitas colegas que estudaram no extinto
Instituto Metodista serão ordenadas presbíteras. A maioria desempenha
função pastoral, como diaconisas, em regiões mais abertas à participação da
mulher. Recorda Zeni que- até 1967, O Instituto Metodista tinha como
finalidade preparar moças para o trabalho nas Igrejas. Do currículo do curso
constava, além da matéria básica – educação cristã – uma série de cursos
práticos, que colocava a moça ao par dos problemas existentes na Igreja.
O curso não existe mais. As moças que queiram se preparar para servir a
Igreja estão sendo dirigidas ao Instituto Metodista de Ensino Superior – o IMS
- em Rudge Ramos, SP. Segundo observa Zeni “isto diminui um pouco o
número de moças interessadas. No Instituto Metodista – o de Santo Amaro -
a instrução mínima exigida era o ginásio completo. Na faculdade é o colegial.
Isto também dificulta os planos de muita gente”. (Claudia Romano de
SANT’ANA, 1974, apud REILY, 2003, p.392)
Romilde: Durante 13 e 14 anos que vivi em Minas Gerais atuei na igreja como
esposa de pastor, alienada da realidade não cheguei nem mesmo a perceber
a crise de 64 no Brasil. Sempre procurei uma forma de voltar para a
Faculdade de Teologia e isso só foi possível a 3 anos atrás. Foi aqui que tive
minha visão de mundo ampliada, sinto que temos que nos salvar, superar a
castração que nos foi imposta pela sociedade e igreja, temos que nos
ajudarmos (V ENCONTRO..., 1982, p.06).
A expressão de Romilde Foi aqui que tive a minha visão de mundo ampliada
evoca o processo que Freire chamou de transitividade crítica da consciência que é:
O homem é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem. Ela não é senão
o que o homem decide que seja; daí dizer-se o “sexo” para dizer que ela se
apresenta diante do macho como um ser sexuado: para ele a fêmea é sexo,
logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação
ao homem, e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o
essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro (Simone du
BEAVOIR, 2009, p.16).
O Centro Otília Chaves foi criado com a finalidade de integrar cada vez mais
os temas igreja-gênero-sociedade. Refletir sobre a presença das mulheres
na Igreja e na sociedade, capacitando-as para atuarem de maneira
consciente e transformadora, além de incentivar e dinamizar as pesquisas
relacionadas às histórias de mulheres.
Objetivos
Priorizar as questões relacionadas à mulher, pastoral, gênero e cidadania;
capacitar e refletir sobre a presença da mulher na Igreja Metodista e na
sociedade; proporcionar a integração da Fateo com a Confederação das
Sociedades Metodistas de Mulheres; capacitar e estimular a presença das
mulheres jovens nas igrejas e nos movimentos ecumênicos e na sociedade;
capacitar e ampliar a ação pastoral, especialmente no que diz respeito à
inclusão das mulheres nas diversas situações do cotidiano; incentivar e
dinamizar as pesquisas relacionadas às histórias de mulheres (memória de
mulheres do protestantismo brasileiro, especialmente mulheres metodistas);
Desenvolver publicações que atendam a prática missionária da Igreja,
principalmente destinadas às mulheres;
Histórico do Centro Otília Chaves
A Cátedra Otília Chaves surgiu no contexto da Década de Solidariedade das
Igrejas com as mulheres – CMI, por iniciativa das seguintes pessoas: Profª.
Bárbara Kemper, Prof. Thomas Kemper, Prof. Rui de Souza Josgrilberg,
Instituto Pastoral da FaTeo.
Para viabilizar este projeto buscou-se ajuda da Junta de Ministérios Globais
– Divisão de Mulheres dos EUA e da Igreja Unida do Canadá. A Cátedra Otília
Chaves, ampliou a sua atuação, transformando-a em Centro Otília Chaves.
Ao mesmo tempo preservando o aspecto acadêmico da Cátedra, na
91
O atual centro Otília Chaves, na sua concepção, foi nomeado como Cátedra
Feminista Otília Chaves, pois a sua intencionalidade era de fato ser um espaço para
estudos feministas e para viabilizar as demandas relacionadas às desigualdades nas
relações de gênero, dentro e fora do espaço eclesiástico. A palavra feminista não
permaneceu, nomeou-se, a princípio, como Cátedra Otília Chaves e posteriormente,
como Centro Otília Chaves. Enquanto era uma cátedra, esteve sob a coordenação da
Prof.ª Bárbara Hufner e depois da Prof.ª e pastora Nancy Cardoso Pereira. Atualmente
quem coordena o Centro Otília Chaves é a Prof.ª e pastora Margarida Ribeiro. Este
centro tem sido importante no processo de apoio para a formação das mulheres na
Igreja Metodista e para a formação de estudantes pesquisadoras(es), entre outras
atividades.
Nesse processo de disputa de território, um terreno bem difícil é a composição
da equipe docente no que diz respeito à presença de mulheres. Uma pesquisa sobre
a trajetória das professoras na Faculdade de Teologia, discutindo as disciplinas por
elas ministradas, e problematizando a ausência das mulheres, é algo de extrema valia.
Se atualmente a presença das mulheres se faz notória em termos numéricos
no quadro discente, a presença de professoras é bem mais tímida. Recentemente na
renovação do quadro docente da Faculdade foram contratados muitos homens, mas
o número de mulheres permanece restrito e, em decorrência do polêmico processo
de renovação do quadro docente, que não cabe discutir aqui, infelizmente, a faculdade
perdeu uma mulher, a professora Magali do Nascimento Cunha, que pediu demissão.
36
Sobre o Centro Otília Chaves. Disponível em: <http://portal.metodista.br/centrootiliachaves/sobre-o-
centro>. Acesso em: 17/05/2018.
92
vida da Igreja Metodista foi o livro Educação Teológica no século XX: rumos
perspectivas e visões sob a organização do prof. José Carlos de Souza. A publicação
é uma excelente fonte de reflexão sobre a educação teológica no Brasil, ainda que
dos treze artigos publicados apenas dois sejam de autoria de mulheres.
Três perguntas provocativas nortearam parte das reflexões registradas no livro,
que é fruto das palestras que aconteceram na 58ª Semana Wesleyana. São elas: Para
que serve a educação teológica? Ela é realmente necessária? O que as Igrejas
esperam da educação teológica?
As duas primeiras perguntas nortearam a exposição do pastor da Igreja
Presbiteriana Unida, Zwinglio M. Dias, que define educação teológica como:
guardem os dogmas e doutrinas da fé, mas saibam compartilhar a fé. O bispo termina
sua fala evocando Wesley e, partir dele, oferece três sugestões:
Leontino Faria dos Santos aponta temas muito semelhantes ao que João
Carlos Lopes e Hideide Brito Torres destacam quanto à expectativa da igreja em
relação à educação teológica e ainda acrescenta que “as igrejas esperam que seus
seminários não se descuidem da formação adequada dos docentes” (SANTOS, 2011,
apud SOUZA (org.), 2011, p. 41); e “que os seminários sejam fiéis reprodutores da
‘imagem-ideal’ desta instituição” (idem, p.41). Sobre este último tópico, destaca:
O exercício proposto pela FATEO por meio da 58ª Semana Wesleyana foi de
extrema valia, pois de fato é preciso que a faculdade se proponha a (re)pensar seu
papel, problematizar a educação teológica que está proposta no seu fazer num diálogo
com a igreja e com a sociedade, mas no binômio igreja-educação teológica, também
deve haver espaço, disposição da igreja para que a educação teológica apresente
suas expectativas: o que a educação teológica espera da Igreja-instituição? É uma
pergunta que clama por espaço e resposta e seguramente a Faculdade de Teologia
tem muito a dizer.
Se a educação teológica está em uma relação intrínseca com a igreja ela
acontece na sociedade e com a sociedade porque “toda reflexão teológica deve
sempre começar a partir da consciência da situação concreta em que nos
encontramos” (DIAS, 2011, apud SOUZA (org.), 2011, p.19). Por isso, o diálogo com
a sociedade de modo geral é fundamental, e a maneira como a sociedade caminha
também interfere diretamente no desenvolvimento da educação teológica.
O teólogo e pastor metodista Cláudio de Oliveira Ribeiro, que também
participou dessa semana, afirmou durante o evento:
Minha proposição é que se não ocorrerem, nos próximos vinte anos, rupturas
no processo democrático brasileiro que cerceiam os avanços sociais e a
liberdade das instituições, incluindo as igrejas e as de ensino, e se as igrejas
mantiverem o perfil conservador [mesmo com o aceleramento das propostas
intimistas, massificantes e refratárias ao pensamento crítico, como vemos
hoje], mas não eliminarem o espaço de reflexão mais crítica, a educação
teológica vai ser mais avançada do que ela é hoje. (RIBEIRO, 2011, apud
SOUZA (org.), 2011, p.19)
Quase dez anos depois da sua reflexão, o Brasil está inserido em uma contexto
político-religioso extremamente complexo; Magali do Nascimento Cunha chama
atenção para o neoconservadorismo evangélico que paira na sociedade, assim
definido por ela:
37
A CONET, órgão assessor do Colégio Episcopal na área de educação teológica, é composta por
representantes do Sistema Metodista de Educação, Colégio Episcopal, Reitor ou Reitora da Faculdade
de Teologia, diretores e diretoras dos Centros Teológicos Regionais e outras pessoas de reconhecido
saber e experiência no campo da educação teológica, nomeados/as pelo Colégio Episcopal, com a
responsabilidade de preparar e implementar o desenvolvimento do PNET, nos termos da
regulamentação aprovada pelo Colégio Episcopal. (IGREJA METODISTA, 2017, p.180)
99
38 Em 2015 a ASTE tinha 35 instituições teológicas vinculadas a ela. “Os estatutos enumeram oito
objetivos ou finalidades: estimular a cooperação mútua entre os membros; realizar esforço para a
execução de ideais comuns; publicar literatura teológica; promover estudos de temas de interesse das
instituições filiadas; promover a obtenção e oferecimento de bolsas de estudos a professores e alunos
das instituições filiadas; aplicar o Padrão de Reconhecimento aos membros associados que o
solicitarem; fazer levantamento estatístico das instituições de ensino teológico existentes no Brasil; e
publicar periodicamente um diretório das instituições evangélicas de ensino teológico existentes no
Brasil”( In: ASTE - quem somos. Disponível em: <http://www.aste.org.br/quemsomos.php>. Acesso em
03/06/2018.
100
Essa atividade, que tem por objeto a assistência religiosa a pessoas, famílias,
grupos, comunidades, instituições, possui função social relevante. Já vem de
longa data a formação de pessoas para o exercício pastoral, tarefa por meio
da qual irão propiciar atendimento, regular e constante, a diversos segmentos
sociais. Trata-se de dar atenção a um dos eixos centrais de sustentação da
vida humana, que é a experiência do sagrado, a busca do sentido da vida e
a vivência da dimensão da religiosidade (UMESP, 2009, p.8).
1º PERÍODO
Módulo: Introdução ao Antigo Testamento e Antropologia Teológica
(120H/A)
Temas: Literatura e Contexto Histórico do AT (80h/a); Criação e Antropologia
(40h/a).
Módulo: Metodologia da Pesquisa e Fundamentos de Teologia e História
dos Cristianismos (120h/a)
Temas: Fundamentos de Teologia (40 h/a); Fundamentos de História dos
Cristianismos (40 h/a); Metodologia da Pesquisa Científica (40h/a).
Módulo: Linguagem e Comunicação na Prática Pastoral (120h/a)
Comunicação na Prática Pastoral (40 h/a).
Linguagens (80h/a).
2º PERÍODO
Módulo: Introdução ao Novo Testamento e Cristologia (80h/a)
Temas: Literatura e Contexto Histórico do NT (40h/a); Trindade e Cristologia
(40h/a).
Módulo: História e Teologia dos Cristianismos Antigos (80h/a)
Tema: História e Teologia dos Cristianismos Antigos (80h/a).
Módulo: Liturgia e Música na Prática Pastoral (80h/a)
Temas: Liturgia (40h/a); Música na Prática Pastoral (40h/a).
Módulo: Formação Cidadã (120h/a)
Formação Cidadã (120h/a).
3º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Pentateuco (120 h/a)
103
4º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Profetas e Escritos (120h/a)
Temas: Metodologia Exegética e Profetas e Escritos (80h/a); Hebraico
Bíblico: Aspectos Gramaticais - Profetas e Escritos (40h/a).
Módulo: História e Teologia dos Cristianismos Modernos e
Pneumatologia (120h/a)
Temas: História do Cristianismos Modernos (80 h/a); Pneumatologia (40 h/a).
Módulo: Introdução à Educação Cristã, Homilética e Hermenêutica Teológica
(120h/a)
Temas: Educação Cristã na Prática Pastoral (40h/a); Homilética (40h/a);
Hermenêutica Teológica (40h/a).
5º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Evangelhos (120h/a)
Temas: Metodologia Exegética e Evangelhos (80h/a); Grego Bíblico:
Aspectos Gramaticais Evangelhos (40h/a).
Módulo: História e Teologia dos Cristianismos Contemporâneos,
Ecumenismo e Soteriologia (120h/a)
Temas: História e Teologia do Cristianismos Contemporâneos (40h/a);
Ecumenismo (40h/a); Salvação e Escatologia (40h/a).
Módulo: Ministério Pastoral e Educação Cristã (120H/A);
Temas: Educação Cristã (40h/a); Laboratório de Homilética (40h/a);
Ministério Pastoral (40h/a).
6º PERÍODO
Módulo: Metodologia do Estudo da Bíblia Cartas e Apocalíptica (120h)
Temas: Metodologia Exegética Cartas e Apocalíptica (80h/a); Grego Bíblico:
Aspectos Gramaticais - Cartas e Apocalíptica (40h/a).
Módulo: Estudos Wesleyanos e Fundamentos da Ética Cristã (120h/a)
Temas: Estudos Wesleyanos (80h/a); Ética (40h/a).
Módulo: Ministérios Específicos e Sociedade (120h/a)
Temas: Ministérios Específicos (40h/a); Igreja e Sociedade (40h/a);
Sociologia da Religião (40h/a).
7º PERÍODO
Módulo: Hermenêutica Bíblica: Interpretação e Prática (120h/a)
Temas: Hermenêutica do AT: Interpretação e Prática (60h/a); Hermenêutica
do NT: Interpretação e Prática (60h/a).
Módulo: Teologias e Questões Éticas Contemporâneas (120h/a)
Temas: Teologias Contemporâneas (40h/a); Teologias Latino-Americanas
(40h/a); Questões Éticas Contemporâneas (40h/a).
Módulo Antropologia da Religião e Práticas Educativas (120h/a)
Temas: Antropologia da Religião (40h/a); Aconselhamento Pastoral (40h/a);
Práticas Educativas em Comunidades Religiosas (40h/a).
8º PERÍODO
Módulo 1Bíblia e Teologia da Missão na Prática Pastoral (100h/a)
Temas: Situações Missionárias na Bíblia (50h/a); Missiologia Contemporânea
na Igreja Hoje (50h/a).
104
Mulheres
9 - 25% Homens
27 - 75%
Especialistas
2- 6%
Doutores(as)
Mestres(as) 17 - 47%
17- 47%
12
10
0
DOUTORES(AS) MESTRES(AS) ESPECIALISTAS
PROFESSORES PROFESSORAS
100
80
60
40
20
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
MULHERES HOMENS
15 13
12 12
11 11 11
10 10
9 9
10 8 8
7 7 7 7
6 6
5 5
4 4
5 3 3
1
0 0 0
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Assim, de uma maneira geral, pastoral em seu conceito mais amplo preocupa-
se com a relação do ser humano com Deus, com a relação do ser humano com a
religião e com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
115
Em suas reflexões, Castro nos adverte que “no senso comum das igrejas
evangélicas, o conceito de pastoral tem um forte conteúdo clerical, ou seja, relaciona-
se com atividades do pastor ou da pastora” (idem, p.104). De fato, ainda que o
conceito de pastoral seja mais amplo do que a atuação de uma pessoa, no universo
protestante e evangélico ele também se traduz na função exercida por alguém que
tem uma vocação e um carisma para desenvolver a pastoral por meio de um
ministério, o ministério pastoral.
Vocação, do latim vocatione, é entendida como ato de chamar, inclinação ou
propensão natural para um estado ou profissão, predestinação, escolha, talento. Na
perspectiva religiosa, Oliveira Filho destaca que vocação “possui o sentido de chamar,
convidar, escolher” (FILHO, 2005, p.112 apud RENDERS (org.), 2005). A autoria de
tais ações está atrelada a Deus. É Deus, quem chama, escolhe, vocaciona o seu povo,
para o desenvolvimento de alguma missão, de algum projeto.
Vocação, como vivência cristã, é o meio pelo qual Deus reúne o seu povo e
o convida para segui-lo. ‘Se alguém vir após mim...’ (Mateus 16,24). Assim, a
vocação aponta-nos a ideia de que o chamado de Deus é a todos os que
creem para serem salvos e serem cristãos em tudo o que fazem. Tudo o que
fazemos inclui a nossa vocação (FILHO, 2005, p.114)
para servir a Deus. É o exercício de uma missão dada por Deus, que não compreende
um ato isolado, ‘a-histórico’, antissocial. Ela se dá perfazendo a história,
possivelmente como fruto dessa história. É na história, na sociedade, que essa
vocação aparece, se confirma e se alimenta. Isto ocorre de forma processual,
sistêmica e não como um evento isolado em si mesmo. “A vocação acontece sempre
no contexto da Igreja, pois o vocacionado deve estar integrado ao Corpo de Cristo” é
o que afirma o Bispo metodista Josué Adam Lazier. (LAZIER, 2003, p.15)
Por carisma entende-se “o dom mediante o qual o Espírito Santo age na vida
do/da cristão/ã e da Igreja à medida que o/a cristão/ã se oferece a Deus em resposta
ao Seu amor” (LAZIER, 1982, p.89). Dessa forma, o carisma se manifesta na
coletividade, pois tem como finalidade o fornecimento de ferramentas à Igreja para o
serviço. Isto confere ao carisma uma finalidade específica. Para se falar de carisma
pastoral é preciso considerar, também, aspecto comunitário (igreja), bem como a
premissa de que o modelo do carisma é o ministério de Jesus (idem, p.93):
O carisma pastoral é, portanto, um mandato da Igreja. É a Igreja que capacita
que avalia que ordena e consagra e dá o mandato. A vocação, o chamado, o
despertamento para ministério pastoral pode ser individual, ou pessoal, mas
o mandato, a ordenação, a autorização para o exercício dos atos pastorais e
dos sacramentos são dados exclusivamente pela Igreja. (LAZIER, 2004, p.4)
42 O Concílio Geral é o órgão superior de unidade da Igreja e suas funções são legislativas, deliberativas
e administrativas. O Concílio Geral reúne-se ordinariamente a cada cinco (5) anos e,
extraordinariamente, quando necessário. Para saber mais, leia a Seção I do Capítulo V dos Cânones
(2017) da Igreja Metodista.
43 A Campanha Vocacional visava o despertamento de vocações para o ministério pastoral. Por meio
de cadernos motivadores, as comunidades locais em todo o Brasil tiveram acesso a este material de
119
44
Relatório do Colégio Episcopal ao 18º Concílio Geral da Igreja Metodista. Sede Nacional, SP, 1ª ed.,
junho / 2006, p. 56.
45 A conferência missionária doutrinária aconteceu durante o 20ºConcílio Geral da Igreja Metodista,
realizado entre os dias 3 e 10 de julho de 2016. Na ocasião a conferência tratou de temas para orientar
a caminhada ministerial da Igreja. Os temas tratados foram: Ministério Pastoral; Escola Dominical; Dons
e Ministérios; Eclesiologia; Discipulado e Igreja Conciliar. A conferência foi elaborada com o objetivo
de que a “Igreja Metodista esteja firmada sobre os fundamentos sólidos de sua fé, à luz de sua história
e da sua vocação expressa através dos seus documentos e decisões conciliares” (IGREJA
METODISTA, 2016, p.6).
46 Grifo da autora para reforçar a ênfase da Assembleia.
123
[...] que sejam pastores e pastoras que rejeitem toda forma de arrogância
ministerial para ser considerado servo de Deus, do povo e da igreja; que
entendam o espírito de superioridade, o orgulho espiritual, a soberba da
posição que ocupam são refugados ao lixo, pois preferem a humildade de
Cristo quando lavava o pé dos seus discípulos, do que serem comparados
aos fariseus neotestamentários deste século (IGREJA METODISTA, 2016b,
p.13-14).
Que possuam forte dependência de Deus por entender que foram chamados
por ele e está a serviço dele na Igreja Metodista [...]. Que sejam pastores e
pastoras que não vivam sem o enchimento do Espírito Santo, pois entendem
que sem ele não há ministério, nem ministro de Deus na igreja e no mundo.
(IGREJA METODISTA, 2016b, p.11-12).
a) O pastor e a pastora o amem. Sobre isso afirmam: “todas as demais coisas são
importantes, doutrina, estratégia pastoral, mas nada acontece sem essa primeira”
(COLÉGIO EPISCOPAL, 2016c, p.29).
b) Que o pastor e a pastora amem as ovelhas que lhes são confiadas. Sobre isso
afirmam:
Pastor/a é, acima de tudo, uma pessoa apaixonada pelas vidas (almas) sem
Deus. Seu zelo pelas vidas que estão longe de Cristo o/a faz gemer por elas,
se comove ao ver as crianças na rua, os jovens drogados e o mundo sem
Deus. Esta paixão o/a faz apaixonado/a pela evangelização, pelo serviço ao
mundo, pelas missões mundiais. (COLÉGIO EPISCOPAL, 2016c, p. 30)
As orientações do relatório neste item terminam com um diálogo com o que tem
acontecido na sociedade, destacando o cenário corrupto em que a sociedade se
encontra inserida, situando que em alguns momentos a igreja evangélica tem
sucumbindo à corrupção. Diante disso, situa-se com um alerta:
49“O protestantismo de conversão ou missão estabeleceu-se no Brasil a partir dos anos 50 do século
XIX após um período preparatório promovido pelas sociedades bíblicas internacionais que enviaram
seus agentes bem antes da chegada dos primeiros missionários [...]. Assim, entre 1888 e 1965, todos
os ramos do protestantismo histórico do Brasil, tornaram-se administrativamente autônomo, ao mesmo
tempo em mantêm relações fraternais e de cooperação com seus congêneres por intermédio de
organizações regionais e mundiais” (MENDONÇA, A.G. Protestantismo Histórico (verbete). In:
BORTOLLETO FILHO, F. (Org,). Dicionário Brasileiro de Teologia, São Paulo: Aste, 2008).
129
A admissão das mulheres foi lenta, porém constante. Isto mostra que, ainda
que os registros historiográficos da trajetória da igreja não priorizem as mulheres,
trata-se de uma realidade presente desde os registros bíblicos. Os movimentos de
mulheres em prol da ocupação de espaços legítimos a elas, porém negados,
estiveram sempre presentes nas suas trajetórias.
Uma pergunta cabe a essa linha histórica traçada por José Dimas Soberal:
quem eram essas mulheres que conseguiam ocupar tais espaços? Qual a sua raça?
Sua idade? Seu estado civil? Os registros do autor não nos concedem respostas para
estas perguntas. A não ser o estado civil da primeira ministra ordenada nos Estados
Unidos: a senhorita Antoniette Louisa Brown, uma mulher que não era casada.
Antoniette era uma mulher branca, solteira e professora, portanto assumia uma
posição mais privilegiada na sociedade. Isto ajuda a suspeitar que nem todas as
mulheres estavam em condição de igualdade entre si para conseguir ocupar os
espaços masculinizados na igreja da época. E hoje, elas se encontram em condição
de igualdade? Uma pergunta retórica.
O historiador eclesiástico, professor e pastor metodista Duncan A. Reily, tem
uma significativa obra sobre o ministério feminino. O livro Ministérios femininos em
perspectiva histórica reúne as pesquisas de Reily em três períodos históricos da
igreja: antigo, medieval e moderno, este último compreendendo da reforma até o
século XX.
Em suas considerações, o autor afirma que o debate sobre os ministérios
femininos se relaciona de forma mais evidente à questão da ordenação e ministração
no altar. Tal dilema, segundo Reily, “reduz-se a duas indagações: pode a mulher
legitimamente ser ordenada sacerdotisa? Pode, portanto, a mulher licitamente
ministrar a Eucaristia?” (REILY, 1997, p.13). Essa obra apresenta as várias faces dos
ministérios femininos, no entanto explicita desde o começo que não pretende
“escrever a história da ordenação das mulheres” (idem, p.13), muito embora faça
menção de assuntos como ordens, ordenações, sacerdócio e outros fins.
No que diz respeito à idade antiga, cujos estudos começam a partir da época
de Jesus, o autor afirma que o protagonismo dessa época foi maior do que na idade
medieval. Afirma Reily:
A liderança que lhe era negada na igreja secular era exercida tranquilamente
pela mulher enclausurada. A intensidade da sua devoção muitas vezes se
expressava em escritos cuja influência real tornava algumas destas mulheres
verdadeiras teológicas e dirigentes do pensamento da igreja. (REILY, 1997,
p.98)
entrevistadas no grupo focal: Informação verbal51 (Quando a gente entra e a frase que a
gente ouve: - você quer ser pastora ou você quer ser bonita?)
1759-1770 57,8%
1781-1790 55%
Diante desse quadro, podemos perguntar: Quem eram essas mulheres? Até
onde ia esse protagonismo? Como se desenvolvia? Ainda recorrendo às pesquisas
de Simeone, vale destacar que as mulheres eram de várias classes sociais, elas
dirigiam pequenos grupos de mulheres, pregavam e ensinavam nesses grupos, eram
missionárias, abrindo caminhos para o movimento e iniciando sempre novos grupos;
visitavam as pessoas enfermas, ajudavam as pessoas necessitadas, acolhiam
pregadores em suas casas, apoiavam financeiramente a expansão do movimento.
É importante frisar que, como Simeone (1993, p. 41) também afirma, “o
problema de John Wesley e os homens metodistas da época em relação às mulheres
dizia respeito ao direito das mulheres pregarem, “eles eram contra elas falarem em
público, e muitas sutilmente continuaram”. E essa discordância encontrava amparo no
texto bíblico em 1Coríntios 14.34 que até hoje serve de base para negligenciar o direito
das. mulheres ao púlpito e ao ministério pastoral: “conservem-se as mulheres caladas
nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também
a lei o determina” (BÍBLIA SAGRADA,2015,p.1652).
A saída que John Wesley encontrou para explicar a atuação das mulheres que
pregavam, era que se tratava de algo extraordinário, sobrenatural, vindo da parte de
Deus, mas que ainda sim, elas tinham que agir com reservas. Segue o comentário
dele ao texto bíblico de 1Coríntios 14.34:
apontadas por elas, nos utilizamos dos relatórios dos encontros nacional de ministério
pastoral feminino que aconteceram nos primórdios deste ministério.
Em 1971 a Igreja Metodista do Brasil aprovou no X Concílio Geral a ordenação
de mulheres ao ministério pastoral. Conforme registra Jussara Rotter CAVALHEIRO
(1996) este concílio aconteceu em duas etapas: a primeira de 15 a 22/07/1970 em
Belo Horizonte no Instituto Metodista Izabela Hendrix, a segunda de 31/01 a
07/02/1971 no Instituto Metodista Bennett. Um concílio bem longo e, conforme afirma
a autora: “a periodicidade singular deste concílio resultou de um ambiente tenso
desencadeado em setores importantes da igreja num momento da vida nacional
igualmente conturbado” (Jussara R. CAVALHEIRO, 1996, p.96).
A inclusão das mulheres no ministério pastoral feminino fez parte do projeto de
reforma constitucional da Igreja Metodista do Brasil que sugeria a mudança redacional
dos artigos 12 e 13 dos Cânones para:
Elena Alves Silva Pinto (2002) apresenta no seu trabalho o extrato da ata
referente à votação: “O resultado desta votação foi: Sim: 64 e Não:0” (p.38). O trabalho
de Pinto mostra duas questões relevantes referentes ao processo que sucedeu a
questão da ordenação. A primeira é onde se originou essa proposta. Ainda que a ata
do concílio atribua a autoria da proposta ao senhor Odyr Gideão Köeche, na verdade
essa proposta é oriunda da Comissão Geral de Legislação. Afirma a autora:
53
Expositor Cristão: jornal oficial da Igreja Metodista, jornal protestante mais antigo do Brasil que ainda
em circulação. Sua primeira edição foi em 01/01/1886.
137
54 A Revista Voz Missionária é conhecida como a Revista da Mulher Metodista. Neste ano a Revista
completa 89 anos de circulação. No ano de sua criação, 1929, as mulheres no Brasil ainda não tinham
direito a voto. As mulheres ainda eram silenciadas na urnas mas por meio da revista sua voz foi
compartilhada em todo o país. As mulheres brasileiras só tiveram direito ao voto, sem qualquer
restrição, em 1934.
138
55
A Comissão Geral de Constituição e Justiça anulou as decisões legislativas tomadas na 9ª e 10ª
sessões do XX Concílio Geral mediante recurso de um membro clérigo. A proposta referente às
mulheres foi tema de uma dessas sessões.
139
mulher na sociedade, passando por uma análise de seu papel na família e no trabalho,
fazendo um panorama tanto da situação da opressão das mulheres quanto das
condições e luta por libertação. Os registros que se tem desse encontro são as cópias
das palestras ministradas e não há relato de situações específicas que pastoras
estavam vivenciando no ministério.
O terceiro encontro foi realizado na Faculdade de Teologia no ano seguinte,
1980, mas não se obteve, por meio dos documentos disponíveis na Biblioteca, o
registro da data. O que se encontra disponível sobre este encontro são os registros
das reflexões que nele ocorreram, a saber: A participação da mulher na Bíblia e na
Igreja elaborada por Joana D’Arc Meireles, Wilma Joan Roberts, Rosângela Soares
de Oliveira, Ernesto Barros Cardoso e “A Participação da Mulher na História da Igreja”,
elaborada por Duncan Alexander Reily, Isaly Rubin Duarte Pinto, Maria de Lourdes
Mendes das Neves e Zeni Soares de Lima.
A ata do quinto encontro nacional do ministério pastoral feminino é a que mais
fornece informações a respeito do processo histórico do início do ministério pastoral
de mulheres. O quinto encontro aconteceu na Faculdade de Teologia, de 05 a 08 de
outubro de 1982 e contou no primeiro dia com a participação de 16 pessoas (pastoras
e acadêmicas da FATEO), chegando até 18 pessoas no último dia. Ao que parece a
baixa aderência ao encontro foi incômoda a ponto de constar em ata uma justificativa:
“feito esclarecimentos sobre o motivo da ausência de grande número de pastoras no
presente encontro constatou-se que a grande maioria delas não puderam participar
por problemas de saúde” (V ENCONTRO, 1982, p.1).
A construção da agenda deste encontro contemplou as demandas que a
avaliação do quarto encontro apontou e ficou assim constituída:
1.história do MPF (painel); 2. Hoje no MPF (experiências); 3. Estudo do Plano
para a Vida e Missão da Igreja – Diretrizes para a educação teológica; 4.
Cânones (Nova Legislação); 5. Eleições de 15 de novembro (Como estamos
tratando este assunto nas igrejas); 6. Reflexão enquanto pastoras da I.
Metodista; 7. Eleição organizadora do IV EMPF 56, celebração da eucaristia e
avaliação (V ENCONTRO..., 1982, p.2).
Lutava-se pelo acesso à nomeação e pela permanência na igreja para qual foi
nomeada; em seu trabalho, Elena Pinto traz o registro de uma pastora que ingressou
como aluna em 1978 na FATEO sobre o seu primeiro ano já como pastora ordenada
e nomeada:
Houve episódios terríveis no meu primeiro ano. O então guia leigo (da
legislação antiga) ameaçou sair da igreja, fez boicotes e por fim, chegou ao
extremo de contratar pessoas (três rapazes) para tentar me expulsar da
cidade. Esses rapazes tinham como tarefa me aterrorizar. Nas madrugadas,
tentavam invadir a minha casa. Precisei adquirir uma arma de fogo (um
revólver) para a defesa pessoal. Meu pai ficou por três semanas em minha
casa escondido para poder pegar os rapazes e a polícia teve de dar proteção
por algum tempo. Quando o caso foi solucionado, é que foi descoberto que
os rapazes foram contratados para me expulsar. Este episódio triste, mas a
igreja se sensibilizou e passou a dar a atenção ao meu trabalho e caminhar
comigo. O guia leigo saiu da comunidade. Fiquei nesta comunidade por três
anos. Isto não me fez desistir, pelo contrário deu muito mais força para
continuar. (Elena Alves Silva PINTO, 2002, p.45)
Aceitar a presença de uma mulher como pastora era algo realmente incômodo,
como o fora sempre a participação das mulheres em espaços não legitimados
historicamente para elas, quer na igreja ou fora dela, pois em vários setores da
sociedade as mulheres sempre encontraram – e ainda encontram – dificuldades para
ocupar e permanecer em tais posições.
Nas reflexões do quinto encontro, registradas em ata, surge o questionamento
sobre o preconceito vivenciado:
Havia uma discriminação clara por parte dos colegas, igrejas, e tivemos que
assumir que éramos pastoras. Temos que ser pastoras, mas que tipos de
pastoras? Nas regiões somos isoladas, não contamos com o apoio dos
bispos nem de ninguém; temos que descobrir pistas para prática pastoral em
igrejas sem jovens, anestesiadas, porque estas são as igrejas que como
pastoras recebemos. (V ENCONTRO, 1982, p.8)
Nazareth afirma que não estamos preocupadas em contestação [...], mas sim
em perceber aspectos da teologia, da tradição metodista, que viabilizaram a
participação das mulheres, e que podemos hoje nos apropriarmos dos
mesmos, para a viabilização do nosso ministério de mulheres (FATEO,1995,
p.1).
O fato de não haver preocupação por parte da palestrante, não significa que a
invisibilidade dos marcadores de diferença não seja preocupante. Não foi isso que
afirmou a bispa Marisa de Freitas Ferreira na 61ª Semana Wesleyana, que aconteceu
em 2012 sob o tema: “Caladas na Igreja? Mulheres e Igrejas nos dias de hoje”.
Em sua palestra sobre o ministério pastoral, a bispa destaca que a classe
social, a etnia e a aparência contam muito quando se trata da aceitabilidade das
mulheres no ministério pastoral como em outros espaços sociais. Na palestra a bispa
destaca que o início do ministério pastoral foi marcado pelo movimento organizado
das pastoras, destacando-as como mulheres que abriram o caminho.
Sobre os enfrentamentos dessas mulheres, a bispa destaca que elas
vivenciaram uma luta muito árdua, que custou o sangue e a fé dessas mulheres que
neste tempo, além de construírem uma nova prática, foram achincalhadas,
143
O relatório não contemplou a categoria gênero, por isso não sabemos, de forma
oficial, quantas mulheres fazem parte do corpo pastoral. Em uma contagem realizada
por esta pesquisadora, a partir das listas de nomeações das regiões eclesiásticas
disponibilizadas pelas regiões no início do ano de 2018, foram contabilizadas, a
princípio, 472 pastoras nas oito regiões eclesiásticas e nas duas regiões missionárias.
Este número mostra que cerca 32% do corpo clerical da igreja é composto por
mulheres nas diversas categorias do ministério pastoral: presbíteras; pastoras,
aspirantes ao presbiterado e missionárias designadas.
As pastoras metodistas têm desenvolvido seus ministérios em várias instâncias
da Igreja Metodista: nas igrejas locais, nas sedes nacional e regionais, nas
universidades e escolas da Rede Metodista de Educação, quer como professoras,
quer como agentes de pastoral, em instituições parceiras da Igreja Metodista do Brasil
no próprio país e em outros países.
Tendo em vista que os sujeitos pesquisados neste trabalho são pastoras
ligadas à 3ª Região Eclesiástica,57 que compreende a maior parte do estado de São
Paulo, optou-se por elaborar um perfil mais amiúde das pastoras lotadas nessa região.
Para isso cadastramos o corpo pastoral da Igreja Metodista na 3ª Região Eclesiástica,
a fim de fazer um comparativo entre mulheres e homens ordenados ao ministério
pastoral e considerados como membros ativos(as) no ministério, isto é, aqueles e
aquelas que não estão licenciados.
A seguir, por meio de gráficos, apresenta-se um perfil das pastoras da 3ª região
eclesiástica.
O número de pastoras ativas no quadro pastoral da igreja da 3ª região segue a
mesma tendência do número de alunas e professoras na Faculdade de Teologia. Hoje
as mulheres representam um pouco mais de 34% da membresia clériga.
57
A terceira região eclesiástica localiza-se no estado de São Paulo e está dividida em dez distritos, a
saber: 1. Distrito do Vale do Paraíba (igrejas localizadas em Cruzeiro, Cacheira Paulista, Piquete,
Lorena, Guaratinguetá, Potim, Cunha, Ubatuba, Campos de Jordão, Pindamonhangaba, Tremembé,
Taubaté, São Luís do Paraitinga, Caraguatatuba, São Sebastião, Paraibuna, São José dos Campos,
Jacareí. 2. Distrito Grande ABC (igrejas localizadas em Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Santo André,
São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul). 3. Distrito Leste 1 (igrejas localizadas em Santa Izabel,
Mogi das Cruzes, Itaquaquecetuba, Poá, Suzano). 4. Distrito Leste 2 (igrejas localizadas na zona leste
da cidade de São Paulo). 5. Distrito Central (igrejas localizadas na cidade de SP). 6. Distrito Norte
(igrejas localizadas em Atibaia, Guarulhos). 7. Distrito Sul (igrejas localizadas em Itapecerica da Serra,
Embu Guaçu, Embu Taboão). 8. Distrito Oeste (igrejas localizadas em Barueri, Osasco, Caieiras,
Francisco Morato, Campo Limpo Paulista, Jundiaí, Itatiba). 9. Distrito Litoral (igrejas localizadas em
Registro, Cubatão, São Vicente, Praia Grande, Santos, Guarujá, Bertioga. 10. Distrito Sorocaba (igrejas
localizadas em Capão Bonito, Itapeva, Itapetininga, Tatuí, Sorocaba, Ibiúna, São Roque, Cotia).
145
Membros Clérigo(as)
70
215
Mulheres Homens
categorias de nomeação
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Mulheres Homens
presbíteras(os) 47 173
pastores(as) 2 1
Missionários(as)MD 8 26
pastores(as) acadêmicos(as) 12 13
Aspirantes 1 2
presbíteras(os) pastores(as)
Missionários(as)MD pastores(as) acadêmicos(as)
Aspirantes
Quanto à liderança na igreja local, os membros clérigos são nomeados como titulares
ou coadjutores.
Remuneração financeira
120
100
80
60
40
20
0
Mulheres Homens
Com ônus 35 101
Sem ônus 33 43
Pastoras:
149
Pastores e pastoras:
Figura 5: Localização geográfica das mulheres e homens nomeados para a 3ªRE
Já são quase 130 anos de educação teológica metodista no Brasil. Neste período,
por 82 anos as mulheres não tiveram o direito de estudar para se tornarem pastoras
da Igreja Metodista. É só em 1972 que elas são recebidas na faculdade. Será que
antes de 1972 Deus chamou apenas homens para o ministério pastoral? Porventura
teria Deus se despertado para vocacionar mulheres apenas a partir dos anos 1970,
em plena segunda onda do movimento feminista?
A historiografia da trajetória das mulheres no protestantismo brasileiro mostra que
elas trabalhavam em todas as áreas da igreja. Ainda que sem título, muitas mulheres
153
assumiam funções pastorais. Nadir Jaime Krüger, de Porto Alegre/RS, é uma destas
mulheres, que o trabalho de Margarida F. Ribeiro (2009) destacou e que foi citada no
capítulo 3.
A Faculdade de Teologia de São Paulo em São Bernardo do Campo começou a
ser construída em 1941, uma arquitetura pensada para receber apenas os homens.
Se naquela época, em que as mulheres não tinham conquistado o direito de ocupar
as cadeiras da faculdade, a igreja conquistou mulheres para que as salas de aula
fossem construídas. A seguir o testemunho de um dos reitores da Faculdade, bispo
Sante Uberto Barbieri:
Um testemunho de compromisso. Eu estava na Igreja de Vila Isabel, no Rio
de Janeiro, e lembro que lá preguei a favor da Faculdade de Teologia, e,
comecei a levantar um fundo patrimonial; nessa noite se levantou uma coleta.
E o que eu tenho mais vivido dessa época, foi que uma senhora de origem
africana, que tinha sido escrava, depois da tomada de tomada a oferenda,
veio dizer para mim: ‘não tenho dinheiro...’ – já era uma pessoa idosa –
“...mas o que eu tenho vou lhe dar...é um par de brincos para essa oferenda’
[Para o Fundo da nova Faculdade]. Naturalmente, isso me sensibilizou
muito...’ No Expositor Cristão nº32, de 30/08/1938, no artigo “Iniciando o
trabalho”, Barbieri registra que a doadora foi a senhora Inácia de Assis
Teixeira e que ela adquiriria aquele par de brincos em 1893.
(EDUCAÇÃO,2011, p.6)
Inácia colaborou com seus brincos e Maria da Silva com o seu trabalho de
lavadeira e com a oferta de “50$000” (Margarida RIBEIRO, 2009, p.168). A Faculdade
de Teologia foi construída, depois dela veio Universidade Metodista de São Paulo;
hoje a FATEO tem uma estrutura maravilhosa e isso foi evidenciado nas narrativas
das mulheres no grupo focal: Priscila, Informação verbal58 (eu me sentia no primeiro
mundo aqui nesse campus”).
A educação teológica é a principal parte da formação teológica, mas a formação
não se restringe apenas à graduação. Uma série de pré-requisitos são exigidos para
que uma pessoa se torne membro do ministério pastoral, antes do ingresso na FATEO
e após a conclusão do curso. Se a educação teológica dialoga mais diretamente com
o ensino formal, a formação é mais ampla. Ela acontece dentro e fora das salas de
aula, antes e depois da conclusão do curso.
A análise da unidade contextual chamada Formação Teológica se propõe a
analisar a percepção das pastoras sobre a educação teológica, o tema da teologia
58 Informação de entrevistada.
154
feminista, outros espaços formativos que elas vivenciaram e a relação entre mulheres
e homens na faculdade.
Informação verbal59 Relato 1 (Rispa: E para mim a formação teológica foi algo
que deu estrutura àquilo que eu já vivenciava no meu relacionamento com
Deus...Pesquisadora: E ela colaborou para sua formação pastoral, assim, para como
você é pastora? Rispa: Ah, sempre. Até hoje. Porque até hoje eu recorro às vezes
aos universitários. Porque é essencial na verdade. Para mim foi esse fundamento
mesmo, porque eu tinha aquela experiência com Deus, aquele chamado, aquela...
Moderadora: Sim. Rispa: Mas na Faculdade de Teologia eu confirmei tudo isso. E
60
Relato das entrevistadas.
157
61
Relato das entrevistadas.
62
Naturalmente, na perspectiva profética, a educação se instauraria como um método de ação
transformadora. Como práxis política a serviço da permanente libertação dos seres humanos, que não
se dá, repitamos, só em suas consciências, senão na radical transformação das estruturas, em cujo
158
processo se transformam as consciências. Do ponto de vista profético, não importa qual seja o campo
específico em que se comunica a educação, ela é sempre um esforço de esclarecimento do concreto,
para o qual educadores-educandos e educandos-educadores devem se encontrar ligados através da
sua presença atuante. É sempre uma prática desmistificadora que ao desmascarar a realidade da
consciência, ajuda o desenvolvimento da consciência da realidade (tradução livre realizada pela
autora).
63 Relato de entrevistada.
159
64
Relato de experiência das entrevistadas.
160
Hulda: Que era média para passar. Só sete. Sete para mim é dez. Sete para
mim é dez. Aí ele falou assim: - então. Não. Você não vai tirar sete. Você vai tirar oito.
Está muito boa a sua... Porque dez é só do para o Milton Schwantes 65.
Rispa: É.
Hulda: Muito boa. E no final ele me dava um cafezinho com pão de queijo.
Pesquisadora: Pão de queijo.
Rode: Era a melhor coisa.
Dorcas: Isso é da formação também. Isso é formação também).
Além de episódios positivos, as narrativas das pastoras contemplam
experiências com docentes que evidenciam uma relação distante da propagada por
Freire. E mais uma vez, a narrativa da pastora Hulda pode ilustrar essa situação.
Informação verbal66 (Até ao ponto de o reitor chegar para mim e falar assim: - olha...
Como você não é casada... se você fosse casada você estava no espaço das
mulheres casadas e teria um marido. E você não é solteira. Então você teria que estar
num lugar que era e você teria um pai, uma família, um pai. Então antes que eu tenha
que explicar que focinho de porco não é tomada, eu gostaria que você não se
envolvesse com os teus colegas de classe. Eu não podia estudar, eu não podia me
envolver, eu não podia estar em equipe com eles. Aí eu disse para o meu reitor, eu
falei assim: - eu não concordo com isso. Porque quando eu casei eu casei com véu e
grinalda e meu pai me levou no altar. Eu não tive problema nenhum com ele. E quando
eu estou vindo aqui eu estou vindo com as minhas duas filhas e eu venho com uma
família. Eu sou família. Eu não sou casada, mas eu sou família. E não sou solteira. E
eu tenho família. Então eu gostaria que o senhor me respeitasse. Eu respeito o senhor
e respeito todos os meus colegas. Eu gostaria de ser respeitada aqui. E desde então,
depois, quando eu terminei, quando eu me formei, esse reitor veio e me deu um
abraço e falou: - muito bem. Você conseguiu. Você se superou. Você não deu um
trabalho para mim. Isso é discriminação gente. A gente sofre. Sofre. Mulher, ser
mulher aqui, ser mulher, ser divorciada, ser solteira, ser branca, ser negra, a gente
sofre. O ser mulher é isso).
65 Teólogo, biblista, professor, pastor luterano. Milton Schwantes foi um ser humano especial e muito
querido que lecionou durante muito tempo na Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de
São Paulo.
66 Fala das entrevistadas.
161
d) Tomada de consciência
O desejo de uma educação problematizadora é colaborar para que a pessoa
faça a transição de uma consciência ingênua para uma consciência crítica e esse
processo não é tranquilo, mas totalmente necessário para o processo de
emancipação humana, já que, conforme afirma Freire, “num primeiro momento a
realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência
crítica” (FREIRE, 1980, p.26).
A aproximação da realidade se dá, a princípio, de forma mais ingênua, mas à
medida que a problematização da realidade acontece, isto é, à medida que a
tomada de consciência se dá, ela pode evoluir para a conscientização, definida
por Freire como um processo que implica que “ultrapassemos a esfera espontânea
da apreensão da realidade para chegarmos a uma esfera crítica na qual a
realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição
epistemológica” (FREIRE, 1980, p.26).
Obviamente que esse processo de apropriação da realidade de forma crítica
traz implicações para o sujeito, haja vista que a construção do conhecimento é
tanto objetiva quanto subjetiva. Neste sentido, as crises destacadas nas narrativas
das pastoras do grupo focal são expressão desse processo de tomada de
consciência e conscientização da realidade.
A palavra crise é recorrente entre as pessoas que cursam teologia. Muitas
alunas e alunos não se abrem integralmente para apropriação e reflexão sobre os
conteúdos com medo da crise que, geralmente, é destacada como uma crise de
fé, de princípios teológicos e dogmas doutrinários apropriados na vivência família
e na comunidade de fé. No entanto, nas narrativas das pastoras, as crises sob
essa perspectiva não foram evidenciadas. Ao contrário, elas destacam que não
tiveram esse tipo de crise: Informação verbal68 (Relato 1:
Eu sempre falo que minha maior crise na Faculdade de Teologia foi morar com
quem eu não namorei. Que a gente já chega casando, assim, vai morar junto com
alguém que você não conheceu antes, que você não conviveu antes. E esse processo
também é muito difícil. Mas em termos de formação teológica eu não lidei com crises
que vieram me causar algum tipo de conflito interno em relação à minha fé ou em
relação ao meu chamado, à minha vocação ou alguma coisa nesse sentido. Relato 2:
O espaço físico e a convivência com os colegas. Eu fiquei numa turma muito boa.
Muito mesclada. Era noturna e tínhamos quinze metodistas, o resto tudo vinha do
Evangelho Quadrangular, não sei o que, não sei o que. E para mim a diversidade
também é fundamental. E então foi muito importante. Eu peguei uma fase do grupo
que não tive crise nenhuma. Graças a Deus, como ela disse, assim, a minha fé eu só
amadureci. Eu acho que só me ajudou. )
O relato 2 pertence à pastora Dorcas que, a princípio, cita não ter vivenciado
nenhuma espécie de crise, mas à medida que a interação do grupo vai acontecendo,
ela muda de ideia, como já destacado no item b, sobre a relação entre educandos(as)
e educadores(as). Talvez seja esta crise nas relações a que mais se aproxima das
crises relacionadas à espiritualidade.
A pastora Rispa aponta um tipo de crise relacionada às dificuldades em dividir a
moradia com que não se conhece. Porém, são duas as crises que se quer dar
destaque aqui por entender que são as que demonstram, de forma mais explícita, o
processo de tomada de consciência e de conscientização. A primeira é a relatada pela
pastora Rode que, mediante o diálogo do grupo, não se intimida e se posiciona de
forma diferenciada: Informação verbal69 (Rode: É. Uma coisa: quando elas falam
graças a Deus a gente não teve crises, eu tive todas as crises. Todas. E assim, pior
do que o caso da Priscila. Quando eu vim para cá, até a da Priscila tinha bolsa ainda
da Terceira Região, que é uma bolsa boa.
Priscila: É.
Rode: Na minha época já não tinha essa bolsa. E eu vim de uma família...
Hulda: Não tinha?
Rode: Não tinha. Não tinha nada. Não tinha nada. A igreja que tivesse, pudesse
dar alguma coisa, dava. Mas a minha igreja não tinha condições nenhuma. Então eu
vim zerada e uma família paupérrima onde os meus dois pais separados estavam os
dois desempregados. E quando eu vim para cá eu tinha acabado de... minha irmã
mais nova nascer, fruto de um forró da minha mãe. Então era assim. Extremo da
pobreza. Extremo da crise total. Quando eu cheguei aqui, é esse mundo que a gente
vive. Para quem vem de uma família paupérrima tudo isso aqui é rico. Todo mundo
aqui é rico. Todo mundo é rico.)
Rode anuncia uma crise vivenciada a partir da sua realidade: mulher parda 70,
solteira e pobre, que precisou conseguir um emprego em um dos restaurantes do
centro de convivência para conseguir se manter na FATEO, sendo esta uma forma de
73
Relato das falas das entrevistadas.
74
Iser: Instituto de Estudos da Religião. Disponível em: <www. iser.org.br>. Acesso em: 12/08/2018.
167
discute muito, mais uma forma de ver a questão da teologia.” Então assim, eu sou
muito grata porque existiram pessoas fundamentais na minha vida que me fizeram ver
a teologia e a vida de forma diferente. Um foi reverendo Santana que batalhou na
igreja, criou o Cenacora75, fazia... ‘tadinho’, se matava de fazer reuniões nas igrejas
pra trabalhar essa questão da negritude, acho que muita gente deve a vida pro
Santana, né? E a outra questão foi a questão da teologia feminista, eu já por conta...
quando eu comecei a estudar, mas eu já era feminista de berço, então quando eu
entrei na faculdade até o meu trabalho foi sobre a questão da Maria Madalena, né, as
companheiras de Jesus.
Pesquisadora: Aham.
Vasti: [...] Se uma mulher entra na Faculdade de Teologia e se ela não conhece
uma pastora, ah, dificilmente ela vai ter as informações, né? Porque a bibliografia
nunca traz, a Elizabeth Fiorenza, eu sempre dou uma olhadinha, os meus amigos são
professores, às vezes na ementa, né? E eu falo “humm”...
Pesquisadora: Onde está?
Vasti: “... nossa, não tem nenhuma mulher aqui que escreveu alguma coisa
sobre Wesley?” Vocês não vão falar nada?” “Ah, nem vou perguntar se é uma pessoa
negra, mas tudo bem gente, são meus amigos, mas tá faltando a nossa ementa”.
Pesquisadora: Uma mulherzinha.
Vasti: É, uma mulher, pelo menos pra disfarçar, né? Foi lá no final da ementa lá,
no edital. Ah, então... porque nenhum deles, nenhum deles vão, imagina, bobagem,
isso não é científico, né? Que uma vez eu ouvi “ah Vasti, mas isso não é científico”,
eu falei “ah, e o que você fica aí boiando no paralelo, isso é científico, né?” A gente
trabalha muito com a questão pé no chão, né?)
A narrativa evidencia o clamor por uma formação teológica que leve em conta
teologias não hegemônicas, como a teologia negra e a teologia feminista, que não
devem ser apresentadas como apêndices, como destaca Vasti. Elas e outras têm que
ser parte do fazer teológico da faculdade, pois ao que parece o contato com tais
teologias acontece sempre de forma marginal. No seu relato, Vasti cita o pastor
metodista Antônio Olímpio de Sant’Ana, cuja trajetória destaca-se por sua militância
no combate ao racismo, dentro e fora do espaço eclesiástico. Outra citação de Vasti,
confirmada pela pesquisa, diz respeito à ausência de mulheres nas bibliografias
ministério feminino, essa valorização. E dos outros, assim, não. A gente sentia a abertura e
tal, mas...
Rispa: Mais específico.
Priscila: É. Mais específico dele. E depois eu me sinto privilegiada, eu falo isso e tenho
orgulho, me sinto realizada de ter trabalhado com pastores, nessa fase, que tinham essa
visão, tinham esse olhar, essa valorização que aí foram ajudando.
Percebe-se que a atuação de docentes são iniciativas isoladas, centradas em
sua prática. Os relatos não evidenciam uma preocupação pedagógica do curso e nem
da equipe docente, no que diz respeito à problematização da participação das
mulheres no ministério pastoral, à teologia feminista como disciplina, e ao uso da
linguagem inclusiva como estratégia para visibilizar um grupo historicamente excluído.
Assim, conclui a pastora Rode, sobre a linguagem inclusiva: Porque eu nunca mais
vou esquecer da linguagem inclusiva e o fato de ser uma linguagem, ela coloca outras
pessoas dentro do ambiente, da conversa, dentro daquilo que a gente entende como
respeito. Então, assim, dentro da formação inteira, não me lembro de ninguém ter
enfatizado a ideia de mulher a respeito do ministério).
A ausência de discussões que incluam a Teologia Feminista e as pautas dos
estudos de gênero colaboram para a perpetuação de uma linguagem sexista, e para
uma epistemologia descomprometida com a reflexão dos saberes hegemônicos.
Obviamente que a falta de reflexão sobre o tema reforça comportamentos machistas
nas relações sociais. A partir das narrativas das pastoras foi possível perceber
episódios preconceituosos e discriminatórios nas relações entre mulheres e homens
na FATEO.
4.2.4. “Você quer ser bonita ou quer ser pastora”: as relações entre homens e
mulheres na FATEO
As narrativas das pastoras participantes evidenciaram os preconceitos
existentes em relação ao ministério pastoral exercido por mulheres. O primeiro deles
encerra-se na frase você quer ser bonita ou quer ser pastora?, estabelecendo um
padrão estético para pastoras:
Informação verbal80 (Rode: Quando a gente entra e a frase que a gente ouve: -
você quer ser pastora ou você quer ser bonita?
80
Transcrição literal da fala das entrvistadas.
172
Rispa: É.
Rode: Todas nós, eu acho que já devem ter ouvido isso.
Rispa: Eu ouvi.
Priscila: Eu já ouvi.
Rode: A gente entrou, primeiro ano de faculdade. Acho que a Dorcas tinha, ela
tinha menos acesso.
Rispa: Eu falei que eu entrei nas duas filas.
Rode: Mas a gente entrou na faculdade e isso vinha de alunos de primeiro,
segundo, terceiro, quarto ano. Mas era o seguinte: - Deus não perguntou pra você se
você queria ser bonita ou ser pastora? Então era uma pergunta que toda mulher que
entrasse na Faculdade de Teologia ouvia.
Hulda: Eu ouvi.
Dorcas: Eu nunca ouvi.
Rode: Então você tinha que escolher.
Mais piadas que ridicularizam as mulheres foram denunciadas nas narrativas:
Rode: A gente entrava e vinha a pergunta, você já entende que para ser pastora
tem que ser feia, tem que ser o patinho feio, o escondido, aquele que não deu em
nada certo?
Priscila: Não conseguiu casamento.
Rode: - Ah, você não casou? Você não casou, não vai casar. Se não casou na
faculdade, misericórdia. Não vai casar nunca.
A concepção preconceituosa referente ao estado civil das pastoras, acabou
permeando as reflexões de Rispa em relação à sua entrada no ministério pastoral:
Eu tinha esse pensamento porque quando eu conversei com meu pastor na
Faculdade de Teologia, eu cheguei para ele e falei assim: - pastor, tudo bem, Deus
não quer que eu tenha família. Deus não quer que eu case. Então eu vou para a
Faculdade de Teologia. E ele falou assim: - não entendi a relação. Aí eu falei assim: -
quantas pastoras solteiras e casadas o senhor conhece? Eu não tinha um
relacionamento com pastores. Ele falou assim: - são poucas. [...]. Eu falei: - se eu não
namorei até hoje o senhor acha que agora alguém vai querer namorar comigo? [...]
Bom. Se eu for para o Ministério Pastoral eu vou ser freira. Porque ninguém vai querer
casar comigo (RISPA).
173
81
Personagem bíblico, relatado como marido de Priscila.
174
Priscila: Foi. Isso, assim, revoltou muito. Tanto que eu confesso a vocês,
pessoalmente eu demorei muito para perdoar esses dois. Porque eu falei: - ninguém
brinca com isso. Não é para brincar).
Rispa: Sim.
Rode: Me conta depois também.
Hulda: E alguns homens também. E alguns homens. Então, tanto é que teve um
colega que eu amei, que me ajudou muito e hoje ele é homossexual e não foi para o
pastorado. E eram pessoas fantásticas. E havia não só esse preconceito contra os as
mulheres, quanto também aos homossexuais da turma).
Outras pastoras relatam suas experiências com a presença de alunas e alunos
homossexuais. Das experiências relatadas, a maioria desses alunos e alunos
concluíram o curso, mesmo tendo sendo descontinuados no processo de ingresso do
ministério pastoral, já que a Igreja Metodista do Brasil não aceita a ordenação de
pessoas homossexuais83.
A falta de diálogo, de reflexão e formação continuada do corpo pastoral da
Igreja Metodista sobre o tema da sexualidade têm colaborado para a perpetuação de
preconceitos e práticas homofóbicas nas comunidades locais e, quiçá, no próprio
corpo pastoral. O desafiador exercício de acumular reflexões acadêmicas sobre o
tema no cenário da Igreja Metodista pode colaborar para a diminuição dos
preconceitos e discriminações.
83
Sobre o posicionamento da Igreja Metodista em relação à homossexualidade, ler o pronunciamento
do Colégio Episcopal na Carta Pastoral “Igreja e a questão do homossexualismo – uma orientação
pastoral” publicada em abril de 2000. A palavra homossexualismo não é considerada atualmente a
terminologia adequada, haja vista que preconiza que a homossexualidade seja uma doença. Para a
Organização Mundial da Saúde a homossexualidade não é uma doença e foi retirada da classificação
dos transtornos mentais.
176
O ministério pastoral como função exercida na igreja tem por função cuidar das
pessoas, educá-las nos princípios doutrinários da fé, preocupar-se com a vida cúltica
da comunidade, coordenar a igreja local prezando pelo bom desenvolvimento da
comunidade de fé, a comunhão entre seus membros e o desenvolvimento missionário
da igreja a partir do trabalho dos diversos ministérios que ela congrega.
O tema do ministério pastoral, mais do que a formação teológica vivenciada
pelas pastoras, deu ao grupo focal uma identidade prioritária: todas são pastoras. A
localização geográfica as aproximou ainda mais: todas estão em São Paulo, fazem
parte da mesma região eclesiástica, são presididas pelo mesmo bispo e estão
inseridas na mesma equipe pastoral.
O atraso de uma hora para começar o grupo focal, como foi relatado no capítulo
um, não se tornou incômodo porque havia muito assunto em comum. Além de
reencontro, o tempo foi destinado à discussão de questões relacionadas à região
eclesiástica, a trajetória e práticas pastorais de alguns pastores e pastoras.
O Ministério pastoral foi uma das palavras que fez parte do exercício de
aquecimento proposto pela moderadora no início. Começamos a análise desse tema
partilhando o que a pastora Priscila que ficou com essa palavra, Informação verbal84
explicitou: (A minha palavra é Ministério Pastoral. O que vem ao meu coração é o
cuidado. Cuidar das pessoas, ter atenção com as pessoas. Talvez na minha
experiência eu percebo que a gente nem precisa fazer muita coisa, mas a gente
cuidando, tendo atenção com as pessoas, você está exercendo o Ministério Pastoral).
Na expressão aparece uma perspectiva conceitual de ministério pastoral
referente ao cuidado. De fato, este é um aspecto conceitual muito relevante em se
tratando do ministério pastoral. É interessante que tenha sido este o primeiro conceito
apontado, porque a dimensão do cuidado está muito presente na atuação das
mulheres na sociedade.
O patriarcado estrutura as relações sociais de sexo e, por conseguinte,
promove a divisão sexual do trabalho. Na divisão, as funções atribuídas às mulheres
84
Fala das entrevistadas.
177
têm a ver com a reprodução, o que faz com que o cuidado torne-se, prioritariamente,
uma função feminina.
A conceituação teórica de ministério pastoral, apontada no capítulo 3 deste
trabalho, também aponta o cuidado, na perspectiva da restauração da dignidade
humana, como algo que deve estar presente na atuação de um pastor e pastora. A
partir do destaque do cuidado, algumas perguntas suscitam curiosidade, e embora
não se tenha respostas aqui, elas ficam no horizonte hermenêutico da pesquisadora:
de que maneira o pastor, homem, exerce o cuidado na igreja? É da mesma maneira
que as mulheres o fazem? Qual a perspectiva da igreja em relação ao cuidado pastoral
com a comunidade? Que atitudes de cuidado pastoral a igreja espera de pastoras e
pastores? A igreja tem expectativas diferentes em relação aos homens e às mulheres,
pastores e pastoras, no exercício do cuidado pastoral?
No grupo focal, o tema do cuidado ressurge na fala de mais uma pastora que o
problematiza. Informação verbal85 (Rode: Hoje a gente estava conversando, eu e a
Rispa, nós vamos viajar de férias. E a pessoa de lá já falou: - Vem para trabalhar com
Escola Bíblica de Férias (EBF)? Eu falei: - Eu não trabalho com criança. Até eu falei:
- Eu não quero ver criança tão cedo. E ficamos as duas assim (expressão de espanto).
Né?
Priscila: É sério.
Rode: Por que não fala para a gente administrar? Por que não fala para a gente
dirigir? Por que não fala para a gente fazer qualquer outra coisa? Tem que ser EBF
nas nossas férias?
Além de reafirmar a existência da divisão sexual do trabalho na perspectiva de
quem as convidou para o trabalho, ela pontua outra questão muito relevante: o fato
de trabalhar nas férias, especialmente cuidando de crianças. Isso reafirma a divisão
sexual do trabalho, especialmente porque as tarefas destinadas às mulheres, que
estão intrinsecamente relacionadas ao espaço privado, são exigidas a todo tempo, é
como se não houvesse legislação trabalhista para aquilo que está e acontece no
privado. Mulheres não tiram férias das suas obrigações naturalizadas mediante uma
construção sócio histórica patriarcal.
85
Fala das entrevistadas.
178
Na igreja exatamente eu sou aquilo que eu gostaria de ser [...]. Porque como
diz um colega meu da igreja da Assembleia, ele fala assim: - O pastor tem um
microfone na mão e com microfone na mão você pode falar e o outro ter esse aspecto.
Então eu posso dizer o que eu sinto do coração porque as coisas que eu falo dentro
da igreja são coisas que vão na contramão, na maioria das vezes, da sociedade, até
mesmo da própria igreja. Que a igreja traz tudo aquilo que a sociedade abraça de
preconceito, de discriminação, até às vezes pior. E eu falo tudo na contramão. Na
contramão. E na família e em casa, como esposa e como mãe, às vezes, eu tenho
que engolir muita coisa para poder eu ter a minha família de pé. E na igreja eu consigo
ser eu. Daí eu falo assim: - Tem que amar, gente. Tem que amar e acabou. Sabe?
Tem que dar a cesta básica sim. Porque tem um alemão lá que fala que não vai encher
o bucho de porco. Eu falo assim: - Mas o bucho de porco está sentindo fome. E às
vezes o filho fala assim: - Ah, mãe, não vou dar essa oferta. Eu não vou ajudar. E você
fica... você fala, você dá, mas você engole mais. E lá na igreja é o meu espaço, onde
eu vou mesmo na contramão de muita coisa. Eu não estou nem aí. Porque eu falo
assim: - Jesus me ensinou assim. Eu não desrespeito. Eu vou pelo amor mesmo,
pelos valores humanos. É difícil, gente. É difícil no sentido de que você pensa assim:
- Ah, o pessoal é duro? Tsi-tsi (faz movimento de negação com a cabeça). Às vezes
o pastor é maior amoroso. Mas quem é duro são as ovelhas. Eles são duros de
coração. Então a igreja para mim é o meu espaço).
Ao trazer a sua postura política de enfrentamento, a pastora dialoga sobre a
importância de se comprometer com quem tem fome, com quem precisa. Além disso,
evidencia que tal compromisso, muitas vezes, exige confronto e este deve ser feito,
ainda que seja difícil. Ela afirma que o seu embasamento para o enfrentamento se
encontra nos ensinos de Jesus, no amor e nos valores humanos. Na fala, fica explicita
o poder que o ministério pastoral lhe confere de ser ela mesma: “e na igreja eu consigo
ser eu”.
A função pastoral e o seu exercício na comunidade de fé conferem a essa
mulher um protagonismo que lhe faz bem, que parece afirmar a sua identidade. Assim
179
o espaço público torna-se mais propício ao seu protagonismo do que o seu espaço
familiar (espaço privado). Na casa, ao que parece, sua omissão colabora para a
manutenção do equilíbrio familiar: “E na família e em casa como esposa e como mãe,
às vezes, eu tenho que engolir muita coisa para poder eu ter a minha família de pé”
(Dorcas). Na igreja, como pastora titular de sua comunidade, tal omissão não se faz
necessária.
O conceito de interseccionalidade, quando estabelece que os diversos
marcadores de diferença que uma pessoa possui conferem a ela posições sociais
diferenciadas, parece ser aplicável aqui. A pastora, enquanto mãe e esposa, sente-se
mais oprimida do que enquanto pastora titular em sua igreja local.
Uma pergunta se apresenta: porque a sua posição de falar e agir na contramão
- para usar a sua própria expressão - na igreja, não consegue sobressair no seu
espaço familiar? Ao que parece o exercício de poder e de protagonismo é mais fácil
de ser exercido na igreja do que em casa. Neste caso, ao que parece, o espaço
público torna-se mais confortável do que o privado para essa mulher.
Carol Hanisch (1969) afirmou que o pessoal é político, desmistificando a
dicotomia público e privado. Essas esferas estão em constante relação, obviamente
uma relação marcada por desigualdades por conta da estrutura patriarcal em que a
sociedade ainda está inserida e, por isso mesmo, deve ser alvo de constante
desconstrução e desmistificação da separação dos espaços e das pessoas.
No texto “Críticas feministas à dicotomia público/privado”, Carole Paternan
afirma:
se encontre como presbítera ativa da igreja, disponível para o trabalho como pastora,
não recebeu nomeação episcopal para nenhuma igreja.
4.1.2: “E o “nós vai” dele tem mais poder porque ele é homem?”: preconceitos
e discriminações
88
“O estereótipo, assim como conceito, é um reflexo/refração específica da realidade – ou seja, reflete
com desvios, como um lápis que, colocado em um copo de água, “entorta”, mas o estereótipo comporta
uma carga adicional do fator subjetivo, que se manifesta sob a forma de elementos emocionais,
valorativos e volitivos, que vão influenciar o comportamento humano. Ele se manifesta, portanto, em
bases emocionais, trazendo em si, como já dissemos, juízos de valor preconcebidos, preconceitos, e
atuam na nossa vontade. Nossa cultura está plena de exemplos, entre os quais podemos lembrar os
indígenas e os afrodescendentes”. (BACCEGA,1998, p.10).
89 Fala das entrevistadas.
183
estudou isso na Escola Dominical domingo. Não nesse. No outro. Ela vem atrelada com o
preconceito. Então, quando a gente tem preconceito a gente acaba discriminando. E é só isso.
Moderadora: Quer falar mais?
Dorcas: Não.
Moderadora: Está bom?
Dorcas: Está bom.
Hulda: Eu posso falar?
Moderadora: Você pode falar da sua palavra.
Hulda: Ah, eu gostei dessa aí (mostra a palavra discriminação).
Depois que cada pessoa se expressou sobre a sua palavra, a moderadora
possibilitou que quem assim desejasse, pudesse trazer informações sobre outras
palavras. Discriminação foi uma das que se repetiu. Para além da consideração sobre
a palavra no exercício de aquecimento, vários foram os relatos de preconceito e
discriminação que as mulheres sofreram e sofrem como pastoras. Houve consenso
do grupo ao entender que as mulheres têm uma trajetória marcada por preconceitos
e discriminações na trajetória pastoral.
Priscila: E quando eu já falo peso institucional é porque a instituição, ela carrega um
peso e por momentos, às vezes, o peso está uma carga, um fardo bem pesado para a gente
carregar, lidar com as demandas administrativas, as políticas. Então a palavra igreja ela
carrega ou o conceito igreja ela também carrega esse lado que é necessário porque é uma
instituição, é uma organização, precisa...
Hulda: É o I maiúsculo.
Priscila: É. Mas ela tem um ônus que nós temos que lidar com ele. Aí em nosso caso,
em sendo mulheres no Ministério Pastoral, o ônus às vezes é maior do que o ônus do pastor.
Rispa: Mulher exercendo o ministério pastoral
Hulda: Concordo.
Rispa: Plenamente. Concordo.
Hulda: Concordo).
A seleção dos relatos de preconceito e discriminação não foi algo fácil de se
fazer. Os escolhidos são os que se referem à prática pastoral, especificamente na
relação com outros membros do corpo pastoral e com os membros da comunidade.
Quadro: preconceitos e discriminação na relação com colegas de ministério
Grupo Focal
Rispa: O Ministério Pastoral e o machismo. Né? Porque
embora a gente lide com o machismo na igreja por sermos
mulheres, pastoras, enfim, o próprio preconceito e
184
na mesma época que ela assumiu nossa igreja. E o fato dela ter...
Ela tem que... mulher tem que ser assim. Não é pastora? Tem que
cuidar. Então entre cuidar e ser pastora ela escolheu cuidar do pai.
E o presidente não aceitou que ela ficasse com a gente mais. Aí eu
falei: - Eu estou lascada. Não é? Primeiro por que eu já tinha essa
frase. E ficou muito marcada na minha vida assim: Você vai ter que
limpar tudo que eles acham que ficou errado para trás porque se
você der alguma ‘pisada’, eles nunca mais. E a gente sabe que tem
isso. Tem igreja que pede para o bispo: - Não mande mulher para
mim.
Rispa: É que pastor não erra.
Dorcas: Eu já ouvi falar.
Rode: Não mande mulher para mim.
Dorcas:Eu já ouvi falar.
Rode: [...], mas também tinha a questão de eu não poder fazer nada
de errado. Porque daí eu tive que rezar a cartilha deles. A frase é
essa. Porque eu sabia que se eu errasse eles teriam direito de falar
assim: - Nós tentamos com três. E as três que vieram ‘pisaram na
bola’ com a gente. Então a gente tem direito de chegar no Bispo e
falar: - Não mande mais mulher para lá. Então foi muito custoso
isso.
homem, a capacidade dos homens ou a falta delas para o exercício do ministério não
é posta em questionamento. Ao se tratar da participação das mulheres, é justamente
o discurso da “capacidade para o exercício de um cargo” que entra em questão.
Quando mulheres reclamam sua ausência em cargos de liderança, a escusa
do sistema é que não se trata de ocupar cargos levando-se em consideração o fato
das pessoas serem mulheres ou homens, mas sim, de se estarem bem formadas para
tanto. Assim, subsumido neste discurso está o questionamento da competência das
mulheres:
Se é por capacidade que eles estão lá, então você fala assim: - Então
quer dizer que a nossa região, a nossa igreja não vê as mulheres como
seres capazes. É aquele negócio. Entrelinhas, você vai traduzindo o
pensamento comum que gera a cultura da igreja local, a cultura do
distrito, região. (Rode)
tempo para dedicar ao trabalho do que homens e mulheres casadas, como bem
lembrou a professora Sandra Duarte na banca de qualificação da tese para o
doutoramento.
A legislação canônica confere às mulheres e homens casados assistências em
relação aos seus cônjuges, filhos e filhas. Mulheres solteiras, além de não dividirem o
seu tempo com o cuidado da família, custam menos para a instituição. No entanto, se
as mulheres são toleradas como solteiras, os homens não são julgados por este
critério. Pelo contrário, pastores solteiros sofrem uma grande pressão para se
casarem e formarem a sua família. Isto colabora de forma determinante na
legitimidade de seu ministério. Seria muito interessante ter uma pesquisa sobre o
ponto de vista dos homens e mulheres em relação à sua expectativa e a da igreja,
quanto ao estado civil dos ministros(as) para a legitimidade no exercício do ministério
pastoral.
O descrédito de outras mulheres em relação às mulheres no ministério pastoral
destacado nas relações entre pastores e pastoras, também é demonstrado nas
relações com a comunidade de fé. A construção teológica masculinizada de Deus é
fundante nessas manifestações misóginas. Essa construção dificulta que mulheres e
homens vejam as pastoras como legitimas para esse exercício.
No entanto, em uma instituição que legalmente já legitima as mulheres como
pastoras, é interessante perceber como as interações misóginas se dão. Na
experiência da pastora Rispa, o caminho encontrado por uma mulher para aceitar a
fala de Rispa, foi a misericórdia de Deus. Segundo a mulher, é a misericórdia divina
permite que uma pessoa não legitimada seja utilizada por Deus: E ela chegou para mim
e disse assim: - Pastora, no domingo Deus disse assim para mim: - Eu vou falar com você no
louvor. E ela ficou sem coragem de dizer que ela tinha tido preconceito comigo. Eu falei: - Sim,
minha irmã. Então, continue. E ela disse assim: - Então, Deus usa aquele quem ele quer, né
pastora? (Rispa)
Ainda levando em conta a experiência da pastora Rispa, a aceitabilidade de
uma voz feminina como mensageira de Deus em momento de culto parece ter sido
mais fácil de ser absorvida, do que a sua atuação no expediente administrativo da
igreja local, onde teve dificuldades de presidir uma reunião. Informação verbal93
segundo Rispa: (E quando eu cheguei numa outra igreja, numa reunião da CLAM, o
93
Relato das entrevistadas.
194
irmão que estava na administração virou e falou assim: - Ah, então o assunto terminou,
vamos para outro assunto. Aí eu bati a mão na mesa assim: - Meu irmão, eu que
presido a CLAM e esse assunto não terminou. Aí ele ficou assim (cara de espanto).
Mas naquele momento eu sabia que também era um preconceito. Eu era nova e ele
achou: - Eu vou conduzir essa igreja que ela não vai dar conta).
Na sua fala coloca-se outro marcador de diferença que é a faixa etária. Sua
pouca idade agregada à sua posição social, a colocou em desvantagem na relação
estabelecida naquela reunião. Diversos são os mecanismos de não aceitabilidade,
alguns explícitos, outros nem tanto. Outra discriminação que pode ser considerada
como não explícita tem a ver com a forma de tratamento que as mulheres recebem
nas igrejas. Isso pode ser evidenciado em uma experiência da pastora Rispa,
informação verbal94: (Aí fui para uma outra igreja que é a que eu estou hoje. E aí me
deparo com perguntas do tipo: - Como que você quer ser tratada? De uma mulher. E
aí você fala: - Pode me chamar de pastora. E isso se torna algo agressivo por que
você pediu para ser chamada por aquilo que você é. E a pergunta que eu perguntei
para ela foi essa: - Mas você perguntou para o pastor do que ele gostaria de ser
chamado?)
O fato das mulheres serem chamadas de pastoras é o reconhecimento da sua
nomeação e autoridade para o exercício deste ministério. Ainda que a nomeação
esteja documentada e legitimada por meio de uma nomeação episcopal respaldada
em legislação canônica, elas têm muita dificuldade para conseguir respeito e o direito
de serem chamadas assim.
Na maioria das profissões, o(a) profissional consegue o direito de ser
reconhecido(a) como tal quando adquire a sua certificação de conclusão de cursos e
cumprem todas as exigências legais para tanto, como no caso de quem cursa direito,
consegue aprovação para o ingresso na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ou,
no caso dos(as) fonoaudiólogos(as), se filiam ao Conselho Regional de
Fonoaudiologia.
No caso das pastoras, as mulheres encontram dificuldades para serem
reconhecidas como tal e, muitas vezes, são violentadas de forma simbólica pela
negação dos membros da igreja, homens e mulheres, de lhes chamarem como
94
Idem.
195
gente não aceitou, nós pedimos para sair porque ela foi cuidar do pai. O pai estava
doente na mesma época que ela assumiu nossa igreja. E o fato dela ter... Ela tem
que... mulher tem que ser assim. Não é pastora? Tem que cuidar. Então entre cuidar
e ser pastora ela escolheu cuidar do pai. E o presidente não aceitou que ela ficasse
com a gente mais. Aí eu falei: - Eu estou lascada. Não é? Primeiro por que eu já tinha
essa frase. E ficou muito marcada na minha vida assim: Você vai ter que limpar tudo
que eles acham que ficou errado para trás porque se você der alguma ‘pisada’, eles
nunca mais. E a gente sabe que tem isso. Tem igreja que pede para o bispo: - Não
mande mulher para mim.
Rispa: É que pastor não erra.
Dorcas: Eu já ouvi falar.
Rode: Não mande mulher para mim.
Dorcas: Eu já ouvi falar.
Rode: Porque daí eu tive que rezar a cartilha deles. A frase é essa. Porque eu sabia
que se eu errasse eles teriam direito de falar assim: - nós tentamos com três. E as três
que vieram pisaram na bola com a gente. Então a gente tem direito de chegar no Bispo
e falar: - Não mande mais mulher para lá. Então foi muito custoso isso).
As experiências que a comunidade teve com outras pastoras foram transferidas
para a relação com essa nova pastora que acabara de assumir. Será que a igreja teve
o mesmo comportamento de transferência de experiências negativas com outros
homens que recém assumiam a comunidade?
Ao que parece o uso das experiências negativas das outras pastoras foi uma
forma de controle da postura da pastora recém-chegada, que preocupada em não
inviabilizar que outras mulheres exercessem o ministério naquela comunidade depois
que ela saísse, cedeu às pressões, agindo como a comunidade queria, ainda que
tenha se violentado para tanto.
A pastora Vasti também traz um relato de discriminação na sua primeira
experiência pastoral, mas diferente da pastora Rode, não foi a experiência frustrante
com outras mulheres ou a pouca idade que deram corpo ao discurso misógino, mas
sim o fato de Vasti ser mulher e negra, assim esse discurso tornou-se racista também,
já que o seu agressor era sua antítese: um homem branco. Informação verbal97
(Vasti: Eu ouvi a seguinte frase na primeira nomeação, em junho, julho, foi na primeira
nomeação numa igreja, de um senhor da igreja, que ele era bem branco, chegava até
a ser vermelhinho, assim, cabelo vermelhinho. - Pastora, eu tenho que confessar duas
coisas com a senhora. Eu falei: - ‘Vixi’, dia de confissão é bom, vamos lá. O que é
irmão? - Eu tenho duas dificuldades em relação à senhora, uma que a senhora é
mulher, eu não acho que mulher tem que ser pastora porque vocês não são a imagem
de Deus. Falei: -Há controvérsias, mas tudo bem. Qual é a segunda? - Porque a
senhora é negra, eu não consigo aceitar a senhora como pastora.
Pesquisadora: E ele?
Vasti: - Ah, não, pastora, não queria ofender. Eu falei: - Você não me ofendeu, pelo
contrário, eu lhe agradeço porque eu queria que todos os membros tivessem a
coragem que você tem e que fossem sincero, só que eu estou sendo extremamente
sincera pra você, eu não vou mudar, não vou vir de terno, não vou colocar nenhum
enchimento pra você achar que é um pênis, né? Eu não vou, não vou mudar.
Como já explícito, a não aceitação das mulheres como pastoras se expressa
de diversas formas; poucas pessoas têm coragem de assumir de forma explícita como
este senhor fez. Ainda que ele tenha usado o subterfúgio de “não querer ofender”, foi
bem enfático em expressar a sua misoginia e racismo. Vasti também relata a história
de discriminação de uma companheira sua de ministério: Informação verbal98 (Vasti:
eu lembro da Raabe99 falando que tinha gente que perguntava para ela se ela estava
menstruada porque tinha dificuldade de tomar ceia da mão dela porque ela estava[...].
Eu falei, gente, a gente não passa a ‘porra’ da mão em outro lugar, a gente lava a
mão, né? Que loucura, mas aonde vai a cabeça das pessoas.
Pesquisadora: É, é muito... é assustador isso.
Vasti: Pois é. [...] Até eu propus a solução, falei: - Podemos colocar minha tabela
menstrual no boletim da igreja, se calhar de ser o dia da menstruação, você não toma
ceia, problema seu. Mas tinha gente que falava que tinha dificuldade de ver pastora
grávida, né? Então olha que loucura, né? Porque a pastora fez sexo, né? Gente, de
onde que eles tiraram? Mas dá onde que sai, né? Eu sempre... quando eu faço
palestra nos lugares tal, que às vezes eu faço... fazia muita palestra, e aí eu... às vezes
eu toco no assunto, né? Que a questão do machismo no patriarcado, a igreja tem
muita, 99% de culpa, né?)
98 Idem.
99 Nome fictício para resguardar a privacidade da pastora.
198
Vasti traz duas manifestações biológicas das mulheres cerceadas pelo estado
e pela religião: a menstruação e a gravidez, ambas ligadas à capacidade reprodutiva
das mulheres. Trata-se do corpo das mulheres, que quando legislado, pensado
estudado e divinizado, ao longo dos séculos, pelo direito, a filosofia, a ciência e a
teologia, tornou-se pecaminoso e inferior ao corpo dos homens. Segundo a teóloga
católica Liane Berres:
4.1.3: “Não espere que eu vá ser um homem no púlpito, porque eu sou mulher”:
insurgências necessárias
O último capítulo do livro “O que é lugar de fala?” tem no seu título a seguinte
afirmativa: “Todo mundo tem um lugar de fala” (Djamila RIBEIRO, 2017, p.81). Nesse
capítulo a autora provoca quem lê a pensar o lugar de falar como uma postura ética,
como uma postura de denúncia das opressões e como um lugar que deve servir para
que vozes dissonantes sejam ecoadas, vozes que resistem. “Pensar lugar de fala
seria romper o silêncio instituído para quem foi subalternizado, um movimento no
sentido de romper com a hierarquia, muito bem classificada como violenta por Derrida”
(idem, p.90).
Um silêncio instituído não significa ausência de vozes que se rebelem a ele,
por isso os relatos que as pastoras fazem sobre as discriminações sofridas sempre
carregam suas formas de resistir. Se as discriminações são mais conhecidas e mais
fáceis de identificar, é porque são historicamente denunciadas há muito. O conceito
de lugar de fala provoca a necessidade de evidenciar a voz de quem sofre e,
especialmente, as resistências que dela emergem.
Ainda que não tenha sido a intencionalidade primeira identificar as formas de
resistência, as reflexões sobre as narrativas das pastoras, a partir dos referenciais
teóricos escolhidos, possibilitou identificar essas insurgências, essas formas de
resistência e defesa que serão registradas. Em todas elas, percebe-se que foi a
expressão verbal que imperou. Apenas uma das pastoras relata ter usado o corpo,
especialmente as mãos, neste movimento de resistência: “Aí eu bati a mão na mesa
assim: - Meu irmão, eu que presido a CLAM e esse assunto não terminou” (Informação
verbal, Rispa).
200
100
Relato das entrevistadas.
201
101
Relato das entrevistadas.
202
102
Relato das entrevistadas.
203
que eu vou pra casa pedir pro bispo pra sair da igreja, porque não quero atrapalhar a
sua festa, ser pedra de tropeço. Pelo contrário, você não vai ser a pedra de tropeço
na minha caminhada pastoral. Então assim, essa é a solução que eu vou te dar,
enquanto o bispo mandar eu ficar aqui, minha nomeação é até o final do ano, então
até o final do ano o senhor vai ter que me aguentar ou você vai para outra igreja,
porque eu não vou sair daqui porque você não quer.
Pesquisadora: E ele?
Vasti: - Ah, não pastora, não queria ofender. Eu falei: - Você não me ofendeu, pelo
contrário, eu lhe agradeço porque eu queria que todos os membros tivessem a
coragem que você tem e que fossem sinceros, só que eu estou sendo extremamente
sincera pra você, eu não vou mudar, não vou vir de terno, não vou colocar nenhum
enchimento pra você achar que é um pênis, né? Eu não vou, não vou mudar. Então
você vai ter que me aceitar como eu sou, né? Aí ele falou: - É, eu já pensei se isso é
pecado. Eu falei: -É pecado grave, mas aí é seu papo com Deus, né?)
A postura de Vasti em relação ao homem mostra a importância de reagir diante
dos preconceitos e discriminações sofridas; essa postura, ainda que pareça agressiva,
faz-se necessária porque é uma disputa de narrativas e de ocupação de território. As
pastoras já entram na disputa em desvantagem, daí a necessidade de trazer cada vez
mais criticidade para a análise da realidade, a fim de que tal criticidade encontre
caminhos de rejeição a essas situações opressivas.
O diálogo com a pastora Vasti foi muito rico e algo que chama atenção na sua
forma de expressar-se é a linguagem engajada, militante e, especialmente, que rompe
o pudor que se espera de uma pessoa religiosa.
A linguagem é um sistema de poder, daí a necessidade de questioná-la e recriá-
la para ir além das “fronteiras da conquista e da dominação” (bell hooks, 2003, p.226).
Se espera que o lugar de fala impregnado de um viver esperançado tenha espaço
para a diversidade de vozes e de modos de falar, e ainda para o protagonismo de
vozes silenciadas pelo racismo, o machismo e quaisquer outras formas de
discriminação.
A linguagem de Vasti é fruto do seu diálogo com vozes dissonantes, seu viver
esperançado a levou para o exercício de um ministério pastoral para longe do templo:
Informação verbal103...então o meu ministério até... eu falo sempre para os bispos que eu fiz
uma opção e eu prometi pra Deus no dia da minha formatura que eu ia trabalhar com as
pessoas que a igreja não acolhe, que é prostituta, povo de rua, travesti, esse povo não entra
na igreja, né?)
Essa é de fato uma das maiores insurgências identificadas entre as mulheres
que se tornaram sujeitos da pesquisa para a tese. Alguém que se dispõe a dialogar
com um público que não é aceito nas igrejas locais e o interessante é que o tipo de
diálogo traçado não assume um tom proselitista, moralista, antes assume um tom
acolhedor e libertador. Informação verbal104 (Eu quando eu vou na igreja central, numa
igreja assim, na hora do culto, cara, aquela coisa bonita, tal, não sei o que, né? Mas
outra coisa é você ‘tá’ ali com.... Eu nunca esqueço um dia que eu ‘tava’ fazendo culto
lá pro povo de rua, que eu convidei vários pastores ninguém quis ir, vários, ninguém;
“ai, eu não posso” porque quem quer fazer culto pra gente fedida, né? Ninguém quer,
né? Só pra gente bonita.
Ninguém quer fazer pra gente feia, né? E aí um dia tinha um cara lá, ele era gay e ele
‘tava’ chorando, ele falou: - Ai, pastora, eu posso falar com a senhora? Eu falei: - Pode;
e ele falou assim: - Ai pastora, sabe o que houve... eu ‘tava’ chorando porque ontem
à noite eu pensei em me matar, eu e o meu companheiro porque eu sou... eu estou
na rua porque eu sou... meus pais são da igreja Assembleia de Deus e eles me
colocaram pra fora de casa, e eu não tinha emprego e aí eles me largaram na rua e
eu não ‘tô’ aguentando, né? Mas eu gosto muito do meu companheiro, e aí pastora
eu acho que eu ‘tô’ nessa vida porque eu ‘tô’ pecando.”Eu falei: - Não, pára com isso,
meu, você ‘tá’ sendo abençoado, um monte de gente não tem o amor, olha aí, você
‘tá’ na rua, seu companheiro, vocês ‘tão’ na rua, ‘tão’ sofrendo, olha que coisa linda, é
uma novela. Eu falei: - Cara, Deus é amor, Jesus falou pra gente se amar, não ‘tava’
escrito, ó, fulano ama sicrana, fulano ama um sicrano, Falei: - Você ‘tá’ feliz? ‘Tá’
sentindo a Deus? Olha, se é por isso eu te liberto, sinta-se livre, vai viver o seu amor.
Aí ele me abraçou chorando e falou: -Pastora, porque que não tem tantas pastoras
que nem a senhora? Eu falei: Ah, isso é outra coisa, mas olha, sorte sua que você me
achou, sorte sua que eu te achei. Aí eu abracei ele e falei: - Vai em paz, vai em paz,
vai ser feliz, vai ser feliz, eu quero que você arrume um emprego, que você termine
de estudar, que vocês tenham uma casa, que vocês vão viver dignamente, é isso que
Deus quer, vida digna e abundante pra todo mundo.)
104 Idem.
205
105 A colonialidade do poder também tem sido um cenário que tem possibilitado a luta de sentidos pelo
controle dos significados, e o controle do poder interpretativo; daí que sentipensamos se faz necessário
falar da existência plural de geo(s) políticas(s) do conhecimento a partir do exercício do poder, que
como entende Walsh, opera como uma estratégia vital de colonialidade modernidade e que busca
erigir-se como único e universal horizonte civilizatório do qual emergem os conhecimentos que se
transformam em discursos de verdade necessários para o exercício do poder, pois são mostradas como
únicas e incontestáveis verdades sobre o mundo, a humanidade, a natureza e a vida, e conduzem a
subalternização, a invisibilidade e ao silenciamento de outros conhecimentos e dos sujeitos produtores
de conhecimento, aos quais também silenciam, ocultam e invisibilizam (Tradução livre).
206
E aí a filha da minha amiga, uma vez ela... ela tinha 6 anos, ela voltou da igreja, né?
Elas estavam na Alemanha aí ela... a igreja, né? Tal, teve aula de religião [...]. Ela
falou assim: - Mãe, a professora falou na escola que Deus é homem, Deus é pai, mas
a gente não fala que Deus é mãe? Que Deus é mulher? Aí ela falou:- Aí, antes que a
mãe respondesse, ela falou: - Ah já sei, Deus é um casal. Aí ela falou: - Isso minha
filha, Deus é um casal).
O ensino teológico colabora no fortalecimento do exercício da espiritualidade,
e quando ressignificado sob uma perspectiva libertadora, pode ser tornar um aliado
na eliminação das violências perpetradas contra as mulheres e outros grupos
subalternizados. A reflexão da pastora Vasti também caminha nessa direção: Não, a
gente não vai avançar. Eu falo isso ‘pras’ minhas amigas feministas. Falo: - Gente,
enquanto vocês não trabalharem a questão da religião com mulher porque o que
vocês falam hoje aqui o pastor vai desconstruir em dois palitos na igreja e adivinha
em quem que elas vão acreditar? Não vai ser em vocês, vai ser no pastor que diz que
ela tem que orar, que (o marido bate).Ainda temos uma sociedade machista,
masculinizada e que se compromete em masculinizar as narrativas e restringir
espaços a grupos que ela marginaliza, como é o caso das mulheres).
Por isso, a Faculdade de Teologia, que vem colaborando de forma muito
positiva na formação de pastoras e pastores da Igreja Metodista, pode avançar em
seu projeto pedagógico para a função ministerial. Dentre tantas direções, as narrativas
mostram, que é preciso problematizar os espaços clericais, a própria educação
teológica oferecida, levando em conta as discriminações que as mulheres sofrem. Isso
colabora com o desmantelamento da sociedade machista, masculinizada, que Vasti
denuncia em sua fala.
É nesta sociedade que as brechas são abertas até se transformarem em
fendas. Brechas são as insurgências, silenciosas ou não, que propiciam a construção
de novos saberes e narrativas problematizadoras, denunciantes e comprometidas
com a transformação social. Foi nessa direção que a pesquisa se estabeleceu e a
tese se comprometeu em explicitar narrativas das pastoras.
208
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Todo ponto de vista é a vista de um ponto”, poetiza Leonardo Boff. É assim
que classifico esta tese: uma leitura, das muitas que podem existir sobre a formação
teológica para o ministério pastoral. Além de ser uma leitura é, principalmente, a minha
leitura. Por isso, me aproprio do meu lugar de fala escrevendo as considerações finais
em primeira pessoa.
A minha leitura é localizada no tempo e no espaço. Ela acontece a partir de
onde a minha cabeça pensa e os meus pés pisam (BOFF, 1997). Olhos, cabeça, pés,
ou seja, todo meu corpo tem tomado partido das narrativas e estudos feministas para
suspeitar das relações sociais, evidenciar os preconceitos e denunciar as
discriminações. Neste sentido, minha vida acadêmica tem se configurado entorno da
análise da realidade, a partir da teorização comprometida com reflexões teóricas
emergentes da militância, que como diz Paulo Freire (2000), tem em si a consciência
da sua presença no mundo imbricada com o direito e o dever de muda-lo.
Esta tese de doutorado torna-se assim a confluência da minha militância e do
meu desejo de conhecer mais sobre formação teológica e ministério pastoral, temas
tão importantes na minha trajetória de vida. Ao decidir estudar este tema, o fiz a partir
da minha formação em educação escolhendo escutar e interagir com as narrativas de
pastoras metodistas, minoria no exercício dessa função ministerial, e minhas
companheiras de ministério.
A estrutura patriarcal em que a sociedade está inserida se evidencia nas igrejas.
Muitas delas sequer concebem a ordenação de mulheres ao ministério pastoral. As
que já regulamentaram a participação das mulheres como pastoras, têm seus espaços
de poder majoritariamente ocupados por homens. Ao que parece, em muitas igrejas,
mulheres e homens têm lugares bem definidos e estão longe de estabelecer uma
relação de igualdade de oportunidades.
Muitas perguntas surgiram durante a construção do projeto. Entre elas escolhi
uma para nortear a tese: qual a percepção das pastoras sobre a formação dada pela
faculdade de teologia para o exercício do ministério pastoral?
As narrativas das pastoras participantes mostraram que elas entendem que a
formação teológica vivenciada na FATEO foi extremamente positiva. Forneceu muitos
subsídios teológicos e pastorais para o exercício do ministério. Diferente do que eu
209
que as pastoras sofrem no exercício do seu ministério. Por outro lado, também não
existe nenhuma iniciativa por parte das regiões eclesiásticas ou do próprio Colégio
Episcopal que demonstre a preocupação em identificar e combater tais
discriminações. Sendo a FATEO um órgão subordinado à Igreja, vejo que seria muito
interessante que tal iniciativa surgisse das estruturas governamentais, mas não
acredito que isso aconteça como política de governo eclesiástico, pois este é um
assunto silenciado nas estruturas administrativas, ainda que muito evidenciado nas
narrativas de mulheres que exercem o ministério pastoral.
Se não há nenhuma iniciativa das estruturas de governo da Igreja Metodista,
tampouco existe, atualmente, iniciativas emergentes da base, isto é, das próprias
pastoras. Acredito que muitas pastoras que descobriram a necessidade do
enfrentamento ao machismo para sobrevivência no ministério pastoral, não possuem
reflexão teórica para tal. Suspeito que suas ações de superação e combate das
discriminações são fruto das experiências surgidas na prática pastoral cotidiana e não
possuem vinculação direta com a educação teológica vivenciada durante o curso de
Teologia, um tema a ser explorado posteriormente como pesquisa.
Se a formação teológica é masculinizada e masculinizante, a prática pastoral
também o é. Por muito tempo as mulheres tiveram negado o seu direito de ingresso
ao ministério pastoral. Desde que isso começou a ser possível, o ministério pastoral
exercido por mulheres tem sido denominado como ministério pastoral feminino. Será
essa uma classificação adequada? Para mim, o ideal é que não haja essa adjetivação
em relação à prática pastoral das mulheres. As reflexões realizadas nesse tempo de
estudo me levam a crer que, mais coerente do que nomear a atuação pastoral das
mulheres como ministério pastoral feminino, seja fazê-lo usando a expressão
ministério pastoral exercido por mulheres.
Algumas pastoras participantes afirmaram a existência das peculiaridades na
forma das mulheres exercerem o ministério, por isso o classificam como ministério
pastoral feminino. Outras rejeitaram essa nomenclatura. Acredito que tais
peculiaridades existem e precisam ser mais estudadas para que não possamos
incorrer na afirmativa que o ministério pastoral feminino carrega uma forma feminina
de agir ministerialmente. Corre-se o risco de validar a velha categorização binária que
os estudos de gênero já subverteram com maestria.
213
O foco desta tese é a reflexão sobre a formação teológica no que diz respeito
a suas dificuldades em superar as desigualdades de gênero, mas existem outros
problemas tão relevantes quanto este, que tem carecido do fortalecimento do diálogo
do governo e administração da Igreja com as instâncias de educação teológica.
Políticas afirmativas são necessárias no processo de emancipação de
populações historicamente excluídas, são necessárias para que relações de equidade
sejam viabilizadas. Pensar na diversidade do corpo docente da FATEO, no que diz
respeito a participação mais igualitária entre mulheres e homens, é se deparar com a
necessidade de pensar um projeto de formação que estimule as mulheres para
ingressarem na formação específica, levando-se em conta aqueles núcleos do saber
hegemonicamente masculinos, como é o caso da teologia sistemática e dos estudos
wesleyanos.
Ao me deparar com as narrativas das mulheres sobre a sua formação teológica
na Faculdade de Teologia e evidenciar que de fato ela é masculina, feita por homens
e para homens, entendo que tal educação seja parte de uma estrutura social e
acadêmica comprometida com epistemologias que estabelecem e perpetuam
preconceitos, desvalorizando a participação das mulheres na construção dos saberes
considerados e legitimados científicos. Porém, não me conformo com isso e acredito
imbuída da esperança freireana que a educação problematizadora liberta.
A despeito de todas as limitações que acontecem com a formação teológica
que está debaixo de um governo episcopal também de maioria masculina e
masculinizante, acredito que ela é um importante veículo na construção de novas
relações eclesiásticas onde as mulheres como pastoras, docentes ou em outras
funções administrativas sejam respeitadas e não discriminadas ou impedidas de
ocupar esses espaços. Neste sentido, acredito que esse compromisso tem que ser
assumido não só pela FATEO, mas por todas as instâncias de formação teológica que
a Igreja possui e regulamente por meio da CONET, um órgão que também merece
atenção acadêmica de quem ama e colabora para a formação teologia na vida da
Igreja Metodista.
Ainda que esta tese tem centrado seu interesses e esforços para problematiza
a formação teológica na Igreja Metodista, esta não acontece desarticulada da
sociedade brasileira. Ao contrário, é muito influenciada por ela. Por isso, ao se lutar
por mudanças nas instituições religiosas, se luta também por mudanças na sociedade,
216
no país, que sob a égide de uma constituição laica, tem presenciado em diversos
cenários, educacionais, políticos e midiáticos, a interferência funesta dos
fundamentalismos religiosos, que tem interferido na conquista histórica de direitos das
populações marginalizadas politicamente. Colaborar com a reflexão sobre a formação
teológica é pensar em formas de combater ativamente essas posturas
fundamentalistas, hoje bem evidenciadas por meio das igrejas evangélicas.
Por isso sigo, escutando, aprendendo e recontando histórias. Ouvindo, lutando,
evidenciando e respeitando o lugar de fala de quem tem sido politicamente
discriminada. Esta tese ao mesmo tempo que emerge da minha militância, me
instrumentaliza no processo insurgente e profético de construir, em sororidade,
espaços educativos formais e não formais para que, especialmente, mulheres, leigas
e clérigas, tenham condições de superar as violências, combater as discriminações e
protagonizar narrativas encharcadas da liberdade de “ousar pensar e sentir o mundo
de maneira diferente” (Ivone GEBARA, 2017, p.11).
Para mim, a poesia é onde tenho encontrado refúgio para ousar pensar, sonhar
e sentir o mundo de maneira diferente. É com poesia nascida em mim enquanto
escrevia esta tese, que termino essas considerações.
Porque a vida suspira,
Ela conspira.
Porque a vida canta,
Ela encanta.
Porque a vida é boa, conspiração e cantoria,
Eu quero é mais poesia.
***************
De peito aberto,
O fruto certo
É a luta.
Sob o sol ou sob a lua,
Há mulher na labuta.
Pode falar!
Pode falar!
Pode falar!
Não vamos mais nos calar.
217
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norte- americana no Brasil ao final do século XIX e inícios do XX. Mandrágora -
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TAMEZ, Elsa. As mulheres no movimento de Jesus, o Cristo. Tradução: Beatriz
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VARISKAS, Eleni. Pensar o sexo e o gênero. Trad.: Paulo Sérgio de Souza Jr.
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WALSH, Catherine. Interculturalidad, Estado, Sociedad Luchas (de)coloniales de
nuestra época. Quito: Ed. Abya-Yala Universidade Politécnica Salesiana, 2009.
Documentos eletrônicos
222
Dons e Ministérios
Introdução:
Este tema dos dons e ministérios, em nossa eclesiologia Metodista, tem
seus fundamentos no Sacerdócio Universal de Todos/as os/as cristãos/as na
perspectiva de uma vocação voltada à serviço da missão do Evangelho de
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Assim, a nossa formação docente
cristã, através da prática cúltica, sermões, estudos bíblicos, da ED, do
Discipulado, da confessionalidade manifesta, nas diversas instâncias e órgãos
da Igreja, estão direcionadas para o fato de que os/as metodistas são
chamados/as por Deus e preparados pela Igreja, sob a unção do Espírito
Santo, cumprirem sua missão de testemunho, serviço e evangelização do
mundo. (PNM p. 17).
1. Carisma
A Palavra Carisma significa basicamente "um dom". (Referência as bens
adquiridos "apo agorasias" - por compra e bens adquirido "apo charisma" -
por dádiva. É utilizada, basicamente no NT, pelo apóstolo Paulo no contexto
de sua missão pastoral entre gentios (entre romanos, corintianos e
palmeirenses). Em seu ministério em Roma (Rm. 1.11) o apóstolo pretende
transmitir alguma charisma, ou seja "dádivas da graça". Aos irmãos e irmãs de
Corinto exorta a procurarem as melhores charismatas (1 Cor. 12.31).
Carismata se constituem nas graças da vida cristã.
Carisma é, também, graça e perdão, é contraste entre pecado que gera morte
e graça que gera vida. "O salário do pecado é a morte, mas o charisma de
Deus é a vida eterna em Cristo" (Rm. 6.23).
2. Carisma e Igreja
Os charismas são dons concedidos por Deus ao Corpo de Cristo, Igreja,
para o cumprimento de sua missão. É carisma concedido para cada discípulo
e discípula no ambiente do Corpo, na diversidade de sua composição e na
unidade de sua visão missionária. A concessão dos dons está
indissociavelmente, ligada ao exercício de ministérios de serviço para a
edificação do próprio Corpo e para a evangelização do mundo. Rm. 12.6-8
Escola Dominical
Relembrar a história da escola dominical, rever o surgimento
dela no decorrer da história
A escola dominical não é apenas bíblica. NO seu início ela era
espaço de cuidado com crianças e até de alfabetização delas e de
familiares, a partir das escrituras.
Discipulado e Missão
1. Conceituação
A grande comissão é fazer discípulos (Mateus 28:19)
O discipulado precisa ser compreendido como um modo de
ser igreja
Discipulado metodista
a) Estilo de vida em que Cristo é o modelo
b) Método de pastoreio no qual o/a pastor/a dedicam mais atenção
aos grupos pequenos
c) Estratégia para o cumprimento da missão visando a
evangelização e o crescimento
2. Estratégia e estratégias
A variedade de estratégias, suas origens e aplicações
3. Trilho
É o caminho por onde desejamos andar
Nos leva a identificar o caminho onde estamos e onde queremos
chegar, o que precisamos fazer entre um ponto e outro
Precisamos de um trilho mínimo baseado na mesma
conceituação do discipulado, para gerar unidade na prática do
discipulado e missão, e no que for diferente servindo de
enriquecimento na troca de experiências durante a caminhada
missionária da igreja.
Somos frágeis nessa área e por isso encontramos grandes
dificuldades em ter discipulado como estilo de vida com grande
influência no crescimento de igreja.
Ministério Pastoral
Introdução:
Efésios 4:11”E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas,
outros para evangelistas e outros para pastores e mestres.” O ministério pastoral
foi instituído pelos apóstolos como um modo de dar forma e unidade à Igreja, para
que todo serviço refletisse o próprio ministério de Jesus Cristo..
Conclusão:
Diante dos muitos desafios que temos em nosso viver ministerial,
convocamos a todos(as), para juntos, continuar nossa busca incansável por um
ministério pastoral aprovado por Deus e que dignifique cada vez mais o Evangelho
do Senhor Jesus Cristo e a Igreja Metodista na quinta Região Eclesiástica., que
tem nos dado a oportunidade servir a Deus por meio de sua vocação. Cabe a cada
um de nós, participar ativamente do aperfeiçoamento do corpo por meio da
santidade bíblica comprometida com o social, moral e ético, do avanço missionário
e do crescimento espiritual do nosso povo, que é povo de Deus sob nossa
responsabilidade, os quais daremos canta para Deus um dia. Concluo com este
versículo de Atos 1.8: “Recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e
sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia, em Samaria e até
os confins da terra.” Sabendo que, uma Igreja pode ter uma linda historia, belos
documentos, boas estratégias de crescimento, boa estrutura física, bons teólogos e
pensadores, mas se estiver vazia da graça, do amor e do poder do Espírito Santo,
ela não passará de museu para consulta histórica, de livros para fundamentar
monografias de estudantes, de lembrança de um passado de triunfo, de pessoas
que fizeram historia no passado. Enfim, No meio de toda essa situação, corremos
o risco de perder a configuração de nossa identidade e o sentido de nossa
finalidade – a vocação para a qual fomos chamados/as. “Preguem a nossa
doutrina, inculquem a experiência, estimulem a prática, reforcem a disciplina. Se
vocês pregarem somente a doutrina, o povo será antinomiano; se pregarem
somente a experiência, ele será entusiasta; se pregarem somente a prática,
fariseu; e se vocês pregarem tudo isso e não reforçarem a disciplina, o Metodismo
será como um jardim cultivado, porém sem cercas, exposto à destruição de porcos
selvagens.” (Texto encontrado abaixo de um antigo retrato de João Wesley,
exposto na Nilcolson Square Church, em Edimburgo, Escócia. É a resposta de
Wesley a respeito de como o Metodismo seria mantido após a sua morte).