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O papel do sulfeto de hidrogênio na evolução

da vida através de uma perspectiva de estresse


oxidativo

Cauê Augusto Boneto Gonçalves - nºUSP:12430228


Thales Vieira Rodrigues - nºUSP:12527282
Thiago Firmino de Silva Souza - nºUSP:12776631
Universidade de São Paulo
Opção 1

Introdução
Estima-se a idade do planeta Terra em aproximadamente 4,5 bilhões de
anos, dividindo-a em 4 éons distintos: hadeano, arqueano, proterozóico e
fanerozóico. No éon hadeano, o planeta era inabitável principalmente pela
sua alta temperatura, além de outros fatores. Em tal período, a atmosfera da
Terra primitiva caracterizava-se pela ausência do gás oxigênio e o predomínio
de gases como metano, gás carbônico, amônia, e outros, assim como a presença
significativa de sulfetos e cianetos [1]. Nesse contexto, tendo em vista o caráter
redutor da atmosfera, ela era formada predominantemente por substâncias
reduzidas. Além disso, as moléculas orgânicas, geradas no evento responsável
por dar origem ao Sistema Solar e que foram acrescidas na formação do planeta
Terra, sofreram reações químicas, pela energia da radiação ultravioleta que
incidia na superfície, de modo que resultaram em moléculas orgânicas de
maior complexidade, as quais serviram como blocos de construção iniciais
para as primeiras moléculas biológicas.
O resfriamento da Terra foi fundamental para o surgimento da vida,
acreditando-se que, de acordo com os registros fósseis, tenha acontecido
há cerca de 3,5 bilhões de anos [1], no éon arqueano, sendo viabilizada apenas
pelo aparecimento de água no estado líquido, o que ocorreu com a formação
dos oceanos anóxicos e ferruginosos. Os primeiros eucariotos apareceram
nos oceanos e seu desenvolvimento se deu em condições anóxicas e euxínicas,
por centenas de milhões de anos, usando enxofre como fonte de energia, de
modo a produzir espécies reativas de enxofre (RSSs). As RSSs são capazes de
provocar a inibição de sistemas redox, afetar a estrutura e a funcionalidade
das proteínas e afetar a atividade de enzimas. Assim, nesse sentido, foram
demandados mecanismos de defesa contra esses compostos pelos organismos,
mas ainda de forma primitiva.

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A composição da atmosfera da Terra, da mesma forma que a vida, evoluiu
paralelamente na história do nosso planeta, tal qual a composição química
terrestre primitiva foi primordial para que a vida surgisse. O oxigênio, por
exemplo, passou a ser um componente na atmosfera apenas no éon protero-
zoico, há cerca de 2,3 bilhões de anos, pelo evento conhecido como Grande
Oxidação, em que o percentual de oxigênio na atmosfera atingiu aproximada-
mente 2%, enquanto que os oceanos continuaram ausentes desse composto,
exceto por pequenos “oásis” de oxigênio em águas rasas. Antes do oxigênio,
o enxofre foi fundamental na origem da vida dada sua versatilidade química
e sua abundância na Terra pré-biótica como sulfeto reduzido presente no ar
atmosférico primitivo. As grandes quantidades de H2 S sugerem um impor-
tante reagente de N2 e CO2 para formar a vida no planeta, pois desta reação,
supõe-se que houve a formação de RNA, aminoácidos e proteínas ancestrais,
toda esta combinação de H2 S, água, calor e pressão, foram necessários para
que houvesse a vida na Terra, como a conhecemos [2].
A fotossíntese, um processo de grande importância na história da vida na
Terra, era realizada desde o início da evolução, apesar de seu mecanismo ser
bem diferente do atual. Na presença da luz, os organismos primitivos tinham
a capacidade de transformar o gás carbônico e o sulfeto de hidrogênio em
glicose, enxofre e água, tal qual também haviam organismos que realizavam a
fotossíntese à base de gás carbônico e água, liberando oxigênio. Nesse con-
texto, ambas as espécies evoluíram em conjunto na vida primitiva [3]. As
cianobactérias, estas que foram os primeiros seres que realizavam a fotossín-
tese à base de água, com as mudanças atmosférica começaram sua proliferação
neste momento de grande oxidação, pois estas estavam adaptadas ao oxigênio,
diferente de suas espécies contemporâneas, a qual o oxigênio era tóxico [4].
O processo de fotossíntese a base de enxofre, visto hoje principalmente por
sulfobactérias existentes no fundo de oceanos, pode ser simplificado pela
equação 1

6 CO2 + 12 H2S + hv C6H12O6 + 6 H2O + 12 S {1}

Logo, o gás oxigênio começou a ser formado em grande escala e fazer parte
significativa da constituição gasosa da atmosfera, até chegar na proporção
atual. A grande oxidação substituiu o H2 S como fonte de energia principal
dos organismos, levando a grande extinção desta parcela de seres vivos e a
hegemonia de espécies a base de oxigênio. Este processo de fotossíntese pode
ser simplificado pela equação 2

6 CO2 + 12 H2O + hv C6H12O6 + 6 H2O + 6O2 {2}

Discussão
O fenômeno citado anteriormente marca o ponto zero da vida baseada em
oxigênio como conhecemos hoje em dia. A figura (1) mostra que o evento da
grande oxidação(GOE) ocorreu por volta de 2,3 bilhões de anos atrás (bya),
porém apenas há 600 milhões de anos atrás (mya) que o oxigênio realmente
se tornou o ponto principal da vida na Terra devido a grande extinção dos
organismos a base de enxofre citados anteriormente.

2
Figure 1: As linhas indicam flutuações na concentração de oxigênio atmos-
férico (azul) e de sulfeto oceânico(verde) ao longo dos Éons. Os asteriscos
significam pontos de extinção em massa [5].

Porém, acredita-se que a fotossíntese oxigênica surgiu provavelmente


por volta de 3 bya, com as primeiras cianobactérias. Embora limitado, o O2
atmos férico oxidou de forma lenta o enxofre elementar exposto e dissolveu
H2 S/HS− em sulfato, o qual foi transportado para os oceanos, reduzido a
H2 S pelo Fe2 + e, em cerca de cem milhões de anos, grandes áreas do oceano
tornaram-se euxínicas e sulfídicas. Nesse ambiente, ocorreu a endossimbiose,
em que uma Archaea redutora de enxofre englobou uma α-protobactéria
oxidante de sulfeto, de modo a produzir a organela mitocôndria em torno de
1,5 bya. Esses primeiros eucariotos momentos mais tarde iriam incorporar
as cianobactérias, dando origem ao cloroplasto, permitindo que outros seres,
além das cianobactérias pudessem realizar a fotossíntese oxigênica. Esses
eventos endossimbióticos deram origem às plantas modernas no início do éon
Fanerozóico, 800 milhões de anos atrás [6].
Nesse contexto, os ancestrais das plantas modernas se consolidaram na
Terra ancestral. Nessa perspectiva, o oxigênio produzido conjuntamente por
cianobactérias e plantas primitivas eventualmente vieram a oxidar o ferro e
sulfeto presentes nos oceanos, e, assim, cerca de 600 milhões de anos atrás, o O2
atmosférico começou a aumentar até chegar aos níveis atuais, um processo que
levou centenas de milhões de anos, mas, ao ser concluído, os oceanos foram
oxidados e o sulfeto foi eliminado definitivamente como fonte de energia.
Acredita-se que tal ambiente óxico proporcionou consequências devastadoras
devido à formação de radicais hidroxila ( HO·), H2 O2 e superóxido (O2 · −),
definidos coletivamente como Espécies Reativas de oxigênio (ROS), o que
pode ser observado na equação 2.
Logo, é definido que esse aumento da concentração de oxigênio na at-
mosfera representou uma ameaça à vida terrestre, ou seja, os organismos
vieram a desenvolver mecanismos contra a oxidação a fim de se lidar com

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os efeitos tóxicos do oxigênio, recuaram para ambientes anóxicos ou foram
extintos. Entretanto, uma explicação alternativa existe: como esses mecanis-
mos antioxidantes já existiam para as RSS, era necessário apenas seu ajuste
para lidar com as ROS, o que permitiu aos seres vivos acesso ao suprimento
de compostos de carbono reduzido, a partir desse momento fornecidos pelas
plantas e ao oxigênio. O resultado disso foi um enorme aumento na biomassa
e na complexidade da vida na Terra [6, 4].
Como dito anteriormente, o O2 atmosférico era nulo desde o início da vida
até o Grande Evento de Oxidação (GDE), este último relacionado com um
aumento na concentração de H2 S. Os eucariotos apareceram pela primeira
vez em 1,5 bya em oceanos anóxicos e sufídicos (euxínicos) e desenvolveu-se
por centenas de milhões de anos até que a produção de O2 por cianobactérias
e plantas oxigenadas oxidou o H2 S e Fe2 + em 600 mya, eliminando essen-
cialmente o sulfeto como fonte de energia. As extinções em massa foram
frequentemente associadas a uma queda no O2 ambiente e aumento no H2 S,
de modo a fornecer um filtro biológico aos seres vivos descendentes, os quais
mantiveram certo grau de tolerância à hipóxia e sulfeto.
Levou aproximadamente 1 bilhão de anos para que ocorresse a evolução
dos protobiontes até as formas mais simples de células, de tipo bacteriano.
Organismos rudimentares, unicelulares, as bactérias primitivas, apresentavam
características celulares simples, tais como uma parede celular rudimentar e
ausência de citocromos [7]. Este processo evolutivo esteve sujeito às eventuali-
dades físico-químicas impostas pelo meio, mas com uma circunstância nova
de que a evolução dos seres vivos se deu com eles sendo os próprios agentes
de transformação do meio. Tais transformações permitiram que a seleção natu-
ral agisse e contribuísse para a diversificação da vida. Assim, sucessivamente,
diversos microrganismos evoluíram e alteraram a composição química da
atmosfera do planeta Terra, transformando substâncias químicas abundantes
em outras, aproveitadas por novas formas vivas. Esses seres apresentavam
um metabolismo exclusivamente anaeróbio, acreditando-se que utilizavam
compostos inorgânicos (como derivados de ferro e enxofre, abundantes nos
oceanos) com o intuito de satisfazer suas necessidades metabólicas.
Este foi o pontapé da grande e complexa vida que há a nossa volta, porém
por processos endossimbióticos na evolução, diversos animais possuem al-
guns microorganismos presentes dentro do seu sistema digestivo, chamado
de microbiota intestinal, parte importante da sobrevivência de diversos ver-
tebrados, incluindo o próprio Homo sapiens. Estes microorganismos são, em
sua maioria um dos poucos descendentes vivos de seres pré-históricos que
conseguem metabolizar o H2 S e se adaptaram usar este metabolismo como
antioxidantes para evitar a toxicidade do oxigênio, o processo de oxidação é
dado pela equação 3 [5].

HS– + 1.6 NO3– + 0.6 H+ SO42– + 0.8 N2 + 0.8 H2O {3}

No final o SO4 é metabolizado na mitocôndria, também uma "ancestral" dos


antigos metabolizadores do enxofre.
O processo metabólico do H2 S feito pelas flora intestinal é de extrema
importância para manter a saúde das espécies atuais. Quando estas células não
existem para transformar boa parte do enxofre em antioxidante há uma série

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de complicações, principalmente pelo stress oxidativo causado neste tecido
favorecendo o surgimento de câncer [8, 9]. Este acontece, principalmente,
quando um tecido está sobre o efeito do stress oxidativo, de tal modo que a
produção de ROS esteja extremamente elevada, ou seja, a equação 3 não pode
estar funcionando [10]. Claro que este não é o único motivo para que haja o
desenvolvimento de células tumorais, porém mostra que o quando o intestino
está sem sua flora é de extrema urgência, pois sem sua flora a tendência é que
há maior probabilidade do tumor se desenvolver [8, 9].

Conclusão
No final, concluímos que o desenvolvimento da vida como conhecemos
na Terra, está totalmente apoiada no enxofre. H2 S está no pódio para os gases
mais importantes para a vida e a sua evolução na Terra, de modo a que, até
hoje carregamos sua bagagem evolutiva e seus genes em simbiose com nossa
vida óxida. É possível observarmos que, tanto o enxofre quanto o oxigênio,
são ao mesmo tempo, de extrema importância metabólica e evolutiva, também
são causas de destruição da espécie.
O stress oxidativo é uma arma mortal para qualquer ser vivo a base de
oxigênio, e quando acontece, diversos mecanismos ativam para que haja o
concerto imediato. O ponto central é, o poder de criação de ambos os gases
tem o mesmo poder de destruição e a vida só é possível graças a simbiose
entre os dois gases e adaptação dos seres de maneja-los. O conhecimento da
manipulação destes gases podem ser realmente úteis para o estudo na saúde e
para entender o metabolismo atual, de modo a propor desenvolvimento de
ferramentas e estratégias para melhorar a qualidade e longevidade da vida na
Terra.

References
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2. Miriam M. Cortese-Krott, Anne Koning, Gunter G.C. Kuhnle, Peter Nagy,


Christopher L. Bianco, Andreas Pasch, David A. Wink, Jon M. Fukuto,
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5
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