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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JATAÍ

LUCAS HENRIQUE INOCÊNCIO

202109891

ATIVIDADE: KANT E O UTILITARISMO

Jataí-GO

2022
ATIVIDADE: KANT E O UTILITARISMO

Leia o seguinte texto e responda às questões abaixo:

1. George, que acabou de se doutorar em química, tem imensa dificuldade em encontrar


um emprego. Tem uma saúde algo frágil, o que limita o número de trabalhos que poderia
desempenhar satisfatoriamente. A sua mulher tem de trabalhar para o sustentar, o que causa
grandes tensões, dado que têm filhos pequenos e há problemas sérios no que respeita a tomar
conta deles. Os resultados de tudo isto, especialmente nas crianças, são perniciosos. Um
químico mais velho, que sabe da situação, diz a George que pode arranjar-lhe um emprego bem
pago num laboratório que faz investigação em guerra química e biológica. George responde
que não pode aceitar, dado que é contra a guerra química e biológica. O homem mais velho
responde que a ideia também não lhe agrada muito, mas a recusa de George não vai fazer o
emprego ou o laboratório desaparecer; além disso, ele sabe que se George recusar o emprego,
quem ficará com ele será um colega de George que não tem escrúpulos desses e é provável que,
se ficar com o emprego, faça avançar a investigação com maior zelo do que George. Na verdade,
o que o levou a oferecer-se para usar a sua influência para que George fique com o emprego
não foi apenas a vontade de ajudar George e a sua família, mas (para falar com franqueza e
confidencialmente) algum medo relativamente ao excesso de zelo do outro homem… A mulher
de George pensa, entre outras coisas (cujos pormenores não são relevantes), que nada há de
particularmente incorreto na investigação em guerra química e biológica. Que deve ele fazer?

2. Jim dá consigo no centro de uma pequena aldeia sul-americana. Atados e alinhados


contra uma parede estão uma série de índios, a maior parte aterrorizados, alguns com ar de
desafio, e à frente deles estão vários homens armados e de uniforme. Um homem pesado, com
uma camisa suada, é o capitão a cargo de quem está a operação e, depois de muitas perguntas
de Jim, que permitem perceber que ele foi ali parar por acidente quando estava numa expedição
botânica, explica que os índios são um grupo aleatório de habitantes que, depois de atos recentes
de protesto contra o governo, estão prestes a ser mortos para mostrar aos outros contestatários
as vantagens de não protestar. Contudo, dado que Jim é um honrado visitante de outra terra, o
capitão tem todo o gosto de lhe dar o privilégio de matar ele mesmo um dos índios. Se Jim
aceitar, então, para assinalar a ocasião, os outros índios serão libertados. Claro que, se Jim
recusar, não há qualquer ocasião especial e aqui o Pedro [um subordinado do capitão] irá fazer
o que estava prestes a fazer quando Jim chegou: matá-los todos. Jim, recordando-se
desesperadamente das ficções de quando era criança, pondera se, caso apanhasse uma arma,
poderia ameaçar o capitão, o Pedro e o resto dos soldados, mas é claro pela maneira como as
coisas são que nada desse género poderia funcionar: qualquer tentativa desse género significaria
que todos os índios seriam mortos, e ele também. Os homens alinhados contra a parede, e os
outros aldeões, compreendem a situação e suplicam-lhe obviamente que aceite. Que deve ele
fazer?

A estes dilemas parece-me que o utilitarismo responde, no primeiro caso, que

George deve aceitar o emprego e, no segundo, que Jim deve matar o índio. Mas o
utilitarismo não dá apenas estas respostas; se as situações forem essencialmente como as
descrevemos e não existirem outros fatores adicionais, encara essas respostas como obviamente
corretas, penso eu. Mas muitas pessoas perguntariam certamente se, no caso 1, isso poderia ser
a resposta correta; e, no caso 2, mesmo quem acabar por pensar que talvez a resposta seja essa,
poderá muito bem pensar se isso será óbvio. Não é apenas uma questão de saber se as respostas
são óbvias ou corretas. Trata-se também de saber que tipo de considerações contam para chegar
às respostas. Uma característica do utilitarismo é que deixa de fora um tipo de consideração que
para algumas pessoas faz a diferença relativamente ao que pensam sobre casos deste género: o
tipo de consideração que inclui a ideia de que, como podemos começar por dizer numa primeira
formulação simples, sou especialmente responsável pelo que eu faço, mas não pelo que as
outras pessoas fazem. Esta ideia está intimamente ligada ao valor da integridade. Suspeita-se
muitas vezes que o utilitarismo, pelo menos nas suas formas diretas, torna ininteligível o valor
da integridade.

a) Explique se, e porque esses exemplos mostram uma deficiência da teoria


utilitarista

O utilitarismo considera que a felicidade de todos deve ser o fim último da ação humana,
considerando pela racionalidade o conceito de utilidade que levaria todos a tal fim. Em não
sendo possível que atinjamos a felicidade plena absoluta, e muitas das vezes, pelo contrário,
nós nos encontramos em situações adversas como os casos apresentados acima, ou até
mesmo na extrema situação hipotética do “dilema do bonde”, nós frequentemente nos
deparamos com a necessidade de fazer escolhas difíceis, das quais, seguindo os princípios
utilitaristas nós deveríamos então optar pelo mal menor. Contudo a ideia de mal menor
instrumentaliza as relações humanas e acaba reduzindo o ser humano muitas vezes a um
meio de atingir um fim. De que maneira então tal princípio poderia levar o homem à
felicidade? Supondo que os índios sejam uma aldeia, e, portanto, uma família, conviveriam
bem sabendo que sobreviveram por que dois dos seus foram assassinados por um estranho,
que baseado neste critério fez tal escolha? Da mesma forma o químico, seria ele próprio
feliz, sabendo que contribui para a morte, ainda que de forma atenuada? E as próprias
pessoas que morrerem? Certamente não estarão elas mais felizes que ele. Daí se conclui que
o utilitarismo, apesar de ser uma filosofia subversiva, que busque uma vida confortável a
todos, que diferentemente do que pensam os leigos, não é uma filosofia da satisfação
individual, mas antes da felicidade geral, falha em dar conta de questões quais a vida
humana por exemplo está em jogo, justamente pelo fato de a ideia de instrumentalizar uma
vida em prol de outra pra que se evite seu fim trágico, considerando o mal menor é terrível
se levada às últimas consequências.

b) As respostas kantianas a esses dilemas seriam mais aceitáveis que as utilitaristas?

A resposta kantiana a estes dilemas pode vir pelo imperativo categórico, este aduz que ao
agirmos de modo que nossas ações podem se tornar uma lei universal sem grandes danos à
espécie se levado as última consequências chega a conclusão de que a vida não deve ser
tirada, nem a própria nem a do outro, menos ainda a mentira deve ser contada, ou a omissão
perante o necessitado deve ser praticada, em tudo podemos chegar a conclusão de que o ser
humano não deve ser objetivado como meio para nada, ao contrário, deve ser o fim. Mas ao
aplicarmos tal princípio aos cenários acima narrados, obtemos um resultado curioso, isto
porque todos terminarão de forma necessariamente trágica, no primeiro caso George
continuará em sua penúria, além de saber que pessoas vão ser mortas com mais eficiência
porque o colega que assumiu o cargo em seu lugar é mito mais zeloso e inescrupuloso que
ele, e no segundo caso, não somente todos os índios morrerão como também Jim pela
omissão, ao escolher não matar os índios. Mas a grande questão para Kant, como se percebe
é a de que a ação ética deve ser o dever pelo dever, o ser humano como fim, atingiríamos,
segundo ele, um grau de felicidade maior se na consideração dos imperativos categóricos
fizéssemos esta lei tornar-se universal. Inclusive, arrisco dizer que se todos agissem de tal
forma, as situações acima descritas jamais existiriam.

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