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FERREIRA (2005) Os Sentidos de Semântica Linguística Nos Primeiros Estudos de Ducrot
FERREIRA (2005) Os Sentidos de Semântica Linguística Nos Primeiros Estudos de Ducrot
Oswald Ducrot
Ana Cláudia Fernandes Ferreira1
1
Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) hannaclau@yahoo.com.br
Introdução
Este trabalho é parte de minha pesquisa sobre a história da semântica no Brasil.
Mais especificamente, sobre a história da semântica argumentativa nas produções de
Carlos Vogt e Eduardo Guimarães, nas décadas de 70 e 80 (processo Fapesp, n°.
02/12649-7). Este estudo se insere no interior do projeto interinstitucional História das
Idéias Lingüísticas no Brasil (HIL)1. Nele, filio-me à semântica histórica da
enunciação proposta por Eduardo Guimarães, buscando, assim como o autor, um
diálogo com a análise de discurso proposta por M. Pêcheux e E. Orlandi, dentre outros2.
Realizarei, aqui, uma análise dos processos de designação de semântica
lingüística em O. Ducrot (1969, 1972 e 1973). Para esta análise trabalharei com os
conceitos de reescrituração e de articulação, que são definidos por E. Guimarães em
relação à textualidade. Segundo o autor, os procedimentos de reescrituração “são
procedimentos pelos quais a enunciação de um texto rediz insistentemente o que já foi
dito” (Guimarães, 1999: p. 4) e que, ao redizer, produz uma deriva de sentidos. E os
procedimentos de articulação “dizem respeito às relações próprias das contiguidades
locais. De como o funcionamento de certas formas afetam outras que elas não redizem”
(Guimarães, 2004: p. 8). Através da análise dos procedimentos de reescrituração e de
articulação será possível observar como vai se configurando um certo domínio
semântico de determinação (DSD) para os sentidos de semântica lingüística. E.
Guimarães (2004) define DSD a partir da noção de determinação que, segundo ele,
[h] Descrição
semântica de L
Sentido de A em X
[2] “Quanto a dizer que existe, para a língua L, [c] uma descrição semântica lingüística
possível, é fazer uma hipótese bem precisa sobre a organização a dar [i] à descrição
semântica de L”.
[3] “Se desejarmos, entretanto, evitar este pessimismo e tentar colocar um pouco de ordem [j]
na descrição semântica, uma hipótese parece vantajosa, e nos parece ser, implícita ou
explicitamente, [x] a de qualquer semântica lingüística.
Trata-se de pensar que [k] o retângulo acima desenhado deve ser dividido em dois
compartimentos principais. [d] Um primeiro componente, isto é, um conjunto de
conhecimentos (nós o chamaremos [e] descrição semântica lingüística de L ou, por
abreviação, [f] componente lingüístico) atribuiria a cada enunciado, independentemente de
qualquer contexto, uma certa significação”.
(“Presuposés et Sous-Entendus”. Le Dire et le Dit. p. 13, 14 e 15) .
Comparando as relações estabelecidas entre estas expressões, pode-se notar que
algumas delas reescrevem [1[a]] ‘uma descrição semântica propriamente lingüística das
línguas naturais’ e outras reescrevem [1[g]] ‘a descrição semântica de uma língua L’. A
semelhança entre elas é que ambas contêm a expressão ‘descrição semântica’. Mas o
sentido de ‘descrição semântica’ destas expressões está marcado por uma diferença
determinante. A articulação da palavra ‘lingüística’ em [1[a]] e em suas reescrituras
determina o sentido de ‘descrição semântica’ como uma descrição semântica que é
propriamente lingüística. A presença desta palavra nestas expressões estabelece uma
oposição com [1[g]] e com suas reescrituras em que a palavra ‘lingüística’ não está
presente, fazendo com que o sentido de ‘descrição semântica’ aí não seja,
necessariamente, o de uma descrição semântica propriamente lingüística.
De um lado, a expressão [1[a]] ‘uma descrição semântica propriamente
lingüística das línguas naturais’ é reescrita por [1[b]] ‘uma tal descrição semântica
lingüística’, [2[c]] ‘uma descrição semântica lingüística possível’ e [3[e]] ‘descrição
semântica lingüística de L’, por de um processo metonímico4 em que o advérbio
‘propriamente’ é elidido. Esta última expressão é o nome dado a [3[d]] ‘um primeiro
componente’ da descrição semântica. Componente que é também nomeado, ‘por
Considerações Finais
Como se pôde observar, na instabilidade do domínio semântico de determinação
de semântica lingüística, não é o nome em si que significa. Ele significa através de
relações de sentido possíveis que se constroem historicamente. E estas relações, como
procurei mostrar, não são sempre as mesmas. Semântica lingüística é um nome que,
como qualquer outro, é exposto à história, e está sujeito à tensões e contradições
(Pêcheux, 1982) que desestabilizam seus sentidos e os estabilizam sob outras formas.
Essa análise dos processos de designação de semântica lingüística, bem como
outras análises que produzi em minha pesquisa de mestrado6, possibilitaram que eu
compreendesse algumas diferenças significativas entre os primeiros estudos de O.
Ducrot, C. Vogt e E. Guimarães. Com estas análises pude compreender, por exemplo,
que a introdução de certas questões relativas à pragmática e o discurso em C. Vogt
(1974) e E. Guimarães (1976) estava determinada não apenas por uma relação
intertextual com as propostas de O. Ducrot, mas, sobretudo, por certas condições
histórico-institucionais da produção do conhecimento sobre a linguagem no espaço
brasileiro.
1
Este projeto conta com apoio do acordo Capes/Cofecub.
2
Gostaria de registrar meu agradecimento à professora Claudia Castelhanos Pfeiffer
(minha orientadora) e ao professor Eduardo Guimarães pelos valiosos comentários e
observações críticas que contribuiram largamente para o desenvolvimento deste
trabalho.
3
O conceito de recorte, concebido por E. Orlandi (1984), define-se como uma unidade
discursiva. Segundo a autora, “não há uma passagem automática entre as unidades (os
recortes) e o todo que elas constituem” (p. 14). Os recortes efetuados pelo analista são
feitos a partir de uma determinada posição teórica e dependem da pergunta que sua
análise procurará responder.
Os negritos deste recorte e dos recortes seguintes são meus. Os itálicos são do autor. A
tradução que fiz dos recortes deste artigo de O. Ducrot é sobre a edição de Le Dire et le
Dit, de 1984. Preferi, para minha análise, traduzi-los de um modo um pouco diferente da
versão em português que se encontra em O Dizer e o Dito, de 1987. Os recortes que
apresentarei a seguir também tiveram essa versão alternativa. Aproveito para deixar
registrado meu agradecimento a Alain François que me orientou em algumas partes
dessa tradução.
4
O processo metonímico não está sendo considerado do ponto de vista referencial.
Estou trabalhando com este processo como um efeito metonímico. Penso o efeito
metonímico enquanto uma retomada possibilitada pelo procedimento de reescritura, em
que a relação da parte pelo todo é atravessada por pré-construídos, que remetem,
conforme escreve M Pêcheux (1975), “a uma construção anterior, exterior, mas sempre
independente, em oposição ao que é “construído” pelo enunciado” (p. 99). No caso da
elisão de ‘propriamente’ nas reescrituras metonímicas de ‘uma descrição semântica
propriamente lingüística das línguas naturais’, elas continuam significando em relação à
‘propriamente’, apesar da elipse. Isso porque, para além da articulação do texto, em que
Referências Bibliográficas
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