Você está na página 1de 4

Por Bruno Carazza

Mestre em Economia e doutor em Direito, é autor de "Dinheiro, Eleições e Poder:


as engrenagens do sistema político brasileiro" (Companhia das Letras)
Congresso conservador ou bolsonarista?
Perfil dos eleitos indica maior radicalismo na próxima
legislatura
10/10/2022 05h01
Atualizado 10/10/2022

A aliança entre o bolsonarismo e o Centrão sagrou-se vencedora na


eleição para a Câmara e o Senado. Para entender as implicações desse
movimento, no entanto, é preciso fazer um raio-X dessa composição de
forças da direita.

Somando-se os eleitos pelo PL, PP e Republicanos e colocando na conta


o União Brasil (que negocia uma fusão com o PP) serão 246 deputados e
35 senadores - o que representa 48% e 43% dos plenários de cada Casa
legislativa, índices bem próximos para se garantir maiorias.

Perfil dos eleitos indica maior radicalismo

A esquerda (PT/PCdoB/PV, Psol/Rede, PSB e PDT) terá 125 deputados e


13 senadores. É muito pouco: apenas 24,4% da Câmara e 16% do
Senado.

Quatro anos depois da eleição de Bolsonaro, o Congresso também dobrou


à direita, para citar o título do livro de Jairo Nicolau.

Para saber qual a margem que o próximo presidente terá para governar,
contudo, é preciso identificar se essa direita eleita é mais bolsonarista ou
apenas fisiológica, como o Centrão sempre foi.

Isso é importante porque, no caso de vitória de Lula, as chances de


implementação de sua agenda serão proporcionais à quantidade de
membros não-bolsonaristas do Centrão que ele vai conseguir atrair para
sua base.

Já na eventualidade de virada e reeleição de Bolsonaro, entretanto, a


possibilidade de aprovação de medidas radicais (como a alteração da
composição do Supremo a seu favor, com PEC ou impeachment de
ministros) cresce se o contingente de seus apoiadores mais fiéis for mais
robusto.
Comecemos a análise pelo Senado, que nos últimos quatro anos
constituiu-se na principal força de contenção das propostas mais
disruptivas do presidente no Legislativo. A lista dos 27 senadores eleitos
no domingo indica que essa barreira ameaça ruir graças ao bolsonarismo.

A bancada pessoal de Bolsonaro no Senado será significativamente


ampliada com a eleição de vários seguidores de longa data - como
Damares Alves (Republicanos-DF), Tereza Cristina (PP-MS), Magno Malta
(PL-ES), Marcos Pontes (PL-SP), Rogério Marinho (PL-RN), Hamilton
Mourão (Republicanos-RS) e Jorge Seif (PL-SC) - e de novatos, como
Cleitinho Azevedo (PSC-MG).

Eles se somam a um grupo sólido de bolsonaristas-raiz que já exerciam


mandato, como seu filho Flávio (PL-RJ), Carlos Viana (PL-MG), Marcos
Rogério (PL-RO) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS). A bancada pessoal de
Bolsonaro, portanto, é praticamente do mesmo tamanho de toda a
esquerda junta no Senado.

Na Câmara, há elementos para se suspeitar que o bolsonarismo mais


arraigado cresceu mais do que o Centrão fisiológico.

Em qualquer recorte que se faça, o partido de Bolsonaro é dominante.


Entre os 290 deputados federais reeleitos, o PL apresentou a maior taxa
de sucesso (81,4%) mantendo 58 integrantes.

Considerando os 90 detentores de outros cargos (prefeitos, vereadores,


deputados estaduais, governadores, etc.) que conseguiram uma vaga na
Câmara, o PL ficou em primeiro lugar (empatado com União Brasil e PT),
emplacando 12 novos membros.

E entre os 87 novos deputados federais que nunca haviam ocupado um


cargo legislativo, o PL também venceu, com 23 eleitos. Entre eles estão
bolsonaristas de carteirinha, como Nikolas Ferreira, Ricardo Salles,
Eduardo Pazuello, Alexandre Ramagem, Mário Frias, Maurício do Vôlei, o
caminhoneiro Zé Trovão, Roberto Monteiro (pai de Gabriel Monteiro, o
deputado estadual cassado no Rio de Janeiro) e tantos outros.

Um outro caminho para mapear o rumo que o Congresso vai seguir no ano
que vem está na identificação, entre os eleitos, de parlamentares
representantes de igrejas e de forças militares, dada a sua notória
identificação com a pauta conservadora e as bandeiras bolsonaristas.

Computando o número de parlamentares que, em alguma eleição desde


1998, se identificou como liderança religiosa (sacerdote, pastor, padre,
bispo, etc.) ou como militar (nas suas variadas patentes), constata-se que
as bancadas religiosa e militar vêm crescendo no Congresso nos últimos
pleitos.

De um total de 23 eleitos em 1998 (15 religiosos e 8 militares), o


movimento ganhou impulso a partir de 2014 (20 religiosos e 15 militares) e
2018 (23 religiosos e 29 militares). Neste ano, foram eleitos 22 deputados
ligados a igrejas e 38 integrantes das Forças Armadas e polícias civis e
militares - um recorde.

É importante notar, óbvio, que nem todo religioso ou militar é


necessariamente conservador, de direita ou bolsonarista. Porém, dos 60
novos deputados eleitos com essas vinculações, apenas quatro pertencem
a partidos da esquerda (PT e Psol).

E quem está na frente das recém-eleitas bancadas da Bíblia e da “bala”? A


resposta você já deve imaginar: Jair Bolsonaro, cuja legenda abrigará
quase a metade (27 de 60) desses deputados evangélicos e militares que
tomarão posse em 2023.

Outra maneira de medir a força do bolsonarismo como movimento político


é acompanhar o desempenho eleitoral dos 52 deputados federais eleitos
pelo PSL na onda bolsonarista em 2018.

Quatro anos depois, 24 acompanham Bolsonaro no PL, sendo que 15


foram reeleitos (62,5% de sucesso). Entre os 28 que ficaram no União
Brasil depois da fusão com o DEM ou se dispersaram por outras siglas, 6
conseguiram se reeleger (21,4%).

Meu amigo Alexandre Goldschmidt tem uma hipótese interessante sobre


essa tendência e suas implicações futuras. Ao comparar os desempenhos
da bolsonarista Carla Zambelli (reeleita com 946.244 votos) e de Joice
Hasselmann - que após romper com o presidente obteve apenas 13.679
votos -, ele argumenta que o apoio irrestrito a Bolsonaro foi uma estratégia
vencedora nesta legislatura que se encerra.

Dada a nova configuração do Congresso, com fortes evidências de


crescimento do bolsonarismo, o risco da atual legislatura é que,
independentemente da vitória de Lula ou de Bolsonaro, o efeito Zambelli-
Hasselmann reforce ainda mais a radicalização à direita na política
brasileira.

____________________________________________________________
________

Cometi um erro e uma indelicadeza ao afirmar, na coluna do dia 03/10,


que Teresa Surita era esposa de Romero Jucá. Divorciados há mais de
uma década, registro aqui a correção e meu pedido de desculpas à ex-
prefeita de Boa Vista.

Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de


“Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
(Companhia das Letras)”. Escreve às segundas-feiras
E-mail: bruno.carazza@gmail.com

Você também pode gostar