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Indústriadealimentos:
no caminho da inovação
e de novos produtos
COM UM FATURAMENTOANUAL SUPERIOR A R$184BILHÕES,EDESTAQUE PARAOS
SEGMENTOSDECARNESEDERIVADOS,AINDÚSTRIABRASILEIRA
DEALIMENTOS SEDIVERSIFICA EAPOSTAEMNOVASTECNOLOGIAS

por Flávia Gouveia

A
indústriadealimentosbra- professora da Esalq/USP e presidente tor do departamento econômico e de
sileira, responsável por da Sociedade Brasileira de Alimentos comércio exterior da Abia. Um cenário
quase 15% do faturamen- Funcionais (Sbaf), as inovações em ali- econômico melhor, com previsões de
todosetorindustrialepor mentos funcionais no Brasil são ainda crescimento do PIB entre 3,5 e 4% e
empregarmaisde1milhão incipientes secomparadas ao estágio em taxas de juros menores, o que favorece
de pessoas, tem conseguido seguir as que se encontram hoje empresas do o bom desempenho. "Ocrescimento des-
tendências internacionais na área de Japão, Estados Unidos e Europa. Ainda sa indústria no segundo semestre ten-
produção,masaindaprecisadesenvolver há um longo caminho a percorrer. de sempre a ser maior, em função das
trajetórias mais consistentesna área de A produção de alimentos é um dos férias e Natal", diz Ribeiro. Ele lembra,
inovação.Investimentos em pesquisa e pilares de qualquer economia, seja por no entanto, que em termos reais esses
desenvolvimento (P&D) com o objetivo sua abrangência e essencialidade, seja valores caem um pouco, pois se deve
de criar novos produtos de maior valor pela rede de setores direta e indireta- descontar o efeito da inflação, previs-
adicionadopodemgarantir osucessode mente relacionados, como o agrícola, o ta pelo governo em 4,5%.
empresas quese mobilizam para acom- de serviços e ode insumos, aditivos, fer-
panhar a onda de consumo de alimen- tilizantes, agrotóxicos, bens de capital OSGRANDESNÚMEROSDOSETOR
tos saudáveis e de preparo rápido. e embalagens. No ano passado, apesar Os segmentos que representaram
Algumas empresas, porém, sequer pos- da pequena taxadecrescimento do PIB maior parcela do faturamento em 2005
suem ainda um departamentode P&D. brasileiro (2,3%), seu faturamento foi foram o de carnes e derivados (21,8%),
As principais inovações ligadas ao recorde: R$ 184,2 bilhões, superior em beneficiamento de café, chá e cereais
mercado de alimentos estão nas áreas quase 5% em relação a 2004, de acordo (15%), e óleos e gorduras (12,6%). Apar-
deinsumos,biotecnologia,bensdecapi- com a Associação Brasileira das ticipação do segmento de bebidas é de
tal e embalagens. Omercado de alimen- Indústrias de Alimentação (Abia). aproximadamente 14%do faturamento
tos funcionais tem crescido a taxas Este ano começou bem para o setor. do setor. No que se refere à demanda
anuais de aproximadamente 10% e se No primeiro semestre a produção de externa, o saldo exportador de agrone-
revela um campo fértil de pesquisa e alimentos, incluindo bebidas, já cres- gócios de alimentos atingiu US$ 31,5
oportunidades comerciais. Porém, de ceu 3% comparado ao mesmo período bilhões em 2005 —US$ 20,1 bilhões para
acordo comJocelemMastrodiSalgado, em 2005, afirma Denis Ribeiro, dire- alimentos industrializados e US$ 11,4

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bilhões para agropecuária. Os produtos nas do setor no ano passado (ver gráfi- PADRÕESDECONSUMO
de maior peso na pauta exportadora são co 1). Essa participação, porém, já este- Aprodução da indústria alimentícia
carnes, açúcar, complexo soja, suco de ve acima de 30% em anos anteriores. é absorvida por uma ampla gama de
laranja e café. Ocrescimento das expor- Os vizinhos do Mercosul ocupam ape- indústrias, que utilizam seus produtos
tações de alimentos industrializados nas a décima posição. O volume de como insumos, e pelos consumidores
(5,89%) foi superior ao do mercado inter- importações é bem menor, da ordem de finais. Destaca-se o setor de serviços de
no (3,52%)e,até julho de 2006,as expor- US$ 1bilhão. Essa assimetria histórica alimentação,quecresceaumataxaanual
tações desses produtos já estavam em reflete-se em superávits comerciais sis- acima de 10% e adquire cerca de 25%da
US$ 11bilhões. O principal destino das temáticos. Ribeiro afirma que as impor- produçãodaindústriaalimentíciabrasi-
exportações dos alimentos brasileiros tações de alimentos concentram-se em leira. Esse segmento —que compreende
industrializados é a União Européia, trigo e farinha de trigo, que represen- restaurantes, bares, padarias, lojas de
responsávelpor26,4%das vendas exter- tam cerca de 40% da pauta. conveniência,fastfoodsetc—conta com

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mais de 1,2 milhão de pontos de venda e quisador do Instituto de Economia da
em 2005 faturou R$ 38,1 bilhões. Em Unicamp, Marcio Pochmann, "a deman-
comparação com a receita proveniente da reprimida por alimentos industriali-
dasvendasnovarejo,queatingiuR$100,8 zados sempre existiu, mas o pequeno
bilhões no mesmo ano, as vendas para ganho de renda e o aumento do empre-
os serviços de alimentação cresceram go(ainda quedebaixa remuneração) per-
duas vezes mais (11,9%contra 5,6%). mitiram a popularização de seu consu-
Segundo a última Pesquisa de mo."O economista ressalta, porém, que
Orçamentos Familiares (POF) realiza- esse processo só será sustentável se os
da pelo IBGE (2002/2003), oconsumo de investimentos no país forem retomados
refeições fora do lar no Brasil é de apro- e se a concentração de renda diminuir.
ximadamente um quarto do consumo
total das famílias. Há diferenças entre EMPRESASEINVESTIMENTOS
a área urbana e a rural e entre as regiões. Conforme o Balanço Anual 2005 da
Na área urbana, o percentual gasto com Abia, osetor alimentício possui 40,7 mil
alimentação foradodomicílio (25,74%) empresas formais, sendo 85% delas
é o dobro do observado na área rural microempresas (com até 19 emprega-
(13,07%) e, entre as regiões, a Sudeste é dos) e apenas 0,9% grandes empresas
onde mais se gasta com alimentação (commaisde 500 empregados). Asmaio-
fora de casa (26,91% dos gastos men- res empresas do setor são as responsá-
sais com alimentação). veis pelos investimentos de grande por-
Com relação aos tipos de alimentos te e pela P&D.Em volume de vendas, as
mais consumidos pelas famílias, o três maiores companhias do setor
aumento da renda real dos últimos 20 (excluindo a produção debebidas alcoó-
anos permitiu a diversificação do padrão licas) possuem controle acionário exter- processados que incorporam maior con-
de consumo das classes com rendimen- no, mas a partir da quarta posição já teúdotecnológico. Nessacategoria estão
tos menores e a criação de um novo mer- aparecem as grandes empresas brasi- produtos industrializados não-commo-
cado de consumo popular. Fatores como leiras, invariavelmente do setor de car- ditizados como confeitos, produtos diet
baixa inflação, programas sociais (como nes e derivados (ver tabela 1) elight,alimentossemi-prontosealimen-
o Bolsa Escola),reajustedo salário míni- Em geral, as empresas produzem e tos funcionais.
mo e previdência contribuíram para o vendem tantoalimentos dotipo commo- Osinvestimentosrealizadosem2005
desenvolvimentodesse mercado.APOF dity,debaixovaloragregado, quanto os foram estimados pela Abia em 2,5% do
de 2002/2003 mostra que, em faturamento, dos quais 1,5%
30 anos, o brasileiro reduziu o destinaram-se àaquisiçãode
consumo de gêneros tradicio- equipamentoseplantaspro-
nais como arroz, feijão,batata, dutivas, 0,7% à marketing e
pão eaçúcare aumentouocon- 0,3%à P&D."Há empresasde
sumo de alimentos processa- alimentos no Brasil que
dos, como iogurte (que passou sequer possuem um depar-
de 0,4 kg para 2,9 Kg por pes- tamento de P&D", afirma
soa em um ano), refrigerante Sílvia Angélica Domingues,
de guaraná (de 1,7 Kg para 7,7 doutorandadoDepartamento
Kg)e alimentos preparados (de de Política Científica e
1,7 Kg para 5,4 Kg). Para o pes- Tecnológica do Instituto de
Gráfico1

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Tabela 1

INOVAÇÕESINCREMENTAIS
As inovações na indústria alimentí-
cia sãomajoritariamente incrementais.
De acordo com Airton Vialta, vice-dire-
tor do Instituto de Tecnologia de
Alimentos (Ital), as grandes inovações
ocorrem principalmente na área de for-
Geociências da Unicamp. "Pode-se dizer concorrentes, o que configura uma ino- mulação de ingredientes e aditivos, ali-
que as inovações do setor são desenvol- vação apenas do ponto de vista daquela mentosfuncionais,transgênicoseemba-
vidas sobretudo de forma indireta, ou empresa e não para o mercado". lagens."Osnovos aromas,corantes,ami-
seja, pela indústria de bens de capital Por outro lado, as grandes empresas dos modificados, enzimas e moléculas,
paraaprodução dealimentos, pelos pro- vêemsuasinovaçõescomoextremamen- criados pela indústria deingredientese
dutores deinsumosquímicosepelosetor te estratégicas e resistem a dar declara- aditivos, assim como os microorganis-
de embalagens",diz Domingues. ções sobre suas ações tecnológicas, evi- mos probióticos,antioxidantes,imuno-
Observando-se os dados da última tando revelar informações sigilosas aos peptídeos, isoflavonas e outros compo-
Pesquisa Industrial de Inovação Tecno- concorrentes. "Acreditamos que falar nentes que caracterizam os alimentos
lógicado IBGE(Pintec 2003),verifica-se, sobre nossas tecnologias e desenvolvi- comofuncionaisrepresentamamaioria
porém, que a taxa de inovação do setor mentos de produtos pode expor nossos das inovações em alimentos",diz Vialta.
alimentício (29,5%) épróximadataxade trunfosaoutrasempresasdoramo,pron- Segundo o especialista, a tendência
inovação de economia em geral (33,2%). tas para nos copiar", afirma a assessoria atualéaalimentaçãosaudável,comsubs-
Mas é preciso analisar a taxa de inova- de imprensa de uma das maiores do ran- tituição de gorduras nocivas (como as
ção —entendida como a porcentagem de king. Outras empresas também se recu- trans-saturadas) pelas benéficas (como
empresas que inovaram em relação ao saram a falar sobre o assunto. Aafirma- as do tipo ômega 3 e 6). Nessa direção,
universodas empresas —comcuidado.De çãorevelaoequilíbriodeforçasdasgran- tambémtemaumentadoaprocuraporali-
acordo com Domingues, "muitas empre- des líderes do mercado e a preocupação mentos orgânicos —aqueles livres de
sas que dizem ter inovado, realizaram com o segredo industrialcomo forma de agrotóxicos, hormônios e aditivos quí-
imitações de inovações já lançadas por proteçãodas inovações. micos artificiais —,apesar de seus pre-

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Aindústria de aromas éa mais repre-
sentativa do segmento em faturamen-
to, mas, para Collino,os maiores desen-
volvimentos tecnológicos se concen-
tram nos ingredientes funcionais. O
mercado de ingredientes e aromas é
dominado por empresas multinacio-
nais, com algumas exceções. As empre-
sas produtoras de aromas fornecem não
apenas para empresas do setor de ali-
mentos, mas também para as indústrias
de perfumaria, higiene e limpeza. As
grandes multinacionais, como as suí-
ças Givaudan e Firmenich, a americana
IFF (International Flavours and
Frangrances), a alemã Symrise e a ingle-
sa Quest dominam o mercado mundial,
mas empresas nacionais também têm
çospoucoatrativos."Outratendênciasão tivos alimentares como: "substâncias sua fatia no mercado brasileiro. "ADuas
os alimentos semi-prontos, chamados intencionalmente adicionadas aos ali- Rodas é uma empresa brasileira cente-
"dofreezeraoforno",umavezquesedese- mentos com o objetivo de conservar, nária que, além de aromas, desenvolve
ja cada vez mais reduzir o tempo gasto intensificar ou modificar suas proprie- outros ingredientes e aditivos", afirma
comopreparoderefeições",lembraVialta. dades, desde que não prejudiquem seu Collino. AVittaFlavor, também de capi-
"É aí que entram os insumos da indús- valor nutritivo". Os aditivos alimenta- tal 100% nacional (fundada há treze
triaquímicadeingredientes, comdesta- res se tornaram virtualmente obrigató- anos), figura entre as seis maiores fabri-
quepara a indústria de aromas", diz ele. rios na alimentação moderna, sobretu- cantes de aromas instaladas no Brasil
do por sua capacidade de manter a qua- e criou um departamento de pesquisa
INGREDIENTESEADITIVOS lidade e a validade dos alimentos ven- de produtos naturais para estudar os
O mercado brasileiro de ingredien- didos em supermercados. Entretanto, componentes voláteis responsáveis
tes e aditivos fatura anualmente entre há estudos que associam a utilização pelos sabores das frutas tropicais bra-
R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões, segundo inadequada desses componentes a efei- sileiras. Outro destaque nacional no
Helvio Tadeu Collino, presidente da tos prejudiciais à saúde, como o apare- campo das pesquisas com aromas para
Associação Brasileira da Indústria e cimento de câncer, alergias e outras alimentos é a Empresa Brasileira de
Comércio de Ingredientes e Aditivos enfermidades. De acordo com Bárbara Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vin-
para Alimentos (Abiam). Os aromas res- Lajus, gerente executiva da Associação culada ao Ministério da Agricultura,
pondem por cerca de 50% desse fatura- Brasileira das Indústrias de Óleos Pecuária e Abastecimento. Algumas
mento e o restante agrega todos os Essenciais, Produtos Químicos, empresas brasileiras têm conquistado
outros ingredientes e aditivos. Fragrâncias, Aromas e Afins (Abifra), o mercado internacional, inclusive com
"Tecnicamente,não é fácil definir o que todas as novas moléculas de aditivos fábricas instaladas em outros países.
são ingredientes e o que são aditivos", devem ser submetidas a estudos toxi- Entre os dias 12e 14de setembro,na
diz Collino. "Essa distinção é uma exi- cológicos e avaliações de segurança, cidade de São Paulo, a 12ªedição da fei-
gência da legislação sanitária, mas na obedecendo aos critérios definidos na raFood IngredientsSouthAmérica, mos-
prática não é clara". legislação de Mercosul e na Resolução trou as mais recentes inovações em solu-
Alegislação brasileira define os adi- N°104/99 da Anvisa. ções e tecnologias para o desenvolvi-

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ALIMENTOSFUNCIONAIS:FORTEDEMANDA
Oaumentodaprocuraporalimentosfuncionaisnosúltimosanosestá
intimamenterelacionadoàpreocupaçãocadavezmaiordasociedadecom
asaúdeecomoenvelhecimentocomqualidadedevida.SegundoGabriela
AlvesMacedo,daFaculdadedeEngenhariadeAlimentosdaUnicamp,omer-
cadomundialdealimentosfuncionaismovimentavaUS$65bilhõesem1995
ehojedeveestaremtornodeUS$80bilhões/ano.Alimentofuncionaléo
alimentoouingredienteque,alémdasfunçõesnutricionaisbásicas,produz
efeitos metabólicosou fisiológicos benéficos à saúdequandoconsumido
regularmente.Seuconsumodevetersupervisãomédicaesuaeficáciadeve
serasseguradaporestudoscientíficos,naopiniãodaprofessoradenutrição
JocelemSalgadodaEsalq/USP.
OJapãofoiopioneironaproduçãoecomercializaçãodealimentosfun-
cionais(conhecidoscomoFoshu,FoodsforSpecifiedHealthUse).Lá,jáforam
registradosmaisde200alimentosfuncionais,comselodeaprovaçãodo
MinistériodaSaúdeeBemEstaresobregulaçãodeumalei,dejunhode1997.
Váriospaísescontamcomumalegislação específica.NoBrasil, asregras
foraminstituídasa partir de1999pela Anvisa."Paraseobter o registrode
umalimentocomalegaçãodepropriedadesfuncionaise/oudesaúde,deve
serformuladoumrelatóriotécnicocientíficobastantedetalhado,compro-
vandoosbenefícioseasegurançadeusodoalimento",dizJocelemSalgado.
Aprofessoralembraque"osalimentosfuncionaispodemreduziroris-
codedoenças,masnãocuram,aocontráriodosremédios".Alémdisso,há
casosemqueaquantidadeingeridadiariamenteparaqueosefeitossejam
sentidos podeserexorbitante,no casodealimentosin natura."É aí que
entramas empresas,universidades,institutosdepesquisaesuastecnolo-
gias,paraconcentraroscomponentesativoseadicioná-losaosalimentos.
EmpresascomoQuaker,Gelita,DanoneeabrasileiraSanavitatêmsedes-
tacadoempesquisaseinovaçõesnessaárea",afirmaSalgado.Masemmui-
toscasos,asindústriasimportamosingredientesfuncionais,oqueencare-
ceoprodutofinalparaoconsumidor.
Os alimentosfuncionaispodemsernaturalmenteprovidosdecom-
ponentes ativos benéficos à saúde outer essescomponentes adiciona-
dos à sua composição original. Entre os alimentos funcionais existem
diversosgruposquímicosresponsáveispelassuaspropriedadesterapêu-
ticasoupreventivas.

mento de novos produtos alimentícios. e commodities. Entre os destaques da ra para redução de gordura em chocola-
As empresas apresentaram ao mercado feiraestãoo lactium, proteínadeleiteque tes, da Instant Gel Schoko e a linha color
aromas, aditivos, semimanufaturados tem função anti-stress, da empresa changers, corantes que mudam de cor,
(polpas de frutas, frutas secas, confei- Labonathus; a gelita, um tipo especial de desenvolvidos pela Sensient Techno-
tos,carnes etc),ingredientes orgânicos gelatina que traz uma solução inovado- logies Brazil.

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