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'IS I • \ 5 I S s5 1 5 V N R O M A N ‘T P O N T M A X A N N D c 555P O N V I I
Unidade Letiva 08
A Comunidade de
Crentes em Cristo
www.educris.com
rtmum t orlas
Inctssinuo t
EElEfEEZPEES
EDI 1E 51-01,11111E
rurmio no
t u r v e ESTIMO.
A Comunidade de Crentes
em Cristo
Manual do Aluno - EMRC - Ensino Secundário
COORDENAÇÃO GERAL E DE CICLO
Cristina Sá Carvalho
AUTOR
José Eduardo Borges de Pinho
REVISÃO GRÁFICA
Isa Dora Lopes
CAPA
Basílica de São Pedro, Roma, Itália
Sylvain Sonnet/Corbis
DESIGN GRÁFICO
Diagonal - Publicações e Desenho Gráfico, Lda.
ILUSTRAÇÕES
Diagonal - Publicações e Desenho Gráfico, Lda.
CRIATIVIDADE E PAGINAÇÃO
Diagonal - Publicações e Desenho Gráfico, Lda.
www.diagonaldesign.com
IMAGENS A g r a d e c e m o s a todas entidades que nos facultaram
p. 8 C) Câmara Muncipal de Oliveira do Hospital i m a g e n s para publicação.
p. 10, 27, 30, 42, 44, 55, 56, 59, 62, 66, 76,© AlC/AFIK
TIRAGEM
/Corbis/VM1
8 000
p. 17 C/ Hochgeladen von HfrancH /CC BY-SA 3.0
p. 31, 32, 39, 50 C, Scala ISBN
p. 33 C) Sadao Watanabe, Gift of Carol A. Garwood 978-989-8822-02-4
Brauer Museum of Art, 96.14.001
p. 35 ü Alamy DEPÓSITO LEGAL
p. 36 © www.catholicworldart.com 401551/15
p. 37 CD www.Galeria-out-of-Africa.com EDIÇÃO E PROPRIEDADE
p. 43 Cl Fotografia Romulo Fialdini. Acervo Artístico dos Fundação Secretariado Nacional
Palácios do Governo do Estado de São Paulo da Educação Cristã — Lisboa, 2015
p. 46, 56, 62, 77 © Gettylmages
p. 47 C) www.hegiart.com IMPRESSÃO
p. 49 © Point12345/CC BY 3.0 Gráfica Almondina
p. 54 C, Methodist Modern Art Collection_TMCP, APROVAÇÃO
with permission (lhe Methodist Church Conferência Episcopal Portuguesa
of Great Britain)
p. 67 C) Victoria and Aibert Museum, London
p. 73 D a m i r u x / C C BY-SA 3.0 /Taizé
p. 76 (3, 2003 John Nava/The Cathedral of Our Lady
of the Angels
p. 7713 Museu de São Roque, Fotografia de Cintra
& Castro Caldas, Lda.
p. 79 © Sadao Watanabe, Collection of Richard
Oelschlaeger
«•-«.•
Cara Aluna, Caro Aluno
Frequentar o Ensino Secundário e matriculares-te em Educação Moral e Religiosa Católica,
diz alguma coisa sobre ti... Talvez tu não tenhas a certeza do que diz, talvez tenham sido os teus
amigos a desafiar-te - e ainda bem - ou porque o professor ou a professora é alguém que tu
aprecias, o que é excelente, ou... e nada disto se exclui, escolheste EMRC porque tens vontade
de pensar, de discutir, de construir novas ideias sobre alguns temas que parecem ser importan-
tes... ou interessantes o u , tu lá sabes!
Nós estamos aqui para isso. Propomos-te um caminho, um Caminho que podes organizar
em conjunto com o teu professor ou professora, passando pelas seguintes dez etapas: UL 1
- Política, Ética e Religião; UL 2 - Valores e Ética Cristã; UL 3 - Ética e Economia; UL 4
- A Civilização do Amor; UL 5 - A Religião como Modo de Habitar e Transformar o Mundo;
UL 6 - Um Sentido para a Vida; UL 7 - Ciência e Religião; UL 8 - A Comunidade dos Crentes
em Cristo; UL 9 - A Arte Cristã e UL 10 - Amor e Sexualidade.
Provavelmente, já tens aulas de EMRC há alguns anos, mas também podes ter acabado de
chegar... Em qualquer dos casos, se deres uma vista de olhos no Programa da disciplina, ficas
a saber que fizemos todo este trabalho tendo uma grande Finalidade em vista: ajudar os alu-
nos, ajudar-te a ti, a «Aprender a posicionar-se, pessoalmente, frente ao fenómeno reli-
gioso e agir com responsabilidade e coerência». A partir desta primeira página do teu manual,
ou melhor, de cada um dos fascículos, que, no todo, constituem o manual de EMRC do Ensino
Secundário, podíamos começar já a explicar-te tudo isso. Mas não. Tu, em conjunto com os teus
amigos, os teus colegas e com a ajuda dos teus professores, é que vais encontrar essa explica-
ção, muitas das explicações que te fazem falta, que queres e que procuras.
Depois, talvez queiras partilhá-las com os outros amigos e - quem sabe? - em tua casa, com
a tua família. E quando for a hora certa, vais ter de começar a fazer algumas escolhas, daque-
las que têm mesmo importância para o resto da tua vida. O ensino secundário tem, por isso,
uma importante componente vocacional, contribuindo para que definas quem é que tu queres
ser e o que é que queres fazer com a tua vida. Nessa altura, esperamos que estes manuais, com
os seus textos, as suas imagens, as suas vozes, as suas sugestões e as suas «janelas» sobre
a realidade próxima e longínqua, te possam ajudar. Entretanto, deixamos a palavra mais impor-
tante para quem sabe mesmo dizer isto, os artistas. Fica connosco, fica com a poesia, fica bem:
EMRC é para ti e para te ,ajudar a escolheres um futuro de beleza, de bondade e de justiça, uma
vida boa e feliz!
Escuto
Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou Deus
E
23 23 3 . 1 . A Igreja preparada na história do Povo de Israel
3. A origem da Igreja na 23 3 . 1 . 1 . A relação particular entre judaísmo e cristianismo
história de salvação 25 3 . 1 . 2 . A Igreja enraizada na experiência crente de Israel
27 3 . 2 . Igreja de Jesus Cristo a origem da Igreja no acontecimento Jesus
i 27 3 . 2 1 A origem da Igreja em Jesus
28 3 . 2 . 2 . O anúncio do Reino de Deus, seus sinais e suas consequências
30 3 . 3 . Igreja, realidade pós-pascal
30 3 . 3 . 1 . O significado dos acontecimentos pascais
33 3 . 3 . 2 . A consciência de ser comunidade definitiva da salvação
35 36
4 . 1 . A Igreja, Povo de Deus na história
4. A reflexão da Igreja 364 . 1 . 1 . "Povo de Deus" como figura fundamental da Igreja
sobre a sua identidade e 374 . 1 . 2 . Povo de Deus e interpelações atuais
missão P o v o de Deus,
Corpo de Cristo, Templo do 38
4 . 2 . A Igreja, Corpo de Cristo
Espírito 38 4 . 2 1 Comunidade de discípulos no seguimento de Jesus
394 . 2 . 2 . Corpo de Cristo —a comunhão existencial com Cristo
41
4 . 3 . A Igreja, Templo do Espírito
414 . 3 1 O Espírito Santo como fundamento permanente da vida da
Igreja
14 2 4.3.2. Igreja na força do Espírito
82
Bibliografia
1. A Igreja, realidade presente
na sociedade
Via de la Conciliazionne, Roma. Uma multidão de fiéis congregou-se junto à Praça de S. Pedro (Vaticano) para acompanhar a canonização dos Papas
João XXIII e João Paulo II. 21 de abril de 2014.
O catolicismo no mundo
De acordo com o Atlas das Religiões, na sua edição
de 2015, em 2012 batizaram-se catolicamente 6,721
milhões de pessoas na América Latina e Caraíbas,
1.1. _ e as 3,83 milhões em África, 2,58 milhões na Ásia, 2,17
milhões na Europa, 960 mil na América do Norte e
de dS S - igren 130 mil na Oceânia. Para uma população mundial
de 7,3 biliões, 2,2 biliões são fiéis que se assumem
como cristãos. Na Europa os crentes somam atual-
Com uma presença mais significativa ou menos visível, conforme as mente 565 milhões, dos quais 262 milhões são ca-
regiões e os países onde o cristianismo tem estado presente ao longo tólicos (100 milhões são protestantes e 200 milhões
dos séculos, a Igreja é uma realidade bem percetível no quotidiano são ortodoxos, na maioria russos).
das pessoas, sobretudo num país de tradição cristã como o nosso. Os países com maior número de crentes católicos
são o Brasil (133.660.000), o México (96.330.000), as
Constituindo neste momento cerca de um sexto da humanidade, a Filipinas (75.940.000), os Estados Unidos da Améri-
Igreja católica é uma instituição não só extremamente significativa em ca (74.470.000) e a Itália (50.250.000). Por seu lado,
termos numéricos, como se apresenta também com importante peso no mais populoso país do mundo, a China, apenas
5% da população é cristã, e desse número (cerca de
nos diversos lugares e circunstâncias da vida em sociedade. Isto não 70 milhões) 13% são católicos. Trata-se, sobretudo,
significa, porém, que haja uma só leitura do que a Igreja é e representa. de uma população urbana e educada. Mas, apesar
Pelo contrário, para quem não é membro ativo da Igreja católica e a das limitações impostas pelo governo, o Institu-
olha de fora, mesmo sendo religioso (isto é, pertencendo a uma outra to Pew Research Center estima que em 2030, ao
ritmo atual de conversões, o número de cristãos
Confissão cristã ou a outra religião), a realidade da Igreja católica nas pode atingir a soma de 247 milhões.
situações concretas em que ela está presente é vista e avaliada de Ainda segundo o Atlas (2015), em Portugal uma lar-
maneiras diversas. ga maioria das pessoas define-se como católica,
embora 7% dos portugueses se declarem sem reli-
Para uns, é uma instituição bem organizada, donde resulta toda a sua gião. Estes últimos situam-se sobretudo nas zonas
força, designadamente pela sua unidade centrada no bispo de Roma de Lisboa (12%) , Alentejo e Algarve (9%).
L'Atios des Religions, Édition 2015, Le Monde-La Vie,
(Papa). Outros apreciam a sua atividade social e caritativa, tanto no Hors-Série.
quotidiano da vida das pessoas como em situações de emergência, O Anuário Pontifício de 2014 refere os dados re-
e olham para ela mais como uma útil, até indispensável, Organização colhidos pela Santa Sé em 2012, segundo os quais
1.228 milhões de pessoas são fiéis católicos espa-
lhados por quase todos os países do mundo.
Morai e
Não Governamental (ONG). Outros ainda admiram o seu património histórico e cultural, visível no
que tem deixado ao longo dos séculos como marcas de relevo na história. Outros manifestam
ceticismo quanto às suas intenções verdadeiramente religiosas, avaliando antes o seu enqua-
dramento político, social ou económico. E assim por diante.
Estes olhares e estas leituras, não correspondendo embora ao que a comunidade dos cren-
tes pensa sobre si mesma, não deixam de conter alguns aspetos (ainda que parcelares) de ver-
dade. Constituída por pessoas que, na sua humanidade e na sua cidadania, não se distinguem
das outras, a Igreja é uma realidade social e cultural que pode ser analisada do ponto de vista
sociológico, histórico, organizacional, psicológico, etc. Essas leituras, mesmo que incomple-
tas e porventura até completamente inadequadas, podem, no entanto, ajudar os crentes a per-
ceberem melhor a sua própria realidade, mareada também por limites, deficiências e ambigui-
dades: por exemplo, no modo como os católicos lidam com o poder, na transparência que dão
ou não à sua presença e ação na sociedade, na credibilidade que merece a sua identidade de
comunidade religiosa.
Todavia, a experiência crente vivida de forma consciente tem uma visão diferente, mais pro-
funda e consentânea com o modo como a Igreja se entende a si mesma. Para o cristão, a
Igreja tem de ser vista, simultânea e estruturalmente, como realidade que é fruto da inicia-
tiva salvadora de Deus e como resultado da liberdade humana, isto é, como comunidade em
cuja existência se unem, de modo misterioso mas verdadeiro, a ação de Deus e a dimensão
humana de pessoas livres e responsáveis. Tal como a adesão da fé cristã, que está na ori-
gem da comunidade crente, é dom de Deus e resposta livre de cada pessoa, a Igreja é "misté-
rio de fé", ela só é compreensível dentro de uma história de salvação onde os dons de Deus e
a resposta humana, historicamente contextualizados, se entrelaçam. A palavra "mistério" quer
dizer aqui isso mesmo: uma realidade humana que, em última análise, só é compreensível no
seu sentido à luz da fé.
Pressupor um olhar de fé não significa sublinha-se de novo q u e se possa prescindir tam-
bém, para uma análise de aspetos concretos da vida da Igreja, de uma leitura baseada num
conhecimento de tipo empírico-racional (mormente de ordem sociológica), em ordem a cap-
tar a realidade humana da Igreja da forma o mais completa possível. Uma visão da Igreja que
olhasse só para os seus fundamentos divinos, que ignorasse e não fosse capaz de integrar as
suas dimensões humanas, seria uma visão idealista, desajustada para a compreensão do agir
5 /-\ r r i u e m
de Deus na história. Mas se, por outro lado, na consideração da Igreja a pessoa não se abrir a
um entendimento crente, não integrar no mesmo olhar o elemento divino e a vertente humana,
cai inevitavelmente numa visão redutora da Igreja, fixando-se unilateralmente nos seus aspetos
humanos. A compreensão católica da Igreja caracteriza-se precisamente por este esforço
de manter unidas, num equilíbrio de tensão, a origem divina e a configuração humana da
Igreja, a sua dimensão espiritual e a sua expressão visível, sendo certo que na origem e na quo-
tidiana vida da Igreja cabe uma inquestionável prioridade à iniciativa e aos dons de Deus.
[Texto Complementar 1]
O que se acaba de referir permite compreender o lugar que a Igreja ocupa no Credo, na pro-
fissão de fé dos cristãos. Como é sabido, a fé cristã é uma entrega confiante de toda a vida
ao Mistério de Amor que chamamos Deus, que se nos manifestou definitivamente em Jesus
Cristo e nos é dado continuamente na força do seu Espírito, que é também o Espírito do Pai.
Em sentido estrito e absoluto, fé cristã só pode referir-se a Deus, é uma relação pessoal, uma
entrega radical de confiança e de amor ao Deus Uno e Trino.
Compreende-se assim que a Igreja, obra de Deus configurada pela liberdade humana, não é,
não pode ser "objeto de fé" nesse sentido estrito e absoluto. A Igreja entra na adesão pessoal
de fé e pertence ao Credo fundamentalmente em razão do agir amoroso de Deus acolhido
na existência crente. Dentro da estrutura trinitária do Credo (Creio em Deus Pai C r e i o em
Jesus Cristo... Creio no Espírito Santo) a profissão de fé na Igreja está em relação com a fé na
ação do Espírito Santo como dom de Deus à comunidade dos que acreditam em Jesus Cristo,
como prolongamento da ação de Cristo na história, como agir continuado de Deus na história
humana e no coração das pessoas. Isto é, a Igreja não é um objeto de fé em si mesma, isola-
damente; a Igreja faz parte do objeto da fé enquanto é fruto da ação de Deus em Jesus Cristo
e vive na força do seu Espírito. Na linguagem tradicional, a diferença aqui referida traduz-se na
distinção entre credere Deo (crer em Deus: dativo em latim, complemento indireto, entrega de
confiança a alguém) e credere Ecclesiam (crer a Igreja: acusativo em latim, complemento direto,
algo que se crê em razão de Outro). Acreditar na (a) Igreja é crer na ação de Deus e na inde-
fectível promessa do Espírito que a sustenta no seu viver e na verdade da fé, não obstante
as fragilidades e incertezas do seu caminhar histórico.
Mas, reconhecida a distinção que se tem de fazer entre "crer em Deus" e "crer na (a) Igreja", há
que tirar todas as consequências do facto de que a Igreja é "um fruto essencial da atuação sal-
v(fica de Deus" e, por isso mesmo, também um conteúdo da fé.
"A palavra reconciliadora de Deus não pode existir a s s i m há que dizê-lo, recolhendo uma famosa
expressão de Lutero — sem povo de Deus, do mesmo modo que tão pouco pode haver povo de
Deus sem Palavra de Deus, pela qual é convocado e em cuja confissão de fé fica unido."
W. KASPER, Lo fe que excede todo conocimiento, Santander 1988, p. 111.
Na sua expressão autêntica, a fé é sempre "credo Deo ia soncto ecclesia" ("creio em Deus den-
tro da santa Igreja": ablativo em latim, lugar onde), no que ressalta com maior ênfase a dimen-
são eclesial que estrutura a fé.
Entende-se melhor, então, porque a Igreja, comunidade de crentes na busca de seguimento
de Jesus, pertence constitutivamente ao acontecimento da revelação, pois só nela e através
dela a revelação de Cristo atinge o seu objetivo. E assim ressalta igualmente que a Igreja faz
parte também, ou até antes de mais, como "sujeito" (não como "objeto") do Credo, isto é,
enquanto comunidade de pessoas que partilham a mesma fé cristã. Cada cristão crê em
Jesus Cristo participando pessoalmente na "fé da Igreja", que é o sujeito que suporta e pro-
fessa a fé. A Igreja, não obstante a distância que a separa do seu Senhor, é para o crente lugar e
mediação da presença de Cristo, é a "mãe" que gera para a fé. [Texto Complementar 2]
Texto Complementar 1
A Constituição Dogmática Lumen Gentium d o Concílio Vaticano II sublinha como perspetiva
fundamental na compreensão da Igreja esta relação entre a dimensão divina e os elementos
humanos que a constituem:
"Cristo, mediador único, estabelece e continuamente sustenta sobre a terra, como um todo visível,
a sua santa Igreja, comunidade de fé, de esperança e de amor, por meio da qual difunde em todos
a verdade e a graça. Porém, a sociedade organizada hierarquicamente e o Corpo místico de Cristo,
o agrupamento visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons
celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa,
formada pelo duplo elemento humano e divino. Apresenta por esta razão uma grande analogia
com o mistério do Verbo encarnado. Pois, assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino
de instrumento vivo de salvação, a Ele indissoluvelmente unido, de modo semelhante a estrutura
social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para o crescimento do corpo (cf. Ef. 4, 16)"
LG, no 8.
Texto Complementar 2
"É a Igreja que nos gera, educa, alimenta, corrige, anima e conduz para Deus e para os irmãos. Mas
é importante que esta verdade brote da nossa própria existência de cristãos, não como afirmação
alheia que repetimos, mas como vivência pessoal que expressamos. Só assim amaremos a Igreja
como mãe, s ó assim nos alegraremos com o testemunho de muitos de seus filhos, s ó assim
sentiremos em nós os ataques feitos a ela, só assim sofreremos as falhas humanas que acontecem
em seu interior. Só assim, finalmente, seremos autênticos sujeitos eclesiais"
M. de F. MIRANDA, «É possível um sujeito eciesial?», in Perspectiva Teológico 119 (2011), p. 80.
[Idade
2. O caminhar da Igreja na história
diversas "imagens" e "modelos"
da Igreja
Eciesiologia
(Do grego ekklesia, "assembleia convocada" e logos,
"palavra", "estudo").
Eclesiologia é o tratado teológico sobre a Igreja. Na
história da teologia cristã, trata-se de um tratado
relativamente recente. Isso não quer dizer que na
Bíblia e na tradição patrística não tenha havido re-
flexões significativas sobre a realidade da Igreja.
Essas reflexões ocupam, por exemplo, um lugar im-
portante em:
«Sombra e Escuridão - o Anoitecer do dilúvio», Joseph Mallord William Turner (Inglaterra, 1775-1851), Tate Gallery, Londres.
Com o século IV inicia-se um novo período que, a pouco e pouco, século após século, vai con-
figurar a Igreja de modo muito diferente. Em 311, um édito de Galero, augusto do Oriente, que até
então perseguia os cristãos, permitia a religião cristã, desde que ela não fosse contra a disciplina
do império. Em 313, Constantino e Licínio, pelo rescrito de Milão, concediam a todos os súbditos
1
do império a liberdade de religião e de culto. Este acontecimento, ligado à vitória de Constantino
sobre Licínio e designado como "viragem constantiniana", trouxe uma profunda transformação
do lugar do cristianismo na sociedade. Da situação de religião parcialmente tolerada ou perse-
guida, dispersa e sem legitimidade política, o cristianismo passa em poucas décadas a religião
dominante no Império — nos fins do século, numa população duns 50 milhões de habitantes, os
cristãos seriam já uns 7 a 10 milhões') e a Igreja torna-se "Igreja do Império" ("Igreja de Estado").
Isto repercute-se não só nos modos de pensar, mas também na orga-
Imperador Constando()
(+/-272-337) nização institucional da Igreja, que adota as divisões administrativas
Flávio Valéria Aurélio Cons- do Império e assume modos de agir moldados no contexto imperial. A
tantino nasce na atual Sér- partir daqui, num muito longo período de tempo que atravessa toda a
via. Recebe uma educação
esmerada e cedo começa a
Idade Média e vai até à Reforma protestante do século XVI, o "modelo"
fazer parte da elite romana de Igreja que prevalece, apesar de situações muito diversas, é a visão
tendo desempenhado fun- e prática da Igreja como "poder espiritual à imagem do império".
ções militares importantes.
Aclamado "Augusto" pelas Situados agora num ambiente favorável, vendo neste novo contexto
tropas, governou o império de existência a implementação do Reino de Deus na terra, os cristãos
romano reforçando as suas
estruturas políticas e sociais.
assumem uma outra atitude relativamente ao seu modo de estar no
Adepto do culto solar monoteísta, converteu-se mundo: a consciência escatológica atrás referida passa a segundo
e professou a religião cristã. Pelo Édito de Milão, plano em favor de uma progressiva identificação da Igreja com o
equiparou a religião cristã aos demais cultos pa- mundo, tido ou esperado como cristão. Progressivamente e em cada
gãos dando, assim, aos cristãos a possibilidade le-
gal de professarem a sua religião. vez maior número nasce-se cristão no seio do povo cristão como
Ordenou a abolição da crucificação, concedeu aos meio social de suporte: a adesão à fé deixa de ter de ser uma decisão
clérigos cristãos as mesmas isenções dos demais tomada na consciência das suas exigentes consequências. A relação
servidores dos cultos pagãos permitindo-lhes re- entre autoridade política e autoridade religiosa cruza-se muitas vezes
ceber doações e instituiu o domingo como dia festi-
vo. Na colina Vaticana, sobre o túmulo de S. Pedro, até ao ponto da (quase) identificação. Entramos numa "situação de
mandou construir a primeira Basílica de S. Pedro. cristandade", em que o "populus christianus" (povo cristão) se torna
Refundou Constantinopla (antiga cidade de Bizán- essencialmente num conceito sociológico, cultural e político.
cio e atual Istambul) em 330, tornando-a sua resi-
dência, e chamando-a Nova Roma. É venerado, no
oriente, como um santo, o "décimo terceiro após-
tolo". A ele se atribui o Cristograma (letras gregas
do Xr--qui e P...rô: as duas primeiras letras da palavra
Cristo) e a frase "In hoc signo vinces" (com este sinal
vencerás).
Gépidas
OCEANO Lutécia • Alamanos Hunos
Massilia
• ( v e
MAR
CÁLJCASO
TRÁCIA NEGRO
Tarragona • ' f r MESIA Constantinopla
MAR
HISPÁNIA -J F ks • (Bizâncio)
CÁSPIO
, • '
• Mérida • Nicómédia IMPÉRIO
Sicília SASSANIDA
. . - Cartago. PONTO
MAR MEDITERRÂNEO
• Jerusalém
4 4//4 Alexandria
ÁFRICA
EGITO
A Divisão do Império Romano (Cf. Georges Duby, Atlas historique, Paris, Larrousse, 1987).
Educação Moi ã1
São Bento No seio da cristandade ocidental emerge cada vez mais a questão
(480-547) da relação entre os domínios temporal e espiritual, a luta pela supe-
Nasce em Núrcia, Itália. Vi- rioridade entre o imperador e o papa, entre o poder temporal (regnum)
veu em Roma e, desejoso e o poder espiritual (socerdotium). Também na sua versão ocidental,
de uma verdadeira vida de
perfeição, torna-se eremita. o cesaropapismo manifestava-se como pretensão do poder político
Reunindo outros monges em a integrar em si a Igreja, os hierarcas tornavam-se quase funcioná-
redor de si, fixa-se no Monte rios políticos, o cristianismo era valorizado sobretudo como força de
Cassino e ali estabelece uma
vida comunitária centrada
coesão social. Nesta situação, que predomina no período que vai dos
na regra Ora et Labora. Este séculos IX ao XI, a cristandade ocidental apresenta-se subjugada pelo
objetivo d e vida torna-se poder político e, muitas vezes, ao seu serviço.
o mais importante conjunto de deveres e normas
estruturantes da vida monástica, adotadas por ou-
tras ordens religiosas, nomeadamente a Ordem de
Cister e a ordem de Cluny. Os eixos sobre os quais
2 ) a luta !Dei; - d a d a da e ï sua
gira toda a vida em comum, segundo S. Bento, são a
oração, a obediência e o trabalho. A primeira exige do
monge silêncio e a segunda muita fé, muita humilda- Sujeita à preponderância do poder político (imperador e príncipes),
de e liberdade interior. Do superior da comunidade, suas tentações e seus tentáculos, a Igreja sente a necessidade de se
muita caridade e muita prudência. O trabalho pode
ser espiritual e manual. Trabalho interior da própria libertar em busca da sua verdadeira identidade. Este esforço de liberta-
alma e acompanhamento espiritual dos irmãos e tra- ção da tutela feudal, este movimento de libertação do espiritual face
balho exterior (literário, campestre, artístico). A vida ao predomínio do político, desencadeia-se sobretudo no século XI
monacal beneditina marcou a Europa nas artes, na
agricultura, na liturgia, na educação. Em 1964 o papa
com a reforma de Cluny pelo Monge Hildebrando, que viria a ser o Papa
Paulo VI proclama S. Bento patrono da Europa, pelo Gregário VII (eleito papa em 1073). A luta pela liberdade espiritual da
contributo da sua obra na formação da civilização e Igreja contra a intromissão dos chefes temporais vai delinear-se em
da cultura europeia. A sua memória litúrgica celebra- expressões marcantes da cristandade medieval e conduzir à afirma-
-se a 11 de julho.
ção do primado do poder espiritual sobre o temporal, à prevalên-
Papa Inocênclo III cia do Sacerdotium sobre o Imperium, do papado sobre os detento-
r--- (1161-1216) res do poder político.
Lotado t o r n o u - s e p a p a
Inocência III em 1198, e é Há, sem dúvida, a preocupação pela libertação da decadência moral
considerado um dos papas e religiosa em que se encontrava a cristandade (renovação da vida
mais eminentes da história.
Com uma formação teológi-
monástica nos séculos X e XI, através da restauração do genuíno ideal
ca notável e com um lúcido monástico segundo a regra de São Bento). Mas, em termos de clarifi-
discernimento da realidade cação do poder e desenvolvendo a teoria das duas espadas (pretensa-
social e religiosa, convocou mente com base em Lc 22,38 e segundo o pensamento do Papa Gelásio
o IV Concílio de Latrão. Este
concílio da Idade Média, teve 1,492-496), o poder espiritual afirma-se cada vez mais como superior
grande importância teológica para a pureza da fé e ao poder temporal, ou seja, o poder do papado situa-se acima da fun-
dos costumes; afirmou a doutrina da transubstan- ção imperial ou do poder político em geral. A afirmação da supremacia
ciação (o pão e avinho tornam-se corpo e sangue de
papal é feita em termos cada vez mais absolutos de soberania ilimitada:
Jesus Cristo na eucaristia); definiu a necessidade da
confissão e comunhão no tempo pascal, e proibiu os o Dictatus Popoe de Gregário VII fala do papa como "origem, cabeça e
matrimónios secretos. Defensor do primado papal, raiz" de todo o poder; o Papa Inocêncio III (1189-1216) afirma que "o
estava convencido da origem divina da vocação para Papa é menos que Deus, mas mais que um homem"; Bonifácio VIII,
o papado. Chamou-se a si mesmo "servo de Deus" e
"representante de Cristo" a quem fora transmitida a
com a Bula Unam Sonctom (1302), entende o seu primado universal
plenitude do poder. Foi o papa que aprovou a ordem como contendo a exigência de sujeição universal ao Papa, e isso como
dos Franciscanos e dos Dominicanos. condição para a salvação. No século XIII a sociedade medieval mar-
cada pela ideia de cristandade e sua força de coesão atinge o seu
cume. Eram percetíveis ao mesmo tempo profundas transformações
Papa Bonifácio VIII verificadas na visão da Igreja e sua missão.
(1235-1303)
Bento Gaetani é eleito papa Assim, por exemplo, a visão sacramental-eucarística da Igreja, que
em 1294. Homem de grande
inteligência e com grande
predominava nos primeiros séculos (uma visão assente na importância
capacidade de liderança é crucial do batismo e da eucaristia como expressões dos dons de Deus
um defensor da supremacia e fontes de vivência eclesial), cedeu lugar a uma visão mais jurídica
papal. Advogava a superiori- e centralizada da Igreja como instituição de direito divino, em que
dade do poder espiritual so-
bre o temporal entrando, por os elementos institucionais prevalecem sobre os aspetos sacramen-
isso, em divergência profun- tais-espirituais. Nessa linha, impulsionada pela canonística nascente
da com os reis e senhores (a partir do século XII), aparece em primeiro plano uma compreensão
da época medieval. Afirmava corporativa-sociológica da Igreja, ou seja, a Igreja é vista sobretudo
que o poder papal é superior
a qualquer poder secular e que a Igreja tem uma só como corpo social organizado.
cabeça: Cristo e o seu representante, o papa. De-
fendia que a Igreja detém, em si, o poder temporal Paralelamente vai-se perdendo também o sentido primitivo da
e o poder espiritual e que a obediência ao vigário de ligação estreita entre ministério e comunidade. A ordenação/con-
Cristo, o papa, é necessária para a salvação de cada sagração aparece como um poder que o ministro recebe pessoal-
ser humano. No ano de 1300 instituiu o primeiro jubi-
leu cristão concedendo uma indulgência a todos os
mente e que é chamado a exercer independentemente da comuni-
que fizessem uma peregrinação a Roma (ao túmulo dade. Consequentemente, a vida da Igreja é marcada pela progressiva
de S. Pedro).
13 A Comui.., d , - „ . n t e s em Cristo
divisão entre clérigos e leigos. A antiga tensão entre Igreja e mundo
São Francisco d e A s s i s
desloca-se agora para o interior da própria Igreja: os clérigos estão por (1182-1226)
cima dos leigos, ocupados com as coisas do mundo. A Igreja, instituição Filho de um rico mercador
de direito divino fundada uma vez por todas por Cristo, é representada de têxteis, foi militar na ju-
ventude. Feito prisioneiro e
sobretudo pelos clérigos, a quem cabe o verdadeiro poder espiritual. após uma grave doença, vive
A identificação entre Igreja e hierarquia (clero) vem acompanhada uma profunda crise exis-
pela acentuação da dimensão jurídica do ministério e seu poder. tencial. Confrontado com o
apelo de Jesus aos discípu-
A vida da Igreja não se esgotava certamente nos aspetos acabados los de serviço aos pobres,
de referir. A já referida renovação da vida monástica, a fundação das sai de casa dos pais, renun-
cia ao conforto físico e, juntamente com um grupo
ordens mendicantes (franciscanos e dominicanos) no século XIII e os de companheiros, vive a pobreza voluntária numa
diversos movimentos místicos na Idade Média tardia procuravam sub- obediência libertadora à Igreja (num tempo em que
linhar, de diversos modos, a identidade radical da Igreja como Igreja alguns membros da Igreja viviam no luxo e na opu-
pobre e servidora, centrada numa espiritualidade de seguimento de lência). Adota como regra de vida "viver o Evange-
lho de Nosso Senhor Jesus Cristo, dedicando-se à
Jesus. No entanto, prevalece globalmente neste longo período a ima- pregação itinerante, seguindo Cristo de modo pobre,
gem imperial da Igreja como instância de domínio e de poder. casto e obediente". Amante e admirador da natureza
e de todas as criaturas, tinha um carinho muito es-
pecial pelos pobres, pela paz e por uma vida assente
na simplicidade e na fraternidade.
2. N o i m p o da 1:kr, Jrm_ A festa litúrgica de S. Francisco é a 4 de outubro.
ventura mais determinante pela dissolução que ela significou da Igreja l i ' ,2_.1 I i n 7 • c r i . ; ”Ift-norrr,,,,d,rf •
Globalmente pode dizer-se que a Reforma, na sua intenção primeira n o t u f r i c k f cm,p-r,-,k,rr- • • < • . , - - c o n
1 14
Educa(„,,
Erasmo de Roterdã°
(1466-1536)
Erasmo de Roterdã° foi um "A Igreja é a assembleia dos crentes, na qual o Evangelho
teólogo e humanista holan-
dês. As suas ideias deixaram é ensinado de forma pura e os Sacramentos administrados
marcas importantes no pen- de forma recta [em conformidade com o Evangelho]".
samento liberal e progres-
sista do Renascimento. Afir-
mou-se como um pregador
da retidão e da paz.
Adotou u m a posição i n -
termediária entre a fidelidade e a crítica à igreja
romana. O seu profundo humanismo conciliatório
opõe-se radicalmente a todas as formas de violên-
cia, O desejo de uma reforma e de uma fé esclareci-
da, levou-o a dar passos importantes em direção à
Reforma. Fez a defesa da liberdade humana no seu
tratado sobre o livre arbítrio. Condenou comporta-
mentos impróprios dos líderes religiosos da época
reagindo contra os abusos de poder e de corrupção
IF de alguns cristãos.
Martinho Lutar°
(1483-1546)
Principal impulsionador da
Reforma Protetante, Mar-
tinho Lutero, monge agos-
tiniano, publicou, em 1517,
95 teses contra a prática
das indulgências. De início
não era seu objetivo instituir
uma nova tradição religiosa.
A sua intenção era modificar
aquilo que estava errado. Sentiu como uma expe-
«Entrega das Confissões ao Imperador Carlos V na Dieta de Augsburgo» (1530), por
riência pessoal, baseada no texto da carta de São
Andreas Herneisen (Alemanha, 1538-1610), Landschaftsmuseurn.
Paulo aos Romanos, que a salvação de Deus se co-
municava pela fé e não por meio das obras, que de-
correm da natureza humana corrompida pelo peca- Consequentemente, para a verdadeira unidade d a Igreja basta
do original. Dessa conceção fundamental - "só a fé"
- deduziu aos poucos, segundo as controvérsias ou estar de acordo com a doutrina do Evangelho e a administração dos
as circunstâncias políticas, o conjunto do seu pen- Sacramentos (entendendo-se comummente q u e aqui e s t á impli-
samento. Esta nova doutrina viria a ter como pontos citamente admitido também o ministério eclesial). Na Apologia da
centrais: a justificação de Deus só pela fé e o acesso
ao sacerdócio para todos os fiéis. Nega o valor dos
Confissão de Augsburgo, VII, do ano de 1531, explicita-se:
sacramentos (conservando o Batismo e a Eucaristia)
e o culto dos santos. Afasta por completo a autorida-
de e a hierarquia da Igreja e do Papa. Nega também
que o homem seja livre para praticar o bem e o mal. A "Mas a Igreja não é só uma comunidade de coisas e ritos
excomunhão por parte de Roma e a proteção que lhe
dispensaram alguns príncipes alemães impeliram
exteriores, como outros Estados, mas sim essencialmente
Lutar° à rutura. Outro grande princípio da Reforma é uma comunidade da fé e do Espírito Santo nos corações,
o da "só a Escritura". Apresenta a Bíblia, interpretada que todavia t e m sinais exteriores para q u e s e possa
individualmente à luz do Espírito Santo, como única
fonte de autoridade na comunidade cristã. reconhecê-la, a saber, a doutrina pura do Evangelho e a
administração dos sacramentos em conformidade com o
João Calvin° (1509-1564)
Evangelho de Cristo. Esta Igreja é chamada, pois, Corpo
Professor e teólogo cristão, de Cristo, o qual Cristo renova, santifica e conduz pelo seu
Calvin°, nascido em França, Espírito
foi fundamental no proces-
so da Reforma protestante,
principalmente na Suíça. Pre-
conizava que a Salvação só é
atingida através da Fé, sendo
Insiste-se, pois, na dimensão espiritual, invisível da Igreja, em
concedida por Deus somente
para algumas pessoas elei- contraponto à s s u a s expressões visíveis, consideradas c o m o
tas (teoria da predestinação). estruturas humanas, e assim também relativizáveis.
A doutrina sobre a predestinação, a severa disciplina
imposta na sua conceção teocrática da cidade-igreja Como é conhecido, a Reforma protestante significou uma altera-
e o governo presbiteral das igrejas, constituíram, de ção profunda do modo como o cristianismo se passou a apresentar
facto, o que se chamou de segunda Reforma.
Calvin° considerava o cristão livre de todas as proi-
na Europa e no mundo. Para além das guerras religiosas subsequentes
bições não explicitadas nas Escrituras, o que torna e suas consequências para a valoração da realidade cristã, o cristia-
as práticas do capitalismo lícitas, em especial a usu- nismo não mais aparece como uma unidade, mas surge, a partir daí
ra, condenada pela Igreja Católica. De acordo com e até hoje, marcado por perspetivas confessionais, por determina-
a teoria da predestinação, em que Deus concede a
salvação a poucos eleitos, o homem deve buscar o das formas de professar a fé e de a viver de acordo com a comunidade
lucro por meio do trabalho e da vida regrada. confessional a que se pertence. Fala-se assim de "Igreja como con-
Publicou em 1535 Christianae religionis institutio fissão": Igreja católica romana, Igreja luterana, Igreja reformada ou cal-
(Instituições da religião cristã), que se tornou o pri-
meiro catecismo da Reforma.
vinista, etc. Isso não tinha sido sentido assim na cristandade aquando
A Comunida(* em Cristo
Uldch Zuínglio (1484-1531)
da rutura entre o Oriente e o Ocidente no século XI: certamente em Humanista e padre suíço,
razão das distâncias geográficas, históricas e culturais existentes, mas este reformador fundâu, em
não menos pelo facto de que permanecia substancialmente a afirma- Zurique, uma teocracia que
se estendeu a Berna, Basileia
ção comum da mesma fé, o que é reconhecido ainda hoje. e Estrasburgo. Apelando ao
regresso da Igreja à simpli-
cidade original, a sua doutri-
2.4.2. Contra-, _,,,forma e suas conseq,_ j a s na teológica radicalizou-se mais do que a de Lutero,
especialmente ao negar a presença de Cristo na Eu-
Na sua resposta ao questionamento protestante, uma resposta que caristia. Os anabatistas, assim chamados por defen-
deve ser entendida como busca de renovação mas também de Contra- derem um novo batismo para os adultos, já que as
crianças não podiam receber a graça que só se trans-
-Reforma, a Igreja católica desenvolve-se a partir do Concílio de Trent° mitia pela fé, vincularam-se às doutrinas de Zuínglio.
(1545-1563) com um determinado perfil anti-reformador: privilegia-se
progressivamente a visibilidade institucional da Igreja (a Igreja como Concílio de Trent° (de 1545 a 1563)
uma realidade social tão visível e organizada corno a sociedade política No início do séc. XVI, Martinho Lutero lança uma
de então); põe-se em primeiro plano o aspeto hierárquico em relação dura crftica à Igreja, que se debatia, desde. há muito,
com uma longa crise moral interna, bem expressa
com o ministério ordenado (em contraste com a insistência luterana no Cisma do Ocidente e nas tendências conciliaris-
no sacerdócio comum dos fiéis e o questionamento do significado do tas do séc. XIV. A essa crítica luterana importa ainda
ministério ordenado); valorizam-se particularmente as realidades acrescentar tensões de caráter político que amea-
çavam a unidade da cristandade. Só um concílio po-
sacramentais (em contraposição à acentuação protestante da Palavra deria resolver problemas tão graves.
de Deus, em conjunto com a crítica do "sacramentalismo" tradicional). Apesar dos muitos pedidos, provenientes de várias
Esta acentuação do momento institucional na compreensão e prática partes, o papa Paulo 111 (1534-1549) tinha receio de
da Igreja, com a concomitante sobrevalorização do lugar da hierarquia, convocar um concílio. Fé-10 contudo em 1537, para
a cidade de Mântua (e, um ano depois, para Vicen-
levou a que se chegasse a dizer que a eclesiologia foi substituída pela za), mas a falta de adesão dos protestantes alemães
"hierarcologia". obrigou a um adiamento. Entretanto, o imperador
Carlos V tentou salvar a unidade da cristandade
A expressão mais nítida desta conceção eciesiológica encontramo- através de encontros informais, que se revelaram
-Ia nas Controvérsias (1576-1588) de S. Roberto Belarmino (1542-1821) infrutíferos. O concílio foi então novamente convo-
e sua descrição da Igreja: cado em 1542, para a cidade de Trent°. No entanto,
este não começaria antes de 1545.
Em Trent°, os trabalhos decorreram durante dois
anos (sessões 1 a 8), tendo sido depois suspensos,
devido a uma epidemia, e trasladados a Bolonha,
"Comunidade d a s pessoas ligadas pela profissão d a onde se realizaram algumas sessões esporádicas
mesma fé e comunhão dos mesmos sacramentos, sob o entre 1547 e 1549 (sessões 9 a 11). Os trabalhos em
Trent° seriam retomados em 1551, sob o pontifica-
regime de legítimos pastores e principalmente do único do de Júlio 11 (1550-1555), mas durariam apenas um
vigário de Cristo, o pontífice romano". ano (sessões 12 a 16), sendo interrompidos devido à
guerra entre as tropas imperiais e os protestantes,
então aliados com França. O concílio só viria apenas
a concluir os seus trabalhos em 1562-1563 (sessões
17 a 25), durante o pontificado de Pio IV (1559-1565).
E noutro passo explicita-se: O Concílio de Trent° teve, fundamentalmente, dois
objetivos. O primeiro de caráter dogmático: respon-
der sistematicamente aos desafios e posições teoló-
gicas (heréticas) dos protestantes, nomeadamente a
"A Igreja é uma comunidade de pessoas humanas tão questão da justificação pela fé, a autoridade da Bíblia
e a teologia sacramental (sobretudo em relação à Eu-
visível e palpável como a comunidade do povo romano ou caristia). O segundo, pastoral e disciplinar (a "reforma
o reino de França ou a república de Veneza". católica" propriamente dita): reforma da Cúria roma-
na, obrigação de residência por parte dos bispos,
citação segundo H. FRES, «Modificação e evolução histórico-dogmática formação do clero (criação de seminários'), criação
da imagem da igreja», in J. FEINER - M. LÕHRER (ed.), Mysterium Solutis. de sínodos diocesanos, reforma do culto e da liturgia.
compêndio de Dogmática Histórico-Solvifica, Petropolis 1975, p. 36. Os resultados mais duradoiros do concílio triden-
tino prendem-se com a teologia fundamental e a
pastoral. Na teologia fundamental, o concílio fixa
definitivamente o cânon bíblico e os sacramentos.
Mas mais importante é o estabelecimento de uma
A Igreja define-se, pois, pela sua visibilidade institucional, pela tradição normativa (patrística e conciliar) para a in-
objetivação dos conteúdos da f é e dos sete sacramentos, pelo terpretação da Bíblia, num claro posicionamento
governo através dos legítimos pastores. contra a sola scripturo protestante. Impõe-se deste
modo a "tradição" como segunda fonte da reflexão
Seria injusto ver aqui uma maneira de conceber a Igreja exclusi- teológica. Os anos posteriores ao concílio são de
uma grande riqueza a nível pastoral. A "cura de al-
vamente a partir dos seus elementos visíveis, exteriores. Como não mas" assume claramente um papel central na vida
podem desvalorizar-se os enormes impulsos de renovação eclesial da Igreja católica, sendo favorecida pela reforma
provenientes do Concílio de Trent°. Mas, nesta orientação global de litúrgica. A pregação adquire um novo dinamismo e
oposição à Reforma protestante, caiu-se inevitavelmente numa hiper- a formação sacerdotal torna-se central. Uma nova
geração de bispos-pastores testemunha o cuidado
trofia do momento institucional, da dimensão hierárquica e da pers- pastoral desejado por Trento. O dominicano portu-
petiva papal-romana como elementos nucleares da Igreja de Jesus guês Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590) teve
Cristo, exclusivamente identificada com a Igreja católica romana. E a uma participação notável neste concílio. Bispo de
Braga, aplicou na diocese as decisões conciliares,
partir daqui a vivência "confessional" da fé aparece como contraposi- preparou um catecismo para as pessoas e fundou
ção, como negação da outra maneira de ser cristão (ser católico signi- um seminário para a formação do clero.
fica, antes de mais, não ser protestante e vice-versa). Bibliografia: J. Wicks, (1992) "Trento", in René Latou-
relle-Rino Fisichella (eds.), Diccionorio de Teologia
Fundamental, San Pablo, Madrid.
E d u c a c . ) Morai e k e i i g i v a
São Roberto Belarmino
Padre e Cardeal jesuíta, teve um
importante papel na aplicação
Na modernidade
das inovações d o Concílio d e
Trento, ajudando na formação
apologética dos teólogos e pre- 2.5.1 'r)s d e s p ' d e --loc,---,dade
gadores responsáveis pela de-
fesa da fé. S. Roberto Belarmino Os tempos modernos revelam-se como profunda interpelação à
distinguiu-se pelas suas críticas Igreja, suas convicções e sua organização. O processo de secula-
aos erros das doutrinas refor- rização trouxe a progressiva libertação das instituições da tutela
mistas. Pela qualidade dos seus
escritos, destacando-se os livros "Controvérsia" e "Ca- eclesial. Por outro lado, na sequência da mentalidade humanista
tecismo", foi considerado Doutor da Igreja. O dia litúrgico emergente a partir do século XVI e da consciência da liberdade
é 17 de setembro. individual que a própria Reforma protestante assumiu e desenvol-
veu, a cultura europeia vem a ser decisivamente marcada pelo
Paz de Vestfália: Conjunto de tratados assinados em
1648 que colocaram o fim à Guerra dos Trinta Anos e re-
Chamado "Iluminismo" (Aufkãrung) nas suas várias e prolongadas
definiram o mapa e a balança de poder na Europa. Os tra- expressões e consequências (séculos XVII a XIX).
tados foram negociados durante três anos por Católicos
e Protestantes — as duas partes envolvidas na Guerra O Iluminismo tinha a pretensão básica de libertar o ser humano
dos Trinta Anos —em duas cidades distintas: os protes- da sua menoridade, estimulando o uso da própria razão e a pro-
tantes reuniram-se na cidade de Osnabrück e os católi- gressiva autonomia das pessoas face à autoridade eclesial. Ao
cos na cidade de Münster, ambas na atual Alemanha. A
Paz de Vestfália é considerada o marco da diplomacia
mesmo tempo, o insucesso das discussões doutrinais na perspe-
moderna, pois, pela primeira vez, é reconhecido o prin- tiva de uma possível reunião dos cristãos e, sobretudo, as sangren-
cípio da soberania de cada Estado envolvido. Para além tas guerras de religião (terminadas com a Paz de Vestfália, 1648)
disso, afirmou a supremacia do poder político nos Esta- mostravam empiricamente a conveniência, se não mesmo a neces-
dos e a diminuição da presença da Igreja nas monarquias
europeias ao mesmo tempo que concedia o mesmo re- sidade, desse uso da razão na busca daquilo que é ou pode ser
conhecimento às religiões católica, luterana e calvinista. comum, sobretudo em termos éticos, independentemente da con-
fissão religiosa a que se pertencia ou da visão do mundo que se
Iluminismo: Movimento intelectual, político, económico,
social e cultural que surgiu na Europa no século XVII e se
tinha. A afirmação de valores e atitudes básicos comuns, que ser-
prolongou até ao século XIX, tendo tido o seu expoente vissem de fundamento para uma convivência pacífica entre as pes-
máximo em França durante o século XVIII (que ficou co- soas e os povos, só podem ser encontrados — pensa-se — de forma
nhecido como o Século das Luzes). O liuminismo surgiu racional na própria pessoa humana e sua natureza, sem qualquer
como forma de reação da burguesia às características
absolutistas do Antigo Regime, nomeadamente o abso- intromissão do factor religioso-confessional (aspiração a uma reli-
lutismo monárquico e a autoridade da Igreja Católica. Os giosidade natural que unisse para lá das diferentes confissões).
pensadores iluministas defendiam o uso da Razão e o Tudo isto encontrou particular expressão social, política e cultural
progresso da ciência em contraponto aos valores basea-
na Revolução francesa (1789) e suas consequências.
dos nas tradições e na fé, que, segundo eles, bloquea-
vam a evolução do Homem. O liuminismo foi, assim, um Caminhou-se assim para a (indispensável) separação entre
período de transformações na estrutura social da Euro-
pa, onde os temas se centravam em conceitos como a poder espiritual e poder temporal, mesmo que a pretensão da
Liberdade, o Progresso e o Antropocentrismo (Homem no Igreja nesta matéria (por exemplo, a afirmação da manutenção de
centro). um "poder indireto sobre as coisas temporais") permanecesse para
Revolução Francesa: Movimento político que derrubou a
além do que o próprio poder político aceitava e do que a missão
monarquia absolutista do Rei Luís XVI e proclamou a Re- específica da Igreja exigia. De facto, só muito tarde, já em pleno
pública em França. No século XVIII a sociedade francesa século XX, é que se conseguiu chegar a uma perceção justa da rea-
era constituída pelo clero, a nobreza e o terceiro estado lidade, a partir da compreensão do sentido mais original e profundo
(formado pelo povo e a burguesia). O descontentamento
social do terceiro estado devido à degradação das con- da missão especificamente religiosa da Igreja e do respeito pela
dições de vida do povo, à falta de liberdade a nível polí- legítima laicidade do Estado.
tico e económico da burguesia e ao pagamento de altos
impostos, que serviam para manter os hábitos de luxo da
nobreza e do clero, levaram a que a população se revol- 2,r 2. igrr), , d i s t i t u i ç o " e "sociedP-'e"
tasse. Sob o lema "Liberdade, Igualdade e Fraternidade",
o momento decisivo do início do processo revolucionário Como se percebe, estes e outros desafios foram entendidos glo-
ocorreu a 14 de julho de 1789, com a Queda da Bastilha balmente como questionamento da Igreja, da sua autoridade, do
(prisão política símbolo do absolutismo). Com a Revolu-
ção Francesa foram traçadas as bases de uma socieda- seu lugar na sociedade. Emergiu assim a exigência de uma resposta
de burguesa e capitalista. da Igreja, que se julgava dever passar por um reforço da sua coe-
são interna, com base em critérios e atitudes fortalecedoras da
Johann Adam Mãhler sua presença e organização institucionais. A imagem que guiava a
(1796-1838)
Teólogo católico de nacionalida-
Igreja ia no sentido de se entender a comunidade eclesial como
de alemã. Foi professor na pres- uma instituição moral e uma sociedade perfeita, hierarquica-
tigiada Universidade de Tubinga e mente bem estruturada, completa na sua capacidade de se orga-
estabeleceu uma acesa polémica nizar nos diversos domínios de uma sociedade análoga ao Estado.
com os teólogos protestantes, fru-
to das ideias que explanou na sua Nesta ordem de ideias considera-se que é contra a essência da
obra "The Simbolik". Igreja pensar-se que ela precisa de reforma, como se a Igreja esti-
vesse exposta a deficiências que necessitariam de ser corrigidas
(assim pensava Gregorio XVI, 1831-1846). A acentuação hierárquica
expressa-se particularmente no facto de que o clero constitui o ver-
2Cf. PIO X, Encíclica Vehementer Nos, no 22. dadeiro "sujeito" da Igreja que, em última análise, é "uma sociedade
de desiguais"2. São célebres as palavras de Johann Adam Móhier
(1796-1838) como síntese desta visão da Igreja:
q.? I m n i r
Não obstante a originalidade criativa que marcou a reflexão eclesiológica do Concílio Vaticano II,
essa reflexão não se compreende sem algumas expressões de renovação teológica e eclesial
emergentes na primeira metade do século XX.
Desde logo, os desafios da chamada "crise modernista", ainda que com unilateralidades e
desvios, despertaram a consciência católica para o problema real da relação entre a vivên-
cia da fé e as transformações culturais nas circunstâncias da história. Simultaneamente, foi
crescendo a perceção de que urgia uma renovada tomada de consciência da dimensão sobre-
natural da existência crente e da vida da Igreja, de que pode ser exemplo a intensificação da
piedade eucarística (impulsionada particularmente por Pio X).
É entre as duas Guerras, após duras experiências de tragédia humana e de desmoronamento
da sociedade, que se dá uma nova descoberta da Igreja como grandeza viva e realidade signi-
ficativa para a vida das pessoas. Neste contexto se enquadra a célebre afirmação de Romano
Guardini, vinda a público em 1921 (aliás, de algum modo em paralelo com uma outra seme-
lhante da autoria do protestante Martin Dibelius) e que apontava para um "despertar da Igreja
nas almas'''.
2.7, O C A i o J c a n o II
2.7.1. Aspetos mais significativos da visão
c o - , ' " l r da 11-r&-•--- Papa Pio XII (1876-1958)
Nasceu em Roma e em 1939 ao ser eleito papa esco-
Nunca é demais sublinhar a importância transcendente que o lhe como lema "A paz é obra da justiça". Assumiu a li-
Concílio Vaticano II tem para a compreensão e a vida da Igreja no derança da Igreja católica num momento crítico para
nosso tempo, uma importância que se concretiza em afirmações e a humanidade: o início de um novo confronto entre os
países europeus, a Segunda Guerra Mundial. Com uma
orientações pontuais concretas, mas que assume sobretudo signi- longa carreira diplomática procurou, de todas as formas,
ficado na sua globalidade como "acontecimento" de renovação e evitar o flagelo da guerra, porém sem sucesso. Passou
de criatividade. A intencionalidade fundamental que lhe foi dada os anos do conflito tentando alcançar a paz e condenou
pelo Papa João XXIII no sentido de vir a ser um concílio pasto- (escrevendo palavras duras a Hitler e a Mussolini) a per-
seguição aos judeus, Quando os nazis invadiram Roma,
ral, quer dizer, preocupado com o modo como a Igreja é chamada abriu os espaços do Vaticano para os refugiados e con-
a anunciar o Evangelho aos homens e mulheres do nosso tempo, cedeu cidadania a muitos milhares de pessoas. Solicitou
deu-lhe um impuIso e um alcance renovadores que, à partida, não ainda que as igrejas e conventos, do mundo inteiro, aco-
lhessem os perseguidos e as vítimas do conflito mun-
era previsível e que torna a sua receção um processo por vezes
dial. Proporcionou um serviço de procura e recolha de
complexo, mas de enorme significado para o futuro da Igreja. informação para prisioneiros de guerra, desaparecidos,
feridos e realojaclos. Tem uma visão universal da Igreja e
Em breve síntese podem delinear-se os aspetos principais da efetivou uma progressiva abertura para o mundo.
renovação conciliar em termos eclesiológicos.
Educaç LJI V J U i L . , 1 . 1 ( J 1 J b d
20
1
a) O sentido do mistério da Igreja
Como ponto de partida fundamental para a sua compreensão (capítulo I da Lumen Gentium " O mistério da
Igreja"), a Igreja é vista à luz do Mistério do Deus Trinitário e do seu agir amoroso numa história de salvação.
i l ~ 11 ~ § 1 E . - - 1 1 1 1 1 ~
i l i i i e r n i ~ 11 ~ 11111 ~
Texto Complementar 3
Em termos eclesiológicos, o Vaticano II foi naturalmente palco também de um certo confronto de
tendências, que se manifestariam nalgumas tensões e buscas de equilíbrios. Isso pode observar-se
em algumas matérias nos próprios textos finais. "O Concílio Vaticano II é, pois, o ponto de partida para
a eclesiologia, mas deve ter-se em conta que nele 'confluem' duas orientações, dimensões ou acentos
eciesiológicos que de alguma maneira resumem os dois milénios da história da Igreja. Por um lado,
parte-se da eclesiologia da unidade da Igreja universal, comum durante o segundo milénio e forjada
particularmente em chave apologética e jurídica, que teve os seus inícios com os primeiros tratados
autónomos sobre a Igreja (século XIV) e chegou ao seu cume no Concílio Vaticano I com a definição
dos dogmas papais; e, por outro, recupera-se de forma inovadora a eclesiologia sacramental da Igreja
como comunhão de Igrejas locais, que foi a mais comum durante o primeiro milénio, durante a etapa
da Igreja indivisa (ano 1054), e que se alarga até à grande escolástica"
S. PIÉ-NINOT, Eciesiologla. La socromentalidad de Ia comunidad cristiona, Salamanca 2007, p. 27.
«Pensando em Chartres», José Escada (Portugal, 1934-1980), Centro de Arte Jorge de Brito, °eiras.
«America Windows», Marc Chaga° (Lituânia, 1887-1985, França), Art in,stitute cif Chicago, 1977
Católica 24
3.1.2. A igreja enraizada na experiência crente
dr' '
Na sequência do que se acaba de referir e olhando a experiência
crente de Israel, encontramos elementos fundamentais para a com-
preensão da Igreja e de diversos aspetos estruturantes da sua reali-
dade ao longo dos tempos, também no nosso. Destacam-se aqui seis
aspetos. [Texto Complementar 5]
iL1 H - 1 Cristo
-
a celebração da fé. A assembleia do Sinai aparece como o protótipo da comunidade cultual. No cami-
nho do deserto, o povo das doze tribos, ordenado à volta da Tenda da Reunião, encontrando assim
as forças necessárias para prosseguir o seu caminho em direção à terra prometida, lembra e atualiza
o acontecimento da primeira Páscoa, em que Israel se tornou povo da aliança e comunidade cultual.
Na celebração da fé, a "comunidade" renova a sua consciência de que deve a sua existên-
cia à convocação de Javé. Este é o significado bíblico originário da expressão clahol, que a
Versão dos Setenta traduz sistematicamente por ekklesía - Igreja. Reunida na presença de Javé
(cf. Nm 16,1-20), a comunidade escuta a proclamação da Palavra de Deus como realidade fun-
damental para a sua vida, para o seu caminhar na fé.
A centralidade desta dimensão cultual vale para a Igreja, que encontra na celebração da fé -
agora à luz de Jesus e do significado dos acontecimentos pascais - um elemento estruturante
do seu viver: o Senhor convoca e reúne sempre de novo a sua comunidade, torna-se pre-
sente nela para lhe comunicar a sua Palavra e oferecer os Sacramentos da salvação como sinais
mais densos da sua presença e ação. Não é por acaso que o uso cristão da palavra 'ekklesia/
/Igreja' tem mais a ver com a sua utilização na tradução grega do Antigo Testamento (versão dos
Setenta) do que com a etimologia grega, que aponta para a assembleia dos "cidadãos" reunidos
para discutir e decidir os assuntos da "cidade". Na versão dos Setenta, a palavra 'ekkiesía' apa-
rece cerca de 100 vezes e quase sempre para traduzir precisamente o conceito hebraico da
gabai Yahwe, entendida como a comunidade convocada por Deus.
d) Uma comunidade organizada, estruturada em diversos serviços e funções
O povo de Israel vive uma unidade e solidariedade fundamentais em termos jurídicos e de
comunidade religiosa, mas não é uma comunidade indiferenciada, antes apresenta-se como uma
corporação ordenada. Dentro dessa solidariedade orgânica de comunidade - todo o povo é cha-
mado a viver as dimensões profética, sacerdotal e real/servicial da sua existência crente -, há
uma diferenciação de funções e tarefas específicas individualmente assumidas e realizadas.
Esses diferentes serviços e funções concretos (hoje diríamos "ministérios") aparecem em
grande parte configurados pelas épocas e situações históricas que a comunidade vive. Mas,
tanto na sua expressão plural como na relação de tensão polar que os caracteriza, apontam
para algo de estrutural em toda a comunidade crente. Encontramos, assim, serviços institu-
cionais (o rei e o sacerdote) e serviços carismáticos (o condutor do povo, o profeta); serviços
marcados por uma tarefa governativa/pastoral (o rei) e serviços orientados para o anúncio
da Palavra e a celebração da fé (serviços proféticos e sacerdotais); serviços de tipo monár-
quico-patriarcal (exercidos pelo chefe de família, da tribo ou do povo - o rei) ou colegiais (o
grémio dos anciãos que dirigem colegialmente a tribo e a comunidade sinagogal).
A Igreja de Jesus conhece também uma diferenciação de carismas, serviços e ministérios.
Mais basicamente ainda, entende-se como uma comunidade com uma dimensão profética,
sacerdotal e real que, não obstante essa diferenciação, é vocação para cada membro do povo
de Deus, chamado a ser profeta, sacerdote e rei/servidor na sua existência concreta de pessoa
chamada por Deus a ser membro da Igreja.
e)A missão de Israel
A pergunta pela identidade e missão da Igreja é também prefigurada e iluminada pelo modo
como o povo de Israel foi percebendo, aliás de forma não linear, no meio de situações e posi-
ções contrastantes, em momentos de consciência diferenciados e até de alguma tensão, a sua
identidade e missão.
Antes de mais, naturalmente, Israel vive e percebe-se como um povo entre outros povos. Apesar
de tendências particularistas, baseadas no facto de se saber um povo escolhido entre outros povos,
Israel percebe progressivamente que, na sua eleição, não se trata de algo que acontece com signifi-
cado exclusivo para si, mas tem relevância para os outros povos. Nesta linha, Israel entende-se como
um povo intermediário: a eleição nunca é um fim em si mesmo, mas acontece a favor dos outros
povos. Mesmo que não seja claro o que tal significa exatamente e como é que isso se realiza, Israel
entende que tem uma missão salvífica a favor dos outros povos e vai tomando consciência dos
caminhos possíveis por onde passa essa missão. Assim, pela sua simples existência, Israel é motivo
de interpelação e de bênção para os outros povos (cf. Gn 1-12; Gn 12,2 s.); é mediação salvífica no
plano de Deus para a humanidade (Dn 7,13 s.; Is 53,3 ss; Is 42,6 ss; livro de Jonas; Ex 19,5 s.); mais
ainda, na certeza de que o Criador de Israel é o Criador de todos os outros povos, no horizonte final da
esperança de Israel está presente uma perspetiva universalista: a eleição de Israel é um meio ao ser-
viço dessa ação salvífica universal de Deus. Nessa linha e como horizonte final emerge a esperança
escatológica da peregrinação dos povos para o Monte de Sião, a esperança de uma orientação última
dos povos para o Deus de Israel acolhido como salvação definitiva da humanidade (Is 2,2 s.; Mq 4,1).
—
«Adoração do Menino», Gerard (Gerrit) van Honthorst (Holanda 1590-1656), Galeria Uffizi, Florença.
3.. o J, s
Preparada na história de Israel, a Igreja tem a sua origem no acontecimento Jesus, encontra
o seu fundamento na vida, morte e ressurreição de Jesus. Esta relação estrutural entre a pes-
soa de Jesus e a Igreja não se entende adequadamente se nos fixarmos apenas em determina-
dos gestos ou palavras testemunhados pelos Evangelhos, vistos como atos fundacionais con-
cretos da Igreja. Para se perceber profundamente a relação da Igreja com Jesus, é preciso olhar
numa perspetiva de globalidade. Essa perspetiva não ignora o significado singular de determi-
nados gestos e acontecimentos para o (futuro) aparecimento da Igreja, mas considera, antes de
mais, a vida de Jesus no seu conjunto, consumada e iluminada pela sua morte e ressurreição.
A esta luz, entende-se que a Igreja é fruto de um processo histórico-salvífico que se rea-
liza em diversas fases. A origem da Igreja tem de ser situada no conjunto da Revelação de Deus
Uno e Trino, ou seja, na eleição de Deus que escolheu o povo de Israel, na história de Jesus,
que é a definitiva manifestação do mesmo Deus, e na ação do Espírito Santo, que atualiza o sig-
nificado e a força salvíficos do acontecimento Jesus nos inícios da Igreja e ao longo da histo-
ncio do Ruim.,
d, l i s sinais e suas
c(
Nos Evangelhos — e este dado reforça o
que se acaba de referir o termo "Igreja" só
aparece três vezes, concretamente em dois
versículos bem próximos do Evangelho de
Mateus (em 16,18 e, duas vezes, em 18,17).
Em contrapartida, a expressão mais usada
por Jesus — aparece mais de cem vezes no
conjunto dos quatro Evangelhos — é "Reino
de Deus/dos Céus" (ou, numa melhor tra-
dução, "Reinado d e Deus"). Não h á q u e
fazer oposição entre estas duas realida-
des (Reino de Deus e Igreja), mas o sentido
é claro: o anúncio do Reino de Deus cons-
titui o centro da mensagem de Jesus, a
razão de ser da sua vida, o pressuposto
fundamental que motiva as suas palavras e
as suas ações, o elemento determinante do
seu agir livre e do seu horizonte de futuro.
O sumário de Mc 1,15 (cf. Mt 4,17 e Lo 4,18)
resume de forma programática o essen-
cial da mensagem de Jesus:
Está a q u i u m d a d o inquestionável: a
Igreja só se entende à luz do anúncio do
Reino de Deus.
'se o tempo e o
está próximo: arrependei-
ngel ho". «Cristo Pantocrator», Altar-mor da Igreja de Ribamar, Lourinhã, Portugal, D. João Marcos
(Portugal, 1949).
"É uma representação de Cristo glorioso, cabeça e esposo da assembleia que ali se reúne
para celebrar a fé, consolidar a esperança e alimentar a caridade e se tornar assim sacra-
mento de salvação no meio do mundo. Pela sua temática e pelo lugar que ocupa, esta
Com o anúncio d o "Reino/Reinado d e imagem sublinha a centralidade de Cristo Ressuscitado na vida da Igreja e de cada cris-
Deus" Jesus não está a falar de uma região tão". O autor explicou que a pintura tem dois objetivos: ajudar a encontrarmo-nos com
ou de um lugar, de algo delimitado e fixo no Cristo Ressuscitado e incentivar-nos a participar na missão evangelizadora da Igreja. Ela
anuncia-nos a Boa Nova da Salvação e apela à urgência da sua proclamação. Na pin-
tempo, mas de uma realidade em movi-
tura vemos um círculo negro, símbolo da morte, sobre o qual se manifesta uma explo-
mento, de um acontecimento. É o acon- são de vida que vai em todas as direções como um carro de fogo transportando a luz e a
tecimento do agir de Deus que constrói a vida vencedora sobre as trevas e a morte, Jesus Cristo Ressuscitado. A Igreja existe para
sua soberania, que age como Senhor e Rei. anunciar o Evangelho que é Jesus Cristo vitorioso sobre a morte.
Reino/Reinado d e Deus (poderia tradu- O pintor explicou que, no quadrado, aos quatro cantos, vemos "os quatro seres vivos
zir-se por "Deus chegou") fala da sobera- em que a tradição cristã vê simbolizados os quatro evangelistas: Mateus com o rosto
nia salvífica, amorosa e misericordiosa humano, Marcos com o leão, Lucas com o touro, e João com a águia. De facto, falando
de Deus, é o conceito-síntese do dom da simbolicamente, há evangelizadores que pela sua altíssima compreensão e grande vivên-
cia do mistério de Cristo são comparáveis à águia de olhar penetrante e de grandes asas
salvação no presente e na sua dimensão que a elevam às alturas do céu... Nas outras quatro pontas, entre as figuras dos animais,
escatológica (definitiva), exprime a v o n - vemos as rodas do carro de fogo que se movem simultaneamente em quatro direções.„
tade salvífica radical e universal de Deus. (cf. Ez 1,20-21). Estas rodas representam hoje, para nós, as comunidades cristãs. É nelas,
nessas rodas em movimento, que está o Espírito Santo que suscita os profetas, os envia
Jesus interpreta a certeza do dom da sal- e os fortalece na sua missão evangelizadora..., as comunidades cristãs de que eles são
vação futura e definitiva como algo que, a boca, pés, asas, mãos, olhos e rosto.
partir desse futuro esperado, diz respeito
já à situação presente deste mundo, à vida Encontras estas e outras explicações em faroldeluz.wordpress.com
1 28
das pessoas e suas esperanças, à possível renovação das estruturas deste mundo. O Reino de
Deus é, pois, acontecimento de salvação, "Boa Nova" para os seres humanos pecadores que
entrem numa atitude de abertura radical a Deus e seu amor (metanála —conversão). Dele se fala
em parábolas que mostram o que acontece quando se acolhe a soberania amorosa de Deus. Em
causa está a consistência, a verdade, a plenitude de qualquer vida humana.
O Reino de Deus é, assim, algo que simultaneamente está para vir (Mt 4,17; 6,10) e já se
encontra no meio de nós (Mt 12,28; Lc 17,21; Mc 9,1). É, ao mesmo tempo, uma realidade cole-
tiva e algo que tem a ver com a decisão radical de cada pessoa no mais profundo da sua liber-
dade e na abertura a novos critérios de vida (cf. as bem-aventuranças em Mt 5,1-12; LC 6,20-23).
O acolhimento do Reinado de Deus não fica apenas no íntimo do coração, mas tem visibilidade.
Sinais do Reino são o perdão e a reconciliação, a disponibilidade para o serviço, a abertura de
coração, a atitude de simplicidade e de dependência amorosa da criança (Mt 18,2 s.), a solidarie-
dade para com todo aquele que necessita de nós (Lc 10,29-37), o amor concreto que se estende
mesmo àqueles que são nossos inimigos (Mt 5,38-48; Lc 6,27-36; Jo 13,34). O Reino de Deus
tem, assim, a ver com a conversão do coração e a transformação das estruturas, concreti-
za-se já neste mundo, apesar de todos os limites das realizações humanas, em expressões de
liberdade, justiça, amor, verdade e paz (cf. Prefácio da Missa de Cristo Rei).
É à luz do anúncio e do testemunho atuante do Reino de Deus, da soberania amorosa e salva-
dora de Deus que quer reunir e renovar definitivamente o seu povo, que devem ser lidos alguns
momentos mais significativos da vida de Jesus. A Igreja, surgida após a Páscoa na sequência
da recusa de Israel, está em relação profunda com o sentido nuclear dessa mesma vida consa-
grada ao anúncio do Reino.
a) Desde logo, a mensagem do Reino de Deus anunciada e testemunhada por Jesus, dirigida
embora a Israel na sua totalidade, traduz-se, de facto, na chamada e na formação de um grupo
de discípulos como candidatos a acolherem o Reino de Deus que se manifesta já nas suas pala-
vras e ações. O grupo dos discípulos que se abrem ao acolhimento do Reino e procuram seguir
Jesus pode, deve ser visto como a comunidade (embrionária) da futura Igreja. Ou seja, há no
agir do Jesus terreno uma preparação em ordem à comunidade messiânica definitiva, chamada
a ser plenamente realizada no Reino de Deus.
b) Dentro do conjunto dos discípulos, a eleição e missão do grupo dos doze exprime a von-
tade de Jesus de reunir de novo e definitivamente o conjunto do povo das doze tribos. Embora
com este significado simbólico no tempo de Jesus, indicativo de que a missão de Jesus se
dirige a todo o Israel, os doze serão as "colunas" da Igreja após a sua morte e ressurreição.
c) As refeições constituem j u n t a m e n t e com os sinais e prodígios realizados por Jesus —
um dos gestos mais expressivos do que significa o acontecimento da vinda do Reino de Deus.
Estas refeições de Jesus com os pecadores e com os seus discípulos devem ser vistas como
ações simbólicas, como sinais eficazes da presença ativa do Reino que se espera e que é,
antes de tudo, graça e perdão. Nessas refeições Jesus ultrapassa as barreiras estabelecidas
pela religião judaica, sinalizando o amor salvífico universal de Deus que não se deixa demarcar
pelos critérios humanos, mesmo que sob a forma religiosa.
d) Na última ceia Jesus afirma a sua convicção crente de que a comunhão com os discípu-
los não será rompida pela morte que está iminente (Mc 14,22-25; Mt 26,26-29; Lc 22,15-20;
Jo 6,51-59; 1 Co 11,23-26). Antes, a morte fará parte do caminho seguido por Jesus na sua fide-
lidade a Deus, reconhecido e amado como Pai, e à concretização do seu plano salvífico para a
humanidade, apesar das e através das circunstâncias de pecado e de maldade que condicio-
nam e afetam o viver humano na história. Um caminho que, atravessado pelo sofrimento e ape-
sar de toda a opacidade da morte, é passagem à glorificação final, escatologica: "Em verdade
vos digo: não voltarei a beber do fruto da videira até ao dia em que o beba, novo, no Reino de
Deus" (Mc 14,25). Nas palavras e nos gestos da sua ceia de despedida Jesus olha para o Reino
de Deus, isto é, Jesus espera que, com a sua morte e como fruto dela, o Reino de Deus,
atuante na sua palavra e no seu modo de viver, se manifeste agora na sua plena verdade e
força salvíficas. A entrega da sua vida como consequência do seu anúncio do Reino de Deus
entende-a Jesus, assim, como última oferta de aliança por parte de Deus a Israel (e, assim, a
toda a humanidade).
A recusa da pessoa e mensagem de Jesus, culminada na sua morte, vai criar uma nova situa-
ção que se revela no seu pleno sentido apenas no acontecimento da Páscoa. A Igreja nasce,
pois, a partir do grupo de discípulos constituído como fruto do anúncio que Jesus faz do Reino
de Deus. O movimento pré-pascal de reunião de discípulos feita por
6 S. WIEDENHOFER, Das katholische Kirchenvers- Jesus é "a pré-história imediata e a condição histórica, sociológica
tandnis. Em Lehrbuch der Ekidesiologie, Graz-Wien- e teológica da Igreja pós-pascal"6.
-Küln 1992, p. 75.
ente C r i s t o
3.3. Igreja, realidade pós-pascal
«Ressurreição de Cristo», Fresco, Saia dei Battuti, Francesco Figini Pagani, dito Francesco da Milano (Itália; ativo entre 1502 e 1548).
O
Embora os fundamentos da Igreja se situem no tempo histórico de Jesus, na sua mensagem e
em todo o seu viver, nos sinais que deixou e na preparação que fez dos discípulos, em sentido
rigoroso a Igreja só surge a partir do acontecimento da Páscoa, na sequência da recusa da
pessoa de Jesus por parte da maior parte de Israel. Como os Evangelhos deixam claro, o acon-
tecimento da morte de Jesus e suas circunstâncias não foram de leitura fácil para os discípulos,
antes apontavam para o fracasso da pretensão de Jesus e do seu anúncio do Reino de Deus. Só
a fé na ressurreição é que permite encontrar uma resposta positiva e iluminadora sobre o sen-
tido da sua vida e sobre a própria pessoa de Jesus.
Educação c a t o , 1 , , , a 0 1
Os fenómenos de visão, as aparições do Senhor Ressuscitado
(primeiramente, na Galileia, para onde os discípulos de Jesus terão
fugido, receosos de que lhes acontecesse o mesmo destino de Jesus
—cf. Mc 14,27; 16,7; Jo 16,32) e a notícia do túmulo vazio (os discípu-
los regressam a Jerusalém, impulsionados pela crença judaica de que
os acontecimentos finais tinham de ter como centro a cidade santa)
convergiram na indicação de que a morte não foi a última palavra
de Deus sobre a vida de Jesus: pelo contrário, emerge a experiência
e a certeza da fé de que o Senhor está vivo. A fé que reúne os discí-
pulos de Jesus é a fé na ressurreição. É a partir dessa experiência do
Senhor como Aquele que vive, uma experiência suportada pela ação
do Espírito, que é o Espírito de Jesus ressuscitado, que a Igreja vai
começar a existir 7.
Na leitura crente que os discípulos de Jesus fazem dos aconte-
cimentos da Páscoa, vem ao de cima a certeza de que foram cumpri-
das em Jesus, sua vida, morte e ressurreição, as promessas de Deus
(At 2,22-24; 3,18; 13,32 s.; cf. ainda 8,26-38; Lc 24,25 ss). Dois sinais
que só podem vir de Deus convergem no mesmo sentido, indicando
e confirmando que essas promessas se cumpriram:
- a ressurreição de Jesus "conforme a promessa feita pelos profe-
tas" (cf. Jo 20,9; Lc 24,44; At 2,24; 13,22; 1 Cor 15,4), ou seja, o sinal por
excelência do cumprimento total das promessas;
- a difusão do Espírito (JI 3,1-5, citado em At 2,16-21), visto por sec-
tores do judaísmo como um fenómeno dos últimos tempos: Deus tinha
prometido renovar o espírito e o coração do seu povo (Ez 36,26; cf. Jr
«O Cristo Ressuscitado», Bartolomeo Suardi, dito
Bramantino (Itália, 1455-1530), Museo Thyssen-
31,31-34). Até então — como se lê nos Atos dos Apóstolos — o Espírito
-Bomemisza, Madrid. não tinha ainda sido dado:
[Texto complementar 6]
A Igreja nascente proclama, pois, que a ressurreição de Jesus é não só o regresso de Jesus
à vida nova junto de Deus pela vitória sobre a morte, mas o sinal de que estão chegados os
últimos tempos e de que a esperança de todo um povo é realizada no dom do Espírito. Sob o
pano de fundo das promessas de Israel, os discípulos de Jesus eram interpelados a compreen-
der (em certo sentido, "tinham de" compreender) esta nova experiência do poder de Deus e da
sua força recriadora de nova vida como expressão da difusão escatológica do Espírito Santo.
Convém sublinhar que estes dois sinais — o da ressurreição e o do Espírito — estão estreita-
mente unidos e reforçam-se mutuamente: a Igreja nascente proclama "Senhor" a Jesus Cristo
ressuscitado e glorificado (Rm 10,9), mas não o pode fazer senão pela ação do Espírito Santo
(1 Cor 12,3).
1
31 A comunidade de crentes em Ci-sto
Os acontecimentos da Páscoa, dizendo respeito à pessoa de Jesus, significam também o dom
definitivo do Espírito. Estamos perante uma nova autocomunicação salvífica de Deus no seu
Espírito, quer dizer, um modo novo de Deus Uno e Trino se manifestar no seu ser e no seu
agir na comunidade crente. A ressurreição de Jesus é a fonte do Espírito para a comunidade:
os discípulos fizeram a experiência do Crucificado Ressuscitado como Aquele que está intei-
ramente na dimensão de Deus, participando no seu poder criador de vida, e como Alguém que
entra novamente na sua história, fundando uma nova comunidade, renovando as suas vidas e
dando força à sua esperança. No encontro com Cristo ressuscitado acontece, assim, simulta-
neamente, uma nova revelação de Deus e uma nova experiência dos discípulos consigo pró-
prios: a experiência de ser transformados interiormente, tornados novas criaturas, capazes de
serem testemunhas do amor salvífico, libertador de Deus.
No plano salvífico de Deus para a humanidade inicia-se um novo tempo, o "tempo da Igreja",
que é também o "tempo do Espírito" (de Jesus e do Pai), como sinaliza o Livro dos Atos dos
Apóstolos (chamado, por vezes, o "Evangelho" da Igreja ou o "Evangelho" do Espírito Santo).
O Espírito Santo, Deus na sua relação interior e imediata ã nossa consciência pessoal, pode
ser descrito como a presença permanente na história da ação salvífica de Deus em Jesus.
O Espírito Santo é Aquele que, como mediação permanente da ação do Pai e do Filho, realiza e
torna eficaz essa ação ao longo de toda a história da salvação, interioriza e universaliza a reve-
lação histórica de Deus em Jesus Cristo'.
A esta luz percebe-se como a vida de Jesus na sua totalidade e a
8Cf. TH. SCHNEIDER, Das BËkenntnis zum Heiligen
efusão do Espírito não podem ser considerados simplesmente como Geist ais Rede von der Kirche. Zum theologiscen Ort
dois momentos sucessivos e sem relação íntima um com o outro, der Kirche im Glaubensbekenntnis, in Una Soneto 36
antes constituem a expressão, mutuamente dependente nos seus dois (1981) 216.
aspetos, do único agir salvífico de Deus que se dirige aos seres huma- 9Cf. Y. CONGAR, Je crois en l'Esprit-Saint, II — « II
nos, os congrega no novo povo e os envia em missão. O Espírito Santo est Seigneur et II donne Ia vie », Paris 1980, 13-24.
é— como exprime incisivamente Y. Congar — "co-fundador" ("co-ins- Cf. ainda LG, n994 e 5.
tituant") da Igreja, ou seja, ele não é simples vigário de Cristo, mas
a Igreja e as suas estruturas fundamentais são fruto permanente da
unção do Espírito'.
1111_ 1 1 1 ~
Texto Complementar 5
111111111111•11
"Em todos os tempos e em todas as nações foi agradável a Deus aquele que O teme e obra justamente
(cfr. At. 10,35). Contudo, aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída
qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse
santamente. Escolheu, por isso, a nação israelita para Seu povo. Com ele estabeleceu uma aliança;
a ele instruiu gradualmente, manifestando-Se a Si mesmo e ao desígnio da própria vontade na sua
história, e santificando-o para Si. Mas todas estas coisas aconteceram como preparação e figura da
nova e perfeita Aliança que em Cristo havia de ser estabelecida e da revelação mais completa que
seria transmitida pelo próprio Verbo de Deus feito carne. Eis que virão dias, diz o Senhor, em que
estabelecerei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança... Porei a minha lei nas suas
entranhas e a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e eles serão o meu povo... Todos me
conhecerão desde o mais pequeno ao maior, diz o Senhor (Jer. 31,31-34). Esta nova aliança instituiu-a
Cristo, o novo testamento no Seu sangue (cfr. 1 Cor.11,25), chamando o Seu povo de entre os judeus e
os gentios, para formar um todo, não segundo a carne mas no Espírito e tornar-se o Povo de Deus. Com
efeito, os que crêem em Cristo, regenerados não pela força de germe corruptível mas incorruptível
por meio da Palavra de Deus vivo (cfr. 1 Ped. 1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo
Espírito Santo (cfr. Jo. 3,5-6), são finalmente constituídos em «raça escolhida, sacerdócio real, nação
santa, povo conquistado... que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1 Ped. 2,9-10)"
Lumen Gentium, no 9.
-,•';
Jesus Cristo, detalhe da tapeçaria de Graham Sutherland (Inglaterra, 1903-1980), Catedral de Coventry, Inglaterra.
'W0%11
4.1.2. Povo de Deus e interpelações
37 ,,,rentes em CrisL,
—
dade constante a esta imagem central e aos indicativos nela contidos a Igreja perderia um ele-
mento referencial extremamente importante como lembrança das suas raízes, do seu caminhar
na história, da sua indispensável inserção nas realidades concretas deste mundo. "Povo de
Deus" sugere e exige todo um programa de vida e de estruturação da Igreja em que o sen-
tido da própria vocação, a corresponsabilidade ativa, a dimen-
são comunitária têm de marcar a consciência dos crentes e o
ritmo dos processos eclesiais.
4.2 • C o r n o r
No conjunto dos escritos do Novo Testamento, a relação da Igreja,
de cada um dos cristãos, a Jesus é expressa sobretudo, em duas
grandes figuras: a Igreja como comunidade de discípulos que são
chamados a seguir Jesus; a Igreja como Corpo de Cristo no mundo
pela ligação profunda e vital dos cristãos a Jesus Cristo.
1
Educação Morai e Religiosa Católica 38
1
crente, uma unidade assente numa relação muito íntima e profunda com Jesus, o fundamento
do seu viver (cf. a parábola do bom pastor em Jo 10,1-30 ou a alegoria da videira em sio 15,1-8).
Em síntese: à luz dos Evangelhos, ser cristão é procurar seguir a Jesus nas possibilidades
reais e nas circunstâncias próprias de cada história de vida. A abertura aos apelos de Deus
no concreto histórico, a fidelidade à própria consciência, os critérios das bem-aventuranças, a
disponibilidade para aceitar o mistério da cruz como dinamismo existencial de vida cristã, eis
alguns dos indicativos que não podem deixar de delinear os caminhos da existência cristã, qual-
quer que seja a modalidade de vida em que ela se concretize.
«O sermão da montanha», Cosimo Rosselli (Itália, 1439-1507), fresco da Capela Sistina, Vaticano.
[Textos Complementares 7 e 8]
1
"O enraizamento cristológico deste modelo eclesiológico permite compreender — escreve J. Gnilka
—a comunidade como algo que é dado de antemão, como algo gratuito. Se há comunidade, isso
não se baseia em atividades humanas, mas acontece sim porque Cristo acolheu seres humanos em
comunhão consigo — no seu corpo".
J. GNILIKA, Paulus von Torsus. Apostei und Zeuge, Freiburg in Breisgau 1997, p. 272.
Texto Complementar 7
"A comparação da Igreja com um corpo lança uma luz particular sobre a ligação íntima existente
entre a Igreja e Cristo. Ela não está somente reunida à volta d'Ele: está unificada n'Ele, no seu Corpo.
Na Igreja, Corpo de Cristo, são de salientar mais especificamente três espetos: a unidade de todos os
membros entre si, pela união a Cristo; Cristo, Cabeça do Corpo; a Igreja, Esposa de Cristo".
Catecismo da Igreja Católica, 789; cf. para todo este tema 787-796.
Texto Complementar 8
"A unidade de Cristo e da Igreja, Cabeça e membros do Corpo, implica também a distinção entre
ambos, numa relação pessoal. Este aspeto é, muitas vezes, expresso pela imagem do esposo e da
esposa. O tema de Cristo Esposo da Igreja foi preparado pelos profetas e anunciado por João Baptista.
O próprio Senhor Se designou como «o Esposo» (Mc 2,19). E o Apóstolo apresenta a Igreja e cada fiel,
membro do seu Corpo, como uma esposa «desposada» com Cristo Senhor, para formar com Ele um
só Espírito. Ela é a Esposa imaculada do Cordeiro imaculado que Cristo amou, pela qual Se entregou
«para a santificar» (Ef 5,26), que associou a Si por uma aliança eterna, e à qual não cessa de prestar
cuidados como ao Seu próprio Corpo".
Catecismo da Igreja Católica, 796.
MO&
4.3.2. igreja na força do Espirito
,--• . A
, - l;•l:- i'
« Descida do Espírito Santo», Igreja de Nossa Senhora da Assunção, Cordon, Saboia, Franca.
A consciência desta presença e ação do Espírito na vida da Igreja ao longo da história tor-
nou-se de novo mais viva nas últimas décadas. É um fruto do processo de receção do Concílio,
ainda que estimulado pela própria experiência e vida prática dos cristãos (por exemplo, nas
expressões de "renovamento carismático").
Esta nova consciência do lugar do Espírito Santo na experiência pessoal de fé e na vivência da
comunidade eclesial convida, antes de mais, a superar um certo "cristomonismo" que tem afe-
tado a tradição teológica e a prática eciesial ocidentais. Basicamente, o "cristomonismo" con-
siste em ver de forma unilateral a Igreja em relação com o mistério da encarnação, de algum
modo como seu prolongamento, sem inserir plenamente a dimensão pneumatológica (essa
presença viva do Espírito Santo) na compreensão da Igreja, com todas as consequências que
daí resultam tanto em termos teóricos como práticos. Uma delas - como já se sugeriu - condu-
ziu a que se acentuasse de forma unilateral os aspetos institucionais da Igreja e, ao mesmo tempo,
o lugar excessivamente preponderante do ministério ordenado como elemento essencial da insti-
tuição eclesial. Escreve H. J. Pottmeyer:
«O Batismo de Cristo», Guído Rení (Itália, 1575-1642), Kunsthistonsches Museum, Viena, Áustria.
uucação a l e 44
-ação fr----Err---"." d e - - ' o r s 1:0-4-riz--1-s
Convocada por Deus em Jesus Cristo e na força do seu Espírito para ser seu Povo — isto é,
para ser comunidade de fé, de esperança e de amor peregrinando na história ao serviço do
Reino de Deus e a caminho da sua realização definitiva -, a Igreja é chamada a viver esse dom
e essa responsabilidade em todos os seus membros e em todas as situações humanas (cf. Ef.
4,7, Fl 4,3; Rm 16,3 ss, 1 Cor 12,4-31). Toda a Igreja é chamada a acolher e a anunciar — pela
palavra e pela vida, nas pessoas e nas comunidades — o amor salvador de Deus como espe-
rança e sentido definitivo de vida para os seres humanos e para a humanidade no seu conjunto.
Quando se fala de Igreja, a comunidade fraterna dos crentes na sua totalidade ocupa, assim,
o primeiro plano. Todos os membros da Igreja — configurados a Cristo pelo dom do seu Espirito
no batismo e no crisma (a raiz do sacerdócio comum de todo o cristão) são convocados para
serem, por sua vez e em atitude de fidelidade, "sujeitos" ativos da sua fé: no processo de matu-
ração da fé como projeto pessoal de vida, na consciência da sua dignidade e autonomia pró-
prias, na afirmação da liberdade cristã.
Esta visão da Igreja como toda uma comunidade que acolhe e pro-
clama os dons de Deus para salvação do mundo pressupõe o reco-
nhecimento basilar de que há - como já se referiu - uma igualdade
fundamental de todos os crentes, não obstante a diversidade dos
carismas, serviços e ministérios nela existentes (cf. LG 42). O dom
e a tarefa que representam a chamada e a pertença a este Povo de
Deus dizem respeito a todos, e nenhum cristão — sempre pressuposto
um adequado crescimento e amadurecimento da sua fé em liberdade
e responsabilidade pessoais — pode considerar-se menos abrangido
por esta convocação pessoal de graça ou eximir-se a esta responsa-
bilidade indeclinável. Há, pois, uma corresponsabilidade que inter-
pela cada cristão e que se tem de expressar numa participação ativa,
consciente e criativa em todos os domínios da vida e missão ecle-
siais: no anúncio e testemunho do Evangelho, na celebração comuni-
tária da fé, na construção da vida comunitária, no serviço comum aos
outros, no esforço quotidiano no sentido de transformar o mundo à luz
do Evangelho.
A vocação d e todos o s batizados — participação no sacerdócio
comum dos fiéis — concretiza-se, explicita-se, antes de mais e global-
mente, em três grandes modalidades de vida que sinalizam dimen-
sões nucleares da identidade e missão da igreja. São vocações que
— podemos designar de "típicas" porque, constituindo a base das con-
«Batismo», Antonio Donghi (Itália, 1897-1963), Gol- cretizações individuais em cada história pessoal de vida, traduzem
leria Civica d'Arte Moderna Contem poranea, Tonna
dimensões essenciais da identidade e missão da Igreja. Trata-se da
situação laical, do ministério ordenado e da vida consagrada (tradi-
cionalmente designadas como "estados de vida").
Cada uma destas modalidades de vida tem, de facto, um significado teológico em relação
com a identidade e missão da Igreja, diz algo sobre o que a Igreja é e é chamada a viver. Assim,
o ministério ordenado, na continuidade do ministério apostólico, exprime institucional e exis-
tencialmente a memória fundante da Igreja como dom salvador de Deus à humanidade, ou
seja, lembra donde o Igreja vem ("ministério da memória"). Por sua vez, a vida consagrada põe
em relevo a dimensão escatológica da existência cristã e da vida eclesial: sinaliza poro onde
o Igreja vai, lembrando que está a caminho da eternidade. Por seu turno, a modalidade de vida
laical (vivida pela esmagadora maioria dos cristãos) diz e procura concretizar o que a Igreja
é chamada a ser e a fazer neste mundo, ou seja, lembra a toda a Igreja onde elo está (tem de
estar) e que ela existe para a libertação, a salvação deste mundo.
Não se trata aqui, obviamente, de uma divisão de funções em jeito de compartimentos
estanques, mas sim de tendências ou modalidades vocacionais básicas de vida cristã com
específico sentido teológico-eclesial (expressões de uma realização vocacional significativa
para a Igreja e para o mundo). Na vocação cristã de cada pessoa em concreto podem cruzar-
-se duas ou até as três tendências dominantes referidas. Por outro lado, o significado teológico-
-eclesial destas modalidades, dentro da globalidade da vocação e missão de todo o Povo de
Deus, exige que não se atribua a nenhuma delas uma primazia absoluta, antes se reconheça
que cada uma, sob determinado ponto de vista (a sua razão de ser eclesial), tem prioridade sobre
rd •
«A Árvore da Vida», Gustav Klimt (Áustria, 1862-1918), mural do Palais Stociet, Bruxelas.
1 46
Educação Moral e ReIlL C a t ó l i c a
1
De qualquer modo, não obstante o lugar singular, estrutural, do
ministério ordenado na Igreja, é de enorme importância que haja
ministérios batismais/laicais no âmbito das três funções funda-
mentais da Igreja (anúncio do Evangelho, celebração da fé, serviço
fraterno dentro da Igreja e no mundo). Os ministérios indicam, sina-
lizam, coordenam, realizam, potenciam o que todos são chamados
a fazer na sua situação, ao seu nível, dentro das suas capacidades,
como realização quotidiana da sua vida cristã.
5.- e s t r u t • n i n i Q t 4 r i n
nrirO« r !orei;
O ministério ordenado situa-se na continuidade d o ministé-
rio apostólico que nos surge íntima e indissoluvelmente ligado ao
acontecimento Jesus, sua vida, morte e ressurreição. O ministé-
rio apostólico tem as suas raízes certamente no tempo histórico
de Jesus, mas constitui-se verdadeiramente com o envio dos
apóstolos e m missão pelo Senhor Ressuscitado e pelo dom
do Espírito que os fortalece e torna testemunhas. O anúncio do
Evangelho assenta em testemunhas, e esta dimensão não pode
terminar com a morte dos primeiros apóstolos: é necessário que
outros continuem esta missão, que haja pessoas que atualizem a
missão apostólica através dos tempos.
Assim, a missão de Jesus como Cabeça e Pastor da sua Igreja
—uma missão e uma autoridade que, a partir da sua Páscoa, Ele
não exerce mais de maneira imediata e visível — continua de forma
«Madona com o Menino e S. Pedro e S. Paulo», Giu-
particular ao longo dos tempos a ser sinalizada e concretizada seppe Cesari, dito Cavaliere d'Arpino (Itália, 1568-1640),
pelo serviço particular de alguns. Este ministério não dispensa a Nelson-Atkins Museum, Kansas City, Missouri.
resposta de seguimento e de anúncio do Evangelho por parte de
todos os cristãos, mas situa-se precisamente em função de que tal
sempre aconteça em condições de fidelidade e de autenticidade.
O ministério na continuidade do ministério apostólico é verda-
deiramente "ministério da memória", por isso mesmo elemento
estrutural irrenunciável da Igreja de Jesus e sinal de uma reali-
dade a atualizar sempre de novo ao longo dos tempos.
Nesta ordem de ideias e antes de mais, o ministério ordenado apa-
rece como sinal instituído da anterioridade e gratuidade do dom
da salvação. Nessa sua referência original ao Senhor Ressuscitado
e ao dom do Espírito, o ministério ordenado é chamado a testemu-
nhar a prioridade da iniciativa divina no acontecimento da sal-
vação, é o sinal estruturai permanente de que a salvação é dom de
Deus e não conquista humana, é expressão institucional da depen-
dência da Igreja em relação a Jesus Cristo.
Ao mesmo tempo, o ministério ordenado entende-se e realiza-
-se como serviço de mediação em representação de Cristo e em
representação da igreja. Por um lado, como ministério na conti-
nuidade do ministério apostólico está dotado, ao serviço da única
mediação de Cristo, d e uma particular representatividade d e
Jesus Cristo (representação simbólico-sacramental d e Jesus
Cristo): os bispos, como sucessores dos apóstolos em sentido
pleno, e os presbíteros, como cooperadores do ministério episco-
pal, agem assim, como representantes do próprio Cristo em pes-
soa; através do serviço apostólico Cristo está presente e expri-
me-se n o anúncio autorizado d o Evangelho, na presidência da
celebração da fé, na direção da comunhão e no serviço fraterno.
Por outro lado, enquanto membro da comunidade eclesial e ao seu «S. António de Lisboa na Missa dedica a sua vida a
serviço, o ministro ordenado é também representante da Igreja: Deus», Maestro dell'Osservanza (pintor cujo nome se
desconhece, mas que deve a designação ao trabalho
nele concentra-se de forma mais densa e expressiva aquilo que realizado na Basílica de l'Osservanza, em Siena), (Itália,
toda a comunidade é chamada a ser, a viver e a fazer (ele pre- 1430-1450), Gemaidegalerie, Berlim.
side à eucaristia, mas é toda a comunidade que celebra). O minis-
interior da igreja da Transfiguração, que fica no centro da Comunidade de Jesus, uma comunidade monástica ecuménica
de Tradição Beneditina. Rock Harbor, Orieans, Massachussets, Estados Unidos da América.
tério ordenado emerge, pois, como sinal sacramental daquilo que cabe a todos os crentes, ou
seja, a tarefa de atualizar o serviço salvífico de Cristo no concreto das circunstâncias históricas
do viver humano. Entende-se, então, que o ministério ordenado situa-se "em relação", é de
alguma maneira "subordinado": existe ao serviço do sacerdócio de Cristo e ao serviço do
sacerdócio comum. Ele é participação ao nível sacramental no sacerdócio de Cristo e, assim,
serviço de mediação a favor do sacerdócio comum dos fiéis.
Na linha do que se acaba de referir, o ministério ordenado está situado, simultaneamente, na
comunidade e face à comunidade. Por um lado, em razão da sua origem, que o coloca numa
referência particular a Jesus Cristo, o ministério ordenado na Igreja encontra-se foce à comuni-
dade: o ministro ordenado não é um mero delegado da comunidade, mas serviço com auto-
ridade fundado no próprio acontecimento Jesus em todas as suas consequências. Mas, por
outro lado, esta posição específica do ministério ordenado não elimina a sua inserção no comu-
nidade, antes a razão de ser do ministério ordenado é o serviço na e para a comunidade.
Finalmente, e de certo modo numa síntese de ordem existencial dos aspetos referidos, o
ministério ordenado é estruturalmente marcado por uma tríplice dimensão: pessoal, comu-
nitária e colegial. No seu exercício está envolvida de modo marcante a dimensão pessoal da
existência, estamos diante de um ministério que é assumido pela pessoa num compromisso
total da sua vida. Mas no ministério sacerdotal está também estruturalmente implicada uma
dimensão colegial: a pessoa exerce este ministério fazendo necessariamente parte de um
corpo ministerial (o bispo faz parte do colégio episcopal, o presbítero do colégio presbiteral).
Mais ainda, o ministério ordenado possui uma dimensão comunitária essencial para a sua
identidade: o múnus do ministro ordenado está estruturalmente inserido na vida da comuni-
dade, à qual procura servir. Os ministros ordenados não podem cumprir a sua vocação e mis-
são independentemente da comunidade, antes só a podem realizar nela e para ela.
1
5.4. Sinodalidadeicorresponsabilidade
vi( d a Igreja
f;',•1',3' •
"'Whk
GIL".
Miniatura do Livro das Horas de Étienne Chevalier, manuscrito obra de Jean Fouquet (Franca, 1420 a 1478 ou 1481),
realizada entre 1452 e 1460. A iluminura mostra S. Hilário no Concílio de Constantinopla. S. Hilário foi bispo na cidade
romana de Pictávio, na Gália, atual Poitiers, França, e é um dos Doutores da Igreja.
Papa Francisco discursa durante a primeira etapa do Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a Família, em outubro de
2014, no Vaticano.
51 A comunidade e n t e s em cristo
Texto Complementar 10
"Na Igreja-Comunhão o s estados d e vida encontram-se d e tal maneira interligados que são
ordenados uns para os outros. Comum, direi mesmo único, é, sem dúvida, o seu significado profundo:
o de constituir a modalidade segundo a qual se deve vivera igual dignidade cristã e a universal vocação
à santidade na perfeição do amor. São modalidades, ao mesmo tempo, diferentes e complementares,
de modo que cada uma delas tem uma sua fisionomia original e inconfundível e, simultaneamente,
cada uma delas se relaciona com as outras e se põe ao seu serviço.
Assim, o estado de vida laical tem na índole secular a sua especificidade e realiza um serviço
eclesial ao testemunhar e ao lembrar, à sua maneira, aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas,
o significado que as coisas terrenas e temporais têm no desígnio salvífico de Deus. Por sua vez, o
sacerdócio ministerial representa a garantia permanente da presença sacramental de Cristo Redentor
nos diversos tempos e lugares.
O estado religioso testemunha a índole escatológica da Igreja, isto é, a sua tensão para o Reino de
Deus, que é prefigurado e, de certo modo, antecipado e pregustado nos votos de castidade, pobreza
e obediência.
Todos os estados de vida, tanto no seu conjunto como cada um deles em relação com os outros,
estão ao serviço do crescimento da Igreja, são modalidades diferentes que profundamente se unem
no «mistério de comunhão» da Igreja e que dinamicamente se coordenam na sua única missão".
Christifideles Loici, n. 55.
Texto Complementar 11
111111111111111111
"Deve-se particularmente a S. Paulo esta consciencialização do que significa a ação do Espírito no
crente, traduzida como seu efeito em dons que capacitam o cristão para servir a comunidade. De
facto, o termo charisma (de charis g r a ç a ) é uma criação neotestamentária, mais concretamente
um conceito paulino, que nos aparece 17 vezes no Novo Testamento: 14 na Carta aos Romanos e
as três restantes em textos de influência paulina — 1 Tm 4,14; 2 Tm 1,6; 1 Pe 4,10. Os carismas são
expressão do poder da graça de Deus no Espírito, que chama alguém para um determinado serviço
na comunidade e, ao mesmo tempo, capacita a pessoa para esse serviço. Trata-se de dons diversos
que podem ocasionalmente ter um caráter extraordinário, mas que, mais habitualmente, são dons
ordinários, comuns, sendo certo que o dom mais sublime é a caridade (cf. 1 Cor 12,4-11-28-31; Rm 12,6-
8; Ef 4,11 s.; 1 Cor 1,7; 7,7; 12,7; 13,1-13; 14,1-40; 1 Tm 4,4; 2 Tm 1,6; 1 Pe 4,10). Os carismas emergem,
pois, como a manifestação da plenitude e diversidade do dom do Espírito à comunidade eclesial e da
forma como essa ação do Espírito se concretiza a favor da sua edificação. «O carisma é um dom de
Deus, correspondente a uma aptidão profunda (mesmo desconhecida pelo sujeito), que é posta, deste
modo, ao serviço de todos. É o Espírito que é dado e que faz que tal ou tal cristão ponha em ação
como dom de Deus e ao serviço de todos, esta ou aquela possibilidade, este ou aquele talento, esta
ou aquela competência»".
POR UMA EQUIPA DE TEÓLOGOS, O Reino já está entre nós, Apelação 2012, 120 - Reedição pela PAULUS Editora de textos publicados
inicialmente em 1975; originai francês de 1974. Cf. ainda Cie 799-801.
1
111:
Texto Complementar 13
"A estrutura da Igreja é sinodal, colegial e primacial. Na harmonia e equilíbrio entre esses níveis
e dimensões joga-se em grande medida a articulação que acompanhe a figura de Igreja que há de
evangelizar a civilização mundial do terceiro milénio".
E. BUENO DE LA FUENTE, Panorama de ia eclesiología actual, in Burgense 47 (2007) p. 55.
1
6. Igreja que peregrina na história ao
serviço do Reino de Deu
, 4 , •
«Crucified Tree Farm - The Agony», Theyre ( I n g l a t e r r a , 1903-1988), Igreja Metodista, Inglaterra.
"É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito
Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julga-las à luz da
palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente percebida,
melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente".
Gaudium et Spes, 44.
A Igreja sabe que este caminho de busca, mesmo cheio de dificuldades, é acompanhado pelo
Espírito de Deus que funda e anima o nosso caminhar na fé.
"O cristão que descuida os seus deveres temporais falta aos seus deveres para com o próximo e até
para com o próprio Deus e põe em risco a sua salvação eterna".
Gaudium et Spes, 43.
Sem negar o mal e o pecado que envolvem o viver humano no mundo, mas iluminados e for-
talecidos pela sua fé no mistério da encarnação como o "sim" definitivo de Deus ao mundo e à
história (2 Cor 1,18-20), os crentes consideram o mundo criado por Deus como uma realidade
principialmente boa (Gn 1,10) e chamada à salvação pelo mesmo Deus. Uma realidade que, no
desenvolvimento das suas potencialidades, interpela o compromisso cristão na colaboração
com Deus Criador e Salvador (cf. GS, no 34) e que se apresenta como tarefa à liberdade e res-
ponsabilidade humanas (visão teológico do expressão
t O RV.N1+1 I m u n d o
Neste modo de pensar, a Igreja conciliar percebe que não está simplesmente diante do mundo,
mas que ela também vive no mundo, é parte do mundo como o quadro indispensável de vida
e de ação da humanidade (sentido descritivo, fenomenológico, da palavra "mundo"). Nesta pers-
petiva, a Igreja diferencia-se do mundo enquanto parte da humanidade que tem consciência do
amor concreto de Deus pelos seres humanos numa história de salvação, culminada em Jesus
Cristo. Mas a Igreja, comunidade de pessoas situadas no tempo e no espaço, vive no mundo e
é condicionada pelas circunstâncias concretas de cada tempo e lugar. Estabelecem-se assim
o princípio e a necessidade de um diálogo constante entre a Igreja e o mundo. A Igreja não só
tem algo a ensinar ao mundo, mas também aprende na sua relação com o mundo, aprende do
caminhar histórico do viver humano. Lê-se na Gaudium et Spes, no 44:
IMIEN~ 1 1 1 1 . I 1 1 1 ~ ~ ~ 1 P o L l ~
«Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igreja como realidade social da história
e seu fermento, assim também a Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género
humano». O que vale, inclusive, face aos questionamentos e interpelações dos que não acolhem a
missão da Igreja: «Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode aproveitar da própria
oposição daqueles que a hostilizam e perseguem».
Gaudium et Spes, 44.
E d L i C a y d U ; \ O L J 6 1 ( J ‘ , , , , L u i J
58
E
"Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos demais homens, no dever de
buscar a verdade e de nela resolver tantos problemas morais que surgem na vida individual e social".
Gaudium et Spes, 16.
[O Verbo de Deus] "revela-nos que 'Deus é amor' (1 do. 4,8) e ensina-nos ao mesmo tempo que a lei
fundamental da perfeição humana e, portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento
do amor. Dá, assim, aos que acreditam no amor de Deus, a certeza de que o caminho do amor está
aberto para todos e que o esforço por estabelecer a universal fraternidade não é vão. Adverte, ao
mesmo tempo, que este amor não se deve exercitar apenas nas coisas grandes, mas, antes de mais,
nas circunstâncias ordinárias da vida".
Goudium et Spes, 38.
6. r e . 1 e r v i ç o d e i n o d, ) e u s
6.2.1. A 15reja, sacramento universal de salvação
IlUJUL;
-
"A Igreja é só sacramento, não é idêntica sem mais com o espaço da realidade e da atividade do
Espírito de Cristo. A realidade e atividade do Espírito de Cristo é mais do que a Igreja. A Igreja pode e
deve contar tranquilamente com o facto de que o Espírito sopra também fora dos seus muros, onde
e como quer. A Igreja tem que ser Igreja aberta, e estar atenta aos 'sinais dos tempos', para, por eles,
entender mais profunda e amplamente a sua própria mensagem".
Tf
"Aparecerá então mais claramente que o Povo de Deus e o género humano, no qual aquele está
inserido, se prestam mútuo serviço; manifestar-se-á assim o caráter religioso e, por isso mesmo,
profundamente humano da missão da Igreja".
Goudium et Spes, 11.
-WEINERIL-
b) Nesta ordem de ideias, o essencial que a Igreja tem a dizer e a testemunhar consiste no anúncio
do amor gratuito e misericordioso de Deus (cf. Christifideles Laici, no 34). O cristianismo nunca pode
ser confundido com uma filosofia mais ou menos complexa, com um conjunto de dogmas de fé ou de
normas de comportamento, com a simples prática de gestos e ritos religiosos enquanto tais. No seu
núcleo essencial a fé cristã representa uma experiência do amor incondicional de Deus e o testemunho
quotidiano desse amor.
11 c) O contributo da Igreja para a humanização deste mundo passa pelo testemunho libertador e
interpelativo dos valores evangélicos. A Igreja sinaliza que esses valores, essas atitudes fundamentais
de vida n o espírito das Bem-aventuranças, podem transformar a pessoa humana e dar-lhe a
possibilidade de uma realização plena da sua existência: o amor a Deus e ao próximo; o dom gratuito
de si; o testemunho do misericórdia e a possibilidade do perdão; a capacidade de ultrapassar barreiras
humanamente inultrapassáveis, como o amor aos inimigos; a dignidade insondável de ser "filho/filha de
Deus", uma dignidade que não pode ser sequer abolida pela religião (cf. Mc 2,27).
- 1 ~ ~ ~ E M E N E
e) O contributo humanizador da missão religiosa da Igreja passa pela defesa corajosa e constante
dos mais pobres. A Igreja é chamada a ser sinal de uma opção privilegiada pelos mais pobres (nos
II
mais diversos aspetos), e isso como condição de credibilidade do seu anúncio de Deus. Está aqui uma
1
prioridade absoluta para os cristãos, interpelando a sua consciência de fidelidade ao Evangelho, a sua
espiritualidade, o seu compromisso público, a ação pastoral da Igreja, a reflexão teológica e as próprias
opções no governo da Igreja.
f) Com o seu viver a Igreja procura favorecer o sentido do Bem Comum e a afirmação dos
1
fundamentos da convivência humana em sociedade. Trata-se de contribuir para o reconhecimento
coletivo e progressivo das condições de uma convivência humana unida e em fraternidade, o que só
pode acontecer com base num mínimo de valores comuns, de convicções fundamentais aceites por
todos.
g) O contributo dos cristãos e da Igreja passa ainda pela apresentação de propostas de uma
maneira diferente, mais humana de viver, ajudando a construir—de certa forma como consciência
crítica e profética da sociedade—alternativas para as atuais formas de viver humano em sociedade.
Trata-se, assim, de ser testemunha de uma esperança que, indo para além da história, se mostra
significativa para o agir presente. A esperança cristã é força que nos impulsiona a trabalhar corajosa e
II persistentemente a favor de um mundo mais justo e de uma humanidade mais fraterna, na certeza de
que não são vãs as nossas lutas e os nossos esforços e de que permanece na sua validade tudo quanto
de bom formos fazendo nesta terra a favor da construção dum mundo mais de acordo com o plano de
Deus para a humanidade.
"A expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes ativar a solicitude em ordem
a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana, que já consegue apresentar
uma certa configuração do mundo futuro". E o texto prossegue: "Todos estes bens da dignidade
humana, da comunhão fraterna e da liberdade, fruto da natureza e do nosso trabalho, depois de os
termos difundido na terra, no Espírito do Senhor e segundo o seu mandamento, voltaremos de novo a
encontrá-los, mas então purificados de qualquer mancha, iluminados e transfigurados, quando Cristo
entregar ao Pai o reino eterno e universal: 'reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça,
reino de justiça, de amor e de paz' ".
Gaudium et Spes, 39.
Texto Complementar 14
"Em virtude da sua missão de iluminar o mundo inteiro com a mensagem de Cristo e de reunir sob
um só Espírito todos os homens, de qualquer nação, raça ou cultura, a Igreja constitui um sinal daquela
fraternidade que torna possível e fortalece o diálogo sincero.
Isto exige, em primeiro lugar, que, reconhecendo toda a legítima diversidade, promovamos na própria
Igreja a mútua estima, respeito e concórdia, em ordem a estabelecer entre todos os que formam o
Povo de Deus, pastores ou fiéis, um diálogo cada vez mais fecundo. Porque o que une entre si os fiéis
é bem mais forte do que o que os divide: haja unidade no necessário, liberdade no que é duvidoso, e
em tudo caridade.
Abraçamos também em espírito os irmãos que ainda não vivem em plena comunhão connosco, e as
suas comunidades, com os quais estamos unidos na confissão do Pai, Filho e Espírito Santo, e pelo
vínculo da caridade, lembrados de que a unidade dos cristãos é hoje esperada e desejada mesmo
por muitos que não creem em Cristo. Com efeito, quanto mais esta unidade progredir na verdade e
na caridade, pela poderosa ação do Espírito Santo, tanto mais será para o mundo um presságio de
unidade e de paz. Unamos, pois, as nossas forças e, cada dia mais fiéis ao Evangelho, procuremos, por
modos cada vez mais eficazes para alcançar este fim tão alto, cooperar fraternalmente no serviço da
família humana chamada, em Cristo, a tornar-se a família dos filhos de Deus.
Voltamos também o nosso pensamento para todos os que reconhecem Deus e guardam nas suas
tradições preciosos elementos religiosos e humanos, desejando que um diálogo franco nos leve a
todos a receber com fidelidade os impulsos do Espírito e a segui-los com entusiasmo.
Por nossa parte, o desejo de um tal diálogo, guiado apenas pelo amor, pela verdade e com a necessária
prudência, não exclui ninguém; nem aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem
ainda conhecerem o seu autor; nem aqueles que se opõem à Igreja, e de várias maneiras a perseguem.
Como Deus Pai é o princípio e o fim de todos eles, todos somos chamados a ser irmãos. Por isso,
chamados pela mesma vocação humana e divina, podemos e devemos cooperar pacificamente, sem
violência nem engano, na edificação do mundo na verdadeira paz".
Goudium et Spes, 92.
= 1 1 . 1 1 1 1 n 1 ~
Texto Complementar 15
Há aqui um uso analógico (contendo algo de semelhante, mas em maior grau diferente) da palavra
"sacramento". Antes d e mais, a expressão "sacramento" utiliza-se e m relação a Cristo c o m o
sacramento original, primordial, da salvação. Utiliza-se, depois, em relação à Igreja como sacramento
fundamental. A Igreja é a representação, a manifestação visível da presença ativa e em mistério de
Cristo; ela é o símbolo real, o sacramento fundamental da automunicação gratuita de Deus ao homem
e ao mundo em Jesus Cristo, e cada sacramento é um aspeto dessa manifestação. Finalmente, no
uso aliás mais comum, a palavra utiliza-se referida aos sete sacramentos como sinais atualizadores
da graça e da presença de Jesus, dom do Pai, pela ação do Espírito, celebrados na Igreja, comunhão
de batizados. Esta consciência do uso analógico da expressão ajuda a compreender que não há lugar
para aplicar a Cristo e à Igreja como "sacramentos" todos os traços que se verificam em concreto nos
sete sacramentos.
1
ar
Texto Complementar 16 1 1 1 1 1 1 1 1 . 1 1 . 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 . 1 1 . 1 1
"A universalidade da salvação em Cristo não significa que ela se destina apenas àqueles que, de
maneira explícita, creem em Cristo e entraram na Igreja. Se é destinada a todos a salvação deve ser
posta concretamente à disposição de todos. É evidente, porém, que, hoje como no passado, muitos
homens não têm a possibilidade de conhecer ou aceitar a revelação do Evangelho, e de entrar na Igreja.
Vivem em condições sacio culturais que o não permitem, e frequentemente foram educados noutras
tradições religiosas. Para eles, a salvação de Cristo torna-se acessível em virtude de uma graça que,
embora dotada de uma misteriosa relação com a Igreja, todavia não os introduz formalmente nela,
mas ilumina suficientemente a sua situação interior e ambiental. Esta graça provém de Cristo, é fruto
do Seu sacrifício e é comunidade pelo Espírito Santo: ela permite a cada um alcançar a salvação com
a sua livre colaboração".
Redemptoris Missio, 10.
Iffir i ' M E E I
Texto Complementar 17
"Certamente, a missão própria confiada
por Cristo à sua Igreja não é de ordem
política, económica ou social: o fim que
lhe propôs é, com efeito, de ordem reli-
giosa. Mas dessa mesma missão reli- á
giosa deriva um encargo, uma luz e uma
energia que podem servir para o esta-
belecimento e consolidação da comu-
nidade humana segundo a lei divina. E
também, quando for necessário, tendo
em conta a s circunstâncias d e tempo
e lugares, pode ela própria, e até deve,
suscitar obras destinadas ao serviço de
todos, sobretudo dos pobres, tais como
obras caritativas e outras semelhantes"
Goudium et Spes, no 42; cf. ainda GS, no 40;
Evongelii Nuntiondi, n " 18 e 31; Redemptoris Missio, n " 11;
C o t o s in Veritote, no 11; A p o s t o u = Actuositotem, n " 2 e 5.
OTexto
r " Complementar
i l l i l l . 18
"Com a mensagem evangélica, a Igreja
oferece u m a força libertadora e cria-
dora d e desenvolvimento, exatamente
porque leva à conversão do coração e
da mentalidade, faz reconhecer a digni-
dade de cada pessoa, predispõe à soli-
dariedade, ao compromisso e ao serviço
dos irmãos, insere o homem no projecto
de Deus, que é a construção do Reino de
paz e de justiça, já a partir desta vida". «A Primeira Comunhão». Pablo Picasso pintou, em 1896, um momento da euca-
Redemptoris Missio, 59. ristia em que a sua irmã Lola comungou pela primeira vez. Picasso tinha, então,
quinze anos. A obra encontra-se no Museu Picasso, em Barcelona.
. 111 = M I L
«Regresso do Batizado», Hubert Salentin (Alemanha, 1822-1910), Vistoria and Albert Museum, Londres.
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Desde os primeiros tempos, e sobretudo em relação com a celebração do batismo, os discípu-
los de Jesus procuraram expressar e transmitir o essencial da sua fé em fórmulas breves, com
valor normativo para a comunidade dos crentes:
"Creio em Deus Pai todo poderoso, Criador do Céu e da Terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho,
Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu
sob Pdricio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao
terceiro dia, subiu aos Céus, está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, donde há de vir julgar
os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja católica, na comunhão dos santos, na
remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna".
Espírito Santo. Estamos assim diante da estrutura essencialmente trinitária do Credo. Tendo em
conta essa estrutura trinitária, podemos sublinhar em termos confessionais (de conteúdo da
confissão de fé) como elementos nucleares, essenciais, os seguintes:
a) Cremos em Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo e que na sua dedicação amorosa
à humanidade se manifestou de forma plena e definitiva no Filho, Jesus de Nazaré. Quando
dizem acreditar em Deus Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra, os cristãos não falam
de um Deus distante e separado do mundo e da sua vida, por mais transcendente que Ele seja
face à realidade do mundo e à nossa condição de criaturas, mas do Mistério d'Aquele que
como Criador e Salvador é o fundamento primeiro da nossa vida, um Deus que se mani-
festa nos acontecimentos da história e que se revela num agir iluminado pela sua Palavra.
Em Jesus, Deus é verdadeira e definitivamente o Deus connosco, um "Deus humaníssimo"
(E. Schillebeeckx), um Deus que nos quer definitivamente como "filhos no Filho" (cf. Rm 8,14-17).
b) A fé não é um acreditar vago, geral, em determinados conteúdos, mas, antes de mais, ade-
são a uma Pessoa, Jesus Cristo como revelação do amor definitivo e salvador do Deus Uno
e Trino:
"Nós cremos no amor de Deus - deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamentai da sua
vida. No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um
acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo".
Bento XVI, Deus Caritos Est, 1.
Assim, os cristãos não só falam de um "Deus pessoal", mas percebem que o seu falar de Deus
tem que ver decisivamente com uma história de relação, com a descoberta e o acolhimento de
Alguém que instaura uma relação dialógica connosco na história que vivemos, a nível pessoal e
comunitário, um Deus a quem Jesus chama "Pai".
c) Para entendermos e expressarmos melhor quem é verdadeiramente Deus no seu Mistério e
qual é o sentido do viver humano à luz da fé temos de ir ao Evangelho de Jesus, que nos indica
como determinante a relação indissolúvel entre o amor a Deus e ao próximo. O autêntico amor
a Deus não pode realizar-se à margem do concreto amor ao próximo (cf. 1 Jo 4,19-21). Passa
por aqui p o r fazer a vontade de Deus na atenção dedicada ao outro — o caminho decisivo da
salvação como dom de Deus e realização de vida humana feliz.
d) Acreditamos que Deus é Pai e Criador de todos os homens e mulheres que vieram e vêm
a este mundo. O Deus em que os cristãos acreditam não é realidade exclusiva deles, mas um
Deus que, no seu Mistério de Amor, abraça toda a humanidade e se dirige a ela. Na força do
Espírito de Jesus (e do Pai) é possível a todo o ser humano entrar em relação autêntica, no aco-
lhimento do sentido mais profundo do seu viver e do seu morrer, com o Mistério que nós cha-
mamos Deus (cf. OS, no 22).
e) Dentro da estrutura trinitária já assinalada, a terceira parte do Credo afirma especifica-
mente a nossa fé nos frutos da ação renovadora e transformadora do Espírito Santo no
mundo e no coração das pessoas, com horizontes de eternidade. A Igreja é posta em rela-
ção com o Espírito Santo e sua ação na história, do mesmo modo que o batismo, o perdão dos
pecados e a ressurreição dos mortos. Tem-se em vista o acontecimento de vida que é a ação
do Espírito Santo em todas as suas consequências.
f) Na formulação do Credo Niceno-Constantinopolitano (381) professamos, neste contexto, a
nossa fé na Igreja una, santa, católica e apostólica. Trata-se de uma das maneiras mais den-
sas de falar do mistério da Igreja. Nestas quatro "notas" da Igreja emergem aquelas caracterís-
ticas ou dimensões da Igreja, nas quais se manifesta a relação estrutural da Igreja com o misté-
rio de Cristo que está na sua origem e a sustenta. Por isso mesmo, elas constituem realidades
intimamente unidas entre si e interdependentes. Por outro lado, estas dimensões aparecem,
simultaneamente, como dom ligado ao próprio acontecimento da Igreja enquanto fruto do
agir salvífico de Deus e como tarefa a cumprir ao longo da história em termos de fidelidade
na existência dos crentes e no modo como a Igreja no seu conjunto se estrutura e procura
viver. São, assim, realidades simultaneamente presentes e, ao mesmo tempo, sempre também
objeto de esperança escatológica no que se refere à plenitude da sua realização15.
"Esta unidade, desde o início Cristo a concedeu à sua Igreja. Nós cremos que esta unidade subsiste
inamissível na Igreja católica e esperamos que cresça de dia para dia até à consumação dos séculos".
Unitatis Redintegratio, 4.
A unidade da Igreja é vista, pois, como dom irrevogável que permanece apesar da e para além
da realidade das divisões cristãs, dom ligado ao caráter definitivo do acontecimento Jesus
Cristo e ao significado que a Igreja tem nesse acontecimento.
Isso não quer dizer que a divisão dos cristãos não questione a consciência católica e não afete
a sua vivência da unidade (cf. UR, nos 3 e 7). Essa divisão constitui mesmo uma "ferida" que afeta
a plenitude da universalidade que a igreja católica crê possuir e que é chamada a viver e a tes-
temunhar. Trata-se, no entanto, de uma "ferida", não no sentido de que ela esteja privada
completamente da sua unidade, mas de uma realidade que constitui obstáculo para a rea-
lização plena da sua catolicidade. Por isso, a partir desta identificação substancial entre Igreja
de Jesus Cristo e Igreja católica, a Igreja católica nunca se compreendeu teologicamente como
uma "Confissão" cristã entre outras, antes entende-se a si própria como sujeito histórico con-
creto da Igreja de Jesus Cristo.
Naturalmente que esta autoconsciência católica de ser a verdadeira Igreja de Jesus
Cristo nas circunstâncias da história não é uma afirmação exclusiva sua. Com a mesma
intensidade isso acontece, por exemplo, por parte das Igrejas ortodoxas. E mesmo nas outras
Comunidades eclesiais, por mais que esta questão possa ser enquadrada num horizonte de
compreensão algo diferente (ou seja, a acentuação da legítima pluralidade de diversas Igrejas e
Comunidades eclesiais a partir do próprio testemunho do Novo Testamento), há certamente a
convicção, pessoal e comunitária, de se estar a seguir o caminho mais adequado em termos de
verdade e de fidelidade ao Evangelho.
É preciso admitir, pois, que há neste aspeto elementos subjetivos da experiência pessoal
na vivência da fé. Isso é, a questão da verdadeira Igreja não é totalmente dirimível à margem da
própria confissão de fé e da consumação escatológica dessa mesma fé, Há aqui uma preten-
são que precisa de ser bem entendida: uma vez que, nesta matéria, entra sempre um elemento
subjetivo da experiência e história pessoais de vida eclesial e da confissão de fé, a convicção de
que na Igreja a que pertencemos se encontra a verdadeira Igreja que Deus quis realizada nesta
nossa história não é exclusiva da Igreja católica.
/- r P f r Concíli( 1 terrnoF
Sem pôr em causa a convicção católica acabada de referir o u seja, a consciência de uma
identidade substancial entre Igreja de Jesus Cristo e Igreja católica -, o Concílio Vaticano II
trouxe aqui uma nova perspetiva, ao afirmar, em LG, no 8, que a Igreja de Cristo "subsiste" na
Igreja católica:
De facto, uma versão primeira do texto da Lumen Gentium repetia, sem mais, a posição tradi-
cional, colocando "est" (a Igreja de Cristo "é" a Igreja católica) onde na redação final se lê agora
"subsistit" (a Igreja de Cristo "subsiste", "encontra-se" na Igreja católica). Com esta formula-
ção o Concílio procurou superar uma identificação pura e simples, exclusiva, entre Igreja
de Jesus Cristo e Igreja católica (romana). A reafirmação da unidade de princípio entre a
Igreja de Jesus Cristo e a Igreja católica permanece, mas esta convicção não impede o
simultâneo reconhecimento dos valores de eclesialidade presentes nas outras Igrejas e
Comunidades eclesiais. A mudança na formulação foi precisamente justificada com a neces-
sidade de fazer concordar a afirmação da identidade entre a Igreja de Cristo e a Igreja católica
com a existência, fora da sua estrutura, de elementos eclesiais de santificação e de verdade nas
Igrejas e Comunidades cristãs separadas.
O Concílio reafirmou, assim, a convicção do papel singular da Igreja católica, mas superou
uma visão que excluía toda a eclesialidade fora do seu espaço. Tornou, assim, plausível em ter-
mos redacionais, a convicção tradicional católica (identidade substancial entre Igreja de Cristo
e Igreja católica) com a existência, fora dela, de muitos bens e riquezas da vida cristã e ecle-
siai. Tratou-se, pois, de reconhecer a presença, nas Igrejas e Comunidades cristãs não católi-
cas, de elementos eciesiais próprios da Igreja de Cristo, pelo que — como se veio a exprimir pos-
teriormente a Ut Unum Sint, no 13 — fora da Igreja católica não existe o "vazio eclesial" (cf. ainda
UUS, no 11).
A mudança de visão aqui sinalizada tem sido objeto de uma difícil receção dentro da
Igreja católica, pois há aqui um verdadeiro desenvolvimento dogmático, ainda que em con-
tinuidade com a doutrina precedente: a convicção católica não é abandonada, mas adro-
fundada à luz de novos dados, redimensionada, expressa de uma forma mais complexa, mas
também mais precisa, justa e verdadeira no que respeita à compreensão da eclesialidade das
Comunidades cristãs separadas. Com esta fórmula, o Concílio quis dizer que só na Igreja
católica a Igreja de Cristo continua a existir, em plenitude:
obe,
"Os elementos d e s t a Igreja, j á presente, existem,
incorporados na sua plenitude, na Igreja católica e, sem tal
plenitude, nas outras Comunidades, onde certos aspetos
do mistério cristão têm sido, por vezes, mais eficazmente
manifestados".
unum sint, 14.
«Penso que, desde a minha juventude, nunca perdi a intuição de que uma vida em comunidade pode ser um sinal dg que Deus é amor; só amor.
Pouco a pouco crescia em mim a convicção de que era essencial criar uma comunidade de homens decididos a dar toda a sua vida, e que procu-
rassem sempre compreender-se mutuamente e reconciliar-se: uma comunidade onde a bondade do coração e a simplicidade estivessem no cen-
tro de tudo.» Irmão Roger, Deus só pode amar, pág. 40.
Igualmente são de assinalar os progressos ecuménicos globais havidos nas últimas déca-
das no sentido de se pensar inequivocamente a unidade futura da igreja como uma uni-
dade visível que se tem de expressar em elementos doutrinais e institucionais básicos reco-
nhecidos e vividos em comum, ou seja, uma unidade na mesma fé, no reconhecimento mútuo
de ministérios, na celebração comum da eucaristia, no serviço fraterno que decorre das
exigências do Evangelho. Mas nunca se pode esquecer que a unidade da Igreja nas circuns-
tâncias deste mundo e como tarefa concreta vivida por pessoas e comunidades é um processo
histórico e uma grandeza diversificada e cheia de tensões, no qual a ação do Espírito emerge
no meio dos limites e falhas, avanços e retrocessos, buscas de fidelidade e infidelidades, por
parte dos crentes.
• 1 1 . 1 1 1 1 1 5 • . 1 ~ 11
"A nossa fé crê que a Igreja, cujo mistério o sagrado Concílio expõe, é indefetivelmente santa."
Lumen Gentium, 39.
"Na medida em que a santidade da Igreja se enraíza em permanência na santidade do Deus Uno e
Trino - assinala um texto do diálogo católico-luterano -, nós confessamos em conjunto que a Igreja é
indestrutível na sua santidade".
COMMISSION INTERNATIONALE CATHOLIQUE-LUTHÉRIENNE, "Eglise et justification. La compréhension de l'Église à la lumière de la doctrine de la
justification — 1993", in La Documentation Catholique 2101 (1994) no 149, p. 833.
7.3.2. O pec J na s e j a s q u ê
Reafirmando embora sem qualquer reserva a fé na santidade da Igreja, o Concílio Vaticano
mostrou-se, no entanto, mais consciente de que, na situação de peregrinação que a Igreja vive
a caminho da eternidade, a santidade é sempre uma santidade "imperfeita". Lê-se em Lumen
Gentium, no 48:
"Enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra em que habita a justiça (cf. 2 Pe 3,13),
a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem
temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem
as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus (cf. Rm 8,19-22)".
Mais ainda, reconheceu que a Igreja, contendo pecadores no seu seio, "simultaneamente
santa e sempre necessitada de purificação, exercito continuamente o penitência e a renovação"
(LG, no 8). O Concílio sublinhou, consequentemente, que a Igreja peregrina é chamada por Cristo
a uma "reforma perene":
'MEM
"Toda a renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação.
Esta é, sem dúvida, a razão do movimento para a unidade. A Igreja peregrina é chamada por Cristo
a essa reforma perene [perennis reformatio]. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita
perpetuamente desta reforma"
Unitotis Redintegrotio, 6.
É assim claro que falar da santidade da Igreja não é negar a existência de infidelidades e
de pecado no seu seio. A afirmação da fé não consiste em proclamar de forma "idealista" que
a Igreja é santa, alheando-se da facticidade histórica e dos dados empíricos quotidianos, mas
engloba, com realismo, o reconhecimento de que ela é ao mesmo tempo Igreja constituída por
pessoas pecadoras. Essa tensão dialética entre a santidade como dom vivido na fragilidade
de pessoas livres e nem sempre fiéis traduziu-se na expressão "Igreja santa dos pecadores"
(K. Rahner). É uma expressão que tenta manter a presença simultânea dos dois elementos (san-
tidade e pecado na Igreja), ainda que não estejam situados exatamente ao mesmo nível (há sem-
pre a prioridade do agir santificador de Deus sobre a ação pecadora dos seres humanos).
Sem deixar de ter presente esta prioridade, na receção do Concílio e num processo de ama-
durecimento da fé em termos de consciência histórica, tem vindo a verificar-se uma perceção e
uma sensibilidade mais apuradas para o facto de que a realidade da Igreja, sendo fruto da ação
de Deus e da liberdade humana, constituída por autênticos "santos" mas também por pessoas
pecadoras, não pode ser absolutizada nos seus elementos institucionais, nas suas realizações
práticas, na globalidade dos comportamentos dos seus membros, mesmo dos que exercem fun-
ções de maior responsabilidade. Antes, tudo nela está sujeito à "reserva escatológica" (ao juízo
definitivo de Deus) que abarca todo o existir crente, individual e comunitário. Nessa linha têm
surgido afirmações do magistério que chamam a atenção para as falhas e pecados cometidos
pelos membros da Igreja ao longo da história, com consequências que marcam profundamente
a Igreja e perduram no tempo (cf., por exemplo, a Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente,
da Igreja corno
«Batismo de Cristo», El Greco, Museu do Prado, Madrid. «Batismo de Cristo», Santa Casa da Misericórdia de Lisboa/
Museu de São Roque.
A C o m u n i , i e de Crentes em
'- tar- ' - a ' 1 F - ' à ' . doF
Dom de Deus e tarefa humana (pessoal e eclesial) como as outras notas da Igreja, a catolici-
dade fundamenta-se, antes de mais, no mistério de Deus Uno e Trino (comunhão plural) e no
plano salvífico único e universal de Deus, manifestado em Jesus Cristo a favor de toda a huma-
nidade (1 Tm 2,1-6; cf. Rm 3,29 s.; 10,12; Ef 4,4 ss). A Igreja está ao serviço desta vontade salví-
fica universal de Deus que, em Jesus Cristo, encontrou a sua expressão plena e definitiva e que
está presente e atuante no mundo pela ação do Espírito.
A catolicidade da Igreja é a expressão histórica de que o Espírito Santo, fonte de unidade
e de diversidade, constrói a comunhão assumindo, sem as destruir, as diversidades espe-
cíficas, as particularidades concretas da vida dos seres humanos no seu contexto existen-
cial próprio. Pela ação do Espírito Santo cruzam-se, assim, a base da catolicidade que brota
da pluralidade real das pessoas, com suas culturas, histórias e desafios próprios, com a fonte
primeira da catolicidade, enraizada na iniciativa livre e gratuita de Deus que chama as pes-
soas e as comunidades de acordo com as suas situações singulares. A catolicidade acontece
e exprime-se, pois, no encontro da plenitude dos dons salvíficos que nos são dados em Jesus
Cristo com a enorme amplitude de possibilidades que existem nos seres humanos, pessoas
interpeladas por situações histórico-culturais muito concretas e diversificadas.
Na vivência da catolicidade, como dom e tarefa que é, estão envolvidos diversos registos ou
dimensões. Catolicidade pede, antes de mais, busca permanente de fidelidade à identidade
da Igreja de Jesus Cristo no meio dos desenvolvimentos históricos, sentido da identidade
cristã mais plena face às nossas próprias realizações pessoais e comunitárias. Esta preocupa-
ção pela autenticidade fiei da Igreja na sua totalidade, esta referência à plenitude da existên-
cia cristã em Igreja, qualifica todos os níveis do viver eclesial: a catolicidade é tanto tarefa da
Igreja universal como da Igreja local, cada realização de Igreja e cada existência pessoal
têm de trazer em si a atitude mental e prática de abertura à catolicidade.
Catolicidade como fruto da ação do Espírito exige, ao mesmo tempo, sensibilidade atenta e
aberta às riquezas diversas que tecem o viver humano, tanto a nível individual como comu-
nitário. A capacidade de comunhão no meio das diversidades legítimas é uma das expres-
sões indispensáveis de autêntica catolicidade.
A catolicidade apresenta-se também como tarefa ecuménica. A experiência da divisão
confessional mostra que todos os cristãos, também os católicos, são afetados na possibilidade
de uma vivência mais autêntica e plena da catolicidade: com a realidade das divisões atuais per-
demos ou não conseguimos realizar coerente e convincentemente elementos importantes da
mais plena identidade da Igreja.
A Igreja é chamada, ainda e decisivamente, a ser católica no modo como entende a inten-
cionalidade fundamental da sua razão de ser e da sua missão. O testemunho do Evangelho
como proposta de salvação tem um horizonte universal, destina-se a ser concretizado em
todos os tempos e lugares, na transparência da sinalização do amor de Deus para com todos os
seres humanos. A catolicidade aparece assim como uma expressão e uma exigência da tarefa
missionária da Igreja.
A catolicidade tem de ser vivida, enfim, como afirmação da esperança cristã que aponta
para um horizonte final de comunhão e de reconciliação de toda a humanidade junto de
Deus. A Igreja é católica na medida em que traz consigo a esperança e a promessa de contri-
buir para a unidade de todo o género humano por caminhos de fraternidade, de justiça e de paz.
r-
Isto nada retira ao lugar específico, ao significado único, do ministério apostólico, do minis-
tério na continuidade do ministério dos apóstolos. De facto, na continuidade do testemunho
dos apóstolos e ao serviço da tradição apostólica há a sucessão no ministério apostólico,
sucessão em termos de ministério e missão (sucessão em sentido estrito). A sucessão epis-
copal histórica — sucessão dos bispos na continuidade do ministério apostólico — está ao ser-
viço da apostolicidade de doutrina, do testemunho verdadeiro do Evangelho em todas as suas
dimensões.
"A sucessão apostólica é, portanto, este aspeto da natureza e da vida da Igreja que mostra a
dependência atual da comunidade em relação a Cristo através dos seus enviados. O ministério
apostólico é, assim, o sacramento da presença atuante de Cristo e do Espírito no meio do Povo de
Deus, sem que seja minimizada por isso a influência imediata de Cristo e do Espírito sobre cada fiel".
COMMISSION THÉOLOGIQUE INTERNATIONALE, "Lapostolicité de l'Église et Ia sucession apostolique", in Ia Documentation Cotholique 1657 (1974), p. 617.
Texto Complementar 19
"A palavra grega «symbolon» significava a metade dum objeto partido (por exemplo, um selo), que
se apresentava como um sinal de identificação. As duas partes eram justapostas para verificar a
identidade do portador. O «símbolo da fé» é, pois, um sinal de identificação e de comunhão entre os
crentes. «Symbolon» também significa resumo, coletânea ou sumário. O «símbolo da fé» é o sumário das
principais verdades da fé. Por isso, serve de ponto de referência primário e fundamental da catequese".
CIC 188.
"Foram numerosas, ao longo dos séculos, e correspondendo sempre às necessidades das diferentes
épocas, as profissões ou símbolos da fé: os símbolos das diferentes Igrejas apostólicas e antigas (7), o
símbolo «Quicumque», chamado de Santo Atanásio (8), as profissões de fé de certos concílios [(Toledo
(9); Latrão (10): Lião (11) Trent° (12)] ou de certos papas, como a «Fides Damasi» (13) ou o «Credo do
Povo de Deus», de Paulo VI (1968)".
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