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/opare “% A tT PR ere) ERT PE ec cre brasileira: ori Ad site geo O BARROCO BUVIDOSO Essa tarefa, ao que se pode imaginar, tera sido facilitada pela reserva que o autor da Formagéo, simptico a uma “literatura emi- nentemente interessada” (1,18), ainda que menor (“pobre” ¢ “fraca”, 1,10), manifesta quanto ao aspecto auto-reflexivo e Iidico da obra literéria, pondo-nos de sobreaviso, sem- pre que vem a calhar, quanto a incomunica- bilidade perante os leitores, que resultaria da conversao da arte em “mera experimentacdo de recursos técnicos” (1,28); ou, ainda, aler- tando-nos contra as “pretensdes excessivas do formalismo”, que importariam, “nos casos ex- tremos, em reduzir a obra_a problemas de linguagem, seja no sentido amplo da comuni- cagdo simbélica, seja no estrito da lingua” 6,33). Essa atitude de suspeigdo ird depois inspi- rar, na Presenga (1,15-16), a relutincia, as hesitagGes judicativas, na abordagem do Bar- ‘aco brasileiro. Ni imeira apreciagio general perfodo se- das como pou- co originais nc (“Mas 0 Gio literdria, € imitagdo ou transposigao”). A seguir, o erftico - 0s criticos, pois a obra é de co-autoria, - se mostram dispostos a ressalvar, “parcialmente”, o “sentimento nativista” ou a “lenta definigéo de uma consciéncia critica” (vale dizer, aquilo que, em nosso Barroco, a despeito de sua alegada fragilidade no plano estético, poderia j4 anunciar caracteristicas que mereceriam destaque no projeto roman- tico-nacionalista...). Esse jufzo avaliativo, marcado pela cautela e pela difidéncia, no qual parece mesmo insinuar-se (no matiz de- preciativo de termos como “imitagéo” ¢ “iransposicéo”) algo do argumento silvioju- lista do “plagio”, a esta altura dos estudos intertextuais dificilmente sustentével™, de- safoga-se mais completamente quando tem em mira um poeta consideravelmente menos importante do que Gregério, mas de inega- veis méritos artesanais, Botelho de Oliveira. Deixa-se entdo exprimir claramente como re~ jeicdo: “Estamos, antes, no Ambite do Barro- co vazio e malabaristico, contra 0 qual se erguerdo os Arcades, ¢ que passcu a posteri- dade como indice pejorativo da época” (LS, 4-112). Lima rejeigdo que nao vacila e i sem critica, aos termos de ui tiondvel: gangerismo igual a max gosto, estilo rebuscado € oco. (Lei bete “culteranismo” no Diccionario Ih ; -ual da “Real Academia Espajiola”, edigi de 1950 da Espasa Calpe: “Sistema dos eu'sera- nos ou cultos, que consiste em ndo expressar com naturalidade e simplicidade os « vnceitos, mas sim falsa e amaneiradamente, por meio de vozes peregrinas, construgées rebuscadas e violentas, e estilo obscuro e afetado”). Onde reconhecer, nas passagens citadas, 0 critico que faz o elogio da “gratuidade” (1,27)? A “gratuidade que dé asas a obra de arte”, da qual seriam carentes os autores bra- sileiros, sobrecarregados, ao invés, de “fideli- dade documentaria ou sentimental, que vin- cula a experiéncia bruta”. B que a essa re- flexdo ainda acrescenta: “Alias, a coragem ou espontaneidade do gratuito € prova de ama- durecimento, no individuo ¢ na civilizagao; AS povos jovens ¢ aos Mocos, parece traigdo ¢ fraqueza.” . B, porém, o mesmo critico quem, num mo- yimento antiteticamente pendular em rela- doa esse lonvor do “gratuito” enquanto fator criativo, nega a existéncia em nossa Jiteratura, “até 0 Modernismo”, de “esctitor realmente 48 dificil, a ndo ser a dificuldade facil do rebus- camento verbal” (LS, 101). Que quer dizer exatamente esta f6rmula? O Pe. Vieira, com seu “discurso engenhoso”®”, é escritor facil? Sousindrade o €? Buclides é facil? Ou todos eles sao “falsos requintados”, como o foram, “mutatis mutandis”, para a critica adversa do tempo, Gdngora, 0 “anjo das trevas”, 0 “monstruoso” Hoelderlin das tradugées sofo- clianas, Mallarmé, 0 “obscuro”... O éxito co- municativo do Euclides diffeil (ou, em outros termos, o de Augusto dos Anjos), torna-os, 2 uum como outro, pseudo-requintados no sen- tido pejorative do verbalismo vansloquo? To- do esse argumento, por outro lado, nao eluci- daria a desconfianga do autor da Formagio quanto as rebuscas do estilo barroco, na épo- ca mesma da revalorizagao hispanica ¢ ibero- americana desse estilo? Para a visio armada de um critico que distingue com lucidez. entre uma “arte de agregagio” ¢ uma “arte de segregagio” (LS, 27); que sustenta: “a prépria literatura her- mética apresenta fendmenos que a tornam to social, para 0 socidlogo, quanto a poesia politica ou © romance de costumes” (LS,25)), que afirma: “Os artistas incom- 49 preendidos, ou desconhecidos em seu tempo, passam realmente @ viver quando a posteri- dade define afinal o seu valor. Deste modo 0. pliblico € fator de ligagdo entre o autor easua prépria obra” (LS, 45); que, finalmente, sus- tenta a “precedéncia do estético, mesmo em estudos literarios de orientagao ou natureza hist6rica” (1,16-17); para a visio armada desse critica, no deve ter sido uma decisdo simples rasurar a diferenga do Barroco (e, comesse gesto, “economizar” todo Seiscen- tos) no seu modelo de explicagdo da formacdo de nossa literatura. Tanto mais que 0 Barroco — endo apenas entre nds ~ foi, a seu modo, uma arte da comunicagao lidica, do compro- metimento persuasivo, como também da afe~ tividade erdtica e da desafeigdc satfrica, am- bas formas de afetar um puiblico de destinaté~ rios bastante corpéreos; nao por nada Gregé- slo despertou 6dios foi “despachado” para ‘Angola®. A nogdo quantitativa de piiblico rarefeito, a época da produgao da obra, nao parece ter aqui, no seu determinismo “objeti- sta”, suficiente peso de convencimento. So- bretudo quando, para além do perfodo colo- nial, as re tor e “grande pa- blico” em nos: das, emble Se mos também de “auséncia” (LS, 101): “E que no Brasil, embora exista tradicionalmente uma literatura muito acessivel, na grande maioria, verifica-se a auséncia de comunica- gio entre o escritor e a massa” (...) “Com efeito, o escritor se habituou a produzir para plblicos simpaticos, mas restritos, ¢ a contar com a aprovagao dos grupos dirigentes, igual mente reduzidos. Ora, esta circunstancia, lie gada A esmagadora maioria dos iletrados que ainda hoje caracteriza o pafs, nunca Ihe per- mitiu diélogo efetivo com a massa, ou com um piblico de leitores suficientemente vasto pa- ra substituir o apoio e o estimulo das peque- nas élites.” Pergunta-se entdo: guardadas as proporgdes, 0 que teré mudado essencial- mente em nosso “sistema literdrio”, desde as “alas € esparsas manifestagdes sem resso- nancia” de nossa pré-literatura assistémi- ca? O fato de Gregorio, sem prejuizo de ter “permanecido na tradigio local da Bahia”, nao ter sido redescoberto senao no Roman- tismo (1,24), ndo é também argumento irres- pondfvel para quem ndo entretenha uma concepede linear e finalista da historia titerd- ra quem ndo a veja da perspectiva do antes como o movimento esteja mais interessado nos momentos de rup- tura transformagio (indices sismogréficos de uma temporalidade aberta, onde o futuro j4se anuncia) do que nos “momentos decisi- vos” (formativos numa acep¢do retilinea de escalonamento ontogenealégico) encadea- dos com vistas a um instante de apogeu ou termo conclusivo. Da perspectiva dessa tem- poralidade nao restrita™, 0 caso Gregério, enquanto hiato no horizonte recepcional, nao difere fundamentalmente do caso Géngora, na Espanha; do caso (ainda irresolvido e sem resgate) do Barroco portugués™; dos casos Caviedes e Hernando Dominguez Camargo na América Hispfnica, para ficar nesses exemplos de todo em todo expressivos. Paga- ‘mos a propésito um excurso. A“gongorofobia”, o horror a Géngora, tra- duzido em “auséncia” (“menosprezo e igno- rancia”) do poeta das Soledades, durou, no sinimo, dois séculos na literatura espanhola; 0 século XVI, que “reage em direcio ao racionalismo, asobriedade”, ¢ no qual “apoe- sia se converte em prosa”; ¢ 0 século XIX, “total, absolutamente refratario a Géngora”. Bo que afirma Gerardo Diego, em sua intro- dugio a Antologia Poética en Honor de Gén- 52 gora, publicada em 1927, na ocasiao do tercei- to centenario da morte do poeta.©” O auge do proceso de rejeigéo ocorreu, segundo Diego, entre “1850-1900, época da mais triste indigéncia, triunfo da gongorofobia oficial”, até que o resgate (0 novo desdobramento, agora favordvel, da hist6ria receptiva da poe~ sia gongorina) comega a apontar com 0 grande renovador das letras hispano-ameri- canas, Rubén Dario, precedido pelos simbo- listas franceses (que encontravam analogias entre GOngora e Mallarmé...). Ainda na His- toria de la Literatura Espafiola de Juan Hur- tado de la Serna e Angel Gonzdles Palencia, professores da Universidade de Madri, publi- cada em 1921, pode-se ler: “Gongora acabou sendo, por suas poesias de mau gosto, 0 cori- feu do culteranismo, defeituoso amaneira- mento literdrio, chamado assim por se dirigi- rem essas poesias a leitores cultos € ndo ao vulgo (...) © culteranismo foi um vicio Titeré- rio relativo A expresso ou & forma que se caracterizou pelo amaneirado, rebuscado € pedantesco da linguagem; pelo empolado € afetado da frase; pela introdugao de muitas palavras novas (tomadas preferentemente do latim e do italiano); pela violéncia do hipér- ato; pelas alusdes mitoldgicas, historicas e 53 geogrdficas, ndo ao mais conhecido, porém ao mais recOndito, e pelas metdforas extrava- gantes. Ha, portanto, falta de simplicidade, propriedade e clareza na expressdo; reunia, assim, o culteranismo os inconvenientes de duas decadéncias literdrias: a decadéncia alexandrina ¢ a decadéncia trovadoresca.”* Eis, em sua forma exemplar (inclusive porque busca antecedentes histéricos em outras fases de “degeneracio” ou “decadéncia”), 0 cliché da rejeigdo, com todas as notas distin tivas que o lexicalizaram em verbete, para uso de manuais, antologias e diciondrios. Nesse sentido é que se deve entender a stimula de Otto Maria Carpeaux: “Apés trés séculos de caliinia ¢ desprezo da parte dos académicos € professores, desprezo que se refletiu até no adjetivo popular ’gongérico’, Géngora cele- brow uma ressurreicdo vitoriosa, o que tornow antiquados todos os velhos manuais de litera- tura espanhola e universal.” (No mesmo estu- do, Carpeaux se refere 3 analogia entre Gén- gora e John Donne: “O destino dos dois poe- & exatamente o mesmo. Durante trés sé- , Donne foi caluniado e desprezado p 38 aoadémicos e professores, ao panto 4 esaparecer © seu nome dos marr sria literdria. Parece que Ger foi o primeiro a reconhecer, sendo a significa- gio, pelo menos a importancia do mais com- plicado poeta da lingua inglesa.”)™, O caso de Gregorio de Mattos, o “Boca do Inferno”, é, por sua vez, muito semelhante ao do poeta peruano Juan del Valle Caviedes, 0 “Diente del Parnaso”. Segundo nos informa o seu mais dedicado estudioso contempora- neo, Daniel R. Reedy, Caviedes “escreveu a maior parte de suas poesias durante o tiltimo quartel do século XVIL, porém grande nime- ro delas nao se publicaram sendo quase dois séculos depois, quando Manuel de Odriozola, ajudado por Ricasdo Palma, as incluiu no tomo V dos Documentos Literarios del Peru (1873)." Conforme Enrique Anderson Im- bert, os versos do “Diente del Parnaso” (alu- sdo a seu estilo mordaz: “mordiscos de mi diente”, dizia) “nao se publicaram nem em vida nem nos anos imediatos a sua morte, mas se conheciam bem. (...) Sua poeisa - satfrica, mas também religiosa e Hfrica - é das que tm maior frescor no Peru colonial. Sem dt ida ocupara um lugar mais destacado do que aquele que the dao as historias literdrias - inclusive esta - quando se editem mel Ba dis- cutivel, de inexisténcia de manuscritos aut6- grafos, também ocorrem com Caviedes. Opi- na Raimundo Lazo: “Tudo em sua vida tende a fazé-lo poeta popular, antiacadémico, de cuja obra inédita, divulgada oralmente, citam os erfticos, como conservadas, sete c6pias ma- nuseritas, algumas das quais serviram para as edig6es de Manuel Odriozola (Documentos, V. Lima, 1873), Ricardo Palma (Fior de Aca- demias y Diente del Parnaso, 1899) e Rubén Vargas Ugarte (Obras, Lima, 1947)."“ Fo- calizando 0 nosso Gregério de Mattos no contexto do Barroco ibero-amiericano, 0 j4 mencionado Daniel R. Reedy conclui: “A im- portancia das obras de Mattos transcende a sua Obvia significagdo como reflexdes acura- das sobre a vida brasileira do século XVII. Seu mérito como poeta pode ser encontrado no talento artistico que lhe permitiu expres- sar-se em sua poesia religiosa ¢ amorosa, bem como em seus poemas de satira social. Emseu pats, ele € inquestionavelmente o primeiro poeta de importdncia maior e, com Sor Juana Inés de la Cruz e Juan del Valle Caviedes, Mattos deve ser considerado como um dos trés preeminentes poetas do Novo Mundo nesse perfoda."* 56 Nao muito diferente do destino de Ca- viedes ¢ Gregorio, € 0 do poeta colombiano Hernando Dominguez Camargo, assim resu- mido por Guillermo Hernandez del Alba nu- ma “Liminar” 4 edigdo do volume dedicado a sua vida e obra: “Em resumo: sua obra literé- ria, quase desconhecida em vida do artista, deu-lhe fama péstuma, logo enfraquecida; re- vive-a em Santa Fé de Bogoté ao finalizar 0 século XVHI 0 bibliotecdrio Manuel del So- corro Rodriguez; em tom menor passa as pa- ginas eruditas de José Marfa Vergara y Ver- gara, historiador da literatura em Nova Gra- nada, de quem se fazem eco-varios comenta- ristas pouco favordveis a Dominguez Camar- go, até chegar agora, depois do novissimo ensaio reavaliador de Fernando Arbeléez (1956), & exata apreciacio de sua obra e a receber a homenagem de quantos saberdo regozijar-se diante de tao dilatado horizonte irico iluminado pelo génio e o engenho do melhor poeta gongorino florescido na Amé- rica.” Nesse poeta, disse Lezama Lima, “o gongorismo, signo muito americano, aparece com uma apeténcia de frenesi inovador, de rebelido desafiante, de orgulho desatado , que o leva aexcessos luciferinos para obter dentro 57 do cénon gongorino, um excesso ainda mais excessivo que os de Don Luis..." Todos esses poetas - Gregério, Caviedes, Camargo - teriam inexistido em “perspectiva historica”? Géngora ficou obliterado ou excluido da convivéncia literéria por mais de dois séculos. Entre a morte de Gregério (1695) ¢ 0 Parna- s0 Brasileiro, de Janudrio da Cunha Barbosa, em cujo 22 vol. (1831) j4 aparecem versos seus, medeiam 136 anos; 155 entre aquela data ¢ 0 Florilégio de Varnhagen (1850); 187 se a referéncia for A edigio Vale Cabral das Obras Poéticas (1882). Nesse interregno, além da fama na tradi oral da Bahia, a “coleta manuserita” de seus poemas (que, se- gundo Anténio Houaiss, “deve ter comegado cedo sob todos 0s aspectos, mas por terceiros, ja que parece improvavel que do proprio Gre- gorio”), constituiu-se através dos apégrafos. “A tradigao manuscrita pode ser sustentada, assim, 20 longo do século XVILE, quando Gre- gério jé nfo existia” (..) “Trata-se de apogra- fos que ‘queriam’ guardar Gregério de Mi tos, apdgrafos que, lidos episodicamen! t éneia de a se trata: Fortleben, como diz Walter Benjamin quando fala da sobrevi- véncia das obras literérias para além da época que as viu nascer.“” POR UMA HISTORIA CONSTELAR A histéria literaria, renovada pela estética da recepedo, deve, segundo Jauss, conter uma “fungao produtiva do compreender progres- sivo”. Cabe-lhe fazer a critica tanto dos pro- cessos de inclusio (a constituicdo da “tradi- ao”), como dos processos de exclusdo (a cri- tica do “olvido”). Assim, pode-se concluir, nao the sera dado aceitar simplesmente 0 sentimento do passa- do enquanto “lugar comum”, como, ao invés, parece sustentar a Formagio (1,11), onde se Ié: “Quando nos colocamos ante um texto, sentimos, em boa parte, como os antecessores imediatos, que nos formaram, ¢ os contempo- rAneos, a que nos liga a comunidade de cultu- ra; acabamos chegando a conclusées pareci~ “das, ressalvada a personalidade por um pe- queno timbre na maneira de apresenté-las.” Nietzsche j4 nos alertava com relagdo a essa aceitagdo resignada da tradigdo como se fora uma segunda natureza (atitude que vé, na busca da originalidade, uma “ilusdo”; loc. cit.). Lé-se em Aurora: “Por tras dos senti: mentos hd jufzos e estimativas de valor que nos foram legados na forma de sentimentos 60 (propensées, aversGes). A inspiragio que provém do sentimento € neta de um jufzo - muitas vezes de um juizo falso - e, em todo caso, nao de teu proprio juizo. Confiar emseu isto significa obedecer mais ao seu avé € A sua avd, € aos avés deles, do que aos deuses que esto em nés: nossa razio € nossa experiéncia.”“” Nessa ordem de idéias, argumentando agora com Jauss e Starobinski, épreciso que a interpretagdo critica nao anule a “fungio diferencial” da obra, sua “fungao transgressora”. A erftica nao deve, portanto, excluir a excecdo evassimilar 0 dessemelhante em favor da constituigao de um cAnon imutd- vel de obras, tornado aceitével e convertido em patriménio comum: deve, antes,“ manter a diferenca das obras enquanto diferenga” e, assim, “pér em relevo a descontinuidade da literatura em relagéo 4 histéria da socie- dade.” “& sabido que a tradigdo - entendida como passado vivo - nunca se nos dé feita: € uma criagao”, escreve Octavio Paz em “Homenaje a Sor Juana Inés de la Cruz en su Tercer Centenario”, ensaio de 1951, que preludia o seu grande livro de 1982 sobre a autora de Primero Suefia,) 6 De fato, se pensarmos, com Walter Beaja- min, que “a hist6ria € objeto de uma constru- Gio, cujo lugar ndo € 0 tempo homogéneo e vazio, mas antes um tempo carregado de ago- ridade”; se entendermos que “€ irrecuper4- vel, arrisca desaparecer, toda imagem do pas- sado que ndo se deixe reconhecer como signi- ficativa pelo presente a que visa”; se ponde- rarmos que “articular historicamente o passa- do nao significa reconhecé-lo como ele de fato foi”, teremos conjurado, por um lado, a “ilu- so objetivista” e, por outro, a “ilusdo positi- vista” do encadeamento causal dos fatos co- mo aval de sua historicidade. Compreenderemos, entdo, que uma coisaé adeterminacéo, objetivamente quantificdvel, do primeiro piblico da obra, outra a hist6ria de sua recepgio. Que envolve fases de opaci- dade ou de prestigio, de ocultacdo ou de re- vivescéncia, Que nao se alimenta do substan- cialismo de um “significado pleno” (hiposta- siado em “espfrito” ou “caréter nacional”), rastreado como culminagao de uma origem como processo conclusivo, do que como pro- cesso aberto. Uma hisiéria onde relevem os momentos de ruptura € transgressfio e que entenda a tradigéo ndo de um modo “essen- cialista” (“a formacdo da continuidade liter4- ria, - espécie de transmissao da tocha entre corredores, que assegura no tempo o movi- mento conjunto, definindo os lineamentos de um todo”, como ela € concebida na Forma- co, I, 24), mas como uma “dialética da per- gunta e da resposta”, um constante e renova- do questionar da diacronia pela sincronia. A ORIGEM VERTIGINOSA Nossa literatura, articulando-se com o Bar- roco, nao teve infincia (in-fans, 0 que nao fala), Nao teve origem “simples”. Nunca foi in-forme. J4 “nasceu” adulta, formada, no plano dos valores estéticos, falando 0 cédigo mais elaborado da época. Nele, no movimen- to de seus “signos em rotagéo”, inscreveu-se desde logo, singularizando-se como “diferen- ca”. © “movimento da diferenca” (Derrida) produz-se desde sempre: nic depende da “encarnacio” datada de um LOGOS auroral, que decida da questo da origem como um sol num sistema heliocéntrico. Assim também a maturidade formal (¢ critica) da contribuigao gregoriana para a nossa literatura nao fica na dependéncia do ciclo sazonal cronologica- mente proposto pela Formagio. Anterior ¢ exterior aesse ciclo, poe em questdo a propria idéia gradualista que o rege. Nossa “origem” liter4ria, portanto, nao foi pontual, nem “sim- ples” (numa acepgdo organicista, genético- embriondria). Foi “vertiginosa”, para falar agora como Walter Benjamin, quando reto- maa palavra Ursprungem seu sentido etimo- l6gico, que envolve a nogio de “salto”, de “transformacdo”. 64 Gon; +a e Quevedo, e antes de ambos Camées, que a0s dois influenciou ¢ j4 anun- ciava (0 c6digo barroco, nao abolem a contribuigio diferencial - as di-fe- réncias chamadas Greg6rio de Mattos, Ca- viedes, Dominguez Camargo, Sor Juana Inés de Is“ ». Nesse sentido, no hé propria- me: “literaturas menores”, apassivadas dian:s do canon radioso, do “significado transcendental” das literaturas ditas “maiores”. Assim como os cAnones nao séo “eternos” € 0 belo € historicamente relativo, também nao ha falar em influéncia de mao inica, que nao seja reprocessada e rediferen- ciada no novo ambiente que a recebeu (como aponta Mukarovsky @ propésito da questéo da Titeratura dos “povos pequenos”)“. Nessa acepeio diferencial, o Barroco americano, come o definiu Lezama Lima, é uma “arte da contraconquista”. A esse processo chama- mos, desde Oswald de Andrade, “devoragao antropofagica”.° Da perspectiva de uma historiografia ndo- linear, néio-conclusa, relevante para 0 pre- sente de criagdo, que tenkia em conta os “edm- bios de horizonte” de recepeao € @ maquina- gio “plagiotropica” dos percursos obliquos € 65 das derivagées descontfnuas™; a pluralidade ea diversidade dos “tempi”; as constelagbes transtemporais (porém nao desprovidas de “historicidade”, como as vislumbrava Benja- min)©?; dessa outra “perspectiva hist6rica”, Gregério de Mattos existiu ¢ existe - viveu € pervive - mais do que, por exemplo, um Casi- miro de Abreu (“o maior poeta dos modos menores que 0 nosso Romantismo teve”, se- gundo a Formagao, If, 194), e que hoje quase 56 pode ser relido como Kitsch (veja-se a par6dia oswaldiana dos “Meus oito anos”); 0 frouxo e quérulo Casimiro que, tendo publi- cado As primaveras em 1859, foi contempo- rdneo exato de Baudelaire e de Sousan- drade... E com Gregério, com sua poesia da “fungdo metalingiifstica” ¢ da “fungao lidico- poética”, com sua postica da “salvagao atra- vés da linguagem” (Wisnik), que “sineroni- zam” ¢ “dialogam” o Jodio Cabral, engenheiro de poemas combinatérios, ou a vanguarda que, j em 1955, propugnava por uma “obra de arte aberta” por um “neabarroco”™®, E 0 legado de Gregério que reclamam, quase nos mesmos termos, Oswald de Andrade, fa i 40 um balanco de nossa fite- seguinte: “Gregério o nosso primeiro poeta *popular’, com audiéncia certa no s6 entre intelectuais como em todas as camadas so- ciais, e consciente aproveitador de temas e de ritmos da poesia e da miésica populares; 0 nosso primeiro poeta ’participante’, no sent do contemporéneo; poeta de admirdveis r cursos téenicos; ¢ um barroco tipico: assim lador e continuador da experiéncia neoclassi- ca da Renascenga, sensualista visual, *fusio- nista’ (harmonizador de contrdrios), “fefsta’ (utilizando temas convencionalmente *feios’), amante dos pormenores, culteranista, conceitualista ete.” & ele quem agora res- suscita, como muito bem soube ver James Amado, falando em especial de Caetano Ve- Joso, na nova oralidade, lddica € sofisticada, dos “tropicalistas” baianos, neotrovadores da era eletrénica. Ainda que Greg6rio de Mattos tenha fica- do provisoriamente confinado na meméria local e na “tradigdo manuscrita” (que, toda- via, teve forcas para prolongar-se através dos séculos XVII e XVII); ainda que sé tenha sido resgatade em letra impressa cerca de 150 anos depois de sua morte; ainda que te- nha pesado renitentemente sobre sua rep tagdio a “morte civil” da acusacdo de “plagio”, aauséncia do poeta, num s~*'do mais funda- mental , foi meramente tual ou larvada (mascarada). Presente, como inscrigao em linha d’4gua, Gregério sempre esteve, no miolo do préprio cddigo barroquista de que ele foi operador excepcional entre nés. Um “estilo coletivo” ou“arquitetonico” (Gerardo Diego), que persistiu em tragos dbvios mes- mo na obra dos opositores nominais desse c6digo (os Arcades mineiros da tardo-barroca Vila Rica). Esse estilo insidioso, pervasivo, migrando para o interior do Romantismo, j4 convertido num repert6rio transepocal de recursos x- pressivos, 6 que explica, em proporgao pon- deravel, a insurreigdo aparentemente deslo- cada no tempo, regressiva ¢ progressiva, do Guesa sousandradino. Uma insurreigao contra a dominante comunicativa do cdigo do perfodo. Apesar dos pesares, Silvio Rome- ro soube avalid-la corretamente como infra- go da norma; “o poeta sai quase inteira- mente fora da toada comum da poetizagio do seu meio; suas idéias ¢ linguagem tém outra estrutura”, Nao encontrando explicagao para o fendmeno, 0 autor da Hist6ria da Literatu- 68 ra Brasileira, perplexo, atribuiu-o a impericia formal: ao poeta “quase inteiramente desco- nhecido” faltaria “a destreza e a habilidade da forma”. Da obra de Sousdndrade, desse terre- moto clandestino, que subverte o pacto har- monioso - a “toada comum” - de nosso Ro- mantismo canénico, a Formagao (que endos- sa quase sem discrepancia esse pacto e a par- tilha hierarquica de autores dele decorrente) praticamente nao da conta. Registra cautelo- samente a originalidade do poeta (“Um ori- ginal”, 11,207-208), relegado ao discreto conjunto dos “menores”. Relativiza, a seguir, esse aspecto de novidade, obtemperando que 0 “ar de procura”, legftimo como “inquieta~ do”, nem por isso “favorece a plenitude artfs- tica”. Em outras palavras, a Formagio re- pete, subscrevendo-o, juizo romeriano: a inovacdo - 0 excesso formal, j4 que entram no argumento alusdes a “preciosismo” e “mau gosto” - sdo interpretados como caréncia de perfeicdo no plano estético. Mas, releva no- tar, com uma agravante: de Sousindrade € considerado agora apenas o livro de estréia, Harpas Selvagens, 1857 (II, 416). O Guesa, um poema longo, em XII Cantos, que, na opinifo refrataria do proprio Sflvio Romero, conviria ler “por inteiro”, ndo é sequer objeto 69 de avaliacdo, embora referido na noticia bio- bliogréfica relativa ao poeta (II, 381). Sousfin- drade, ao contrario de Gregério, editou-se insistentemente, o que, nem por isso, Ihe pro- porcionou maior escuta junto ao piiblico seu contempordneo, que constituiria afinal 0 au- dit6rio “integrado” do Romantismo normati- vo. Vale dizer, na“perspectiva hist6rica” da Formagiio, também Sousdndrade, 0 barro- quista ilegivel - segundo os padrées comuns do tempo - nao existiu, ndo repercutiu, nao influiu, pelo menos no que toca & sua obra mais fundamental (ainda que hoje nao se pos- saescrever sem o autor do Guesa uma historia ndo convencional desse perfodo de nossa lite- ratura, como ndo se pode escrever, sem a disrupgao de Hoelderlin, a do Romantismo alemdo).© De uma perspectiva recepcional mais ampla, todavia, que dé conta do hetero- géneo e do descontinuo na histéria, a obra do coetaneo “preciosista” e arrevesado do “mei- go Casimiro” esté precisamente entre aquelas que rompem tAo totalmente com o horizonte familiar de expectativas literdrias, que seu ptiblico s6 se pode constituir progressiva- mente. A grande concérdia da “literatura integrada’’ sé se dcixa estabelecer - ¢ recapi- tule do A margem, “des-agre- 0 gando” 0 Guesa sousandradino (como antes, para simplificar a “questdo da origem”, Gre- g6rio eo Barroco haviam sido segregados no limbo...). O PARADIGMA ABERTO “..L'impossible 'tache du traducteur’(Benjamin), voila ce que veut dire aussi ‘déconstruction’.” J. Derrida Serd necessério ressalvar, num outro plano, que € 0 proprio autor da Formagio quem acaba, implicitamente, por abrir a possibili- dade de se repensar aquela sua primeira “perspectiva histérica”. Na “Dialética da Ma- landragem”, notdvel ensaio de 1970, como que refaz, em outro desenho, o tragado evo- lutivo-linear desse seu livro de 59, descons- truindo-o e reconstruindo-o num novo per- curso, agora fraturado € transtemporal (“ex- pressdes rutilantes, que reaparecem de modo periédico”, Dial.,88), recuperado antes pelas vias marginais do que pela estrada real. Nesse novo desenho, nao linearizado, mas conste- lar, mosaical, o antes inexistente “Boca do Inferno” passa a ter voze vez. E ele agora um dos precursores da comicidade “malandra” em nossa literatura, valorizado, nessa 6ptica renovada, nao pelo veio sério-estético da poe- sia Ifrica, amorosa e religiosa, mas pela sétira desabusada.” (Na Presenga, 1,70, embora se reconheca a preeminéncia do poeta na sitira brasileira, o quinhao satirico da poesia grego- 72 riana é dado por “monétono na maior parte”, coma ressalva do “pitoresco” e do“saboroso” de seus “melhores momentos”. A preferéncia vai para a obra lirica, que é considerada “tal- vez superior” € A qual se concedem mesmo “alguns momentos da mais alta poesia”, no todo de uma obra “irregular”, da qual se sal- varia apenas “uma minoria de versos”). Nessa antodesconstrucao do modelo semi- oldgico de ieitura da Formagio, por forca da qual a “musa praguejadora” de Gregorio de Mattos é resgatada de seu anterior seqiiestro sociolégico, néo mais 6pera, parece Icito afir- mar, 0 esquema “épico” da busca do momen- to logofainico de “encarnagio literdria do es- pirito nacional” (1,26) e do roteiro de seu retorno, hegeliano-ascensional, a si mesmo, convertido em “consciéncia real” de seu “sig- nificado hist6rico” (11,369). Nunca Mério de Andrade esteve tio certo, nunca foi (talvez involuntariamente) melhor te6rico do nacio- nal, quando, no rastreio ontolégico do “caré- ter” do homem brasileiro, chegou nao a iden- tidade conchisa, plena, mas a diferenga: a0 “descardter” irresolvido e questionante de seu anti-her6i macunaimico. (Essa perquiti- cdo da “identidade” ou “cardter nacional”, no 73 Machado de Assis de “Instinto de Nacionali- dade”, 1873, jé havia perdido, refira-se, todas as suas pretensdes de ubicacdo localista e de entificagdo substancialista; deriva talvez dat, dessa desmistificagéo do Romantismo, a su- perioridade critica da dltima fase da obra ma- chadiana, onde 0 ceticismo agdnico ensaia, em passo figurado de reflexdo, a “carnavali- zacdo” do esprit de finesse... Na “Dialéctica” o que importa ndo € mais depreender a fungio integrativa, que respon- deria pelo “encorpar-se” de uma tradigio continua, até 0 momento em que 0 LOGOS (0 “espirito”) nacional terminasse por se fa- zer carne, amadurecido € transubstanciado numa identidade social conclusa. Releva, agora, no plano do que se poderia chamar (com Jauss) a fungio antecipadora da litera- tura, discernir uma antitradicdo, eversiva, fragmentéria (aquelas periddicas “expressdes rutilantes”, ndo explicdveis por um causalis- ‘mo organicista), capaz de nos propor modelos de conduta nio-monolégicos,ndo sujeitos a0 consttangimento da lei (autoritaria), da iden- tidade (coesa} ¢ da idade exclu ‘echamento, cluso {nao dente do estranho}. suscetivel de “racionalizagdes ideolégicas”, entre as quais se inclui o préprio “nacionalis- mo” romantico), que se deixam vislumbrar as contradigdes anti-normativas que - para usar uma outra formulagdo da “Dialética” - “faci- litardo a nossa inseredo num mundo eventual- mente aberto”®?, “O cardter do personagem cémico ndo é o fantoche dos deterministas, mas a clarabéia a cujo raio aparece visivel- mente a liberdade de seus atos”, observa W. Benjamin num ensaio onde também sublinha a impossibilidade de “elaborar um conceito néo-contraditério”, a partir do “mundo exte- rior do homem agente”, para o fim de “Ihe dar por niicleo o cardter"™), De sua parte, Mi- khail Bakhtin, ao considerar a crise da “inte- gridade épica”, monoldgica, fala no “gaio ex- cesso”, no residuo “ndo-encarnével”, no “ex- cedente irrealizado de humanidade” corres- pondente a ume “dindmica do desacorde”, que teria vazdo no mundo “carnavalizado” do tiso.? Gregorio de Mattos, “o primeiro antrop6- fago experimental da nossa poesia”, como @ 9 de Campos, contribuiu plone! ramente para que possamos pensat esse pz ftieo, ndo-verocée viv Aug trico. B é por isso também que o reivindica- mos, no tricentésimo qiiinquagésimo aniver- sdrio de seu nascimento na “cidade da Bahia”. So Paulo, novemibro de 1986; versto revista: junhofjulho de 1987; agosto de 1988. POST SCRIPTUM, 1987 A“Dialética da Malandragem” foi, em cer- ta medida, antecipada por um ensaio de 1966 (publicado em revista em 1968), que encon- trou a necessdria edicéo cursiva em livro re- cente, A educagio pela noite (Sao Paulo, Edi- tora Atica, 1987). Trata-se de “Literatura de dois gumes”. Esse texto, ocupado sempre com a questdo da identidade nacional, se apresen- ta, discretamente, como uma “sondagem pre- liminar”, Embora se declare mais voltado pa- 1a “fato hist6rico” do que para o “fato esté- tico”, ndo por acaso proclama a intengio de desenvolver seu enfoque através de subidas descidas entre os séculos XVI ¢ XIX, sem subordinagdo A “seqiiéncia cronolégica estri- ta”, ou seja, desprendendo-se da sucessivi- dade linear. Seu critério passa a ser 0 oximo- resco “‘sentimento dos contrarios”, ‘atitude que “procura ver em cada tendéncia a com- ponente oposta, de modo a apreender a rea- lidade de maneira mais dinémica, que é sem- pre dialética”. O Romantismo continua a ser enfatizado por seu “maior poder de comuni- cagio imediata”, Mas 0 Barroco ¢ 0 “estilo parroco” (ainda que subsumidos por vezes no conceito mais neutro & desdiferenciador de ui) Classicisme e “estilo classico”) so vistos ago- ra por uma nova 6ptica. Deles decorreriauma ‘inguagem providencial” que, pelo “senso dos extremos e das oposigdes” (por sua capa- cidade de adequar-se a “realidade insdlita ou desconhecida”), teria gerado “modalidades ido tenazes de expressdo que, apesar da pas- sagem das modas literdrias, muito delas per~ maneceu como algo congenial ao Pafs”. Fica assim reconhecida a congenialidade, vale di- zer, a agio duradoura do Barroco. Desse mesmo “estilo barroco” de “extremos” © “contradigdes” que, na Presenga (F,22), inspi- rava reservas quanto “2 sua autenticidade” € a “permanéncia da sua comunicagéo”. Aqui, negse modo oximoresco de ler a tradicdo, j4 se prepara a grande “virada” metodol6gica autodesconstrutora da “Dialética”. NOTAS (*) 0 presente estudo foi elaborado a partir das notas Ge prelecdo do curso “Semiologia da evolucao titer dsia: ‘O modclo barroco e sua produtividade na poesia brasi- feira”, que ministrei no Semestre de Primavera de 1978 na Universidade de Yale, como Fulbright-Hays Visiting, Professor. Voltei a oferecer 0 mesmo curso em outras oportunidades, no Programa de Estudos Pés-Gradua~ dos em Comunicagéo ¢ Semidtica da PUC-SP ¢, no Semestre de Primavera de 1981, na Universidade do “Foxas em Austin, como Tinker Visiting Professor. Dei- the uma primeira redagao organizada em novembro de 1086, para apresenté-lo, sob forma de conferéncia, em 11 de dezembro do mesmo ano, no Simpésio comemo- rativo dos 350 anos de nascimento do poeta: “Gregorio de Mattos : O Poeta da Controvérsia’”, Salvador, Bahia; patrocinio: Universidade Federal da Bahia, Centro de Estudos Baianos da UFBA, Academia de Letras da Bahia, Fundacdo Greg6rio de Mattos/PMS. Em 2 de agosto de 1988, expus novamente o tem, sob o titulo “O Barroco ¢ a Historiografia Literéria Brasileira”, no Curso dé Especializagio em Cultura ¢ Arte Barroca promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto, MG. @) “a razio antropetégica: a Europa sob 0 signo da ‘” (1980), Caléguio/Leteas, Lisboa, Guiben: de. 1981; repu o sublitula na cultur: a” om Boketin io de Andrade, vy, 4d,n%s.1-4, janeiro a dezembro de 1983. Outros estu ddos meus pertinentes ao Barroco ¢ ao caso Gregorio de Mattos: “Postica sincrOnica”, Correio da Manha, Rio de Janeiro, 22.10.67, hoje em A Arie no Horizonte do Provavel, Sao Paulo, Perspectiva, 1969; “Texto ¢ Hist6- ria” (dezembro de 1967) ¢ “Uma Arquitestura do Bar- Foco” (283.71), ambos em A Operacio do Texto, Séo Paulo, Perspectiva, 1976. Refiram-se também as passa gens sobre Barroco ¢ “barroquismo” em Augnste © Faroldo de Campos, Re/Vistio de Soustndrade, S50 Paulo, Edigdes Invengao, 1964; 22. cd, Rio de Fanciro, Nova Fronteira, 1982. @ Wilson Martins, “Gregorio, o Pitoresco”, Suplemento Eiterario de O Estado de S. Paulo, 21.3.70.Note-se tomo, a0 usar a expresso “mislificagdo historica”, W. Martins carregaas cores do excerto de A. Candido por tle (Martins) previamente citado, dando-tne uma cono- tagio “apocaliptica”. @ Conferéncia pronunciada na Bibliotecs Pablica Muni- cipal de Sao Paulo, em 1945. CE Boletim Bibliogréfico, anol, v. VIL, abril-maio-junho de 1945. o Note-se que mesmo processo de “mitificagio” da vrigom se repete, com sinal rocad, na culminagio da cade, evolutiva proposia pela historiogrefia linear, 80 desta ver com Machado de Assis. Greg6tio, 0 “inex: tonto”, uma “auséncia” quese carrega pervasivamente die “presenca”, que deixa rastros, por mais que $ in- ae eoscurd la, Machado, nacional por néoser nacions! (eam brasleivo em regra”, 98 aus “2 3988 oe extrava gante”, abusivamente =2sit000 pelo “demOnio da imi Baan de infgeses alemdes”, no rotrato pretensamente rae etivo que The fez em 1897 otruculento SAvio Rome- ro), & uma “presenga” que se ‘ausenta, evasivamente, sempre que se pretenda “entificé-la”. (6) Hans Robert Jauss, “Literaturgeschichte als Provoka- Tan der Literaturwissenschaft” c “Geschichte der Kunst und Historie”, em “{ jteraturgeschichte als Pro~ vokation, Frankfurt aM. Subrkamp, 1970; Four wie wehnetique de ta réception, Paris, Gallimard, 1978, Se- gundo Jauss, 0 “escopo supremo” dos “patriarcas” ol- CULL —— tis tot Gervinus (Alemanha), De Sanetis (Ilia), Pats gon (Franca), fora exatamente “representay, através da LLL, cia de uma entidade nacional cm busca desi mesma”. ©) Os gfifos no estéo no original. ‘Acrescentei-os para oe ihor visualizar o problema. Como elucida Gayatri akravorty Spivak, em seu excerente preticio 8 tradu- ‘cdo para o inglés da & amatologia (OFGrammuatology, Baltimore/Londre The John Hopkias ‘University 1976), odeslinde de determinadasséries metafo- él P ricas ¢ do certos esquemas ret6ricos pode “desbalan- cat” a equacao de “unidade e ordem” que constitui o sistema enunciativo do texto ¢ por a nu “estruturas de cancelamento” que the serviram de lastro; oferece-se, assim, uma insténcia propicia a “leitura desconstruli- v D Ensaio apresentado num Simpésio de 1958, incluidoem ‘Th.AScbeok(org,) Style in Language, Cambridge, Mass, The M.LT Press, 1960; em port. em Roman Jakobson, Lingilistica e Comunicacio, Sao Paulo, Cul- {riWEDUSP, 1969 (trad. de LBlikstcin ¢ J, Paulo Pacs). Ver também as minhas considerages sobre o modelo Jakobsoniano em “Comunicagao na pocsia de vanguar- da”, A Arte no Horizonte do Provivel, cit. na nota 1 @) ‘O notavel lingiifsta brasileiro J. Maitoso Camara Jr. que foi discipulo de Jakobson nos E.U.A., revela, nao ob: tante, em suas “Consideragoes sobre 0 estilo” (1955), republicadas em Dispersos, Rio de Janeiro, Fundagao Gotitio Vargas, 1972, uma tendéncia a ratar engtobada ou indistintamente 0 “poético” ¢ 0 “emotivo”. Nesse 0, mostra, antes, uma influéneia da estilistica ” de Charles Bally, aluno de Saussure. Escreve: olugao para introduzir os elementos emocionais no ‘oda lingua é que estdnabasedo estilo, ima andtise. A io psiquica ¢ de apelo (no sentido de Bahler).” No entanto, Jakobson, desde 1923, em seu livro sobre 0 verso tcheco, havia considerado “errénea” a identifica- io pura e simples entre a “linguagem poética” ¢ a “linguagem emocional”, por nfo levar em conta a radi: cal diferenga funcional entre ambas"; assim, desde 1958, havia completado o modelo triddico de K.Bihler: Darstellungsfunktion, Kundgabefunktion, Appel- funktion, i €, “fungdo de "representagio" ou “expositi- va"; “fungdo de extcriorizacao” ou “expressiva”; “fun- ‘cio de apelo” ou “conativa”, com outras trés: “fética”, “metalingbistica” e “poética”. Na concepgio de estilo de A. Candido, influenciada pelo idealismo croceano, se manifesta uma tendéncia similar; como no caso de Mattoso Camara (que cita W.Urban) o clemento intui- tivo € realgado; ou, nas palavras de Mattoso: 6 “pelo contraste emocional em face do que € intelectivo” que “se deve caracterizar o estilo”. 0) George Steiner, em After Babel/Aspects of Language and Translation (Londres, N.Jorque, Toronto, Oxford University Press, 1975), expressa um ponto de vista que merece reflexio; glosando um verso de Shelley ("Lan- guage is a perpetual Orphic song"), escreve: “Se postu- larmos, como me parece necessério, que a linguagem humana amadurecen principalmente através de suas fungdes hermética e criativa, que a evolugao do génio da linguagem em sua plenitude ¢ insepardvel de impul- uultamento a ficgdo, entfio teremos conse~ nenie nos acercar do poblema de Babel(...) polisse} guide fia’ is, opacidade, a violagéo de qiéncias gramaticais ¢ logicas, incompreensoes reci- procas, a capacidade para mentir - isso tudo nao sio patologias da linguagem, mas sim as rafzes do seu gé- nio.” (10) “Geschichte der Kunst und Historie”, cit. na nota 5, p. 215 (ed.alema); p. 8 (ed, francesa). ay A “objetividade” faz parte do “ideal do critico”, um ideal “nunca alingido em virlude das limitagdes indivi- duais ¢ metodolégicas”, segundo se 1é na Formagio (131). A redugio do “arbitrio” em “beneficio da obje- tividade”; a “humildade de uma verificagao objetiva, a que outros poderiam ter chegado”, que abate 0 “orgu- tho inicial do critico, como leitor insubstituivel”, ¢ “o irmana aos lugares-comuns de seu tempo” (1,32); a nogéo de um “esqueleto do conhecimento objetiva- mente estabelecido”, que oeritico recobriria com “asa linguagem prépria, as idéias © imagens que exprimem, a sua visio” (1,39), so outros t6picos que ajudam a compreender a posigao do autor da Fermagao perante. © problema, a2) Argumentando contra a concepgao da histéria como uma “série fechada”, que envolveria 2 “iluso de um comego original ¢ de um fim definido”; criticando definigao de histéria de A.C-Danto ("A story is an 84 account, I shall say an explanation, of how the change from the beginning to the end took place”), que the parece corresponder Aquela que, na pottica de Arist6- icles, se dé & “fébula” (mythos), Jauss, em contraposi- do a essa idéia de uma “narrativa hist6rica” homogé- nea, presidida pela “unidade da fabula épica” Amancira aristotélica, escreve: “Se a logica narrativa, que fica assim intciramente fechada no campo da poética clis- sica, tiver em mira, também, dar conta do que ha de contingente na historia, ela poderia entdo seguir 0 pa- radigma do romance moderno, Este, desde Flaubert, aboliu programaticamente a teleologia da fabula épica c desenvolyeu técnicas narrativas destinadas a reintro- duzir na histéria passada o horizonte aberto do futuro; a substituir o narrador onisciente por uma pluralizagao de perspectivas diversamente situdveis; a destruir a ilusio da totalidade fechada por meio de eventos sur- preesstentes, que “incidem de través’, 0s quais deixam manifesta a impossibilidade de totalizar a hist6ria, exa- {amente por terem permanecido ainda inexplicévei (Geschichte der Kunst ...”,cit. na nota 5, pp. 229-230, cd. al; 101-102, ed. fr.).J.Derrida, por seu lado, quando, faza critica ao “modelo linear” e a0 “conceito tradi nal do tempo”, que the € solidério, mostrando como, esse “pensamecnto linear” pode implicar uma “redugao da hist6ria”, esclarece que est entendendo, por esse modelo (‘associado a um esquema lincar de desenrola: mento da presenga’), o “modelo épico”, Esse “modelo caigmético da linha”, que determinaria, por dentro, “oda ontologia, de Arist6teles a Hegel”, envolveria, segundo a desconstrucao derridiana da historia da filosofia, “o recalcamento do pensamento simbélico plutidimensional” (cf, Jacques Derrida, De la Gram- 85 matologle, Paris, Minuit, 1967, pp. 127-130; Gramato- logia, Sao Paulo, Perspectiva, 1973, pp. 106-108; trad, de Miriam Schnaiderman ¢ Renato Janine Ribeiro), Em Positions, Paris, Minuit, 1972, p.77, Derrida acres- centa: “O cardter metafisico do conceito de hist6ria nao ‘est apenas ligado a lincaridade, masa todo um sistema deimplicagées ((cieologia, escatologia, acumulacao re- levante e interiorizante do sentido, um certo tipo de tradicionalidade, um certo conceito de continuidade, de verdade, etc.).” (13) Em meu ensaio de 67, “Poética Sincrdnica” (cf. nota 1, acima), escrevi: “Greg6rio de Mattos soube levar a mistura de elementos do Barroco & propria textura de sua linguagem, através da miscigenagio idiomética de caldeamento tropical (cm sonetos como "Ha enisa co- mo ver um paiaid" e “Um pafa de Monai, bonzo bra- ma”). © mesmo hibridismo que se encontra em nosso Barroco plastico. Acredito que o enfoque de Gregorio de Mattos ganharia nova luz se se levasse em conta a questo da dignidade estética da traducéo, como cate- goria da criagio." Refutei, entéo, os termos esircitos em que era posta a acusacio de “plagio” lancada contra o Poeta. Retomando essa refutagdo, observei (em “Texto © Hist6ria”, também de 67;cf. nota 1): “...plagidrio, um poeta do qual nao se conhecem manu por ter traduzide para o portugués o int {6 gongorino, quando um dos brasde: Barthes, a mattiz aberta do Barroco, que soube recom- binar ludicamente, em nossa lingua, num soncto aut6- nomo - verdadeiro vértice de um sutil diglogo textual - versos- membros de diferentes sonetos do pocta cor- dovés?...” Posteriormente, em “A escritura mefistoféli- : parddia € carnavalizacao no Fausto de Goethe” (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n® 62, julho-setem- bro de 1980; Deus eo Dinbo no FAUSTO de Goethe, Sio Paulo, Perspectiva, 1981), desenvolvio conceito de “plagiotropia”, que “tem a ver, obviamente, com aiidéia de parédia como canto paralelo’, generalizando-o para designar o movimento nao-linear de transformagio dos textos ao longo da histéria, por derivagdo nem sempre .ediala”. Falci, entdo, em Greg6rio de Mattos como “tradutor” ({ransformador) ostensivo de GOngora Quevedo", num plano de “diglogo com as inflexdes ropismos) Ja tradigio” no diverso substancialmente e-em que se punha Camdes quando “traduzia”, m diferentes momentos de sua poesia, seja a diegao iedregosa”, seja o estilo “paradisfaco” de Dante. Ga) Severo Sarduy, “Ei Barroco yol Neobarraco”, em Amé- rica Latina en su literatura, Mésico, UNESCO/Sigio XX, 1972; em portugés, numa versio algo ampliada, sob o titulo “Por uma ética do desperdicio”, em Escrito sobre um corpo, Sio Paulo, Perspective, 1979. Aqui também vefecir a critica benjaminiana a estética i de compreender a ale- kantianos, infonsos As singularidades da sintese barro- ea, nfo tanto a riqueza do significado, mas o “desperdi- cio”, a extravagiincia, aquilo que se oporia“ claridade © A unidade do sentido”,enfim, a “transgressio dos limites das modalidades artisticas”, o “grande abuso ‘contra a paze a ordem da regularidade no dominio das artes”); cf. W.Benjamin, Ursprang des deutschen Trauersplels, Frankfurt a.M., Sulrkamp, 1972, pp. 196-197; em portugués, na tradugio de Sérgio Paulo Rouanct, Origem do Drama Barroco Alemio, Sao Pau- 1o, Brasiliense, 1984, pp. 198-199; na citacao, a tradugio 6 minha; ver meus comentarios a respeito em Deus € 0 iabo...", ob. cit. na nota acima, pp... 130-133. (15) Affonso Avila, O Léidico e as Projegées do Mundo Barroco, Sio Paulo, Perspectiva, 1971. Nesse

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