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CONTO FANTÁSTICO

O pet e a pandemia

Chico Apolinário e o pandemônio


Por Gislaine Buosi

Meu nome é Chico – quer dizer, Francisco Apolinário. Esse não é, de fato, um nome para gato, mas,
para homenagear alguém (que não lembro quem), estou Francisco Apolinário – Chico, quando todos estão
calmos, quando o leite não esparrama no fogão, quando a D. Carlotinha não briga com o Seu Juarez,
quando a ajudante não se atrasa. Porém, quando os ânimos estão exaltados, “Francisco Apolinário! Vai
deitar!”
Depois da pandemia, nossa casa virou, mesmo!, um pandemônio! O casal de velhos, não sei
exatamente por que motivo, resolveu passar a quarentena aqui. A casa deles, lá na chácara do Tripuí, é
grande e arejada, ao contrário do nosso apartamento, que é do tamanho de um ovo! Já não há sala, com
poltronas e almofadas alinhadas – uma delas, por sinal, era minha; há colchões espalhados no assoalho da
sala, travesseiros amontoados no final do corredor...
Não fosse o bastante, temos que ouvir o “Magina, Juarez” da D. Carlotinha ao longo do dia, o
pensamento lá na chácara: “Magina, Juarez, se a samambaia da varanda morre de sede!?” Ao que ele
responde: “Magino”. “Magina se a torneira do tanque ainda estiver pingando!? Magina se a vaca avançar o
cercado!?, se o carteiro trouxer alguma encomenda!?, se chegar a conta de luz!?, se nós não pagarmos!?,
se cortarem a luz!?, se...!?” E a cada “magina” o “magino”.
Hoje de manhã, por pouco, D. Carlotinha não me põe no olho da rua: “Juarez, magina se o Francisco
Apolinário não pega a Covid, e ainda traz pra dentro de casa?!... Eu já tô com uma coceirinha...” Felizmente,
antes do “magino” do Seu Juarez, a Rita interferiu, e disse que pets não contraem a doença etc., etc. Ufa!
Ia me esquecendo de dizer: a Rita e o Marcos devem ter reatado o noivado, porque ela está toda
carinhosa comigo, o que não acontecia há tempos. É já que ela me pega no colo e começa a fazer
confidências, das mais escandalosas! E, falando em escândalos, a gritaria dos vizinhos varou a madrugada!
Uns nomes feios e pá!, pá!, bateram as portas, gritaram! Tudo pra engordar o pandemônio!

Agora há pouco, D. Carlotinha estava toda exaltada. Foi um festival de “magina”, atirados com fúria,
enquanto Seu Juarez enrolava os lençóis, feito cordas, para isolar as frestas das portas, das janelas;
bolinhas de papel taparam o buraco da fechadura; álcool em gel limparam as maçanetas; a vassoura
pequena varreu as quinas do teto.
A Rita acabou de tomar banho. A casa está um nevoeiro cheirando a xampu. Ela ia me dizer alguma
coisa, mas D. Carlotinha interrompeu: “Magina, Juarez, se a gente pega Covid da moça da esquina? Aquela
colega da Rita, né Rita?, não é mesmo que ela já tá espir...?”
Seu Juarez, como sempre, concordou. Depois espirrou. Depois disse: “Magino”.

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