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98 Ferreira RC, Costa MT, Corrales CAI, Lin YY, Ferreira Filho FF

ARTIGO ORIGINAL

Luxação peritalar: aspectos epidemiológicos


e resultados do tratamento a médio prazo*
Peritalar dislocation: epidemiological
aspects and mid-term treatment results
RICARDO CARDENUTO FERREIRA1, MARCO TÚLIO COSTA1, CARLOS ARTURO ISQUERDO CORRALES2,
YEH YAH LIN2, FERNANDO FONSECA DA FERREIRA FILHO3

RESUMO clusão: Apesar da perda da amplitude de movimento das


articulações adjacentes ao tálus, principalmente a subta-
Objetivo: Analisar os resultados clínico-funcional e ra-
lar, a médio prazo, o tratamento das luxações peritalares
diográfico do tratamento da luxação peritalar. Métodos:
mostrou resultado satisfatório, na maioria dos pacientes
Foi estudado o aspecto epidemiológico dos 22 pacientes
avaliados.
com relação ao sexo, à idade, ao mecanismo do trauma, à
classificação do tipo de luxação, ao grau de exposição os- Descritores – Articulação subtalar/lesões; Estudos epidemiológicos;
teoarticular, ao tipo de tratamento realizado, às fraturas Resultado de tratamento
associadas no pé e tornozelo e às outras fraturas e lesões.
Foram reavaliados clínica e radiograficamente 10 pacien- ABSTRACT
tes (10 pés) após tempo médio de seguimento de 80 meses Objective: To assess clinical, functional, and radiographic
(variação de 24 a 170 meses). Resultados: A pontuação mé- outcomes from the treatment of peritalar dislocations.
dia, segundo a escala AOFAS para retropé, foi de 83 pon- Method: The authors studied the epidemiological aspects
tos. Ocorreu perda da amplitude de movimento das arti- from 22 patients regarding sex, age, mechanism of trauma,
culações adjacentes ao tálus quase na totalidade do dislocation type, grade of osteoarticular exposure, type of
pacientes. Os piores resultados foram associados às luxa- treatment, and the association to foot and ankle and other
ções expostas, à demora na redução da luxação que de- fractures and lesions. Ten patients (10 feet) were clinically
sencadeou necrose cutânea e à presença de fragmentos and radiographically reassessed after a mean follow-up time
osteocondrais interpostos na articulação subtalar, que of 80 months (range, 24 to 170 months). Results: Mean
passaram despercebidos no momento da redução e, ulte- scoring, according to hindfoot AOFAS scale, was 83 points.
riormente, desencadearam artrose pós-traumática. Con- Most patients had loss of joint range of motion from adjacent
joints to the talus. The worst results were associated to open
* Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Fa-
culdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – dislocations, to the delay in reducing the dislocation, which
São Paulo (SP), Brasil. triggered skin necrosis, and the presence of interposed
1. Médico Assistente do Grupo de Cirurgia e Medicina do Pé da Santa Casa osteochondral fragments within the subtalar joint, which
de Misericórdia de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil.
were not recognized at the moment of reduction and had
2. Médico Ortopedista ex-Residente do Departamento de Ortopedia e Trau-
matologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – São Paulo (SP),
further triggered posttraumatic arthrosis. Conclusion:
Brasil. Despite the loss of range of motion from joints adjacent to the
3. Chefe do Grupo de Medicina e Cirurgia do Pé da Santa Casa de Misericór- talus, mainly the subtalar joint, the treatment of peritalar
dia de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil. dislocations showed satisfactory results at mid-term in most
Endereço para correspondência: Rua Cesário Mota Jr., 112 – 01224-000 – evaluated patients.
São Paulo (SP) – Brasil. Tel.: (11) 3224-0122, ramal 5448.
Recebido em 14/12/04. Aprovado para publicação em 14/2/06. Keywords – Subtalar joint/injury; Epidemiological studies; Treatment
Copyright RBO2006 outcome
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Luxação peritalar: aspectos epidemiológicos e resultados do tratamento a médio prazo 99

INTRODUÇÃO DeLee enfatiza que as fraturas associadas podem passar


despercebidas pela radiografia inicial(1). A tomografia com-
A luxação peritalar é uma lesão rara(1-6). Consiste no deslo-
putadorizada auxilia tanto na identificação de fraturas intra-
camento simultâneo das articulações talocalcânea (subtalar) e
articulares e osteocondrais das articulações talonavicular e sub-
talonavicular, sem fratura associada no colo ou no corpo do
talar, como também é útil na avaliação do desvio dessas
tálus e sem comprometimento das articulações talocrural (tor-
lesões(9-10,20).
nozelo) e calcaneocubóide(6-12). No momento da luxação, os
A redução imediata é importante para evitar a necrose da
ligamentos talonavicular e talocalcanear (interósseo) são com-
pele e o comprometimento vascular periférico(7-8,11-12,15). A re-
pletamente rompidos, enquanto o ligamento calcaneonavicu-
dução fechada é possível na maioria das luxações peritala-
lar, geralmente, mantém-se intacto(10).
res(1,7,21-23); porém, em cerca de 10% a 20% a redução aberta
De acordo com Leitner(4), a luxação peritalar representa cer-
torna-se necessária, devido à interposição de partes moles ou
ca de 1% a 2% de todas as luxações traumáticas e 15% das
ao grande edema provocado pela demora diagnóstica(4,7,11-12,20,22).
lesões talares(2,6-8,13). A maioria dos pacientes acometidos é
O objetivo deste trabalho é analisar os resultados clínico-
jovem, do sexo masculino, na terceira década de vida(8,14). Os
funcional e radiográfico do tratamento da luxação peritalar.
homens são mais comprometidos, na proporção de 6:1(11). A
lesão nas crianças é extremamente rara(7).
Aproximadamente, 50% a 80% das luxações peritalares são MÉTODOS
causadas por trauma violento resultante de acidentes moto- No período compreendido entre outubro de 1971 e agosto
veiculares ou queda de altura. Algumas lesões são causadas de 2001, foram tratados, no Grupo de Cirurgia do Pé e do
por trauma torcional associado às atividades esportivas e re- Tornozelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia
cebem a denominação “pé de basquete”(6,8,14). da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, 22 pacientes (22
Segundo DeLee e Inokuchi et al, foi Broca, em 1852, quem pés), que sofreram luxação peritalar.
classificou as luxações peritalares de acordo com a direção do Estudamos o aspecto epidemiológico dos 22 pacientes com
deslocamento do pé em relação ao tálus, subdivindo-as em: relação ao sexo, à idade, ao mecanismo do trauma, à classifi-
medial, lateral e posterior(8,15). Segundo Tucker et al e DeLee, cação do tipo de luxação, ao grau de exposição osteoarticular,
mais tarde, em 1856, Malgaine e Burger modificaram essa ao tipo de tratamento realizado, às fraturas associadas no pé e
classificação, acrescentando o raro deslocamento anterior(6,8). tornozelo e às outras fraturas e lesões associadas (tabela 1).
As luxações peritalares mediais representam a maior parte Utilizamos, como fonte de informação, as radiografias do pé
dos casos descritos na literatura (80%), sendo quatro vezes e do tornozelo pré e pós-redução e os dados anotados no pron-
mais freqüentes que as luxações laterais (17%)(4,9,16-17). Nas tuário de cada paciente.
luxações mediais, todo o pé desloca-se medialmente em rela- Consideramos lesões de alta energia aquelas cujo mecanis-
ção à perna, resultando em deformidade importante em inver- mo do trauma envolveu colisão de automóvel, atropelamento,
são, flexão plantar e adução, aparentando encurtamento da queda maior do que dois metros de altura e, em um caso, a
coluna medial do pé(8). queda do trem em movimento. Foram consideradas lesões de
As luxações laterais ocorrem em decorrência de traumas baixa energia aquelas causadas por trauma esportivo e queda
que envolvem maior energia. Mais de 50% dessas lesões são de altura menor do que dois metros.
expostas(18). Clinicamente, todo o pé desloca-se lateralmente Na admissão hospitalar foram avaliados: as condições da
em relação ao eixo longo da perna, com grave deformidade pele com relação à presença de flictenas e abrasões, o grau e a
em abdução, pronação e aparente encurtamento da coluna la- extensão do edema, a perfusão tecidual, o tamanho e o grau
teral do pé(8). A cabeça talar torna-se proeminente na face me- de contaminação das lesões expostas. Os pulsos pedioso e
dial do pé, tensionando a pele intacta ao redor do maléolo tibial posterior foram palpados. Pesquisou-se, clinicamente, a
medial(19). presença de sinais sugestivos de síndrome compartimental,
A freqüência das luxações posteriores e anteriores é me- avaliando-se a presença de grande edema associado às altera-
nor, representando 2,5% e 1%, respectivamente, do total de ções da sensibilidade e da dor intensa, tanto espontânea, como
casos(17). O pé parece encurtado nos deslocamentos peritala- à extensão passiva dos artelhos.
res posteriores e alongado nas luxações anteriores, devido ao Foram realizadas radiografias do pé lesado nas incidências
aplanamento aparente do retropé(8). dorsoplantar, perfil e oblíqua lateral.
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TABELA 1
Distribuição dos casos segundo o sexo, a idade, tipo de luxação,
energia do trauma, tratamento realizado e lesões associadas
N Sexo Lado Tipo de Lesão Energia Redução Fixação Lesões associadas Outras fraturas
Idade luxação exposta do trauma inicial no pé e tornozelo associadas

01 M, 21 E Med Sim Alta Fechada Fios Nenhuma Nenhuma

02 F, 41 D Med Sim Alta Fechada Fios Nenhuma Nenhuma

03 M, 23 D Med Sim Alta Aberta Nenhuma Ft. processo post. tálus Nenhuma

04 M, 30 D Lat Sim Alta Aberta Nenhuma Tendão flexor longo Ft. cotovelo e úmero
hálux Tendão tibial contralaterais
posterior

05 F, 56 E Med Não Alta Fechada Fios Ft. 2a cunha, Ft. cubóide, Nenhuma
Ft. navicular

06 M, 23 D Med Não Baixa Fechada Nenhuma Nenhuma Nenhuma

07 M, 22 D Post Sim Alta Aberta Parafusos* Ft. faceta post. tálus; Nenhuma
calcâneo; maléolo lateral

08 M, 32 E Med Sim Alta Fechada Nenhuma Ft. navicular, Ft. base Nenhuma
do 5o metatarsiano

09 M, 27 E Med Não Baixa Fechada Nenhuma Ft. base do Nenhuma


5o metatarsiano

10 M, 18 D Med Sim Baixa Aberta Nenhuma Avulsão nervo sural Nenhuma

11 M, 22 E ? Não Alta Fechada Nenhuma Ft. calcâneo Nenhuma

12 M, 28 D Med Não Baixa Aberta Nenhuma Nenhuma Nenhuma

13 M, 49 E Med Sim Alta Aberta Fios Ft. processo post. tálus Nenhuma

14 F, 48 E Med Não Baixa Fechada Nenhuma Ft. da borda do Nenhuma


corpo do tálus

15 M, 20 E Lat Sim Alta Fechada Fixador Ft. calcâneo; Ft. diafisária da


externo Ft. cubóide tíbia ipsilateral

16 M, 52 E Med Não Baixa Fechada Nenhuma Nenhuma Nenhuma

17 M, 57 D Med Sim Alta Fechada Fios Ft. processo post. tálus Ft. do planalto
Desluvamento do retropé tibial contralateral

18 M, 15 E Med Não Alta Fechada Nenhuma Nenhuma Nenhuma

19 F, 25 E Med Não Alta Fechada Nenhuma Ft. processo post. tálus; Nenhuma
Ft. avulsão navicular

20 M, 36 E Med Não Baixa Fechada Nenhuma Nenhuma Nenhuma

21 M, 37 D Med Não Baixa Fechada Nenhuma Ft. processo post. tálus Nenhuma

22 M, 31 E ? Sim Alta Fechada Fixador Ft. maléolo lateral; Ft. Ft. planalto tibial
externo base do 5o metatarsiano bilateral

N = pacientes; F = feminino; M = masculino; D = direito; E = esquerdo; ? = desconhecido; Med = medial; Lat = lateral; Ft = fratura; post = posterior; * realizada artrodese primária
da articulação subtalar.

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Com base no estudo epidemiológico, feito a partir dos da- condral interposto na faceta posterior da articulação subtalar.
dos do prontuário dos 22 pacientes (22 pés), observamos que Em dois pacientes, a redução incruenta não foi possível, devi-
quatro eram do sexo feminino (18%) e 18 do masculino (82%). do à interposição de fragmentos ósseos articulares do proces-
A média de idade, no momento do acidente, foi de 32 anos so posterior do tálus em um caso e da faceta póstero-lateral do
(variando de 15 a 57 anos). A luxação ocorreu no lado direito calcâneo em outro.
em nove pés (41%) e, no lado esquerdo, em 13 pés (59%). Uma vez conseguida a redução, foi realizada radiografia de
Entre os pacientes, 14 (64%) foram vítimas de lesão de alta controle para verificar a congruência das articulações. Além
energia, cinco sofreram acidente de automóvel, cinco foram disso, a estabilidade das articulações reduzidas foi testada
atropelados; três caíram de mais de 2m de altura e um sofreu manualmente. Em 14 pés (64%), a redução foi considerada
queda de um trem em movimento. As lesões em oito pacien- clinicamente estável, sendo optado tratamento com imobili-
tes (36%) resultaram de trauma de baixa energia, em três esta- zação gessada suropodálica. Após a redução incruenta, obser-
vam associadas a atividade esportiva e em cinco ocorreram vamos instabilidade articular peritalar em sete pés (32%), sendo
em conseqüência de queda de altura menor do que 2m. necessária a fixação transarticular transitória, com fios de
O tipo mais freqüente de lesão, segundo a classificação de Kirschner, para manter a redução, em cinco pés e a colocação
Broca-Malgaine-Burger, citado por Tucker et al e DeLee, foi de fixador externo em outros dois. A opção do fixador exter-
o medial, compreendendo 17 pés (85%), dois pés (10%) so- no foi devida a grave lesão de partes moles e fraturas associa-
freram luxação lateral e um pé (5%), luxação posterior(6,8) (fi- das nesses casos. Em um pé, optou-se pela artrodese subtalar
gura 1). Não dispusemos das radiografias iniciais de dois pés, primária, devido à grave cominuição das superfícies articula-
os quais não foram considerados. res peritalares (figura 1).
Em 11 pés (50%) ocorreu luxação peritalar exposta. A le- Nas radiografias de controle pós-redução, diagnosticamos
são foi fechada nos demais. fraturas associadas do pé e do tornozelo em 14 pacientes (64%).
Inicialmente, em todos os pacientes, foi tentada a redução Foram detectadas cinco fraturas do processo posterior do tá-
incruenta imediata, sob anestesia, controlada com intensifica- lus (figura 2). Observamos, também, duas lesões osteocon-
dor de imagens ou radiografias. Nos pacientes que apresenta- drais da superfície subtalar posterior do tálus, três fraturas in-
vam lesão exposta, foi realizado tratamento cirúrgico, com tra-articulares do calcâneo, três fraturas por avulsão do
desbridamento da ferida, irrigação e antibioticoterapia sistê- navicular, três fraturas da base do quinto osso metatarsal, duas
mica endovenosa, durante 10 dias. Foi possível a redução in- fraturas do maléolo lateral, duas fraturas do osso cubóide e
cruenta da luxação peritalar, em 16 pés (73%). Somente em uma fratura-luxação da segunda cunha.
seis pés (27%), foi necessária a abordagem cirúrgica para ob- As principais lesões das partes moles, verificadas no intra-
ter a redução. operatório, foram a lesão do tendão tibial posterior, parcial
A principal indicação para a redução cruenta foi a falha na em dois pés e total em um pé, a lesão do tendão flexor longo
obtenção da redução incruenta, mormente causada pela inter- do hálux, em dois pés, e a avulsão irreparável do nervo sural,
posição de fragmentos ósseos ou partes moles adjacentes. em um pé. O desluvamento grave do retropé ocorreu em um
Outras indicações foram a incongruência articular residual, paciente, que foi tratado, ulteriormente, com retalho vascula-
observada na radiografia de controle pós-redução, e a presen- rizado do músculo grande dorsal.
ça de fragmentos ósseos ou osteocondrais desviados, com- Outras lesões associadas foram: dois casos de fratura do
prometendo as superfícies articulares peritalares. Para a redu- planalto tibial, um de fratura diafisária da tíbia e um caso com
ção cruenta, foram empregadas vias de acesso anterior ao pé e fraturas associadas do cotovelo e do úmero ipsilaterais.
tornozelo em dois casos, póstero-medial em dois e lateral em
outros dois. Avaliação clínico-funcional
Na ocasião da cirurgia, foi observado que havia interposi- No período de janeiro a agosto de 2001, os 22 pacientes
ção de partes moles, impedindo a redução incruenta em qua- foram convocados para reavaliações clínica e radiográfica.
tro pés: em dois havia interposição do músculo extensor curto Compareceram 10 pacientes, os quais foram avaliados por
dos dedos, enquanto em um havia interposição do tendão fle- meio de questionário, exame físico e radiografias dos pés. A
xor longo do hálux. Em um paciente, além da interposição do avaliação clínico-funcional foi feita com base na escala para
tendão extensor longo do hálux e dos tendões extensores lon- retropé da AOFAS (American Orthopedic Foot and Ankle Sco-
gos dos dedos, foi encontrado um pequeno fragmento osteo- re) – 1994(24). Os critérios: dor, função e alinhamento do pé
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A B

C D

Figura 1 – Paciente vítima de luxação peritalar medial exposta, aspecto clínico (A)
e radiografia na incidência ântero-posterior do tornozelo prévia à redução (B).
Aspecto clínico imediatamente após a redução da luxação (C) e radiografia na
incidência de perfil do tornozelo mostrando imobilização com tala gessada (D).

A B C

Figura 2 – Radiografia na incidência ântero-posterior do tornozelo direito ilustran-


do luxação peritalar medial (A). Após a redução incruenta, o corte tomográfico
coronal do retropé evidenciou incongruência da articulação subtalar e a presença
de fragmentos osteocondrais desviados (B) e interpostos na articulação (C).

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foram considerados separadamente. A presença de deformi- do hálux. Tanto o lado afetado quanto o lado contralateral
dades residuais e as complicações imediatas e tardias também foram aferidos em cada paciente. A diferença de arco de mo-
foram investigadas (tabela 2). vimento articular do pé lesado em relação ao pé sadio foi ex-
Para mensurar a dor, utilizamos escala analógica visual. Os pressa em graus e considerada como a perda relativa associa-
pacientes assinalavam em uma linha traçada em uma régua, da à luxação peritalar. Excluímos dessa avaliação um paciente,
numa escala de 0 a 10cm, o ponto no qual quantificavam sua o qual foi submetido a pan-artrodese.
percepção da dor. Classificamos a dor em cinco graus de in- Identificamos a presença de deformidades residuais, tais
tensidade: 0cm (nenhuma dor), de 0,1 até 2,5cm (pouca dor), como eqüino do tornozelo, varo ou valgo do retropé, diminui-
de 2,6 até 5,0cm (dor leve) de 5,1 até 7,5cm (dor moderada) e ção ou aumento da altura do arco plantar medial e presença de
de 7,6 até 10,0cm (dor importante). A dor foi avaliada quanto abdução ou adução. Utilizamos, como parâmetro, o pé con-
à sua localização e aos fatores agravantes e atenuantes. tralateral do próprio paciente.
Para tentarmos avaliar o efeito da luxação peritalar nas de- Avaliamos, ainda, o tempo transcorrido desde o trauma ini-
mais articulações do pé e do tornozelo, aferimos, com goniô- cial até a retirada da imobilização e o retorno ao trabalho.
metro, a amplitude de movimento das articulações do torno- Pesquisamos se houve necessidade de mudança na atividade
zelo, subtalar, do mediopé, metatarsofalângica e interfalângica profissional após a recuperação.

TABELA 2
Distribuição dos pacientes reavaliados segundo tempo de imobilização,
complicações tardias, cirurgia complementar e avaliação clínico-funcional e radiográfica
N T. de Complicações Cirurgia AOFAS Intensidade Localização Marcha Satisfação Retorno
imob. tardias complementar da dor da dor Claudicação/Suporte do doente ao serviço
Dor Função Alin/to Total

13 24s Artrose subtalar Artrodese 30 26 10 66 Pouca Seio do Moderada Bengala CS 24s*


e tornozelo tibiotalocalcânea tarso

14 24s Artrose subtalar Nenhuma 20 28 10 58 Moderada Seio do Moderada AFO IN 30s


tarso

15 48s OMC calcâneo Seqüestrectomia 30 39 10 79 Pouca Plantar sob Moderada Nenhum SR 56s
Artrose subtalar calcâneo
(anquilose)

16 18s Nenhuma Nenhuma 40 50 10 1000 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhum CS 10s

17 6s Necrose tálus Retalho do 30 24 05 59 Pouca Plantar sob Moderada Bengala SR 52s


Artrose subtalar músculo calcâneo
(anquilose) grande dorsal

18 6s Nenhuma Nenhuma 40 50 10 1000 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhum CS 8s

19 6s Nenhuma Nenhuma 40 50 10 90 Nenhuma Seio do Nenhuma Nenhum CS 3s


tarso

20 6s Artrose subtalar Nenhuma 30 47 10 87 Pouca Seio do Nenhuma Nenhum CS 8s


tarso

21 6s Nenhuma Nenhuma 40 47 10 97 Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhum CS 8s

22 30s Artrose subtalar Nenhuma 40 47 10 97 Pouca Nenhuma Leve Nenhum SR 52s*


(anquilose)

N = paciente; T. de imob. = tempo de imobilização; s = semanas; OMC = Osteomielite crônica; AOFAS = American Orthopedics Foot and Ankle Society; Alin/to = alinhamento; AFO = Ankle
Foot Orthesis; CS = completamente satisfeito; SR = satisfeito com restrições; IN = insatisfeito; * = mudança por outra atividade mais leve.
Fonte: SAME da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

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Os pacientes foram inquiridos quanto à satisfação pessoal ainda, restrições nas atividades da vida diária, tais como: difi-
com o resultado do tratamento, respondendo a uma das três culdade para caminhar mais do que três quarteirões em dois
opções oferecidas: satisfeito, satisfeito com restrições ou in- casos, dificuldade para andar em terrenos irregulares em três
satisfeito. e dificuldade para subir escadas em dois. Todos esses pacien-
tes apresentaram dificuldade para descer escadas.
Avaliação radiográfica
Somente um paciente queixou-se da sensação de instabili-
Radiografias de ambos os pés e tornozelos, nos 10 pacien- dade no retropé, necessitando do uso de órtese de polipropile-
tes que compareceram à avaliação clínico-funcional, foram no moldada para tornozelo-pé. Nenhum paciente necessitava
feitas nas posições ântero-posterior e perfil com apoio. usar calçado especial.
Investigamos a presença de artrose, classificando-a em qua- Quando comparamos os pés afetados com os pés contrala-
tro tipos: leve, quando existia esclerose periarticular leve, sem terais, observamos que a perda média da amplitude de movi-
diminuição do espaço articular; moderada, quando existia es- mento articular (tabela 3), após a luxação peritalar, foi de 30%
clerose periarticular moderada associada à diminuição de até na articulação do tornozelo, 46% na subtalar, 13% no medio-
50% do espaço articular; grave, quando existia esclerose pe- pé, 19% na articulação metatarsofalângica do hálux e 16% na
riarticular grave associada à diminuição do espaço articular interfalângica do hálux. Segundo análise estatística, essas per-
superior a 50% e à formação de osteófitos e anquilose. das foram significativas.
Análise estatística
A análise estatística foi elaborada utilizando-se o teste não TABELA 3
paramétrico de Wilcoxon, aplicado para diferenças entre mé- Avaliação da amplitude média de movimento
dias de amostras pareadas. nas articulações do pé e tornozelo nos
pacientes que sofreram luxação peritalar
RESULTADOS Lado Lado
lesado não lesado
Avaliação clínico-funcional
A avaliação clínico-funcional foi realizada nos 10 pacien- Tornozelo (flexão/dorsiflexão) 45o 64o
Subtalar (varo/valgo) 14o 26o
tes que responderam à convocação. O tempo médio de segui- Mediopé (abdução/adução) 25o 29o
mento desses pacientes foi de 80 meses (variando de 24 a 170 MF hálux 83o 102o0
meses). IF hálux 53o 63o
Todos os pacientes foram avaliados, segundo a escala fun-
cional da AOFAS para retropé e obteve-se, como média, o va-
lor de 83 pontos (variando de 58 a 100 pontos). Três pacientes
apresentaram pontuação inferior a 70 e o resultado foi consi- Um paciente apresentou deformidade em varo do retropé.
derado insatisfatório. Em nenhum caso ocorreu eqüino do tornozelo.
Como seqüela de complicações imediatas associadas à lu- O tempo médio transcorrido até a retirada da imobilização
xação peritalar, encontramos cicatrizes decorrentes de necro- foi de oito semanas quando não havia nenhuma lesão associa-
se cutânea em seis pés. Em todos esses pés, o mecanismo de da. O período decorrido desde o trauma até o retorno ao tra-
trauma envolvido foi de alta energia. O tempo médio, trans- balho foi, em média, de 25 semanas (variando de três a 56
corrido desde o trauma até a redução, foi de 24 horas. Nos semanas). Dois pacientes tiveram que trocar a atividade origi-
outros quatro pés, que não apresentaram cicatriz, o tempo nal por outra, mais leve.
médio até a redução foi de duas horas. Em relação à satisfação pessoal com o resultado do trata-
Entre os pacientes, seis queixaram-se de dor residual. Em mento, seis pacientes estavam completamente satisfeitos, três
cinco deles, a dor era de pouca intensidade. Somente em um estavam satisfeitos, porém com alguma restrição, e um mani-
paciente, a intensidade da dor era moderada e apresentava-se festou-se insatisfeito.
constante durante a marcha. Em quatro pés, a dor localizava-
se no seio do tarso e, nos outros dois, na planta do retropé. Avaliação radiográfica
Dos pacientes, cinco apresentaram claudicação, sendo mo- Foi observada necrose do corpo do tálus em um pé, que
derada em quatro e discreta em um paciente. Registramos, evoluiu com colapso e artrose peritalar grave (figura 3). Op-
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A B

Figura 3 – Radiografia na incidência de perfil do pé e tornozelo mostrando luxação peritalar posterior (A),
tratada com redução aberta, fixação do maléolo lateral e artrodese primária da articulação subtalar, devido à
extensa cominuição das superfícies articulares (B).

A B

Figura 4 – Radiografias na incidência de perfil do pé e tornozelo, mostrando luxação peritalar medial com
cominuição da superfície articular subtalar (seta) (A). Observa-se a fixação da redução com fios de Kirschner
transarticulares (B). Na evolução ocorreu artrose tardia do tornozelo e demais articulações do tarso (C), trata-
da com pan-artrodese (D).

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tou-se por artrodese tibiotalocalcanear, após 30 meses desde computadorizada é importante para auxiliar na identificação
o trauma inicial. das fraturas intra-articulares e dos fragmentos osteocondrais
Em dois pés desenvolveu-se artrose subtalar moderada e livres nas articulações talonavicular e subtalar(9-10,20). O diag-
em três observou-se anquilose óssea nas articulações subta- nóstico precoce, a redução anatômica, a fixação estável das
lar, do tornozelo e do mediopé (talonavicular e calcaneocubói- fraturas articulares peritalares e a ressecção de pequenos frag-
de). mentos osteocondrais livres constituem fatores decisivos na
Tomografia computadorizada foi feita para avaliar a con- prevenção do desenvolvimento precoce da artrose pós-trau-
gruência articular pós-redução e a possível presença de frag- mática que, por sua vez, pode causar dor, rigidez articular e
mentos osteocondrais livres dentro da articulação (figura 4). resultado final insatisfatório(1).
Como forma de tratamento da luxação peritalar, a redução
DISCUSSÃO imediata é importante para evitar isquemia da pele ao redor
da proeminência óssea e a conseqüente necrose cutânea, além
A luxação peritalar é lesão rara, causada por mecanismo da compressão do feixe neurovascular. A demora no trata-
torcional que, geralmente, envolve alta energia(2,5,7-8,14). Aco- mento pode tornar difícil a redução da luxação, devido à re-
mete, principalmente, indivíduos do sexo masculino, na faixa tração capsuloligamentar(7-8,11-12,15). Na nossa casuística, 60%
etária em que são economicamente ativos(8,11,14). A avaliação dos pés apresentaram necrose de pele, todas decorrentes de
epidemiológica da nossa casuística mostrou que 82% dos pa- trauma de alta energia associado à demora nas reduções (mé-
cientes eram do sexo masculino e a maioria (64%) encontra- dia de 24 horas). A demora na redução ocorreu devido à mo-
va-se na faixa etária entre 20 e 40 anos de idade. Observamos rosidade no pronto atendimento, à dificuldade do transporte
que o mecanismo do trauma mais freqüentemente envolvido quando o paciente veio encaminhado de outras instituições
foi o de alta energia, que ocorreu em 64% dos nossos pacien- ou à falha no diagnóstico.
tes. Dentre as causas, destacam-se os acidentes de automóvel, Em geral, as luxações peritalares podem ser tratadas com
os atropelamentos e a queda de altura maior que dois metros. redução fechada, sob sedação endovenosa ou anestesia ge-
Isso, provavelmente, deve-se à imprudência e ao desrespeito ral(1,7,16,21-23). Pode ser necessária a redução aberta em cerca de
às normas de trânsito ou à falta de obediência às normas de 10% a 20% dos casos, devido à dificuldade para realizar a
segurança do trabalho nas construções civis. redução fechada ou quando se verifica incongruência articu-
De acordo com a literatura, as luxações peritalares mediais lar após redução incruenta(2,4,7,12,20,22).
são as mais freqüentes(4,9,17,25-26). Na nossa casuística, ela ocor- Na nossa casuística, 73% das luxações peritalares foram
reu em 85% dos pacientes. Já as luxações lateral e posterior passíveis de tratamento com redução fechada. Em seis pés
ocorreram menos freqüentemente, representando, respectiva- (27%), a abordagem cirúrgica foi necessária, devido à falha
mente, 10% e 5% dos nossos casos. Segundo DeLee e Curtis, na redução incruenta; na ocasião da cirurgia, observamos a
é comum a associação entre luxação peritalar e fraturas asso- interposição de partes moles em quatro pés. Nos pés que apre-
ciadas do pé e do tornozelo, ocorrendo aproximadamente de sentavam luxação peritalar medial, encontramos interposição
50% a 70% dos casos(1). A grande maioria das fraturas aco- do tendão extensor longo do hálux, bem como dos tendões
mete as superfícies articulares talonavicular e subtalar, e pro- extensor longo e curto dos dedos. No paciente portador de
duzem pequenos fragmentos osteocondrais e cartilaginosos, luxação lateral, observamos interposição do tendão flexor lon-
que podem, eventualmente, passar despercebidos nas radio- go do hálux. Em dois pacientes, a causa que impediu a redu-
grafias simples pré ou pós-redução(1,14). Essas fraturas ocultas ção incruenta foi a interposição de fragmentos ósseos desvia-
ocorrem quase na totalidade das luxações laterais e posterio- dos do processo posterior do tálus e da faceta póstero-lateral
res e em cerca de 12% a 38% das luxações mediais(1,17,22,25-27). do calcâneo.
Na nossa casuística, diagnosticaram-se, nas radiografias de A instabilidade articular, após a redução das luxações peri-
controle pós-redução, fraturas associadas do pé e do tornoze- talares expostas, ocorre em aproximadamente 50% dos ca-
lo em 14 pacientes (64%), ocorrendo em 53% das luxações sos(8). Na nossa casuística, a instabilidade foi constatada após
mediais e em todas as luxações laterais e posteriores. Possi- redução em sete dos 11 pés (82%) que sofreram luxação peri-
velmente, isto se deveu ao fato de o mecanismo da lesão en- talar exposta. Na presença de instabilidade, foi necessária a
volver maior energia nas lesões laterais e posteriores do que fixação transitória das articulações subtalar, talonavicular ou
nas lesões mediais(1,17,22,25-27). Consideramos que a tomografia calcaneocubóide, com fios de Kirschner. A causa da instabili-
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Luxação peritalar: aspectos epidemiológicos e resultados do tratamento a médio prazo 107

dade, provavelmente, deveu-se à maior lesão das partes moles maior lesão das partes moles e pela destruição da cartilagem
ou às fraturas intra-articulares associadas. Acreditamos que, articular(1,15). Comparando os resultados da avaliação clínica
nas luxações peritalares expostas, a instabilidade deve ser tra- com a radiográfica, observamos que a dor constitui um crité-
tada com redução aberta e fixação com fios transarticulares rio subjetivo na avaliação clínico-funcional e que nem sempre
para manter a redução. se correlaciona com a gravidade dos sinais radiográficos de
Utilizando a escala da AOFAS (retropé e tornozelo) para ava- artrose. Na nossa casuística, a dor estava presente em seis dos
liação clínico-funcional dos 10 pacientes que compareceram 10 pacientes. Sinais de artrose moderada ou grave da articula-
após a convocação, obtivemos pontuação média de 83 pontos ção subtalar foram observados em cinco desses pacientes.
(variação de 58 a 100 pontos). Três pacientes (30%) apresen- Todos eles apresentavam dor de leve intensidade. Segundo a
taram pontuação inferior a 70 e o resultado foi considerado escala funcional AOFAS(24) para retropé, o valor médio da dor
insatisfatório. Em dois desses pacientes, observamos rigidez nesses pacientes foi de 28 pontos, em 40 possíveis. Em quatro
nas articulações do tornozelo e subtalar decorrente de artrose desses pés o mecanismo de trauma envolveu alta energia,
pós-traumática. Num deles foi necessária a realização da ar- acompanhado de exposição osteoarticular e de outras fraturas
trodese tibiotalocalcanear. do pé ou do tornozelo. Estamos de acordo com DeLee e Cur-
De acordo com DeLee e Curtis, a maioria dos pacientes tis, que associam a artrose subtalar pós-traumática à incon-
com alteração degenerativa decorrente de fraturas osteocon- gruência articular causada pela redução insatisfatória e às le-
drais, após luxação peritalar, apresenta perda da amplitude de sões osteocondrais ocorridas no momento do trauma(1).
movimento da articulação subtalar(1). Essa perda é de, pelo
A necrose avascular do tálus é rara após a luxação perita-
menos, 50% em relação ao lado contralateral(1). Na nossa ca-
lar(23,25-26). Geralmente, ela ocorre como conseqüência de lu-
suística, quando comparamos o lado afetado com o lado con-
xações graves decorrentes de trauma de alta energia, com com-
tralateral, observamos perda de movimento articular em todas
prometimento importante das partes moles e maior
as articulações do pé e do tornozelo. Após a luxação peritalar,
desvascularização do tálus(14,20-21). A necrose pode ocorrer, oca-
a articulação mais comprometida foi a subtalar, que perdeu,
sionalmente, nas lesões fechadas(25). A baixa incidência de ne-
em média, 46% do seu arco de movimento, seguida pela arti-
crose avascular do tálus, após redução da luxação peritalar,
culação do tornozelo, que perdeu cerca de 30%. A perda da
provavelmente deve-se à integridade da cápsula e dos liga-
mobilidade articular, nas demais articulações do pé, foi infe-
mentos da articulação do tornozelo, mantendo, portanto, al-
rior a 20% do seu arco de movimento. Esses valores foram
guns dos seus suprimentos sanguíneos(20,22). Na nossa casuís-
estatisticamente significantes. Consideramos como possíveis
tica, foi observada necrose avascular difusa do tálus em um
causas da perda da amplitude de movimento das articulações
pé que apresentou desluvamento grave no momento do trau-
do pé e do tornozelo: o dano à cartilagem articular no mo-
ma. Retalho vascularizado do músculo grande dorsal foi ne-
mento do trauma, a fibrose cicatricial periarticular e o tempo
cessário para cobertura do retropé, porém, a necrose avascu-
prolongado de imobilização. Na nossa casuística, o tempo
lar do tálus desenvolveu-se e evoluiu com colapso e artrose
médio de imobilização pós-redução foi de 17 semanas (míni-
grave das articulações do tornozelo e subtalar.
mo de seis semanas e máximo de 48 semanas). Observamos
que a rigidez articular ocorreu mais freqüentemente nas luxa- Com base no estudo epidemiológico, nos resultado radio-
ções causadas por traumas de alta energia associados às le- gráfico e clínico-funcional, estabelecemos como protocolo de
sões expostas e às fraturas múltiplas do pé ou do tornozelo. tratamento que a redução da luxação peritalar deve ser ime-
Nesses casos, a imobilização foi mantida por tempo mais lon- diata para evitar complicações cutâneas e vasculonervosas.
go. Após a redução fechada, recomendamos o estudo tomográfi-
Na análise radiográfica, sinais degenerativos são freqüen- co computadorizado, para verificar a congruência articular e
tes, após luxação peritalar, embora, na maioria dos casos, os a presença de fragmentos osteocondrais interpostos. São indi-
sintomas dolorosos sejam incomuns(1,25-26). Heppenstall et al cações para redução aberta a incapacidade para realizar a re-
observaram incidência de 30% de artrose subtalar nos pacien- dução fechada, devido à interposição de partes moles ou frag-
tes que sofreram luxação peritalar(26). Nas luxações laterais, mentos osteocondrais destacados, além de presença de
essa incidência aumenta para 85%(1). O mecanismo do trau- incongruência articular após redução fechada. Deve-se consi-
ma de alta energia e o tipo de luxação parecem ser responsá- derar a fixação transarticular com fios, para manter a redução
veis pelo desenvolvimento de artrose pós-traumática, pela nas lesões instáveis.
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108 Ferreira RC, Costa MT, Corrales CAI, Lin YY, Ferreira Filho FF

CONCLUSÃO 12. Heck BE, Ebraheim NA, Jackson WT. Anatomical considerations of
irreducible medial subtalar dislocation. Foot Ankle Int. 1996;17(2):103-
Apesar da perda da amplitude de movimento das articula- 6.
ções adjacentes ao tálus, principalmente a subtalar, a médio 13. Pennal GF. Fractures of the talus. Clin Orthop Relat Res 1963;30:53-63.
prazo, o tratamento das luxações peritalares mostrou resulta- 14. Ruiz Valdivieso T, de Miguel Vielba JA, Hernandez Garcia C, Castrillo
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