Universidade Estadual de Londrina – UEL Especialização em Ensino de Sociologia Disciplina: 2SOC075 - Temas Contemporâneos: Modernidade, Pós-modernidade Profº. Henrique Neto
A internet se torna mais presente na vida da população mundial e
também dos brasileiros a cada ano. Em 2019 o IBGE constatou que 82,7% dos domicílios brasileiros tem acesso à internet. Alguns estudos apontam para uma tendência de migração do público da televisão para a internet e segundo Kemp (2021), o YouTube atualmente é o segundo site mais visitado do mundo, perdendo apenas para o Google e também a segunda rede social mais utilizada no mundo e no Brasil. Ele destaca ainda que 63% dos brasileiros que responderam à sua pesquisa, tem como sua principal fonte de notícias as redes sociais (KEMP, 2021). A partir desses dados pode-se concluir que o YouTube seja um dos principais veículos de informação da população brasileira atualmente. Levando em conta que atualmente as relações entre as pessoas e comunidades estão sendo mediadas cada vez mais pela tecnologia em espaços virtuais, constituindo interações conforme o interesse de cada indivíduo, Castells (2006) afirma que a lógica das redes desse sistema de comunicação e a universalidade da linguagem digital dão condições tecnológicas para a existência de uma comunicação global horizontal. Entretanto, jornalistas, cientistas políticos e pesquisadores da área da tecnologia, alertam para a capacidade de radicalização de pensamento que essa plataforma teria, e a apontam como uma das responsáveis, por exemplo, pela ascensão da extrema direita no Brasil através de uma enorme quantidade de canais e conteúdos sem compromisso com a qualidade, muitas vezes sensacionalistas e com informações duvidosas (GHEDIN, 2019). Segundo Tarleton Gillespie (2018), os algoritmos tem papel fundamental na seleção das informações que nos são recomendadas como mais relevantes, e esse é um aspecto fundamental da nossa participação na vida pública já que eles, os algoritmos, “mapeiam nossas preferências em relação a outros usuários, trazendo ao nosso encontro sugestões de fragmentos novos ou esquecidos da cultura” (p. 97). São eles que gerenciam as nossas interações em sites de redes sociais, e selecionam o que será destacado entre as novidades de um amigo e o que será excluído. Ainda segundo Gillespie (2018) os algoritmos nos apresentam apenas uma camada superficial dentre a infinidade dos assuntos disponíveis na rede, já que são projetados para calcular o que “está em alta”, o que é “tendência” ou o que é “mais discutido”, fazendo assim esses recortes dos conteúdos. Ao mesmo tempo em que eles nos ajudam a encontrar informações e nos mostram o que há para ser conhecido, fazem isso de forma limitada e podem acabar nos direcionando a participar dos discursos de forma tendenciosa sem nos permitir ter real poder sobre a informação que acessamos. Diante dessa condição, e da escalada rápida dos discursos de extrema direita no Brasil através principalmente das redes sociais, mais especificamente no YouTube, alguns jovens com posicionamento político de esquerda também vem disputando o espaço nessa rede social. Os primeiros motivados pelas manifestações de 2013 e para fazer frente à grupos de direita que já estavam presentes nesse espaço e posteriormente, e em 2018 outros sugiram motivados pela eleição de Jair Bolsonaro à presidência e a crescente reprodução de discursos de ódio incentivados pelo presidente e seus apoiadores. Já havia canais de esquerda na plataforma mais antigos, porém essa nova geração trouxe uma abordagem baseada no entretenimento e na representatividade de grupos marginalizados (SAYURI, 2021). É importante compreender o impacto dos algoritmos no discurso público, e por isso Gillespie (2018), defende que não podemos apenas pensar “sobre como eles funcionam, onde são implantados ou o que os movimenta financeiramente” (p. 116). O autor destaca a importância de se fazer uma investigação sociológica sobre o tema, e isso que não interessa aos provedores que criam e controlam esses algoritmos. É preciso questionar se eles são capazes de dar conta da complexidade do discurso público e a partir dessa perspectiva, ele nos diz que devemos ver os algoritmos como uma nova lógica de conhecimento, “o mais recente mecanismo construído socialmente e institucionalmente gerenciado para convencer o julgamento público” (p. 117) . Atualmente grupos marginalizados, não pertencentes à classe detentora dos meios de produção cultural e de comunicação, também têm sido capazes de criar conteúdos de valor educacional, cultural, comunicacional e social em busca de reconhecimento através da internet, um veículo de comunicação mais acessível, e através desses conteúdos tentam romper com os enquadramentos do senso comum social nos quais são colocados. Esses sujeitos admitem saber que esse espaço não é totalmente livre de controle, entretanto ainda que o algoritmo limite o alcance de suas vozes elas chegam muito mais longe do que muitos deles jamais imaginaram. Os estudos sociológicos nos campos da cultura e da comunicação se propõem a tentar entender a produção, difusão e consumo de bens e manifestações artístico-culturais, inclusive as que ocorrem nos espaços de sociabilidade da internet. Refletir sobre fatos da cultura e modos de comunicação é também pensar as questões das relações entre sociedade e indivíduo e segundo Bourdieu (1989) as relações sociais estão permeadas de trocas simbólicas e existe uma constante disputa por bens simbólicos, travada entre os que produzem e os que consomem esses bens. Entretanto a forma de consumir depende de alguns fatores, como por exemplo, o acesso do indivíduo a diversos tipos de capitais, o que ainda favoreceria o discurso de quem comanda os meios de produção culturais e de comunicação sobre alguns sujeitos menos favorecidos. A reflexão proposta por Paula Sibilia (2012), sobre a possível obsolescência da instituição escolar nesta era digital em que estamos cada vez mais inseridos é de extrema relevância para o tema. A autora nos apresenta diversos apontamentos da necessidade da escola se renovar a fim de se adequar a nova realidade dos corpos que a frequentam. Diante de uma geração que esta cada vez mais em busca de destacar suas diferenças e tê-las respeitadas, uma instituição que busca uniformizar e moldar os corpos a fim de suprir demandas de mercado não funciona mais. Fazendo com que cada vez mais os jovens procurem formas mais dinâmicas de adquirir e propagar o conhecimento. Entendendo, portanto a relevância sociológica da produção de conteúdo empreendida por esses sujeitos na internet, mais especificamente no YouTube, proponho em minha pesquisa olhar para a utilização da Sociologia como ferramenta de educação e resistência nesse espaço, a partir da realidade em que tal sujeito está inserido. Como forma de recorte me proponho a analisar as discuções sociológicas propostas no canal Chavoso da USP criado em 2019 e comandado por Thiago Torres, que se apresenta como estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), jovem negro, funkeiro, gay, periférico e marxista de 21 anos. O encontro entre a comunicação e as tecnologias da informação produz alguns efeitos sobre processos de produção e difusão do saber, sobre as formas de pensar, sobre o lazer e, de forma geral, sobre comportamentos e identidades culturais, o que permite que os processos culturais funcionem como espaços de transmissão das diversas formas da experiência humana (CAUNE, 2008). Os diversos grupos sociais nos quais o receptor está inserido também seriam responsáveis por mediar a sua leitura sobre as mensagens midiáticas, ampliando a capacidade de racionalização do indivíduo a partir de sua realidade social (MARTÍN-BARBERO, 1997). Sibila conclui seu artigo escrito no ano de 2012, questionando se “a solução para revitalizar a educação seria incorporar os novo meios de comunicação e as novas tecnologias ao âmbito escolar” e como isso seria possível. Hoje, dez anos após a escrita do artigo da autora, podemos dizer que isso já é de certa forma uma realidade. Muitos professores, principalmente nós da Sociologia, já utilizam em suas aulas artifícios da internet como vídeos, ‘memes’, jogos, etc. para estimular o interesse dos alunos sobre os temas das aulas. É exatamente por isso que se faz cada vez mais importante a produção de bons conteúdos na internet. Conteúdos com embasamento teórico, mas que sejam dinâmicos e com linguagem jovem, conectada à diferentes realidades. O canal que me proponho a analisar em minha pesquisa, por ser de um aluno do curso de Ciências Sociais da USP, trás conteúdos embasados em teorias com a linguagem adequada à realidade de seu criador que é um jovem periférico. Thiago se propõe a falar em seu canal, com vocabulário cheio de gírias e seu visual tipicamente “de quebrada”, sobre alguns conceitos sociológicos de autores como Karl Marx, Pierre Bourdieu, Adorno e Horkheimer, dentre outros. Seu conteúdo comunica, educa e forma opiniões entre os jovens que de alguma forma se identificam com ele. Em uma reflexão inicial, acredito que nós como professores só temos a ganhar com esse tipo de conteúdo bem feito e embasado. É possível utilizar partes de seus conteúdos em sala de aula a fim de levantar discussões com os alunos.
Referências Bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand,
1989.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em redes: Volume I 8ª edição. Editora Paz e
Terra: São Paulo, 2006.
CAUNE, Jean. As relações entre cultura e comunicação: núcleo epistêmico e
forma simbólica. Revista Líbero. São Paulo, 11(22): 33-42, dezembro de 2008.
GHEDIN, Rodrigo. Cinco dos dez canais que explodiram no ranking do
YouTube durante as eleições são de extrema direita. The Intercept Brasil, 2019. Disponível em: <https://bityli.com/ej4kKq> Acesso em: 07 de set. de 2021
GILLESPIE, Tarleton. A relevância dos algoritmos. Parágrafo, v. 6, n. 1, p. 95-
121, 2018.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Acesso à
internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2021. Disponível em: <https://bityli.com/lowSPd> Acesso em: 05 de set. de 2021
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
SAYURI, Juliana. Os bastidores do Boteco Comunista, a live de youtubers de
esquerda. TAB UOL, 2021. Disponível em: <https://bityli.com/52BzZV>. Acesso em: 02 de set. de 2021
SIBILIA, Paula. A escola no mundo hiper-conectado: Redes em vez de muros?.
Matrizes, v. 5, n. 2, p. 195-211, 2012.
KEMP, Simon. Digital 2021 July Global Statshot Report. DataReportal, 2021. Disponível em: <https://bityli.com/kLYz1N> Acesso em: 05 de set. de 2021